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Claudia Dolores Trierweiler Sampaio de Oliveira Corra
Adaptao de um instrumento para avaliao de eventos adversos em Odontologia
ambulatorial no Brasil
Rio de Janeiro
2017
Claudia Dolores Trierweiler Sampaio de Oliveira Corra
Adaptao de um instrumento para avaliao de eventos adversos em Odontologia
ambulatorial no Brasil
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Sade Pblica, da Escola
Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, na
Fundao Oswaldo Cruz, como requisito
parcial para obteno do ttulo de Mestre em
Sade Pblica. rea de concentrao: Polticas,
planejamento, gesto e prticas em sade.
Orientador: Prof. Dr. Walter Vieira Mendes
Jnior.
Rio de Janeiro
2017
Catalogao na fonte
Fundao Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica
Biblioteca de Sade Pblica
C824a Corra, Claudia Dolores Trierweiler Sampaio de Oliveira
Adaptao de um instrumento para avaliao de eventos
adversos em Odontologia ambulatorial no Brasil. / Claudia
Dolores Trierweiler Sampaio de Oliveira Corra. -- 2017.
122 f. : graf.
Orientador: Walter Vieira Mendes Jnior.
Dissertao (Mestrado) Fundao Oswaldo Cruz, Escola
Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2017.
1. Segurana do Paciente. 2. Odontologia. 3. Tcnica
Delfos. 4. Rastreadores de eventos adversos. 5. Registros
Odontolgicos. I. Ttulo.
CDD 22.ed. 617.60981
Claudia Dolores Trierweiler Sampaio de Oliveira Corra
Adaptao de um instrumento para avaliao de eventos adversos em Odontologia
ambulatorial no Brasil
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Sade Pblica, da Escola
Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, na
Fundao Oswaldo Cruz, como requisito
parcial para obteno do ttulo de Mestre em
Sade Pblica. rea de concentrao: Polticas,
planejamento, gesto e prticas em sade.
Aprovada em: 20 de fevereiro de 2017.
Banca Examinadora
Prof. Dr. Josu Laguardia
Fundao Oswaldo Cruz Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica
em Sade
Prof. Dra. Mnica Silva Martins
Fundao Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca
Prof. Dr. Walter Vieira Mendes Jnior (Orientador)
Fundao Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca
Rio de Janeiro
2017
Ao Marcelo, meu amor e companheiro de vida, e aos nossos filhos Yasmin e Daniel, pessoas
adorveis que renovam minhas esperanas na humanidade e me fazem querer ser um pouco
melhor todos os dias.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, minha enorme gratido a Deus pela beleza da vida.
Aos meus pais, Francisco e Lcia, que j no esto mais no plano terrestre, mas que enquanto
aqui estiveram me deixaram um exemplo de vida correto e justo a ser seguido.
Ao meu orientador que me apresentou a Segurana do Paciente. Sua inteligncia coberta de boa
vontade fez com que todo o percurso de produo deste estudo transcorresse de forma tranquila
e agradvel. Exigiu esforo, mas foi um trabalho instigante e aprazvel ao mesmo tempo, graas
ao prof. Walter Mendes.
Aos especialistas que compuseram o painel aqui discutido. Sem eles esse trabalho no seria
possvel.
equipe da Biblioteca da ENSP, em particular s bibliotecrias Gizele da Rocha Ribeiro e
Simone Faury Dib que me auxiliaram prontamente nas buscas bibliogrficas e na formatao
deste trabalho.
equipe da Biblioteca do CRORJ que me auxiliou prontamente nas buscas bibliogrficas.
Letcia Janotti, tambm orientanda do prof. Walter Mendes, com quem troquei muitas
consideraes que enriqueceram sobremaneira o contedo aqui apresentado.
A todos os professores e colegas de sala de aula pelas discusses produtivas que me trouxeram
um grande aprendizado com seus diversos pontos de vista sobre a Sade Pblica.
Dos colegas de mestrado, quero agradecer, em especial, s meninas poderosas: Adriana
Iglesias, Juliana Loureiro, Helena Reis, Mariana Incio e Tatiana Ferreira. Estas dividiram
comigo todos os momentos de alegria e de dificuldade do curso. Foram muitos cafs e pes de
queijo na cantina, mas foi mais ainda: uma troca de afeto e a formao de uma bonita amizade.
No h lugar de cuidado ao paciente que seja livre de risco. Precisamos colocar a segurana
do paciente no DNA dos profissionais.
(CHAN, 2012)
RESUMO
A prtica odontolgica , em geral, invasiva e eminentemente cirrgica; isto a torna
potencialmente propcia ao evento adverso (EA). O objetivo deste estudo foi adaptar para a
pesquisa em odontologia ambulatorial um instrumento de rastreamento de EA (trigger tool) j
utilizado na fase explcita do mtodo de reviso retrospectiva de pronturios em outras reas da
sade. O instrumento foi elaborado em duas etapas: na primeira, por intermdio de uma reviso
da literatura, aprofundou-se no tema segurana do paciente em odontologia onde se verificou
a necessidade de ampliar os estudos brasileiros sobre o assunto. Optou-se, ento, pela adaptao
para a odontologia dos rastreadores de EA utilizados em outras reas de sade. Para embasar
esta proposio, buscou-se identificar a composio das ferramentas de rastreamento utilizadas
nas demais reas da sade e identificar os principais EA em odontologia. Por fim, construiu-se
um conjunto preliminar de rastreadores. Na segunda etapa, empregando o mtodo Delphi
modificado, os rastreadores preliminarmente construdos foram aprimorados por um painel de
especialistas. A concluso do estudo ratificou a hiptese inicial de que as ferramentas para
rastreamento de EA, j utilizadas em pesquisas no mbito hospitalar e ambulatorial das diversas
reas da sade, podem ser adaptadas para o uso especfico em pesquisas de EA em odontologia
ambulatorial. No entanto, so necessrios estudos adicionais para testar a validade do
instrumento.
Palavras-chave: Segurana do Paciente. Odontologia. Tcnica Delfos. Rastreadores de eventos
adversos. Registros odontolgicos.
ABSTRACT
The dental practice is, in general, invasive and eminently surgical; this makes it
potentially propitious to the adverse events. The objective of this study was to adapt to the
research in outpatient dentistry an instrument of tracing of adverse events (trigger tool) already
used in the explicit phase of the method of retrospective review of medical records in other
health areas. The instrument was elaborated in two stages: in the first one, through a review of
the literature, it deepened on the theme "patient safety in dentistry", where it was verified the
need to expand the Brazilian studies on the subject. Then, the option was made for the
adaptation to odontology triggers tools used in other health areas. To support this proposition,
it was sought to identify the composition of the triggers tools used in other health areas and to
identify the main adverse events in dentistry. Finally, a preliminary trigger tool was constructed.
In the second step, using the modified Delphi Technique, the preliminary trigger tool was
improved by a group of experts. The conclusion of the study ratified the initial hypothesis that
the trigger tool, already used in hospital environment and outpatient researches in different
health areas, can be adapted for specific use in researches of adverse events in outpatient
dentistry. However, further studies are required to test the validity of the instrument.
Keywords: Patient safety. Dentistry. Delphi Technique. Triggers tools. Dental Records.
