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XI Congresso Brasileiro de Sociologia 1 a 5 de setembro de 2003, UNICAMP, Campinas, SP Título da atividade: GT: Teorias Sociológicas Contemporâneas e o Pensamento Social Título do trabalho: Por uma sociologia do processo civilizatório: uma reflexão a partir de Norbert Elias e Gilberto Freyre Autor(a): Francisco Xavier Freire Rodrigues (UFRGS)

Por Uma Sociologia Do Processo Civilizatório

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Por uma sociologia do processo civilizatório

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XI Congresso Brasileiro de Sociologia 1 a 5 de setembro de 2003, UNICAMP, Campinas, SP Ttulo da atividade: GT: Teorias Sociolgicas Contemporneas e o Pensamento Social Ttulo do trabalho: Por uma sociologia do processo civilizatrio: uma reflexoa partir de Norbert Elias e Gilberto Freyre Autor(a): Francisco Xavier Freire Rodrigues (UFRGS) POR UMA SOCIOLOGIA DO PROCESSO CIVILIZATRIO: uma reflexoa partir de Norbert Elias e Gilberto Freyre Francisco Xavier Freire Rodrigues1 Resumo OpresentetrabalhotemporobjetivorealizarumdilogoentreateoriadacivilizaodeNorbertEliasea sociologiadeGilbertoFreyre.Pretende-seanalisaraespecificidadedoprocessocivilizatrionaculturaena sociedade brasileiras. Toma-se como textos bsicos O processo civilizador (v. I, uma histria dos costumes; v. II formaodoEstadoecivilizao)deElias,eCasagrandeesenzala,NovomundodostrpicoseSobradose mucambosdeFreyre.Aoinvestigaremosprocessosdecivilizao(sobperspectivashistricasociale/ou sociogentica)EliaseFreyreseutilizamdeaspectosconsideradostriviaispelateoriasocialdominante,como costumes,receitasdecozinha,etiquetas,modosdelidarcomocorpo,formasdealimentao,almdeoutros elementos de distino social. Ambos centram-se na institucionalizao de valores e concepes de mundo. Para Elias,oEstadomodernoatravsdomonopliodaviolnciafsicaconsegueformasdedominaopoltica, modificandoapsiqueindividual.Freyreentendeamodernidadeeacivilizaobrasileirascomoresultadode umaformaespecficadareeuropeizaoquetransformouculturaleestruturalmenteopasapartirde1808 (vinda da famlia real) com a chega do Estado moderno e do mercado, instituiestransformadoras das relaes sociais. 1 Introduo Estetrabalhotemporobjetivorealizarumdilogoentreateoriadacivilizaode NorbertEliaseainterpretaodaformaoedesenvolvimentodasociedadeecultura brasileiras na sociologia de Gilberto Freyre. Pretende-se analisar a especificidade do processo civilizatrio na cultura e na sociedade brasileiras.Toma-se como textos bsicos O processo civilizador (I e II) de Elias, e Casa grande e senzala,NovomundodostrpicoseSobradosemucambosdeFreyre.Realizamosleituras crticaseanlisesdecontedo.Investigamostambmalgumasinterpretaessobreo pensamentodestesautores.Documentos,livroserevistascientficosconstituramomaterial emprico pesquisado. Onossoproblemadepesquisaconsistenumaquestofundamentalmenteterica. Trata-sedeidentificareanalisarcomoaanlisedoprocessocivilizadorempreendidapor Norbert Elias pode contribuir para uma reflexo acerca da formao da sociedade e da cultura brasileiras, tendo como fundamento a interpretao sociolgica de Gilberto Freyre. 1Socilogo, bolsista do CNPq e doutorando em Sociologia pela UFRGS.Aoinvestigaremosprocessosdecivilizao(apartirdeperspectivashistrica sociale/ousociogentica)EliaseFreyreseutilizamdeaspectosconsideradostriviaispela teoria social dominante, como costumes, receitas de cozinha, etiquetas, modos de lidar com o corpo, formas de alimentao, alm de outros elementos de distino social. Ambos centram-se na institucionalizao de valores e concepes de mundo. Na sociologia de Elias, o Estado modernoatravsdomonopliodaviolnciafsicaconsegueformasdedominaopoltica, modificandoapsiqueindividual.Freyreentendeamodernidadeeacivilizaobrasileiras comoresultadodeumaformaespecficadareeuropeizaoquetransformouculturale estruturalmenteopasapartirde1808(vindadaFamliaReal)comachegadoEstado racional-moderno e do mercado capitalista, instituies transformadoras das relaes sociais. Aobuscarmateriaisparaestetrabalhocujopropsitoexplicitareanalisaraspectos similaresentreasociologiadeEliaseadeFreyre,percebermosqueosdoispensadores viveramdilemasbastantesimilares.Trata-sededuasfigurasqueseencontramemnveis culturais diferentes do seu meio. Na verdade, seus interesses se davam por um projeto cultural paraoqualseumeiosocialaindanoestavapreparado,estruturado,mentale institucionalmente.Issopodeterprovocadoincompreensesedesvalorizaes correspondentes.Opresentetrabalhoestmontadodaseguinteforma:aprimeiraparteconstitui-sede uma abordagem sobre a sociologia de Norbert Elias e a singularidade do processo civilizador ocidental. A segunda parte trata da formao e do desenvolvimento da sociedade e da cultura no pensamento sociolgico de Gilberto Freyre. Na terceira parte, o leitor pode encontrar uma breveaproximaoentre a sociologia deElias ea de Freyre. Por ltimo,elabora-sealgumas consideraes finais acerca da temtica desenvolvida. 2 A Sociologia de Norbert Elias e a Singularidade do Processo Civilizador Ocidental 2.1 Notas Introdutrias Sociologia de Norbert Elias TendoemvistaqueNorbertEliasaindarelativamentedesconhecidonomeio acadmicobrasileiro,consideramosnecessrioumbreveinformeacercadasuabiografia. Norbert Elias nasceu em 1897, na cidade de Breslau, na Alemanha. Em 1918 realizou estudos de Medicina e Filosofia na sua cidade natal. Em 1924 defendeu a tese em Filosofia, e no ano seguinterealizouestudosdeSociologiaemHeildelberg.Em1930seinstalouemFrankfurt. TrsanosdepoisviajouparaFranaeSua.Em1935sechegounaInglaterra,tornando-se professordeSociologianaUniversidadedeLeicesterem954.Noperodode1962a1964 lecionousociologianaUniversidadedeGana.Em1977EliasfoiovencedordoPrmio Adorno.Noperodode1964a1984foiprofessorconvidadonaAlemanhaenosPases-Baixos.De1984a1990,anoquefaleceuestevetrabalhandoemAmsterd,naHolanda (Heinich, 2001). Entre suas principais obras mencionamos O processo civilizador (2 vols. Publicado em 1939, o volume I Uma histria dos costumes, volume II Formao do Estado e civilizao), A sociedadedosindivduos(1987),livrovencedordoPrmioEuropeuAmalfideSociologiae Cincias Sociais. Outros trabalhos relevantes do autor so Logiques de lexclusion (1965), La Socit de cour (1974), Quest-ce que la sociologie? (1970), La Solitide des mourants (1982), Du temps (1996), Sport et Civilisation: la violence matrise (1986), Mozart: Sociologie dum gnie(1991).Parainformarmelhoroleitor,cabecitaroutrostextosproduzidosporElias publicados em revistas cientficas, tais como: Studies in the gnesis of the Naval Profession (In:TheBritishJournalofSociology,v.I,n.4,1950),ProblemsofInvolvementand Detachment(In:TheBritishJournalofSociology,II,n.3,1956),TheRetreatof Sociologists into the Present (In: Theory, Culture and Society, v. 4, n. 2-3, 1987). OpensamentodeEliasconstituiumagrandecontribuioparaumasociologia abrangente.Podesersociologiadacivilizao,sociologiadosafetos,sociologiadoesporte, sociologia dos costumes, sociologia da interao, sociologia do tempo e da solido. NocampodahistriapodemosdizerqueainovaoprincipalemEliasdizrespeito aostemascomoocotidiano,asatitudesemrelaoaocorpo,oscostumes,asmentalidades, umanovavisodopoderagindosobreocorpo,asmaneirasdecomer,amar,osgestoseos vesturios e os cerimoniais (Chartier, 1987). Tratam-se de temas antes ignorados pelahistria e sociologia. DevemosconsiderarqueomomentoderedescobertadeEliascoincidecomum processodereorganizaodascinciassociais.Percebe-sequedeanlisesdisciplinarese parceladas-especializadas passamos para uma meta anlise, e at anlises transdisciplinares. 