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14 Cidade Nova • Janeiro 2014 • nº 1 CN EM SÉRIE Carga pesada MARTINA CAVALCANTI [email protected] Portos, por quê? ão 8,5 mil km de costa lito- rânea e 90% das exportações feitas por transporte marí- timo. Ainda assim, o Bra- sil investe apenas 0,8% do PIB em transporte de cargas. Não é à toa que amarga o 130º lugar entre 142 países avaliados no quesito quali- dade dos portos em relatório do Fó- rum Econômico Mundial. A precária situação portuária afe- ta a competitividade internacional do país, inclusive quando o assunto é a sua principal commodity: a soja. A safra deste ano deve bater novo re- corde, mas faltou infraestrutura para o escoamento. Principal importador do grão do Brasil, a China chegou a cancelar a compra de um carre- gamento de 600 mil toneladas por causa do atraso provocado pelas ex- tensas filas de embarque no Porto de Santos, em março do ano passado. “Tem soja nos Estados Unidos e na Argentina, países que acabam sendo escolhidos em caso de atra- so”, diz Glauber Silveira, presidente da Associação Brasileira dos Produ- tores de Soja (Aprosoja Brasil). Segundo pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o Brasil tem prejuízo anual de US$ 23 bilhões por conta de portos e estradas ruins. “Todo ano a gente perde US$ 5 bilhões de custo com frete. O setor poderia es- tar plantando muito mais se tivesse escoamento eficiente”, calcula. Grande parte do comércio exte- rior do Brasil passa pelos sobrecar- regados portos de Santos, no litoral paulista, e de Paranaguá (PR). San- tos responde por quase 30% de toda a carga internacional. Para distribuir melhor a produ- ção de grãos, portos do Norte e do Nordeste precisam entrar na conta. “Deveríamos estar exportando pelo LOGÍSTICA O sistema de transportes é um fator crucial para o escoamento da produção nacional e o consequente desenvolvimento econômico do país. Na primeira série de reportagens do ano, Cidade Nova traz um diagnóstico dos gargalos e potencialidades dos nossos principais modais, a começar pelos portos S AGêNCIA PETROBRAS

Portos, por quê? - Revista Cidade Nova

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O sistema de transportes é um fator crucial para o escoamento da produção nacional e o consequente desenvolvimento econômico do país. Na primeira série de reportagens do ano, Cidade Nova traz um diagnóstico dos gargalos e potencialidades dos nossos principais modais, a começar pelos portos

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14 Cidade Nova • Janeiro 2014 • nº 1

CN eM SéRie Carga pesada MARTINA [email protected]

Portos, por quê?

ão 8,5 mil km de costa lito-rânea e 90% das exportações feitas por transporte marí-timo. Ainda assim, o Bra-

sil investe apenas 0,8% do PIB em transporte de cargas. Não é à toa que amarga o 130º lugar entre 142 países avaliados no quesito quali-dade dos portos em relatório do Fó-rum Econômico Mundial.

A precária situação portuária afe-ta a competitividade internacional do país, inclusive quando o assunto é a sua principal commodity: a soja. A safra deste ano deve bater novo re-corde, mas faltou infraestrutura para

o escoamento. Principal importador do grão do Brasil, a China chegou a cancelar a compra de um carre-gamento de 600 mil toneladas por causa do atraso provocado pelas ex-tensas filas de embarque no Porto de Santos, em março do ano passado.

“Tem soja nos Estados Unidos e na Argentina, países que acabam sendo escolhidos em caso de atra-so”, diz Glauber Silveira, presidente da Associação Brasileira dos Produ-tores de Soja (Aprosoja Brasil).

Segundo pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o Brasil tem prejuízo

anual de US$ 23 bilhões por conta de portos e estradas ruins. “Todo ano a gente perde US$ 5 bilhões de custo com frete. O setor poderia es-tar plantando muito mais se tivesse escoamento eficiente”, calcula.

Grande parte do comércio exte-rior do Brasil passa pelos sobrecar-regados portos de Santos, no litoral paulista, e de Paranaguá (PR). San-tos responde por quase 30% de toda a carga internacional.

Para distribuir melhor a produ-ção de grãos, portos do Norte e do Nordeste precisam entrar na conta. “Deveríamos estar exportando pelo

loGÍSTica O sistema de transportes é um fator crucial para o escoamento da produção nacional e o consequente desenvolvimento econômico do país. Na primeira série de reportagens do ano, Cidade Nova traz um diagnóstico dos gargalos e potencialidades dos nossos principais modais, a começar pelos portos

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menos 40 bilhões de toneladas por Belém e São Luís, mas não exporta-mos nem dez bilhões de toneladas”, lamenta o representante da Aprosoja.

