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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 17 (2.644) Cidade do Vaticano terça-feira 28 de abril de 2020 No Regina caeli o Pontífice falou do episódio evangélico dos discípulos de Emaús Mudança de passo do eu para Deus Carta do Papa aos fiéis para o mês de maio Redescobrir a beleza do Rosário em casa Audiência geral de quarta-feira Se destruir o ambiente o homem não tem futuro PÁGINA 3 Entrevista a Massimo Cacciari Para a Europa já não haverá exames de recuperação ANDREA MONDA NAS PÁGINAS 4-5 No Alto Solimões primeiro diácono permanente indígena Tocar a realidade EGIDIO PICUCCI NA PÁGINA 6 He qi, «O caminho de Emaús» «A necessidade de uma «inversão de marcha», de uma «mudança de pas- so do eu para Deus, do “se” para o “sim”: esta é a atualidade da mensa- gem da experiência de Emaús para nós, discípulos de Jesus hoje». O papa Francisco indicou-a no Regina caeli de 26 de abril, antes de dar a bênção a uma Praça de São Pedro ainda vazia, devido às medidas an- ti-agrupamento impostas pela pan- demia da Covida-19. Ao meio-dia, o Pontífice guiou a recitação da antífona mariana da bi- blioteca particular do Palácio Apos- tólico do Vaticano; e comentou, co- mo de costume, o Evangelho do dia — na circunstância o do terceiro do- mingo de Páscoa que narra o episó- dio dos dois discípulos de Emaús (cfr. Lc 24, 13-35) — explicando «que na vida temos diante de nós duas di- reções opostas»: a «daqueles que, como os dois do início, se deixam paralisar pelas desilusões... e vão em frente com tristeza»; e a dos que não se põem a si próprios nem os seus problemas em primeiro lugar, mas Jesus» e «os irmãos que esperam que cuidemos deles». Eis então “a mudança” desejada por Francisco: «deixar de orbitar em volta de si mesmo», «do passado, dos ideais não realizados, de muitas coisas ne- gativas»; e «continuar a olhar para a maior e mais verdadeira realidade da vida: Jesus está vivo» e «ama-me». Uma passagem da «monotonia da tristeza» para a «alegria do serviço» aos outros. Como tudo isto possa acontecer na vida quotidiana são mais uma vez os dois de Emaús, com o seu teste- munho, que o esclarecem: trata-se de «três passos — sugeriu o Papa — que também nós podemos dar nas nos- sas casas», abrindo o coração a Je- sus, escutando-o e rezando com as suas palavras: «Senhor, fica connos- co» porque «sem Ti há noite». Também na missa que celebrou de manhã em Santa Marta — oferecida pelas «pessoas que sofrem a tristeza porque estão sozinhas ou não sabem o futuro que as espera», porque fica- ram sem dinheiro e sem trabalho — Francisco falou destes discípulos, cu- jos nomes não são mencionados pelo evangelista, debruçando-se em parti- cular sobre a sua “inquietude”. PÁGINA 8 Uma exortação a “redescobrir a beleza de rezar o terço em casa”, aproveitando “este tempo de iso- lamento social” devido às medidas de oposição à covid-19, foi feita pelo Papa Francisco através de uma carta dirigida aos fiéis de todo o mundo. Difundida na manhã de sábado, 25 de abril, al- guns dias antes do início do mês de maio, tradi- cionalmente dedicado à Virgem Maria, a carta do Pontífice é acompanhada de duas orações a Nos- sa Senhora. Em maio, recordou o Papa, «o povo de Deus expressa com particular intensidade o seu amor e devoção à Virgem», com a tradição de recitar o Terço em família. «Uma dimensão, a doméstica», frisou, «que as restrições da pande- mia nos “obrigaram” a valorizar, também do ponto de vista espiritual». PÁTGINA 2

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E ROMANO€¦ · uma carta dirigida aos fiéis de todo o mundo. Difundida na manhã de sábado, 25 de abril, al-guns

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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 17 (2.644) Cidade do Vaticano terça-feira 28 de abril de 2020

No Regina caeli o Pontífice falou do episódio evangélico dos discípulos de Emaús

Mudança de passo do eu para Deus

Carta do Papa aos fiéis para o mês de maio

Redescobrir a beleza do Rosário em casa

Audiência geral de quarta-feira

Se destruir o ambienteo homem não tem futuro

PÁGINA 3

Entrevista a Massimo Cacciari

Para a Europa já não haveráexames de recuperação

ANDREA MONDA NAS PÁGINAS 4-5

No Alto Solimões primeiro diáconopermanente indígena

Tocar a realidade

EGIDIO PICUCCI NA PÁGINA 6

He qi, «O caminho de Emaús»

«A necessidade de uma «inversão demarcha», de uma «mudança de pas-so do eu para Deus, do “se” para o“sim”: esta é a atualidade da mensa-gem da experiência de Emaús paranós, discípulos de Jesus hoje». Opapa Francisco indicou-a no Regina

caeli de 26 de abril, antes de dar abênção a uma Praça de São Pedroainda vazia, devido às medidas an-ti-agrupamento impostas pela pan-demia da Covida-19.

Ao meio-dia, o Pontífice guiou arecitação da antífona mariana da bi-

blioteca particular do Palácio Apos-tólico do Vaticano; e comentou, co-mo de costume, o Evangelho do dia— na circunstância o do terceiro do-mingo de Páscoa que narra o episó-dio dos dois discípulos de Emaús(cfr. Lc 24, 13-35) — explicando «que

na vida temos diante de nós duas di-reções opostas»: a «daqueles que,como os dois do início, se deixamparalisar pelas desilusões... e vão emfrente com tristeza»; e a dos que nãose põem a si próprios nem os seusproblemas em primeiro lugar, masJesus» e «os irmãos que esperamque cuidemos deles». Eis então “amudança” desejada por Francisco:«deixar de orbitar em volta de simesmo», «do passado, dos ideaisnão realizados, de muitas coisas ne-gativas»; e «continuar a olhar para amaior e mais verdadeira realidade davida: Jesus está vivo» e «ama-me».Uma passagem da «monotonia datristeza» para a «alegria do serviço»aos outros.

Como tudo isto possa acontecerna vida quotidiana são mais uma vezos dois de Emaús, com o seu teste-munho, que o esclarecem: trata-se de«três passos — sugeriu o Papa — quetambém nós podemos dar nas nos-sas casas», abrindo o coração a Je-sus, escutando-o e rezando com assuas palavras: «Senhor, fica connos-co» porque «sem Ti há noite».

Também na missa que celebrou demanhã em Santa Marta — o f e re c i d apelas «pessoas que sofrem a tristezaporque estão sozinhas ou não sabemo futuro que as espera», porque fica-ram sem dinheiro e sem trabalho —Francisco falou destes discípulos, cu-jos nomes não são mencionados peloevangelista, debruçando-se em parti-cular sobre a sua “inquietude”.

PÁGINA 8

Uma exortação a “redescobrir a beleza de rezar oterço em casa”, aproveitando “este tempo de iso-lamento social” devido às medidas de oposição àcovid-19, foi feita pelo Papa Francisco através deuma carta dirigida aos fiéis de todo o mundo.Difundida na manhã de sábado, 25 de abril, al-guns dias antes do início do mês de maio, tradi-cionalmente dedicado à Virgem Maria, a carta doPontífice é acompanhada de duas orações a Nos-

sa Senhora. Em maio, recordou o Papa, «o povode Deus expressa com particular intensidade oseu amor e devoção à Virgem», com a tradiçãode recitar o Terço em família. «Uma dimensão, adoméstica», frisou, «que as restrições da pande-mia nos “obrigaram” a valorizar, também doponto de vista espiritual».

