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ENERGIA SOCIAL Nos países do Novo Mundo, a migração, o convívio, o ambiente com fronteiras infinitas e liberdade forjaram um ser predominante, fruto da miscigenação, adaptação e de outras situações, às novas realidades sócio- econômicas, espirituais e culturais. Ele desenvolveu desde a época colonial, e hoje, é, com sua idiossincrasia, a maioria, embora visto e medido, muitas vezes, como um empecilho para o progresso e desenvolvimento econômico, por seus hábitos. Assim, transforma-se na minoria predominante. No Brasil, por exemplo, foi apresentado, no início do modernismo, personificado de “Jeca Tatu”, por Monteiro Lobato, que mostrava sua grandeza e abandono, culpa das oligarquias nacionais que o tratavam de forma despectiva, menosprezado, como ignorante. Na Argentina, o grande educador e ex-presidente, Domingo Faustino Sarmento o denominava despectivo de “gaúcho”. Dava-lhe tratamento similar. Nos EUA a “Família Busca-pé” é, também uma caracterização deste ser. Países como Bolívia, Peru, Guatemala e México, com tradições e cultura milenares, embora maioria de população remanescente, também é minoria menosprezada e mal-tratada. Os governos procuram, a qualquer custo, “modernizá-los”, “civilizá-los”, a escola é o grande instrumento para esta transformação. O interessante é que na Suécia e Canadá, ainda existem povos nômades, os lapões e os inuits, respectivamente e eles, também vão à escola, mas elas são especiais, pois garantem seu aprendizado sem alterar sua cosmovisão ou integridade cultural. Eles são patrimônio da biodiversidade cultural e orgulho da nação. Porque nossas escolas não agem da mesma forma com os “Jecas Tatus”, “gaúchos” ou “campesinos indígenas”, apenas os destroem ao transformá- los em caricaturas de um homem moderno ou industrial no estilo dos povos da Europa e Japão, onde há muito não há espaço, liberdade ou paz. Esta é a situação absurda em nosso continente, e também, na Ásia, África e Austrália, onde a “canastra familiar” que alimenta as populações urbanas 1

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ENERGIA SOCIAL

Nos países do Novo Mundo, a migração, o convívio, o ambiente com fronteiras infinitas e liberdade forjaram um ser predominante, fruto da miscigenação, adaptação e de outras situações, às novas realidades sócio-econômicas, espirituais e culturais. Ele desenvolveu desde a época colonial, e hoje, é, com sua idiossincrasia, a maioria, embora visto e medido, muitas vezes, como um empecilho para o progresso e desenvolvimento econômico, por seus hábitos. Assim, transforma-se na minoria predominante.

No Brasil, por exemplo, foi apresentado, no início do modernismo, personificado de “Jeca Tatu”, por Monteiro Lobato, que mostrava sua grandeza e abandono, culpa das oligarquias nacionais que o tratavam de forma despectiva, menosprezado, como ignorante.

Na Argentina, o grande educador e ex-presidente, Domingo Faustino Sarmento o denominava despectivo de “gaúcho”. Dava-lhe tratamento similar. Nos EUA a “Família Busca-pé” é, também uma caracterização deste ser.

Países como Bolívia, Peru, Guatemala e México, com tradições e cultura milenares, embora maioria de população remanescente, também é minoria menosprezada e mal-tratada.

Os governos procuram, a qualquer custo, “modernizá-los”, “civilizá-los”, a escola é o grande instrumento para esta transformação.

O interessante é que na Suécia e Canadá, ainda existem povos nômades, os lapões e os inuits, respectivamente e eles, também vão à escola, mas elas são especiais, pois garantem seu aprendizado sem alterar sua cosmovisão ou integridade cultural. Eles são patrimônio da biodiversidade cultural e orgulho da nação.

Porque nossas escolas não agem da mesma forma com os “Jecas Tatus”, “gaúchos” ou “campesinos indígenas”, apenas os destroem ao transformá-los em caricaturas de um homem moderno ou industrial no estilo dos povos da Europa e Japão, onde há muito não há espaço, liberdade ou paz. Esta é a situação absurda em nosso continente, e também, na Ásia, África e Austrália, onde a “canastra familiar” que alimenta as populações urbanas são produzidas em quase sua totalidade (acima de 75%) por esta maioria, embora ela não tivesse políticas públicas, até então, ou meios para tal, por serem considerados fora do universo do interesse econômico global.

Contudo, hoje, começa a discussão internacional sobre minorias e reparações. Haverá um respeito tardio à sabedoria e conhecimento dessas populações tradicionais ou está surgindo um novo segmento na economia e os Jecas Tatus, “gaúchos”, indígenas são, agora, o paradigma para uma nova sociedade?

Em nosso continente e no mundo não industrializado, não é possível entender nada, muito menos ENERGIA SOCIAL sem esta maioria silenciosa.

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I - FOME, OSSOS DO OFÍCIO

O novo governo brasileiro, 2002, lança o Programa “Fome Zero”.

O Ministro da Segurança Alimentar, José Francisco Graziano, é um acadêmico de renome.Opinou que o “programa” diminuiria a violência e insegurança pública, pois reteria os

nordestinos em seus rincões, longe das regiões metropolitanas...

Sem infra-estrutura, organização e escala de produção é possível fixar populações tradicionais em seus rincões? Não é explicável: Ele é um professor universitário moderno que transforma, civiliza “jecas tatus”, quem não se adequar, não conta. Ele quer combater a “fome caipira e sertaneja”. Não importa o que isso signifique para o caipira e sertanejo.

Seu “programa” captura o acervo e as ações de resistência e luta social de ONGs, provoca repercussão mundial e vai em direção contrária ao governo anterior (FHC), que durante oito anos procurou o fortalecimento do Terceiro Setor, com suas OSCIP* expandir estruturas, programas e agências de educação para o desenvolvimento através do mercado e consumo. Há antagonismo ideológico.

Se, o primeiro programa substitui a organização social realizada pelas ONGs e assiste paternalmente populações tradicionais mal modernizadas, o segundo, destrói as mesmas através de sistemas que as colocam no mercado (empreendedorismo) para competir sem produto, serviço ou mercado. Repetimos, isto era chamado de “Educação para o Desenvolvimento”.

Vemos ambos os programas como campanhas de propaganda e proselitismo que usa comunidades e pessoas como objetos, o que obviamente não é desenvolvimento ou economia e sim desperdício de ENERGIA SOCIAL.

Desejamos contribuir, discutindo alguns aspectos dessa energia, pois ela transforma-se em pobreza, miséria, degradação humana, perda de valores morais, éticos e muitos outros.

No momento em que se prioriza capitais humano e social, desenvolvimento local integrado e sustentável, devemos compreender a sutil mudança da violência histórica. O mal emprego da energia social “modernizadora”excluiu milhares de pessoas “não-aptas” ou não adaptáveis.

Em um país, predominantemente tradicional, com comunidades que não conhecem as relações de poder da Sociedade Moderna e Industrial, vimos os humildes serem chamados de Jecas Tatus, caboclos, botocudos, caipiras etc. E todos envergonhados de serem o que são, tornarem-se caricaturas de homens modernos ou submissos à modernidade, pois a sua escola civilizadora não foi competente para destruir as ignorâncias e carências que acompanhavam os Jecas, sem desmoraliza-los ou destruí-los, em suas identidades.

Vamos resgatar estes valores, sem nostalgia, embora o casebre de pau a pique, água da fonte e frutas da natureza sejam algo de muito valor para a grande maioria, que sobrevive em favelas e do crime.

O Sr. Ministro do alto de sua digníssima ignorância modernista não pode entender.

Se o Programa é Fome Zero, então vamos compreendê-lo.

* OSCIP = Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Lei 9970/99), ou seja ONGs por alguma razão reconhecidas.2

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Liberdade e Fome são dois conceitos, interconectados, diametralmente opostos, que todos conhecemos, embora não possamos defini-los.

Fome é muito mais que falta de alimento ou a sensação de barriga vazia. Sabemos que um bebê com fome, chora até receber seu leite materno ou alimento. Conforme a quantidade e a freqüência, acostuma-se e já conforma-se com a miséria de alimento e definha. Sem alimentos há inanição e morte. A distância entre a vida e a morte é a alimentação ou fome, depende de como se meça.

Fome é tributo de guerra e conquista, imposição da vitória e poder. Evoluiu e as religiões a tornaram apocalíptica.

Fome, misérias e epidemias são diferentes caras de uma mesma moeda. Na Europa e Ásia houve muita fome. Há fome na África, no Brasil e até mesmo na Argentina, celeiro do mundo. Há fome nos EUA, maior produtor e comerciante mundial de alimentos. Mas, qual é a relação entre a fome européia, com a da África, Brasil, Argentina e EUA?

Ao longo da história da humanidade a fome tornou-se o mito mais antigo, como tal algo muito sério e que deve ser levado em conta. As elites e o nacionalismo nos impediram conhecer o grandioso Josué de Castro, um dos seus maiores estudiosos internacionais.

Da mesma forma que, não conhecemos o economista indiano professor em Cambridge, Amartya Sen, que em 1998 ganhou o prêmio Nobel de Economia, por seus trabalhos sobre a fome catastrófica, nos países subdesenvolvidos, concluindo que ela não era causada pelas mesmas e sim por problemas estruturais da sociedade, então ele recomenda entre outras medidas a Reforma Agrária.

Ninguém, em estado de submissão, vai conhecer o conteúdo de tais afirmações. Amartya Sen, seguiu as pegadas de outros cientistas como Serge Kolm, Anthony Atkinson e Henri Theil, que já há muito se debruçavam sobre o mito da Fome.

Agora, será que a fome está sendo ideologizada pelo novo presidente do Brasil ou o mercado a está desmaterializando?

Verdadeiramente, a fome é violência histórica (ritual, imperial e mercantil) e está na vitrine e no mercado, para se transformar em violência de código.

Em nosso livro digitalizado “A Natureza no Mercado e a Angústia à sua Mesa”, abordamos superficialmente a fome, violência mítica, ritual, com seus sacrifícios humanos, contudo, agora, em continuidade, queremos ampliar aquele enfoque, pois vemos que a “coisa da fome é mais profunda e perigosa” e está sendo tratada como “moda” e objeto de marketing político e até mesmo negócio.

A fome, é, agora uma violência mercantil e de código. Esta análise é necessária, para que possamos entender, além da ordem histórica, sua violência.

A fome deixou de ser um flagelo ou ameaça apocalíptica, disso todos, já, temos consciência, entretanto, para compreender as diferentes formas de fome econômica, devemos separar a fome catastrófica, da fome política e tecnológica imposta ou resultado, como a Argentina falida, mas com super-safras na sua agricultura, com 15 milhões de pessoas passando fome ou compulsoriamente comendo “milanezas de soja Roundup Ready solidária, da Cargill”, único alimento, três vezes ao dia.

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É inconsciente a fartura da Argentina “gaúcha” tradicional e a fome e miséria da Argentina “moderna, de dólar paritário”. Que fazer? Não há lugar para volta ao passado. Mas devemos canalizar a energia social para compreender o que foi feito e como corrigi-lo.

Comunidades “tradicionais” são aquelas que vivem da natureza em sintonia com seus ciclos, possuem liberdade infinita, dentro de seus valores culturais, ao mesmo tempo que não conhecem fome de qualquer tipo. Entretanto, quando em contacto com os valores da modernização passam a degradar-se de tal forma que logo são infectadas pelas doenças sociais da modernização. Isto é meticulosamente executado, verbigracia a Etiópia e Argentina. Muitas vezes, a ignorância, também, é motivo.

No sul do Brasil o governo oriundo da Revolução de 30, iniciou um surto de modernismo e modernização nacional, uma dessas, foi a campanha de implantação de trigo, para baratear os custos com a importação deste cereal, parte da alimentação da elite sulista.

Até então, a base de carboidratos na mesa brasileira eram a mandioca e o milho de tradição indígena e o arroz, abundante pela facilidade de cultivo, nas margens dos grandes rios e banhados.

Na mesa brasileira, principalmente nordestina, centenas de diferentes pratos com mandioca faziam parte da riqueza e diversidade culinária. A principal característica da mandioca e do milho são de cultivos de terras pobres, logo todos tinham acesso para seu cultivo.

O trigo dependia de uma tecnologia moderna e clima especial, ficava restrito ao extremo sul do país, mas com a vantagem de uma alta inserção econômica, pois tinha compra estatal e venda estatal, rede ferrovias e silos, armazéns, cooperativas, bancos, insumos etc., com controle de cotas e prêmios e estímulos.

Para comer mandioca é somente ir ao quintal e arrancá-la, para comer trigo é necessário o grão, o moinho, a padaria, o padeiro, o forno, insumos, energia e principalmente dinheiro todos os dias do ano.

Assim, o que era uma atividade caseira transformou-se em uma atividade industrial regional e logo, com a propaganda fascista do governo, todos no Nordeste deixavam de cultivar mandioca e milho e queriam comer pão, justamente os mais pobres e ignorantes, atingidos pela propaganda.

Isto para a economia foi fantástico, para o Sul muito bom, mas para as populações mais tradicionais do Nordeste, Norte, Centro Oeste, Leste, e também sobre os mais pobres e periféricos no Sul, uma catástrofe social e cultural, não é exagero dizer que o trigo criou mais fome no Nordeste e no Sul.

A ignorância encarregou-se de expandir ser “coisa de pobre” comer confeitos de mandioca e moda comer pão. Nós já encontráramos esta mesma ignorância na negativa de consumo de certas verduras e tubérculos da dieta dos escravos, como por exemplo, beldroega (alface de negro), major Gomes, ora-pro-nóbis e muitas outras. A propaganda e marketing trabalham para um patrocinador, logo a erosão na dieta é um resultado premeditado ou meta alcançada consciente ou inconsciente.

Entre nós, o moderno não “civilizava” o tradicional, apenas o destruía. Nós, ainda hoje, infelizmente, não chegamos a esta percepção, nem as autoridades ou estudiosos do tema.

Vemos que, para a economia foi muitíssimo importante a substituição da mandioca pelo trigo, embora tenha aumentado o custo da alimentação, desenvolveu todos os setores ligados à ela e a fez crescer.

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Os impactos negativos, por ignorância não são prevenidos, evitados ou sequer vistos. Padeceu de fome quem não teve condições de “modernizar-se” e o governo rejubilou-se com tal desgraça seletiva, que propiciou.

Esta análise , aqui feita para o trigo, pode repetir-se para a totalidade de produtos oriundos da natureza, e, serve para compreender a disponibilidade de feijão, hoje. Seria interessante que o governo dissesse quanto da disponibilidade atual de feijão é da agricultura moderna e quanto é da agricultura tradicional (subsistência) e como isto foi variando no tempo e espaço. Quais as conseqüências de tais mudanças.

A passagem desta economia nacional para uma economia internacional com suas vantagens e impactos foi uma questão de tempo. Assim todo o acervo cultural e tecnológico, digamos tradicional do trigo, logo deparou-se com o moderno internacional, que era muito mais avançado e vimos que não podíamos mais cultivar o trigo da forma tradicional, na pequena propriedade familiar, mas devíamos entrar nos caminhos industriais da monocultura com seus custos e escalas . Contudo, a economia ficou mais forte e o alimento ficou mais caro, e muitos tiveram seu acesso restringido. Logo, o trigo passou a ser artigo de luxo e boa parte do orçamento familiar ficava no desjejum exótico.

A Revolução Chinesa (1949) trouxe um grande impacto, pois numerosos moinhos coloniais mais de 2.000 foram fechados para acomodar capitalistas chineses deslocados e a estrutura do trigo ficou a serviço dos gigantescos moinhos chineses refugiados, protegidos pelos interesses ingleses e norte-americanos.

Depois, a fome de proteínas na sociedade industrial, capturou esta estrutura agrária para a indústria multinacional da soja. E aumentou a fome entre os que não se adaptaram à Nova Ordem de então. A fome terá uma nova companhia que é a concentração da propriedade rural e o conseqüente e degradante êxodo rural.

A fome hoje é uma faceta da aplicação instantânea do darwinismo, ao capitalismo. Esta leitura é velha e contemporânea a Darwin, feita por Engels. No darwinismo, a competição era um fenômeno para explicar a adaptação dos seres às condições de vida, sobressaindo-se os melhores, na sua evolução, pelo melhor aproveitamento da energia. O capitalismo traz para a sociedade humana essa competição animal, como um fator de valor supremo, o acúmulo de riquezas. O resultado destruição e perda de valores, com exclusão dos menos capazes em competir e uma negativa para que os mesmo possam desenvolver a sua sobrevivência. Esta é a fase selvagem.

No ano passado, 2002, o mundo foi sacudido pela proibição das escolas primárias e secundárias nos EUA de ensinarem “darwinismo” aos seus alunos. A desinformação disseminou a influência religiosa, que reagia à proximidade filogenética entre o Homo sapiens sapiens e os primatas.

Agora se está compreendendo que, não é nada religiosa, a razão da suspensão do ensino do “evolucionismo”, é dogmática, por ser econômica. Sem noção de evolução, o jovem, futuro cidadão norte-americano, perde a noção do tempo e aceita a engenharia genética e seus produtos, sem questionamentos de alto custo para as empresas.

Antes de questionar o juízo de valor, pergunte-se como e porquê cresce o autismo nos EUA? Se observarmos o Brasil de 1938, na realidade sertaneja, veremos que havia uma contraposição entre o capitalismo e a comunidade tradicional, pois o capitalismo era feudal, ainda incipiente e os valores éticos e morais da sociedade sertaneja suficientemente sólidos para equilibrá-lo.

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Na verdade já havia, a implantação de um novo modelo pelo Estado Novo, integrando a região nordestina aos grandes centros do sul do país. Era o modernismo, com a ideologia do capitalismo e declaração de guerra a tudo que fosse antagonista aos seus propósitos. Na se supre as carências ou deficiências dos “Jecas Tatus”, mas destrói-se as suas resistências e valores éticos e morais.

Logo, passamos a conhecer um outro tipo de fome na região nordestina, que pouco a pouco foi espalhando-se para as outras regiões e podemos até extrapolar as fronteiras e chegar à Argentina, em estágio tecnológico. Em Juazeiro, Petrolina e outros pólos de irrigação há fome. Susan George explica isto no seu livro:

Há, então, uma fome resultado da modernização de nossa sociedade, invisível, nos períodos de crescimento ufanista. Nas crises, isto tampouco, não é fácil de ser percebido, pois há uma convivência ou coexistência entre o moderno e o tradicional.

Na agricultura, não há separação entre o tradicional e o moderno, o que há é a tentativa de expansão das fronteiras agrícolas do moderno (Estado moderno) sobre as áreas tradicionais, para crescimento da economia através de instrumentos do capitalismo.

A fome agora não é uma ameaça à sobrevivência, mas um instrumento de pressão para a adoção de produtos tecnológicos criados pelas transnacionais. Este é o caso dos transgênicos.

Quando o Secretario de Estado Collin Powell vai à Conferência de Joanesburgo e oferece, gratuitamente, alimentos transgênicos a uma África famélica, há vários componentes e fatores a serem interpretados:

- Há desconfiança, ninguém está aceitando comprar alimentos transgênicos;- As ações destas empresas nas Bolsas de Valores estão caindo perigosamente, pondo em risco

a globalização da industria da agricultura e alimentos;- É necessário enquadrar rapidamente o comércio internacional de transgênicos para que os

preços diferenciados normatizem seu nicho e mercado diferenciado dos produtos naturais ou ecológicos e os convencionais.

Podemos perceber três tipos de alimentos: os mais nobres, ecológicos ou naturais, com uma gama de serviços (rastreabilidade, certificações, marcas, organizações e outros bens e serviços;

- Os mais abundantes, os convencionais, resultado da agricultura moderna de matriz química e subsidiada pelo Estado Nacional, devido seus altos custos; e,

- Transgênicos, novidade tecnológica, pós-moderna, da matriz biotecnológica e estruturada fora do Estado Nacional, dentro dos Complexos Agro-Industrial-Alimentar-Financeiro.

Os três tipos de alimentos acima são produzidos por comunidades modernas, mas somente o ecológico ou natural pode ser produzido por comunidades tradicionais. Contudo ainda não sabemos fazer a diferença entre ambos. Então, o ecológico ou natural da agricultura moderna é um produto que se apresenta ao mercado e à economia, através dos serviços, bens, marcas etc., que o tornam diferentes dos similares das comunidades tradicionais e isto impede que compitam no mercado com os mesmos, “modernos”.

É óbvio que um agricultor moderno convencional, pode migrar para o produto ecológico, pois há vantagens mercadológicas e mercantis. Logo a economia para evitar a competição desleal dos produtos similares da agricultura tradicional, criou uma série de mecanismos e instrumentos como bens e serviços para evitar tal tipo de depreciação ou risco.

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O que muitas comunidades tradicionais estão sendo levadas, hoje, é a “queimar a etapa da agricultura convencional, passando diretamente para a agricultura ecológica moderna, pela venda de serviços e através de artifícios, como, por exemplo, o comércio justo e outras desmaterializações.

Tentar fazer uma agricultura tradicional ecológica e competir sem a necessidade de bens e serviços é uma heresia, de forma alguma aceita pelos eco-intermediários, pois isto significa custos de produção diferentes para produtos que serão vendidos em um mesmo mercado com margens de ganho diferentes para o agricultor. Isto é ideologicamente subversão.

Se entendermos isso, em nossa sociedade, mistura de moderna (pouca) e tradicional (muita), então teremos condições de evitar que comunidades inteiras sejam massacradas ou destruídas e a fome aumentada.

A existência de três tipos de alimentos, cria com segurança três preços diferentes e os menos aquinhoados serão obrigados, conscientes ou não a comprar o alimento mais barato. A violência da fome pela exclusão passa a ser uma violência de código pela qualidade do que come, mesmo que tenha consciência que aquilo não é o melhor para si, mas segundo a “cada um conforme sua capacidade, de pagar” re- estabelecendo um sistemas de castas, do tipo que vigorou na Índia.

O estabelecimento deste sistema é fundamental para a economia, bancos, indústria de alimentos e supermercados. Contrariando esta evolução estão as organizações dos movimentos de agricultura ecológica, que se orientam pelas comunidades tradicionais, seus valores sociais, morais e principalmente, éticos comportamentais. Já temos um mercado fora da lógica da sociedade industrial e competitivo fora da escala e com preços muitas vezes, mais acessíveis a todos.

O principal nesta proposta é a não diferenciação na cidadania pelo consumo e fortalecimento da fraternidade e harmonia, pois a competitividade fica em outro plano, onde a participação se dá pela consciência e não pelo “foodbusiness”.

Os trabalhos construídos pela agricultura ecológica nos últimos vinte anos tem se aproximado desta meta. Ela vai à contra-mão de todo o desenvolvimento econômico, como tal é subversivo aos interesses locais, regionais, nacionais e internacionais, que estão ligados aos grandes interesses industriais (transnacionais, bancos, agências de desenvolvimento e redes de supermercados).

A matriz da biotecnologia com sementes transgênicas, fertilizantes biotecnológicos e outros insumos, com um mercado planetário potencial de mais de 15 bilhões de dólares, que não é nada favorável a tais construções.

A principal situação contrária é o impedimento que as populações tradicionais sejam usadas, através de seus conhecimentos ETNO-X, para os interesses da ciência e tecnologia utilitária a serviço dos interesses acima listados e discutidos.

Por outro lado, permite às comunidades tradicionais a sua inclusão sem perda de valores, autonomia e qualidades de cidadania e vida.

Todo o nosso aprendizado com as comunidades tradicionais (castanheiros, seringueiros, indígenas, açorianos, remanescentes quilombolas e sertanejos) foram enfocados sobre este prisma.

Usar isto no combate à fome são necessários os seguintes instrumentos de fortalecimento:

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1. Lutar contra a erosão da diversidade alimentar;2. Dar maior valor aos alimentos naturais, frescos, de produção local e regional;3. Aumentar o estudo e conhecimento da bromatologia e sua aplicação popular na nutrição

A fome é resultado do desenvolvimento da sociedade moderna dependente e sem autonomia.

É necessário:

- A descentralização em todos os níveis e sentidos.- Menor parcela de valor agregado aos alimentos, para aumento das margens do agricultor e

mais baixo preço para o consumidor.- Maior inclusão autônoma e participação das comunidades tradicionais, principalmente as

ligadas à agricultura (pequenas propriedades familiares), como sujeito de seu destino.

O resto é dialética sócio-antropológica.

II – O BIOPODER DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS

O hamster é um pequeno roedor de origem australiana, de hábitos noturnos, dócil e inteligente, possui bochechas elásticas, onde transporta seus alimentos. É muito ativo e quando criado em cativeiro, dentro de gaiolas, necessita nas mesmas uma roda para correr, onde ele faz continuamente exercícios anti-stress. Um hamster em sua gaiola, usufrui a “qualidade de vida” e atividades consenso de seus donos.Não é exagero dizer-se que ele assim encontra-se em condições sustentáveis ou em sustentabilidade.

