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PPGCOM&ESPM&//&SÃO&PAULO&//&COMUNICON&2016&(13&a&15&de&outubro&de&2016)&!
Representações de mulher em campanhas publicitárias da década de 1920.
Ana Clara Pazzianotto Forti
Aluna de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da ESPM-SP
Resumo
Este estudo tem como objetivo principal analisar representações de mulher e o
seu papel na sociedade brasileira, levando em consideração a comunicação
publicitária brasileira da década de 1920. Na abordagem da publicidade, contamos
com apontamentos de Tânia Hoff, Eni Orlandi, Everardo Rocha e João Carrascoza. Já
para a contextualização histórica, econômica, política e social do período, tem-se por
fonte Mari Del Priore e Boris Fausto. Quanto à metodologia, a Análise de Discurso de
linha francesa é o aporte teórico-metodológico a partir do qual elaboraremos nosso
protocolo de análise, considerando em especial os conceitos de dito e não dito para
refletirmos sobre a representação da mulher no trabalho, ou seja, a diferença no
sistema produtivo da época.
Palavras chave: representações de mulher; diferença; comunicação publicitária;
trabalho; discurso.
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Introdução
O presente artigo tem por objetivo analisar a narrativa publicitária da década
de 1920, atentando-se a representação feminina e seu papel social em peças e
campanhas escolhidas nos meios impressos, majoritariamente do jornal O Estado de
São Paulo, e revistas.
Levando em consideração que a narrativa publicitária “enquanto um sistema
de ideias permanentemente posto para circular no interior da ordem social, é um
caminho para o entendimento de modelos de relações, comportamento e da expressão
ideológica” (ROCHA, 2001, p.29) de uma sociedade, o estudo tem a finalidade de
compreender a narrativa publicitária e suas formações de sentido enquanto discurso a
partir dos conceitos de Dito, sendo o que é explicitamente dito pelo sujeito, e o de
Não Dito, sendo aquilo não dito pelo sujeito, mas que constitui igualmente o sentido
de suas palavras (ORLANDI, 2005, p.59), tomados de empréstimo da Análise de
Discurso, a partir de Orlandi.
É importante ressaltar que as peças apresentadas no decorrer do artigo terão
caráter exemplificativo, e que os conceitos serão utilizados como suporte teórico para
a análise, de forma que o artigo não apresentará análise empírica dos objetos com
rigidez metodológica. O objetivo central é, a partir da análise contextual das
campanhas, problematizar as representações femininas presentes nas campanhas
publicitárias da década de 1920.
As considerações e relações obtidas neste estudo foram baseadas nos estudos
de Tânia Hoff no que se refere as representações dos corpos diferentes e no que se
refere a narrativa publicitária, foram baseadas em Everardo Rocha e João Carrascoza.
Quanto a contextualização política, econômica e social da sociedade brasileira no
período de 1920, buscou-se aporte teórico em Boris Fausto e Mary Del Priore, e com
esta, a contextualização do papel feminino no trabalho e nas ocupações domésticas.
O artigo é fruto dos primeiros resultados de uma pesquisa de Iniciação
Científica sobre representações de mulher na comunicação publicitária, especialmente
a mulher no trabalho, a partir da análise de discurso no período de 1920 a 2010
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orientada pela professora Tânia Hoff, que desenvolve pesquisa sobre corpo e
diferença.
Contextualizando o objeto
Em um levantamento inicial de peças publicitárias brasileiras das décadas de
1920 e 1930, observa-se a presença da mulher na publicidade veiculada, mesmo que
precariamente se comparadas às campanhas dos dias atuais, nos meios de
comunicação impressos da época, ou seja, os jornais e as revistas, além de rótulos de
produtos.
O desenvolvimento da publicidade na década de 1920 esteve ligado às
condições socioculturais, uma vez que, segundo o autor Renato Ortiz (2001) no
capítulo “Sociedade e cultura” do livro “Brasil: um século de transformações”, (...)
75% da população era analfabeta e não tinha acesso à cultura. O mesmo autor (2001
p.188) coloca que “Isso significa que nenhuma obra escrita, fosse ela de qualquer
tipo, poderia ser ‘popular’”, uma vez que o acesso à leitura estava restrito à 25% da
população, ou seja, a elite.