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Ciclo de investigao da rea de segurana do paciente................... 15
Figura 2 Esquema representativo da utilidade relativa das abordagens para
medir erros e EA.............................................................................. 36
Quadro 1 Vantagens e desvantagens dos mtodos para detectar danos no
cuidado em sade............................................................................. 38
Quadro 2 Livros pesquisados para compor a primeira etapa do estudo............ 46
Quadro 3 Busca bibliogrfica para compor a primeira etapa do estudo............ 47
Fluxograma 1 Processo metodolgico do estudo..................................................... 52
Quadro 4 Classificao dos tipos dos eventos adversos em odontologia.......... 61
Grfico 1 Repostas da primeira rodada do rastreador 1..................................... 67
Grfico 2 Repostas da segunda rodada do rastreador 1..................................... 68
Quadro 5 Propostas para o rastreador 1............................................................ 68
Grfico 3 Respostas da primeira rodada do rastreador 2.................................. 70
Grfico 4 Repostas da segunda rodada do rastreador 2.................................... 70
Quadro 6 Propostas para o rastreador 2........................................................... 71
Grfico 5 Resposta da primeira rodada do rastreador 3................................... 72
Grfico 6 Resposta da segunda rodada do rastreador 3.................................... 73
Grfico 7 Resposta da terceira rodada do rastreador 3..................................... 73
Quadro 7 Propostas para o rastreador 3........................................................... 74
Grfico 8 Respostas da primeira rodada do rastreador 4.................................. 76
Grfico 9 Respostas da segunda rodada do rastreador 4.................................. 77
Quadro 8 Propostas para o rastreador 4........................................................... 77
Grfico 10 Respostas da primeira rodada do rastreador 5.................................. 78
Quadro 9 Propostas para o rastreador 5........................................................... 79
Grfico 11 Respostas da primeira rodada do rastreador 6................................. 80
Grfico 12 Respostas da segunda rodada do rastreador 6.................................. 80
Quadro 10 Propostas para o rastreador 6........................................................... 81
Grfico 13 Respostas da primeira rodada do rastreador 7.................................. 82
Quadro 11 Propostas para o rastreador 7........................................................... 83
Grfico 14 Respostas da primeira rodada do rastreador 8.................................. 84
Grfico 15 Respostas da segunda rodada do rastreador 8.................................. 85
Quadro 12 Propostas para o rastreador 8........................................................... 85
Grfico 16 Respostas da primeira rodada do rastreador 9.................................. 86
Grfico 17 Respostas da segunda rodada do rastreador 9.................................. 87
Quadro 13 Propostas para o rastreador 9........................................................... 87
Grfico 18 Respostas da primeira rodada do rastreador 10................................ 88
Grfico 19 Respostas da segunda rodada do rastreador 10................................ 89
Grfico 20 Respostas da terceira rodada do rastreador 10................................. 90
Quadro 14 Propostas para o rastreador 10......................................................... 90
Grfico 21 Respostas da primeira rodada do rastreador 11................................ 91
Grfico 22 Respostas da segunda rodada do rastreador 11................................ 92
Grfico 23 Respostas da terceira rodada do rastreador 11 93
Quadro 15 Propostas para o rastreador 11......................................................... 93
Grfico 24 Respostas da primeira rodada do rastreador 12............................... 94
Grfico 25 Respostas da segunda rodada do rastreador 12................................ 95
Quadro 16 Propostas para o rastreador 12......................................................... 96
Grfico 26 Respostas da primeira rodada do rastreador 13............................... 97
Grfico 27 Respostas da segunda rodada do rastreador 13................................ 98
Quadro 17 Propostas para o rastreador 13......................................................... 98
Grfico 28 Respostas da primeira rodada do rastreador 14................................ 99
Grfico 29 Respostas da segunda rodada do rastreador 14................................ 100
Grfico 30 Respostas da terceira rodada do rastreador 14................................. 101
Quadro 18 Propostas para o rastreador 14......................................................... 101
Formulrio 1 Rastreadores de eventos adversos em odontologia ambulatorial....... 103
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AHRQ Agency for Healthcare Research and Quality
AL Anestsico local
Anvisa Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
APS Ateno Primria em Sade
ATM Articulao temporomandibular
BCRORJ Biblioteca do Conselho Regional de Odontologia-RJ
BBO Biblioteca Brasileira de Odontologia
CED Council of European Dentists
CREO Centros de Referncia de Especialidades Odontolgicas
EA Evento Adverso/Eventos Adversos
FDI World Dental Federation/Federao Dentria Internacional
Fiocruz Fundao Oswaldo Cruz
GTT Global Trigger Tool
ICPS International Classification for Patient Safety/Classificao Internacional
sobre Segurana do Paciente
HMPS Harvard Medical Practice Study
ICICT Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnologia em Sade
IHI Institute for Healthcare Improvement
IOM Institute of Medicine
IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
LILACS Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cincias da Sade
MP Ministrio Pblico
MS Ministrio da Sade
MTA Mineral Trioxide Aggregate/Agregado de Trixido Mineral
NCC MERP National Coordinating Council for Medication Error Reporting and
Prevention
OMS Organizao Mundial de Sade
OESPO Observatorio Espaol para la Seguridad del Paciente
Odontolgico/Observatrio Espanhol para a segurana do paciente
odontolgico
OPAS/OMS Organizao Pan-Americana da Sade/Organizao Mundial da Sade
PNSB Poltica Nacional de Sade Bucal
PNSP Programa Nacional de Segurana do Paciente
PubMed Public/Publisher MEDLINE
Proqualis Centro Colaborador para Qualidade e Segurana do Paciente
RDC Resoluo da Diretoria Colegiada
Reniss Rede Nacional Para Investigao de Surtos e EA em Servios de Sade
SUS Sistema nico de Sade
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
WHO/OMS Word Health Organization/Organizao Mundial de Sade
SUMRIO
1 INTRODUO....................................................................................... 13
2 QUESTO DE PESQUISA.................................................................... 20
3 OBJETIVOS............................................................................................ 21
3.1 Objetivo geral.......................................................................................... 21
3.2 Objetivos especficos............................................................................... 21
4 MARCO TERICO............................................................................... 22
4.1 O tema Segurana do Paciente.......................................................... 22
4.2 A sade bucal no Brasil........................................................................... 26
4.3 A segurana do paciente em odontologia............................................. 28
4.4 Metodologias para a deteco de eventos adversos e outros
incidentes................................................................................................. 35
5 MTODO................................................................................................ 41
5.1 O mtodo Delphi..................................................................................... 42
5.2 Etapas para a elaborao e adaptao do rastreador.......................... 45
5.3 Consideraes ticas................................................................................ 53
6 RESULTADOS E DISCUSSO............................................................ 54
6.1 Os eventos adversos em odontologia...................................................... 54
6.2 Os rastreadores (triggers tools)............................................................... 61
6.3 Proposta de rastreadores para odontologia ambulatorial .................. 66
6.4 Limitaes do estudo............................................................................... 104
7 CONCLUSO......................................................................................... 105
REFERNCIAS...................................................................................... 107
ANEXO A QUESTIONRIO DE DETECO DE EVENTOS
ADVERSOS DO GUIA METODOLGICO PARA HOSPITAIS
CARENTES DE DADOS........................................................................ 117
APNDICE A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO.....................................................................................
121
13
1 INTRODUO
Este estudo tem por objeto a segurana do paciente em odontologia e pretende adaptar
para a rea odontolgica ambulatorial um conjunto de rastreadores de eventos adversos (EA)
(trigger tool) j utilizado em outras reas da sade.
De incio, necessrio explicar que na rea de segurana do paciente a taxonomia varia
bastante, e isto, muitas vezes, dificulta a pesquisa. Para tentar minimizar este entrave adotar-se-
neste trabalho as definies propostas pela estrutura conceitual da Classificao Internacional
para a Segurana do Paciente (International Classification for Patient Safety - ICPS)
estabelecidas em 2009 pela Organizao Mundial de Sade (OMS).
No referido documento (WHO, 2011)1, segurana do paciente definida como reduo
do risco de danos desnecessrios relacionados com os cuidados de sade, para um mnimo
aceitvel (p.21); incidente um evento ou circunstncia que poderia resultar, ou resultou, em
dano desnecessrio para o doente (p.21); evento adverso um incidente que resulta em dano
para o doente (p.22); e dano prejuzo na estrutura ou funes do corpo e/ou qualquer efeito
pernicioso da resultante. Inclui doena, leso, sofrimento, incapacidade ou morte (p.22). A
diferena entre EA e incidente que EA o incidente que causou um dano que poderia ter sido
evitado.
Tambm se faz importante trazer os conceitos de EA evitvel e no evitvel, utilizados
pela primeira vez no Harvard Medical Practice Study (HMPS) (BRENNAN, LEAPE, LAIRD,
1991; LEAPE et al 1991). Este estudo, realizado em 51 hospitais no estado de Nova York,
exps de forma contundente o problema do EA nos hospitais americanos e teve sua metodologia
replicada posteriormente por outros estudos sobre frequncia de EA. O HMPS definiu como
EA um dano no intencional causado pelo cuidado (e no pela doena de base) que resultou em
disfuno temporria ou permanente e/ou prolongamento da hospitalizao que poderia ou no
ter sido evitado. Esse conceito se diferencia do proposto pela OMS, pois na ICPS o dano
inevitvel ocasionado pelo cuidado no seria um EA, e sim uma complicao inevitvel dadas
condies tcnico-cientficas disponveis no momento, ou seja, a ICPS elimina a figura do EA
inevitvel (MENDES, 2014).
1 Utilizado o documento traduzido para o portugus.
14
Assim sendo, como bem explana Mendes (2014) em seu texto sobre Taxonomia em
Segurana do Paciente, segundo a ICPS, todo incidente chamado de EA evitvel, pois resultou
em dano desnecessrio ao paciente e poderia ter sido evitado mediante o emprego das condies
tcnico-cientficas disponveis, enquanto que as complicaes ditas inevitveis so aquelas que
fogem completamente ao esperado.
Esclarece-se que neste trabalho somente sero considerados os EA. No sero
considerados os danos inevitveis em consequncia da prtica odontolgica, como por
exemplo: danos por incises feitas para se ter acesso ao campo cirrgico; leses gengivais
ocasionadas pela ao de matriz e de cunha interproximal para a confeco de restauraes;
entre outros. Nem as complicaes onde no se poderia prever o desfecho, como as
caracterizadas como casos fortuitos ou ocasionadas por fora maior. Por ltimo, tambm no
sero considerados outros incidentes que no tenham atingido o paciente ou que o tenham
atingido, mas no lhe causaram danos. Isto posto, passa-se ao objeto e pretenso deste estudo.
Em 2001, o Institute of Medicine (IOM) props que a segurana do paciente passasse a
figurar como uma das dimenses da qualidade do cuidado em sade, pois constatou-se que
muitos EA acometem os indivduos nos hospitais causando-lhes prejuzos que poderiam ser
temporrios, mas tambm permanentes, podendo, inclusive, causar-lhe a morte.
De Vries et al (2008) confirmam a necessidade dessa importante dimenso para a
qualidade do cuidado ao procederem uma reviso sistemtica de janeiro de 1966 a fevereiro de
2007, que reuniu estudos de frequncia de EA em mbito hospitalar publicados no idioma
ingls. Seus achados concluram que em torno de 10% de todos os pacientes admitidos em
hospitais estiveram sujeitos a pelo menos 1 (hum) EA e, destes, 7% evoluram ao bito.
Muitos incidentes associados ao cuidado tambm foram observados na ateno primria
sade. Marchon e Mendes (2014) levantaram o tema por meio de uma reviso sistemtica de
2007 a 2012 e encontraram dentre os tipos mais frequentes, propiciados por uma prtica clnica
solitria, os erros de diagnsticos e de medicamentos. Observaram uma variao entre 12,4% e
83%, resultado que estava de acordo com outra reviso sistemtica referida por eles feita por
Makeham et al em 2008 que encontrou uma variao de 7% a 52% em um levantamento de
publicaes feitas entre 1966 e 2007.
Como explcito, um servio de sade de qualidade deve ser seguro no cumprimento de
sua finalidade, mas no essa a realidade encontrada. preciso lidar com o risco sempre
presente na prtica clnica, importando empreender aes na busca da maior segurana possvel.
15
Mas para se alcanar um cuidado seguro necessrio conhecer o problema do EA. Com
esta inteno, na 57 Assembleia Mundial da Sade em 2004, props-se um ciclo de
investigao cujos componentes encontram-se representados pela figura abaixo:
Figura 1 Ciclo de investigao da rea de segurana do paciente
Fonte: WHO, 2012c
Identifica-se neste ciclo que para atuar nas causas do problema do EA (a fim de combat-
lo e alcanar um cuidado mais seguro) o passo inicial medir o dano. Para este propsito
existem alguns mtodos j estabelecidos, dentre eles, a reviso retrospectiva de pronturios.
A reviso retrospectiva de pronturio composta de duas etapas, uma explcita e outra
implcita, que sero explicadas mais adiante, no captulo de metodologia. Mas aqui
interessante trazer que, por exemplo, em relao notificao voluntria, autores constatam
que a reviso retrospectiva de pronturio detecta 10 vezes mais EA (CLASSEN et al, 2011).