2.2 A Sociologia da Civilizao OprocessocivilizadorsemdvidaumdosmaisbrilhanteslivrosdosculoXX,o qual apresenta uma histria dos costumes e dos sentimentos. Em A civilizao dos costumes,encontra-seumaabordagemsociolgicasriadeassuntosaparentementebanaisquesoos costumes, as funes corporais, cuspir, urinar, assoar, lavar e as maneiras de se comportar na mesa. Trata-se de uma anlise da evoluo dos costumes no sculo XVII a partir do material empricodosmanuaisdecivilizaodaRenascena.Verificamosqueosindciosda civilizaosovistosporElias(1991,p.197)comoocontroledaanimalidade,ouseja,os homens durante o processo de civilizao se cuidam em reprimir tudo o que est ligado sua naturezaanimal.Esconde-seanudezdocorpo,osodoressodissimuladoseas necessidades e funes naturais so realizadas em lugares especficos, isolados, no se cospe no cho. As pessoas civilizadas usam lenos para assoar o nariz, comem com o garfo ao invs depegaroalimentocomamo.Cabeaquiargumentarqueasfunesnaturaisforam colocadasdentrodecontextossociais,analisadasapartirdesuahistoricidade.Trata-sede identificarumaevoluodoscostumesedeumasensibilidade.Issotudoresultadeum processoderegulamentaodecondutas,implicadasemsentimentos,oqueconstrium consenso sobre os gestos, modelando um novo indivduo. AsociognesedeumasociedadecivilizadaemEliasmostraqueaevoluode sensibilidadesserevelanoapenasnonvelcoletivo,masindividual.Oindividuoincorpora normas sociais. Conforme Elias, a histria da sociedade se reflete na histria interna de cada indivduo.Issosignificaqueacriananonascecivilizada,elaadquireculturalmenteas formas de se comportar na sociedade em que nasceu (Elias, 1973, p. 278). NaexplicaodaevoluodoscostumesedeformasnovasdesensibilidadeElias pordemaissociolgico,poisafirmaquenasrelaesentreinferioresesuperioresquese originaadinmicadessaevoluo.Asboasmaneirasforaminicialmentepredominantesna aristocraciadacorte,eposteriormentedifundidaspelasoutrasclasses,sendoprimeirana burguesia.ParaElias(1973,p.167),emparteestemecanismo:elaboraodeusosna corte, difuso destes usos para baixo, ligeira deformao social, desvalorizao enquanto sinal distintivo, que manteve o movimento dos modos de comportamento da camada superior. Na verdade, os burgueses foram influenciados pelo comportamento dos homens da corte (Elias, 1973, p. 181). AdinmicadodesenvolvimentodoocidenteexplicadoporEliasapartirda sociognese do Estado. Por isso importante aqui lembrar o argumento de Heinich de queElias reconstituir a histria deste processo de civilizao na Europa, do feudalismo do sculo XI ao reino daRenascena, atseu apogeuno sculo dasLuzes.A dinmicadestemovimento nasce daconstituiodoEstado,graasimposioprogressivadeumduplomonoplioreal:o monopliofiscal,quemonetarizaoslaosentreosoberanoeossenhores,eomonoplioda violncia da violncia legtima, que coloca somente nas mos do rei a fora militar e a condio de qualquer pacificao. Colocando primeiramente esta noo de monopolizao estatal da violncia, Elias vai alm da teoria marxista, que fazia da esfera econmica a nica ou a mais determinante das causas,paraposicionar-senocaminhodateoriaweberiana;eleacrescentaaela,noentanto,uma dupladimenso,interessando-sesimultaneamentepelamontantedofenmenoaformaodo Estado atravs dos diferentes monoplios e pela jusante seus efeitos sobre a gesto dos afetos ( Heinich, 2001, p. 15-16). Aadministraoburocrticasurgecomoumimportanteaparelhodedominao militar e financeira. As lutas a partir de ento se dariam em torno do monoplio dos recursos,cargoselucrosnaadministraodoEstado.Taltransformaovaiimplicarnumnovas configurao,interdependnciaserelaesentreosindivduos,oqueexigenovos comportamentosecondutas.OEstadoassumepapelfundamentalnaconstruodessa sociedadecivilizada.SegundoElias(1975,p.104-105),omonoplioestatalcentralizado assume,poucoapouco,oaspectodeuminstrumentoaserviodetodaasociedade, sociedadequepraticaadivisodefunes:emoutraspalavras,elesetornaorgocentral desta unidade social que atualmente chamamos de Estado. A crescente diviso do trabalho e especializao de funes no aparelho do Estado e na economia monetarizada contribuiu para criarnovoslaossociais.Oquesignificaaemergnciademaiorinterdependncia,algo impossvel sem uma economia emocional especfica. No caso da Frana, Elias (1975, p. 102) advoga que foi o entrelaamento de inmeros interesses,projetoseiniciativasdepessoasisoladasqueconvergiuparaumconjuntodeleis queregiamumarededeindivduosinterdependentesechegouaumresultadoquenenhum dos protagonistas desejara: o Estado francs.ParadefinirsinteticamenteoelementocentraldateoriadacivilizaodeElias, podemosdizerquedoisacontecimentosforamfundamentaisparaamodificaodos comportamentos no ocidente nos sculos XII e XIII: (a) a monopolizao estatal da violncia, e (b) o estreitamento das relaes interindividuais. Conforme a abordagem de Chartier (1985, p. XIX),Ocidente,entreossculosXIIeXVII,assensibilidadeseoscomportamentosmodificam-se profundamentedevidoadoisfatoresfundamentais:amonopolizaoestataldaviolnciaque obriga o controle dos impulsos e pacifica, deste modo, o espao social; o estreitamento das relaes interindividuaisqueimplicanecessariamenteemumcontrolemaisseverodasemoesedos afetos. Umaperguntaseexistem,defato,relaesentreumasociedadeorganizadaem Estadoeacivilizao?Naverdade,umaboarespostaapontadapeloautoracercadesta questoapassagemdoconstrangimentosocialaoautoconstrangimento,oquesignificaa interiorizaodocontrolesobreosimpulsosnaturaiseasemoes.Talfatorimplicanuma nova economia emocional individual. Assim ressalta Elias (1975, p. 210), ao mecanismo de controleedevigilnciadasociedade,correspondeentoumaparelhodecontrolequese formanaeconomiapsquicadoindivduo.Talevoluoinerenteaocrescimentodas interdependncias entre os homens.O refinamento nos costumes e comportamentos passa a atuar como fator de distino social,sendoporissoelementodeclassificaosocial,definindoaconcorrnciaentreas camadas sociais. As classe superiores utilizam-se de boas maneiras para se diferenciarem das inferiores. Estas procuram internalizar os comportamentos e regras de conduta utilizadas pelas classesuperiores,buscandoreduzirasdistnciaseparticipardacivilizao.ConformeElias (1975, p. 214),... as camadas inferiores cedem mais facilmente a suas emoes e impulsos, seus comportamentos somenosrigorosamenteregulamentadosdoqueosdascamadassuperiorescorrespondentes:os constrangimentosqueagemdurantelongosperodosdahistriahumanasobreascamadas inferiores,so os constrangimentos daameaafsica, amisria, afome. Violncias deste tipo no levam transformao equilibrada dos constrangimentos exteriores em autoconstrangimento. Oprocessocivilizatrionoirracional,oquetornapossvelseintervirnasua orientaoparaquevenhaatendersnecessidadesdahumanidade,sejanonvelindividualseja no nvel social. AhabilidadedeEliasaobuscarumavisoglobaldasrelaeshumanasapartirde uma dimenso antropolgica louvvel, alm do fato de se deter em particularidades locais e histricas.Oqueotornanico,original,aonossover.Talfatoficaexpressoquandoelese preocupa em mostrar que o sentido da civilizao pode variar em relao a cada nao.Em A Sociedade da Corte, Elias (1987, 1985 e 1974) analisa a importncia da etiqueta na Frana do Antigo Regime. Verifica as conseqncias das transformaes polticas militares eeconmicasdeumasociedadefeudalnumamonarquiaabsolutista.Amonopolizaodo Estadosobreofiscoeaviolncialegtimasoelementosquecaracterizamaorigemda sociedadedacorte,aqualconsagraaautonomizaodosoberanoemrelaonobrezae, correlativamente,adependnciaacentuadadanobrezaemrelaoaosoberano(Heinich, 2001,p.25).Asetiquetasfuncionamcomoinstrumentosderepresentaodedomnioedo poderquecausamconstrangimentosemdeterminadosgrupossociais.Asetiquetasso, portanto,instrumentosdedistinoporsubmisso,sendoatravsdelasqueasociedadeda corte se auto-representa. Elas so mecanismos de regulao e vigilncia (Elias, 1985, p. 134). Oprocessocivilizadortemalgumascaractersticascomoocontroledosafetos,a incorporaoderegrasdecivilidade,novascondutas,aartedeobservarossemelhantese, manipul-los.Sobreisso,cabelembrarumaobservaodeChartieracercadomodelode Elias: o modelo de vai alm de uma simples difuso das elites em direo s camadas inferiores, fazendo dageneralizaodascondutasdacorteoresultadodeumalutadeconcorrnciaquelevaas camadas burguesas aimitar asmaneiras deser aristocrticas eque, em troca, obrigaanobrezade corte a aumentar as exigncias da civilidade a fim de lhe dar novamente um valor de discriminao. Esta competio pela apropriao ou, ao contrrio, pelo confisco perpetuado de distino, o motor doprocessodecivilizaopoisconduzaoaumentodosrefinamentosdosavoir-vivre, multiplicaodasproibies,elevaoaindamaiordonveldecensuras(Chartier,1985,p. XXIV). Ateoriadoprocessocivilizadorrelativamenteambiciosa,oquetemprovocado crticasporpartedealgunspensadores(Mennel,1989;eFletcher,1997).Trata-sede civilizaoporautocontroledosimpulsos,repressodasemoes,distanciamentodocorpo,interiorizao de limitaes e constrangimentos, sob a presso das transformaes provocadas pelo Estado, pelo mercado e pela curializao das elites. Acivilizaoseriaumfenmenouniversalizvel.EliasgarantequeAcurializao dos guerreiros um fenmeno que se observa no somente no Ocidente,mas tanto quanto nossosconhecimentosnospermitemjulgaremtodososprocessosdecivilizaode qualquer importncia (Elias, 1975, p. 127). Eliasdemonstranasuaanliseacercadoprocessocivilizadorqueaexistnciado EstadocentralizadornaEuropaOcidentalfoifundamentalparaassegurarumaordem civilizada.Aintegraodoterritrionacionalveiosomentecomomonopliodaviolncia, naFranaeInglaterra,ondehaviaumcertograudeautoridadedaCorteemrelaoaos poderes locais e regionais (Elias, 1993). Ateoriadoprocessocivilizadornospermiteentenderonascimentoeo