Este período das primeiras décadas do século XX foi marcado também pelo
processo de industrialização no Rio de Janeiro e posteriormente em São Paulo. (DEL
PRIORE, 2010, p.165). Esse processo, que significou o início da modernização do
Brasil, foi responsável pela concentração de um grande número de pessoas nos recém-
formados centros urbanos, a fim de se tornarem funcionários fabris. Um fato que
garante tal concentração é de que, por volta da Segunda Guerra Mundial, 80% do
tecido (principal produto das fábricas brasileiras) circulante no país, era de produção
nacional, ou seja, as fábricas estavam produzindo de forma maçante e constante.
(FAUSTO, 2013, p.248).
Simultaneamente, houve uma enorme importação dos valores da Belle Époque
europeia, que era símbolo da cultura, tecnologia e modernização do velho continente.
Esse processo de “europeização” do Brasil, antes restrito ao ambiente doméstico,
“transforma-se agora em objetivo – melhor seria dizer ‘obsessão’ – de políticas
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públicas.” (DEL PRIORI e VENÂNCIO, 2012, p. 219), mesmo de uma forma
idealizada e mística, uma vez que havia uma lacuna enorme entre a realidade europeia
retratada pela publicidade e a sociedade brasileira em geral que carecia de acesso à
cultura e tecnologia em larga escala.
Como consequência dessa primeira fase de industrialização e urbanização,
assim como da importação ideológica e comportamental dos valores europeus da
época, começa a surgir nas fábricas o pensamento operário, que veio a possibilitar
novas vertentes políticas para o governo do país. Tais correntes, opostas à tradicional,
trouxerem às capitais os primeiros movimentos de manifestações operárias
reivindicando por melhores condições e direitos trabalhistas.
A respeito do trabalho feminino, podemos observar, que desde o tempo da
escravidão e de forma constante até os anos 1920, “não faltam exemplos de trabalho:
lavadeira, engomadeira, ama-de-leite, cartomante” (DEL PRIORE, 2009, p.517).
Porém, “ironicamente”, apesar de ser evidente a participação ativa da mulher nas
lides, especialmente aquelas ligadas ao lar, o trabalho feminino continuava a ser
representado pelo Estado – na forma de leis – e até pelas próprias mulheres como um
mero suplemento à renda masculina indicando um certo lugar inferior nas relações
sociais. (FONSECA, 2009, p. 517).
Nessa época, segundo a autora Mary Del Priore (2009, p.517), a norma na
sociedade a respeito do comportamento feminino era de que toda mulher deveria ser
resguardada em casa, se ocupando dos afazeres domésticos, enquanto os homens
asseguravam o sustento da família. Porém, tal estereótipo calcado nos valores da elite
colonial, não representava a realidade das mulheres pobres, que em toda a história,
trabalharam fora de casa para manter a casa e os filhos, uma vez que os salários dos
maridos não eram suficientes para suprir as necessidades familiares.
Percebe-se, a partir dessa breve retomada do contexto histórico e social
brasileiro da época, indícios de uma posição de submissão feminina em meio a
sociedade, na qual o homem tem o papel de patrocinador da casa e os afazeres
femininos canalizam-se ao lar, aos filhos e à beleza. A partir destas considerações,
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buscaremos problematizar, através da análise de campanhas publicitárias do período,
as representações femininas da época. Para isso, buscaremos aporte teórico na Análise
de Discurso, e no entendimento de narrativas publicitárias a partir de Rocha e
Carrascoza.
Análise de discurso e narrativas publicitárias
A Análise de Discurso tem em seu cerne o estudo do discurso e da linguagem
como produtora de sentido, enquanto símbolo e papel social do homem na sua
história, que para ela, “é a mediação necessária entre o homem e a realidade natural e
social” (ORLANDI, 2005, p.15). Tendo o discurso como um objeto sócio-histórico,
ela “procura compreender a língua enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho
social geral, constitutivo do homem na sua história”. (ORLANDI, 2007, p.15)
Nesse sentido, Carrascoza (2015, p.217), considerando o referencial teórico da
Análise de Discurso, aponta que a publicidade enquanto narrativa,
traz em seu bojo de valores, implícitos e explícitos, do contexto
histórico no qual ela foi enunciada. O texto de um anúncio por
exemplo, é estruturado por dizeres (verbais e visuais) relativos
fundamentalmente aos atributos do produto ou serviço
divulgado, mas que deixam a mostra conflitos de ideias e
determinados investimentos no imaginário coletivo.