Esta diferena se torna ainda mais ntida com a constatao de que na notificao voluntria
apenas 10 a 20 por cento dos erros so denunciados e que, destes, 90 a 95 % no causaram
nenhum dano aos pacientes (GRIFFIN e RESAR, 2009).
Conforme apontam Trindade e Lage (2014), o primeiro estudo empregando a
metodologia da reviso retrospectiva de pronturio foi The Medical Insurance Feasibility Study
realizado na Califrnia no ano de 1974. Em 1978, Mills, um dos autores do estudo, fez um
artigo com o seu resumo tcnico, onde refere que foram utilizados 20 rastreadores que eles
mesmos elaboraram com a finalidade de dar conta do grande nmero de pronturios a serem
avaliados. A pesquisa se voltava para determinar a viabilidade de sistemas dos seguros de sade,
isso porque ocorria um notvel acrscimo dos custos globais em sade decorrentes de
compensaes monetrias pagas s vtimas de danos em ambiente de sade. Porm, como
benefcios secundrios, emergiram novos insights sobre os tipos e as fontes de deficincias
medir o dano
compreender as causas
Identificar as solues
Avaliar o impacto
Transpor as evidncias em cuidados mais
seguros
16
causadas pela m conduo dos cuidados em sade e o desenvolvimento de novos mtodos para
a realizao de monitoramento.
Na dcada seguinte, em 1984, no Estado de Nova York, uma amostra de 3.121
pronturios de pacientes foi revista utilizando 18 rastreadores. Essa amostra deu origem ao The
Harvard Medical Practice Study (HMPS) (BRENNAN, LEAPE, LAIRD, 1991; LEAPE et al,
1991) que, por sua vez, foi um dos estudos que originou o relatrio To Err is Human do Institute
of Medicine (IOM, 2000) que delimitou e exps de vez a magnitude do problema dos EA no
EUA, lanando foco sobre um assunto que h muito permanecia, e ainda permanece, cercado
de tabus.
Depois disso, muitos outros trabalhos com desenhos semelhantes foram realizados em
diversos pases, inclusive no Brasil (MENDES et al, 2009), e os resultados da problemtica tem
se confirmado. Disso decorre a necessidade de valorizar as ferramentas de rastreamento que
so utilizadas na fase explcita do mtodo de reviso retrospectiva de pronturios.
Como, em geral, a amostra de pronturios analisada muito grande, o rastreador se
prope a ser um facilitador na identificao de pronturios com potencial EA na primeira etapa
da metodologia de reviso retrospectiva de pronturios.
A despeito das fragilidades reconhecidas no emprego desse tipo de abordagem, como
por exemplo: a necessidade de registros de boa qualidade e de um sistema de arquivamento
adequado; treinamento exaustivo das pessoas que iro fazer a avaliao; alm do risco de
subestimar a magnitude da ocorrncia dos EA (PAVO et al, 2011; WHO, 2012). Entende-se
que o mtodo bastante til, e que o rastreador utilizado em sua primeira fase essencial para
viabilizar o seu desenvolvimento, principalmente quando se pretende analisar fontes
abundantes.
Sob essa perspectiva, o Institute for Healthcare Improvement (IHI), organizao
independente e sem fins lucrativos com sede em Cambridge, Massachusetts, desenvolveu um
grupo de ferramentas denominadas Global Trigger Tool (GTT). A Instituio, que trabalha com
uma ampla gama de entidades para alcanar resultados significativos em termos de qualidade,
tem como um de seus propsitos ajudar s organizaes de sade a detectar e a medir EA.
Inspirada na ferramenta proposta pelo IHI para pacientes ambulatoriais, um trabalho realizado
na faculdade de odontologia da universidade de Harvard props e testou um conjunto de
rastreadores para detectar EA em registros odontolgicos (triggers tools dental) por meio de
17
uma reviso retrospectiva de registros em pronturios eletrnicos, mas que, segundo os autores,
tambm se aplicariam aos pronturios fsicos (KALENDERIAN et al, 2013).
O presente estudo pretende valer-se dos trabalhos cientficos desenvolvidos at a
presente data para a elaborao dos rastreadores aqui propostos, mas a referncia principal da
qual se pretende lanar mo a do documento editado em 2010 por Especialistas do Programa
de Segurana do Paciente da OMS denominado Assessing and tackling patient harm: a
methodological guide for data-poor hospitals (WHO, 2012a). No prlogo deste documento, o
Prof. David Bates, diretor de pesquisas sobre segurana do paciente da OMS, expressa muito
bem o mal-estar social gerado pela insegurana no atendimento em sade. O proeminente
pesquisador refora o que se vem dizendo: milhares de incapacidades, ou mesmo as mortes
decorrentes da falta de segurana no atendimento de sade em todo o mundo, mobilizam
vultosos recursos financeiros por conta do prolongamento das internaes hospitalares, dos
tratamentos recuperadores ou paliativos, assim como a perda de rendimento pelo afastamento
do trabalho e com as aes indenizatrias que decorrem das lides judiciais. Ressalta que a
maioria dos mtodos para a deteco de EA so utilizados e testados em pases desenvolvidos,
onde, em geral, possvel ter em mos registros de sade adequados e, da, a importncia de se
obter dados em contextos de pases em desenvolvimento, pois embora danos a pacientes
ocorram em pases de todo o mundo, h evidncias de um impacto maior em pases em
desenvolvimento, a exemplo do risco de infeces relacionadas ao cuidado que 20 vezes
maior nos pases em desenvolvimento que nas naes desenvolvidas de acordo com o que
especifica a OMS.
Sendo assim, o referido documento foi traduzido para o portugus em 2012 com o apoio
do Programa de Cooperao Internacional em Sade da OPAS/OMS (Organizao Pan-
Americana da Sade/Organizao Mundial da Sade) no Brasil e Ministrio da Sade (MS) sob
o ttulo Avaliao e tratamento de danos aos pacientes: Um guia metodolgico para hospitais
carentes de dados, publicao destinada aos pesquisadores, gestores de qualidade, clnicos e
outros profissionais interessados em compreender e lidar com questes de segurana do
paciente em hospitais (WHO, 2012a). Seu objetivo foi oferecer dispositivos que no estejam
to atrelados boa qualidade dos registros de sade, nem aos recursos fsicos e humanos
disponveis, com protocolos para a aplicao dos mtodos, assim como as ferramentas
necessrias para a sua implementao prtica.
18
Pelo exposto, fica evidente que, principalmente em pases em desenvolvimento,
essencial desenvolver pesquisas na rea de segurana do paciente a fim de melhorar a qualidade
do atendimento, pois alm das vidas prejudicadas pelo EA em si, ainda h aquelas que sofrem
pela falta dos atendimentos que poderiam ter sido feitos e no foram por conta do
redirecionamento dos recursos monetrios destinados resoluo da problemtica oriunda do
EA.
No campo odontolgico, principalmente nas ltimas dcadas, houve um grande avano
tecnolgico propiciando maior agilidade e preciso aos diagnsticos e tratamentos (VIOLA,
OLIVEIRA, DOTA, 2011). Entretanto, aliada ao bnus, que nos remete melhoria na qualidade
do cuidado, agrega-se a possibilidade de maior ocorrncia de EA frente sua maior
complexidade tecnolgica (THUSU et al, 2012).
A odontologia, a despeito de sua natureza, em geral, invasiva e eminentemente cirrgica;
do contato ntimo com secrees como saliva e sangue; da grande dependncia das habilidades
do cirurgio-dentista; das possveis emergncias mdicas que podem ocorrer durante o
atendimento; ou seja, do amplo conjunto que configura como potencialmente propcio a
ocasionar EA, caminhou muito pouco no campo da segurana do paciente em comparao com
outras reas da sade.
Poucos estudos foram empreendidos para se conhecer os EA que acometem o cuidado
odontolgico, bem como suas causas, para que se direcione na busca de solues que possam
abrandar o problema. Ainda existe uma profunda lacuna no conhecimento nesse aspecto,
embora, mais recentemente, alguns pases venham desenvolvendo pesquisas na rea (BAILEY,
2015; BAILEY et al, 2015; OBADAN, RAMONI, KALENDERIAN, 2015; HIIVALA, 2016;
PEREA-PREZ, 2011; PEREA-PREZ et al, 2014).
Portanto, este estudo se justifica pela necessidade de se ampliar o conhecimento a
respeito dos EA em odontologia no contexto ambulatorial brasileiro, o que pode ser obtido
utilizando-se da metodologia de reviso retrospectiva de pronturios. Quando esta tcnica
escolhida, imprescindvel o uso de uma ferramenta de rastreamento que sinalize
adequadamente a possibilidade de que naquele pronturio possa existir um EA,
imprescindvel. A ferramenta de rastreamento ir auxiliar na agilidade e na eficincia do
emprego da tcnica e, por conseguinte, na obteno dos melhores resultados na identificao
dos EA permitindo a adoo de medidas eficazes para atenuar o problema da segurana do
paciente e com isso contribuir para a melhoria da segurana do paciente odontolgico no Brasil.
19
Assim sendo, este estudo tem por objetivo inicial verificar os principais tipos de EA
oriundos do cuidado odontolgico e os principais rastreadores utilizados para detectar EA no
cuidado em sade, a fim de dar suporte ao seu objetivo principal, que adaptar rastreadores de
EA j utilizados em outras reas da sade para a pesquisa de eventos adversos em revises
retrospectivas de pronturios em odontologia ambulatorial.
O desenvolvimento deste estudo ser apresentado em sete captulos: neste primeiro se
pretendeu introduzir o tema com a apresentao do objeto do estudo, o esclarecimento da linha
taxonmica que se empregou, a referncia ao instrumento que se pretende adaptar para a
odontologia e a justificativa do estudo; no segundo se expe a questo de pesquisa; no terceiro
se apresenta o objetivo geral e os especficos; no quarto se apresenta o marco terico com o
tema segurana do paciente, o atual contexto da sade bucal no Brasil, a segurana do paciente
em odontologia e as metodologias encontradas na literatura para a deteco de EA e outros
incidentes; no quinto se descreve as etapas metodolgicas percorridas com o emprego do
mtodo Delphi, bem como as consideraes ticas pertinentes; no sexto se discute os resultados
e as limitaes do estudo; e, no stimo, e ltimo captulo, se apresentam as concluses.