PÁT G I N A 2

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 28 de abril de 2020, número 17

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

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ANDREA MONDAd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

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Carta de Francisco a todos os fiéis para o mês de maio

Redescobrir a belezado Rosário em casa

Liberta-nos desta terrível pandemia

Ó Maria, Tu resplandeces sempreno nosso caminho como sinal desalvação e de esperança.Confiamo-nos a Ti, Saúde dosenfermos, que na cruz fosteassociada à dor de Jesus,mantendo firme a tua fé.Tu, Salvação do povo romano,sabes do que precisamos, eestamos certos de que o proveráspara que, como em Caná daGalileia, a alegria e a celebraçãopossam retornar depois destemomento de provação.Ajuda-nos, Mãe do Amor Divino,a conformar-nos à vontade do Paie a fazer o que nos diz Jesus, quetomou sobre si os nossossofrimentos e carregou as nossasdores para nos conduzir, atravésda cruz, à alegria da ressurreição.Amém!Sob a tua proteção buscamos refúgio,Santa Mãe de Deus. Não desprezes,as nossas súplicas nas necessidades elivra-nos de todo o perigo, ó Virgemgloriosa e bendita!

«Redescobrir a beleza de rezar o Terço em casa no mês de Maio» nesta época deisolamento social devido à pandemia. Foi a exortação que Francisco dirigiu aosfiéis de todo o mundo através de uma carta — acompanhada de duas orações àVirgem — difundida a 25 de abril, poucos dias antes do início do mês dedicado àMãe de Deus. Publicamos os textos da carta e as duas orações marianas: aprimeira é a que o Pontífice dirigiu a Nossa Senhora do Divino Amor numamensagem de vídeo por ocasião da missa celebrada no passado dia 11 de marçopelo Cardeal Vigário Angelo De Donatis no santuário romano para o DiaDiocesano de Oração e Jejum; a segunda, inédita, foi composta para a ocasião.

Giovanni Battista Ramenghi, «Nossa Senhora do Rosário com os Santos» (1585)

Queridos irmãos e irmãs!Já está próximo o Mês de Maio, noqual o povo de Deus manifesta deforma particularmente intensa o seuamor e devoção à Virgem Maria.Neste mês, é tradição rezar o Terçoem casa, com a família; dimensão es-ta — a doméstica —, que as restriçõesda pandemia nos «forçaram» a valo-rizar, inclusive do ponto de vista es-piritual.

Por isso, pensei propor-vos a to-dos que volteis a descobrir a belezade rezar o Terço em casa, no mês demaio. Podeis fazê-lo juntos ou indi-vidualmente: decidi vós de acordocom as situações, valorizando ambasas possibilidades. Seja como for, háum segredo para bem o fazer: a sim-plicidade; e é fácil encontrar, mesmona internet, bons esquemas para se-guir na sua recitação.

Além disso, ofereço-vos os textosde duas orações a Nossa Senhora,que podereis rezar no fim do Terço;eu mesmo as rezarei no mês deMaio, unido espiritualmente convos-co. Junto-as a esta Carta, para queassim fiquem à disposição de todos.

Queridos irmãos e irmãs, a con-templação do rosto de Cristo, junta-mente com o coração de Maria, nos-sa Mãe, tornar-nos-á ainda mais uni-dos como família espiritual e ajudar-nos-á a superar esta prova. Eu reza-rei por vós, especialmente pelos quemais sofrem, e vós, por favor, rezaipor mim. Agradeço-vos e de coraçãovos abençoo.

Roma, São João de Latrão,na Festa de São Marcos Evangelista,

25 de abril de 2020.

[Fra n c i s c o ]

Sinal de salvação

«À vossa proteção, recorremos, Santa Mãe de Deus».Na dramática situação atual, carregada de sofrimentos eangústias que oprimem o mundo inteiro, recorremos aVós, Mãe de Deus e nossa Mãe, refugiando-nos sob avossa proteção.Ó Virgem Maria, volvei para nós os vossos olhosmisericordiosos nesta pandemia do coronavírus econfortai a quantos se sentem perdidos e choram pelosseus familiares mortos e, por vezes, sepultados dumamaneira que fere a alma. Sustentai aqueles que estãoangustiados por pessoas enfermas de quem não sepodem aproximar, para impedir o contágio. Infundiconfiança em quem vive ansioso com o futuro incerto eas consequências sobre a economia e o trabalho.Mãe de Deus e nossa Mãe, alcançai-nos de Deus, Paide misericórdia, que esta dura prova termine e volte umhorizonte de esperança e paz. Como em Caná,intervinde junto do vosso Divino Filho, pedindo-Lheque conforte as famílias dos doentes e das vítimas eabra o seu coração à confiança.Protegei os médicos, os enfermeiros, os agentes desaúde, os voluntários que, neste período de emergência,estão na vanguarda arriscando a própria vida parasalvar outras vidas. Acompanhai a sua fadiga heroica edai-lhes força, bondade e saúde.Permanecei junto daqueles que assistem noite e dia osdoentes, e dos sacerdotes que procuram ajudar e apoiara todos, com solicitude pastoral e dedicação evangélica.

Virgem Santa, iluminai as mentes dos homens emulheres de ciência, a fim de encontrarem as soluçõesjustas para vencer este vírus.Assisti os Responsáveis das nações, para que atuem comsabedoria, solicitude e generosidade, socorrendo aquelesque não têm o necessário para viver, programandosoluções sociais e económicas com clarividência eespírito de solidariedade.Maria Santíssima tocai as consciências para que assomas enormes usadas para aumentar e aperfeiçoar osarmamentos sejam, antes, destinadas a promoverestudos adequados para prevenir catástrofes do génerono futuro.Mãe amadíssima, fazei crescer no mundo o sentido depertença a uma única grande família, na certeza dovínculo que une a todos, para acudirmos, com espíritofraterno e solidário, a tanta pobreza e inúmerassituações de miséria. Encorajai a firmeza na fé, aperseverança no serviço, a constância na oração.Ó Maria, Consoladora dos aflitos, abraçai todos osvossos filhos atribulados e alcançai-nos a graça queDeus intervenha com a sua mão omnipotente para noslibertar desta terrível epidemia, de modo que a vidapossa retomar com serenidade o seu curso normal.Confiamo-nos a Vós, que resplandeceis sobre o nossocaminho como sinal de salvação e de esperança, óclemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria. Amen.

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número 17, terça-feira 28 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Se destruir o ambienteo homem não tem futuro

Dedicada ao Dia mundial da Terra

C AT E Q U E S E

«Não há futuro para nós sedestruirmos o ambiente que nossustenta»: foi a severa admoestaçãofeita pelo Papa na audiência geral dequarta-feira, 22 de abril, por ocasiãodo Dia mundial da Terra (EarthDay) e do quinto aniversário da suacarta encíclica Laudato si’ sobre ocuidado da casa comum. O Pontíficepronunciou uma reflexão especialdedicada à iniciativa da Onu parasensibilizar acerca da necessidade desalvaguardar o planeta.

Bom dia, estimados irmãos eirmãs!Hoje celebramos o 50º Dia Mun-dial da Terra. É uma oportunidadepara renovar o nosso compromissode amar a nossa casa comum e decuidar dela e dos membros maisfracos da nossa família. Como atrágica pandemia do coronavírusnos demonstra, só unidos e cuidan-do dos mais frágeis podemos ven-cer os desafios globais. A CartaEncíclica Laudato si’ tem precisa-mente este subtítulo: “Sobre o cui-dado da casa comum”. Hoje refle-tiremos um pouco juntos sobre estaresponsabilidade que distingue «anossa passagem por esta terra»(LS, n. 160). Temos que crescer naconsciência do cuidado da casa co-mum.