Podemos tomar este exemplo do animal doméstico e leva-lo à situações da agricultura de muitas populações nos países periféricos ou subdesenvolvidos, onde seus governos em nome da modernização ou melhorar as condições do morador na gaiola, usa mecanismos sócio-econômicos que ignora o estado natural da referida comunidade.

Na análise da agricultura devemos procurar a situação ou estado natural da comunidade, pois é comum estabelecer-se a “gaiola de hamster”, como consenso de modernização ou sustentabilidade.

Teorizando, querendo fugir dos sistemas lineares e cartesianos, já esgotados da agricultura moderna, nos referimos à necessidade de pensar sistemas circulares ou que rompam a linearidade. Entretanto, muitos exercitam-se e terminam por colocar os agricultores como o hamster em seus exercícios. O sistema é circular, mas não leva a lugar nenhum, mas ele está sustentável, no consenso e interesse de seus donos. Isto é hoje a agricultura ecológica e sobre isso queremos abordar, propondo uma saída.

II - “GAIOLA DE HAMSTER” OU “LAÇO DE MOEBIUS”?

Nomes estranhos, neologismos, estamos, todos, envoltos e envolvidos em uma estranha polarização na agricultura. Uns teimam em insumos, produtividade, agroquímicos, MST, transgênicos. Outros, contestam com trofobiose, energia, reforma agrária, proteômica. É a dicotomia dogmática entre o tradicional e o moderno, na agricultura de um país subdesenvolvido, uma verdadeira guerra santa.

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GAIOLA DE HAMSTER

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Estranho transe: Para uns, José Martí, disse “Creer, crear y crecer” e para outros Miguel de Cervantes justificou “El hambre y la miséria son las madres de todas las ciéncias”. Tanto para uns quanto para outros já não é mais possível autenticar Martí ou Cervantes, pois os conglomerados econômicos financeiros impedem qualquer alternativa que gere autonomia. Entretanto, na agricultura há novos horizontes e interconexões, pois, como disse Erwin Lazlo é um sistema de sistemas e cada vez está mais fora do contexto cartesiano e, também, vale a pena lembrar Nelson Rodrigues: “Subdesenvolvimento não é para principiantes, é uma obra de séculos.”.

Por que países milenares como Suécia e Finlândia têm leis especiais para o povo nômade dos Lapões, em sendo os estados nacionais mais desenvolvidos do mundo, ao passo que países como o Brasil, até muito recentemente, metralham, perseguem e eliminam culturalmente povos indígenas, remanescentes quilombolas, pescadores, seringueiros e outros?

As leis existentes, são totalmente contraditórias ou ineficazes, logo é possível que, a ânsia da ignorância acredite que, a destruição do tradicional traz o moderno e o impõe...

Reiteramos, na Finlândia e Suécia há escolas para lapões e respeitasse a cidadania dos lapões. No Brasil só temos escolas como aparelho autoritário do moderno e mesmo assim, nem é de qualidade, nem é para todos, embora seja vista como civilizatória. O pior é que nas universidade há tanto autoritarismo, que há quem confunda: força armada com poder instituído, e usa a primeira como sinônimo da última.

Com a falência da escola modernizadora, para as populações tradicionais e a ineficiência em seu extermínio e a necessidade de capturar os seus conhecimentos, as elites internacionais estão usando um novo aparelho para modernizar a todos, inclusive as comunidades tradicionais, o mercado.

Essas comunidades estavam imunes ao mercado, mas, agora elas tem um etnoconhecimento, muito valioso, logo o mercado vai a elas com todos os seus mecanismos e fascínios.

É assim que os antropólogos descobrem as ciências etno-Xs, onde o X significa cada uma das disciplinas, de interesse, ao qual devemos agregar o M, para que as etno-disciplinas tenham o valor M, de mercado.

A situação, ainda é fruto da saída do bilateralismo, última fase do modernismo e entrada no neoliberalismo e unilateralismo da atualidade. Tudo ocorre de forma esquisita e aparentemente desconexa em todos os campos. Afirmam que isto se deve a que o paradigma atual perde consistência e o novo ainda não se consolida e que isto não é só na agricultura.

Agora, temos a impressão que os pólos e a energia, antes antagônicos ou divergentes estão se atraindo e os objetivos de ambos estão se transmutando.

O que antes era ordem ritual, imperial, energias de violências de Estado, terror e imposição através do medo e lei, agora passa a ser ordem mercantil e de código, acima de credos, crenças e religiões. Há o horror daqueles que não querem a nova realidade e fazem o uso do mesmo terror do Estado autoritário. Este indivíduo ou organização contrariada é mostrada a todos como radical, fundamentalista, desumana e assassina. É assim que o império constrói o novo inimigo comum da Nova Ordem Internacional.Só há espaço para o aceite incondicional e a rebeldia em qualquer nível é punida com a eliminação total. Voltemos à agricultura.

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Agricultura se faz com terra, a principal reivindicação das camadas sociais por ser o principal meio de produção e alavanca para transformação. Hoje, entretanto, a terra não tem um significado importante para as transnacionais e detentores do poder. Ela está sendo entregue aos movimentos sociais. Estes desconhecem que, a terra não pode ser mais usada como alavanca, pois não tem ponto de apoio ou resistência possível? Cabe um questionamento: Esta entrega é um encargo ou diversão?

Nesta situação, cabe uma segunda questão: A fome, que foi a principal violência ritual e imperial do Estado, como será utilizada, na Nova Ordem, quando passa a ser uma prioridade do recém eleito presidente da república?

Para compreender-se as duas questões acima, vejamos o desenvolvimento entre nós da agricultura nos últimos 30 anos.

Dizem que somos um país surrealista, mas não é verdade, o que há é um diacronismo no tempo e espaço, que tornam as coisas, as vezes incompreensíveis entre nós, onde, uns são “aristotélicos” e crêem que nasceram para serem senhores de escravos sem salvação. Outros foram “formados, educados e cidadanizados” sob a teologia da servidão e crêem que a elite está certa. Ambos desconhecem o afirmado por Heráclito: “Ninguém toma banho na mesma água do rio duas vezes. Primeiro porque a água não é a mesma e segundo você, jamais é o mesmo, após o primeiro banho.”.

Mantendo nosso tempo, então, comecemos pelo fim. Você sabe o que é uma commodity ambiental?

Por favor, venha conosco. A agricultura é uma atividade humana de transformação da energia da natureza através de seres vivos. Nela, em todas as partes do mundo, há diacronismo no tempo e espaço, mas não contradições.

Quanto mais transformação e energia agregada no processo agrícola, mais escassos, diferentes e valiosos são seus produtos.

O incentivo ao consumo de energia pela agricultura, através dos insumos e serviços provocou muitas reações pelo impactos e desastres causados.

Nos anos 70’, os movimentos sociais ligados à agricultura, clarividentes e inconformados sobre os impactos da tecnologia industrial sobre ela e rebeldes ao autoritarismo político, organizaram uma nova visão diacrônica da agricultura, denominada de alternativa, já existente por razões estratégicas na Europa, EUA e Japão. Depois ela foi popularizada, entre nós e alhures, como orgânica, regenerativa, biológica ou ecológica, devido aos resultados da conferência de Estocolmo, em 1972.

No início seus pioneiros e adeptos eram desacreditados e até mesmo ridicularizados, mas o tempo passou e estes movimentos foram construindo uma realidade e a outra agricultura passou a ser conhecida como convencional e ter seus dias contados, por conter energia com impactos negativos, depleção e custos de resiliência.

O fim da Guerra Fria, trouxe grandes mudanças na agricultura internacional. As normas consolidadas na Rodada Tóquio, do GATT estavam ultrapassadas e necessitavam de um maior ajuste em função da mudança na política internacional.Assim, silenciosamente, a agricultura internacional foi debatida e reorganizadas durante os longos anos da Rodada Uruguai, para dar lugar às normas e diretivas da Organização Mundial do Comércio,

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nascida daquela cúpula de economistas e agentes financeiros do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Eximbanks dos diferentes países membros.

Por esta época os acadêmicos, teóricos e políticos propalavam, entre nós, que a agricultura ecológica era para fundo de quintal e pequenas hortas e pomares. Lá fora apenas o silêncio do tempo unívoco e suas estratégias.

Concomitante ao fato político e a organização econômica internacional, tivemos o surgimento de um novo instrumento tecnológico, a Engenharia Genética na agricultura com a velha ideologia, mas com nova utopia.

Contudo, não vimos naqueles organismos e fóruns uma avaliação, a priori, dos impactos sociais do novo instrumento sobre a agricultura, embora fossem abundante os estudos científicos existentes.

O mesmo já havia acontecido, anteriormente, quando da implantação da “Contra Revolução Verde” nos países periféricos.

Trinta anos depois e ainda as mentes pensantes do poder não sabem que não houve uma revolução verde, mas uma contra revolução verde. Eles recém a denunciam como uma revolução, o que já é um avanço.

Agora, repetia-se o mesmo esquema anterior.

Fica o questionamento: Cometeu-se o mesmo “erro” ou não houve a referida avaliação em função da nova realidade de um consenso político liberalizante e globalizado advindos de Washington?

Em 1991 participamos da Conferência das Nações Unidas sobre Agricultura e Desenvolvimento Rural Sustentável – ADRS – em Hertogenbosch, Países Baixos, onde foram recebidas as diretivas dogmáticas sobre a sustentabilidade na agricultura, para o futuro próximo. Era a nova ordem internacional.

Tudo existente na agricultura convencional começava a desmoronar e desestruturar-se.

Em 1999, a Alemanha fechou o seu Ministério da Agricultura, o Brasil criou um Ministério do Desenvolvimento Agrário afeto as questões de agricultura familiar e assentamentos de Reforma Agrária, separando-o de seu arcaico ministério da agricultura, agora transformado em estrutura de “Agribusiness” e “Agrishows”, com o nome de Ministério da Agricultura, Pecuária & Abastecimento e preocupado somente com cadeias produtivas e exportação, embora, com a mesma estrutura obsoleta e cartorial para atender os interesses das empresas transnacionais, sem a necessidade de preocupação com o abastecimento interno, a cargo do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Qual é o significado destes eventos para as agriculturas convencional e ecológica, estando a primeira decadente e ultrapassada e a segunda em processo de implantação “oficial”?

É interessante, que nos últimos quinze anos os detentores do poder na agricultura brasileira passaram abrir suas fronteiras e externar que os países industrializados, também, deveriam abdicar de sua estrutura protetora de subsídios para a agricultura.

Isto é incompreensível dentro da lógica de uma sociedade industrial, na qual todos estamos embutidos.Ainda mais, dentro da lógica de interdependência dos países periféricos aos países centrais,

onde o “defasagem” tecnológica indicava o momento apropriado, para o país adotar os mesmos mecanismos de subsídios, que nos últimos trinta anos foram sucesso na Europa, Japão e EUA.

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O resultado é que estes países usaram as normas e diretivas do GATT para ter agricultura estruturada, garantia de alimentos abundantes e baratos, pois, entre eles, há o ditado: Onde o alimento é caro ou escasso há rebelião. Se nós praticássemos um ditado assim, não haveria miséria, fome, violência. Contudo nos impõe que devemos liberar tarifas e tornarmo-nos exportadores competitivos, através dos baixos preços. Ou seja, a cidadania nacional é obrigada a subsidiar com alimento barato a mesa do mais rico.

Nossos políticos não conseguiram sucesso em acabar com os subsídios na agricultura estrangeira, mas retiraram da agricultura nacional toda e qualquer das estrutura de preservação ou proteção, que eram mínimas.O que havia, desde a implantação da Contra Revolução Verde, era para garantia de interesses de agentes financeiros e industriais transformadas em políticas públicas, na grande maioria de interesse de transnacionais.

As indústrias locais diretamente ligadas à agricultura sentiram imediatamente os efeitos dessas políticas. Nos parques locais de industrialização de frutas, cercados por imensos plantios de pêssegos, figos, ameixas, abacaxis, cocos etc. viram-se competindo com pêssegos, figos e ameixas gregas e turcas; com abacaxis vindos do Havaí e cocos das Filipinas. Será que não se percebe o gasto físico de energia desses locais bem mais distantes que os plantios dos vizinhos do Mercosul. Nossos salários são inferiores, nossa terra mais barata, então quais são os artificialismos a sustentabilidade e competitividade ou é reestruturação para a Nova Ordem?

Ao mesmo tempo as autoridades ligados à agricultura convencional passaram a referir-se a ela como uma “cadeia produtiva”, para dentro e para fora da porteira.

Os visionários dos movimentos sociais ligados à agricultura ecológica subentendem que nesta situação, o agricultor passa a ser um “elo” nesta cadeia produtiva, tomando como exemplo as cadeias produtivas pioneiras, do fumo, do frango, do suíno e da celulose. Qual será o futuro das agriculturas dentro desta nova realidade?A pergunta é pertinente e básica, pois nos últimos 20 anos, no Brasil, 20 milhões de hectares foram desapropriados para Assentamentos de Reforma Agrária.

Entretanto, as estatísticas oficiais do governo demonstram que neste mesmo período houve uma incorporação de 80 milhões de hectares ao latifúndio.

Qual é a explicação para tal, pois não vemos os estudiosos do tema apresentarem qualquer projeção sobre os impactos industriais, econômicos e principalmente sociais, de seu significado, muito menos perspectivas.

Qual o significado disto para o futuro do agricultor ou que tipo de agricultura teremos no futuro?

Mas antes de iniciar a análise desta questão, vejamos uma outra gigantesca incongruência: Os movimentos sociais nos países periféricos e pobres ligados à agricultura passam alinhar-se e organizar-se política & internacionalmente dentro da ótica de “uma saída agrícola (camponesa)”.

Será que os componentes locais e nacionais destes movimentos têm consciência do significado evolutivo amplo, desta opção política de sociedade? Têm eles uma alternativa à Sociedade Industrial ou apenas uma visão míope de contra-revolução Agrária no molde chinês? Ressalte-se que na China se usou o camponês para alcançar a Sociedade Industrial autônoma e de concentração de capital.

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Quando um movimento francês, canadense ou australiano de união internacional de agricultores propõem uma “via camponesa”, cremos que é muito diferentes de uma proposição de bolivianos, tailandeses ou congoleses. Os primeiros estão em ascensão para a sociedade pós-industrial, embora sua agricultura perca poder. Ao passo que os últimos estão em estágio pré-industrial, com agricultura heteronômica e bem mais atrasados que a nossa.

A terra e os meios de produção têm valores diferentes em ambas situações, então qual é a aliança?A terra entre nós é um patrimônio de poder para a elite dirigente, ainda não chegou ao patamar

de ser um meio de produção, moderno e muito menos de estar na condição pós-moderna de ser um local ou instrumento de produção.

Talvez seja por isso que possamos entender o silêncio de cientistas, estudiosos e autoridades sobre o significado de 20 milhões de hectares serem destinados a assentamentos, ao mesmo tempo que 80 milhões são incorporados à cadeia produtiva do agribusiness e agrishow da agricultura convencional.

Será por isso que no combate à fome se prioriza o carnê?

Nos países onde há fronteira agrícola ou nos que vêem-se obrigados a adotar as novas normas da OMC, FMI e Eximbanks, há grande desestruturação, pois a agricultura de subsistência é impelida pelo mercado e mídia, a iniciar a adoção dos instrumentos da agricultura industrial tardia, ao mesmo tempo que a mídia invoca as novidades da sustentabilidade, liberalização e globalização, causando caos e desespero.

Nos últimos 250 anos, no Ocidente, a agricultura foi estruturada e organizada de forma familiar, superando o período medieval, preparando-se para a Sociedade Industrial. Hoje, ela na Europa, encontra-se na fase pós-industrial e fez uma transição, onde engordou e cresceu com os subsídios e preços comunitários. Mas, entre nós e nos demais países agrícolas e periféricos, ocorreu o inverso, a agricultura de pequena propriedade familiar, não deu lugar a uma industrialização com autonomia. Podemos até dizer que o regime político era, e é de feudalismo, onde o senhor feudal são as formas de governos.

Ela emagreceu e minguou, com os resultados internacionais, que até mesmo em Davos/Nova Iorque já é permitido ver.

Temos um dilema, dentro deste contexto, qual é o futuro da agricultura familiar ou de subsistência em um país heteronômico?

A resposta é dura e não agrada: - Deve ser eliminada, destruída, por não ter capacidade infinita de consumir energia para alcançar tal escala.

É por isso que os mecanismos e instrumentos industriais, financeiros e intelectuais à disposição da agricultura de subsistência ou familiar são usados inconscientemente para tal.

Ontem, o instrumento para tal era o capital que usava a tecnologia, através do motor à explosão, fertilizantes solúveis, agrotóxicos, sementes industriais, ou por meio de legislação e políticas públicas, com as cooperativas, créditos etc., sem qualquer eficiência e competência. Hoje, é o instrumento da biotecnologia, transgênicos ou política de integração, fim de subsídios, preços internacionais etc.Uma realidade é inconsciente para todos nós, uma realidade que mais parece um dogma implícito da humanidade: “Todos nossos alimentos são fruto da natureza, a cada dia mais e mais através da agricultura.” Não há, nem haverá jamais, um alimento sequer que não seja proveniente da natureza.

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Podemos representar o alimento como o cúspide da relação do homem na natureza em prisma (pirâmide de base quadrangular), com os seguintes vértices:

ALIMENTO (energia)

Agricultor Consumidor

Estado Mercado

Cada um dos vértices, por meio de sua intervenção influi e transforma os demais.

Para perceber o valor das políticas públicas na agricultura, vamos tomar como exemplo o abastecimento de alimentos. Em uma sociedade com agricultura de subsistência ou familiar, a política de abastecimento centralizado irá dificultar ou impedir o vínculo direto consumidor-agricultor, isso irá aumentará muitíssimo o preço dos produtos.

Para o agricultor, a centralização, diminuirá paulatinamente suas margens, pois a estrutura obrigará o surgimento de cada vez mais intermediários (atravessadores) e os alimentos naturais estarão cada vez mais caros pelo agregado de energia.

Por outro lado, os produtos da natureza terão de ser padronizados, pois são matérias primas para as indústrias de alimentos ou unidade visual para o consumidor. As margens de lucro serão, cada vez menores, para os valores unitários, o que leva a necessidade de gigantismo dos empreendimentos.

É assim, as políticas de Centrais de Abastecimento inviabilizam as “Feiras Livres” dos grandes centros, onde os agricultores vendem diretamente o seu produto ao consumidor, como acontecia desde os primórdios da Sociedade Industrial.

Nas cidades pequenas, as “feiras do produtor”, ainda existentes e até então eram estimuladas, estão com seus dias contados ou transformadas em espaços culturais.

Os armazéns de “Secos & Molhados” dão lugar aos “Super-Mercados”, mas vez mais estes necessitam crescer e formar redes internacionais e cadeias continentais para poder competir.

O mais trágico é que, é ali, onde os agricultores familiares ou assentados da Reforma Agrária fazem, inconscientemente, suas compras de alimentos naturais ou industrializados, pois as facilidades, comodidades têm apenas um alto preço moral, ético e social, e, todos querem ter a visão do direito de consumir, embora isto signifique o contrário, o dever de consumir. A propaganda é a anti-educação.

Os movimentos sociais ligados à agricultura ecológica percebem isso rapidamente e propõem feiras e mercados alternativos, onde seus próprios agricultores podem através da venda direta ao consumidor garantir uma maior margem, mesmo com um preço menor ou equivalente, pois ele presta o serviço e apropria-se da margem dos “atravessadores”. Esta posição é antagônica aos interesses futuros das cadeias internacionais de supermercados.

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Consciente este agricultor alternativo começa a destruir sua heteronomia e construir sua organização.

Anteriormente colocamos que, entre nós, motor à explosão, créditos, sementes industriais e até as cooperativas foram utilizadas como instrumentos “inconscientes” de desestruturação da agricultura familiar, agora é necessário construir o inverso.

Será que fazer o inverso, é criar uma “via agricultora” ou melhor “via da agricultura familiar” em nível local, nacional ou internacional, sabendo que para o complexo agro-industrial-alimentar-financeiro viabilizará os assentamentos de reforma agrária, somente como “coletivos de kolkozes ou kibutzins” e que por isso que 80 milhões de hectares de pequena propriedade familiar são destruídos ao mesmo tempo que 20 milhões de kolkozes/kibutzins são incorporados à economia industrial?

O exemplo a seguir é muito interessante. Em 1981 fomos convidado a assistir uma aula em uma escola primaria no interior da Renânia Palatinado (Rheiland Pfalz), Alemanha. A aula era ministrada por um orgulhoso velhinho artesão. Ele ensinava os jovens alemães a fazer cordas de cânhamo e juta. Os jovens com a característica circunspeção germânica estavam atentos e orgulhosos, sabiam da importância das cordas alemãs para a navegação, guerras e grandes descobrimentos.Cordas são coisas antigas e muito importante, na Sociedade Industrial até o XVIII.Vendo aquilo, eu não entendi nada. Três dias depois, voltei à Escola e fui demonstrar minha ignorância ao bom artesão. Ele riu, e disse: Você não vê que meus alunos aprenderam a voltar a um passado para compreender o futuro? Talvez a Alemanha seja o país no mundo onde menos se encontra uma corda de cânhamo e mais existem cordas de nylon e plásticos, mas o importante é que as cordas, cordões não se modificaram, o que se modificou foi o material com que elas são feitas, por isso logo deixaremos o plástico e voltaremos a cordas diferentes, que eu não sei de que mas se eles não souberem a origem das cordas, eles não dominarão a tecnologia, apenas a aplicarão, a consumirão e serão objeto delas. Educar é algo muito importante para os germânicos, desde Lutero.

Ele ficou, discretamente, sorrindo de mim, uma caricatura ambulante. E eu sabia que “voltar ao passado para compreender o futuro” é de G. Orwell, assim sentia-me mais desmoralizado, embora culto.

Hoje, será que o agricultor, que quer deixar de usar agrotóxicos e começar a fazer agricultura orgânica, em São Paulo, não deveria ter uma aula, como os jovens alemães, para não perder sua identidade e conseguir construir sua autonomia de produtor orgânico e não consumidor de tecnologias orgânicas? Não o fazendo há o risco dele tornar-se uma caricatura orgânica?

Já nos perguntávamos, muito antes de 1991 – Conferência das Nações Unidas sobre Agricultura e Desenvolvimento Rural Sustentável, na Holanda – Qual será o próximo ensaio (balão) ou quais serão os instrumentos que trarão? Como devemos resgatar ou restaurar o ensino de fazer cordas de cânhamo, na agricultura orgânica?

Desde o surgimento atual dos movimentos por uma agricultura ecológica, procuramos um critério que a separe da agricultura convencional ou tradicional. Não o encontramos nem qualitativamente, nem quantitativamente. Tentamos um parâmetro em ambas situações. Tampouco conseguimos resultado.

Alguns sugeriram descambar para os descritores sociais como os valores de felicidade, equilíbrio etc.Nós enveredamos pelo valor energia dentro do contexto da termodinâmica, seguindo os passos

de Sivori, Jeremy Rifkin, Ilya Prigogine, Cerejeido e Pilet, já que a crise econômico-filosófica de “Os limites do crescimento” refere-se, principalmente, à questão energética.

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Quanto a agricultura de nossa analises, será que o pequeno agricultor deve desaparecer porque os seus produtos não tem capacidade infinita de consumir energia? Ou seja não tem escala infinita para absorver bens e serviços.

Hoje, um tomate orgânico tem maior consumo de energia de forma razoável, equilibrada etc. O convencional tem menor consumo de energia de qualidade, além da presença de resíduos de energia de má qualidade (fertilizantes, agrotóxicos, especulação, exploração de gênero e infantil, além de impactos ambientais e outras depleções materiais ou virtuais.

A desmaterialização energética é muito importante, para o consumo de Bens e Serviços (OMC, Doha, 2001).

A descoberta da finitude das matérias-primas e o colapso futuro, devido a poluição industrial passaram a limitar o esbanjamento de energia fóssil, impor legislação ambiental, buscar a racionalidade no uso da energia, desenvolver tecnologias anti-poluição e principalmente moldar o comportamento (reciclar, reutilizar, re-usar e renunciar).

Em pouco tempo a economia irá desenvolver-se dentro desta nova ordem internacional, após a Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente, em Estocolmo, em junho de 1972, sem embargo o voto brasileiro.

Uma década depois, diante do resultado dos países industrializados, muitos economistas passarão a desenvolver a possibilidade do “crescimento infinito”, principalmente na Europa, diante da racionalização do uso da energia, reciclagem, reuso, tratamento antipoluição etc., em relação ao PIB. Mas o que isso tem a ver com os movimentos de agricultura ecológica? Simplesmente, tudo.A partir dos anos 80, os economistas do “crescimento ilimitado”, recomendarão a desmaterialização da economia como uma forma de poupar energia, agregar valor e complexar a estrutura social. Logo o setor de serviços, passará a superar o setor industrial (produção). As inovações nos métodos de marketing, e mídia revolucionarão o consumo, organizando-o para que cada dia tenhamos mais e mais serviços e serviços. Isto passou a ser chamado de “desmaterialização da economia”, que no Brasil periférico e caricato chegou como terceirização imposta, apenas.