20
2 QUESTO DE PESQUISA
Hiptese: Rastreadores j utilizados para detectar eventos adversos em mbito hospitalar e
ambulatorial das diversas reas da sade podem ser adaptados para auxiliar na deteco
especfica de eventos adversos em revises retrospectiva de pronturios odontolgicos
ambulatoriais.
21
3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo geral
1. Adaptar rastreadores para detectar potenciais eventos adversos no cuidado odontolgico
ambulatorial no Brasil.
3.2 Objetivos especficos
1. Selecionar os principais tipos de EA oriundos do cuidado odontolgico adequado ao contexto
brasileiro;
2. Identificar os principais rastreadores utilizados para detectar EA no cuidado em sade.
22
4 MARCO TERICO
4.1 O tema Segurana do Paciente
O entendimento de que a qualidade do servio prestado em sade deveria se encontrar
intimamente ligado a um cuidado seguro j vinha sendo sublinhado desde a segunda metade do
sculo XIX quando Ignaz Semmelweiss, mdico hngaro, estabeleceu a ligao entre a
transmisso da infeco e a higiene das mos. Nessa mesma poca, Florence Nightingale, a
dama da lmpada2, voluntria na Guerra da Crimia (1853 a 1856), promove a drstica reduo
de mortes com a organizao da internao hospitalar dos feridos de guerra (TRINDADE e
LAGE, 2014).
Entretanto, como referido na introduo, apenas a partir de 2000 com a divulgao do
relatrio To Err is Human do IOM nos EUA, que se dispara o alerta para toda a sociedade em
relao aos custos tangveis e intangveis do problema do EA, tais como: a quantidade de
recursos gastos em repetir testes de diagnstico ou em medicamentos para reparar os efeitos
dos danos; o maior nmero de dias de internao hospitalar; o maior desgaste fsico e/ou
psicolgico tanto do paciente como dos profissionais; a perda de produtividade laboral; a
reduo na frequncia escolar das crianas; e, ainda, os menores nveis do estado de sade da
populao em geral aliado perda de confiana e de satisfao com o sistema (IOM, 2000).
O mesmo Instituto publicou em 2001, o relatrio Crossing the quality chasm que
recomendava a necessidade de um redesenho dos sistemas de sade em que a segurana do
paciente deveria ter precedncia e contar com uma estratgia global de envolvimento dos
governos, profissionais de sade, indstrias e consumidores. Reconheceu-se que havia uma
grande distncia entre a qualidade em sade oferecida, e aquela que, em realidade, se poderia
oferecer mediante toda a estrutura e o conhecimento cientfico disponvel. Admitiu-se que os
cuidados em sade, alm de no repassarem todos os benefcios possveis, por vezes, ainda
acrescentavam malefcios (IOM, 2001). Mediante essa constatao a segurana do paciente
passou a receber esforos concentrados para o seu aprimoramento por parte da OMS e de seus
pases-membros.
Em maio de 2002, foi aprovada na quinquagsima quinta Assembleia Mundial da Sade,
a resoluo WHA55.18 que exortou ao Diretor-Geral da OMS, com a efetiva aderncia dos
2 Ficou conhecida assim porque percorria as enfermarias onde estavam os feridos de guerra com uma lanterna na
mo.
23
pases-membros, o estmulo a uma srie de aes destinadas promoo da segurana do
paciente, dentre as quais: o desenvolvimento de normas e padres globais para todos os pases-
membros; o incentivo pesquisa para subsidiar a promoo de polticas baseadas em
evidncias; e o apoio aos esforos para a promoo de uma cultura de segurana no mbito de
suas organizaes de sade.
Outro passo importante se deu em outubro de 2004, quando a OMS lanou formalmente
a Aliana Mundial para a Segurana do Paciente na 57 Assembleia Mundial da Sade. Esta
aliana objetivou despertar a conscincia e o comprometimento poltico para melhorar a
segurana na assistncia, alm de prestar apoio aos pases membros no desenvolvimento de
polticas pblicas e prticas para a segurana do paciente (BRASIL, 2011).
A partir desta Aliana, diversas contribuies tm sido dadas segurana do paciente
focalizando as mltiplas facetas do problema. Para citar algumas: a campanha cuidado limpo
cuidado seguro que preconiza o combate infeco com guias que estimulam a lavagem das
mos; a busca da conformidade e da reduo de incidncia de complicaes nas cirurgias com
a campanha cirurgia segura salva vidas e a proposio de cheklists; a procura pela
identificao e mensurao do problema do EA para a compreenso de seus fatores
contribuintes com a recomendao de instituio de sistemas de notificaes nas organizaes
de sade; o estmulo ao estudo e s pesquisas com a proposio de metodologias de investigao
e de cursos a exemplo do Guia metodolgico para investigao de EA em hospitais carentes
de dados e das aulas virtuais de Introduo investigao de segurana do paciente
(respectivamente), ambos traduzidos para a lngua portuguesa.
Como aludido no captulo de introduo, tambm importante reforar a observao
em relao s definies e s nomenclaturas utilizadas. Nesse campo, a taxonomia varia
profusamente e por motivos diversos, tais como: significados que variam de acordo com o
contexto; falta de consenso entre profissionais de sade sobre o que se constitui como erro;
barreiras de idiomas que dificultam tradues adequadas dos termos (MENDES, 2014).
Por conta dessa diversidade de conceitos, a OMS comps um grupo para definir uma
classificao internacional para a segurana do paciente. O tema se encontra em constante
processo de atualizao e o objetivo permitir a categorizao e a padronizao de termos e
conceitos sobre o assunto para balizar pesquisadores da rea e facilitar a comparao, medio
e anlise das investigaes (WHO, 2009).
Diante desse movimento, e sob o reconhecimento de que a magnitude dos EA impacta
diretamente na qualidade dos servios oferecidos pelo SUS e se reverte em transtornos para a
24
sociedade, o assunto encontra resposta na agenda poltica brasileira, como exposto nos
pargrafos a seguir:
Em 2004, se concebe no Brasil uma Rede Nacional Para Investigao de Surtos e EA
em Servios de Sade (RENISS) com a ideia de que o controle e a anlise das situaes de surto
contribuem para o entendimento da dinmica de ocorrncia desses eventos e orienta mudanas
nas prticas assistenciais e regulamentaes (BRASIL, 2004a).
A Portaria do Ministrio do Trabalho e Emprego de n 485 de 11/11/2005 aprova a
Norma Regulamentadora n. 32 (NR-32) para a Segurana e Sade no Trabalho em
Estabelecimentos de Sade que um mecanismo que traz medidas obrigatrias proteo dos
profissionais de sade, mas, ao mesmo tempo, pode favorecer a um processo de trabalho mais
seguro, o que pode aumentar igualmente a qualidade do servio e a segurana do paciente
(BRASIL, 2005).
Outra importante medida foi a criao, em 2009, do Centro Colaborador para Qualidade
e Segurana do Paciente (Proqualis)3, um portal eletrnico que trata da produo e disseminao
de informaes e tecnologias em qualidade e segurana do paciente. vinculado ao Instituto
de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnologia em Sade, rgo pertencente Fundao
Oswaldo Cruz (ICICT/Fiocruz) e que conta com o financiamento do Ministrio da Sade. O
portal est organizado em grandes temas e referncia para a busca de contedo voltado
segurana do paciente.
A permanente preocupao e a prioridade do Ministrio da Sade brasileiro mais uma
vez so demonstradas quando em 2013, tambm a partir da Agncia Nacional de Vigilncia
Sanitria (Anvisa), disponibilizou-se a publicao Investigao de Eventos Adversos em
Servios de Sade como parte da srie Segurana do Paciente e Qualidade em Servio de
Sade. O documento se destina aos gestores, profissionais de sade, educadores e aos
profissionais que atuam no SUS. Tomou por base a RENISS e tem a investigao e a
compreenso dos fatores de risco, fontes e causas dos eventos, como instrumento para intervir
nas demandas da segurana e da qualidade, guiando mudanas para a melhoria da prtica
(BRASIL, 2013).
Neste mesmo ano, a Portaria/MS N 529 de 1 de abril de 2013 instituiu o Programa
Nacional de Segurana do Paciente (PNSP). As diretrizes do Programa esto no Documento
de referncia para o Programa Nacional de Segurana do Paciente (BRASIL, 2014)
3 Disponvel no site http://proqualis.net/seguran%C3%A7a-do-paciente.
25
destacando-se a contribuio da avaliao externa, do licenciamento de estabelecimentos de
sade e a inspeo. O PNSP salienta que as situaes de no conformidades encontradas nas
inspees reorientam o planejamento dos estabelecimentos de sade e constituem-se em
oportunidade de implementao de medidas de melhoria da qualidade e da segurana do
paciente.
Ainda em 2013 a Anvisa publicou a Resoluo da Diretoria Colegiada (RDC) N 36 que
tem por objetivo instituir aes para a promoo da segurana do paciente e para a melhoria da
qualidade nos servios de sade determinando a criao do Ncleo de Segurana do Paciente e
suas competncias em todas as organizaes de sade, sejam elas pblicas, privadas,
filantrpicas, civis ou militares, incluindo aquelas que exercem aes de ensino e pesquisa.
Esto excludos dessa obrigatoriedade somente os consultrios individualizados, os
laboratrios clnicos e os servios mveis e de ateno domiciliar.
importante sublinhar que, mesmo antes desse reconhecimento internacional da
importncia da segurana do paciente para a melhoria da qualidade dos servios, algumas
medidas pioneiras nesta direo j vinham sendo tomadas no Brasil. Dentre elas: a maior
segurana em transfuses sanguneas, tanto para os doadores como para quem recebe (lei 7.649
de 1988 que estabeleceu a obrigatoriedade do cadastramento dos doadores de sangue bem como
a realizao de exames laboratoriais no sangue coletado, visando a prevenir a propagao de
doenas); a maior preveno de infeces nos ambientes hospitalares (Programa Nacional de
Controle de Infeces Hospitalares foi lanado pela Anvisa em 1997 com os objetivos de
reduzir em 30% a taxa de infeco do servio) e a produo de barreiras de segurana nos
equipamentos utilizados por anestesistas com conectores que no permitem que haja
administrao trocada de gases (BRASIL, 2014).