Somos feitos de matéria terrena,e os frutos da terra sustentam anossa vida. Mas, como nos recordao Livro do Génesis, não somos sim-plesmente “t e r re s t re s ”: temos em nóstambém o sopro vital que vem deDeus (cf. Gn 2, 4-7). Portanto, vi-vemos na casa comum como umafamília humana e na biodiversida-de com as outras criaturas deDeus. Como imago Dei, imagem deDeus, somos chamados a cuidar erespeitar todas as criaturas e a nu-trir amor e compaixão pelos nossosirmãos e irmãs, especialmente pelosmais fracos, à imitação do amor deDeus por nós, manifestado no seuFilho Jesus, que se fez homem pa-ra partilhar connosco esta situaçãoe para nos salvar.

Devido ao egoísmo, falhamos nanossa responsabilidade de guar-diães e administradores da Terra.«Basta olhar a realidade com since-ridade para ver que há uma grandedeterioração da nossa casa co-mum» (ibid., n. 61). Poluímo-la, sa-queámo-la, colocando em perigo anossa própria vida. Por isso, for-maram-se vários movimentos inter-nacionais e locais para despertar asconsciências. Aprecio sinceramenteestas iniciativas e ainda será neces-sário que os nossos filhos saiam àsruas para nos ensinar o que é ób-

vio, ou seja, que não há futuro pa-ra nós se destruirmos o meio am-biente que nos sustenta.

Falhamos na preservação da ter-ra, da nossa casa-jardim, e na tute-la dos nossos irmãos. Pecamos con-tra a terra, contra o nosso próximoe, em última análise, contra o Cria-dor, o bom Pai que vela sobre to-dos e quer que vivamos juntos emcomunhão e prosperidade. E comoreage a Terra? Há um ditado espa-nhol que é muito claro sobre isto, ediz assim: “Deus perdoa sempre;nós, homens, às vezes; a terra, nun-ca”. A terra não perdoa: se deterio-rarmos a terra, a resposta será terrí-vel.

Como podemos restabeleceruma relação harmoniosa com aTerra e com o resto da humanida-de? Uma relação harmoniosa...Muitas vezes perdemos a visão daharmonia: a harmonia é obra doEspírito Santo. Inclusive na casacomum, na Terra, até no nosso re-lacionamento com as pessoas, como próximo, com os mais pobres,como podemos restabelecer estaharmonia? Precisamos de uma no-va forma de considerar a nossa ca-sa comum. Atenção, ela não é umdepósito de recursos a explorar.Para nós crentes, o mundo naturalé o “Evangelho da Criação”, queexprime o poder criador de Deusde plasmar a vida humana e de fa-zer com que o mundo exista junta-mente com quanto contém parasustentar a humanidade. A narra-ção bíblica da Criação conclui daseguinte forma: «Deus contemploutoda a sua obra, e viu que tudo eramuito bom» (Gn 1, 31). Quandovemos estas tragédias naturais, quesão a resposta da Terra aos nossosmaus-tratos, penso: “Se agora euperguntar ao Senhor o que pensaEle disto, acho que não me diráque é algo muito bom. Fomos nósque arruinamos a obra do Senhor!

Ao celebrarmos hoje o Dia Mun-dial da Terra, somos chamados areencontrar o sentido do respeitosagrado pela Terra, porque ela nãoé apenas a nossa casa, mas tambéma casa de Deus. É daqui que brotaem nós a consciência de estarmosnum terreno sagrado!

Caros irmãos e irmãs, «desperte-mos o sentido estético e contem-plativo que Deus colocou em nós»(Exortação Apostólica pós-sinodalQuerida Amazonia, 56). A profeciada contemplação é algo que apren-demos sobretudo dos povos origi-nários, os quais nos ensinam quenão podemos cuidar da Terra senão a amamos nem a respeitamos.Eles têm esta sabedoria do “b em-viver”, não no sentido de passarbem, não: mas de viver em harmo-nia com a Terra. Eles chamam a es-ta harmonia “b em-viver”.

Ao mesmo tempo, precisamos deuma conversão ecológica que se ex-prima em obras concretas. Comofamília única e interdependente, te-mos necessidade de um plano com-partilhado, para prevenir as amea-ças contra a nossa casa comum. «Ainterdependência obriga-nos a pen-sar num único mundo, num proje-to comum» (LS, n. 164). Estamosconscientes da importância de cola-borar como comunidade interna-cional para a salvaguarda da nossacasa comum. Exorto quantos têmautoridade a liderar o processo quelevará a duas grandes Conferências

internacionais: a COP15 sobre aB i o d i v e rs i d a d e , em Kunming (Chi-na), e a COP26 sobre as MudançasClimáticas, em Glasgow (ReinoUnido). Estes dois encontros sãodeveras importantes.

Gostaria de encorajar a organiza-ção de ações conjuntas também anível nacional e local. É bom con-vergir de todas as condições sociaise criar também um movimento po-pular “a partir de baixo”. Foi preci-samente assim que nasceu o pró-prio Dia Mundial da Terra, quehoje celebramos. Cada um de nóspode dar a sua pequena contribui-ção: «E não se pense que estes es-forços são incapazes de mudar omundo. Estas ações espalham nasociedade um bem que frutificasempre para além do que é possívelconstatar; provocam no seio destaterra um bem que tende sempre adifundir-se, às vezes invisivelmen-te» (LS, n. 212).

Neste tempo pascal de renova-ção, esforcemo-nos por amar eapreciar o magnífico dom da t e r ra ,nossa casa comum, e por cuidar detodos os membros da família hu-mana. Como irmãos e irmãs quesomos, imploremos juntos ao nossoPai celestial: «Enviai o vosso Espí-rito e renovai a face da terra» (cf.Sl 104, 30).

No final da catequese, antes derecitar o Pai-Nosso e de conceder abênção, o Papa Francisco saudou emvárias línguas os fiéis que o seguiamatravés dos meios de comunicação,dirigindo aos de expressão portuguesaas seguintes palavras.

Saúdo de coração os fiéis de línguaportuguesa, fazendo votos de queeste tempo de Páscoa, que lembraque a Ressurreição de Cristo é oinício da nova Criação, vos impul-sione a comprometer-vos aindamais no cuidado com a casa co-mum, certos, como nos ensina SãoPaulo, que «a criação espera comimpaciência a manifestação dos fi-lhos de Deus» (Rm 8, 19). Deusvos abençoe!As consequências de incêndios e desflorestação no estado australiano do Queensland (Ap)

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número 17, terça-feira 28 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 4/5

Conversa com o filósofo Massimo Cacciari

Para a Europa já não haveráexames de recuperação

«Ou os governos europeus se confrontamcom esta emergência, que envolve todos eles,com uma linha comum, uma estratégia eficazque mostre que aprenderam a lição,ou a situação simplesmente precipita».

LA B O R AT Ó R I O SOBRE O PÓS-PA N D E M I A

gressa da morte para a mesma vidade antes, e depois morre novamente,mas é preciso ressuscitar como Jesus,para uma vida plena e eterna.

Exatamente: não se pode enchera praça como antes com a ilusãode restaurar o status quo ante. Dacrise sairemos com uma nova von-tade europeia comum, que talvezretome uma ideia de Europa quenunca se concretizou, devemos re-começar com esse espírito de refor-ma interna e de maior cooperaçãoe colaboração internacional.

Há alguns dias, os italianos aplaudi-ram a vinda dos albaneses em nossosocorro e ficaram indignados por ospaíses nórdicos não o terem feito, masa questão é que talvez não possamospedir a ajuda de outros para perma-necermos no que éramos, porque a si-tuação não era virtuosa antes. Pode-mos pedir ajuda, mas para mudar,não para ficar na mesma.