Já Hoff, ao ponderar sobre a relevância da publicidade como sistema de
divulgação de valores, afirma (2014, p.149):
A narrativa publicitária apresenta-se como a instância
privilegiada em que ocorrem os movimentos de interação entre
os dois sistemas na sociedade de consumo: a publicidade
compreende em sua narrativa tanto os sistemas de
representação quanto as práticas sociais, conferindo-lhes
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veracidade por meio das imagens de corpo que tendem a
identificar os públicos consumidores.
Aqui, nos interessa, a partir dessa compreensão de narrativas publicitárias,
entender como as representações de mulheres em anúncios publicitários da década de
1920 estão relacionadas às práticas sociais da época, assim como às características da
sociedade do período.
Para que possamos analisar tais narrativas, usaremos o aporte teórico de Eni
Orlandi (2005, p. 59), que propõe a construção de um dispositivo de interpretação
com base nos conceitos de ditos e não ditos, que relaciona as palavras do sujeito
diretamente às palavras que ele não disse, mas que constitui de forma igualitária o
sentido do seu dizer.
Orlandi propõe colocar o dito em relação ao não dito, tendo como dito tudo
aquilo que está explícito nas narrativas, representado claramente, e por não dito,
aquilo que se depreende do contexto político-social do texto, ou seja, “aquilo que ele
(o sujeito) não diz mas que constitui igualmente os sentidos de suas palavras”
(ORLANDI, 2005, p.59). Tal dispositivo deve explicitar os gestos de interpretação
que estão ligados aos processos para a identificação do sujeito da narrativa e
estabelecer relação com seu sentido: descrever a relação do sujeito com o contexto em
que está inserido. Neste conjunto, descrição e interpretação estão interrelacionadas.
(ORLANDI, 2005, p.60).
Distinguindo, na origem de sua reflexão, como diferentes
formas de não-dizer (implícito), o pressuposto e o
subentendido, este autor vai separar aquilo que deriva
propriamente da instância da linguagem (pressuposto) daquilo
que se dá em contexto (subentendido). (...) O posto (o dito) traz
consigo necessariamente esse pressuposto (não dito mas
presente). Mas, o motivo, por exemplo, fica como
subentendido. (...) O subentendido depende do contexto. Não
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pode ser asseverado como necessariamente ligado ao dito. (...)
o não-dito é subsidiário ao dito. De alguma forma, o
complementa, acrescenta-se. (ORLANDI, 2005, p.82).
É a partir dessa compreensão, portanto, que faremos nossa análise.
Entendemos aqui que as narrativas publicitárias devem ser lidas e interpretadas a
partir do lugar que ocupam na sociedade. Nesse sentido, precisamos observar que os
anúncios publicitários são “naturais” em nossa sociedade, na qual estão perfeitamente
interligados (ROCHA, 2001, p.25) para que os ditos sejam analisados e os não ditos,
percebidos. “Lá, no mundo do anúncio, a criança é sempre sorriso, a mulher desejo, o
homem plenitude, a velhice beatificação. Sempre a mesa farta, a sagrada família, a
sedução” (ROCHA, 2001, p.25), e tal representação pode nem sempre representar a
sociedade brasileira.
Estando ciente, então, dos conceitos teóricos tomados como alicerce para a
interpretação, começaremos a análise das peças publicitárias escolhidas para ilustrar a
problematização que tange esse artigo.
Representações femininas na publicidade da década de 1920
Para atender ao objetivo deste trabalho, que propõe analisar a narrativa
publicitária da década de 1920, atentando-se às representações femininas e seu papel
social, selecionamos peças veiculadas em meio impresso, majoritariamente do jornal
O Estado de São Paulo, e revistas. O corpus foi obtido na internet e é composto por
seis peças que trazem tanto representações femininas quanto masculinas. Quanto às
representações masculinas, em sua maioria estavam ligadas ao trabalho, relação esta
que é foco deste artigo, porém, ao notar a falta de qualquer representação feminina
ligada ao trabalho, adotaram-se peças ligadas ao mundo da beleza e ao lar, assunto de
maior abrangência publicitária na época.
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Tomando por base a importância das representações publicitárias pela
dimensão que possam tomar e o número de pessoas que possam atingir, analisaremos
as peças destinadas ao público feminino, que canalizam-se à indústria da beleza,
valorizando a importância de uma mulher “bem cuidada” e relacionando de forma
direta sua beleza à sua autoconfiança e segurança a respeito dela mesma.