desenvolvimentodamodernidade.Naverdade,Eliasnospossibilitaquepossamos compreenderdoisaspectosessenciaisdoprojetocivilizatrioeuropeu-ocidental:(a)a construodamodernidade,e(b)aconstruodeumasociedadeburguesaecapitalista.O primeiroaspectopodeserconsideradocomoademonstraodastransformaesdelonga duraonasestruturasdecontroledasemoesdossereshumanos,onascimentodeuma novaeconomiaemocional(eseuscontrolesexternoseinternos).Osegundo,dizrespeitoao processoqueresultounaconstruodoEstado,eaconseqentecentralizaodomonoplio da violncia.O socilogo alemo defende que o processo de civilizao pode avanar ou recuar de maneira qualitativa e contraditria. As experincias sociais acumuladas historicamente podem perder-se, e neste caso os homens podem retroceder na busca por uma sociedade estruturada plenamente nos regulamentos sociais, e assim, volta-se a um estgio de violncia desenfreada, oquepoderiaimplicanaguerranuclear,porexemplo.Nestesentido,importanteterem mentequeoprogressocontraditrio,ouseja,quantomaioroautocontrole,maioressoos conflitosvividos.Ocontroledaviolnciaeapacificaodavidasocial,contraditoriamente, abrem caminho para uma a violncia entre Estados nacionais. Oprocessodeinstitucionalizaodenovasformasdesociabilidadepautadasem valores ditos modernos, considerados civilizados no necessariamente se desenvolve de modo nico. Conforme Elias, pode-se identificar diferenas entre a formao do Estado na Frana e naInglaterra,apesardeemambososcasosterocorridoumprocessocontnuodelonga durao.EnquantoquenocasodaAlemanha,esteprocessodesenvolveu-sedemodo descontinuo, pois a centralizao estatal ocorreu tardiamente (1870), foi impedida por fatores estruturais internos. Conforme o historiador Jos Carlos Reis (2000, p. 5) Estaformaofoibloqueadaporobstculosestruturais,comoporexemploosurgimentodeum poderosa e relativamente autnoma classe mdia. Neste contexto, formas de absolutismo estiveram presentes naAlemanha at 1918, marcando profundamentea conscincia, as tradies eohabitus dosalemes.Ouseja,tantoOProcessoCivilizadorquantoemOsAlemes,Eliasestabelecea mesma relao entre a formao do Estado e a mudana dos habitus dos indivduos (Reis, 2000, p. 5). Osalemesnoteriamtidoumapassagemlinearemdireoaoprogresso.Seriaum casodedesenvolvimentohistricodescontnuo,diferenciando-sedeoutroscasosde desenvolvimentohistricoeuropeu.EsteexemplodaAlemanhaserveparainformaroleitor dequeofenmenodacivilizaoadmitecontinuidadeedescontinuidade.Osprocessosde civilizao e de formao dos Estados nacionais podem obedecer a particularidades. A noo de civilizao em Elias uma generalizao que expressa fundamentalmente a autoconscincia do Ocidente, tendo como funo a legitimao de sua superioridade frente soutrasculturas.,portanto,atravsdacivilizaoqueoOcidenteexpressasua singularidadeeautenticidade,queseorgulhafrenteasdemaisculturas.Defato,cabeaqui ressaltarqueparaElias,noexatamenteoprogressodarazoquecaracterizaoOcidente, masumaprogresso,umalinhadedesenvolvimentoquetemcomomarcoanecessidadede distino e prestgio sociais. Na verdade, a dinmica do processo civilizador entendida como umalutaentreestratossociaise,posteriormente,entrenaesqueconcorremporpoderes. Neste caso, podemos dizer que civilizao e racionalizao no so o mesmo processo, o que nospermiteestabelecerdiferenasentreEliaseWeberemsuasanlisesacercada modernidade. O que torna a teoria do processo civilizador atraente e intelectualmente sabia o fato dequeEliasnoseinteressaemcompararoOcidentecomoutrasculturas,tarefajmuito bemrealizadaporWeber,massobretudoementenderadinmicainternadoprocesso civilizadornoOcidente.Talprocessoconstituiumcontinnum,umanovafasede autoconscincia de autolegitimao de uma dada cultura. Se olharmos um pouco do ponto de vista da histria, pode-se dizer que as Cruzadas, as guerras de colonizao podem ser consideradas fases anteriores ao processo civilizador, bem comoaseparaoentrecristoseinfiis.Issonoslevaaperceberqueeuropeuselatinos tiveram um passado comum. As naes europias teriam a unidade comum: cristo e latinos. ParaElias,ocomportamentoindividualcorrespondeaumadadaestruturasocial. Trata-seaquideumpontofundamentalnoparadigmaanalticoelisiano.Estepartedeum pontodevistasistmico,enodeumateoriadaao.Advogaqueocomportamentodas pessoasseriaresultadodeumaeconomiaemocionaldeumasociedade,formadaapartirde uma estrutura macrossocial que se consolida no ocidente aps a formao do Estado nacional, racional, detentor do monoplio legtimo da violncia. AoanalisaraseletividadedoprocessocivilizadorocidentalnateoriadeElias,Souza (2000,p.44)ressaltaqueosocilogoalemoseinteressouporaspectosestruturaispara explicaratransiodeumasociedadetradicionalparaumaordemsocialmoderna,tomando comoparmetroduasdimenses:(1)socioeconmicae(2)poltica.Naprimeira,tem-seo crescimentodaeconomiamonetriaeaintensificaodadivisosocialdotrabalho.Na segunda,aformaodoEstadonaoeoscorrespondentesprocessosdecentralizao poltica. A economia natural cede lugar a economia monetria, o que, de certo modo, d ensejo ao sistema de cobranade impostos. o Estado que toma de conta dos impostos e comanda nasrelaesentrepatres,empregadosepovo.Omecanismocentralizadorentraemcena, implicando na formao de um Estado nacional forte e centralizador. Formam-se monoplios de dominao. Este processo fica evidente com a anlise de Elias sobre o caso francs. Existem distines significativas entre o sentido da civilizao naFrana eInglaterra em relao a Alemanha. Os primeiros tiveram unificao mais cedo, em que a civilizao veio comoautoconscinciadanao.Nestespasesfoiaaristocraciacortesoquelutoupara definiroqueeraespecficodecadanao.Nocasoalemo,atarefadedefiniroqueera especificamentealemocoubeaumaclassemdia,formadaporpessoascultivadas. CivilizaonaAlemanhasignificaalgonegativo,exterior,superficial,algocorteso,em oposio ao verdadeiro que seria a cultura local. Odesenvolvimentoparalelodadivisodotrabalhoedaeconomiamonetriaimplica em mudanas estruturais significativas nas formas de dominao poltica e social. O advento do mercado capitalista resultou, como vimos anteriormente, na emergncia do dinheiro como universalizadordastrocaseconmicas.Comisso,cresceacentuadamenteainterdependncia intersubjetiva por meio da intensidade da diviso do trabalho. O trabalho torna-se autnomo. ParaElias,asmudanasestruturaisfizeramcomqueasociedadeganhassepoderem relaoaosindivduos.nestecontextoqueasociedadefeudalguerreiradeuorigemauma formaosocialpacfica,controlandoaviolncia.Aslutasagoraseriamreguladaspelo Estadoeseuaparatojurdico,leiseregulamentaessociais.Comosepercebe,a transformaoseprocessounonvelmacrossocialsobreaeconomiaemocionalindividual, influenciando as trocas intersubjetivas individuais. O que contribui para criar novas formas de interdependnciasentreosgrupossociaiseosindivduos.Naverdade,ograndeinteresse sociolgico e poltico de Elias residia na seguinte questo: Qual o impacto da pacificao davidasocialsobrepsiqueindividualeportantosobrearelaodoshomensentresi? Percebera mudanaexistencial e poltica que asnovas condies implicam ofio condutor da curiosidade do autor (Souza, 2000, p. 46).Aoesclarecerestadinmica,Eliasrevelaasingularidadedodesenvolvimento ocidental,tomandoosmecanismossociaisemjogonaIdadeMdiacomoexplicativosdesta singularidade.nestesentidoquenosepercebecontinuidadecomaordemsocialantiga, pois na Idade Mdia Europia no haviam escravos, como na antiguidade. A lei predominante nestapocaeraadaespada.Aeconomiaemocionalsedavaatravsdaexpressoagressiva dos impulsos naturais, vale gozar o momento, em todos os sentidos. Os desejos e necessidades no eram reprimidos socialmente. Elias (1974) distingue trs fases diferentes de sociabilidade e de personalidades a elas correspondentes:(2)courtoisie,(cdigocomportamentaldeumasociedadefeudalde cavalheiros) (2) civilit, e (3) civilisation.Esta ltima fase era a do modo de vida do corteso aristocrtico,eposteriormentedasociedadeburguesademocrtica.Aquiresideumagrande contribuio para entendermos a consolidao da civilizao ocidental. A anlise de Elias sobre as mudanas nos comportamentos abrangem vrios aspectos, como hbitos de cuspir, de se assoar, uso de talheres, comportamento mesa, agressividade, relao sexual, formas de dormir etc. Sua preocupao maior reside na mudana em direo a umcrescimentodasensibilidadeemrelaoaoqueproduzvergonhanoprprio comportamento,eaoquepenosoobservarnosoutros.Trata-sedeavanoserefinamentos noscomportamentos,repressodascaractersticasanimaisdohomem,sendoquetais necessidadesnaturaissorealizadasemespaosprivados,prprios,comoquarto,banheiro, cozinha etc. Noentanto,asociognesedaregulamentaocomportamentalnonecessariamente