Concordo plenamente; uma dascoisas mais odiosas é esta choradei-ra sobre a Europa, que tem imen-sas responsabilidades (e podemosfalar dela ainda pior do que os crí-ticos mais severos da Europa), masé preciso dizer finalmente o que sequer fazer. Também porque não foia Europa que nos obrigou a au-mentar constantemente a nossa dí-vida ao longo dos últimos 25 anos,não foi a Europa que nos obrigoua não fazer reformas institucionais.Por isso, temos que dizer o quequeremos fazer e não ser a criançaque diz “peço à minha mãe, peçoao meu pai” e depois queixamo-nos se a mãe e o pai não nos de-rem o dinheiro. Há muitos proble-mas, portanto temos de sair destacrise com políticas de convergênciaeuropeia em termos fiscais e so-ciais. Pensemos no problema daimigração, que tem absolutamentede ser abordado, mesmo que nestemomento seja silencioso, mas quepode explodir em qualquer mo-mento. Façamos, pois, um discursosério sobre as falhas da Europa,mas antes de mais, façamos umdiscurso sério em casa. Mas nãoouço muitas pessoas a retomar este

debate, interrogando-se como éque nós, italianos, tencionamos li-dar com a emergência pós-pande-mia quando se tratará de fazer ascontas.

Nas páginas deste jornal, o economis-ta Stefano Zamagni disse que temosde enfrentar com espírito crítico o neo-liberalismo, a ordem económica domi-nante da qual a crise revelou todasas contradições.

Por um lado, é evidente, espe-cialmente em tempos de crise, queas políticas neoliberais não permi-tem políticas de welfare, políticassociais. Mas alarguemos o horizon-te e saiamos da Europa e dos E UA epensemos no que está a emergirtendo em vista o período pós-crise,nos novos equilíbrios internacio-nais. O modelo neoliberal está emcrise há já algum tempo, há cercade doze anos que estamos a pensarna crise financeira, mas para qualmodelo se está a avançar? Que mo-delo está a ser preparado para operíodo pós-crise? Não vejo istocomo um regresso a um modelosocial-democrata. Parece-me antesum modelo que emerge nos gran-des espaços imperiais onde temosuma simbiose absoluta entre a polí-tica e o capitalismo, estou a pensarem particular em certas áreas geo-gráficas. Não foi certamente o libe-ralismo dos anos 80, o liberalismode Reagan ou o da Thatcher quese baseou no capitalismo libertadodos cordões do Estado, mas agoratodos os capitalistas do mundo es-tão a aperceber-se de que precisamde proteção e de governo, comodemonstrou a grande crise finan-ceira. Está a emergir nestas áreasum modelo baseado na união mui-to estreita entre o mercado e a clas-se dominante, que conduz a ummodelo industrial monopolista on-de o capital e a política estão liga-dos e já não se consegue distingui-los. Este é o grande modelo queestá a ganhar e que hoje tambémse está a difundir um pouco portodo o lado, por isso criticar o neo-liberalismo é correto mas fora detempo, porque hoje estamos peran-te um novo modelo de capitalismo

que avança, que é diferente, quetambém está ligado a uma funçãoinevitavelmente autoritária que co-loca em profunda crise qualquerestrutura que se queira chamar de-mocrática. É uma tendência quesopra um pouco por todo o lado,com legisladores e parlamentos quecontam cada vez menos, até aquina Itália, parece-me claro. Não éum bom sinal, indica que estas sãoas grandes tendências do mundocontemporâneo, que deveriam serum alerta para aqueles que se preo-cupam com a democracia antes quea situação degenere definitivamen-te. Esta deveria ser a missão dosdemocratas de hoje, mesmo que eunão veja muito no horizonte, mas éprecisamente aqui na Europa quedevemos procurar, e a ajuda da pa-lavra da Igreja poderia servir.

Uma palavra que hoje soa um poucoperturbadora é “identidade”, com asua ambiguidade. Acha que há neces-sidade de mais ou menos identidade?

De mais, sem dúvida. Nós, sereshumanos, passamos toda a vida aprocurar conhecer-nos a nós mes-mos, a saber mais, a compreender-mo-nos uns aos outros. Isto signifi-ca pensar no nosso passado paraver o que este passado fez para for-mar o nosso caráter e para nosquestionarmos, para nos perguntar-mos o que esperamos, qual é osentido, qual é o propósito da vi-da. Procuramos concentrar-nos nanossa identidade, mas depois des-cobrimos que esta busca não podeter lugar em termos solipsistas, massim no âmbito de um diálogo, deum colóquio com os outros, noâmbito das relações. O momentoda relação e, portanto, do reconhe-cimento do outro é fundamental,por isso eu diria que hoje precisa-mos cada vez mais de identidade,mas ela deve ser entendida comobusca a fazer em conjunto, pense-mos na nossa identidade, mas tam-bém na identidade das comunida-des e, portanto, também da Euro-pa. Se recomeçarmos esta busca, oproblema da Europa resolver-se-á,caso contrário, desencadearemos“mecanismos de identidade” que

são outra coisa, são a degeneração,o sintoma de que temos problemasde identidade. Nestes mecanismosde identidade, a lógica é derruba-da, a identidade deixa de ser pro-curada e passa a ser considerada deforma abstrata, como dados adqui-ridos, não como busca a realizaratravés do diálogo com o outro,com a diversidade; acontece, por-tanto, que toda a diversidade setorna um “inimigo” Uma busca co-mum através do diálogo em dire-ção a um horizonte nunca estável,fixo, abstrato: é assim que a Euro-pa deve ser configurada como umorganismo vivo que se adapta a di-ferentes encontros, às várias situa-ções. Porque a identidade não éum ser, mas um dever ser, um pro-pósito que só se pode cumprir narelação dentro de um coletivo, den-tro de uma comunidade.

E, em vez disso, tivemos a explosão,nos últimos anos, dos chamados sobe-ra n i s m o s . . .

Estes fenómenos são precisamen-te o resultado de se ter negligencia-do a dimensão da identidade e dese ter abandonado muitas pessoasa esta perplexidade, tendo dadotanta seiva a estes mecanismos au-toritários que são o atalho para alaboriosa procura da identidade.Do ponto de vista político, os na-cionalismos não são mais do que oproduto de erros, dos fracassos daspolíticas unitárias implementadas.Se praticarem uma política infelizde anexação de Estados na Europasem qualquer cuidado com a situa-ção histórica específica, estão a co-meter um erro político que não po-de deixar de ter consequências gra-ves. O caso da Grécia é o mais ma-croscópico. Todos os povos da Eu-ropa viram como foi tratado não ogoverno (que não merecia muito),mas o povo grego. Antes de então,na Europa havia apenas Le Pen naFrança, que tinha um pequeno pe-so a nível eleitoral, agora chegámosa um ponto em que os nacionalis-mos ameaçam formar a maioria doParlamento Europeu, um risco queassumimos após a má gestão dacrise financeira e da imigração,dois factos que dizem respeito aofracasso da União Europeia. Con-tudo hoje a Europa não se podedar ao luxo de falhar, pois, casocontrário, o mundo que se apresen-tará depois desta crise pandémicaestará nas mãos dos grandes impé-rios, com quais consequências émuito cedo para o dizer.

ANDREA MONDA

Fez bem o Papa, na mensagem Ur-bi et Orbi da Páscoa, em concen-trar-se na situação da Europa, emencorajar a União Europeia a re-descobrir o espírito saudável dassuas origens, mas o problema pare-ce ser a surdez das instituições po-líticas. Assim Massimo Cacciari ex-pressou as suas preocupações, umavoz que não poderia faltar no nos-so Laboratório sobre a “p ós-pande-mia”.