Por fim, um mecanismo muito importante a Rede Sentinela que fica a cargo da Anvisa
em conjunto com as Vigilncias Sanitrias Estaduais e Municipais que foi idealizado antes
mesmo das deliberaes da OMS feitas em 2002, embora o projeto piloto tenha sido implantado
naquele mesmo ano. Os estabelecimentos que compem a rede possuem gerncias de risco que
alimentam e monitoram o sistema com informao/notificao de queixas tcnicas dos produtos
de sade que eles utilizam. Essas informaes subsidiam aes de regulao desses produtos
no mercado e, consequentemente, propiciam melhoria da qualidade de servios, pois as falhas
de produtos de sade esto diretamente relacionadas qualidade da ateno prestada ao
paciente e, no raro, podem ser responsabilizadas por agravos sua sade e mesmo sua morte.
26
Todavia, no Brasil, ainda hoje h pouca tradio em notificar os problemas o que, segundo a
prpria Anvisa, compromete a sua atuao4.
4.2 A sade bucal no Brasil
A Resoluo 161/2015 do Conselho Federal de Odontologia (BRASIL, 2015) dispe
em seu artigo 39 as especialidades odontolgicas: Acupuntura; Cirurgia e Traumatologia Buco-
Maxilo-Faciais; Dentstica; Disfuno Temporomandibular e Dor Orofacial; Endodontia;
Estomatologia; Homeopatia; Implantodontia; Odontogeriatria; Odontogeriatria; Odontologia
do Esporte; Odontologia do Trabalho; Odontologia Legal; Odontologia para Pacientes com
Necessidades Especiais; Odontopediatria; Ortodontia; Ortopedia Funcional dos Maxilares;
Patologia Oral e Maxilo-Facial; Periodontia; Prtese Buco-Maxilo-Facial; Prtese Dentria;
Radiologia Odontolgica e Imaginologia; e Sade Coletiva. A Coordenao Nacional de Sade
Bucal do Ministrio da Sade articula essas diversas especialidades de acordo com as Diretrizes
para a Poltica Nacional de Sade Bucal (PNSB) lanada em janeiro de 2004 (BRASIL, 2004).
A PNSB, tambm denominada programa Brasil Sorridente, distingue o Sistema de
Sade Bucal por faixa etria e por grupos portadores de necessidades especiais em trs nveis
orquestrados de atuao:
a) Ateno Bsica Serve como a porta de entrada ao usurio. Visa a promoo e a
proteo da sade bucal, a preveno de seus agravos, o diagnstico, o tratamento, a
reabilitao e a manuteno. Por meio de aes de sade individuais ou coletivas, este
primeiro nvel est apto a resolver problemas de baixa complexidade que correspondem
a maior parte da demanda da populao e se voltam para as peculiaridades de cada
territrio;
b) Ateno de mdia complexidade Para este nvel so encaminhados aqueles pacientes
que necessitem de procedimentos especializados. a contrarreferncia da Ateno
Bsica; e
c) Nvel de alta complexidade Para este nvel so encaminhados os pacientes que
necessitem de intervenes em mbito hospitalar.
O modelo tem como proposta a ateno integral sade e coloca as aes de promoo
e de proteo, lado a lado com aquelas propriamente ditas de recuperao. Sendo assim, de
4 http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/hsentinela/historico.htm
27
responsabilidade da Ateno Bsica detectar as necessidades, providenciar os
encaminhamentos necessrios, acompanhar a evoluo do tratamento, devendo tambm
acompanhar e buscar manter a sade oral no perodo ps-tratamento. Levando-se em
considerao a complexidade dos problemas da populao e a busca continua de aumentar a
oferta e a qualidade dos servios, a PNSB recomenda a organizao e desenvolvimento das
aes de:
a) Preveno e controle do cncer bucal Exames preventivos de rotina e acompanhar
casos suspeitos e/ou confirmados. Referenciar tratamento;
b) Implantao e aumento da resolutividade do pronto-atendimento Organizado de
acordo com a realidade local, com avaliao da situao de risco para a sade bucal e
orientao para a continuidade ao tratamento;
c) Incluso de procedimentos mais complexos na Ateno Bsica e fase clnica da
reabilitao prottica na Ateno Bsica Inserir procedimentos mais complexos com o
intento de aumentar o vnculo, a credibilidade e o do valor da existncia do servio; e
d) Ampliao do acesso Por sua insero transversal, a sade bucal pode ser trabalhada
nos diversos programas integrais de sade, tanto por linha de cuidado como por condio
de vida.
Em relao s faixas etrias a PNSB orienta o seguinte:
a) Grupo de 0 a 5 anos: as aes de sade bucal devem aproveitar a atuao
multiprofissional sendo parte de programas integrais a sade;
b) Grupo de crianas e adolescentes (6-18 anos): Aes adaptadas situao
epidemiolgica. Ateno curativa individual para pacientes de maior risco e garantia de
fluxo para o atendimento do adolescente;
c) Grupo de Gestantes: Ao iniciar o pr-natal a gestante deve ser encaminhada consulta
odontolgica. importante para receber cuidados para si, alm de ser fundamental para
a introduo de bons hbitos de higiene oral e alimentao na vida de seu filho, pois a
me tem papel fundamental nos padres de comportamento apreendidos durante a
primeira infncia.
d) Grupo de adultos: a dificuldade de compatibilizar horrios de consulta com o trabalho
por vezes agrava as necessidades preexistentes. Buscar disponibilizar horrios
alternativos; e
28
e) Grupo de idosos: a sade bucal fator preponderante para a uma boa qualidade de vida
e o acesso deve ser garantido. Alm disso, o planejamento das aes deve considerar o
Estatuto do Idoso.
Os Centros de Referncia de Especialidades Odontolgicas (CREO) so as unidades
responsveis pelos atendimentos especializados e funcionam a referncia para as equipes de
Sade Bucal da Ateno Bsica. Entre os procedimentos especializados cita-se: tratamentos
cirrgicos periodontais; endodontias; dentstica de maior complexidade; procedimentos
cirrgicos especializados; dentre outros.
A Estratgia de Sade da Famlia tem como eixos fundamentais o territrio e a
populao adscrita, o trabalho em equipe e a intersetorialidade. A visita domiciliar da equipe
de sade bucal tem por objetivo estratgico ampliar o acesso ao cuidado e criar vnculos entre
a populao e os servios. As visitas da equipe de sade bucal s pessoas acamadas ou com
dificuldades de locomoo visam identificao dos riscos para possibilitar o tratamento das
necessidades e a manuteno da sade bucal.
Percebe-se, dessa forma, no campo odontolgico, uma atividade complexa e com muitas
peculiaridades, o que eleva o risco potencial para a ocorrncia de EA. No Brasil no se
encontrou estudos que versassem especificamente sobre a segurana do paciente em
odontologia durante a pesquisa exploratria para a construo deste estudo. Na literatura
internacional, apesar de poucos em relao s outras reas da sade, alguns estudos vm sendo
desenvolvidos nos ltimos anos com esta preocupao. Descrever-se- a seguir os estudos
encontrados.
4.3 A segurana do paciente em odontologia
Os estudos especficos sobre o tema Segurana do Paciente em odontologia so
escassos. Na pesquisa feita para este estudo, o primeiro que se encontrou foi o de LEONG et al
(2008) que versou sobre a cultura de segurana do paciente odontolgico. Os autores realizaram
um inqurito em faculdades de odontologia dos EUA utilizando um instrumento desenvolvido
pela Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) e compararam os resultados com
estudos que utilizaram o mesmo instrumento em hospitais. Diferentemente das faculdades de
medicina, enfermagem e farmcia onde a prtica se d em hospitais, em odontologia o paciente
recebe atendimento na prpria faculdade. Os resultados mostraram uma menor propenso aos
relatos de EA, o que levou inferncia de que os sistemas de notificao nas faculdades
29
poderiam ser pouco amigveis, que havia receio de julgamento, falta de tempo, falta de
reconhecimento do valor da notificao e falta de retorno sobre a sua utilidade. Sugeriram que
as escolas participantes da pesquisa reduzissem barreiras e criassem um ambiente seguro para
notificaes. As escolas de odontologia tambm foram consideradas menos proativas em
relao ao aprimoramento da segurana do paciente. No entanto, na avaliao geral dos
entrevistados o grau geral de segurana do paciente mais alto. Os autores entendem que essa
melhor avaliao de desempenho possa ser, por exemplo, pela menor morbidade resultante dos
erros e/ou pela a falta de conhecimento dos incidentes relatados. Portanto, apesar de uma
avaliao global de segurana positiva, as escolas participantes devem investir na orientao de
seus funcionrios, alunos e professores para um melhor foco no monitoramento, na melhoria
das notificaes e nas questes de segurana dos pacientes, o que poder resultar em atitudes
positivas para a segurana do paciente oriundas da compreenso das condies de segurana de
suas clnicas e no de uma falta de conhecimento.
A partir disso, se faz importante destacar algumas peculiaridades da segurana do
paciente em odontologia que diferenciam o cirurgio-dentista de outros profissionais de sade,
especialmente daqueles que trabalham no campo dos cuidados hospitalares (PEREA-PREZ,
2011a; YAMALIK e PEREA-PREZ, 2012):
1. O atendimento odontolgico , em geral, menos agressivo que o atendimento mdico-
cirrgico e, consequentemente, gera danos mais leves. Mas como os procedimentos dentrios
so muito numerosos e repetitivos, se aliado sofisticao tecnolgica e ao contato bem
prximo com sangue e fluidos corporais, um cuidado potencialmente sujeito ocorrncia de
EA que podem levar, inclusive, ao bito.
2. Distinto do ambiente hospitalar, que altamente estruturado e hierrquico, o
atendimento odontolgico, na maior parte do mundo, se presta em pequenos consultrios por
profissionais isolados e com pouca conexo entre eles, isso delimita o conhecimento acerca da
ocorrncia dos EA.