obedeceaosaspectosracionaisedehigiene.AinterpretaodeSouzaaesterespeito pertinente: Oprocessocivilizatrioexpressanomximoumaracionalizaonosentidoneutrodeuma relao com valores, ou seja, de uma mera direo do processo de desenvolvimento societrio. O que valorvel ou civilizado antes de tudo o que aceito como tal pela elite social. Esse fato, por suavez,nosignificademodoalgumumcontroleconscientepelaselitesdoprocessocomoum todo. No existe sujeito do processo civilizatrio (Souza,2000, p. 49). Nasfasesdacourtoisieedacivilitsexistiam constrangimentossociaisemrelao aospares.Aselitesnosentiamvergonhanemconstrangimentosemrelaoaosinferiores. Somentecomaintensificaodadivisosocialdotrabalhoeoconseqentecrescimentoda interdependncia social entre os indivduos que se d uma mudana em direo a sociedade industrialedemocrtica.Adependnciadossuperioresemrelaoaosinferiores,levaao crescimento da interdependncia, e assim, se tem vergonha tambm em relao aos inferiores. Umanovaintersubjetividadeentraemao,criandoumanovaconfiguraosocial.Cresce, assim, o autocontrole automtico e universal de todos os indivduos na sociedade moderna. Eliasseinteressoupelosimpactosdoprocessocivilizadornaeconomiaefetivados indivduos, transformando seus comportamentos e sensibilidades. Podemos, mesmo correndo riscosdesimplificar,sintetizaroprocessocivilizatriocomosendoexclusivamenteuma transformaodarepressoexternaemrepressointerna(Souza,2000,p.51).Defato,a civilizaosignificaenormesmudanasnaconscincia,poisohomemmoderno,segundoa teoriadeElias,aoinvsdetemeraespadadoinimigo,tememuitomaisapossibilidadede perder seu autocontrole, o que seria um desastre. A represso interna implica numa razo que regulaavidaimpulsivaeseucomportamento.Trata-se,naverdade,deumareflexo prospectiva, esta organiza a economia afetiva, podendo reprimir, e fazer com que o indivduo passearenunciaroprazerimediato.Oprocessocivilizadortemumpapelpsicolgico importante,noqualapersonalidadeganhaprofundidadeedensidadeapartirdocontrole afetivo.Como observou com propriedade Souza (2000, p. 51)Elias usatodo seu conhecimento sobreavidadacortefrancesanos sculos XVII eXVIII (que j havia sido seu objeto de estudo na sua tese de doutorado) para exemplificar a enorme regulao da conduta at nos mnimos detalhes, de modo a ocultar qualquer afinidade ou averso pessoal, sendo essa a regra de ouro para a sobrevivncia e sucesso na corte. As mudanas no habitus implica em modificaes na esfera consciente e inconsciente. Meparecequeaquiresideumacertaambigidadedoprocessocivilizadorestejanofatode quearepressodosimpulsosnaturaisnoseefetuoupelaconscientizao,maspelas proibieseconstrangimentos,pelotabu.Oprocessocivilizador,Eliasadmiteisso,pode adquirir particularidades em determinadas sociedades. 3 A Sociologia de Gilberto Freyre e o Processo Civilizador Brasileiro 3.1 Sociologia da Inautenticidade e Gilberto Freyre OpensamentodeGilbertoFreyrepodeserentendidocomoumasociologiada absoro da modernidade no Brasil. SrgioBuarquedeHolanda,RobertoDaMattaeRaymundoFaorosorepresentantes legtimosdafamosasociologiadainautenticidadebrasileira.Soautoresquepartemde pressupostos comuns: o vnculo interno da continuidade entre a formao social brasileira e asociedadeportuguesa,apesardadisparidade.Admitemoculturalismoatvico. Consideramos que em Holanda (1999), DaMatta (1999, 1991, 1981) e Faoro (1984) um ponto fundamental de suas abordagens reside no argumento de que um dos aspectos que garantem a especificidade brasileira a herana ibrica, ou melhor, a herana lusitana. O Brasil seria uma continuaodePortugal.Entendemosquegrandiosaacontribuiodospensadoresda sociologiadainautenticidade,noentantonopodemosdeixardepercebereventuaisfalhas neste modelo analtico. Vejamos o que diz o socilogo Jess Souza acerca deste autores:Esse tipo de culturalismo percebe a problemtica da influncia valorativa sem atentar para a forma especficadainstitucionalizaodessesvaloresnemparaapeculiarestratificao,queemcada casosingularseoriginaapartirdelaepassaarefletirsobreela.Vimosqueoprocedimento contrrio guiava as anlise de Weber e Elias sobre a institucionalizao diferencial do racionalismo ocidental nos diferentes pases europeus (Souza, 2000, p. 204-6). Concordamoscomapertinenteobservaoacima,edesdej,buscaremosenfatizara abordagem de Gilberto Freyre como sendo a mais original e, ao mesmo tempo, adequada para identificar as especificidades da institucionalizao de valores modernos no Brasil. O que nos levaaaproximarFreyreeEliascomopensadoresquetentaramanalisarprocessos civilizatrios distintos, porm utilizando-se de abordagens parecidas. Antes de fazermos esta aproximao,faz-senecessriodesenvolvermelhorainterpretaosociolgicadeFreyre acerca da formao social e cultural brasileira. 3.2 Introduo ao Pensamento de Gilberto Freyre Freyre um dos maiscomplexo e contraditrio(e difcil) dos pensadores brasileiros. Talconstataojustificaaimensaproduosociolgicaacercadesuaobra.Avitalidadede seu pensamento parece estimular vrios debates ao longo dos ltimos 50 anos. o autor mais modernodopensamentosocial,oquenosfazsugerirahiptesedequeaoinvsdeperder atualidade, sua obra torna-se cada vez mais atual e conempornea. A compresso de sua obra difcil. H enorme disparidade nela. Diferentemente da maioria dos pensadores que ao final de suas carreiras do coerncia e unidade s suas obras, e escrevem os melhores livros, Freyre escreveuseusmelhoreslivrosaindajovem,nadcadade1930,CasaGrandeeSenzalae SobradoseMucambos.Suaobradejuventudefoiaberta,propositivaehipottica.Aonosso ver, o jovem socilogo tem mais a nos dizer do que socilogo maduro. A obra madura de Freyre uma caricatura de sua obra de juventude (Souza, 2000, p. 211).Freyreconcluinasuamaturidade,etransformaasproposiessobreasingularidade brasileira emideologia nacionalista e luso-imperialista de duvidoso potencial democrtico. O que antes adquiria aformado questionar-seas peculiaridades etransformaes deumaculturaeuropianos trpicos transforma-seemtropicologia,umconjuntodeasseresdecientificidadeduvidosa,carregadas de impressionismo, mas facilmente utilizveis como uma ideologia unitria do tropical e mestio. Uma ideologia do apagamento das diferenas. Em Novo Mundo nos Trpicos, Freyre (1969, p. 20) tenta fazer com que a tropicologia seja transformada em Cincias pelos doutores da Sorbonne, dedica da ao estudo das condies do homem nos trpicos. Freyreadmiteemsuasociologiaaconsideraodeaspectosdispares,heterogneos, biolgicos,culturais,mesolgicosnadeterminaodeumaculturasingular.Naobrada juventude,adimensoculturalpredominante,enquantoquenamaturidadeadimenso mesolgica tende a se tornar dominante. Isso pode ser entendido a partir de motivos polticos, poisFreyrealegaanecessidadedenosdefendermosdeimperialismosdepotnciasno-tropicaiscomrelaoaespaos,recursos,populaoeculturastropicais(Freyre,1969,p. XIX).Aqui,pode-seperceberatentativaclaradeexaltarepreservarasingularidade brasileira, o que significa tambm a defesa da construo de uma identidade nacional. A compreenso do pensamento de Freyre exige que pensemos os seus dois livros mais importante Casa Grande e Senzala e Sobrados e Mucambos como obras referentes a perodos histricosdistintos.EmCasaGrandeeSenzalaaquestocentraloencontroentreas culturas nos trpicos, est ligado miscigenao e a uma comparao com o desenvolvimento norte-americano. J Sobrados e Mucambos trata fundamentalmente da ambigidade cultural brasileira,tomandocomobaseovelhoembateentretradiopatriarcaleoprocessode ocidentalizaoinfluenciadopelaEuropaburguesa,enoapenasportuguesa,sendoagoraa realidade brasileira do sculo XIX. Aqui, o processo de ocidentalizao pode ser entendida comooprocessodecivilizao(talcomofoianalisadoporElias),oquenospermitefazer comparaes entre Freyre e Elias. Trata-se de mudanas de hbitos, costumes, vestir, leituras e consumo. O brasileiro se transveste de civilizado, civilizado seria vestir-se de ingls. 