Anúncios como o da loção capilar Tricófero de Barry (Figura 1), veiculado
no dia 30 de setembro de 1920 no jornal “O Estado de São Paulo”, e o Frisador Ideal
Vargues (Figura 2), veiculado no Rio de Janeiro no ano de 1926, demonstram a
importância dada à estética da figura feminina por meio de cuidados, como esse
exemplo, com o penteado usado. Em paralelo com o estereótipo atribuído às mulheres
do século XX abordado anteriormente no artigo, podemos dizer que era considerada
digna e respeitada, a mulher que estivesse com os cabelos em ordem, e bem penteada.
Figura 1: Anúncio da loção capilar Tricófero de Barry.!Fonte:
http://www.propagandashistoricas.com.br/2014/04/tricofero-de-barry-saude-dos-
cabelos.html
Figura 2: Anúncio do Frisador Ideal Vargues. Fonte:
http://www.propagandashistoricas.com.br/2013/08/frisador-ideal-1926.html
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A representação da mulher está atrelada sempre à valores da estética, beleza e
cuidados pessoais, ou seja, atributos que não depreendem esforços intelectuais, ao
mesmo tempo que refletem a falta de escolaridade e engajamento feminino no
mercado da época em detrimento de sua ligação irrefutável aos afazeres domésticos,
também reforça essa condição inferior e de atraso das mulheres nos anos 1920.
Agora analisaremos duas peças publicitárias representam o público masculino
na mesma época em que foram veiculadas as peças anteriores . No primeiro anúncio
(Figura 3), uma propaganda do sistema de organização “Nacional” veiculado no dia
20 de janeiro de 1924 no jornal “O Estado de São Paulo”, percebe-se nos “ditos”
visuais uma imagem do homem sentado à mesa, vestindo terno e gravata, óculos e
rodeado por papéis, livros e dinheiro. Essa imagem, que é acompanhada por um texto
que visa vender um sistema relacionado a um campo de trabalho aparentemente
empresarial, mostra a representação masculina associada à algum cargo que demanda
alguma, se não alta, escolaridade, colocando o homem em uma condição mais
Figura 4: Anúncio da Cafiaspirina. Fonte: http://www.propagandashistoricas.com.br/
2013/07/cafiaspirina-o-estudioso-1920.htm
Figura 3: Anúncio do sistema de organização Nacional. Fonte:
http://www.propagandashistoricas.com.br/2015/02/sistema-national-gestao-
1924.html
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qualificada do que aquela em que as mulheres são colocadas nos anúncios
direcionados a elas.
Já o anúncio da Cafiaspirina (Figura 4) veiculado em 1920 pela Bayern no
Brasil reflete de forma ainda mais clara como os âmbitos do trabalho e do estudo
eram tidos, nas representações publicitárias da época, como exclusivos ao homem: no
anúncio em questão, um filho (homem) estudioso, quieto, comportado, cumpridor de
seus deveres e que estuda até tarde é descrito como “o orgulho e a esperança da
família”. O estudar, aplicando o conceito de Orlandi, é um enorme Não Dito quando
se fala sobre a publicidade direcionada ao público feminino. Esse não dito é
reforçado na peça que, ao dizer que “Cafiaspirina serve para toda a família”, enfatiza
que atende às necessidades do filho que “sente o cérebro pesado” depois de muito
estudar, e ao pai que também tem dores de cabeça devido ao “excesso labor”.
Figura 5: Anúncio de camisas da rede Mappin. Fonte:
http://www.propagandashistoricas.com.br/2013/05/mappin-stores-homens-de-
negocios-1922.html
Figura 6: Anúncio de cintas e sutiãs Rejane
http://www.propagandashistoricas.com.br/2013/05/cintas-rejane-mappin-1927.html
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Para que possamos fazer uma comparação entre os anúncios destinados ao
público masculino e ao público feminino, abordaremos agora duas peças publicitárias
de uma mesma rede de lojas de departamento, a Mappin Stores. O primeiro anúncio
(Figura 5) é um anúncio de camisas para “homens de negócios” veiculada em 1922
pelo sistema de comunicação da loja, já o segundo (Figura 6), veiculado em 1926 pelo
mesmo sistema, é de sutiãs e cintas da marca Rejane.
A conclusão tirada nos anúncios anteriores é, de maneira geral, reforçada
nesse comparativo uma vez que os anúncios representam mais uma vez o homem
como engajado no mercado dos negócios, ou seja, uma ocupação que demande
intelectualidade e escolaridade; e a mulher atrelada à estética, ao cuidar do corpo com
cintas, para que seu corpo fique ainda mais esguio e magro. De forma geral, esses
padrões estéticos representados na publicidade da época, lembram padrões europeus,
dado que como vimos na contextualização inicial deste trabalho, o Brasil vivia um
período de “europeização” em termos culturais.