3. Na configurao ambulatorial as manifestaes causadas por um problema no
tratamento dental so muitas vezes atendidas por outros profissionais de sade (emergncia
mdica, etc.) e o prprio dentista no tem conhecimento do ocorrido.
4. Como o atendimento odontolgico principalmente privado, muitas vezes a
ocorrncia de EA ocultada para evitar o impacto negativo na clientela.
5. H uma falta geral de conhecimento sobre a cultura da segurana do paciente entre
os dentistas, pois esse assunto mais frequentemente abordado no ambiente hospitalar
30
(campanhas, cursos, maior controle dos EA), por esta razo os profissionais que trabalham
nestes locais se encontram mais familiarizados com o problema.
Sendo assim, o investimento na cultura organizacional e na implementao de medidas
voltadas para um cuidado mais seguro na prtica odontolgica, se fazem imprescindveis para
o aprimoramento da segurana do paciente em odontologia. De acordo com YAMALIK e
PEREA-PREZ (2012) todos (formuladores de poltica, profissionais de sade, pacientes,
acadmicos e organizaes) devem envidar esforos e estar familiarizado com o contexto geral
de segurana do paciente. Para os autores, o primeiro passo a avaliao inicial da cultura
organizacional atual (que deve continuar a ser medida com instrumentos confiveis); tambm
so importantes o desenvolvimento e a introduo de programas de gesto de recursos e a
adoo de uma prtica clnica baseadas em evidncias, assim como a busca da reduo das
variaes entre os estabelecimentos de sade e a partilha de experincias bem-sucedidas.
Sugerem: realizar treinamento para incentivar a assimilao da cultura e o compartilhamento
de experincias dando destaque ao papel da liderana; conceber protocolos para tornar as
manobras e atividades potencialmente menos perigosas; estabelecer limites que no devem ser
ultrapassados na prtica diria, mas que se forem ultrapassados (provavelmente por uma razo
excepcional) devem ser justificados no registro clnico (Ex.: no realizar tratamento
endodntico sem isolamento absoluto; no reutilizar recipientes descartveis; no prescrever
nenhuma droga sem consultar o registro clnico do paciente e sem diretamente perguntar ao
paciente sobre alergias ou outros problemas de sade e nunca tomar um raio-X em uma mulher
em idade frtil sem proteo e sem perguntar sobre possvel gravidez). Preconizam a reduo
da influncia hierrquica com treinamento em equipe multidisciplinar e consideram que a
promoo da segurana do paciente uma obrigao tica, bem como a qualidade do tratamento
est diretamente ligada ao sucesso do resultado e, por conseguinte, reduo da probabilidade
de ocorrncia de EA e de seus custos econmicos associados. Alm disso, implicam numa
melhor segurana jurdica para os cirurgies-dentistas que ficam menos expostos ao litgio.
Importante destacar que o prof. Perea-Perz, referenciado no pargrafo anterior,
diretor do OESPO (Observatorio Espaol para la Seguridad del Paciente Odontolgico) e
grande parte dos artigos encontrados, tiveram a sua participao. Resumir-se- alguns a seguir:
A proposta de um plano de gerenciamento de risco da assistncia odontolgica com a
inteno de implementar a gesto dos riscos no atendimento odontolgico no territrio espanhol
composta pelos seguintes objetivos: 1) promover a cultura de segurana dos pacientes em
cuidados odontologia; 2) ampliar os termos de segurana do paciente em geral e do atendimento
31
odontolgico em particular; 3) criar uma estrutura organizacional abrangendo todo o territrio
para a gesto de riscos no cuidado; 4) desenvolver ferramentas para a identificao, anlise e
avaliao dos riscos relacionados com o atendimento odontolgico; 5) estabelecer linhas de
informao oriundas de diferentes fontes (bibliogrficas; proveniente de organizaes
semelhantes OESPO; proveniente de queixas ou reclamaes; originrias de denncias
annimas voluntrias feitas por profissionais ou pacientes); 6) estabelecer medidas destinadas
a prevenir os riscos tanto em nvel de um local especfico (quando a existncia de um risco
especfico resultante de uma circunstncia em particular que foi verificada em um
determinado local) quanto em um nvel geral (quando envolvendo risco conhecidos como:
preveno de infeces em consultrios odontolgicos; preveno de erro cirrgico; preveno
de erro na prescrio de medicamentos) e que possam ser traduzidas em recomendaes simples
de boas prticas clnicas, sendo importante analisar as experincias e recomendaes de outras
entidades similares; 7) a formao contnua de profissionais na segurana do paciente; 8) a
investigao no domnio da segurana do paciente odontolgico para aumentar o conhecimento
sobre o tema (PEREA-PREZ et al, 2011a).
A construo de listas de verificao para cirurgia odontolgica ambulatorial e
endodontia tambm so contribuies importantes que contaram com a participao do autor.
Estas listas pretendem ser de utilizao simples e rpida requerendo pouco tempo da equipe
clnica. Com a lgica e sistematizao que leva em conta conceitos bsicos para aumentar o
nvel de segurana do paciente a sua aplicao pretende tambm evitar erros ou distraes e,
ainda, podem ser de valor significativo se houver aes legais (PEREA-PREZ et al, 2011a;
DAZ-FLORES-GARCA et al, 2014).
J no sentido de conhecer o problema e quantificar o dano decorrente do cuidado
odontolgico, Perea-Prez et al (2014) verificaram 4.149 aes judiciais na Espanha nos anos
de 2000 a 2010 dos quais, 415 foram atribudos odontologia e analisadas pelos autores. Quase
metade (44,3%) foi considerada previsvel e evitvel e as maiores frequncias decorreram de
tratamentos de implante dentrio, endodontia e cirurgia oral. E tambm quase metade exigiu
internao hospitalar para o tratamento (46,2%), o que condiz com um importante vis desta
anlise (posto tratar-se de lides judiciais, a maior parte so relatos graves); os tratados e
resolvidos no prprio centro em que ocorreram foi de apenas 3,4%. A conseqncia mais
comum foi a perda de dentes, embora consequncias mais graves tenham sido descritas, tais
como danos permanentes aos troncos nervosos, leses ao globo ocular, perda ssea
significativa, leso crnica do seio e at mesmo a morte do paciente. Os autores colocam ainda,
32
que um esforo significativo tem sido feito pela World Dental Federation (FDI) e pelo Council
of European Dentists (CED) e destacam a iniciativa do Conselho Geral de dentistas e
Estomatologistas da Espanha em criar o Observatrio Espanhol para a Segurana do Paciente
Odontolgico (OESPO). Frisam que para estudar o EA em profundidade e propor medidas para
a sua preveno essencial determinar como e onde eles ocorrem para que as medidas de
preveno propostas se baseiem no conhecimento da situao real (frequncia e gravidade).
Os autores acima tambm advertem que, no campo da odontologia, a maioria dos
estudos disponveis esto limitados s descries de EA individuais ou de pequenas sries de
casos e citam dois estudos mais amplos: Thusu et al (2012) e Hiivala, Mussalo-Rauhamaa,
Murtomaa (2013a). O primeiro colheu seus dados de janeiro a dezembro de 2009 por meio de
registros eletrnicos de incidentes reportados anonimamente base de dados da Agncia
Nacional para a Segurana do Paciente (criada para atender ao Sistema Nacional de Sade da
Inglaterra e do Pas de Gales). Dos 2.339 registros encontrados, 327 foram atribudas
incidentes relacionados odontologia. No segundo, os autores analisaram questionrios
respondidos por 1041 dentistas finlandeses no ano de 2010 onde se perguntou o nmero e o
tipo de incidente ocorridos nos ltimos 12 meses em sua prtica. O resultado foi que quase um
tero dos dentistas relatou algum incidente nos ltimos e dos 872 relatos, 53% foram
classificados como EA, 45% como near miss e 2% no foram classificados. A concluso foi de
que os EA menos graves e os nears misses so comuns na Finlndia, especialmente em cirurgia
dentria, tratamento endodntico e tratamento restaurador. Este ltimo foi um dos estudos que
foi objeto da tese de doutorado finlandesa que ser referida um pouco mais adiante, ainda neste
captulo (HIVALLA, 2016).
Por fim, mais recentemente, em 2015, por meio da anlise dessa amostra
retromencionada (415 danos decorrentes do cuidado odontolgicos) Perea-Prez et al
verificaram que um pequeno nmero de circunstncias propicia um grande nmero de EA. Com
isso, sugerem 11 procedimentos bsicos para a prtica da segurana do paciente odontolgico.
So eles: 1) Desenvolver uma cultura de segurana do paciente e um sistema de cuidados de
sade focado na priorizao da segurana do paciente; 2) Cuidar da qualidade dos registros
clnicos; 3) checar procedimentos para a limpezas, desinfeco, esterilizao e preservao dos
instrumentos clnicos; 4) exercer extremo cuidado quando for prescrever medicamentos; 5)
limitar a exposio do paciente radiao ionizante ao extremamente necessrio; 6) nunca
reutilizar embalagens ou substncias indicadas para um nico uso clnico; 7) proteger os olhos
do paciente durante os procedimentos; 8) estabelecer barreiras para preveno do ingesto ou
33
inalao de materiais e pequenos instrumentos; 9) usar listas de verificao em todos os
procedimentos cirrgicos; 10) monitorar o incio e a progresso da infeco na cavidade oral; e
11) ter um protocolo para emergncias de ameaa de vida na clnica dentria.
Uma reviso retrospectiva de artigos cientficos realizada por Obadan et al (2015) reuniu
EA em odontologia relatados no idioma ingls de 1970 a 2013. A reviso encontrou 182 estudos
com 270 EA. Em relao a gravidade e a temporalidade do dano, obtiveram o seguinte: 91
relatos foram de danos temporrios; 66 de danos permanente; 65 precisaram de tratamento
hospitalar de emergncia ou internao, mas o dano foi revertido, enquanto 18 pacientes
passaram a necessitar de suporte vida e 30 foram ao bito. Na classificao dos EA tm-se
como os mais frequentes (N=62) o tratamento tardio, desnecessrio ou a progresso da doena
por erro de diagnstico; complicaes sistmicas foi a segunda maior categoria (N=57);
seguidas de reaes alrgicas/hipersensibilidades (N=29) e infeces sistmicas (N=28); as
demais categorias agregam EA que, entre outros, vo desde a injeo acidental de substncias,
aspirao se corpo estranho, anorexia nervosa induzida por tratamento ortodntico, at o mal
posicionamento de implantes dentrios com prejuzos estticos.