Falamos frequentemente do mundoque se apresentará depois da emergên-cia de saúde, porque será diferente,mas, sobretudo, que lição acha quepodemos aprender com esta crise?

Há várias lições que poderíamosaprender com esta experiência a ní-vel internacional, nacional e local.Em primeiro lugar, esta pandemiaensina-nos que existem causas na

ta a criação de acordos entre os di-ferentes países atingidos, com es-tratégias comuns. Não estou a di-zer que devemos criar “a repúblicamundial” ou “o governo planetá-rio”, mas que entre os diferentesEstados nas questões como as fi-nanças, a imigração ou os grandesproblemas de política estrangeira,deveriam ser fortalecidos os acor-dos a nível diplomático e, sobretu-do, político. Se isto não acontecer,estaremos como hoje, a viver tudocomo uma “e m e rg ê n c i a ”, quandoao contrario não se trata de emer-gências mas de elementos fisiológi-cos, originados pelo processo deglobalização. A circulação dos po-vos, as crises financeiras, as catás-trofes ambientais, as pandemias,são fenómenos fisiológicos para osquais é necessário estar preparados.Estote parati, estai prontos comodiz o Evangelho, isto é válido paratodos os homens, mas também pa-

escolhas políticas; nem é culpa dodestino se a estrutura regionalistaperde o controle quando há umacrise (terramoto, epidemias, desa-bamento de terras...) por isso, eclo-de sempre um conflito irremediávelentre poderes centrais e regiões e,no entanto, todos sabem muitobem que o nosso país corre um ris-co sísmico e de inundações muitoelevado. Talvez então, com a devi-da antecedência, devêssemos iniciaruma reorganização institucional pa-ra coordenar os poderes centrais eas administrações locais. Mas asensação é que continuamos a seratingidos por intervenções deemergência, sem ter nada prepara-do, organizado ou planeado. Ou-tro exemplo: sabe-se que na Itáliahá nove milhões de pobres, trêsmilhões dos quais se encontram emcondições de pobreza absoluta. Porconseguinte, estamos a intervir pa-ra garantir uma renda de sobrevi-vência, mas até hoje ainda não foidistribuída; a questão é que exis-tem muitos impedimentos adminis-trativos e burocráticos. Quando en-tenderemos que uma reforma daburocracia já não pode ser adiada?E no entanto, não ouvimos falardela...

Certamente a Europa sairá diferentedesta crise. Na sua mensagem Urbi etOrbi, o Papa dedicou muito espaço àEuropa e referiu-se ao espírito do fimda guerra, a pôr de lado as rivalida-des e a reconstruir a Europa em con-junto num espírito de solidariedade.Hoje, mais do que nunca.

A Europa sob um certo pontode vista continua a ser uma abstra-ção. Ou os governos europeus seconfrontam com esta emergência,que envolve todos eles, com umalinha comum, uma estratégia eficazque mostre que aprenderam a li-ção, ou a situação simplesmenteprecipita. A lição que emerge nãosó da pandemia, mas também an-tes, da vicissitude da Grécia, daquestão da imigração, do fracassode uma política estrangeira parti-lhada. Haveria, portanto, esperan-ças de ressurgir da crise e poderprosseguir na via da União Euro-peia, cientes contudo de que nãohaverá exames de rcuperação. Sefalharmos agora, a deriva dos na-cionalismos tornar-se-á uma ava-lanche irreprimível. É necessárioque os líderes europeístas (ou auto-denominados tais) saibam que aEuropa se encontra na encruzilha-da decisiva: ou começamos bem

com um grande plano Marshall eu-ropeu, eurobonds, etc., ou falha-mos.

Há um ano, o senhor concedeu umaentrevista a L’Osservatore Romano edisse que a Itália e a Europa eramantigas, decrépitas, e ambas precisa-vam de um “fertilizante”, e como nãocrente, indicou na presença da Igrejae da espiritualidade cristã aquele fer-tilizante; também hoje a Europa pa-rece estar, fisicamente, em agonia.Qual poderia ser então a responsabi-lidade dos cristãos?

Sem o cristianismo não pode se-quer existir a ideia da Europa. Ob-viamente, na consciência de que sercristão pode ser definido de váriasformas e também de maneiras con-traditórias, mas sem esta referêncianão iremos a lado algum, muitomenos agora, quando os valoressão necessários e urgentes, utilizoesta expressão quase no sentidomaterial, ou seja, o que deve serposto em prática para sair desta si-tuação. Pois bem, de que valoresestamos a falar, senão dos valoresda solidariedade, do amor ao pró-ximo? É tempo de pôr fim à filop-siquia, o amor à própria alma, estesvalores devem entrar em campocom toda a sua concretude, casocontrário não sairemos desta situa-ção, todos os países se desmorona-rão, até afundarem, com o culto dopróprio umbigo. E então a presen-ça da Igreja torna-se importante,com as suas imagens, os seus ges-tos tão fortemente simbólicos. Pen-semos em termos concretos no ges-to do Papa que nestes dias foi àPraça de São Pedro, vazia, para re-zar e abençoar, gestos poderososque têm um enorme valor, gestosde extremo dramatismo que frisamo que eu dizia antes: estamos numaencruzilhada e isto também se apli-ca à Igreja. Estamos todos em fren-te dessa praça vazia, uma praçaque não pode estar cheia como an-tes, já não se pode pensar em en-chê-la como se fazia antes, com tu-ristas, com aqueles que vão passear,não, seria uma ilusão trágica. Tantopara a Igreja como para a Europa,ou nascem verdadeiros “cives” eu-ropeus, os cidadãos desta terraabençoada, comprometidos, res-ponsáveis ou a Europa, e aquelapraça, permanecerão vazias.

O pregador da Casa Pontifícia padreCantalamessa, no sermão de Sexta-feira Santa, disse que não se podevoltar a viver como Lázaro, que re-

origem destas situações muito gra-ves, de altíssimo risco, causas quesão denunciadas há anos e dasquais nunca ninguém se ocupou.Penso em toda a cadeia agro-ali-mentar ou na situação ambiental e,obviamente, estas são causas inter-ligadas que, em conjunto, determi-nam o risco muito elevado de umapandemia. Não esqueçamos a Sars,o Ébola e casos anteriores seme-lhantes, e muitos outros sinais quedeveríamos ter captado nas últimasdécadas. Estamos agora no meiode uma emergência de saúde e éevidente que deveríamos encami-nhar-nos para um rumo que permi-

ra os diversos países que foramapanhados de surpresa.

Isto é válido sobretudo para a Itália,não é?

Eu diria especialmente para aItália. Não se pode continuar ape-nas com a gestão de emergências,pelo que tudo se descontrola a par-tir das estruturas de saúde e hospi-talares. Não se pode culpar umdestino cínico e enganador pelofacto de, por exemplo, termos trêsvezes menos postos de reanimaçãodo que a Alemanha ou a França,isto não é culpa do destino, mas de

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 28 de abril de 2020, número 17

O que o amor pode fazerO apoio do cantor Nek à atividade missionária de Novos Horizontes no Brasil

IGOR TRABONI

É um cantor de sucesso, um dospoucos artistas capazes de encherarenas desportivas e levar os filhos acantar com os pais, graças aos trintaanos de uma carreira repleta de su-cessos clássicos. Mas Filippo Nevia-ni, artisticamente conhecido comoNek, tem também um coração tãogrande que pode acolher e “mimar”centenas de crianças brasileiras, me-ninos de rua que ele quis encontrardurante uma viagem missionária àAmérica Latina e que hoje continuaa ajudar da Itália. Uma viagem feitacom o padre Davide Banzato, rostoconhecido de programas de televisãoe assistente espiritual de Novos Ho-rizontes, realidade que a partir de2001 a fundadora Chiara Amirantequis que fosse também missionária.Aquela viagem, para levar comida,roupas, mas também a alegria decanções dedilhadas diante de caba-nas simples, Nek narrou-a numa es-pécie de diário nas redes sociais,com vídeos ainda hoje muito clica-dos na rede.