Entretanto, os produtores já têm motivo para ficarem mais tranqui-los, segundo o sócio da Macrologís-tica, Renato Casali: os portos Vila do Conde e de Santarém, no Pará, de-vem apresentar o maior crescimento do setor nos próximos anos. Próxi-mos do Centro-Oeste, do Canal do Panamá, da costa leste dos Estados Unidos e da Europa, eles deverão atender a uma grande demanda da produção agrícola no mercado exter-no e interno, acredita o consultor.

“Os dois [portos] receberão 80% da demanda de milho, soja, óleo e algodão”, calcula Casali, que tam-bém aposta na redução de frete como resultado da mudança. “90% das empresas que atuam no agro-negócio vão começar a operar no Porto Vila do Conde. Nisso, cai pela metade o preço de transporte. Se hoje é necessário pagar R$ 250 por tonelada, de Sorriso (MT) a Santos ou a Paranaguá, será possível fazer o transporte pela metade do preço, o que representará muitos milhões de economia por ano.”

Para Manoel Reis, professor de logística da Fundação Getulio Var-gas de São Paulo (FGV-SP), a redu-ção da demanda de cargas em San-tos permitirá que o principal porto do país e maior da América Latina se concentre em sua principal voca-ção: a de movimentar cargas de alto valor agregado.

acessoA Companhia Docas do Estado

de São Paulo (Codesp) nega haver saturação no Porto de Santos, que deve bater recorde de movimenta-ção em 2013, e garante sua capa-cidade de atender à demanda do mercado. Para a entidade, o grande

problema está na acessibilidade ex-terna ao porto.

A necessidade de investimentos na infraestrutura ao redor do porto é unanimidade. Analistas, produ-tores e representantes dos portos apostam na urgência de licitar ro-dovias, ferrovias e hidrovias para agilizar o escoamento nos portos, barateando o processo e tornando-o mais eficiente.

Para Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira de Termi-nais Portuários (ABTP), o país in-veste muito pouco. “Não adianta só as empresas modernizarem os ter-minais portuários, se o caminhão e o navio custam a chegar no porto”, reclama. “Tudo isso causa tempo improdutivo enorme. Para ser efi-ciente, o porto tem que ter uma ve-locidade muito grande.”

Os custos logísticos cresceram no Brasil, atingindo 11,5% do PIB em 2012. Com 7,1%, o transporte foi o setor que mais pesou no aumento, segundo uma pesquisa do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). O resultado foi agravado pelo frete rodoviário, que chegou a R$ 259 por mil toneladas transportadas vezes quilômetro útil (TKU) no ano pas-sado. O estudo mostra que são mui-to mais competitivos os fretes dos modais ferroviário (R$ 43), dutovi-ário (R$ 49) e hidroviário (R$ 59).

A Codesp enumera algumas me-didas públicas para resolver o pro-blema da infraestrutura. Segundo a companhia, o governo de São Paulo está construindo um novo disposi-tivo de acesso na rodovia Anchieta. A entidade também afirma que está prevista uma readequação rodoviária na chegada à cidade de Santos e uma duplicação de acessos ferroviários.

estruturaAs filas nos portos também po-

dem ser reduzidas com a melhoria

da sua estrutura interna. A criação de estacionamentos para caminhões e o aumento da capacidade de arma-zenamento são algumas sugestões para ganhar tempo e reduzir perdas.

Segundo a Codesp, pátios regu-ladores estão sendo viabilizados em um sistema chamado Portolog. “Os ca minhoneiros aguardarão nestes pátios a chamada para descer a serra de forma organizada e fazer a entrega nos terminais”, explica a companhia.

Em relação aos armazéns, a enti-dade informa que o Porto de Santos tem capacidade de armazenamento de cerca de 2,5 milhões de tonela-das de granéis sólidos, “número que tem atendido com folga a capacida-de de embarque”.

Não é o que dizem os produtores de soja. Para Silveira, a capacidade é insuficiente. “Hoje podemos ar-mazenar 70% da produção. Se essa capacidade não aumentar, na próxi-ma safra ficaríamos com 50 milhões de toneladas a céu aberto”, estima.

Para os importadores o proble-ma são as taxas de armazenagem e o atraso na entrega do produto. “O importador tem que arcar com o preço a mais. É muito difícil re-passar custo, o cliente não aceita. É um risco do negócio”, diz Christo-pher Mendes, diretor financeiro da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei).

Outro modo de garantir o rápido escoamento da produção, evitan-do cancelamentos e custos extras, é trazer a indústria para perto do porto, aponta Cavali. Segundo ele, investir nas áreas retroportuárias contribui para o desenvolvimento econômico do local.