Importante observar também que a publicidade dos anos 1920 é,
majoritariamente, destinada a uma pequena parcela do país, a elite, e que o mundo
representado nas peças, não condiz com o cotidiano maçante e de trabalho braçal
tanto dos homens, como de algumas mulheres nas condições que vimos
anteriormente. As campanhas abordadas aqui refletem muito o contexto europeu fruto
da Belle Epoqué no Brasil, observamos isso principalmente nos padrões de beleza
trazidos nas campanhas muito condizentes aos padrões do velho continente.
Em suma, percebe-se pela repetição dos Ditos e não ditos, que o homem tinha
suas representações mais associadas ao trabalho e à intelectualidade, enquanto as
mulheres estavam associadas aos cuidados de beleza e a manutenção do lar,
reiterando os padrões culturais e sociais gerais da época. Podemos dizer, a partir das
peças publicitárias analisadas, que a mulher é um corpo diferente no sistema
produtivo da época.
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Considerações Finais
Esse artigo que buscou analisar, dentro da narrativa publicitária, as
representações femininas, relacionadas a trabalho, em campanhas veiculadas nos
meios impressos da década de 1920, a partir de um estudo comparativo de seis
anúncios que exemplificaram imagens masculinas e femininas, analisadas a partir dos
conceitos teóricos abordados ao longo do artigo. Decorrente do método comparativo,
as campanhas foram separadas duas a duas a fim de percebermos as diferentes formas
de representações masculinas e femininas, a partir do dispositivo de análise dos ditos
e não-ditos, proposto por Orlandi.
Percebemos, a partir da análise, que a publicidade dos anos 1920, direcionada
à elite, não representava o povo brasileiro da época, uma vez que as representações
nas peças publicitárias de ambos os sexos correspondem a padrões estéticos e valores
europeus que, como vimos na contextualização do período, não condizem com a
realidade vivida pela maioria do povo brasileiro dos anos 1920. Há, então, uma
enorme lacuna entre a vida da população brasileira e as representações na narrativa
publicitária da época, podendo ser considerada consequência da importação
exacerbada da rotina europeia ao nosso dia-a-dia.
Quanto ao feminino, os ditos reiteram valores ligados ao lar, à vida doméstica
e aos cuidados de si, que conforme Del Priore (2009, p.517), correspondiam aos
padrões culturais e sociais gerais da época. Entre os não-ditos percebe-se a ausência
das mulheres em representações ligadas ao trabalho e ao estudo, âmbito
exclusivamente masculino. Há também uma grande lacuna no que diz respeito ao
trabalho da mulher na narrativa publicitária.
Por fim, consideramos importante observar como tais representações ou
repercussões de tais representações reverberam ainda hoje na publicidade,
especialmente em termos de padrões estéticos, que ainda seguem o modelo importado
da Europa de forma hegemônica. E, apesar das evidentes mudanças nas
representações do feminino desde então, é possível perceber ainda a relevância de
representações ligadas ao cuidado de si e à estética, especialmente se considerarmos o
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mercado de beleza. Nesse sentido, entendemos que cabe um aprofundamento no tema,
e que novos trabalhos, considerando outros períodos históricos, inclusive a
contemporaneidade, podem contribuir para esse entendimento.
Referências
CARRASCOZA, João; HOFF, Tânia. Memória, comunicação e consumo: vestígios e
prospecções. Porto Alegre: Sulina, 2015.
DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil. São
Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 14. ed. atual. e ampl., reimpr. – São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2013.
FONSECA, Cláudia. A maternidade, a família e a pobreza no Brasil urbano das
primeiras décadas do século XX in. DEL PRIORE, Mary. (Org) História das
mulheres no Brasil. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
ORLANDI, Eni. Análise de Discurso. Princípios e Procedimentos. Campinas – SP.
Pontes, 6º edição, 2005.
ORTIZ, Renato. Sociedade e cultura in Paulo Sérgio Pinheiro e Ignacy Sachs e Jorge
Wilheim. Brasil: Um Século de Transformações. 2001. Companhia das letras.
ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e Capitalismo: um estudo antropológico da
publicidade. (3º ed.) São Paulo: Brasiliense, 1995.
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