3.3 Casa Grande e Senzala e a Formao Social Brasileira Nestaparte,analisaremosainterpretaodeFreyreacercadadaformaoda sociedadepatriarcalbrasileirapresenteemCasaGrandeeSenzala.Cabeantesumbreve comentrio sobre estudiosos de Freyre. Ricardo Benzaquen de Arajo (1994)analisoua obra de Freyre no contexto dos anos 30. Este autor parte de uma polmica com a interpretao de Luiz da Costa Lima (1989) em O aguarrs do tempo sobre Freyre. Este autor defendeu que Freyrenohaviadesvinculadoraaeculturaedadonfasemaiornacultura,mesmoque Freyredefendaterfeitoisto.TalseparaodiferenciavaFreyredostericosracistas,como Oliveira Vianna. Freyre no teria se livrado do paradigma da raa (Costa Lima, 1989). verdadequeArajo(1994)eCostaLima(1989)concordamnoquedizrespeito imprecisoconceitualdeFreyre.ParaArajo,acategoriaraaemFreyreseriaumproduto, resultadodatransformaoculturalmodificadaeadaptadaaomeioespecifico.Umefeitoe nocausadacombinaoentremeioecultura.Naverdade,ahiptesedeArajoadeque Freyreteriaassimiladoumanooneo-lamarckianaderaa,queexigiriaamediaodo meiofsico,enquantoelementoadaptadorcapazdeincorporar,transmitireherdar caractersticas culturais (Souza, 2000, p. 215). Freyreelaboraumaimagemidlicadocolonizadorportugus,segundoaqualno houve violncia na escravido brasileira. Houve violncia, porm a diferena que no Brasil, ao contrrio da Grcia antiga, ocorreu proximidades e influncias entre as culturas dominante e dominada.AabordagemculturalistadeFreyresugerequeaproximidadeentreasculturas explicaria o carter sincrtico de nossa formao social, algo oposto s culturas puras (como a Grega,porexemplo).Aproximidadeseriaresultadodainfluenciacristoherdadados portugueses,contrrioaoelementodespticoorientalherdadodosmouros.Nestesentido, podemos afirmar que a idia de trpico em Freyre seria responsvel pela ponte entre cultura e geografia,bemcomopelasustentaodascontradiesemequilbrio.importanteanoo de neolamarckianismo para entendermos a metodologia de Freyre. importante salientar que na anlise da formao social brasileira Freyre (1957, p. 17-18)afirmaqueosportuguesesmudaramaformadecolonizaroBrasil,apartirde1832, tornandoumacolonizaopermanenteeestvelpormeiodaagriculturaedamo-deobra escrava.Monoculturaemtermoseconmicos,emtermossociais,afamliapatriarcal, portugusemulherndia.Funda-seopatriarcalismo.Estepatriarcalismofamiliarse desenvolveu sem limites materiais e simblicos, sem resistncias. EmCasaGrandeeSenzalaFreyre(1957)analisaarelaodoportugus,elemento predominantenacolonizaobrasileira,comonegroeondio,osoutroselementosque participaram da formao tnica, econmica, social e cultural do Brasil. O portugus aparece comoomotoreidealizadordoprocessodecolonizao,almdedominador.Acivilizao brasileira teria sido formada por negros, ndios e europeus: inthistheafricannegroandthedescendantofthenegro(theafricanwasimportedtobrazilasa slave) also played their part. this fact that amerindians and africans, as well as europeans, and their mixed descendants, have made an active contribution to the development of brazil seems to explain whyportugueseamericahasnowacivilisationwithsovividcharacteristicsofitsown;andwhy oneofthesecharacteristicsiswhathasbeendescribedbysomeauthorsasbrazilianethnic democracy. many characteristics of modern brazilian civilisation originate in the fact that the negro, through the comparatively liberal treatment given to him in brazil, has been able to express himself as a brazilian, and has not been forced to behave as an ethnic and cultural intruder (Freyre, 1956, p. 1). Oportuguscontemaplasticidade,talvezacaractersticamaisimportantedavida colonialbrasileira.Oportugusumhomemsemideaisabsolutosnempreconceitos inflexveis (Freyre, 1957, p. 191). Tal plasticidade influencia a proximidade entre as culturas lusa e negra, originando novos costumes, religio, mistura, cordialidade, afeto, seduo, dio, inveja etc. Alguns pensadores sustentam que o drama social da colnia surge da mistura entre negro e portugus. Talvez a singularidade da escravido brasileira residiria na convivncia simultnea da desigualdade desptica (relao senhor/escravo) e da intimidade e afetividade e comunicao entre as duas culturas e as raas. FreyrefazumacomparaoentreaescravidobrasileiraeadosuldosEstados Unidos. Tal comparao muito bem percebida por Arajo (1993, p. 98), que defende haver absoluta similaridade, sem nenhuma diferenciao. Em ambos os casos, havia uma economia escravocrata baseada na monocultura, e uma organizao social fundada na famlia patriarcal (Freyre, 1957, pp. 360, 410, 422). Em Novo Mundo nos Trpicos, Freyre (1969, p. 179) ressalta que ...fiqueiimpressionadopelofatodequeoparentescosociolgicoentreossistemasportuguse maometanodeescravidopareceresponsvelporcertascaractersticasdosistemabrasileiro. CaractersticasquenosoencontradasemnenhumaoutraregiodaAmricaondeexistiua escravido.Ofatodequeaescravido,noBrasil,foi,evidentemente,menoscrueldoquena Amricainglesa,emesmo do quenasAmricas francesae espanhola, jmeparecedocumentado de forma idnea. Est explcito na citao acima a tentativa de apontar os traos especficos do sistema deescravidonoBrasil,buscando,assim,destacarasparticularidadesdaformaosocial brasileira. O autor sugere que a escravido brasileira teria sido um pouco humana, e benigna. Entretanto,Freyrenoatribuianaturezadaescravidobrasileiraapenasaofatodeos portuguesesseremmaiscristosdoqueosingleses,espanhiseholandeses.Suaanlise mais profunda e rica. Ele argumenta queA verdade seria outra: a forma menos cruel de escravido desenvolvida pelos portugueses no Brasil parecetersidooresultadodeseucontatocomosescravocratasmaometanos,conhecidospela maneira familial como tratavam seus escravos, pelo motivo muito mais concretamente sociolgico doqueabstratamentetnicodesuaconcepodomsticadaescravidotersidodiversada industrial,pr-industrialeatantiindustrial.Sabemosqueosportugueses,apesardeintensamente cristos mais que isso at, campees da causa do cristianismo contra a causa do Isl-, imitaram osrabes,osmouros,osmaometanosemcertatcnicaseemcertocostumes,assimilandodeles inmeros valores culturais. A concepo maometana da escravido, como sistema domstico ligado organizao da famlia, inclusive s atividades domsticas, sem ter decisivamente dominada por um propsito econmico-industrial, foi um dos valores mouros ou maometanos que os portugueses aplicaramcolonizaopredominantemente,masnoexclusivamente,cristodoBrasil(Freyre, 1969, p. 180). Nestesentido,oelementomourotendeaexplicaraespecificidade,aproximidadeda escravidobrasileiracomoexpressosocialeculturalsingular.TalpontoserveparaFreyre procuraroelementorealmenteexplicativoquedistingueaescravidobrasileiraeasoutras experinciasdesociedadesescravocratasdocontinenteamericano.AescravidonoBrasil teriasido,umainstituiototaleaverdadeirasementedaformaosocialbrasileira.A relao entre a cultura portuguesa e a cultura moura poderia assim, contribuir para explicar a situaobrasileira.PodemosafirmarqueosincretismoculturalnoBrasil,misturaderazes europias e africanas, produziu a civilizao brasileira, no reduzvel a nenhuma das culturas participantes. A herana moura teria dado a nossa singularidade (Souza, 2000, p. 223). Sobre a civilizao brasileira, Freyre ressalta queAverdade,porm,quensquefomosossadistas;oelementoativonacorrupodavidade famlia; e muleques e mulatas o elemento passivo. Na realidade, nem o branco nem o negro agiram porsi,muitomenoscomoraa,ousobaaopreponderantedoclima,nasrelaesdesexoede classequesedesenvolveramentresenhoreseescravosnoBrasil.Exprimiu-senessasrelaeso espritodosistemaeconmicoquenosdividiu,comoumDeustodo-poderoso,emsenhorese escravos. Dele se deriva a exagerada tendncia para o sadismo caracterstica do brasileiro, nascido e criado em casa grande, principalmente em engenho; e a que insistentemente temos aludido neste ensaio. Imagine-seum pas com os meninos armados de faca de ponta! Pois foi assim o Brasil do tempo da escravido (Freyre, 1957, p. 361). Ainflunciadosistemaescravocratabrasileirotofortenanossaformaosocial quetodomenino,mesmoquecriadodepoisdaaboliodaescravatura,sejadequalquer classe, gosta de ser malvado com seus inferiores, sejam negros, empregados ou animais. Isso pode serentendido como um pecado original do brasileiro. No patriarcalismo brasileiro, no havia limites a autoridade do senhor de terra, ele era a lei. A sociedade colonial brasileira foi hbrida, houve subordinao e domnio ao invs de igualdade entre raas e culturas. O homem branco teve relao sdica com as mulheres negras e ndias. Freyre trata da proximidade entre asculturasdiferentesnaformaosocialbrasileiracomosendoalgoconfraternizadora.A dependnciapessoaldopatriarcal,darensejoaofamilismo.Talsistemainstauraarelao de favor e troca entre desiguais, pai e seus dependentes (Freyre, 1957, p. 354). 