Como todos os anos fazem deze-nas de voluntários (e certamente ou-

tros irão partir depois da pandemia),Nek tocou a pobreza e o desejo deresgate, desceu aos abismos (criançasque se prostituem, se drogam ou sãoviolentadas com apenas 10 anos) evoltou a subir, graças às comunida-des brasileiras de Novos Horizontes,onde se enfrenta tanta miséria, e nãosó material. «Vede o que o amor po-de fazer», repetiu o artista em váriasocasiões. E nunca deixa de dar teste-munho disto — ele é também consa-grado “cavaleiro da luz” em NovosHorizontes — como aconteceu recen-temente em Bolonha, na inaugura-ção da bem sucedida exposição“Meninos de rua”, de Guido SamuelFrieri, o fotógrafo profissional quetambém participou naquela viagemmissionária, e cujo rendimento davenda das obras foi destinado àcompra de “cestas básicas”, ou seja,ajuda material durante um ano a umdos milhares de famílias das duas fa-velas onde Novos Horizontes estáp re s e n t e .

«Lançamos vários projetos noBrasil», diz Lucia Tognarini, respon-sável da área de cooperação interna-cional de Novos Horizontes, «a co-meçar por “Coração”, iniciado no

sulco da homónima transmissão con-duzida pela apresentadora televisivaRaffaella Carrà, que deu boa visibili-dade ao programa de apoio à distân-cia de duzentas e cinquenta famíliasnas favelas de Quixadá e de Fortale-za». Agora propomos aos nossosamigos simpatizantes o apoio neces-sário para a compra de uma “cestabásica”, com bens de primeira neces-sidade para ajudar uma família porum mês ou por um ano. Quando le-

vamos a ajuda, é também um modopara nos aproximarmos daquelaspessoas, de as conhecer melhor. E is-to é válido especialmente para asmães, muito mais presentes do queos pais, e que tantas vezes arcamconsigo mesmas, ou com a ajuda dassuas mães, famílias com muitos fi-lhos e tanta miséria. Aproximamo-nos das crianças de rua, obrigadas amendigar ou a prostituir-se. A nossapretende ser uma ajuda à parentali-dade, mas frequentemente também àeducação e à prevenção, inclusive noque diz respeito a normas de saúdee higiene que são mais simples paranós, mas desconhecidas naquelesambientes».

Recentemente, em Fortaleza foilançado também o “Projeto Emaús”,dotado de um centro diurno paracrianças, com uma marca mais edu-cativa, onde as crianças podem ficarjuntas, fazer os deveres de casa, cres-cer num ambiente saudável, e já ati-vo na outra favela para cinquen-ta/sessenta crianças. E existem tam-bém dois lares residenciais, cada umcom cerca de vinte e cinco crianças euma rotação contínua porque, deacordo com a lei brasileira, a cadadois anos as crianças devem regres-sar à família. O Sos mais urgentevem das crianças e é sempre aqueleque Chiara Amirante ouviu em 2001(«Ouvi o grito dos pequeninos») eque levou Novos Horizontes dasruas e periferias da Itália para as doBrasil. «Agora», diz Tognarini,«criamos um abrigo masculino, paraos adolescentes vítimas do álcool edas drogas, e para os pais que mui-tas vezes estão ausentes da sociedadee das famílias brasileiras». E aqui,como sempre, entra em jogo a gran-de ajuda dos “amigos da missão”,apesar de todas as inegáveis dificul-dades, inclusive económicas, que aItália está a viver: «A generosidade ésempre grande, mas não raro recebe-mos cartas, talvez de aposentados oude pessoas que já não têm a segu-rança de um emprego e que nos es-crevem que já não podem apoiar oprojeto com 25 euros por mês. Mashá sempre muitos que doam, e fa-zem-no de coração. Tal como sãomuitos os voluntários que nos pe-dem para ir ao Brasil e depois,quando tocam essa realidade, tor-nam-se as primeiras testemunhas deapoio à distância. Como fez, e agoranão passa um minuto sem continuara fazê-lo Nek, um artista de sucessono palco da vida.

No Alto Solimões, o primeiro diácono permanente indígena

Tocar a realidade

EGIDIO PICUCCI

A Igreja do Alto Solimões, que se estende na partemais ocidental da Amazónia brasileira, num triânguloque se encrava entre a Colômbia e o Peru, colheu re-centemente um dos primeiros frutos de uma evangeli-zação que perdura há mais de cem anos. Nas últimassemanas foi ordenado o primeiro diácono permanenteindígena: Antelmo Pereira Ângelo, pertencente à triboTicuna, a mais numerosa do Brasil. A ordenação tevelugar na igreja de São Francisco de Assis, em Belémdo Solimões, a aldeia considerada o centro espiritualda tribo, e foi presidida pelo bispo xaveriano D. Adol-fo Zon Pereira.

Na imensa diocese (131.600 km2 com uma populaçãode 216.000 habitantes, 38% dos quais são indígenas) osfrades menores capuchinhos da Úmbria (Itália) traba-lham desde 1909 em prol da implantação da Igreja noseio da tribo que, embora tenha acolhido alguns ele-mentos da cultura ocidental, não renunciou às suas pe-culiares caraterísticas tribais, como a língua, as festas eoutras particularidades, que os missionários ajudam amanter vivas inclusive, mediante um Festival que as re-vigorou, recuperando também outras.

Obviamente, no rito da consagração diaconal esta-vam presentes algumas destas tradições, tais como oscânticos, as danças, os colares feitos de sementes, dedentes de animais, de conchas e de caracóis, juntamen-te com pulseiras realizadas com fibras vegetais e umaesteira preparada pelas mulheres com a casca de umaárvore chamada capinuri, da qual se obtém um tecidofibroso — tururi — também utilizado para o vestuáriode forma circular, símbolo típico de proteção contra to-das as forças da natureza. Pode-se falar de uma verda-deira “arte amazónica”, que não só desenvolve as capa-cidades criativas de crianças e adultos, mas fez tambémdo artesanato artístico um bem produtivo.

«A diocese, composta por oito paróquias e 250 co-munidades, disse o bispo, está nas mãos dos leigos: ca-tequistas, líderes de comunidades — para os quais exis-te uma formação específica — organizam a catequese,realizam a preparação para os sacramentos, animam aliturgia da palavra. E estão próximos das pessoas tam-bém nas necessidades concretas: por exemplo, cobram

impostos de si mesmos para enfrentar as vicissitudesque possam verificar-se com os membros da comunida-de. Na Amazónia não haveria Igreja sem os leigos.Desde que fui nomeado bispo da diocese de Alto Soli-mões, em 2015, reflito muito sobre o significado da rea-lidade da primeira evangelização. Só agora compreen-do o conteúdo dos livros que eu lia, quando estudavateologia. A primeira evangelização tem um ponto departida fundamental: estar presente. É impossível se-mear o Evangelho, sem este primeiro elemento: estarpresente, tocar a realidade. Só tocando a realidade po-demos ouvir Deus que nos fala. O problema é encon-trar pessoas dispostas a dedicar-se ao Senhor aqui, nomeio destas pessoas». A resposta que o prelado esperapoderia vir de algumas jovens que se preparam parauma forma de vida consagrada “amazónica”. Seria omelhor fruto do Sínodo sobre a Amazónia, bem comoa realização do desejo do Papa: uma Igreja com rostoamazónico que exige a presença estável de líderes ma-duros, dotados de autoridade, «que conheçam as lín-guas, as culturas, a experiência espiritual e o modo deviver em comunidade nos diferentes lugares, contudodeixando espaço para a multiplicidade de dons que oEspírito Santo semeia em todos».