Uma tese de doutorado (HIIVALA, 2016) objetivou proporcionar conhecimentos acerca
dos incidentes odontolgicos incluindo EA e Near Miss. A autora buscou compreender os
fatores que contribuem para o problema e o que poderia ser feito para prevenir a sua recorrncia.
Para isso se baseou em duas fontes de dados obtidos a partir de quatro estudos anteriores,
tambm de sua autoria em colaborao com outros autores. O primeiro conjunto de dados era
oriundo das respostas de 54% dos dentistas membros da Associao Dental Finlandesa e que
praticavam a odontologia nas regies do Sul, do Sudoeste e no interior da Finlndia em 2010.
Os questionrios foram enviados por meio eletrnico e inquiriam acerca da ocorrncia de
incidentes odontolgicos que tivessem cometido ou tomado conhecimento em sua prtica no
ano anterior (HIIVALA, MUSSALO-RAUHAMAA, MURTOMAA, 2013a; HIIVALA,
MUSSALO-RAUHAMAA, MURTOMAA, 2013b). O segundo conjunto de dados foi
compilado a partir de estudos da avaliao de 948 notificaes feitas aos rgos de superviso
e controle do Estado entre 2000-2012 (HIIVALA, MUSSALO-RAUHAMAA, MURTOMAA,
2015; HIIVALA et al 2016). Os resultados das anlises quantitativas e qualitativas
demonstraram diferentes retratos quando comparando os dois grupos: a maioria dos relatrios
de incidentes feitos por dentistas apresentavam incidentes com baixa gravidade, ao passo que
as queixas do paciente e das instncias regulatrias apresentavam incidentes mais graves. Os
34
incidentes mais graves foram raros, enquanto os menos graves foram mais comuns. Foram
identificados vrios fatores contribuintes, tanto ativos quanto latentes.
Os dentistas no diferenciaram a taxa de incidncia entre a prtica pblica e a privada,
mas dois teros das queixas do paciente e outras notificaes apontam para os profissionais
privados e a maioria foi feita diretamente contra os profissionais, apenas uma minoria foi contra
as organizaes. J a prtica odontolgica variou entre indivduos e organizaes de acordo
com a sua cultura. Mostrou que a questo complexa e multidimensional. A tese tambm
demonstrou que os pacientes e suas famlias so capazes de identificar vrios incidentes e
circunstncias perigosas que no seriam capturadas de outro modo.
A autora sugere que o investimento numa cultura de segurana propcia aos relatos de
incidentes com foco no aprendizado e no na culpa, podem melhorar a segurana do paciente.
Assim como o desenvolvimento de maneiras proativas para intervir rapidamente mediante a
queixa pode evitar a evoluo do problema. Acrescenta que questes de segurana do paciente
devem ser implementadas em cursos de graduao, ps-graduao e formao contnua
profissional e que mais pesquisas devem usar diferentes conjuntos de dados e grupos-alvo
(profissionais de sade, pacientes e suas famlias), incluindo consequncias fsicas, emocionais,
sociais e econmicas necessitam ser implementadas para que se tenha domnio do campo.
A autora observa ainda, que as especialidades odontolgicas que apresentaram maior
nmero de ocorrncia de EA foram as de Prtese Dentria, de Cirurgia e Traumatologia Buco-
Maxilo-Faciais e a de Endodontia. Esse achado corroborou com o que encontraram Pera-Perez
et al (2014) e Pera-Perz et al (2015) sendo que neste ltimo estudo, os autores tambm
mencionam as especialidades de implantodontia e ortodontia.
Corroborando com o exposto, conclui-se que os relatos de EA em odontologia
publicados fornecem uma janela para a compreenso de sua natureza e extenso, mas que ainda
h uma escassez de publicaes na literatura odontolgica, especialmente no contexto
brasileiro, que possibilite uma melhor compreenso do assunto.
Outro estudo feito por Bailey (2015) na universidade de Manchester, no Reino Unido,
com 12 cirurgies-dentistas muito experientes (25 anos de prtica docente e clnica, em mdia),
exprime a viso contempornea destes sobre a segurana do paciente, suas opinies e ideias
para manter ou melhorar as prticas de segurana. Os pontos de vista colhidos a partir de grupos
focais foram sobre os seguintes assuntos: conceituao do tema, as questes importantes,
salvaguardas e ferramentas para manuteno de cuidados seguros, eventos sentinelas e
prioridades de investigao. Como principais resultados obteve-se que as maiores dificuldades
35
esto em lidar com a histria mdica (polifarmcia e comorbidades), as competncias e nvel
de habilidade, o uso de salvaguardas e de ferramentas para garantir a segurana, a importncia
de uma comunicao eficaz (entre o profissional e o paciente e/ou o acompanhante) e a prtica
reflexiva. As melhorias sugeridas foram: o melhor compartilhamento de informaes com
outros profissionais de sade, maior acesso a orientaes e ferramentas educacionais, adoo
de protocolos de prtica clnica, trabalho em equipe e o uso de sistemas de grficos universais
para limitar a ambiguidade. Concluram que os dentistas so bem versados no conceito de
segurana do paciente e esto ansiosos para implementar ferramentas baseadas em evidncias
e/ou intervenes destinadas a melhorar a segurana de seus pacientes.
Por fim, toda a complexidade do atendimento em sade compreende fatores inerentes
ao ambiente e ao humana que, em odontologia, como descrito acima, podem ter as chances
de ocorrncia de danos amplificadas mediante uma atuao solitria e fragmentada em
consultrios individualizados, mesmo nos ambulatrios do SUS.
Sendo assim, aps lanar mo desse arcabouo inicial, se percebe que o movimento
internacional em direo busca de um cuidado odontolgico mais seguro vem se
consolidando. Como bem representado pela figura 1 (ciclo de investigao da rea de segurana
do paciente) constante na Introduo deste trabalho importante, de incio, medir o dano.
Desta forma, ingressa-se no prximo tpico com a finalidade de identificar as principais
metodologias apresentados na literatura para auxiliar na adaptao dos rastreadores que se
pretende construir para a realidade brasileira.
4.4 Metodologias encontradas na literatura para a deteco de EA e outros incidentes
Para avaliar a segurana das intervenes no processo de atendimento em sade, se faz
necessrio o desenvolvimento e a implementao de ferramentas apropriadas para a
identificao e o monitoramento dos EA.
Thomas e Petersen (2003) identificaram e discutiram as vantagens e desvantagens de
oito mtodos usados com a finalidade de medir a ocorrncia de erros e EA no cuidado de sade.
Houve enfoque na confiabilidade, na validade e na capacidade de cada mtodo para detectar
erros latentes (ou erros do sistema organizacional), erros ativos (diretamente atribudos ao
profissional) e EA. Com isso propuseram um referencial bastante til para gestores e
pesquisadores com as abordagens utilizadas para medir erros e EA, apresentado na figura
abaixo:
36
Figura 2 Esquema representativo da utilidade relativa das abordagens para medir erros e EA
Fonte: Souza, Lage e Rodrigues (p. 97, 2014)
Com propsito semelhante, Murff et al (2003) fazem um levantamento da literatura e
classificam os mtodos em manuais e combinados. Os mtodos manuais so os mtodos de
notificao voluntria (relato de incidentes e notificao espontnea) e os mtodos de relatrios
involuntrios (reviso de pronturios, observao e entrevistas com pacientes). E os
combinados so os que juntam os mtodos manuais aos dados eletrnicos advindos dos sistemas
de deteco de infeces hospitalares, assim como dos dados originrios do monitoramento
eletrnico dos EA ocasionados por medicamentos.
Identificam que os mtodos manuais so limitados pelas provveis subnotificaes e
listam alguns motivos para isso: a interrupo do fluxo de trabalho; a falta de crena do
trabalhador de que seu relato ir se traduzir em melhoria; a no percepo de que um EA
ocorreu; e, por ltimo, o medo de expor-se ao litgio. J nas entrevistas com pacientes, assim
como nos relatos de observadores, detectam como limitaes a substancial exigncia de
recursos e a sujeio grande subjetividade, mas destacam que a observao do cuidado pode
ser fundamental para a deteco de EA que no seriam visveis por outros meios. Outra
limitao importante so os recursos para mant-las. Os mtodos combinados mitigam um
pouco os custos por diminuir o tempo de anlise e pela possibilidade de utilizar menos recursos
37
humanos, todavia tem a dificuldade de encontrar codificaes eletrnicas apropriadas e
abrangentes.
Frisam que a maioria dos erros no resultam em EA e concluem que a reviso manual
de pronturio considerada padro-ouro, mas que cara e imperfeita, pois conta com a
subjetividade do revisor e que com a combinao com a triagem eletrnica pode vir a render
melhores resultados. Referem que todas as metodologias captam um nmero limitado de
acontecimentos adversos, que, embora teis, podem representar apenas a ponta do iceberg
com a tendncia a vieses inerentes a cada uma delas.
importante aqui abrir um parntese para falar um pouco do gerenciamento do risco na
rea de sade. Seu manejo est diretamente ligado origem de suas causas. O problema do EA
pode ser abordado pelo enfoque nas falhas individuais, onde se procura a culpa em atos
inseguros - erros e violaes de procedimento - das pessoas que prestam o cuidado direto; ou
pelo enfoque que inclui as armadilhas do local de trabalho e dos processos organizacionais.
Neste ltimo, os erros humanos so vistos como consequncias e no como causas. Suas
contramedidas baseiam-se no pressuposto de que, embora no possamos mudar a condio
humana, podemos mudar as condies sob as quais os seres humanos trabalham (REASON,
2000).