3.4 A Singularidade Cultural do Processo Civilizatrio Brasileiro PercebemosqueemSobradoseMucambosaquestodofamilismosecomplexifica devido passagem do patriarcalismo rural ao urbano. Neste sentido, a ascendncia da cultura urbana brasileira est ligada decadncia do patriarcalismo rural,provocando as dvidas dos patriarcas e a transferncia de poder do campo para as cidades. Por isso, a ascendncia desta culturacitadinaimplicanaemergnciadenovoshbitos,papissociais,valoresecostumes, novas profisses e hierarquias sociais.Para a formao da sociedade brasileira na anlise de Freyre (1990a) desenvolvida em SobradoseMucamboseemOrdemeProgressoimportanteteremmente,noapenasos impactosdaformaodoEstado,mastambmastransformaesemudanaspolticase econmicas, ideolgicas, os valores, a introduo de mquinas e a formao de um incipiente mercadocapitalista.Aculturaurbanaqueseinstaurapassaaconsideraraoposioentre valores burgueses europeus e valores locais, do interior, no civilizados (Freyre, 1990b). Podemos ressaltar que isso faz com os valores do familismo patriarcal rural tenha certa aberturaaosvaloresuniversalizantes.Freyreressaltaqueasidiasburguesaseosvalores universaisentramnoBrasilnosculoXIX,damesmaformaqueaconteceunaEuropano sculoXVIII,atravsdatrocademercadorias.Hforteinflunciaeuropianoshbitos,nas vestimentas, na fala e na mudana comportamental. De agora diante, os brasileiros passariam a consumir no apenas po e cerveja, mas a alta costura de Paris, tornando-se civilizados. Mas muitos comportamentos eram ainda, nesta poca, superficiais, exteriores. isso que entende-se por imperialismo cultural Amodernizaobrasileiraerainautntica,epidrmica,superficial,nohavia conseguidoinstitucionalizarosvaloresindividuaiseburguesesdaEuropaModernaeno-ibricanoBrasil.IssonosfazlembraratesedeRobertoSchwartz(1977)dequeasidias esto fora do lugar. EmSobradoseMucambos,Freyre(1990a)verificaqueoprocessode reeuropeizao do Brasil no sculo XIX contm elementos atpicos, imitativos, superficiais comoemqualquersociedadeemplenatransio.Entretanto,Freyrepercebeuqueneste processohaviamelementosreais,deautnticaassimilaoeaprendizadocultural.Haviaa construodeinstituiesimportantesdeumaordemmoderna,comooEstadoeomercado no Brasil do sculo XIX. Tais instituies permitem bases autnomas e valores universais (e individuais).Naverdade,podemossugeriratesedequeemSobradoseMucambosFreyre (1990a) traa a genealogia do Brasil moderno, na qual enfatiza o constante embate entre dois sistemas distintos de valores. Uma leitura atenta nos revela que no contexto de urbanizao, o patriarca perde poder estatus,deixadeserrefernciaabsoluta,curvando-seasregrasenormasimpessoais.O sistemasocialadotaumcdigovalorativoimpessoal,abstratoenormativo.Aopresso desloca-sedesenhor/escravoparaautoridadesdotadasdevaloreseuropeus.Defato,a passagemdosistemadeCasaGrandeeSenzalaparaosistemadeSobradoseMucambos fragmentaaunidadeorgnicaanterior,aquelesantagonismosecontradiesemequilbrio. Taisfragmentosseespalhamenosecompletam,porissoprovocamconflitoseoposies ferrenhas. Na verdade, determinadas interpretaes tendem a advogar quea urbanizao representou uma piora nas condies de vida dos negros livres e de muitos mestios pobres das cidades. Onvel de vida baixou, a comidaficou pior e a casa tambm. O abandono os fez ento perigosos, criminosos, capoeiras, etc. Os sobrados senhoris, (...), por seremescouros e anti-higinicos,tornaram-secomotempoprisesdefensivasdoperigodarua,dosmoleques,dos capoeiras, etc. (Souza, 2000, p. 238). Aurbanizaomodificouoexercciodopoderpatriarcal,tornando-oimpessoal, abstraindo-odafiguradopatriarca.Pode-sesugeriratesedequeoEstadomodernoroubou estepodernafigurapessoaldequemoexercia.Nossainvestigaodemonstraquea urbanizaomudouarelaoentreossexos,diminuindoosexcessosdopatriarca,pois limitou seu poder. As modas, os romances, os bailes e o teatro se tornam mais importantes do queaigreja.Nestecontextoumnovomundoestavaseabrindoparaasmulheres(Souza, 2000, p. 239). FreyresepreocupoucomainflunciainglesanoBrasildosculoXIX.Paraisso escreveu o livro Ingleses no Brasil.Mostrou quea partir da vinda da famlia Real aoBrasil, comea a substituio das murabis e gelosias por grandes de ferro e vidraas. Explica que isso teria sido influenciado pela presso inglesa paraexportar ferro e vidro para o Brasil, e assim substituiramadeira,ecomisso,oestilohispano-arabedeconstruo,oqueprovoca mudanas culturais radicais.AmudanaqueoBrasilvivenosculoXIXrecebeuonomedeeuropeizaoou reeuropeizao.AformaodoEstadoautnomoeoadventodomercadopodemser entendidos como um grande impacto democratizante na sociedade brasileira naquele perodo, comsriasconseqnciaseconmicas,polticaseculturaisnofuturo.Tratava-sedeuma reconquista, revalorizao de valores ocidentais individualistas da cultura Europia, Francesa, InglesaeAlem.OsvaloresqueaospoucosiamseincorporandoaoBrasil,mesmoque imposto de cima para baixo, so elementos da modernidade (Souza, 2000, p. 239). Otipodeheranacolonialbrasileiracombinadocomastransformaessociaispelas passou o Brasil do sculo XIX implicaram na construo de uma civilizao bastante peculiar. Vejamos o que nos diz Freyre a este respeito:Brazil has had to find its own ways of combining modern civilization with a tropical environment. Itisnoeasytask.Butitmakesforcreativeness.ItdemandsfromBrazilianswhatsomeofthem wouldliketoavoid:aconstantefforttowardsnewsolutionsforproblemsoftherelationsof civilised men with nature, and of civilised men with men whose cultures are not civilised. For these still exist in Brazil: and their ways, values, experiences, instead of being radically repudiated, must beanalysedandconsideredcarefully,andcarefullyutilised,forapossiblynewculturalsynthesis that will be at once European and tropical (Freyre, 1956, p. 3). Com relao ao estilo de vida, outro aspecto importante na sociologia de Freyre, cabe ressaltaraforteinflunciadosinteressescomerciaisdoindustrialismoingls,pormeioda mudanadehbitos,nasconstruesdecasas,jeitodevestir,moda,tecidosgrosso inadequadosaoclimabrasileirotropical.AgoranoBrasilsebebiacervejaesecomiapo, comoosingleses.Oshbitosportugueseseorientaispassamaservistoscomomal,no modernos. A busca por esses smbolos de distino abriram espao para a emergncia de um mercadointerno,aumentandoasimitaeseimportaes,particularmentedeprodutos franceses.Asmudanaseconmicasimpulsionarammudanasculturais,idiasliberais, individualistas.NestecontextooconhecimentotevepapelimportantenoBrasil,como elementoburgusmoderno,elevalorizouotalentoindividual,emergindoummercado especializado, com funes definidas. A meritocracia pedia passagem (Freyre, 1990a, p. 336). Asmudanastecnolgicastiveramimpactosimportantesnaconformaodasnovas relaessociais.Nestesentido,aintroduodamquinafoimuitoimportantenombitodo mercado.Freyreanalisouarelevnciadessainovaotcnicaesuasrepercussessociais.A maquina desvaloriza a sociedade patriarcal, reduz a importncia do escravo e do senhor.Ela estabelece um novo tipo de relao social, aquela com base no mercado e na impessoalidade.FreyremostrouodesenvolvimentotcnicodoNordeste.Afirmouquecertoque, em Pernambuco, aos boeiros dos principais engenhos de acar correspondia, nos meadosdo sculoXIX,umaadiantadamecanizaodosprocessosdefabricodeacar:mecanizao para a qual concorreram tcnicos franceses e principalmente ingleses (Freyre, 1962, p. 21).Amquinadesvalorizaasduasposiesanterioresmaisimportantesdasociedade escravocrata e valoriza o elemento mdio, algo antes deslocado da sociedade escravagista. A sociedadeurbanareeuropeizadadoBrasildosculoXIXassimilaereatualizaa proximidade. Tal elemento teve origem na intimidade sexual e cultural que predominou na colonizaobrasileira,entreraaseculturas.vlidosalientaraquiatesedequeOBrasil quesereeuropeizavaestavaemviasdetrocaraforahumanapelamaquinofaturasemter sequer passada pela transio da fora animal (Souza, 2000, p. 240). Com as classe populares perdendo importncia na nova sociedade, os mestios surgem comoaprendizesdemestresesetornamimportantes,representamameio-raa.Estava surgindo, de fato, uma civilizao brasileira, com caractersticas tpicas. Emvezapenasdosapangiosexterioresderaa,dentrodacomplexaritualsticaque,como conseqnciadamaiorproximidadesocialentreosdiversosestratossociaisqueaurbanizao enseja,instaura-senopasnessapoca,comoaformadevestimenta,acomida,omodode transporte,ojeitodeandar,otipodesapato,etc.,temos,apartirdeento,umelemento diferenciador novo. Esse elemento revolucionrio no melhor sentido burgus do termo, posto que interno enoexterno,sendo antes umasubstnciaeum contedo do queumaaparncia,mais ligados portanto aqualidades etalentos pessoais queaprivilgiosherdados (Souza, 2000, p. 241-2). Aperciaeoconhecimentosoelementosquepassamadefiniranovahierarquia social.Tem-seumelementodemocratizantedamobilidadesocial,ostatusperdesuaorigem pessoal.Aqui,omulatohabilidosopoderiasedarbem,poiselesurgecomoelemento intermedirio das duas classes extremas da ordem social anterior. A ascenso social do mulato bachareldeculturasuperior,masaristocrticodoqueaqueleartesoumsinalde modernizaodecimaparabaixa,deforaparadentroedebaixoparacima.necessrio entenderqueoEstadoplantaasementedeumasociedadecivil.Omulatobacharelvai desempenharfunesnoEstado.nestesentidoquetemosumamodernidadehbrida,j burguesa, mas