As indústrias internacionais logo conheceram e compreenderam os sistemas de garantia de qualidade ambiental dos ingleses, denominado popularmente de Sistema ISO.

É evidente que este sistema é um fator de vantagem competitiva possível, somente, para quem tem, além de um bom produto, uma boa e sofisticadas estrutura e organização. O que somente é possível com boas marcas (griffes) e serviços e competitividade.

Como a agricultura ecológica nasceu de movimentos de restauração de valores morais, éticos e filosóficos, a competitividade da economia, logo iria desestruturar estas bases e criar a competitividade de mercado. Em uma periferia heteronômica, isto tem um significado e resultado catastrófico, pois o sujeito da agricultura é o agricultor, sua família, organização e não o produto que ele produz.

Do outro lado, o consumidor é o mais inconsciente e desinformado, pois a mídia e alienação comodista, a cada dia, oferece, no mercado, para consumo, o natural.Logo, a desmaterialização da agricultura (ecológica) é mais fácil que a desmaterialização da indústria periférica.

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É por isso que a agricultura industrial se organiza e estrutura em cadeias de produtividade, pois os seus serviços massificados e marcas estão restritos a poucas empresas, suas commodities, embora sem valor unitário, mas com o poder de que ninguém se alimenta fora da natureza.

Daí os vultosos investimentos nos instrumentos da engenharia genética e biotecnologia, para conquistar a produção de altíssima massificação, preço baixo, mas muito lucro.

Como se dá a desmaterializada da agricultura ecológica? Quais são os serviços e qual a nossa estratégia para evitar que, aqui, mercado periférico, estes não cheguem para consumo, mas como fator de estruturação e organização dos movimentos de agricultura ecológica.

Que serviços são estes? - A certificação é um deles, mas é, apenas, a ponta do “ iceberg”, depois vem a “traceabillity”, comércio justo e outras mais valias para quem chegar primeiro ou mais organizado.

Dentro da Economia, a indústria de alimentos cresceu como ninguém no Século XX, porém as políticas internacionais de abastecimento de alimentos perecíveis também evoluíram de forma fantástica.

Perdemos a percepção, que aquela fruta, entre nós, colhida no quintal ou no mato próximo e que não fazia parte da economia, mas era fundamental para a dieta cultural, praticamente deixou de existir, por ser considerada subversiva pela econômica heteronômica.

As poucas quitandas e fruteiras, que as ofereciam logo deram espaço aos setores nos Supermercados, hoje, muito distantes dos Secos de Molhados ou dos primeiros mercadinhos. Eles agora são cadeias internacionais e amanhã serão tendas naturais nos Shopping Center e vendidas como “griffe” para quem tiver dinheiro para alcançá-la.

A primeira preocupação é, como fica a escala de produção da pequena propriedade familiar ou do assentamento de reforma agrária interessados ideologicamente em agricultura ecológica? Terá meios ou autonomia de competir com as cadeias de produtividade do “agri-bio-business”sem tornar-se o mais frágil elo? O que devemos fazer? Com a liberalização da agricultura imposto pós Rodada Uruguai, muitas empresas vieram atraídas pela garantia de possibilidade de grandes lucros e superfaturamentos de sus poucos investimentos, no vácuo do Estado Nacional, agora preparado para pagar o Reality Show.

A “PARMALAT” E A AGRICULTURA SEM ESCALA

Em 1976, já funcionário do Ministério da Agricultura, acompanhei o eng. agr. Costa Gama na visita a empresários italianos, fabricantes de sorvetes (Lapônia) interessados em instalar uma filial da Parmalat, gigantesco laticínio italiano, no Rio Grande do Sul.

Havia a empresa estatal, a CORLAC e a empresa LACESA que dividiam o mercado de lácteos. Os italianos ficaram temerosos, pois a cooperativa exportadora de soja (Cotrijuí) criava a Cooperativa Central Gaúcha de Leite – CCGL -, e a legislação cooperativista dava vantagens fiscais e dificultava a competitividade na industrialização de grande escala em lácteos.

Não houve a concretização da filial da Parmalat, o que veio ocorrer duas décadas depois, após as desestatizações e globalização da economia.

A “Parmalat” comprou a quase totalidade das empresas produtoras, que passaram a usar a sua marca.

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Mas o que tem a ver a Parmalat com o futuro da agricultura ecológica?

Repetimos, tudo. Vejamos um simples exemplo.

Com a chegada da Parmalat, seu lobby agiu junto às Câmaras Municipais, Assembléias Legislativas e Congresso Nacional, para conseguir alterar a legislação do leite.

Na ditadura (1964 – 1990) foi instituída a necessidade de uma grande infra-estrutura para o recebimento de leite. Aliava-se higiene com infra-estrutura como se uma fosse condições sine qua non da outra. Estes padrões terminaram com o comércio direto de leite produtor-consumidor. O leite importante, fonte de renda para pequenos produtores deixou de ser um bom negócio para o produtor e consumidor e passou a ser um bom negócio para a Usina de Laticínio, que ficava com a margem de lucro.

Agora, após a Nova Ordem Internacional, este lobby da Parmalat, preconiza que as Prefeituras instalem laticínios industriais para a comercialização de leite em pequena escala, dentro do município e região limítrofe. Qual seria a razão desta descentralização tardia? Seria uma forma de viabilizar o leite ecológico ou também denominado de “natural”?

A criação de uma usina municipal, com seu fomento, inspeção e controle para uma venda de pequena e média escala é um ótimo negócio para a proteção do agricultor familiar. Mas podemos fazer, também, uma outra leitura? Qual o significado deste leite municipal para a Parmalat?

Abismem-se, pois a razão de proteção ao agricultor familiar, nada mais é que uma forma sofisticada de garantia de preço mínimo à Parmalat, pois o preço de referência para ela é o preço municipal.

Assim, sua margem é muito maior, pois os custos de seu concorrente, em função da escala garantem os negócios dela.

Vê-se que ela é muito similar à estratégia de preço mínimo do tempo da ditadura, pois ele na verdade era máximo. Agora funciona para dar proteção à Parmalat, garantindo de verdade o seu preço mínimo. Como sua escala é planetária, seu referencial de preço inexiste, logo o custo de produção municipal é o marco referencial. E o leite da Parmalat tem um maior agregado de bens, marcas e serviços.

Agora podemos retomar: - Qual a finalidade dos Certificados e Selos Orgânicos? Usando o mesmo raciocínio lógico.

Os selos, traceabilidade e etc. são instrumentos de desenvolvimento da desmaterialização da economia. Cada serviço agrega mais uma parcela de valor ao produto da agricultura.

Ao mesmo tempo que este serviço dá mais valor ao produto, permite sua diferenciação e múltiplas ofertas do mesmo, em uma sociedade caricata (dependente), as empresas e governos vão estabelecer meios conscientes e inconscientes que causarão forte impacto sobre todos os setores.

Como a tendência nestas sociedades é aceitar as determinações impostas, sem revisão crítica, internamente quem vai sofrer mais são os setores da base da mesma, em nosso caso os agricultores.

Por isso seria muito importante discutir-se primeiro os impactos dos Bens & Serviços da agricultura ecológica quem são os beneficiários, quais os impactos negativos desses benefícios.

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Como este desenvolvimento é continuo e crescente, o que é necessário fazer para impedir, que ele leve, a uma dependência econômica social e cultural?

Uma vez feita as projeções dos impactos é possível estabelecer normas, mecanismos e instrumentos para atenuar ou impedir aqueles impactos negativos.

Os mecanismos econômicos da Contra Revolução Verde para liberação de mão-de-obra e concentração da propriedade já exaustivamente estudados, denunciados e discutidos serão usados de forma aperfeiçoada e de acordo com a nova ordem da sustentabilidade?

Quais as perspectivas das políticas privadas dos complexos industriais (fábricas de alimentos e setores de abastecimento de alimentos) para os alimentos ecológicos nos próximos anos?

O que está ocorrendo com a Associação de Agricultura Orgânica, AAO, em São Paulo e com muitos agricultores querendo transformar-se em produtor ecológico pela América Latina é um exemplo pedagógico, mas foi previsto por nós já em 1991, no retorno da Holanda, quando foi montada imediatamente a estratégia de estudo dos impactos negativos, disputa de espaços e projetando o futuro.

Durante o período de 1981 a 1983 estivemos estudando resíduos de agrotóxicos em alimentos na Alemanha, a mando do Ministério da Agricultura nacional. Contudo o que vimos sobre o severo controle do uso de agrotóxicos lá e os estudos em laboratórios sociais sobre a agricultura orgânica nos deixaram alarmados. Logo após retorno, estivemos no Congresso Brasileiro de Agronomia em Recife, ciceroneando o Herrn Professor Doktor Harmut Vogtmann, catedrático de Agricultura Orgânica no curso de Agronomia Alternativa da Universidade de Kassel, em Witzenhausen.

Imaginem o caricato que somos. Eles, o maior país exportador de venenos químicos e mecânica e com um curso de agricultura orgânica, nós com os professores mais fanáticos por venenos e consumo de máquinas dentro das universidades heteronômicas. Naquela época nós sequer tínhamos uma lei nacional sobre agrotóxicos. O veneno era amo e senhor na nossa agricultura e quem questionava a má utilização da mecanização era contra a ciência (sic).

A primeira parte da missão do nobre cientista alemão era expandir o IFOAM (International Federation on Organic Agriculture Moviments) para o subcontinente Latino-americano.

Tive a oportunidade de traduzir conferências do mesmo para pesquisadores, tecnologistas e professores universitários. Eu sentia-me envergonhado pelo baixo nível intelectual das perguntas feitas ao mesmo, normalmente, cheias de arrogância, prepotência e ignorância.

O IFOAM dividiu a América Latina, em regiões produtoras conforme o interesse de investimento e recebimento de mercadorias dos países industriais e nós fomos convidados a participar profissionalmente daquele negócio. Por convicções pessoais não integramos o mesmo, mas fomos convidados a apresentar a situação do uso de venenos agrícolas e agricultura ecológica no Vº Congresso Internacional do IFOAM, em Witzenhausen, Alemanha no ano seguinte.

Lá encontramos delegações de todo o mundo, desde movimentos de liberação nacional das Filipinas e países da África, até os sandinistas, no poder na Nicarágua. Causava “frisson” e emotividade ver tantos “idealistas”, entretanto, o que mais nos assustou foi a maciça presença de idealistas alemães.

Eram os técnicos da Hoechst, Bayer e Basf presentes e atuantes em todos os debates. No intervalo fomos, educadamente, a ter com eles, para saber o que faziam ali. Recebemos a resposta com

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grande surpresa: “- Este é o nosso setor de maiores investimentos e prioridades, pois é o amanhã”. Novamente lembrei-me do professor artesão e suas cordas de cânhamo...

Durante a estada na Alemanha já víamos o resultado do governo Tatcher, na Inglaterra, e a proposição de diminuição do Estado Nacional.

Após a Guerra das Malvinas/Falklands (1982), as denúncias sobre as corrupções e incompetência, que levavam à instabilidade política, nos países periféricos começaram a crescer desmesuradamente e estar na ordem do dia.

Para sanar a “falta” de ação social dos governos, as “entidades para-governamentais dos países industrializados subsidiavam projetos nos países pobres, como lavagem de dinheiro do serviço das dívidas, vindo destes mesmos países.

TCHERNOBYL E A CONTAMINAÇÃO INEXORÁVEL

Em Tchernobyl, Ucrânia, em 26 de abril de 1986, explodiu o reator da Usina Atômica durante um teste militar soviético de segurança, espalhando uma nuvem radiativa com Césio, Plutônio, Rádio, Iodo, Kriptônio e outros radionuclídeos sobre toda a Europa, Hemisfério Norte e mundo. No ano seguinte, estivemos visitando amigos e fomos colher cogumelos nos bosques, forte e antiga tradição germânica. Levamos nossos cogumelos ao laboratório governamental para identificação e eliminação dos mesmos, para evitar intoxicações.

O técnico governamental, após as identificações, muito circunspecto nos vendeu papéis escuros por vinte centavos e orientou como usar o mesmo, para identificar resíduos radiativos nos cogumelos, pressionando-os sobre o papel e lê-lo no contra-luz, onde apareceriam, em caso positivo, pontos cintilantes.

Diante daquela situação esdrúxula, solicitei que me vendesse papéis para usar em cenoura, beterraba e batatinha. Ao que o técnico alemão, muito contrariado, negou existir similar para hortaliças.

Não havia papel para hortaliças e legumes cultivados, porque eles eram parte da economia e seria impossível sua descontaminação ou permitir preços diferenciados entre os com muito e os com menos resíduos foi a minha dedução.

Esta era e é a triste realidade européia.

Entre nós, nesta época, os movimentos de agricultura ecológica, nas áreas rurais recebiam verdadeiras fortunas para fazer folhetos e atender um público que era marginalizado pelo modelo de agricultura imposto pelos interesses desses mesmos países.

As ONGs eram o maior absorvedor de recém egressos das universidades, jovens dinâmicos e engajados. Um porcentagem com ódio à tecnologia e culpando-a pelas mazelas dos pequenos agricultores e populações tradicionais, agitavam nos movimentos por uma agricultura com a cor de seus partidos.

Os órgãos oficiais de assistência à agricultura desmoralizavam-se na mesma diapasão que as ONGs cresciam. Na verdade, na mesma velocidade com que cresciam os excluídos.

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Aqui, entre nós víamos as ONGs desesperadas para poder aplicar os vultosos recursos disponíveis na agricultura ecológica. Gastava-se alguns minutos para conseguir-se grandes somas.

Era a segunda parte da missão era subliminar ou invisível: implantação exógena de uma agricultura alternativa subordinada à Europa e seus interesses. Denunciávamos, mas seus bolsos cheios os tornavam surdos, embora radicais.

Diante desta realidade é que começou nossa estratégia para o futuro da nossa agricultura ecológica no sul do Brasil. Disputar com o mercado em sua matriz de valores é loucura ou suicídio. Pois os instrumentos de mercado (propaganda, marketing, leis, normas, moda e muitos outros, como ofertas, preços, regulações são impossíveis de serem combatidos ou vencidos.

Contudo, os alimentos têm mesmo, em mercado, uma escala de valores, que não interessa a ele (mercado), a não ser como “nicho” para uma minoria “seleta”: seus valores éticos, morais e políticos.

Não tínhamos condições de disputar no campo do “mercado” e adjacências, mas podíamos vencer, com facilidade, no campo ético, político e moral, pois esses eram os bens e serviços diferenciados de que dispúnhamos.

Voltamos à história dos escolares alemães aprendendo a fazer cordas, para não perder a noção da evolução da tecnologia. Nos países periféricos, os produtos são consumidos através dos instrumentos de mercado, logo não há a noção de evolução. Em um país, como o nosso, onde temos do Século XVI ao XXI coexistindo quase que no mesmo tempo e espaço, é necessário primeiro explicitar uma mudança da matriz tecnológica.

A mudança da matriz tecnológica, migrando da síntese de química (finíssima) para a síntese biológica (engenharia genética) é um pequeno passo para um país industrial, mas pode ser transformada, através do marketing e mídia em um grande negócio econômico-financeiro, ademais de instrumento tecnológico de dominação.

Em “Ladrões de Natureza” (Editora Fundação Juquira Candiru, 1996) traçamos a evolução da sociedade, economia até os caminhos da Sociedade Industrial e dela até aos nossos dias.

No tempo da minha avó, quando se tinha uma dor de cabeça ou febre se ia ao fundo do quintal e colhia algumas folhas que mascadas ou tomada em chá, solucionava o problema. Não haviam outras “alternativas”.

Quando as grandes expedições de Langsdorf, Von Martius, Humbold, Spix, Vavilov e outros menos famosos recorreram o país, recolheram este conhecimento milenar entre os indígenas e apropriado entre os colonizadores. Daí saíram os remédios naturais extraídos da natureza e que originaram as Marcas Registradas, representado pelo ®, mas este tipo de evolução, trouxe a busca pela síntese libertadora (exclusividade comercial).Assim logo o principio ativo extraído daquelas folhas ou raiz e purificado passou a ser estudado para a obtenção da síntese química. Para a dor de cabeça obtivemos o ácido acetil-salicílico – AAS e milhares de outras substâncias imitando-as. A vantagem é que o detentor deste conhecimento passava a disputar solitariamente o mercado e muito mais protegido, pois agora uma patente protegia os seus investimentos. Pode-se dizer que assim consolidou-se o país industrial.

Qual seria o passo seguinte? Os jovens formados nas escolas periféricas crêem e são ensinados assim que o próximo passo é voltar à natureza, para a extração de pigmentos, medicamentos e

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alimentos que não causam efeitos colaterais, alergias, envenenamentos etc., mas isto é uma leviana ingenuidade.

Qual era o futuro traçado, já muito anteriormente? O futuro seria a transição da síntese química, para a síntese biológica, através dos mecanismos de engenharia genética (1973). A aspirina natural ou biotecnológica seria mais poderosa que a da natureza, pois ela possuía o poder da patente que garantia o mercado e pode absorver energia infinita na forma de Bens e Serviços.

Além do mais para sua evolução o Estado Nacional periférico, era um entrave, pois podia criar dificuldades para o interesse de poucas empresas capazes de suportar a densidade dos seus investimentos bilionários (consórcios de transnacionais).

Como explicar e demonstrar isso, em projeção e perspectiva para um futuro a curto, médio e longo prazo?

O pessoal da Cooperativa Ecológica Coolméia, entendeu a situação e começamos a discutir, organizar e construir a estratégia de enfrentamento, muito antes das universidades receberem a ordem de criar horto de plantas medicinais, para a preparação de mercado e substituição de matriz...

O processo foi educativo, pois nada mais foi que uma continuidade do que vinha sendo construído.Houve a preocupação com o valor crematístico em alta dos produtos ecológicos, novo ícone

comercial.

Agora a agricultura ecológica não era mais coisa de “magro”, “bicho grilo”, ecologista etc. Os EUA com Carter tinham oficializado um Programa de Agricultura Orgânica. Os europeus avançavam disputando hegemonia e também o Japão pressentia a necessidade de antecipar sua transição.

Todo e qualquer agricultor quer vender o seu produto pelo máximo ou ganhar o mais possível. Nos esquemas tradicionais os agricultores foram aculturados a sujeitar-se a estas margens inelásticas, pois o mercado a cada dia tem mais artifícios para se apropriar de sua margem.

Durante todo o período da ditadura militar, esta intervinha no mercado e fixava o “preço mínimo” para os produtos agrícolas financiados. O interessante é que sempre estes preço eram máximos, pois os mercados jamais pagavam valores superiores, mas ninguém questionava por razões óbvias.Hoje, quando se fala que um produto ecológico pode ser mais barato para o consumidor, que o produto convencional, poucos são os que contestam, pois a grande maioria sabe que o que importa é o preço, mas a sua margem ou seja, já estão libertos das amarras da cultura da ditadura.

Assim, como o que interessa não é vender por um ótimo preço, mas manter sustentavelmente suas margens por longos tempos. Afinal, sustentável é a economia que mantém seu estoque de capital estável, por longo tempo.

O “SELO VERDE” NO ACRE

Conhecemos em 1984, nas proximidades da cidade de Rio Branco, capital do Estado do Acre, uma vila construída para os agricultores do cinturão verde. Ela, mal construída, ficava à mais de cinqüenta quilômetros do centro daquela capital.

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Após a conferência das Nações Unidas, em Den Bosch, em 1991, percebemos a importância de um “balão de ensaio” em certificação e que poderia ser usado naquela longínqua região, recolhendo dados de alto valor para nós no Rio Grande do Sul.

Foi assim, que nas peripécias de discussão pró e contra a certificação de produtos orgânicos, montamos estrategicamente o sistema de certificação selo verde, como instrumento de identificação e propaganda dos agricultores do cinturão verde, na Delegacia Federal de Agricultura do Ministério da Agricultura, no Estado do Acre.

Nós estávamos materializando legumes e hortaliças, praticamente um comércio inexistente ou inexpressivo nas cidades amazônicas. Foi ali que aprendemos o que era a desmaterialização da agricultura, fazendo um trabalho antagônico ao que pretendiam as muitas entidades de agricultura orgânica, principalmente as umbilicalmente ligadas à desmaterialização da agricultura. Nós usávamos o instrumento para a construção, educação e estímulo da agricultura ecológica, tendo tanto o homem como a natureza como sujeito.

Quando representantes da poderosa Cooperativa Agrícola de Cotia vieram ao Sul, com sua proposta de criar os selos bronze, prata e ouro, para os produtos cultivados em solos com 3, 5, e 8 anos de descontaminação e técnicas de cultivo ecológico, afora a visão de competição olímpica, vimos a importância de nossa antecipação pedagógica, pois para eles o produto era o sujeito.

Eles não conseguiram impor-se, nós, sim. Mas, qual foi a reação do mercado?

Logo as redes de Supermercados começaram a procurar produtores para abastecer as suas gôndolas com frutas, verduras e produtos orgânicos. Estes eram colocados em lugares estratégicos, para ajudar a vender outros produtos (importados, luxo etc.) e eram muito mais caros. Vimos até o despropósito de alguns deles comprarem produtos ecológicos a um preço e vendê-los aos clientes mais baratos que o custo.Quem faz isso, só o faz porque cobiça uma mais valia futura, que este nicho cria.

Assim, começou a “corrida do ouro” na agricultura ecológica.

Mas porque os supermercados estavam fazendo isso?

Se observarmos a evolução da tecnologia e sociedade, vemos que o produto biotecnológico será o futuro inexorável para a sociedade industrial, mas isso pode ser também um grande negócio do pondo de vista de poder, pois os produtos naturais tem uma patente, ou melhor um produto final da biotecnologia pode ter até 200 patentes, o que significa que quanto mais patentes tiver melhor é, pois possuem maior conteúdo de energia.

Mas há um contraponto. O antagônico ao produto biotecnológico é o produto da natureza.Todos deveriam saber, mas poucos sabem: o Nitrogênio industrial e de síntese, que é o principal

adubo estratégico da Sociedade Industrial, utilizado na agricultura do planeta, não alcança nem sete por cento do total do Nitrogênio utilizado no Mundo.

Isto sim, significa que a agricultura biotecnológica poderia ter que competir em pé de desigualdade com uma agricultura da natureza, que iria produzir alimentos muito mais baratos.

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Logo aí estava a razão para que os países industriais tivessem escolas, faculdades e até universidades de agricultura ecológica enquanto nos entupiam com venenos banidos de suas fábricas e criava uma elite de desinformados que os defendiam, modernos, vazios de saber e conhecer.

Novamente nos deparávamos com o paradoxo da Parmalat com o preço municipal do leite e a garantia de sua margem de lucro.

A estratégia política montada era a de criar meios para que esta agricultura natural tivesse maiores custos e necessitasse mais serviços, que deveriam ser dominados e impostos pelos países industrializados em conluio.

Assim surge a certificação de produtos naturais (orgânicos) e toda a sua “entourage”.

Nós veremos e não é vaticínio, que logo, muito breve as árvores de um pomar ecológico, serão “traceabillity”, identificadas através de código de leitura de barras com geo-referenciamento feito por um satélite e equipamentos de GPS e deverão passar pelos pontos especiais de processamento e controle antes de chegar ao consumidor. Quem tem este serviço para oferecer? - Bancos Internacionais, Empresas de Telecomunicações, TV e satélites, Biotecnológicas e comércio de commodities.

Logo, o preço do alimento natural ecológico, carregado de bens, marcas e serviços, será para quem pode pagá-lo, mas ele com este alto custo permite maior margem para os produtos da biotecnologia e engenharia genética.

Podemos, sofisticadamente, chamar isto de “desmaterialização da agricultura”.

Mas nem tudo são alegrias e felicidades, faltava apenas superar um componente da cultura heteronômica, que um grupo político quisesse transformar a agricultura ecológica em bandeira política de seu matiz.

Um belo dia isto aconteceu. Apresentou-se, querendo transformar os movimentos sociais da agricultura ecológica e sua construção, em massa de manobra e propaganda política desse grupo político, desorientados com a queda do muro, poder da globalização e necessidade de locupletar-se na primeira oportunidade, por carência de méritos próprios. Ainda é atual o dito por Engels: “Mais vale uma grama de ação, que uma tonelada de pretensão (teoria).”

É uma experiência interessante, pois quem sabe fazer esta acima desses voluntarismos militantes, que congregam os que não sabem fazer, nem se preocupam com aprender, mas conhecem a importância do que precisa ser feito.

Os que não se afinassem com os interesses desta “troupe política” eram constrangidos, desdenhados ou alijados, embora alguns, por seu conhecimento ou espírito de luta fossem, aparentemente “respeitados”, mais uma vez o que foi usado no passado.

Você já está quase sabendo o que é uma commodity ambiental. Mas, antes de abordar isto voltemos as relações de dominação entre Norte e Sul.