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número 17, terça-feira 28 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

INFORMAÇÕES

AudiênciasO Papa Francisco recebeu em audiên-cia:

No dia 24 de abrilOs Senhores Cardeais: Marc Ouel-let, Prefeito da Congregação para osBispos; Luis Francisco Ladaria Fer-rer, Prefeito da Congregação para aDoutrina da Fé; e Luis Antonio G.Tagle, Prefeito da Congregação paraa Evangelização dos Povos.

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

A 22 de abrilDe D. Héctor Salah Zuleta, ao go-verno pastoral da Diocese de Rioha-cha (Colômbia).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

No dia 17 de abril— Núncio Apostólico na Guatemala,D. Francisco Montecillo Padilla, atéagora Núncio Apostólico no Kuwait,

Bahrein, Emirados Árabes Unidos,Qatar, Yemen e Delegado Apostóli-co na Península Arábica.

— Núncio Apostólico em Samoa, D.Novatus Rugambwa, atualmenteNúncio Apostólico na Nova Zelân-dia, Ilhas Fiji, Palau, Ilhas Marshall,Kiribati, Nauru, Tonga, e DelegadoApostólico no Oceano Pacífico.

— Membro Ordinário da PontifíciaAcademia das Ciências Sociais, aSr.ª Prof.ª Niraja Gopal Jayal, Do-cente no Centro para o Estudo doDireito e das Políticas de Governoda Jawaharlal Nehru University deNew Delhi (Índia).

No dia 18 de abril

— Membro da Administração do Pa-trimónio da Sé Apostólica, o Senhor

Cardeal Matteo Maria Zuppi, Arce-bispo de Bolonha (Itália).— Arcebispo Coadjutor de Brazzavil-le (República do Congo), D. Bien-venu Manamika Bafouakouahou, atéagora Bispo de Dolisie.

No dia 20 de abril— Membros da Pontifícia Comissãopara a América Latina, os SenhoresCardeais: Álvaro Leonel RamazziniImeri, Bispo de Huehuetenango(Guatemala), e Juan de la CaridadGarcía Rodríguez, Arcebispo de SanCristóbal de La Habana (Cuba); eD. Paulo Cezar Costa, Bispo de SãoCarlos (Brasile).— Vice-Prefeito da Biblioteca Apos-tólica do Vaticano, o Sr. Dr. Timo-thy James Janz, atualmente “Scriptorgraecus” e Diretor do Departamentode Impressões da mesma BibliotecaApostólica Vaticana.

No dia 21 de abrilBispo de Alexandria (Estados Uni-dos da América), o Rev.mo Mons.

Robert W. Marshall, até esta dataVigário-Geral e Pároco da Cathedralof the Immaculate Conception damesma Diocese (Tennessee).

D. Robert W. Marshall nasceu a 17de junho de 1959 em Memphis (Ten-nessee), e recebeu a Ordenação sacerdo-tal a 10 de junho de 2000.

No dia 22 de abrilBispo de Riohacha (Colômbia), D.Francisco Antonio Ceballos Escobar,C.S S.R., até esta data Vigário Apostó-lico de Puerto Carreño.

Prelados falecidosAdormeceram no Senhor:

A 31 de marçoD. Raphael S. Ndingi Mwana'aNzeki, Arcebispo Emérito de Nairo-bi, no Quénia.

O saudoso Prelado nasceu em Mwa-la, Machakos (Quénia), a 25 de de-zembro de 1931. Recebeu a Ordenaçãosacerdotal a 31 de janeiro de 1961 e aSagração episcopal a 1 de agosto de1969.

A 15 de abrilD. Aldo Mongiano, I.M.C., BispoEmérito de Roraima, Brasil.

O ilustre Prelado nasceu em Pontes-tura (Itália), a 1 de novembro de1919. Recebeu a Ordenação sacerdotala 3 de junho de 1943, e a Ordenaçãoepiscopal a 14 de maio de 1975. Re-nunciou ao governo pastoral da suaDiocese no dia 26 de junho de 1996.

Início de Missãode Núncio Apostólico

De D. Antoine Camilleri, na Etiópia(24 de abril).

Em Portugal sessões de catecismo online em tempos de pandemia até ao mês de junho

Nova versão de «Catequese em nossa casa»

Os encontros mundiais com as famíliase os jovens adiados de um ano

Os próximos encontros internacionais do Papa Francisco com as fa-mílias e os jovens serão adiados de um ano. Isto foi dado a conhe-cer na segunda-feira, 20 de abril, numa declaração do Diretor doGabinete de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, na qual esclare-ceu que «devido à atual situação sanitária e às suas consequênciaspara a deslocação e agregação de jovens e famílias, o Santo Padre,juntamente com o Dicastério para os leigos, a família e a vida, deci-diu adiar de um ano o próximo Encontro Mundial das Famílias,agendado em Roma para junho de 2021, e o próximo Dia Mundialda Juventude, agendado em Lisboa para agosto de 2022, respetiva-mente para junho de 2022 e agosto de 2023».

Congresso eucarísticointernacional

de Budapeste seráem setembro de 2021

O 52º Congresso Eucarístico Interna-cional também foi adiado por umano: previsto para setembro de 2020em Budapeste, será celebrado nomesmo mês em 2021. Declarou o Di-retor da Sala de Imprensa da SantaSé, Matteo Bruni, na quinta-feira, 23de abril, explicando que a decisão foitomada «pelo Santo Padre, junta-mente com a Pontifícia Comissão pa-ra os Congressos Eucarísticos Inter-nacionais e o Episcopado Húngaro,devido à atual situação de saúde e àssuas consequências para a deslocaçãoe agregação de fiéis e peregrinos».

De abril a junho, no canal Educris no Youtube, o Se-cretariado nacional da educação cristã (Snec) e aAgência “Ecclesia” realizam encontros de catequese decerca de 20 minutos, destinados aos adolescentes do 1ºao 6º ano de catecismo. Os encontros têm lugar seisdias por semana, de segunda-feira a sábado.

As catequeses “são dirigidas às crianças que as po-derão acompanhar juntamente com a família” e, depreferência, tendo consigo o catecismo”, explica Fer-nando Moita, diretor do Snec, pois “esta nova propos-ta não substitui o que está a ser realizado pelas paró-quias e dioceses, através do trabalho valioso dos cate-quistas”, mas quer ser “complemento e chegar aos queestão mais isolados ou desanimados”.

Para o padre Tiago Neto, responsável pela cateque-se em Lisboa do mencionado Secretariado nacional, anova versão online está em contraponto “com o quehabitualmente costumamos pensar acerca da cateque-se”, para a qual “normalmente olhamos como uma es-trutura antiga e pesada. A verdade é que este tempotem revelado uma grande dinâmica a nível paroquial,diocesano e nacional, e esta é mais uma proposta paraajudar” neste sentido. Na sua opinião, é fundamental“não encher as pessoas com propostas extras”, pois “acatequese já tem um programa e um plano formativo”e interessa “desenvolver e proporcionar”. Cada sessãode catequese é preparada e apresentada por um cate-

quista com dinâmicas próprias de cada catecismo.“Podemos esperar novidades e interatividade entre asessão de catequese e as crianças que nos acompanha-re m ”, revela ainda Tiago Neto.