ainda patriarcal, se bem que de um patriarcalismo j sublimado e mais abstrato eimpessoalnafiguradoimperadorpaidetodos,eagoramaisafastadoportantodo patriarcalismo familstico todo dominante na colnia (Souza, 2000, p. 242). Entretanto,aomesmotempoemqueomestioeraincorporadosociedadecivil emergente,onegropassavaporumprocessodeproletarizaoedemonizao,aomesmo tempoqueosnegroseospriasdosmucamboseramoselementosodiados,excludos,de quemtodosqueriamdistancia.Avestimentaaquiserviacomodistinosocial,uma necessidade de externalizar para marcar posies, nisso Freyre importante, e se aproxima de Elias. Aspossibilidadesdeascensosocialdomestiosjexistiamdevidoaosistemaque permitia dividir a herana entre filhos ilegtimosdos senhores. Haviam resistncias devido fragmentaodariquezadasgrandesfamlias.Issotambmsedeveproximidadeeafetividadeentresenhoresesuasconcubinas.Omulatoeracapazdeascensosocial, agregadoatodos.Quandoeleapareciabemvestido,logocausaespantoaosbrancos,pois podiaserumaameaassuasposies.Nestemomentonasciaosistemasocialbrasileiro contraditrioporexcelncia,poiseramesmosegregadoreassimilador(Freyre,1990ap. 399). Na verdade, Freyre advoga que se pode exercer outros papis.portantoapenascomaconsideraodosefeitosdaescravidomouraexpostosemCGSno contextodemodernizaoeeuropeizaodosculoXIXquepodemoscompreenderosignifica socialdoelementodeproximidadedasociedadeescravocratabrasileira.Freyrepercebiaqueos lugares sociais do patriarcalismo sempre foram funcionais e no-essencialistas. Isso permitia que a figuramasculinadopatriarcapudesseserexercidaporumamulher,aqualobviamentecontinua biologicamente mulher, mas era sociologicamente ou funcionalmente homem/patriarca. Assim, do mesmo modo, os afilhados ou sobrinhos, como eram chamados os filhos ilegtimos de senhores de terra e padres, os quais poderiam tornar-se sociologicamente filhos, herdando a riqueza paterna, oumesmo substituindo o pai na atividade produtiva. O mesmo trao sistmico fazia o biologicamente mulatotransformar-seemsociologicamentebranco,ouseja,ocuparposiessociaisque,num sistema escravocrata, so privilgio de brancos (Souza, 200, p. 243-4). A mestiagem e ascenso social do mestio na sociedade brasileira do sculo XIX, em plenareeuropeizaopermitemFreyredestacaraoposioentredemocraciaraciale democracia real ou poltica norte-americana. neste sentido que se defende o argumento de quenoBrasilonegroeomestiopoderiamnegociaremindividualmentesuasrespectivas condies no sistema social de trocas, algo impossvel no caso da escravido norte-americana, pois nesta o escravo no podia embranquecer, como acontecia no Brasil. Pode-se concluir que a reeuropeizao do Brasil permitia exatamente este embranquecimento. AhistoriografiaealiteraturasociolgicaanalisadassugeremquenoBrasila modernidadechegacomosportuguesesdenavio,impostasociedadecomoumtodo,nas suas dimenses material e simblica. Os valores modernos inicialmente eram estranhos a toda asociedadebrasileira,independentementedeclassesocial.Atmesmoaelitepatriarcalviu seupodersendocurvadoataisvalores.Entretanto,cabeaquiressaltarqueQuandoa modernidadeeuropiachagaaoBrasildenavio,naesteiradatrocademercadorias,seus valoresnosoumameramercadoriadeconsumo.Afinal,seriamessesvaloresqueiriam presidir a institucionalizao incipiente de formas extremamente eficazes de conduo da vida cotidiana:oEstadoeomercadocapitalistas(Souza,2000,p.245).Taisinstituies implicamnumarevoluosocialnoBrasil,modificamosvalores,apoltica,aeconomiaea cultura.Ospapissociaisforamradicalmentetransformados.Umanovaconfiguraosocial valorativa emerge na sociedade brasileira. As diferenas de raa e de classe so relativizadas no momento em que se d a assimilao da tecnologia e dos valores ocidentais na Brasil. OindivduoeuropeizadonoBrasileraaquelecapazderesponderaosestmulosda sociedadequeseformava.Issocontribuiuparasuperaraordempatriarcalbaseadana proximidade e nas relaes pessoais. De fato, Freyre observou que a partir de 1808 comea de fato a reeuropeizao do Brasil, o que implica no advento da revoluo burguesa brasileira e modernizadora.Entretanto,paraestudiososdarealidadenacionalElaoincioaomesmo tempo do Brasil moderno e da misria brasileira. Ela permite a ascensode amplas camadas sociais segundo critrios impessoais, por um lado, e condena toda uma classe, pelo abandono, condio secular de parias rurais e urbanos, por outro (Souza, 2000, p. 251).Freyre percebeu que a institucionalizao de valores burgueses no cotidiano brasileiro fezreproduzirtodaumaeconomiaemocional.Paranossosocilogoimportanteduas questesesquecidaspelossocilogosdainautenticidadebrasileira(DaMatta,1999,1991, 1981;Faoro,1984;eHollanda,1999),soelas(1)ainstitucionalizaodevalores (construodoestadoracionaledomercadocapitalista)comoexplicaodainflunciade valores novos sobre os indivduos, (2) a estratificao social, sendo esta uma seletividade do processodetransformaesnosvalores.Pode-sedefenderaidiadequenoBrasil europeizadodosculoXIX,estesvaloresmodernoseuniversaiseramfundamentosdas identidades,permitindodistinosocial,classificar,excluireincluirnasociedademoderna nascente.Nestesentido,concorda-secomaargumentaosegundoaqualApossede valores europeus individualistas vai, dessa forma, legitimar a dominao social de um estrato sobreooutro,vaijustificarosprivilgiosdeumsobreooutro,vaicalaraconscinciada injustia ao racionaliz-la e vai permitir a naturalizao da desigualdade como a percebemos e vivenciamos hoje (Souza, 2000, p. 251). 4 Proximidades entre Norbert Elias e Gilberto Freyre A aproximao entre a teoria do processo civilizador de Elias e a sociologia da cultura brasileiradeFreyrequepretendemosrealizarnestetrabalhosejustificapelofatodenos estudosfreyrianosdosprocessosdecivilizao(fundadosemumpontodevista sociogenticoehistricosocial),torna-seevidenteainflunciaindiretadoparadigma eliasiano, o qual tambm se interessou e se utilizou de receitas de cozinha, costumes, modos delevarocorpo,manuaisdeetiquetaeoutroselementosdedistinosocialqueso reveladoresdetransformaessociaisprofundas,culminandonasubstituiodaviolncia fsicadiretapelamonopolizaodaviolnciaincorporada,silenciosaesimblicaprpriada sociedade burguesa moderna, na qual a autocensura e o autocontrole marcam as condutas dosindivduos. verdadequeFreyre,especialmenteemCasagrandeesenzalaeSobradose mucambos, estava preocupado no apenas a histria cultural brasileira. Percebe-se que mesmo seutilizandodecategorias,svezes,demasiadamenteregionais,Freyreestavapensandoo lugar do Brasil no mundo, o Brasil e seu projeto civilizador no contexto mundial. Trata-se de buscarauniversalidadedosfenmenos,eassim,localizarcasosparticularesemaspectos universais.Freyrenoscolocaelementosquepermitementenderagramticasocialbrasileira,na qual a anlise da institucionalizao de estmulos seletivos para a conduta dos indivduos que acompemsetornafucralnoseulivroSobradoseMucambos.Nestetrabalhopode-se identificar o advento de uma revoluo modernizadora a partir da chegada da famlia real ao Brasilem1808.Trata-sedachegadadeduasinstituiessociaismodernasresponsveispor umnovotecidosocial:oEstadoracionaleomercadocapitalista.Noentanto,interessante sempreteremmentequeosvaloresuniversaisapartirdeagoradifundidossopautadosno individualismo moral ocidental, e que nem todas as camadas sociais brasileiras teriam acesso aestesbens,oqueimplicanumaseletividade.Talseletividadetambmenvolvedisputas entreosgrupossociaispelopoderrelativopolticoeeconmicoepelahegemoniasociale ideolgica.Nestesentido,interessanosahabilidadedeFreyreemdeteraquestoda institucionalizao de valores e concepes de mundo no Brasil, revelando sua especificidade. Taltarefa,oleitorfamiliarizadocomateoriasociolgicatemconhecimentodequejfoi realizada por Max Weber e Norbert Elias em outros casos especficos.WebereEliaspartiramdaimportnciafundamentaldaarticulaodeconcepesde mundo(conjuntosarticuladosdenormasevalores)eosestratossociaisqueservemde suportesaessasconcepesdemundo.Ainstitucionalizaodedeterminadosvaloresesua reproduo na vida prtica em alguns estratos sociais pode indicar o nascimento de um novo processo de civilizao. A nfase dada por Eliase Freyreao papel do Estado racional moderno edo mercado capitalistanatransformaodavidasocial,enaemergnciadeumanovasociabilidadee economia emocional importante para entender as especificidades analisadas por cada autor. Noentanto,devemosavisaroleitordequeEliasfoirealmenteograndepioneironeste esquemadeabordagem.SegundoElias,oEstadomoderno,atravsdoseumonoplioda violnciafsicanasociedade,constituiomaisevidenteaspectodeumprocessode desenvolvimentomilenarnasformasdadominaopoltica,quetemcomoimplicao