II - O ALGODÃO MOCÓ E O SERTANEJO

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Com a transição para a agricultura e indústria da biotecnologia não haverá mais síntese química de corantes nem uso de fibras sintéticas. Logo as fibras serão de novo, como as cordas do velho mestre da escola alemã, oriundas da natureza.

Então é necessário, com muita antecedência elaborar, nos laboratórios as projeções e perspectivas de como será o futuro, para que possamos também nos antecipar.

Para entender isto devemos estudar o cultivo do algodão no mundo.

Já muito antes do império babilônico havia cultivo de algodão, que passou ao Egito antigo e dali para o restante do mundo, onde até os nossos dias tem grande importância.

Podemos dizer genericamente que os algodões dividem-se em algodões do velho mundo e os do novo mundo. Os primeiros têm fibra muito curta e derivam das espécies arboreum e herbaceum e foram introduzidos na Europa pelos árabes, que o denominavam “qutun”, daí o nome “cotton”, em inglês, que originou a palavra cotonicultura. Os do novo mundo, surpreenderam Cristóvão Colombo, pois os nativos usavam tecidos feitos de algodão, derivados das espécies barbadense e hirsutum.

Quase 85% do cultivo mundial provem de hirsutum e o restante é de barbadense e outros algodões de fibra longa. Deixemos os detalhes à margem para a nossa análise.

Os anuais são mais produtivos, mas tem a fibra curta, mede em média 65-90 mm. Os perenes são menos produtivos, porém tem a fibra de até 600 mm. Sempre foram muito valiosos pois permitiam um tecido de melhor qualidade.

Os antigos povos americanos tiveram grande importância na domesticação destes algodões, alguns deles foram selecionados para serem coloridos, azuis, marrons, vermelhos, amarelos, rosados. Isto foi deixado de lado durante mais de trezentos anos, pois o tingido químico “agregava valor” industrial à matéria prima. Hoje este mesmo tingido significa poluição e depleção do recurso hídrico de “alto” valor, pois é uma energia sem valor positivo e alto valor negativo ou seja sem qualidade econômica.

Os tecnólogos, cientistas e governos “vendem” a visão de fascínio que o conhecimento conseguiu a façanha de evitar a poluição, através da biotecnologia. Com isto esconde seu real interesse de apropriar-se das sementes em nome de patentes, marcas e outros instrumentos de apropriação capitalista.

Os algodões são sensíveis ao frio, assim que o cultivo do algodão só se dá em terras com um período livre de frios intensos. A expansão do algodão anual ou também chamado de herbáceo, se dá para as terras mais temperadas e frias e os algodões arbóreos dominam os terrenos mais quentes e secos, pois é muito resistente a um longo período de estiagem.

Em quase todos os países haviam no Século XVI, XVII, XVIII e XIX o cultivo de ambos, mas com a agricultura industrial passou a predominar o cultivo do anual por ser cultivado nos países industrializados, onde as condições climáticas e de mão-de-obra tem um grande significado econômico.

Por exemplo, a colheita mecânica, só é possível no algodão herbáceo, o que lhe dá um custo de produção mais baixo e maior competitividade, embora reafirmemos tenha a fibra muito curta.

Contudo há um outro aspecto: o cultivo algodão anual é um grande consumidor de capital para a compra de sementes, máquinas e combustível, fertilizantes e agrotóxicos e isto pode estar vinculado a

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uma verticalização de interesse do comprador que passa a ser o fornecedor de crédito e insumos para os agricultores ou governos dos países.

Como o algodão arbóreo estabeleceu-se muito anteriormente nas comunidades indígenas, ele tem valores culturais diferentes e fora da realidade acima, pois ele tem muito mais autonomia. Em todos os países onde se cultivava algodões arbóreos não havia uma rede comercial, os interessados apenas compravam a mercadoria. Assim, cada vez mais e mais a pressão deu-se sobre o incentivo do herbáceo contra o arbóreo.

México, Índia, Peru, Brasil e Argentina eram grandes produtores de algodão arbóreo no Século XVII e XVIII, mas no Brasil, depois ele começou a despencar e no Século XX chegou a ficar reduzido a comunidades isoladas e indígenas.

Nos climas Semi-Áridos destes países, e em particular no nordeste brasileiro, o cultivo de algodão arbóreo era uma das poucas culturas, junto com outras fibras (caroá, sisal) formavam um sistema de cultivo de caráter ecológico e altamente sustentável.

O grande agrônomo nordestino Guimarães Duque e o grande ecologista Vasconcelos Sobrinho dizem que o algodão era plantado, como um pomar e em seu meio era cultivado anualmente o feijão de corda (Vigna sp.), que fornecia o Nitrogênio necessário, para a produção do algodão e dos cultivos anuais entremeados, como milho, abóboras e outras plantas anuais. As folhas secas do algodão eram comidas pelo rebanho bovino e caprino e o esterco garantia o fechamento do ciclo energético, com saldo positivo e o ciclo econômico com vantagens para o sertanejo e caatinga.

Mas qual foi a causa do desaparecimento deste cultivo tão equilibrado?

Esta sustentabilidade, hoje, é preconizada pela Agenda 21, convenção da biodiversidade e Protocolo de Kyoto, para o Seqüestro de Gás Carbônico da atmosfera. Contudo o sertanejo deve ser expulso para o cumprimento de metas da Ordem Internacional.

A produção de fibra, sementes que produziam o óleo comestível e a torta, resultado da extração do óleo, que retornava ao gado para garantir a produtividade do leite. Cada quilo de torta de sementes de algodão dado à vaca aumenta sua produção em meio litro de leite.

Embora fosse a ocupação do espaço da caatinga, o balanço energético deste agro-ecossistema era algo fantástico e altamente rentável, para os agricultores, pois tinham melhor qualidade, sem custos ou relações de interesse para os fornecedores de crédito e insumos. Era uma agricultura sofisticada, porém muito próxima ao extrativismo. O algodão mocó incorporava-se à paisagem da Caatinga.

Na visão do sistema, a cada dia mais dependente economicamente, obviamente que este sistema competia deslealmente com o algodão herbáceo, onde a economia tinha toda uma cadeia produtiva diretamente ligada ao mercado heteronômico.

O ciclo do algodão arbóreo foi intenso e na bandeira do império brasileiro havia o ramo de fumo e o ramo de algodão, que garantiam a economia.

Nas regiões do Semi-Árido, o sistema do algodão mocó-seridó era a grande riqueza geradora de capital, por sua adaptabilidade a aridez, mas foi lenta e paulatinamente substituído pelo herbáceo, repetimos, por interesses forâneos.

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O mais dramático é que hoje o sistema de cultivo de algodão arbóreo sequer é estudado ou lembrado nas escolas de agricultura e agronomia brasileiras, mesmo no nordeste do país, embora na memória dos adultos e velhos ainda reste algo da época de riqueza, valor e autonomia. Lembramos do velhinho professor-artesão e suas cordas de cânhamo. Este é um país caricato, somos objeto da tecnologia.

Ocorre que quando surge o movimento de agricultura alternativa, surge também o resgate pela memória da nossa agricultura. Logo nos deparamos com os sistemas de sustentabilidade ecológica e não ficamos surpresos em encontrar que as escolas das Filipinas (Manilla Univ.), Alemanha (Witzenhausen e Göttingen), Holanda (Waggeningen), Estados Unidos (Berkeley), França (Montpellier), Reino Unido (Epson e Kent) e Japão (Tzukuba) e outros centros de biotecnologia, estudam o Agroecossistema do algodão Mocó–Seridó, como o mais adequado e perfeito para as regiões semi-áridas.

Ele desapareceu, não em função de sua falta de produtividade, mas pelas políticas públicas de ensino, pesquisa e mercado. Com o golpe militar de 1964, determinado pela geopolítica da Guerra Fria, o algodão mocó era riqueza para o NE, onde haviam as famosas ligas camponesas. Imediatamente, o algodão herbáceo foi estimulado para substituir o algodão mocó em toda a região, com o desastre que hoje nos deparamos. Em 1980 foi a vez das transnacionais de veneno introduzirem a praga do bicudo, com o apoio de diretores do Ministério da Agricultura e dizem que o mocó é hospedeiro do bicudo. O cão é hospedeiro do calasar, mas nem por isso se exterminam todos os cães ou portadores de HIV.

Hoje, a Nova Ordem Internacional da Sustentabilidade traz muitos e muitos movimentos sociais e ONGs que atuam junto ao sertanejo, promovendo uma obra social de alto cunho fraterno, entretanto, poucos dedicam-se a resgatar o cultivo natural (orgânico) do algodão Mocó-Seridó.

Em outros países, industriais, nos deparamos com jovens cientistas, técnicos e assistentes sociais, dos países antes referidos, estudando profundamente e incentivando o algodão arbóreo, orgânico.

No quinto Congresso Internacional do Pesticide Action Network em Dakar, 2000, vimos e participamos de “workshop” e oficinas sobre o cultivo de algodão orgânico e como os alemães e ingleses disputam o controle da venda de Bens & Serviços do novo poder de dominação mercantil do algodão orgânico (“traceabillity”, certificações e selos de qualidade, análises laboratoriais etc.). Alto consumo de energia de boa qualidade, sem depleção ou atividade resiliente.

É um poder com estrutura sofisticada de serviços e controles, onde os plantios geográficos continuam nas mesmas áreas anteriores e as decisões nas antigas cidades, o que mudou foi a matriz econômica que agora é pós-industrial e os serviços são criados conforme o interesse dominantes. A servidão pré-industrial e industrial evoluiu para pós-industrial e com isto evoluiu, também a dependência, pois agora explora-se a miséria e pobreza do agricultor do Sul e o senso de culpa do consumidor do Norte, mas nada muda, a não ser a eficiência econômica e as margens de lucros.

Explora-se a consciência em nome de fraternidade, igualdade, meio ambiente e qualidade de vida do planeta, inclui-se valores que antes estavam acima dos valores de mercado. Desmaterializa-se a Vida, em nome da cobiça. É o novo tempo.

COMUNIDADES TRADICIONAIS

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Em Macururé, povoado no interior da Caatinga da Bahia encontrei sertanejos que sonham em ter novamente sua dignidade restaurada, através do cultivo do algodão arbóreo... Eles são uma “população tradicional”, entretanto os cientistas modernos da EMBRAPA querem erradicar, melhor, extinguir o algodão arbóreo, pois ele impede o monopólio dos algodões de interesse da modernidade.

Diante, do antes exposto, perguntamos: quais as estratégias a serem montadas, se quisermos restaurar o cultivo do algodão arbóreo dentro da tônica do Desenvolvimento Sustentável? Ou dito de outra forma: Considerando o algodão arbóreo de X na nossa já conhecida equação etno-X, o que devemos estudar, pois agora estamos trazendo o M de mercado e o M de Moebius, mas respeitando a comunidade em sua tradicionalidade. Por isso o M está ao quadrado (M2).

Nossa equação agora, para o resgate do algodão arbóreo é:

Somos tão caricatos que não sabemos estudar as causas endógenas e exógenas do seu desaparecimento e copiamos o desejo do cultivo do algodão orgânico, sem uma visão de conjunto ou do poder.

O visto até aqui, nos mostra que a agricultura do amanhã pode ser mais trágica que a atual, tendo por conseqüência o aumento da heteronomia, que conduz à miséria, pobreza e ignorância.

Nossa estratégia é: Estudar as causas de sua extinção e montar perspectivas futuras, para resgatar o valor da vida, fraternidade, cultura para alcançar de novo a autonomia no nordeste. E isto se dá, através do restauração dos valores éticos, morais e naturais e outros que nos aproximam do fim supremo.

As características deles é que muitos estão sendo introduzidos no mercado agora, mas muitas populações ainda dispõe de uma riqueza de valores para compreender que a natureza e seu comportamento não está no mercado.

Estas comunidades são chamadas de “populações tradicionais”.

Vale a pena repetir: A natureza é muito anterior, mas desde a publicação de "Os Limites do Crescimento", em 1966, a cidadania mundial passou a “defender a natureza”, com grandes aspas.

O BIOPODER DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS

A humanidade, hoje, tem consciência de que as selvas tropicais e demais áreas naturais (dos países pobres) são os principais suportes vitais do Planeta, embora pouco conhecidas. Isto impõe o fim à veneração banal do meio ambiente, aflora a cidadania na Natureza e desperta cobiça contra este valor.

Os países hegemônicos invocam a preservação destas áreas para segurança das condições ambientais, de algumas espécies ameaçadas de extinção e “materializam” um novo segmento na sua economia.

Entretanto desconhecem ou dão importância que muitas comunidades humanas habitam estas áreas em todas as latitudes, na maioria das vezes, em condições de extrema miséria e pobreza. Ou quando as conhecem, incluem os habitantes como “objetos”, não como sujeitos. É necessário enfrentar esta situação.

A visão da Natureza, hoje, é muito diferente da existente no Século XIX, quando os naturalistas Muir e Pinchot afirmavam que as áreas naturais eram incompatíveis com a ocupação humana. Eles tinham

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Etno –X . M2

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sobeja razão, contudo este antagonismo acabou, e a natureza torna-se maior e mais importante que uma reserva estratégica de recursos ou segurança militar da Guerra Fria.

Nas guerras, sempre os povos invadidos buscam defender-se e superar a vantagem inimiga por meio do conhecimento do seu meio ambiente e natureza, para saírem vitoriosos. A história registra milhares de exemplos. Isto se repetiu por três vezes na Caatinga, em Canudos (NE do Brasil) e, finalmente, vimos o genocídio dos sertanejos.

O mesmo se repetiu na Segunda Guerra Mundial, nas Filipinas, Indonésia, Birmânia, Indochina e Cochinchina e trouxe uma nova visão, estratégica das selvas tropicais úmidas.

Os norte-americanos foram derrotados na selva do Vietnã (1966 a 1972), mas, meticulosos, prepararam-se para enfrentar os movimentos de libertação da América Latina, nas suas selvas, conseqüência da Revolução Cubana.

Lá, embora cometessem genocídios, foram derrotados e aprenderam a importância, vantagem de conhecer a natureza para decidir a guerra e proteger “seu continente”. Compreenderam o valor do conhecimento da natureza, acima do seu conhecimento tecnológico “ex situ”.

Como não tinham selva em seu território, imediatamente transferiram seus “staffs de ciência” para a Costa Rica e Porto Rico e impuseram a transformação de grandes áreas, em parques nacionais e reservas naturais, para o desenvolvimento de pesquisas, experimentações e testes de suas universidades. Passaram a enviar dezenas de milhares de biólogos, agrônomos, florestais, ecólogos e outros profissionais afins para o estudo exaustivo da natureza, no lugar de maior biodiversidade do planeta.

Todos os projetos, por mais simplórios e ingênuos que fossem, escondiam finalidades também militares. Os objetivos eram de dominação militar da biotecnologia e engenharia genética, naquele imenso laboratório natural.Hoje eles têm um acervo inigualável sobre o conhecimento de selvas tropicais.

No restante das áreas naturais da América Latina, os governantes subordinados ao “império”, imediatamente, criaram imensas áreas naturais como reservas, parques nacionais e estações ecológicas, colocando estas regiões sob legislação especial, mas sem afastar os seus habitantes, por faltaram meios para indenizações ou recursos para políticas públicas.

Grandes áreas naturais, não só de selvas, embora habitadas foram transformadas em zonas de preservação ambiental, colocando-as sob olhos e tutela dos ambientalistas nacionais e mundiais.A visão científica da “Ecologia Profunda”, onde a natureza e o homem não podiam ocupar o mesmo espaço cresceu e espalhou-se entre os povos, principalmente, onde não existiam florestas.

As burocracias nacionais (agrícola e ambiental) passaram a pressionar a opinião pública para a expulsão dos povos da florestas e expansão da fronteira agrícola e ambiental. A reação é forte com o posicionamento dos indígenas, seringueiros, castanheiros e muitos outros povos da floresta.

O trabalho de Chico Mendes é enaltecido internacionalmente e seu assassinato envergonha a cidadania mundial, mas ele venceu a sua luta pela permanência dos povos em suas florestas.

Os estudos começam a demonstrar, no final do Século XX, que há uma nova realidade ambiental nas selvas tropicais. Hoje, começa a vigorar, graças Teoria geral de Sistemas e Evolução e Nova

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Ordem Internacional, o conceito de “Ecologia Social”, onde homem e natureza fazem parte do mesmo todo em âmbito planetário ou galáctico.

Contudo, a tecnologia industrial evoluiu e redirecionou a sua matriz para a engenharia genética. Esta nova indústria trilionária procura genes na natureza e os introduz em espécies, para que eles produzam “naturalmente” as matérias-primas, que antes eram sintetizadas em fábricas petroquímicas. As transnacionais e governos industrializados prospeccionam plantas, animais e micróbios na procura de novos produtos e patentes. Para obter sucesso necessitam do conhecimento acumulado pelos povos das florestas.

Criam atmosferas de respeito e direito para terem acesso aos tesouros das florestas e comprometem-se a pagar aos seus detentores valores pecuniários.

Muitas ONGs sustentadas com dinheiro de países industrializados e transnacionais organizam-se para evitar a “biopirataria” ou “atraso no desenvolvimento biotecnológico”. São fachadas e propaganda para continuarem acessando como querem e da forma mais barata os conhecimentos das comunidades tradicionais.

É dentro deste contexto periférico que passam a ter importância as comunidades tradicionais, seus habitantes nos mais recônditos rincões de nossa América Latina.

No Brasil, uma legislação é elaborada para atender as crescentes demandas internas e mercado externo, mas o senhor presidente da república veta a definição contida na mesma ao sancioná-la.

Populações Tradicionais são grupos humanos culturalmente diferenciados, vivendo há, no mínimo três gerações em um determinado ecossistema, historicamente reproduzindo seu modo de vida, em estreita dependência do mundo natural para sua subsistência e utilizando os recursos naturais de forma sustentável. (Inciso XV do Artigo Segundo, da Lei Nº. 9985, de 18/07/2000, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, aprovado pelo Congresso Nacional, VETADO pelo Sr. Presidente da República Fernando Henrique Cardoso.).

O Sr. Pres. da República, usando de suas atribuições, vetou a mesma, por considerar entre outras causas, que esta definição seria aplicável para toda a população brasileira, o que é verdadeiro, mas, por ironia, como apenas a elite brasileira, nestes últimos quinhentos anos, tem garantido seus direitos civis, tal medida veio salutar.

As “populações tradicionais” eram, até então, vistas, como campo de estudo (objeto), dos antropólogos, sociólogos e abordagens periféricas de outros setores, através das etno-X.

Entretanto, já havia ampliado suas ações, desde a morte do ambientalista Chico Mendes, seus “empates”, luta dos seringueiros pela implantação das “Reservas Extrativistas na Amazônia” sob uma outra visão, que é a de comunidade sujeito, dentro de uma nova realidade, que é o habitat do homem e natureza no mesmo espaço, de forma sustentável.

Mais que isto, o exemplo de Chico, que não é enxergado é que uma população isolada, com sua luta, pode construir cidadania, mesmo dentro da realidade das selvas brasileiras. Desde o descobrimento, muitas comunidades foram obrigadas a se isolar ou buscar os lugares de mais difícil acesso, para poder sobreviver com autonomia, em segurança e valores próprios.

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Somente assim, elas construíram suas identidades e comportamentos de caboclos, seringueiros, indígenas, mocambos, castanheiros, pantaneiros, ribeirinhos, quilombolas, caiçaras, garimpeiros, agricultores de subsistência, sertanejos etc.

Durante os últimos quatrocentos anos de colonização, estas comunidades foram tratadas de forma desrespeitosa e sem acesso à lei ou direitos civis. Contudo eles resistiram sem se submeter e chegaram aos interesses da sociedade urbana e chegaram aos nossos dias.

Agora, vemos que a definição da lei engloba um grupo diverso de brasileiros, o que amplia o leque de interessados e compromissados, assim como permite começar a compreender as invocações do veto de Sua Excelência.

Hoje, há uma Nova Ordem Internacional, a globalização, que impõe uma liberdade total, de respeito a tudo e a todos, desde as minorias étnicas, às mais extravagantes formas de crença e proposições políticas, contudo, não é uma inclusão pela e para a cidadania.

Todas devem ser incluídos de qualquer forma, desde que não criem problemas para as livres iniciativas e interesses internacionais do mercado. É uma inclusão pelo consumo.

Com esta realidade, deixam de existir espaços para contestações ideológicas, bandeiras ou reivindicações sócio - político – econômica ou religiosa, fora da nova ordem.

Quem não entender e atender, será taxado de “terrorista” e tratado como tal.

Ou seja, toda e qualquer bandeira reivindicatória deve ser resolvida pelo mercado. É difícil compreender e aceitar isto, da mesma forma como se violenta um indígena quando se paga um acesso à biodiversidade que ele criou ou protege, pois ele não a fez para o mercado. Nesta situação, o direito de inclusão, requerido pelas populações tradicionais, fica diametralmente contrário à determinante da ordem internacional, que é de valores consumistas e mercantis... A violência que se perpetra não é diferentes das de outras épocas, quando historicamente vimos, os processos de aculturamento de minorias, povos, culturas e religiões, sob as violências rituais e imperiais.Agora a vemos como uma simbiose de violências mercantil e de código.

Em muitos países, estas populações eram toleradas, mas foram transformadas em minorias sem acesso aos meios e instrumentos de informação e poder, com raras exceções.

O caso dos Amishs serve como exemplo, pois foram transformados em agentes turísticos de pequenas cidades nos EUA e incorporados à economia, como objetos exóticos, para um turismo rural.

O que a OMC, FMI, Banco Mundial propõem, agora, é tratar a todas as “populações tradicionais” como os “amishs” e resolver sua inclusão através do mercado. Por isso, entre nós, se pretende usar o espaço e as comunidades tradicionais, para o turismo ecológico ou de aventura, consumindo-os. Tem muitos nos aparelhos, universidades e programas de extensão universitária.

É por isso que houve a preocupação na lei do Sistema de Unidades de Conservação de tal definição para atender as determinações e interesses dos organismos internacionais, no que diz respeito às “populações tradicionais”. O veto presidencial aposto, providencial, evitou transformar pessoas

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e comunidades em cenários, paisagem e objetos de admiração.Obviamente, que isto pode não ter sido almejado, mas garante a construção ou reivindicação de sua cidadania dentro da Ordem anterior.

Se deixarmos como está, temos a lei, sem a definição, mas o mecanismo de poder e força do governo não fica abalado ou tem qualquer preocupação, pois atendeu às diretivas internacionais, de forma que as “comunidades tradicionais” não impedirão os interesses maiores do governo, que ainda contará com o poder judiciário, como seu aliado, para evitar contestações das populações tradicionais. Já vimos isso na lei de Biossegurança, quando o governo a sancionou e vetou as atribuições e mais oito artigos.

Após a Ordem de Bretton Woods, vimos a agricultura dos países pobres ser colonizada e transformada em consumidora de insumos e créditos, com um resultado calamitoso em todos os sentidos.

Agora, com a nova Ordem da OMC é a natureza que está no mercado, para ser consumida e com ela as comunidades tradicionais, antes isoladas e com sua escala de valores e comportamentos.

Todos, deveríamos saber, os japoneses vivem no Século XXI, assim como para os alemães e franceses.Mas isto não é verdadeiro no Brasil e em muitas nações, onde se vive simultaneamente desde os

Séculos XV até o Século XXI, muitas vezes, no mesmo espaço e tempo. Há lugares onde os estados e governos não sabem conviver com esta realidade, embora as comunidades tradicionais sejam maioria. Por exemplo, elas, no Equador, derrubaram dois presidentes eleitos, sem disparo de um fuzil, por agirem contra os interesses populares.

Desde o surgimento de um termo ou instrumento nos discursos políticos ou documentos acadêmicos há um hiato de tempo e espaço, onde ele se adapta ao sabor do poder, para tornar-se consumível.

Quanto mais heteronomia, mais comercializável é o instrumento tecnológico ou serviço.

A visão da elite pensante brasileira sobre meio ambiente sempre foi caricata, copiava-se o que os norte-americanos criaram no mundo, com respeito a natureza. Áreas de rara beleza que eram impedidas de acesso humano, agora, são globalizadas.

Criam-se projetos mirabolantes para preservar o jaguar, o macaco-aranha, o tapir etc. O que significa isto?

Este é o processo de desmaterialização da natureza. Um governo estrangeiro ou ONG internacional com suas congêneres locais resolvem fazer uma campanha para a preservação, por exemplo, do jaguar.

É assinado um convênio com as autoridades locais, que por serem pobres e periféricas sempre entram com uma participação minoritária do total do valor do projeto. Estabelecem-se cláusulas vantajosas, onde todos os dados e materiais produzidos, depois de descontados todos os gastos, serão divididos fraternalmente.

Uma quantia astronômica é descrita no projeto super-orçado, onde há uma “coleira com chips de rastreamento, via satélite, uma estação de rastreamento, um professor especialista em mapeamento e comportamento felino, dois ajudantes de campo bolsistas de pós-doutorado, que necessitam ação.

Os economistas e planejadores do governo local ficam felizes com a internalização de dólares, mas os valores que chegam ao país, geralmente, são inferiores a 20% do total e a região inferiores a 5%.