Entretanto, a tradio dominante na medicina a de buscar a causa no erro do indivduo
e desta forma as contramedidas sero dirigidas, principalmente, reduo da variabilidade
indesejada no comportamento humano com restries e punies individuais. Porm, a cultura
da culpabilidade um importante entrave segurana do paciente (YAMALIK e PEREA-
PREZ, 2012) e, desta forma, haver sempre uma grande dificuldade no combate e no
gerenciamento do problema, pois haver a tendncia de se omitir relatos de erros o que
prejudica a atuao sobre eles (REASON, 2000).
Uma reviso sistemtica da literatura feita pela Health Quality & Safety commission
New Zealand (2016) traz uma comparao entre as vantagens e as desvantagens de uma srie
de mtodos existentes para avaliar a extenso dos danos que ocorrem nas instituies de sade.
Essa reviso explica que tentativas convencionais para quantificar danos (como por exemplo
relatrios de incidentes) so limitados, notoriamente pela baixa notificao de incidentes, talvez
por medo de punio; as revises de pronturios e os estudos observacionais so muito
dispendiosos; os indicadores baseados em dados administrativos podem no ter relevncia
clnica; casos identificados a partir de reivindicaes de negligncia, sries de autpsia ou
38
reclamaes podem no ser representativos. Os autores expuseram essas inferncias no quadro
esquemtico abaixo:
Quadro 1 Vantagens e desvantagens dos mtodos para detectar danos no cuidado em sade
Mtodo
Vantagens Desvantagens
Reviso de
pronturio
Fcil avaliao,
especialmente se os
registos forem eletrnicos
processo caro
necessita de revisores treinados
dificuldade com a padronizao do
julgamento
no possvel detectar EA no
documentados nos registros
Ferramentas de
rastreamento
facilidade para pesquisar
grande volume
pode gerar
automaticamente relatrios
peridicos
pode ser em tempo real
no possvel detectar todos os eventos
necessita de recursos para configur-lo
ainda precisa de reviso de pronturios
para confirmar EA
Dados
administrativos
dados prontamente
disponveis
fcil de analisar
Variao na codificao
Dados incompletos
Dados separados do contexto clnico
Reclamaes de
m-prtica
Mltiplas perspectivas
(sistema legal)
Vis de relatrios retrospectivos
fonte no-padronizada de dados
Observao
Potencialmente preciso e
capaz de detectar erros em
tempo real
Processo caro
Precisa de observadores treinados
efeito Hawthorn5
ameaa equipe ou confidencialidade
do paciente
vis de percepo
grande quantidade de informaes
Sries de
autpsia Fornecida pelos familiares
pouco frequentes e de seleo no-
aleatria
vis retrospectivo
vis de relatrios
focado em diagnosticar o erro
Conferncias de
mortalidade e
morbidade
fornecida pelos
familiares
Casos selecionados mais
propensos a ter erros
erro pode no ser reconhecido facilmente
vis retrospectivo
vis de relatrios
Queixas mltiplas perspectivas poucos recursos
vis de relatrio
vis retrospectivo Precisa de processo para investigar os
eventos de forma confivel.
Fonte: The global trigger tool: A review of the evidence (2016 edition) (p.8). Traduzido pela
autora.
5 Indivduos que sabem que so participantes de um estudo e que esto sendo observados se comportam de forma
diferente.
39
A adaptao de alguns desses instrumentos para estudo e anlise da ocorrncia de EA
no contexto brasileiro j vem acontecendo, principalmente no mbito hospitalar (MENDES et
al, 2005) e, mais recentemente, tambm na ateno primria, apesar das dificuldades que
pudessem vir a limitar a traduo e a confeco do instrumento, como a pouca familiaridade
com os conceitos de segurana do paciente. Esse empecilho foi contornado com a apresentao
de um glossrio com os conceitos relativos ao tema segurana do paciente aos especialistas que
fizeram a adaptao e traduo do instrumento (MARCHON, 2015).
Especificamente para odontologia poucas ferramentas vm sendo desenvolvidas na
busca por uma melhoria da segurana nos procedimentos odontolgicos como demonstram
Bailey et al (2015). Em uma reviso sistemtica os autores visaram apreender estudos que
versassem sobre metodologias que foram desenvolvidas para auxiliar na gesto dos servios e
na prtica odontolgica com enfoque na segurana do paciente. O objetivo foi identificar,
avaliar e discutir vantagens e limitaes das ferramentas ou intervenes utilizadas em
ambientes de cuidados dentrios para manter ou melhorar a segurana do paciente. As
Ferramentas identificadas foram: listas de verificao (quatro); sistemas de notificao (trs);
o uso de alertas eletrnicos (um); e ferramentas de rastreamento (uma).
Das quatro listas de verificao encontradas, trs eram voltadas para a cirurgia segura.
Duas destas evidenciavam benefcios, principalmente quanto a no ocorrncia de extrao de
elemento dentrio errado, posto que nos dois estudos relatou-se a extrao errnea de 5 dentes
de dois a trs anos antes da implementao da lista de verificao, enquanto que aps os 24
meses de sua implementao nenhum caso ocorreu em ambos os locais. Um terceiro estudo no
deu detalhes se a adoo da lista de verificao levou a um decrscimo nesses enganos. A quarta
lista se volta para o diagnstico de tumores malignos em pacientes com trismo. Esse sintoma
comum nos distrbios da articulao temporomandibular (ATM) o que pode levar ao erro ou
ao atraso no diagnstico de malignidade, e, consequentemente, na instituio do seu tratamento.
Esses quatro estudos so de observao e os autores frisam que os resultados, embora claros,
devem ser interpretados com cautela devido falta de grupos de controle.
Os trs artigos sobre o uso de sistemas de comunicao em odontologia se tratavam de
estudos epidemiolgicos com resultados semelhantes que giravam em torno das reaes
adversas aos materiais dentrios. As suas concluses foram de que as causas mais frequentes
so de reaes adversas aos metais (incluindo amlgamas) em pacientes, e produtos de ltex
em profissionais de odontologia (luvas). Eles tambm descobriram que no existem critrios
padronizados quanto ao que constitui uma reao adversa a um material dentrio e que ocorria
40
o problema da subnotificao. Os autores reconheceram que preciso uma quantidade
considervel de tempo para se estabelecer um sistema de comunicao proativo.
O estudo que avaliou a utilizao de alertas eletrnicos baseados em diretrizes clnicas
verificou que a taxa na qual os praticantes acessavam as orientaes aumentava durante os
primeiros seis meses, mas que at o final do perodo de estudo (18 meses), a taxa de utilizao
de orientaes havia retornado aos nveis basais. Os efeitos clnicos dos acessos a essas
diretrizes, ou se elas tm algum impacto nos resultados de segurana do paciente no ficou
claro.
A ferramenta de rastreamento encontrada, um conjunto de registros que quando
presentes nos pronturios poderia indicar a presena de EA, ser descrita no captulo 6.3 desta
dissertao (Os rastreadores - triggers tools).
E, por fim, a concluso a que chegaram foi que as nicas intervenes em odontologia
que reduzem ou minimizam os efeitos adversos so as listas de verificao para a cirurgia
segura.
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5 MTODO
O mtodo considerado padro ouro para detectar os EA no cuidado em sade a reviso
retrospectiva de pronturios (MURFF et al, 2003). Esse mtodo pressupe duas fases, uma
explcita e outra implcita. Na fase explcita, profissionais treinados selecionam pronturios
com potenciais EA, atravs de um conjunto de rastreadores composto por critrios explcitos.
Eles servem para separar pronturios com potencial para apresentar EA, que, neste estudo, so
os incidentes com danos ocasionados pelo cuidado odontolgico. A presena de apenas um
destes critrios j seleciona o pronturio para a segunda fase na qual um mdico revisor
confirma, ou no, a presena de EA (WHO, 2012a).
O presente estudo teve como objetivo geral elaborar um conjunto de rastreadores para
detectar potenciais EA no cuidado odontolgico ambulatorial no Brasil. A hiptese norteadora
que rastreadores j utilizados no mtodo de reviso retrospectiva de pronturios em outras
reas da sade poderiam ser adaptados para auxiliar na deteco especfica de EA
odontolgicos ambulatoriais. O caminho percorrido para se chegar ao objetivo geral comps-
se de seus dois objetivos especficos: conhecer os principais tipos de EA oriundos do cuidado
odontolgico e identificar os principais rastreadores utilizados para detectar EA no cuidado em
sade.
Foi conduzido em duas etapas. Na primeira foi feita uma reviso da literatura de forma
exploratria e descritiva para atingir aos objetivos especficos. Na segunda buscou-se adaptar
os rastreadores ao cuidado odontolgico ambulatorial no Brasil para se alcanar o objetivo
geral.
A adaptao dos rastreadores contou com a expertise de um painel de especialistas das
reas odontolgica e de segurana do paciente. Para isso se empregou o mtodo Delphi
modificado. A tcnica baseia-se na consulta de opinies especializadas partindo do pressuposto
que um julgamento coletivo, adequadamente conduzido, melhor que a opinio de um nico
indivduo (DALKEY, 1969). Caracteriza-se pela troca annima de informaes e a
possibilidade de reviso de vises individuais com o objetivo de obter uma opinio coletiva
sobre determinadas questes (WRIGHT e GIOVINAZZO, 2000). Abriu-se a possibilidade de
reunir os especialistas em um encontro presencial, mas isso no foi necessrio. Todavia, a
autora do estudo, que tambm foi a mediadora das respostas dos participantes, interagiu com
estes e, alm disso, a troca de informaes se deu por meio eletrnico, o que caracterizou a
modificao do mtodo primariamente idealizado.
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5.1 O mtodo Delphi
O mtodo Delphi foi desenvolvido na dcada de 1950 pelo RAND Corporation.
Instituio de pesquisa sem fins lucrativos, apartidria, foi constituda ao final da II Guerra
Mundial. Inicialmente, teve o objetivo de conectar o planejamento militar americano ao
desenvolvimento industrial e de pesquisa do pas. Porm, aps os primeiros anos, na dcada de
60, ampliou seu foco dentro e fora dos Estados Unidos e, atualmente, a pesquisa da RAND
encomendada por uma clientela global que inclui agncias governamentais, fundaes e
empresas do setor privado em diversas reas. Ao contextualizar a instituio de onde partiu o
mtodo obtm-se a exata dimenso de