Manoel Reis também apoia a questão retroportuária, já que, para ele, criar grandes armazéns no por-to não é uma tarefa fácil nem con-veniente. “Os produtores agrope-cuários têm que mandar logo seus produtos para o mercado. Não po- c

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dem esperar muito, senão há perdas muito grandes”, alerta.

BurocraciaNo Brasil, o tempo médio de

desembaraço da carga nos portos é de cinco dias, bastante superior ao registrado na Alemanha (um), nos Estados Unidos (três) e em Hong Kong (0,6), segundo dados do Ban-co Mundial.

A Codesp destaca que o programa Porto Sem Papel, implantado recen-temente, diminuiu sensivelmente o número de documentos e os trâmites para a liberação de cargas, mas, para especialistas e produtores, a burocra-cia continua sendo um entrave.

O presidente da ABTP admite o avanço, mas aponta que os próprios órgãos federais resistem a seguir o sistema único previsto no Porto Sem Papel. “Não adianta ter termi-nais modernos se a eficiência deles é prejudicada pela má administração portuária. Há excesso de burocracia nos portos e a mão de obra carece de treinamento”, afirma.

Uma possível solução seriam portos trabalhando 24 horas. De acordo com a Secretaria Especial de Portos (SEP), com a medida, que já está sendo implementada nos prin-cipais portos do país, o custo com logística deve cair em média 25%.

legislaçãoEm 2013 a presidente Dilma

Rousseff sancionou a Lei dos Por-tos, estabelecendo um novo marco regulatório para o setor. Uma das mudanças da nova legislação foi permitir que os terminais privados movimentem carga de terceiros.

A mudança agrada especialmen-te a Associação Brasileira de Termi-nais Portuários. “O governo, que tinha fechado o diálogo com o se-tor empresarial, agora tem grande

oportunidade de abrir investimen-tos imediatos de R$ 10 bilhões com os terminais privados”, diz Wilen Manteli. Os Terminais de Uso Pri-vativo (TUPs) movimentam atual-mente 65% das cargas no sistema portuário, enquanto os portos pú-blicos respondem por 35%.

Para aumentar ainda mais os in-vestimentos privados, o governo pre-tendia lançar, ainda em 2013, edi-tais de concessões para os portos de Santos e do Pará, mas o Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu as licitações. Segundo o tribunal, os editais estavam incompletos e, para

alguns terminais, não havia defi-nição de tetos máximos das tarifas. Como as exigências são obrigatórias, a decisão deve atrasar a concessão.

No total, o governo planeja ofe-recer 29 áreas no primeiro bloco. A previsão de receita no período das concessões é de R$ 38 bilhões.

“A pressa é inimiga da perfeição. O governo licitou cinco áreas públi-cas e, do nada, quer pular para 29 terminais, o que é complexo, exige muitos esforços”, diz Manteli. “O go-verno deveria priorizar áreas públicas ociosas e licitá-las primeiro”, sugere.

Já o professor Manoel Reis acre-dita que o governo deve insistir nas concessões, mas realizar estudos

mais cuidadosos. “Tentar qualquer outra coisa é perder tempo”, opina.

PotencialPara Renato Casali, sócio da Ma-

crologística, apenas o pensamento global poderá resolver os problemas do transporte marítimo no país. “Precisa melhorar portos, mas tam-bém os acessos. É necessária uma visão global – da produção até a exportação.”

Segundo ele, a meta seria dobrar a participação brasileira no merca-do internacional, atualmente em 1%, e chegar a pelo menos 2% do que é comercializado no mundo.

Tudo vai depender da capacidade de exportação do país, já que soja e demanda internacional não faltam, acredita Glauber Silveira. “Todo ano, o setor está mandando dez bilhões de toneladas a mais para fora. O po-tencial é grande”, diz.

A evolução é gradual, mas aconte-ce. Segundo o Banco Mundial, o país saltou da 61º posição no ranking de competência em logística, em 2007, para o 45º lugar em 2012.

Com as concessões, a taxa de in-vestimentos em logística no Brasil deve alcançar 22,2% do PIB em 2018, de acordo com o levantamento Pers-pectivas do Investimento 2014-2017.

Na infraestrutura, as maiores ta-xas estão concentradas em portos e ferroviais. Somente os portos terão R$ 34 bilhões, R$ 19 bilhões a mais que o período de 2009 a 2012, uma variação de 124%.

Se as previsões se concretizarem e o Brasil conseguir driblar os garga-los do setor portuário, o país poderá finalmente aproveitar vantagens do transporte marítimo, como maior capacidade de carga, redução de custos, menores danos ambientais e menor risco de acidentes, fatores essenciais para aumentar sua com-petitividade global.

CN eM SéRie Carga pesada MARTINA [email protected]

os custos logísticos cresceram no Brasil, atingindo 11,5% do PiB em 2012. Com 7,1%, o transporte foi o setor que mais pesou no aumento