Na verdade, a selva e o jaguar foram objetos de desmaterialização econômica, através da venda de serviços caros de satélite, telefonia, mão-de-obra, filmes, vídeos, teses, livros etc. Além da

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materialização dos lucros obtidos com a venda da metade dos produtos comercializados na economia do país rico, que não tinha o jaguar, agora o tem como Bens & Serviços materializados em sua economia.

Concomitante a isto, internamente nós tínhamos o sucesso material das conquistas de Chico Mendes com as Reservas Extrativistas de Seringueiros, hoje ampliadas, como Reservas Extrativistas Marinhas de Pescadores Artesanais em todo o território nacional.É interessante, neste Carnaval (2002), o Presidente da República foi passar os folguedos na Reserva Ecológica de Mamirauá, no Estado do Amazonas.

Poucas pessoas sabem que a Reserva de Mamirauá é única área de preservação ambiental na América Latina, onde uma “população tradicional” está em seu interior e a co-administra, de acordo com a nova ordem da Ecologia Social.

O veto do Sr. Presidente da República à definição de “população tradicional”, ao sancionar a lei do SNUC, se deve a desmaterialização da natureza ou materialização conquistada?

Em todas as sociedades existem comunidades isoladas ou distantes, cuja escala de valores e ordem histórica com suas violências e comportamentos estão fora dos padrões urbanos, como tal não sofrem tão intensa agressão.

Desde o surgimento de um termo ou instrumento nos discursos políticos ou documentos acadêmicos, há um hiato de tempo e espaço, onde ele se adapta ao sabor do poder, para tornar-se consumível.

Quanto mais heteronomia, mais comercializável é o instrumento tecnológico ou serviço.

Esta é uma características das "ordens econômicas internacionais" emanadas do império e imposta a todos.

É o consumo que torna todos iguais perante o mercado e isto é mais importante que a lei oligárquica, pois não é possível excluir consumidores.

Nunca poderá haver um consumidor ou milhares de consumidores sequer insatisfeitos, contudo é impossível saciar um cidadão ou um determinado números de cidadãos.

“Com essa ação autoritária, em benefício das populações urbanizadas, o Estado contribui para a perda de grande arsenal de etnoconhecimento e de etnociência, de sistemas engenhosos de manejo dos recursos naturais e da própria diversidade cultural”, segundo McNeely (1993).

Entretanto, os critérios para a criação de parques são “científicos” e, como muito bem coloca Héctor Leis, “a ciência acumula conhecimentos, mas não guarda memória”. Ao que agregamos: por ser ela linear e cartesiana, ao passo que as populações tradicionais e natureza são cíclicas e sistema de sistemas cíclicos.

“Não é para menos, que, em todas as áreas naturais protegidas, a pesquisa científica seja permitida, mas não o etnoconhecimento, pois este exige a presença das comunidades tradicionais, do saber, de técnicas patrimoniais e, sobretudo, de uma relação simbiótica entre o homem e a natureza.

Trata-se, na verdade, de um processo de despossessão do conhecimento e técnicas patrimoniais em poder das populações tradicionais e a afirmação do poder da ciência nas mãos dos cientistas e administradores de parques, que pretendem definir como as populações tradicionais devem

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comportar-se em relação à natureza e ao uso dos recursos naturais. Neste caso, a própria ciência contribui para aumentar as desigualdades sociais.”. Segundo Antônio Carlos Diegues.

O IV Congresso Mundial de Parques (Caracas, 1992) recomendou “respeito pelas populações tradicionais, possuidoras, muito freqüentemente, de conhecimento secular sobre os ecossistemas onde vivem, a rejeição da estratégia de reassentamento em outras áreas e, sempre que possível, sua inserção na área do parque a ser criado.”

Não existe “área intocada”, como pretende a legislação brasileira sobre Unidades de Conservação da Natureza, mas áreas bem ou mal manejadas. Na verdade, os territórios considerados “virgens” foram manejados durante séculos por populações indígenas e, posteriormente, por populações de pequenos camponeses.

A natureza não está aí para ser intocada, como bem demonstram as relações de interdependência entre as diversas espécies que a compõem, altamente eficientes no aproveitamento sustentável de seus recursos, o que permite um equilíbrio dinâmico. Devemos, isto sim, usar o etnoconhecimento das populações locais e os conhecimentos científicos para manejar eficientemente os recursos naturais e manter, ao mesmo tempo, o equilíbrio ecológico (dinâmico).

Antônio Carlos Diegues cita como exemplo brasileiro de unidade de conservação a ser seguido, a Estação Ecológica Mamirauá, no Amazonas, administrada pela Sociedade Civil Mamirauá e apoiada por várias organizações não-governamentais ambientalistas internacionais, entre as quais a WWF. Ao contrário do que obriga a legislação brasileira (expulsão da população local), a administração do projeto decidiu manter os ribeirinhos nesse território onde sempre viveram.

Os administradores afirmam: “Acreditamos que não há nenhuma possibilidade de sustentação política de longo prazo para uma reserva deserta de pessoas na várzea, cuja importância na economia regional é relativamente grande.

A preservação da biodiversidade, se não incluir a promoção e preservação da vida humana digna, se torna sectarismo ecológico, fadado à acusação de preterir a espécie humana e adotar uma concepção estreita da natureza a ser preservada (Ayres,1993).”

Diante da realidade sócio-econômica da América Latina, os recursos públicos não podem ser usados de maneira autoritária, para expulsar populações tradicionais de seus ambientes seculares, mas para adequar, quando necessário, as tecnologias patrimoniais destas comunidades no uso sustentável dos recursos naturais para sua sobrevivência e na melhoria das condições de vida destas populações. A questão não é proibir para preservar, mas disciplinar e fiscalizar o uso. Aí está o verdadeiro papel dos cientistas, dos administradores públicos e dos legisladores.

O que a cidadania está esperando, para enfrentar as desmaterializações exógenas e as burocracias abjetas, é a “alpargatização do pensamento” nas academias e universidades nacionais.

Necessitamos de formação cidadã e profissional, com identidade e autonomia sem vergonha de origem ou realidade, para resgatar os conhecimentos e sabedorias em poder dos povos das reservas naturais. O antropólogo Dr. Márcio D’Olne Campos chama esta nossa ação de etno-x (etnografia de um grupo sócio-cultural distinto do nosso e “X” de disciplina escolhida), nós o denominamos de “Projeto Convivência”.

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Ele consiste na ação da extensão universitária não-linear, nem cartesiana, de levar estudantes universitários dos semestres iniciais, de todas as carreiras (inter e transdisciplinaridade) a conviver com as comunidades tradicionais, principalmente nas áreas de preservação ambiental concretizando o conceito teórico de indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão, tão citado na burocracia universitária e tão raro de ser encontrado nas periferias do mundo. Conseguimos sensibilizar o jovem estudante, participante, para os diferentes tipos de Brasis existentes, muito diversos da “realidade ou fantasia das universidades públicas brasileiras e suas academias”.

O choque de autonomia é gigantesco e o amadurecimento instantâneo, não só de estudantes, mas sobretudo de professores universitários participantes, vítimas de uma formação durante o auge da ditadura cívico-militar subdesenvolvida. Não esqueçamos Nelson Rodrigues e o conceito de subdesenvolvimento.

Em todas as áreas de preservação e nos mais íntimos rincões de nosso país e continente, isto ainda era possível fazer.

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COM VIAGRA: ORDEM OU IDEOLOGIA?*

Em janeiro de 1943, em Stalingrado, o Marechal de Campo Von Paulus recebeu a ordem de Hitler de resistir até o último homem. Mais que ordem, era ideologia. Ele escreveu este poema sobre sua rendição, no dia seguinte, ao Exército Vermelho:

Quando alguém disser:Isto é bom ou isto é mau.Pergunte-lhe Para quem?

Esta foi, durante quarenta e cinco anos, a pergunta da Guerra Fria, mas no limiar do unilateralismo surgiram dois imprevistos alarmantes para a economia internacional: o poder político da máfia russa e o uso intenso de recursos públicos em “obras sociais”, como mecanismo de lavagem de dinheiro do narcotráfico, similar ao escândalo Irã x Contras do governo Reagan.

O Tesouro dos EUA, FMI e OMC acionaram seus agentes financeiros e obrigaram a elaboração emergencial de meios de contenção e superação, com cautela para evitar o colapso social, pelos fortes impactos e os riscos de maior miséria e desemprego descontrolados, verbigracia Argentina.

Isto determinou ajustes em programas sociais, antecipou e expandiu ações de Terceiro Setor Social como política privada de interesse público na América Latina.

Nestes contexto as universidades públicas foram obrigadas a saírem de seus “muros” e contribuir, atendendo à Ordem Emergencial do Unilateralismo, através de suas Extensões Universitárias; estruturadas, com dinheiro público, para diversão, cultura e lazer de minorias e elites, em nome do “pensar” e “saber”. Havia pouco que esperar. Mais que ideologia, é ordem.

O Fórum dos Pró-Reitores de Extensão da Universidades Públicas Brasileiras lançou o Programa Nacional de Extensão Universitária.

O que este fórum propõe é um retrocesso de dez anos para o Departamento de Educação e Desenvolvimento Social – DEDS, criado na UFRGS, para formalizar os programas (“Parceria da Terra”) junto às comunidades, embora represente menos de 2% do total de recursos da Pró-Reitoria de Extensão.

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O DEDS nasceu após a distensão política, aparelhada por “ativistas”, como baluarte progressista dentro dos “muros” e tolerado como espaço de justificação, pois, desde então, os termos “pluralidade”, “pública, gratuita e de qualidade” passaram a ser os adjetivos miméticos consoantes com o status democrático. Mais que ordem, é ideologia.

Com o tempo, muitas atividades educacionais de cunho social foram construídas, em sintonia, por estudantes, técnicos administrativos e professores com os movimentos sociais. Mais que ideologia, é ordem.

Os convênios com o MST, CUT, FETAG, CONTAC, Escolas Profissionalizantes, principalmente, nos municípios mais carentes, comunidades tradicionais isoladas ou não-assistidas de: remanescentes de quilombos, açorianos, indígenas, pescadores artesanais e outros, permitiram um crescente compromisso e identidade cidadã e nova visão de mundo para os estudantes conscientes de quem são, onde estão, e quais suas futuras opções.

Exemplos destes “empreendedorismos” e “capital humano”:

- Criação das Sementes Ecológicas “Bionatur”, primeira marca registrada de sementes ecológicas da América Latina. Através de uma Brigada Pedagógica com 150 alunos colhemos a primeira safra nos Assentamentos da Reforma Agrária, do MST, na Hulha Negra/RS. Sem ônus para os cofres públicos.

- Com iniciativa da Confederação dos Trabalhadores da Indústria de Alimentação Cutista e União Internacional dos Trabalhadores da Agricultura e Alimentação, realizamos o Primeiro Seminário Internacional sobre Transgênicos com participação popular e presença da Indústria interessada, sem que esta participasse como dona ou mentora. Reiteramos, sem ônus para os cofres públicos.

- Prevendo o impacto catastrófico e devastação, pela inauguração do asfalto, realizamos a integração do Projeto Terra Solidária da CUT, Projeto Convivência e Brigadas Pedagógicas, dando visibilidade às comunidades tradicionais de remanescentes de quilombolas, pescadores açorianos do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, através do Programa Mar de Dentro, conveniado com o Governo do Estado.

- Iniciamos o levantamento de Biodiversidade Etno-X de espécies ou costumes já extintas: “feijão sopinha, ora-pro-nobis, feijão quero-quero, galinhas indianas” e Turismo Ecopedagógico.

Aplicamos alta biotecnologia de biofertilizantes de uso humano, animal e vegetal, apresentados na Feira da Coolméia e II Fórum Social Mundial e documentado, pessoalmente, em CD comemorativo dos 250 anos de colonização açoriana no Estado.

Todas estas ações foram truncadas, recursos devolvidos (setenta mil reais) sem o cumprimento dos acordos com as comunidades tradicionais parceiras (construção de três viveiros para resgate de biodiversidade e geração de renda).

Sem recursos, desafiávamos todas as teorias, marketing e propostas oficiais de “Terceiro Setor”, apenas escrachando a falta de articulação da extensão universitária com os movimentos sociais. Contrariávamos a Ordem e Ideologia. Víamos negada a ida para desenvolver o projeto de algodão arbóreo, em Macururé, na Bahia, laureado e subvencionado com o Prêmio Petrobrás de Sustentabilidade.

Até Agosto de 2001, o DEDS produziu reconhecidos resultados em regime de “autogestão”; depois, a expectativa dessa continuidade ficou diluída na diretriz não anunciada pelo fim da autogestão, assumida isolada e unilateralmente, implementada pela nova administração instituída.

Claudicante, sem diretivas, vimos aberrações, constrangimentos e eliminações.

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- Uma funcionária (FAUFRGS), em licença maternidade, foi demitida há uma semana de seu retorno, custando mais de vinte mil reais de multa indenizatória, paga com dinheiro público, enquanto os bolsistas tem suas bolsas atrasadas ou suspensas.

- Outra técnica administrativa licenciou-se para candidatar-se a vice-governadora do Estado por seu partido, ao retornar da licença eleitoral, ficou um mês ignorada e constrangida sendo colocada a “disposição”, sem uma palavra da chefia. Em um ano, foram mais de dez, e vários com cargos.

Por vezes nos assalta a dúvida se os novos responsáveis sabem o que significa extensão universitária, em um país onde se vive simultaneamente nos séculos XV, XVI, XVII, XVIII, XIX e XX e muitas vezes conhecimento e sabedoria estão em campos antagônicos, aliado aos impactos da globalização, avanços neo-liberais, e, também, alguns sentindo-se “órfãos ou nostálgicos da ordem ou ideologia da “Guerra Fria”.

É notável a perda de qualidade, afastamento dos estudantes e comentários estupefatos dos antigos participantes das ações do DEDS. Há desespero em se apropriar do saber e patrimônio. Pressionar, desmoralizar, desrespeitar, para desapropriar a construção dos técnicos administrativos? Resistir: não é ordem ou ideologia e vice versa. É ser decente.

O exemplo abaixo é balizador e pedagógico: O governo federal possui o Programa Universidade Solidária, onde universitários são levados a diferentes comunidades, principalmente do nordeste, mas previamente devem ser treinados pelo Instituto Kaplan, especializado na temática da educação sexual e prevenções sanitárias.

O referido instituto possui um contrato com a empresa Pfizer, dona do VIAGRA, que preocupa-se com o crescimento exponencial de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS na terceira idade, por seu uso.

Indiretamente a Pfizer usa dinheiro público e universitários, como mão de obra grátis e se antecipa, para fazer de conta que previne os impactos do uso do VIAGRA ao mesmo tempo que faz propaganda institucional. É o novo tempo?

Nas atividades os estudantes usam um jogo sobre sexo, drogas e todo tipo de promiscuidades, elaborado para ser aplicado na degradada periferia de São Paulo e Rio de Janeiro. O uso destes jogos, por jovens universitários gaúchos nas comunidades sertanejas do interior do Nordeste é um acinte à cidadania, constrange jovens diante dos seus pais e humilham estes perante seus filhos.

Esta é a nova Extensão Universitária que deseja o Fórum dos Pró-Reitores de Extensão? Que tergiversa o sentido de palavras, como voluntariado, solidariedade, empreendedorismo, protagonismo jovem e outras e que ela será feita com Institutos, Fundações, Empresas, Bancos, seguramente será mais marketing de Bens & Serviços que Educação e Desenvolvimento Social?

Confundem cidadão com consumidor, militante sujeito com voluntário objeto, funcionário público diligente com empresário dirigente. Para ser docente é necessário ser decente. Não é ordem ou ideologia.

O pior mesmo, é que demonstram não saber o que seja uma relação não-cartesiana ou não-linear, de sujeito a sujeito ou com sujeito, de forma cíclica, em intercâmbio de conhecimento e sabedoria entre sistemas de sistemas realimentando Pesquisa e Ensino.

Consideram estudantes, técnicos e professores como deslumbrados na roda gigante dos

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parques de diversões: sobe, pára, baixa, sobe... como se todos estivessem em uma “gaiola de hamster”. Esquecem Maturana, o laço de Moebius, Freire, Vasconcellos Sobrinho, Lutzenberger e muitos outros. A ordem de apropriar-se do suor alheio, é ideologia?

Ignorar é omitir, calar é consentir, denunciar é responsabilizar.

Quando alguém disser:Isto é bom ou isto é mau.Pergunte-lhe Para quem?

Uma leitura prévia do Manifesto de Córdoba, Argentina, 1918 e dos Cadernos de Extensão UFRGS - Ano 2 Nº 5, é recomendável, pois não há VIAGRA para fazer funcionar a consciência.

“Eles vieram buscar os comunistas e como eu não era comunista...” B. Brecht

*Texto extraído de “El saber de Huaraches ( alpargatas)”, 2002.

Este texto, acima, foi entregue à chefe do DEDS após uma reunião dela com movimentos sociais, sobre uma “oficina” sobre culinária dos afro-descendente, onde a mesma desejava que senhoras de 80 anos de idade afro-descentes viessem de ônibus de linha, para apresentar (trabalhar) e doar seus conhecimentos e memória para deleite dos “doutos”, que desejavam luzir-se no III Fórum Social Mundial, pensando cumprir as medidas compensatórias da Ordem do Banco Mundial (Durhan, África do Sul). Oferecemos veículo especial e diária de cinqüenta dólares para cada delas, que vivem há mais de trinta quilômetros da estrada onde passa o ônibus de linha, uma em nome de entidade de trabalhadores

Não permitir a tergiversação mercantilista ou elitista do sentido do Projeto Convivência, por oportunistas de plantão e ampliar sua divulgação para os demais estados brasileiros e para toda a América Latina, é nosso atual desafio.O longo período de carência democrática geraram a submissão política e atrelamento econômico, que priorizaram objetivos e metas internacionais. A falta de referenciais nacionais e regionais sintonizados com nossas realidades obriga-nos a aprender em livros estrangeiros e com professores formatados lá tecnologias, conhecimentos e “sabedorias” fora de sincronias. Com o tempo e impedimentos de visão critica há cada vez um maior distanciamento dos referenciais locais e regionais autênticos.

Mudar isto, só é possível, através da restauração de um conhecimento prévio de nossas realidades sócio-ambientais, para efetuar outras leituras dos livros, onde os professores, pesquisadores, acadêmicos e técnicos sejam trazidos para o cotidiano. Assim será possível efetuar-se outra leitura dos livros, conhecimentos e tecnologias, recompondo nosso avanço em equilíbrio e harmonia. O resultado disto é formação de novos valores, resgate dos valores “etno-x” para, como dizem os mexicanos “huarachizar la ciência”.

Para tal, contamos com a participação de entidades internacionais e nacionais de trabalhadores organizados, que nos servirão de molde para alpargatizar o pensamento.

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O SABER DE “HUARACHES” OU ALPARGATAS

Os camponeses mexicanos de tradição maia, zapoteca, ou asteca usam rústicas e pesadas sandálias denominadas “huaraches”. Os nordestinos as chamam de sandália de rabicho, os gaúchos de alpargatas. Técnicos, autoridades, jovens urbanos jamais usam estas sandálias (alpargatas) e desdenham quem os usa. Em contra-partida os camponeses quando encontram algum regulamento, norma que contraria ou desrespeita sua milenar sabedoria e visão cosmológica, desdenham, por não possuir “huaraches”.

O “saber de huaraches” não é respeitado fora de seu ambiente. Não é estudado, e quando o é, passa a ser tratado como empirismo por uma caricata ciência cartesiana e linear e quando tem tradição passa a compor a “sabedoria popular” ou dos antepassados. Como este saber de huaraches perdeu seus poderes?

Era tradicional, em muitas sociedades, as famílias oferecerem um de seus filhos para servir a deus, como sacerdote, outro serviria ao poder político-econômico como guardião das armas (militar) e geralmente os filhos menos capazes intelectual e hierarquicamente, eram os que responsabilizavam-se pela agricultura.

Obviamente que, para servir aos deuses e às armas era necessário um aprendizado de saber com o agregado de hermenêutica, cada dia mais complexo pelas relações de poder e seus valores intrínsecos.  Isto é escolástico e invariável.

Na Sociedade Industrial, a cada dia, surgem novos tipos de sacerdotes e militares para atender as complexidades e avanços nas relações de saber e poder, onde os menos aquinhoados pela instrução transformam-se em operários ou permanecem agricultores, mas com privilégios e proteções.

Nas latitudes subdesenvolvidas, onde a elite pensante e governante tem autonomia relativa, o operário é o último elo social, antes do agricultor.

Há uma primeira contradição histórica, tanto nas sociedades industrias quanto subdesenvolvidas, pois para produzir alimentos, o saber do agricultor é privilegiado e estruturado em sistemas biológicos, físicos, químicos, climáticos, hídricos, edafológicos, sócio-econômicos e político-diplomático interatuam, integram-se em sistemas de sistemas e o agricultor deveria aprender um saber e formação para a evolução de sua atividade, contudo, a maioria dos agricultores sequer sabem escrever e ler, quanto mais exigir seu alinhamento hermético ou dogmático no "pensar".

Na totalidade dos países e sociedades os agricultores não podem "pensar", pois alguém exerce o pensar por ele. Isto não é notado nos países industrializados, mas chocante nos subdesenvolvidos.

Aqui vemos uma nova contradição: Pode alguém que necessita concatenar sistemas não "pensar"?

Se observamos o "pensamento" dos diferentes tipos de sacerdotes e militares, comparando-os com o do agricultor veremos que há cruciais diferenças. Aqueles são hierarquizados verticalmente e lineares, além de crença em valores não necessariamente explicáveis, para serem aceitos, ao passo que o saber do agricultor, só tem razão de ser quando é horizontal e cíclico. 

A primeira pergunta, nestas condições é: - Uma escola de saber linear e hierarquizada verticalmente pode servir para formar agricultores?   - Não, pois o transtorna mas não o transforma. 

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É interessante que a estrutura de saber, sem acumulo e de todas as formas escolásticas de pensamento são levadas à linearidade cartesiana com hierarquias de poder sobre o saber.

No caso do agricultor, as escolas agrícolas, muito recentes, trabalham sobre um saber-poder hierarquizado para inserção econômica, nela o agricultor não é sujeito, nem senhor de si, é apenas um consumidor de insumos e bens e serviços de Estado ou Mercado. Isto faz, através do tempo, com que qualquer sacerdote ou militar possa cultivar a terra e produzir frutos, sem ser agricultor, dentro da linearidade de pensamento e hierarquização de poderes, entretanto jamais teremos de forma sustentável uma sociedade de sacerdotes ou militares transformados em agricultores na essência do termo, mas agricultores poderão transformarem-se em ambos.

As escolas de agricultura existentes nos últimos cem anos prima por formar jovens tanto nos níveis médios ou superiores com arrogância, soberba e prepotência diretamente proporcional à ignorância e carência de informações, que jamais os permite identificar com os agricultores, mas transforma-los em consumidores e objetos de políticas públicas e privadas.

As propostas de alteração cultural e social dos agricultores sempre esbarram na negação de sua individualidade ancestral ligada à posse do espaço horizontal e concreto da terra cíclica, que se contrapõe às coletivizações ou individualizações lineares, virtuais e hierarquizadas.Os exemplos, são muitos e, estão aí para sua discussão, que não pode haver em função da subordinação da agricultura à economia em suas fases nos últimos 250 anos da Sociedade Industrial.

Nesta realidade, quanto menos agricultores existirem, mais “massa salarial”há. Quanto mais virtualizada é a agricultura mais desenvolvida Logo, o “pensamento da agricultura” não se dá na agricultura ou para a agricultura, mas na e para a Economia.

Para a grande maioria de países subdesenvolvidos a saída social, econômica para a autonomia e independência está na riqueza gerada pela agricultura. O primeiro passo é fazer que o “pensamento e sabedoria do agricultor sejam enfocados como sujeitos para o alcance de autonomia”.

Isto é muito difícil, pelos interesses internacionais das economias industrializadas protegidas pelos sistemas reguladores dos organismos internacionais das Ordens Econômicas. Mas, não é impossível.

O que se necessita fazer, é preliminarmente eliminar as elitizações nos pensamentos sobre e na agricultura nos países subdesenvolvidos. Isto pode dar-se através do ensino de agricultura, nas escolas e o tratamento dado aos agricultores nas repartições públicas dos governos, sem ranço soberbo elitista, menosprezando o saber do agricultor e sua cultura. Algumas escolas, como por exemplo, a Faculdade de Agronomia de Zamorano em Honduras funciona sob regime militar. Outras como Viçosa e Lavras, ainda realizam a “semana do fazendeiro”. Em ambas, seus jovens egressos são ótimos para servirem aos interesses de mercado.

Extensão Universitária é a atividade de levar o saber e pensar gerado nas universidades para fora dos “muros” da Universidade. Quem será que criou está figura de muros... Nas sociedades autônomas o conceito de extensão é inverso: Trazer para dentro dos “muros” sabedoria e cultura.