É possível seguir esta iniciativa com o hashtag #ca-tequesemnossacasa e conhecer nas redes sociais outrasiniciativas da catequese em Portugal neste tempo depandemia com o hashtag # c a t e q u e s e n ã o p á ra atualizadodiariamente em www.educris.com.

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 28 de abril de 2020, número 17

Apelo pelas vítimas da malária

Mudança de passodo eu para Deus

O Papa comentou o episódio de Emaús

REGINA CAELI

A necessidade de uma «inversão de marcha», de uma «mudança de passodo eu para Deus, do “se" para o “sim", como testemunha a experiência dosdiscípulos de Emaús, foi relançada pelo Papa no “Regina caeli” recitado aomeio-dia de 26 de abril, na biblioteca particular do Palácio Apostólico doVaticano. Comentando como é habitual o Evangelho do domingo, o Papa,partindo do conhecido episódio descrito por Lucas (24, 13-35) atualizou amensagem, resumida em «três passos que também nós podemos dar nasnossas casas» neste tempo de pandemia: abrir os nossos corações a Jesus,ouvi-lo e rezar.

Estimados irmãos e irmãs, bomdia!O Evangelho de hoje, ambientadono dia de Páscoa, narra o episódiodos dois discípulos de Emaús (cf.Lc 24, 13-35). É uma história quecomeça e acaba a caminho. Na ver-dade, há a viagem de ida dos discí-pulos que, tristes devido ao epílogoda vicissitude de Jesus, deixam Je-rusalém e voltam para casa, paraEmaús, percorrendo cerca de onzequilómetros. É uma viagem feita dedia, com grande parte do percursoem declive. E há a viagem de re-gresso: mais onze quilómetros, maspercorrida ao cair da noite, comparte do caminho em subida, apóso cansaço da viagem de ida e o diainteiro. Duas viagens: uma fácil, dedia, e outra cansativa, de noite. Eno entanto, a primeira tem lugar

na tristeza; a segunda, na alegria.Na primeira, há o Senhor que ca-minha ao lado deles, mas não o re-conhecem; na segunda, já não oveem, mas sentem-no próximo. Naprimeira estão desanimados e semesperança; na segunda, correm alevar aos outros a boa notícia doencontro com Jesus Ressuscitado.

Os dois caminhos diferentes da-queles primeiros discípulos dizem-nos, a nós discípulos de Jesus hoje,que na vida temos à nossa frentedois rumos opostos: há o caminhode quem, como aqueles dois naida, se deixa paralisar pelas desilu-sões da vida e vá em frente comtristeza; e há o caminho de quemnão se coloca em primeiro lugar asi próprio e os seus problemas, masJesus que nos visita, e os irmãosque esperam a sua visita, ou seja,os irmãos que nos esperam paraque cuidemos deles. Eis o momen-to decisivo: deixar de orbitar emtorno de si próprio, das desilusõesdo passado, dos ideais não realiza-dos, das muitas coisas negativasque aconteceram na vida. Muitasvezes somos levados a orbitar, orbi-tar... Deixemos isto e vamos emfrente, olhando para a maior emais verdadeira realidade da vida:Jesus está vivo, Jesus ama-me. Estaé a maior realidade. E eu posso fa-zer algo pelos outros. É uma reali-dade boa, positiva, solar, bela! Eisa inversão de marcha: passar dospensamentos sobre o meu eu para arealidade do meu Deus; passar -com outro jogo de palavras - do“se” para o “sim”. Do “se” para o“sim”. O que significa? “Se Ele nostivesse libertado, se Deus me tives-se ouvido, se a vida tivesse corridocomo eu queria, se eu tivesse isto eaquilo...”, em tom de queixa. Este“se” não ajuda, não é fecundo, nãoajuda nem a nós nem aos outros.Eis os nossos “se”, semelhantes aosdos dois discípulos. Mas eles pas-sam para o sim: “Sim, o Senhor es-tá vivo, Ele caminha connosco.

Sim, agora, não amanhã, voltamosa percorrer o caminho para oanunciar”. “Sim, posso fazer istopara que as pessoas sejam mais fe-lizes, para que as pessoas sejammelhores, para ajudar muitas pes-soas. Sim, sim, eu posso”. Do “se”para o “sim”, da lamentação para aalegria e a paz, pois quando nosqueixamos, não estamos na alegria;estamos na melancolia, na conster-nação, no ar cinzento da tristeza. Eisto não ajuda, e nem sequer nosfaz crescer bem. Do “se” para o“sim”, da lamentação para a alegriado serviço.

Como se verificou nos discípulosesta mudança de passo, do eu paraDeus, do “se” para o “sim”? Encon-trando Jesus: os dois de Emaús pri-meiro abrem-lhe o coração; em se-guida, ouvem-no explicar-lhes asEscrituras; depois, convidam-nopara sua casa. São três passos quetambém nós podemos dar na nossacasa: p r i m e i ro , abrir o coração a Je-sus, confiando-lhe os pesos, os can-saços, as desilusões da vida, con-fiando-lhe os “se”; e depois, segun-do passo, ouvir Jesus, pegar noEvangelho, ler hoje este trecho, nocapítulo vinte e quatro do Evange-lho de Lucas; t e rc e i ro , rezar a Jesus,com as mesmas palavras daquelesdiscípulos: «Senhor, fica connos-co» (v. 29). Senhor, fica comigo.Senhor, fica com todos nós, poisprecisamos de ti para encontrar ocaminho. E sem ti, não há noite!

Prezados irmãos e irmãs, na vidaestamos sempre a caminho. E tor-namo-nos aquilo rumo ao que ca-minhamos. Escolhamos a vereda deDeus, não a do eu; o caminho do“sim”, não o do “se”. Descobrire-mos que não há imprevisto, não hásubida, não há noite que não sepossa enfrentar com Jesus. QueNossa Senhora, Mãe do Caminhoque, acolhendo a Palavra, fez detoda a sua vida um “sim” a Deus,nos indique a senda.

No final da recitação da antífonamariana, o Papa recordou o DiaMundial da Malária, saudou os fiéispolacos empenhados na “L e i t u raNacional da Sagrada Escritura” erenovou o convite para rezar o terçono mês de maio, dedicado à VirgemMa r i a .

Queridos irmãos e irmãs!Ontem celebrou-se o Dia Mundialdas Nações Unidas contra a malá-ria. Enquanto combatemos a pan-demia do coronavírus, devemos darcontinuidade também ao nossocompromisso para prevenir e curara malária, que ameaça biliões depessoas em muitos países. Estoupróximo de todos os doentes, da-queles que os curam e de quantostrabalham para garantir que todasas pessoas tenham acesso a bonsserviços básicos de saúde.

Dirijo também uma saudação atodos aqueles que hoje, na Polónia,participam na “Leitura Nacional daSagrada Escritura”. Já vos dissemuitas vezes e gostaria de o repetirnovamente, como é importante ad-quirir o hábito de ler o Evangelho,alguns minutos, todos os dias. Te-nhamo-lo no bolso, na bolsa. Queesteja sempre perto de nós, inclusi-ve fisicamente, e leiamos um poucotodos os dias.

Daqui a alguns dias terá início omês de maio, dedicado de formaespecial à Virgem Maria. Com umabreve Carta - publicada ontem -convidei todos os fiéis a recitar estemês o Santo Rosário juntos, em fa-mília ou sozinhos, e a rezar umadas duas orações que coloquei àdisposição de todos. A nossa Mãeajudar-nos-á a enfrentar com maisfé e esperança o tempo de prova-ção que estamos a atravessar.

Desejo a todos um bom mês demaio e um bom domingo. Por fa-vor, não vos esqueçais de rezar pormim. Bom almoço e até à vista!