O extensionista somente tem autonomia em uma Universidade monolítica em ensino, pesquisa e extensão, pois tudo é uma coisa. Normalmente elas usam o modelo cartesiano, linear e hierarquizado verticalmente, mas a extensão universitária atua consciente que é um cíclica e conjugando sistemas

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holisticamente para a re-alimentação do ensino e pesquisa, através da sabedoria externa que vem com a implantação de programas de extensão oriundos das linhas de pesquisa e ensinos.

Gráfico

Há universidades com separação elitista entre ensino, pesquisa e extensão. Há outras com separação elitista, até entre ensino e pós-graduação. Nessas a indissociabilidade é um figura de retórica para impedir questionamentos clarividentes.

As transnacionais e governos títeres sabem que não há isto nos países pobres utilizam a extensão de forma amorfa e sem qualquer pensar ou saber para levar os produtos das empresas de crédito, insumos e demais elos da cadeia da agricultura para o agricultor objeto e consumidor.

As políticas públicas para a agricultura e agricultor passam a ser de subordinação, ações messiânicas ou cartorárias.

O PENSAMENTO DE HUARACHES

Todos nós ingenuamente chegamos aos países avançados para estudar cheios de sonhos e ânsias, com o desejo de aprender tudo e retornar para mudar e transformar nossos países e sociedades.

Muitos foram escolhidos entre os melhores pelo poder e para servi-lo, outros para afastá-los do meio, onde causavam prejuízos ou ameaçar direta ou indiretamente os interesses de transnacionais e seu poder sobre o governo autoritário, particularmente o nosso caso, quando fomos para a Alemanha Ocidental, em plena Guerra Fria.

A divisão alemã nos permitiu a situação insólita de passar para o outro lado e conviver com estudantes latino-americanos, africanos e asiáticos em situações idênticas às nossas, porém antagônica, por estar no outro pólo da bipolaridade.

Nossos governos submissos e nós estudantes-objetos, pensávamos que lá aprenderíamos a "pensar o desenvolvimento", contudo logo percebemos que o desejo deles é que consumíramos os produtos utilitários que nos levaria à dependência e esta à heteronomia.

A situação dos colegas africanos e latino-americanos no lado Oriental nos permitiu ver atrás do espelho e cristalizar a consciência de nossa situação e a possibilidade de aprender lá um outro "saber e pensar". Não sabemos se a doutrinação ideológica dogmática permitia a eles perceberem como nós, nossa própria contradição.

Em 1982, um grupo de jovens latino-americanos, no Seminário sobre Meio Ambiente, na Universidade Humboldt, em Berlim Oriental – Alemanha, escreveram um documento, depois adotado como o preâmbulo da Fundação Juquira Candiru. Ele diz: Para perceber nossa realidade, muitas vezes, é preciso sair do meio e do ambiente. Os rumos das devastações ambiental, cultural e de minorias étnicas, além do assanhamento das transnacionais em conluio com o regime, nos levaram, em novembro de 1982, a propor a criação de uma entidade, para discutir a agricultura pós-agrotóxicos, a biotecnologia e a engenharia genética.

Em 08 de outubro de 1983, em Alter do Chão, às margens do rio Tapajós, no coração da Amazônia, foi idealizada a "Fundação Juquira Candirú" ao denunciarmos os planos de cientistas alienados de

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usarem herbicidas desfolhantes (Agente Laranja), nas linhas de transmissão e no futuro lago da Usina Hidroelétrica de Tucuruí, em função de toda a corrupção e incompetência para a retirada de madeira. Optamos por uma fundação em resposta às similares de cunho argentário.

O manifesto foi escrito em fevereiro de 1984, na "Ilha Tocantins" situada no rio de mesmo nome, ao encontrarmos a primeira das setecentas castanheiras mortas com desfolhantes, usados para expulsar os habitantes locais, e diz: "O brasileiro mais autêntico, mais identificado com a natureza é o mais espezinhado e expulso pelos interesses estranhos de seus compatriotas, cúmplices de imposições de empresas, governos e organismos internacionais”.

Nem mesmo isolado nos últimos rincões, o homem brasileiro é respeitado ou deixado em paz, pela cobiça e pugna entre interesses internacionais da biotecnologia industrial (engenharia genética), ávida pelos recursos naturais e os interesses obseqüentes das elites agrárias nacionais, e locais de destruição da floresta para ocupação de seu espaço com capim e gado.

O hileano autóctone ou sincretizado é destruído, sem chances de preservar sua cultura e sobreviver com dignidade. Sua identidade com o meio que o envolve e absorve-o é vista como nociva pelos usurpadores do poder e elites.

O sertanejo cultivava o algodão mocó”, na Caatinga, com sustentabilidade e riqueza. Por razões da Guerra Fria, uma grande região foi levada à miséria e população tradicional ao exílio interno. Eram os camponeses organizados em ligas camponesas.

A "Fundação Juquira Candiru" é virtual, não adota estatutos, regras ou hierarquias.Todos os que assim desejarem farão parte dela independente de credo, raça, ideologia ou saber.Muito antes de defender elites, interesses e cidadãos do regime ou o ser ideal do Estado defende

o estado ideal do Ser Universal.

Aqueles jovens, na Alemanha Oriental, projetaram o futuro, mas não entenderam a Ordem Histórica, pois foram incapazes, de vislumbrar a violência de “populações tradicionais” serem consumidas como um produto.

A constituição de 1988, tornou a natureza intocável, mas imediatamente os funcionários do IBDF, SUDHEVEA, SUPEDE, SEMA transmutarem-se de devastadores, desenvolvimentistas industriais e agentes de interesses financeiros, em protetores da natureza, através do IBAMA.

Agora são fiscais da natureza, agentes da sustentabilidade. Eles calculam o valor da natureza em 4 trilhões de dólares. É possível calcular este valor sem a presença do homem neste ambiente?

Recordemos: - “Para perceber nossa realidade, muitas vezes, é preciso sair do meio e ambiente e viajar no tempo e espaço.”

Isto faz sentido, pois quanto mais imersos estamos em uma realidade, mais difícil é percebermos mudanças, transformações e inovações introduzidas em nossa sociedade, principalmente, quando elas são trazidas por motivos e intenções estranhas.

Não há discussão sobre a desmaterialização da economia, nem sobre a desmaterialização da natureza. A Convenção da Biodiversidade, o Protocolo de Kyoto, a Agricultura Orgânica são processos de desmaterialização da natureza, embora sequer saibamos o que isto significa.

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Infelizmente nada mudou ou pior, tudo mudou para pior, pois estamos sob a tutela da ótica do mercado. É um momento de Ordem histórica comercial/mercantil onde a violência é o poder do dinheiro, mas as elites vivem a Ordem dos Códigos e constroem sua transição.

Antes vivíamos a nossa época e sua violência e recebíamos a memória vivida por nossos antepassados.Agora, querem apagar nossa memória através da fascinação da propaganda pelo belo, novo e feliz, que nunca fez parte de nosso ambiente, vida e passado.

Cada época têm seus valores e produtos (marcas, músicas e outros ingredientes culturais, tecnológicos e comerciais).

Entretanto, não conhecemos a gênese, motivos e intenções das modas, comportamentos, gírias, posturas em qualquer campo desde o natural até o intelectual virtual. Um exemplo clarifica: É praxe no Brasil propalar-se que comer manga e tomar leite faz mal e pode até matar. Comer melancia e tomar leite, idem e assim com muitas outras frutas. Isto passou a ser uma ordem ritual.

Estas são violências míticas, criada na época da escravidão negra, pois as crianças, filhos de escravos, trabalhavam e tinham a tarefa de ir buscar o leite nos “mangueirões”, para a Casa Grande.

Como o nome indica nestas áreas de ordenha haviam grande quantidade de mangueiras e outras frutas pelo caminho.Na volta para evitar que eles bebessem o leite diretamente nas vasilhas, inventou-se esta violência, de dizer que manga com leite faz mal, que aliás perdura até os nossos dias.

Não retornamos caricaturas, mas sabendo manejar uma tecnologia alemã que não nos foi ensinada e a repensar nossa realidade por detrás do espelho, que não era o interesse deles.

Montamos um laboratório para ação sofisticada no Ministério da Agricultura, sem gastar um centavo em equipamentos ou reagentes estrangeiros e passamos a analisar resíduos de micotoxinas, antibióticos, agrotóxicos e poluentes ambientais nos alimentos e água. Este laboratório funcionou por mais de dez anos, até o seu fechamento e desarticulação da equipe que o fazia funcionar pois isso não interessava ao poder governamental subordinado, corrupto e causava prejuízo ao “pensar de huaraches”.

Desde então, "pensar" para nós tem, principalmente, o aspecto libertário independentemente de qualquer tipo de poder.

O ensino universitário no mundo pelo exposto anteriormente é o mais elitista e constrangedor.Um filho de camponês que se atreva a estudar em uma escola técnica ou faculdade de

agronomia sofre uma lavagem cerebral total. Uma mudança total de comportamento lhe é imposta.

A reação de um grupo de estudantes percebendo o divórcio entre cidadania, nação e estado começou a forçar uma ação direta junto aos agricultores, em atividades de extensão universitária.

Iam para os assentamentos de Reforma Agrária prestar solidariedade e desenvolver atitudes e ações em pró da mesma.

É interessante que o que mais se fala nos países subdesenvolvidos é que na universidade há um onanismo coletivo para conceituar interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e indissociabilidade entre o Ensino, Pesquisa e Extensão, mas sob esta última poucas pessoas conseguem perceber a tênue zona cinzenta entre o que é substituição de assistência devido as carências de formação cidadã, ou o

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que é messianismo, ou prestação de serviços ideológicos e suas casualidades.

Durante um período de dez anos, na UFRGS, houve uma extensão criada pelos estudantes contrariando o viés do poder da trilogia Ensino, Pesquisa e Extensão. Podemos chamar este período de “a extensão de pés descalços”.

Muitas eram suas deficiências, principalmente, porque a maioria dos estudantes era engajada em um determinado partido político de esquerda e viam suas ações como patrulha ideológica.

Contudo, o convívio com os agricultores e com os movimentos de agricultores, permitiu a abertura de muitos olhos, logo uma parte percebia a necessidade, ingênua, de trazer para dentro da Universidade aquele tipo de atuação.

Mudanças foram providenciadas pelo poder para evitar um fortalecimento de atividades tão fora do contexto de obseqüência.

A nova Ordem Internacional e Consenso de Washington impondo as regras para as ações sociais dos governos títeres trouxe, para estas atividades novas visões, alinhadas com mercados, empreendedorismos, voluntariados etc.

O engenheiro agrônomo Valdo Cavalet, doutor em educação na Universidade de São Paulo, reproduziu a peroração do Prêmio Nobel da Paz, Oscar Perez Estival, na aula magna na Universidade Federal do Paraná: “ Os egressos das universidades brasileiras são os melhores do mundo, podendo trabalhar sob qualquer ideologia, em qualquer país. Entretanto, esses mesmos profissionais são incapazes de realizar qualquer transformação social em seu país.” Isto merece uma reflexão coletiva e silenciosa.

Conscientes da situação vista com os africanos e latino-americanos na Alemanha Ocidental e Oriental e com a “tradição dos egressos da universidades nacionais” de serem todos comunistas de “carteirinha” na juventude e autoritários e até mesmo fascista posteriormente, percebemos a necessidade de manter aquela “extensão de pés descalços” junto às comunidades rurais tradicionais.

Muitos são os exemplos de engajamentos, denúncias e ações de aspectos personalistas ou vaidosos, o mais atual foi em novembro de 2001,quando propusemos a realização  de um Seminário sobre Populações Tradicionais e Meio Ambiente à Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS, onde atuamos principalmente com estas comunidades (quilombolas, indígenas, açorianos, sertanejos, etc.).  O mesmo foi "epistemologicamente" glosado pelo Pró-Reitor de Extensão.

Com muita satisfação, imediatamente, realizamos o referido evento com o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio de Janeiro. Foi um sucesso.

Lá compreendemos o que vem a ser o “huarachizar o pensamento”: Paulão, um afro-descendente, mestre de capoeira, diplomado em Educação Física, denunciou que foi sancionada uma lei que obriga a todos os  mestres de capoeira a terem um curso de Educação Física, sem obrigá-los a serem praticantes e graduados em capoeira, levando à quebra de qualidade e degeneração.

Alguém poderia dizer que o professor habilitado, mas sem habilidade poderia aprender com um “mestre” e até contratá-lo como empregado. Seria isto honesto? Primeiro, perde-se autonomia e auto-estima. Segundo, submete-se às perversas condições de mercado.

Obviamente, que para quem não conhece a história e resistência da capoeira é necessário uma leitura prévia, para a compreensão da dita preocupação. Criou-se uma estrutura legal (poder)

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sem haver preocupação com o "saber popular" e sua tradição cultural.   Isto é um símbolo, muitas vezes ingênuo e honesto da perda de autonomia.

O outro caso é mais chocante. Logo depois, em Floresta, cidade pernambucana no Vale do São Francisco, participação da missa solene de colação de grau de nível superior de mais de oitenta professoras da rede municipal e estadual. Pela Lei de Diretrizes da Educação foram obrigadas a fazer cursos de fins de semana de altíssima intensidade (?), caros e de qualidade baixíssima.

Aquelas professoras humildes foram obrigadas a colocar de lado suas histórias de vida e transformarem-se em caricatura de um "pensar" de baixíssimo nível. Podemos afirmar que a grande maioria de acadêmicos obseqüentes não teriam condições de compreender e avaliar as metodologias por elas desenvolvidas ao longo de seus trabalhos.    Mas o que interessa não é o saber, mas o poder gerado pelas habilitações, embora sem habilidades. É assim que sedimenta-se e alicerça-se a heteronomia.

O ensino e o saber em Floresta, assim como no resto do país continuarão com a mesma qualidade, servidão e obseqüência de antes.  As condições de salário delas não melhorará, algumas ficaram mais vaidosas e até arrogantes com seus “diplomas”. Será que é isto que se quer.

As crianças não irão aprender mais. Apenas as estatísticas governamentais e internacionais dos agentes financeiros sobre a "qualidade do ensino" é que mudarão.

Podemos dizer que a história de vida de cada uma daquelas professoras serviria de modelo para ensinar aos acadêmicos a profundidade de uma tese geradora de pensamento autonômico dentro de sistemas de sistemas da realidade espelhada e não-espelhada do Brasil, onde a Educação é ciência.

Contudo o saber delas foi trocado por um "diploma", que lhes dá poder, mas não saber...     As elites, que foram comunistas na juventude manipulam as estruturas e infra-estruturas de ensino, saber e pensamento para poderem permanecer incólumes, protegidas e a serviço da heteronomia.

Descartes disse: "Penso, logo existo".  Mas isto não muda nada.  É abstrato, não leva a transformação nem a independência. Já, o “só o pensar liberta", é concreto pois dispõe da necessidade de uma ação.   A ação do saber não é aventura ou improviso.  É sim estudo e precedida de muita reflexão que leva a ação a um fim. A maior barbaridade que já escutei foi pronunciada por uma bióloga, doutora em Educação: "Algo só existe quando um acadêmico debruça-se sobre ele". Nas academias heteronômicas esta razão é monolítico.

É por isso que a história de vida das professoras de Floresta, a cultura dos mestres de capoeira e o arquivos do Projeto Convivência foram extintos, pois como bem disse Orwell: "quem domina o presente escreve o passado.".

É por isso que estrutura-se um controle sobre o pensar para haver poder sobre o saber, o que faz a frase de Millor Fernandes: “Livre pensar, é só pensar”, uma sátira de ironia anárquica, pois a cada dia fica mais difícil fazê-lo ou manter-se lúcido.  

Os mestres de capoeira e as professoras têm uma história de vida, repetimos, acumulam saber e experiência adequada ao ambiente, da mesma forma que as populações tradicionais, com o tempo, o transforma em sabedoria, pois são sistemas de sistemas em harmonia.

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Este é o “pensamento huarachizado”, que nos pode levar à liberdade e autonomia, pois ele ainda pode ser resgatado nas comunidades isoladas de “quilombolas”, “açorianos”, “vargeiros”, “sertanejos”, “pantaneiros” e muitas outras. Ele é tradição dos povos e está fora do controle, tempo e espaço do poder.

Dez meses depois de nossa proposta, vimos o Seminário sobre Populações Tradicionais ser realizado sob a denominação “Sustentabilidade e Diversidade Sócio-Cultural”. Participamos do mesmo e vimos a preocupação de se falar para si, diante do espelho e não fora do espelho ou dentro do mesmo para transformar a sociedade.

É antagônico ao pensamento virtualizado e abstrato predominante nas burocracias e onanismos academicistas inconseqüentes e contemplativo, pois conforme afirmou Engels: “Mais vale uma grama de ação, que uma tonelada de teoria”.

Sabendo disso as empresas norte-americanas criaram o sistema de Extensão Rural, diferente do Sistema de Extensão Universitária na Área Rural existente desde longa data nos EUA.

Através da Extensão Rural, as multinacionais da agricultura com um baixíssimo custo de investimentos conseguiram dominar toda a agricultura do planeta, através de um sistema de cabresto assistencial aos agricultores.

No início, os extensionistas rurais eram mostrados pela propaganda de forma fantástica. Desta ação, o “saber” e “pensar” dos agricultores foram menosprezados e trocados por uma série de produtos de consumo e alto impacto e eles subjugados aos ditames da economia.

No momento da crise, os extensionistas julgam-se neutros, dizem que não são responsáveis pelo que levam ao agricultor (extensionis), que a pesquisa e política pública são responsáveis.

Pior são os cínicos, que afirmam que as transnacionais são as culpadas.

Antes vivíamos a nossa época e sua violência e recebíamos a memória vivida por nossos antepassados.Agora, querem apagar nossa memória através da fascinação da propaganda pelo belo, novo e feliz, que nunca fez parte de nosso ambiente, vida e passado.

Cada época têm seus valores e produtos (marcas, músicas e outros ingredientes culturais, tecnológicos e comerciais).

A DIFERENÇA ENTRE INFORMAR E INOVAR

Façamos uma viagem através de nossos antepassados, apenas no Século retrasado. Por exemplo, a primeira das quatro gerações presentes conheceram, em seu tempo, termos como: industrialização, elétrico, telefone, moderno, desenvolvimento, crescimento econômico etc., com diferentes significados e impactos em cada extrato social. Para uma população tradicional, quanto mais próxima à natureza, mais difícil era a compreensão dos termos acima, dentro de seu contexto estranho ou estrangeiro.

Ao passo que nas populações urbanizadas, oligarquia e privilegiados recebiam estes termos, antecipadamente, diretamente do centros de poder e decisões internacionais (revistas, academia,

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meios de ciências e arte etc.). Posicionavam-se como se vivessem a realidade daquelas sedes de forma caricata. No poder implementavam políticas para eles, como se fossem públicas.

Os menos aquinhoados eram informados, com um pouco de defasagem, através dos meios de comunicação e documentos oficiais, sem uma adequação ou adaptação espaço-temporal, pois seu interesse era, meramente comercial, mercantil.

Já, em nível popular e grande massa a absorção de tais elementos estranhos dava-se de forma caricata.

Mas a cultura popular, resistente, respondia com músicas e refrões (modinhas) nos meios de difusão e divulgação, na maioria das vezes caricaturizando o instrumento e serviço inacessível ou o comportamento das elites e privilegiados.

As técnicas de comércio, logo tornava o mesmo uma necessidade de consumo e não de desenvolvimento social. Alcançá-lo, representa ascensão e poder social, assim estes instrumentos, produtos passavam a ser aceitos incontestes e como tal assimilados, com conseqüências éticas, morais, sociais imprevisíveis.

Dizer para os jovens de hoje que muitas pessoas na década de sessenta, setenta e oitenta fizeram fortunas investindo dinheiro na aquisição linhas telefônicas, obtidas através de corrupção, pois a espera de um telefone tardava até vinte anos, o que aumentava seus preços, fabulosamente. Hoje telefone é comprado e instalado em questão de minutos.

Mas, isto não ocorre por eficiência de governo ou ascensão social, apenas pelo status que representa o novo instrumento de comunicação acessado de forma mercantil.

Façamos uma digressão: O telefone celular é um instrumento fantástico. Na Inglaterra, Japão, Estados Unidos, Alemanha ou para os banqueiros de São Paulo e Rio de Janeiro, seu uso permitiu um aumento na renda do usuário e economia. Contudo, para o grosso da população podemos dizer que aumentou os gastos, perda de renda e tempo.

Da mesma forma como o telefone celular é apresentado, hoje, à sociedade, assim, também o Meio Ambiente é um produto consumível.

A segunda geração recebeu os termos: atômico, televisão, satélite, poluição, ecológico, contaminação ambiental, da mesma forma e na estrutura anterior, inclusive, também, nos questionamentos, caricaturas e contestação.

A terceira importou termos: depleção, holístico, controle e monitoramento ambiental, devastação que contrapunham-se aos termos moderno, industrialização, desenvolvimento e crescimento econômico.

A quarta geração recebe os termos: biodiversidade, natural, sustentável, solidariedade, voluntariado, em seus discursos políticos e textos acadêmicos. Agora, há satisfação com "políticas públicas" para determinar os critérios, parâmetros, índices de contaminação para o efluente ou depleção, discutido de forma caricata por uma oligarquia teleguiada.

Desde o surgimento de um termo ou instrumento nos discursos políticos ou documentos acadêmicos há um hiato de tempo e espaço, onde ele se adapta ao sabor do poder, para tornar-se consumível.

Quanto mais heteronomia, mais comercializável é o instrumento tecnológico ou serviço.

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Esta é uma características das "ordens econômicas internacionais" emanadas do império e imposta a todos. É o consumo que torna todos iguais perante o mercado e isto é mais importante que a lei oligárquica, pois não é possível excluir consumidores.

Nunca poderá haver um consumidor ou milhares de consumidores sequer insatisfeitos, contudo é impossível saciar um cidadão ou um determinado números de cidadãos.

Por outro lado cidadania pode encontrar-se em qualquer pessoa e em qualquer esquina ou curva de rio, mas o consumo só pode ser encontrado no mercado.

V - COMMODITY AMBIENTAL?

Pode-se dizer tudo dos governantes norte-americanos, mas todos devemos concordar que eles tem um senso público dedicados aos seus representados e esta é a visão e missão deles como “estadistas”. Foi isto que vimos quando George Bush em 1992 à escada do avião presidencial disse aos norte-americanos: “- Não se preocupem, que o modo de vida do povo americano não estará em mesa de negociações”. Ficou famosa a recusa dele em assinar a Convenção da Biodiversidade. Seria uma “saia justa” articulada pelos europeus, em desvantagens na corrida biotecnológica?

Vimos, recentemente, três novas ações meticulosas do governo norte-americano, com o mesmo sentido.Primeiro, houve a criação de novos subsídios internos e taxações aos produtos estrangeiros, para proteção da economia norte-americana em crise, na contramão da conjuntura do neoliberalismo internacional, mas de acordo a práxis imperial.

Segundo, o presidente norte-americano impactou o mundo, ao dizer que, “iria aumentar o corte de árvores, para diminuir os riscos de incêndios florestais”, em sentido contrário à preocupação ambiental internacional, mas sintonizado com os interesses madeireiros e florestais nacionais.

Em ambas situações, os comentários da mídia não foram perspicazes para entender a intenção daquele governo.

Terceiro, o secretário de estado dos EUA, Gal. Colin Powell, em Johannesburg ( Rio + 10) ofereceu a doação de alimentos transgênicos, prontamente, rejeitados pela famélica África, mas satisfez as empresas de alta tecnologia agrícola e sua bolsa.

Novamente as circunstâncias ficaram restritas ao rol do enfoque anterior sem o aprofundamento cabível e necessário. Os setores especializados deveriam explicitar as leituras destas ofensivas diplomáticas, mas não o fizeram, pois a questão é dogmática.

Vejamos uma singela análises:

Quanto ao primeiro: Os novos subsídios e taxações são uma forma de obrigar os agricultores yankees a adaptarem-se à nova ordem em função de problemas na economia, principalmente as resistências externas à participação de tecnologia & serviços norte-americana nos produtos naturais e agrícolas.

Sobre o segundo: O aumento do corte das árvores internamente, para o auto-abastecimento norte-

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americano é uma medida econômica que visa equilibrar a debilitada balança comercial e reativar o setor, dentro da nova ordem de políticas ambientais subordinadas aos interesses de mercado. A crise é tamanha, que os norte-americanos estão economizando, até em produtos da natureza, sem tecnologia, mas que tenha mão-de-obra estrangeira.

No que diz respeito ao terceiro: A oferta de alimentos transgênicos inaugura, via diplomática, a política de que todos devem comer, mas quem quiser qualidade deverá pagar o que ela vale.

Embora as reações a tais produtos e empresas tenham grandes resistências, eles programam a escassez dos alimentos alternativos e seus preços diferenciados.

Estas três atitudes norte-americanas provocarão mudanças profundas no mundo, principalmente na agricultura e economia dos países periféricos, por tal é necessário fazer análises e projeções. Mas, fora do contexto de exclusão bilateral (política, étnica, religiosa, comportamental, de gênero ou etária.

Com a mudança da Ordem Econômica, de Bretton Woods e Matriz Tecnológica da petroquímica, para a nova ordem do Consenso de Washington e Biotecnologia, respectivamente, há uma série de ajustes econômicos que necessitam ser realizados, tanto para o NEOLIBERALISMO como para o UNILATERALISMO do império.

O termo produtividade na economia, mudou o seu eixo. Antes, o divulgado era o conceito como sinônimo de “quantidade por área ou tempo”, e era procurado incansavelmente. Este conceito complexou-se, agora, se busca, “uma qualidade intrínseca” da produção e é um valor extra ao mesmo.

Produtividade está mais para o “toyotismo”que para o “taylorismo”.

Antes, durante a Guerra Fria, podia-se criar um controle da oferta e provocar fome de grandes massas, agora isto é um despropósito, já que cada um terá a qualidade que merece, pois o mercado terá os preços adequados a essas “capacidades”. Logo a produção precisaria de grandes quantidades mais baratas para alcançar a todos. Os países industrializados nunca perderam a perspectiva dessa dimensão, mas outros, desejosos de participação e competitividade econômica, a desconheciam e ainda não podem percebe-la, por ordens superiores dos estadistas do império.

Vejamos o exemplo da soja. Internacionalmente, a grande transformação arquitetada pelo Departamento de Estado dos EUA é a transformação da soja do planeta em dois tipos:

- A) Soja Natural, destinada a alimento e de alto valor, aproximadamente 25% da produção mundial uma commodity ambiental com complexa organização. Por enquanto ela ainda usa agrotóxicos, fertilizantes químicos e tem poucos serviços agregados (certificações, traceabilidade), mas logo ela será totalmente “ecológica”.

- B) Soja Transgênica, destinada a produção de alimentos mais baratos pela escala de produção e total política das grandes empresas transnacionais.

Ela terá também parte de sua produção destinada à produção de “diesel verde”, combustível renovável e sustentável, uma “commodity industrial” que deve ser produzida em larga escala pelas Cargill, Syngenta e irmãs na Argentina, Brasil, México e África como combustível e farelos (matéria-prima) alimentar de menor valor destinada aos mercados periféricos, sem concorrer com a anterior.

Esta estratégia permite que os EUA não tenham concorrência (oferta) para a sua produção e obtenham um melhor preço, impondo aos europeus e asiáticos de alta renda um produto, que os mesmos serão obrigados a pagar, pois não se sujeitarão a consumir a matéria-prima subproduto de

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combustíveis renováveis.

Aqui vemos o que o Sr. Secretário de Estado Colin Powell foi oferecer à África. Simultaneamente eles estruturam as mudanças na Argentina e Brasil para conquistar a totalidade da produção da soja transgênica, dentro de uma cadeia produtiva de combustível renovável e política de alimentos para pobres.

É por isso que a escala de produção na argentina, com soja transgênica já expulsou 600 mil médios produtores e há um endividamento total dos agricultores para com a Monsanto. Só está faltando que a justiça condene os mesmos a pagar seus débitos, através de longos anos de servidão, na produção de soja, em suas terras, para a empresa.

Por outro lado as crescentes demandas de combustíveis pelo povo norte-americano ficaria satisfeita e garantida com os acréscimos de parcelas significativas de combustível renovável e sustentável, requerido pelas convenções e protocolos internacionais, que agora eles não querem assinar, mas que logo todos seremos obrigados a engolir.

É de lembrar-se que ninguém no Planeta usufruiu mais que as empresas e povo norte-americano da Biodiversidade Mundial, no entanto eles foram contrários à assinatura da Convenção da Biodiversidade, na Rio-92, mas hoje conta com jurisprudência internacional para a garantia de seus interesses, pois são os maiores detentores de patentes biotecnológicas.

Saíram da “saia justa” de forma muito cômoda. Foi dito que 60% da fome do mundo poderá ser erradicada em 2018. Compreender isto, agora se torna fácil, pois é uma ação econômica e não política, de bem estar planetário.

Vejamos o porquê, através de um exemplo. No México a operação de produção de alimentos é muito mais sofisticada. Esse país integrante do Nafta, tem mais de 65% de sua população arraigada no campo como camponeses em aldeias ou ligados diretamente à terra. Para a economia globalizada, isto é um absurdo pois estas pessoas são um contingente de mais de quarenta milhões de habitantes que não consomem produtos de mercado ou industrializados e não se vislumbra potencial de mudança destes costumes étnicos.

Um mexicano consome, em média, diariamente, mais de um quilo de milho, que ele mesmo cultiva, na maioria das vezes de forma comunitária, um contra censo ao capitalismo, e para os agricultores dos EUA.

Aqui voltamos à questão da commodity ambiental, pois não é somente o hábito e a extemporaneidade deste produção fora da economia, mas principalmente, o potencial de oferta de qualidade de alimentos nobres, muito próximo ou melhor dentro, dos EUA nas novas matrizes antes relatadas. Isto é subversivo ao sistema, logo deve adequar-se às novas ordens do “milho commodity”, com todas as suas repercussões.

Ele tem um valor muito maior, logo para a economia deve ser vendido mais caro e não comido. Como fazer isto? A maneira fácil de fazer isto é muito similar à adotada na Argentina e Brasil, com respeito à soja.

A Monsanto, na Argentina vende a semente livre de documentação, para permitir o contrabando para o Brasil, onde fez ilegalmente campanhas públicas, institucionais e fomento para seu plantio criminoso e resguardo dos cônsules imperiais.

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Entre os mexicanos, eles simplesmente, obrigaram a comprar gigantescas quantidades de milho norte-americano tipo 2, subsidiado. Embora o país tivesse grandes estoques, o produto norte-americano chegou a um preço tão irrisório, que em pouco tempo o milho transgênico, nascia e contaminava os últimos rincões das serras mexicanas, berço de origem do referido cereal.

Este milho que os mexicanos culturalmente chamam de “milho para criação de animais”, diante da crescente miséria tem um grande potencial para a crematística. A questão é, os mexicanos poderiam fechar-se em copas e ignorar a globalização e unilateralismo?

Não é tão simples, em tempos de discussão da ALCA, devemos correlacionar o estranho ocorrido, em Saskatoon, Saskatchewan (Dow Jones Business News, Friday September 6), no Canadá, o produtor rural ecologista, Percy Schmeiser de 71 anos foi condenado por usar sementes de colza (canola) transgênica resistente ao herbicida Roundup, de propriedade da Monsanto (NYSE).

A alegação da empresa é que ele usou indevidamente a tecnologia dela sem comprar-lhe a semente.O agricultor ecologista, alega que as abelhas trouxeram grãos de pólen para a sua plantação e

ele usou suas próprias sementes, sem saber da contaminação. Devemos entender que o agricultor com transgênicos compra sempre as sementes ou paga “royalties” por seu replantio.

Logo ela não é mais um insumo, mas um serviço ou seja há a desmaterialização da agricultura. A condena do agricultor, que já está em nível de corte de apelações, com validade no Nafta, foi confirmada com multa de 120 mil dólares canadenses.

O que tem isto a ver com nosso assunto?

Praticamente tudo, pois os agricultores mexicanos perante a legislação do Nafta e Alca não poderão impunemente plantar suas próprias e milenárias sementes, sendo obrigados a usar e comer o milho que as empresas oferecerem.

Mas, a questão é muito mais complexa, que o mero interesse em vender milho e ativar a economia.

As empresas de transgênicos e os governos dos EUA e países da União Européia sabem que o comércio de genes, através de patentes, marcas, serviços e outros mecanismos de desmaterialização da economia, é lucrativo e exclusivista, mas tem um calcanhar de Aquiles: - Os genes que estão na natureza, ainda sem dono, são inimigos das empresas, pois eles podem fazer de forma simples o que as empresas investem milhões de dólares para obter. Isto concorre deslealmente com as criações e patentes oferecidas no mercado.

É notório que qualquer mecanismo, seja biológico, mecânico, elétrico ou cibernético têm um equilíbrio, no qual seu funcionamento é ótimo. Assim é a vida.

A partir desta melhor situação energética há a evolução de todos os órgãos, glândulas tecidos e células dos seres vivos, também em nível celular, sub-celular e nuclear. Porque não, também, nos genes?

Também os genes necessitam de energia para suas funções, formação do novo ser vivo.

Os cientistas confirmam que há uma bioquímica dos genes, logo deve haver também uma termodinâmica, com sua entalpia gênica, energia livre e entropia dos genes que nos leva à Evolução.

Normalmente, quando falamos em equilíbrio pensamos na mecânica celeste ou no planeta e seus

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ecossistemas, mas nas reações dos elétrons, que formam os diferentes compostos químicos e combinações de genes há muito mais que probabilidades estatísticas. Ao sabermos do valor do meio ambiente para a formação de proteínas, podemos prever a importância de conhecer a energia deste sobre os genes em suas combinações, para compreender o conhecimento dos agricultores na domesticação e criação de novas variedades de vegetais e sementes.

Obviamente que as empresas estão estudando isto, mas seu uso nos próximos vinte anos é algo impossível, então não há priorização, mas os campesinos e a agricultura ecológica tem demonstrado a importância deste tipo de conhecimento para compreender o proteoma. Nós podemos ajudar os agricultores compreendendo melhor o trabalho de domesticação das sementes e aumento de sua “variabilidade ambiental”.

Os camponeses mexicanos culturalmente não cultivam nem comem milho híbrido. Eles são grandes guardiãs da biodiversidade do milho.É preciso explicar. - A reprodução dos seres vivos possibilita infinitas combinações gênicas. Cada uma dela, com o meio ambiente, dá origem a múltiplas interações proteômicas, o que permite à natureza, a criação de formas (diversidade) e eficiência energética, isto é a biodiversidade. No tempo e espaço, ela transforma-se em evolução.

PG alelos aleatoriedade genótipo “ambiente” (alternativas) proteínas RE ON Evolução (TEMPO) (ESPAÇO) Biodiversidade TO EM decisão gene “ambiente” especificidade alelos OA M

AEntretanto, a ação humana de “domesticação” das espécies aumentou a procura por determinados cultivares e raças animais, através de novos casamentos e hibridações artificiais visando utilidades, mas provocou a ruptura no equilíbrio, embora de pequena intensidade.

A descoberta do “vigor híbrido”, trouxe uma grande procura por determinadas linhagens para a criação de híbridos. O sistema de proteção comercial e patenteamento destas criações o tipo de comercialização intercontinental de sementes vegetais e animais trouxe uma grande erosão genética, com altíssimo impacto nesta e em outras espécies próximas. O resultado é o estreitamento da variabilidade genética das espécies.

Agora, as empresas transnacionais criadoras daquela destruição da biodiversidade, dizem que, devido ao estreitamento da variabilidade genética, a saída é a inserção de novos genes, por meio da engenharia genética.

Sem considerar os riscos, isto trará impactos exponenciais sobre as espécies. Mas, para elas, é muito bom, pois torna-se o processo irreversível e a dominação total.

A agricultura do velho continente, nos últimos cento e cinqüenta anos, foi artificializada de tal forma que criou uma doutrina baseada na correção de efeitos provocados por seus produtos e tecnologia.

Normalmente estas correções transformaram-se em novos segmentos de mercado com lucros alvissareiros, como sementes, máquinas, fertilizantes, agrotóxicos, plantio-direto etc.

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Um gene para maior conteúdo de vitamina, riqueza de determinado mineral, constituinte, cor, aroma, sabor etc., pode facilmente ser substituído por um método de cultivo mais apropriado. Isto é tão verdadeiro que existem tipos de milho de uso medicinal entre os meso-americanos.Para os países industrializados é um pouco mais difícil compreender e aceitar isto em função dos altos níveis de produtividade, mas nos países periféricos isto é visível cotidianamente.

Por exemplo, nós cultivamos milho híbrido, mas nunca conseguimos os rendimentos dos países industrializados. Entretanto, conseguimos com técnicas apropriadas rendimento eqüitativos e economicamente de forma mais vantajosa.

Logo, estas sementes e estes métodos de cultivo são subversivos ao sistema e Ordem e devem ser destruídos. Agora é compreensível a contaminação do milho mexicano, como uma ação premeditada.

O que está dito acima, é que o gene, é a parte da semente que pode ser desmaterializada, através de uma patente, marca etc.

Contudo isto, pode ser obtido na natureza, em função da variabilidade genética e sua integração com o meio ambiente.

Então é necessário impedir este tipo de ação subversiva. Cientificamente, se sabe que é possível conseguir-se mais Vitamina C, riqueza de Lítio, sabor, cor em um ser vivo, através de um método de cultivo, sem a inserção de um gene específico para produzir isto. E isto é muito mais barato, seguro, e “qualidade” que tal inserção do gene estranho. Podemos provocar: Estes são os “Nutricêuticos Naturais”, um passo além dos que a engenharia genética anunciam como redenção.

Hoje, faz-se alvoroço, provoca-se fascinação e estupefação com os algodões coloridos, como um grande avanço da engenharia genética, mas os algodões coloridos, são uma conquista das observações das interações de genes e fenótipos feita pelos indígenas meso-americanos há mais de dez séculos.

A imprensa faz propaganda do resultado dos projetos genomas de diversos organismos, inclusive do homem, causando fascinação e estupefação, mas isto é enganoso, fantasia no interesse das empresas transnacionais.

Quando os cientistas fazem política e apologia sobre transgênicos e seus “genomas”, há uma contradição, pois ele os vê como “sujeito”. Quando qualquer camponês ou indígena latino-americano, africano ou asiático sabe e culturalmente tem presente e afirma, que mais importante que o genoma é o “proteoma”, o faz pois ele tem o gene como um “objeto”.

Charles Darwin (1850), muito antes dos trabalhos de Mendel, já afirmava, em “Origens do Homem”, o meio ambiente interage com os genes e o resultado são características diferentes em função da expressão diferenciada dos genes.

A ciência também sabe, mas para o mercado isto é um sério inconveniente. Então é necessário subjugar e subverter a ciência. É isto que está ocorrendo em todas as academias, onde o poder não é de capitais diretamente, mas de quem domina a informação e o conhecimento e o realiza de forma racional.

Os genes expressam proteínas. Elas só podem ser comercializadas de forma exclusiva (protegida por patente e serviços), como um produto industrial, mas não podem ser patenteadas através de um

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gene. Elas são a expressão da integração do ser vivo com o meio ambiente. Por exemplo, um ovo de réptil permite que nasça macho ou fêmea conforme a temperatura de incubação; uma chinchila iluminada com determinada lâmpada permite nascer somente machos ou somente fêmeas. O que gera uma abelha rainha é a sua alimentação com geléia real, já que a constituição genética é a mesma de suas irmãs.

No primeiro caso, somente a incubadora, onde vão os ovos do réptil é passível de patente; da mesma forma, no segundo caso, a lâmpada de iluminação, pois o demais fatores são ambientais. Com a abelha torna-se mais difícil, pois a geléia real varia de espécie para espécie e de local de sua produção, o que impede sua patente ou processo de desmaterialização.

O milho não é uma espécie que venha de uma evolução de 150 milhões de anos. Ela é resultado da intervenção humana e sua criação tem menos de vinte mil anos. Logo os genes do milho tem pouquíssima variabilidade genética de uma espécie para outra. Os milhos diferem dos Teosintles, seus ancestrais, por apenas dois genes.

Se todas as espécies e variedades de milho são tão homogêneas geneticamente , como explicar sua grande biodiversidade, pois conhecemos espigas de milho que têm 3 centímetros de comprimento e outras com 90 centímetros e ambas tem os mesmos genes.

Podemos dizer que foi a curiosidade de obter o mesmo grão, que se via crescer sobre um ambiente, nas serras mexicanas, América Central e do Sul, que levou aos indígenas a plantá-la sobre outros ambientes de grande variabilidade em pequena distância, que criou, com o tempo, esta variabilidade.

O que o homem conseguiu na domesticação do milho foi criar múltiplas funções por meio de sua interação com o meio ambiente, fazendo que um mesmo gene tenha infinitas integrações, para originar infinitos tipos de proteínas diferentes conforme as condições de cultivo.

Torna-se necessário conhecer esta grande “variabilidade”. Somente os camponeses mexicanos peruanos, bolivianos e colombianos tem está memória e história registrada. Este é o grande valor que há por detrás de cada espécie de milho cultivada nos últimos vinte mil anos e ai está a grande importância das populações e comunidades tradicionais.

O segundo exemplo é mais contundente: Todas as raças de cães possui o mesmo ancestral, que é o lobo.Os arqueólogos dizem que o processo de domesticação dos lobos iniciou-se a mais ou menos dez

mil anos na região da Kirkuk, no atual Iraque. Os biólogos moleculares dizem que todas as atuais raças de cães existentes no planeta têm os mesmos genes. Novamente voltamos a afirmar que a diferença entre essas raças, como no milho deve-se ao ambiente. É importante saber-se qual o mecanismo que faz com que todos os genes plasmem proteínas diferentes e crie essas raças tanto no milho como nos cães?

Quando a ciência diz que o homem e o rato têm 99,5% de mesmos genes, poderemos esperar que em poucos anos teremos condições de encontrar quais os principais fatores e condições culturais e ambientais necessitam um determinado gene para comportar-se de forma tal no rato, que não no homem.

Veremos então que o importante não é a inserção de um transgene, mas o conhecimento de todo o potencial do gene que temos em nossos genomas.

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O importante então são as proteínas que estão potencializadas nos cromossomos e isto é muito mais importante que a inserção de um gene de interesse de determinada empresa.

Materializar o conhecimento das populações tradicionais de nossos indígenas, camponeses, quilombolas e outras é fundamental para a agricultura, nutricêuticos, cosméticos, fármacos e produtos bio-industriais.

Infelizmente a heteronomia não permite esta visão e estudo.

Conhecemos, no México, o “maíz negro”, logo percebi o seu valor pelos pigmentos antociânicos, para prevenir ou corrigir distúrbios dos radicais livres e contaminações alimentares.

Os agricultores mexicanos, com a sua coleção e cultura do milho não precisam de precisão ou “qualidade extrínseca” para produzir e competir vantajosamente com as gigantescas transnacionais de transgênicos. Eles têm um poderoso manancial de expressões ambientais de um genes, criados para cada ambiente e prontos a responder à ativação do meio ambiente. Seu conjunto é o proteoma.

O gene industrial da economia, para ter valor ele deve ser inserido em determinado ser para suprir uma necessidade. Entretanto, não é somente através de inserção de genes estranhos que uma necessidade pode ser suprida, há outras alternativas.

As empresas de transgênicos e os governos dos EUA e países da União Européia sabem que o comércio de genes, através de patentes, marcas, serviços e outros mecanismos de desmaterialização da economia, é lucrativo e exclusivista, mas há calcanhares de Aquiles:

1 - Os genes que estão na natureza, ainda sem dono, são inimigos das empresas, pois eles podem fazer de forma simples o que as empresas investem milhões de dólares para obter. Isto concorre deslealmente com as criações e patentes oferecidas no mercado. É necessário controla-los ou destruí-los.

2 - A inserção de um gene para maior conteúdo de vitamina, riqueza de determinado mineral, cor, sabor etc., pode facilmente ser substituído por um método de cultivo mais apropriado. É cientifico que cultivando legumes, cereais, hortaliças e frutas podemos aumentar a produtividade, riqueza mineral, vitaminas, cor, sabor, durabilidade etc apenas com métodos de cultivos mais ecológicos.

Aproveitando a variabilidade das sementes e primando pela interação com o meio ambiente isto é facilmente conseguido. Esta é a base da agricultura ecológica. Mas, estas sementes e estes métodos de cultivo são subversivos ao sistema e Ordem e devem ser destruídos. Agora, é compreensível a contaminação do milho mexicano e a sentença contra o agricultor ecologista canadense.

O que está dito acima, é que o gene é a parte da semente que pode ser desmaterializada, através de uma patente, marca etc. por que não se pode vender o meio ambiente.Há mais de trinta anos que isto é cientificamente conhecido, mas não é do interesse da indústria e governos, embora seja mais barato, seguro e mais qualidade.

Os agricultores mexicanos e do mundo, com a sua coleção e cultura do milho não precisam de precisão ou “qualidade extrínseca” da inserção de transgenes, mas os super-mercado e indústrias do Complexo Agro-Industrial-Alimentar-Financeiro sim precisam e muito.

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Os transgênicos condenam a pequena propriedade familiar ao desaparecimento, através da escala, mas primeiro transforma o agricultor familiar em servidão. A Monsanto diz que esta tecnologia não é para pequenos. Conseguimos enfrentar a avalanche dos transgênicos desta empresa. Agora sabemos da denúncia do professor Charles Hagedom, um especialista em ação conjunta com a extensão rural da Universidade de Virgínia e U.S.D.A., que a ação das empresas de biotecnologia e transgênicos é “um caso já descrito na literatura científica no qual o desenvolvimento comercial e marketing das empresas ficam acima da ciência.”. Ele vai mais longe, quando alerta para que ervas daninhas resistentes ao Glyphosate são sério problema nos mais de cem mil hectares de soja no oeste do Tennessee.

Já, 63% dos agricultores norte-americanos abandonaram a tecnologia transgênica do algodão Bt resistente a insetos, por considerarem desnecessárias e antieconômicas.Ambos fatos reconhecidos na revista New Scientist, em 17 de agosto de 2002.

Entretanto isto não significa que os agricultores poderão voltar aos seus cultivos, pois já não se encontram sementes de qualidade que não sejam transgênicas.

A quase totalidade dos sojicultores argentinos estão penhorados com ela, sem condições de pagar.

Como viabilizar a Reforma Agrária e a estrutura agrária existente em todo o mundo em desenvolvimento?

Será por isso que os latifundiários apóiam o plantio ilegal de transgênicos?

Eles sabem que no mundo dos transgênicos, a terra não é mais poder, nem patrimônio, apenas, e tão somente, instrumento de transformação econômica.

Os governos, sob pressão, relutam, mas a distribui aos movimentos sociais. Cumpre tardia missão.Transitória, pois o pacote transgênico impede a existência ou sobrevivência da pequena

propriedade familiar ou assentamentos de Reforma Agrária, pela falta de escala financeira e econômica e sustentabilidade sócio-cultural.

A elite latifundiária, com esta leitura, se regozija e não se contradiz ao posicionar-se favoravelmente aos transgênicos. Ela sabe que transgênicos necessitam de grandes áreas com possibilidade de expansão (fronteira agrícola) o que vem de encontro aos interesses e remete toda e qualquer disputa pela posse da terra ao passado das aspirações dos Séculos XIX e XX.

Finalmente podemos chegar à commodity ambiental.

A produção agrícola ecológica por razões da Nova Ordem Internacional não pode ter a escala e dimensão da agricultura industrial, logo se ocupará das áreas de pequena propriedade familiar, através da organização que permitirá a escala comercial para satisfazer os interesses do complexo-agro-industrial-alimentar-financeiro.

As pequenas propriedades de uma região podem organizar-se como quiserem, mas dificilmente terão condições para competir com os supermercados e CAIAF, pois não tem como pagar os custos de serviços, satélites, certificações, e os demais agregados energéticos de valor e escala. As organizações de pequenos não geram commodities.

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Uma grande região (bioma) tem uma identidade geográfica, climática, mineral, social, econômica, que muitas vezes é mais identificável em si que com o restante do próprio país. A pampa úmida é um exemplo entre Uruguai, Argentina e Rio Grande do Sul é mais homogênea que os países onde ela está inserida. O mesmo ocorre na região com o Chaco, parte da Bolívia e Paraguai ou o Altiplano.

A qualidade e identidade do produto agrícola é mais uniforme, padronizável para atender o comércio, pois os minerais presentes, as proteínas expressadas são mais homogêneas.

Agregando critérios e parâmetros geográficos e sociais (IDH), gênero, etnia, religião, comportamento etc., temos uma mercadoria com identidade total e através de seus controles via satélite podemos ter em escala planetária uma cotação de valor e preço em bolsa de mercadorias.

Com isto a pequena propriedade rural passa a ser estratégica para os investimentos de produtos de altíssimo retorno e qualidade, mas isto também significa um caminho certo e seguro para a servidão humana.

Os principais instrumentos de dominação na agricultura são propaganda, crédito, terra, insumos e políticas públicas.

Na extensa análises feita vemos que nos resta como mecanismo de resistência as sementes. Em 1992, montamos o projeto sobre “sementes agroecológicas” BIONATUR, que ofertamos ao MST.

Depois criamos a Rede Pedagógica de Sementes BIOMATER, que ofertamos à UITA.

Semente para nós é vida, mas para eles, apenas, negócio. É um gigantesco mercado e instrumento de poder e dominação.

Se você pensa que Parmalat, Tchernobyl, Certificação, Algodão Mocó, Populações Tradicionais, Informação e etc., nada tem a ver com sementes. Desculpe mas somos contrário e não queremos ser desinformado, ou melhor, formatado pelas empresas.

Elas apresentam o “blefe”, que é a inserção de genes. O genoma é o seu catálogo de vendas.

Nossa resposta deve ser proteoma, pois não há como vendê-lo. O proteoma é um sistema de sistemas que está na memória das nossas populações tradicionais, no meio ambiente e natureza. Muitos camponeses e pequenos agricultores familiares os têm como reminiscência latente. Por ter esta energia é que eles podem transformar-se em produtores de sementes ecológicas.

O título deste início são pouco conhecidos, mesmo entre os técnicos da área agrícola, mas são de vital importância para a compreensão da energia e do que ocorreu, está ocorrendo e ocorrerá, com a matriz biotecnológica na vida do planeta.

Em nossa cartilha da “Energia Vital”, diz: Energia é toda força que flui da matéria e se transforma infinitamente. Energia é, também, o alimento de todos os seres vivos. Energia é poder.

Este livro busca esclarecê-lo e informá-lo sobre energia na agricultura, mas não como um “insumo”.

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Para Sabinin, “o tempo nada mais é que, o registro do movimento”, assim sendo, houve o tempo dos mitos, que deu espaço à religiosidade e esta à racionalidade científica e posteriormente à comodidade tecnológica e consumista. Hoje fala-se em holística e sustentabilidade, mas o que vemos é marketing e consumo de ambas.

A mitologia grega ensina que, Tétis era uma Nereida, filha de Urano e Geia, que casou-se com Oceano e deu origem a Métis, deusa encarregada de dar, sempre, maior rapidez e precisão a tudo.

Rapidez e precisão são dimensões do conhecimento que acionam o progresso. Este é o paradigma. Podemos, então, dizer que, Métis é a deusa do desenvolvimento.

Na sociedade industrial, tivemos já várias fases, estamos ultrapassando a “fase do modernismo”, recolhendo seus louros e conseqüências, mas em transição para a “fase sustentável”, que engloba questões de economia, racionalização de energia e quer alcançar o íntimo da natureza, como matriz energética e industrial.

É um período de confusa transição. Uns anunciam novas teorias, ressonâncias mórficas, endobioses e outros os denunciam como espirituais, místicos, não-científicos etc.

Grandes empresas e governos confundem, em proveito próprio, temas tecnológicos para o mercado, como se ciência fossem, causando reações, desinformações e caos. Isto também faz parte da evolução social.

Porém, não há com que preocupar-se, Albert Einstein disse: "É mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito".

Nas Universidades, Institutos de Tecnologia, Palácios de Governos e Ambientes das elites periféricas há, hoje, uma grande preocupação entre acadêmicos e intelectuais, mas atem-se clericais aos valores do termo paradigma.

Ele vem sendo repetido seguidamente, como forma de criar uma atmosfera de erudição, cultura e controle intelectual das atuais crises nas sociedades periféricas, procura esconder as pretensões dos organismos internacionais da governabilidade mundial e transnacionais.

O texto abaixo é um ótimo exemplo e exercício.

"Como se cria um paradigma."

Um grupo de cientistas colocou cinco macacos em uma jaula, em cujo centro colocaram uma escada. Sobre ela, um monte de bananas.

Quando um macaco subia a escada para agarrar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água fria sobre os que ficavam no solo. Depois de algum tempo, após várias repetições do experimento, quando um macaco ia subir a escada, os outros o agrediam furiosamente.

Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia a escada apesar da tentação das bananas. Então, os cientistas substituíram um dos macacos.

A primeira coisa que fez o novato foi subir a escada, sendo rapidamente abaixado pelos outros, a golpes.

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Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo já não subia mais a escada.

Um segundo macaco foi substituído e ocorreu o mesmo. O primeiro substituto participou com entusiasmo da surra ao novato.

Um terceiro foi trocado e o fato se repetiu. O quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído.

Os cientistas encontravam-se então com um grupo de cinco macacos que, embora nunca tivessem recebido um banho de água fria, continuavam golpeando aquele que tentasse chegar às bananas.

Fosse possível perguntar a alguns deles porque agrediam quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria: "Não sei, as coisas sempre foram assim, por aqui..."

Este fato soa algo conhecido para ti? Onde? Nas Universidades, Institutos de Tecnologia, Palácios de Governos e Ambientes das elites periféricas?

Nada mudou, criticava-se a Igreja, mas tudo continuava idêntico, até mesmo a igreja. O arcebispo anglicano Ussher (1850), dizia que a data exata da criação do mundo era 22 de outubro de 4004 antes de Cristo, às nove horas da manhã, para contrariar as descobertas de Charles Darwin.

Em 1857, Philip Henry Goose, um cientista, na área da biologia marinha, desesperado em manter a tradição, afirmava que Deus criou todos os fósseis ao mesmo tempo que criara Adão e Eva.

Era um paradigma desmoronando.

O livro de Darwin, “Origem das espécies por meio da seleção natural ou a Conservação das raças favorecidas na sua luta pela vida”, publicado em 1859, segundo sua biografia, foi possível, devido a interpretação do livro de Malthus sobre o crescimento da produção de alimentos e crescimento da população, de teor político. Nela há a descrição de um experimento ecológico, em horticultura, onde demonstra que a produtividade aumenta com sua biodiversidade.

Em uma época onde não se conhecia, ainda as leis da genética, pois Mendel recém estava realizando seus trabalhos com ervilhas, Darwin já escrevia (1862) “Fertilização das orquídeas britânicas e estrangeiras por meio de insetos e os bons efeitos do entrecruzamentos”. Em 1876, ele escreveu “Os efeitos dos cruzamentos e a autofertilização no reino vegetal”.

Ele já havia escrito em 1868, “As variações em plantas e animais submetidos à domesticação”.Coroou sua obra com o livro “A formação do solo vegetal através das minhocas, com a

observação dos seus hábitos”.

Estes cinco livros nos mostram a percepção do valor do meio (ambiente) na herança e evolução dos seres vivos. Considerando as mudanças provocadas por Darwin, cabe a pergunta: Qual seria a reação de Darwin sobre os transgênicos, se ele estivesse entre nós? Nas respostas, do sábio inglês, seguramente entrariam elementos de trofobiose e proteômica. A matéria jornalística, abaixo, permite essa audácia.

Matéria jornalística da Dow Jones

O paradigma vigente é meticuloso (ação de Métis), busca o crescimento da economia, nada mais.

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Nele, os organismos geneticamente modificados (OGM) e transgênicos são apresentados pela mídia e academia como um avanço científico, embora estejam apenas em sua infância, representam maior rapidez e precisão dentro da fase moderna da economia. Contudo, na nova fase da “sustentabilidade”, eles significam retrocesso e necessitam uma re-significação.

O biólogo britânico Barry Commoner, nos diz: “Se os transgênicos fossem bons a natureza já os haveria criado nos 3.800 milhões de anos que existe vida na terra.”.

É uma referência ao registro do movimento dos genes, o que não parece ser levado em conta pela comodidade e consumismo.

Para compreender o primeiro postulado de Commoner, é necessário estudar a energia e sua transformação pelos seres vivos vegetais.

A energia atua sobre os seres vivos como um todo, quanto mais complexo e evoluído for este ser mais difícil é analisar separadamente sua transformação energética, pois sua evolução é, também resultado de uma melhor conversão da energia e complexidade da mesma, através dos tempos.

Transparência sobre Energia e Vida

Estudamos que o “Big Bang” transformou a energia existente no Universo, criou partículas (quark, elétrons, nêutrons e prótons) e matéria (átomos, moléculas, elementos, compostos, complexos químicos) suas transformações no tempo e no espaço deram origem à Vida há aproximadamente 3.800 milhões de anos. Há 2.500 milhões de anos apenas surgiram os vegetais realizadores de fotossíntese, contudo os vegetais terrestres não se desenvolvem até o Devônico, há uns 350 milhões de anos.

Os vegetais com frutos surgem no Carbonífero por volta 240 milhões de anos.

É no Cretáceo que há 120 milhões de anos surgem as primeiras plantas com flores, chamadas de Angiospermas.

Desde, o “Big Bang” até o surgimento das primeiras flores passaram-se mais de 10.000 milhões de anos e do surgimento do primeiro ser vivo mais de 4. 300 milhões de anos.

Entretanto, nós nem sabemos quanta energia foi transformada na evolução para criar as flores, suas cores, formas, perfumes, néctares, durabilidade etc....

Todos os seres vivos são dependentes de ciclos da natureza e a estacionalidade é uma característica importante na evolução dos vegetais.

Quando vemos todos os ipês de uma praça florindo simultaneamente e na mesma época ano após ano ou as laranjeiras amadurecendo seus frutos quase na mesma data, ano após ano, não percebemos o vínculo entre evolução e ambiente, nem como isto é importante para o estudo das transformações energéticas.

A fenologia é um ramo da Ecologia, estuda os fenômenos periódicos nos seres vivos e suas relações com as condições ambientais, tais como temperatura, luz, umidade, migrações (aves, peixes e

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outros animais), hibernações, mudança de pele etc.

Conforme variam os fatores climáticos, há alteração nos fenômenos (fases). O registro de tais fenômenos, nos séculos passados eram importantes, pois seu conhecimento permitia descobrir os mecanismos de controle dos seres vivos. O sucesso da “vernalização” de trigos, na URSS (Rússia) a fez progredir .

Após a Segunda Guerra Mundial, quando os físicos estavam fascinados com a energia nuclear e construíam aceleradores de partículas – CICLOTRONES - , também se construíram - FITOTRONES -, para estudos fenológicos.

Outros países, mais humildes, optaram pela instalação de “hortos fenológicos” para a determinação das isófanas (cartas com as linhas de mesma data de fenômeno).

Como estes hortos deviam ser totalmente homogêneos, não podia recorre-se ao uso de sementes, pois sua variabilidade genética alterava os resultados das observações. Estes “hortos” eram implantados através da “clonagem das plantas”, assim se evitavam influências e interação com o ambiente.

Hoje, os estudos energéticos nos seres vivo s não são mais priorizados, nem a fenologia continua essencial, pois o avanço tecnológico & industrial se dá sobre os produtos lançados para o consumo na agricultura.

As três funções fundamentais de um ser vivo, através dos tempos, são: NUTRIÇÃO, REPRODUÇÃO E PROTEÇÃO. Cada uma delas influí sobre as outras duas e vice versa ou seja, as três estão interligadas, na busca de equilíbrio e harmonia.

Podemos visualizar isto, como as três pás de um cata-vento.

Transparencia do Catavento 3

Este equilíbrio harmônico é dinâmico e quanto melhor sincronização, maior é o rendimento energético, que ao longo do tempo geológico permite a evolução para “variedade”, raça, cultivar e espécie.

Todo ser vivo está em íntimo contato com o meio ambiente, que lhe fornece as energias externas (Ee), para transformar em sua energia interna (Ei), para ativar as pás do cata-vento.

Qualquer fenômeno energético que age sobre uma pá, altera o equilíbrio das outras duas e todo desempenho energético do, e no ser vivo.

O ecossistema era o fornecedor de toda a energia externa que o ser vivo internalizava através de seu metabolismo para a formação da energia interna. Na Sociedade Industrial isto pode ser feito através do homem, rompendo o equilíbrio entre as condições de nutrição, reprodução e proteção.

Considerando o tempo e o espaço para as transformações desta energia do ecossistema em energia interna temos elementos para o aprimoramento, seleção e evolução destes indivíduos já mais homogeneizados.

Quanta energia-alimento a mais é necessária na pá nutrição, para transformar em energia reprodução e energia proteção no sistema alterado?

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Voltando ao início dos tempos, os primeiros seres vivos multiplicavam-se por brotação, depois por troca de material genético entre os país, que formava o novo ser e para isto era necessário contar com a ajuda da umidade, muito depois do vento, por fim dos insetos.

Em cada etapa desta adaptação evolutiva, muita energia era transformada com um rendimento diferenciado. Para melhor compreender isto é suficiente postar-se sob uma conífera na época de “floração” e verificar o depósito de pólen sobre a superfície e comparar com a quantidade de pólen que produz uma margarida ou girassol.

®EVOLUÇÃO

Os agricultores antigos, observaram que a semente de uma fruta, plantada, demorava muitos anos até chegar a puberdade e produzir seus primeiros frutos. Eles queriam rapidez. Muitas vezes, este fruto não era da mesma qualidade, que o da planta-mãe. Eles necessitavam precisão.Descobriram que era possível plantar por meio de galhos (estacas) ou outras partes de um vegetal e abreviar o tempo, além de garantir meticulosamente a mesma qualidade dos frutos.

Os mesmos agricultores, posteriormente, perceberam que era possível unir-se uma parte de um galho de uma planta a outra, obtendo a “enxertia” de ambos.

A curiosidade também levou o agricultor a tomar um galho (estaca) muito jovem e “enxertar” sobre um ramo mais velho, obtendo no galho novo frutos, pois a “enxertia” acelerava a maturidade.

Algumas espécies eram facilmente enxertadas ao passo que outras não. É possível, realizar enxertias de espécies sem qualquer parentesco, pois os vegetais não desenvolveram um sistema imunológico semelhante ao dos animais.

Embora existam, hoje, "estudos de vacinas vegetais”, não há defesas imunológicas ou a formação de anticorpos vegetais. Os vegetais reagem às agressões externas ou influências ambientais.

Quando o estimulo cessa, não há mais reação, por isso se diz que os vegetais não têm câncer.

As modernas “vacinas vegetais industriais”, nada mais são que plântulas colocadas na presença de um agente causador de doenças, para provocar uma memorização da planta e ativação de sua memória genética para a produção de certas proteínas (fitoalexinas), pelo qual ativam o mecanismo de síntese quando este agente se fizer presente.

Os enxertos em vegetais prosperam, porque recebem energia e podem transformá-la sem impedimentos. O agricultor busca estas vantagens de tempo e qualidade e lhe dão o nome de produção.

Entretanto a produção ou produtividade (sua unidade espacial/temporal), passarão a intervir em cada uma das três pás da transformação de energia anterior, com todas as conseqüências inimagináveis, pois os produtos e técnicas industriais são carregados de energia.

Transparencia do catavento de 4

A produtividade não é parte integrante do sistema. Ela é simbolicamente a “pá amarela” inserida no cata-vento, por vontade humana. Ela altera o equilíbrio e obriga agregar constantemente energia.

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Logo uma alta produtividade não significa nada no sistema energético de um ser vivo. É apenas um indicativo de desequilíbrio ou prenúncio de morte próxima.

A restauração do equilíbrio passa por encontrar a sustentabilidade das três pás.

Voltemos à imunologia. Nos animais existem sistemas imunológicos que impedem “enxertias”.

Uma comparação, ainda que grosseira, entre a vida vegetal e animal mostra que em animais já é possível o re-implante de um membro mutilado, mas o transplante de órgão de indivíduo em outro é muito complicado.

A medicina alcançou o transplante de rins e outros órgãos, que, hoje, são corriqueiros.Contudo, os transplantados devem obrigatoriamente tomar medicamentos para evitar a

rejeição do órgão transplantado, pois embora existam compatibilidades histológicas e metabólicas, as células e tecidos nativos reagem e procuram eliminar o órgão “intruso”, pois as suas proteínas não são geneticamente compatíveis com as do corpo.

Porque isto não ocorre com os vegetais?

As proteínas são construídas por ordem dos genes, que desde dentro do núcleo das células enviam mensagens através ao RNA mensageiro, para que os lisossomos comecem a fabricá-las dentro do citoplasma e sejam distribuídas para todo o corpo, alcançando o órgãos desejados cumprindo suas funções essenciais (nutrição, proteção e reprodução).

Nos humanos transplantados, muitas proteínas do rins original extirpado, continuam sendo fabricadas, pois há um órgão que funciona; mas há, também, as proteínas do rins estrangeiro, invasor, sendo fabricadas e o sistema imunológico vê-se obrigando à sua expulsão, impedido pela intensa medicação para evitar tal fenômeno. Por isso os transplantados tem uma perspectiva de vida encurtada.

O gene, todos sabemos, conforme o indivíduo e habitat expressa ou não uma proteína. Isto provoca uma repercussão.

GENE ®HABITAT ®EXPRESSÃO PROTÊICA ®REPERCUSSÃO

As grandes corporações transnacionais de desenvolvimento tecnológico estão à procura de identificar e patentear “genes” para seus interesses e produtos da biotecnologia.

Este gene é um mero registro funcional, mas instrumentaliza, como ferramenta um poder comercial (marca & patente). Seu funcionamento opera com a interação ao ambiente e energia, para expressar a proteína de interesse (produto).

Evidencia-se que, o importante não é o gene, mas o produto (proteína), contudo ela não pode ser patenteada, pois é resultado da interação da ferramenta (gene) com o meio ambiente e energia. Estes dois últimos (meio ambiente e energia) são fatores impossíveis de serem particularizados. Então, os investimentos e corrida tecnológica está em acessar a biodiversidade, identificar, isolar e patentear os genes, que expressem produtos de forma fácil para servir de meios para se alcançar fins mais complexos.

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Por isso é tão propagandeado os estudos de genomas (Humano, Xilella, Bacillus subtilis etc.) diversos, embora o mais importante é saber quais são as proteínas e em que condições os genes a expressam.

O conjunto de todas as proteínas de um ser vivo recebe o nome de proteoma.

Sua ciência é a PROTEOMICA e o seu alcance se torna inacessível, agora, mesmo para as grandes corporações transnacionais que não tem mecanismos, nem recursos econômicos e humanos para o conhecimento das proteínas.

Para que os genes, as células, os tecidos e órgãos cumpram suas funções “essenciais” de nutrição, reprodução e proteção, é necessária ENERGIA.

Todos os seres vivos necessitam de energia para manter sua condição vital, que é obtida através dos alimentos, nas condições onde habita.

É bem sabido que entre os seres vivos, tanto animais quanto vegetais, quanto mais bem nutridos e ambientados estão, maior resistência, produtividade possuem, pois transformam com maior rendimento sua energia vital.

Desde o Século XV, os cientistas sabiam que ao alterar-se condições ambientais dos vegetais as suas reações metabólicas eram alteradas, mas somente no Século XX é que o cientista francês Francis Chaboussou elaborou a Teoria da Trofobiose, ou seja a saúde (proteção), através da nutrição, para os vegetais.

Esta teoria permaneceu desconhecida até o início dos anos oitenta, quando no sul do Brasil, o engenheiro agrônomo e ambientalista José Lutzenberger fez sua releitura, dentro do quadro político, da situação da agricultura industrial mundial e denunciou escandalosamente os impactos “ignorados”, pela tecnologia (indústrias), burocracia (governos) e conhecimento (academias).

O trágico é que o eminente cientista Professor Arthur Primavesi, citado na bibliografia de Chaboussou, foi expulso da Universidade Brasileira (UFSM), por seus estudos sobre trofobiose em arroz, em 1964. Ele questionava que a procura à produtividade era antagônica à sustentabilidade, equilíbrio sócio-econômico-cultural.

Para plena compreensão da Teoria da Trofobiose, devemos ir ao interior do núcleo da célula.

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Todo melhoramento vegetal desde o Século XIX visou maior produtividade, usando os fatores de resistência e qualidade como meio.

Em nome desta produtividade foram criadas as sementes selecionadas e híbridas, para atender os perfis da sociedade industrial (crédito, fertilizantes, máquinas e agrotóxicos).

Contudo, as transformações energéticas intrínsecas no metabolismo das plantas não foram levadas em conta. Muitos cruzamentos dirigidos, na procura de produtividade, qualidade e resistência causaram um estreitamento gigantesco na variabilidade genética das plantas cultivadas.

Hoje, as mesmas empresas, governos e conhecimento criadores do estreitamento e erosão genética são os precursoras, que anunciam o futuro dourado da biotecnologia, organismos geneticamente modificados e sementes transgênicas.

Para o poder financeiro da sociedade industrial, eles significam o alcance da escala planetária, para os negócios da agricultura e fim da possibilidade de busca de alimentos na natureza.

As questões adjacentes e periféricas sobre os riscos e impactos sobre os OGMs e transgênicos, nem sequer preocupam os detentores de governo e conhecimento.

O desenvolvimento Agricultura Ecológica ou Orgânica, denominada por alguns de Agroecologia, trouxe um elemento novo de compreensão, na questão da energia nas plantas e na agricultura.

Com a disseminação do uso de biofertilizantes e biofertilizantes enriquecidos, em baixíssimas dosagens, mas com efeitos trofobióticos fantásticos, foi possível enquadrar as questões energéticas, até mesmo em um nível molecular.

O Equador é o maior exportador de bananas e gastava mais de 250 milhões de dólares, com fungicidas, nas tentativas de controle da enfermidade fúngica sigatoka negra (Mycosphaerella fijiiensis). Com o trabalho do engenheiro agrônomo Jairo Restrepo, eles começaram a produzir biofertilizantes enriquecidos anaeróbicos e já obtém bons resultados, em mais de 30 mil hectares.

De tal sorte, que os compradores da União Européia, que tinham determinado o fim do uso dos fungicidas, até 2008, com os resultados antecipou a meta para 2005.

Tivemos oportunidade de atender o convite de produtores de bananas, empresários e cientistas cubanos do Centro Internacional de Biotecnologia, de Guaiaquil, para “ajudar” com esclarecimentos sobre o funcionamento dos “bioles”.

Desde o início (1983), estivemos preocupados com a base teórica sobre a ação e funcionamento dos biofertilizantes. Incluso realizamos as análises microbiológicas e de qualidade dos mesmos, mas guardamos isto para o enfrentamento com a academia heteronômica e transnacionais.

Os biofertilizantes são o resultado de uma fermentação (alcoólica, lática, glutâmica e do Bacillus subtilis).

Os organismos microscópicos produzem durante o processo fermentativo a totalidade de substâncias que custam alta e complexa energia do metabolismo secundário.Assim, as vitaminas,

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fitohormônios e enzimas são produzidas e evolutivamente cedidas às folhas, raízes e outras partes das plantas. O resultado das aplicações de biofertilizantes são tão fantásticos quanto inesperados.

Agora, a preocupação que o bioquímico molecular cubano nos traz, permite e obriga aprofundar, a ação molecular ou celular dos biofertilizantes.

Da mesma forma como os fertilizantes e agrotóxicos alteram energeticamente os vegetais, todos sabemos que, nos cultivos orgânicos, quando se utilizam biofertilizantes, eles ficam com maior densidade, maior perfume, durabilidade pós-colheita e mais ricos em vitaminas e sais minerais. Isto é explicado pela maior intensidade metabólica, atividades das enzimas e coenzimas e mecanismos fisiológicos de regulação.

O cultivo de banana é um clone, ou seja todos os indivíduos de uma plantação são descendente de brotação de uma mesma planta-mãe.

Os “especialistas” na produção de banana industrial sabem que uma “soqueira” de bananas apresenta simultaneamente cinco idades diferentes.a) gemas para a produção dentro de quatro anos; b) gemas para a produção em três anos; c) broto de pseudo-caule para a produção dentro de dois anos; d) broto para o próximo ano e planta adulta em floração/frutificação. Como aplicar Potássio, sem provocar desequilíbrios se há cinco estágios diferenciados de sua necessidade?

A respostas está em deixar que apenas uma aplicação e através da vida no solo as partes do vegetal possam elaborar a sua concentração adequada. Esta transformação energética pode ser facilmente mensurável.

No laboratório, “in vitro”, é possível observar o resultado das aplicações de biofertilizantes sobre células e tecidos, mas “in vivo”, é mais importante, pois os parâmetros podem ser observados mesmo a olho nu.

A identificação de uma “nova proteína” é o resultado da interação do biol com o genótipo da bananeira, provocando a “desrepressão” da ação de um gene.

A leitura desta proteína perante o ataque de “sigatoka negra” (e também de outras doenças) nos dá a ação da referida proteína, sendo possível a triagem de sua ação dentro do metabolismo da planta nos cinco diferentes estágios, quando ela surge, se intensifica ou desaparece..., e quais os fatores ambientais que a faz variar.

No caso da sigatoka negra, o resultado da aplicação de “bioles”, permite observar as alterações nas células das plantas tratadas em comparação com a mesma planta sem o tratamento, pois ambas são clones geneticamente idênticas.

Logo, qualquer diferença encontrada nas plantas tratadas, na forma de proteínas presentes, significa expressão de genes, que podem ser identificados e traçeados (traceabillity) no genoma da banana. Isto permite ir além, determinando todas as proteínas (surgidas) estimuladas pelos biofertilizantes e os genes responsáveis por sua expressão, além das condições energéticas para sua inibição, bloqueio etc.

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As funções destas proteínas perante a nutrição, reprodução e proteção da banana (vegetal) permite encontrar os mecanismos energéticos e integrações ambientais (ecossistema), para a produtividade e outros aspectos de importância para a agricultura, como veremos mais adiante.

Poderíamos aprofundar e muito aqui, mas isto generalizaria para a questão da banana, que os próprios bioquímicos moleculares cubanos terão melhores condições de elucubrar. Para nós é significante que tenhamos a noção da ação dos biofertilizantes e sua fundamentação.

Para a compreensão séria de tudo isto é necessária a abordagem exaustiva da energia nos vegetais.

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