principalamodificaodapsiqueindividual.Cria-seumnovoindivduoenovosvalorese condutas sociais. De fato, o Estado moderno passa a exercer mais do que um controle externo, o controle interno dos indivduos. A competio social por bens materiais e simblicos torna-seregidapornormasinstitudassquaisosindivduosinternalizamemsuasprticas cotidianas.Oqueimplicamemhomologiasentreodesenvolvimentodeumadadaformao socialedeumindivduomoderno,pautadoporvaloresuniversaisdoindividualismomoral burgus ocidental.TalvezoquemaisnosinteresseaquinopensamentodeElias(1982)sejasua demonstrao, utilizando-se de uma excelente base material emprico, de como o processo de centralizaodoEstadomoderno,baseadoemseuaparatojurdico(leisquegarantemo monopliodaviolncia)paralelotransformaodadimensopsquicaindividual.Isso significa a formao de uma nova e peculiar economia emocional na qual impulsos naturais, emoes e desejos so reprimidos, pois se tornaram impossveis de serem vividos. Tudo que trazconstrangimento,causavergonhaperanteooutrodeveserreprimido,proibidode externalizao. Os comportamentos anti-sociais so evitados. A regulao social que o Estado passa a exercer modifica completamente a estrutura da psique individual e coletiva. AaodopoderimpessoalqueoEstadoexercenoselimitaaoespaopblico,ao mundodaruaedasinstituiessociais.Osvaloresqueestepodercomandaconduzas pessoas,sejadentrodacasadecadaumouemoutrosuniversossociais.Taisvaloresdeterminam como devemos agir, sentir e desejar. Nossa investigao revelou que o mercado e Estado(ospoderesimpessoaisquecriamoindivduomoderno)soinstituiesque exercemseusefeitosempraticamentetodasasesferasdavidasocial.Taisefeitosesto presentesnoscontatosfaceafacedavidacotidiana,penetramnasnossasconscincias, criandovnculosentreavidainstitucionaleaspredisposiesvalorativasindividuaisque consolidamumanovasociedade.Estapautadaporvaloresmoraismodernos,considerados civilizados.O leitor deve ter em mente que o fio condutor da presente abordagem sociolgica a tentativa de explicitar os elementos caractersticos da formao da civilizao nos trpicos, e a partir da identificar elementos passveis de comparao entre Freyre e Elias. Sabemos que emCasaGrandeeSenzala,Freyre(1956)ofereceumaexplicaosocialepsicolgicado sistema patriarcal brasileiro. A famlia aparece como unidade bsica, isso, obviamente, graas distnciadoEstadoportugus.Freyreapia-seemcondicionamentosmacrossociolgicos (em semelhana com Elias para pensar a passagem da baixa alta Idade Mdia na Europa). A Elias, interessou revelar a interdependncia entre a forma peculiar de organizao social e a formacorrespondentementeespecficadeeconomiaemocionalederelaesintersubjetivas que se estabelecem em dada sociedade (Souza, 2000, p. 227). PodemossalientaraquiabrilhanterelaoqueSouzaidentificaentreFreyreeElias. Vejamos suas palavras:ApenasnapassagemdabaixaaltaIdadeMdia,oumelhor,napassagemdasociedadede cavaleirosguerreirosparaasociedadeincipientementecortes,temosavercomumaprimeira formaderegulaoexternasignificativadaconduta,aindaqueestejamosmuitolongedotipode regulaointernaexigidoporumasociedadeindustrialdemocrticamoderna.Aformasocial anterior, no entanto, a sociedade guerreira medieval, como descrita por Elias, em muitos aspectos semelhante brasileira colonial como vista por Gilberto Freyre (Souza, 2000, p. 227). ConcordamosplenamentecomaargumentaodeSouza.AleituradeOProcesso Civilizador (volumes 1 e 2 ) e dos textos acima mencionados de Freyre nos permite perceber que em ambos os casos, ou seja, na sociedade escravocrata brasileira e na sociedade medieval guerreira, o domnio da classe dominante era exercido pela violncia armada direta, o que no propiciaaconstruoeainternalizaodefreiossociaiseindividuaisnoqueserefereaos desejos primrios, sexo, agressividade, avidez etc. As emoes eram vividas sem limites. Nestassociedades,asrivalidadescomosvizinhossovividascomosefossem agressescontraossenhores.ParaElias,haviamintrigas,invejaseafetoscontraditrios,tal comofalavaFreyredosexcessosvividosnasociedadebrasileira.ParaFreyre,asementeda formao social brasileira estaria no no reconhecimento da alteridade, na busca perversa do prazeratravsdasrelaesinterpessoais.Adireodosimpulsosdependedeinfluncias externas. Eliasentendeocarternacionalcomoumesquemadevidaespiritualeafetivade indivduosquesosocializadospormeiodapressodetradiesinternalizadase institucionalizadasdemodoespecficos.Asclasseslutampelahegemoniaideolgicade definio destes esquemas de comportamento. Portanto, A anlise de Elias permite superar o intencionalismoeosubjetivismodanossasociologiadainautenticidadeepercebera seletividade de nossa modernidade na permanncia da desigualdade (Souza, 2000, p. 57). Freyre defendeu a proposio de uma sociedade sadomasoquista, como herana de sua sociabilidadecolonialespecfica.Freyrerompecomaidiadecontinuidadeibrica.A escravido em Portugal, na poca do descobrimento do Brasil, no guarda semelhanas com a sociedadebrasileiraestruturadasobreotrabalhoescravo.Osvaloresnosotransportados automaticamente.importantecomoasrelaessociaisaquiforaminstitucionalizadase ganharampermanncia.Oquemarcaaespecificidadedestasociedadeaformadarelao dos senhores de engenho com os nativos e outros que aqui estiveram. Tal proposio sustenta a relao entre privilegiados e oprimidos na sociedade atual. Deve-se considerar que 1808 a data simblica que marca a mudana histrica de introduo do mercado capitalista (troca de mercadorias)edoadventodoEstadoracionalmoderno.Naverdade,comachegadadetais instituiesnoBrasilsedumamudanaradicalnosvaloreserelaessociaismodernas,e noexatamentecomaimigraoalem,italiana,nemaopatrimonialismo,comofazSrgio Buarque de Hollanda. NasegundametadedosculoXIX,oprocessodescritoporElias,deconstruodeumpadro emocional e reflexivo comum s distintas classes sociais dos pases europeus centrais, possibilidade estaabertapeladominnciasocialdaprimeiraclassedirigentedahistriaquetrabalha,a burguesia,aindaestavalongedoseutrmino.EspecialmentenaItliaenaAlemanha,pasesde onde vieram os maiores contingentes de imigrantes para o nosso pas, esse processo, condicionado pelorelativodessespasesemrelaoaoprocessodeindustrializao,foitardio.Comoimaginar queessesdespossudosdocampoedacidadetenhamsidoosportadoresdamodernizaoentre ns? (Souza, p. 252-3). OmritodeFreyrenaexplicaodanossasingularidadebrasileiraresidenofatode queelepercebeucompropriedadequearevoluomodernizadoradaprimeirametadedo sculoXIXtinhavindoparaficareparaprdepontacabeaosvaloresdopersonalismo ento dominante no nosso pas. O personalismo vencido tanto na esfera privada, da prpria casa do senhor de terras e de gente, como no espao pblico (Souza, 2000, p. 255). A palavra modernizao indica todas as mudanas na sociedade. O discurso que legitima as vontades e prticasodamodernizao,comoumcdigodoindividualismomoralocidental.Tais valoresebensdecunhomodernonoeramacessveisatodos.Masimportaanalisara institucionalizaodoacessodiferenciadodosbensculturais,aceitospelamaioriada populao como valores dominantes.O escravo no podia ter o reconhecimento do senhor, pois lhe era negada humanidade. Diferentemente do servo medieval, que se fosse cumpridor de seus deveres, podia ser um bom servo.TaldiferenaentreescravoeservolevaEliasapleitearumcaminhoespecficodo desenvolvimentosocialeuropeuapartirdaIdadeMdia,eporoposioAntiguidade escravocrata.Apresenadoescravoteriaimpossibilitado,entreoutrascoisas,aconscincia dadependnciarecprocaentreosestratossuperioreseinferioresosquaislevaram sociedade democrtica moderna (Souza, 2000, p. 256-7). Nas palavras de Elias, cabe lembrar queNo apenas a diviso do trabalho, a integrao dos homens, a dependncia recproca entre estratos superiores e inferiores com ela a composio da economia pulsional de ambos os estratos sociais, se desenvolvem em uma sociedade escravocrata de outro modo que numa sociedade com trabalho maisoumenoslivre.Tambmastensessociaiseatafunododinheirosodistintosnume noutro caso. Isso sem levar em contaaimportnciado trabalho livreparao desenvolvimento de uma infra-estrutura laboral (Elias, 1993, p. 70). Acondionohumanadoescravoimpossibilitaaformadeinstitucionalizao compartilhadadeumapersonalidadeautnoma,cominstituiesmodernas.Osescravosno sosujeitos,masobjetosdosenhor,notmgarantiasnemdireitos.NoBrasil,oimpessoal semprefoireduzidoaomnimodevidoausnciadepadresimpessoaisdeconduta,oque reforaaculturadofavoraospatres.Comosescravosdomsticos,haviapossibilidadede ganharvantagenseproximidadescomosenhor.Issoforavaobedinciaefidelidadeao senhor e aos demais membros de sua famlia. Freyre mostrou que o advento dos valores mercantis capitalistas representou a alguns grupossociaispossibilidadesdeascensosocial.Algunsmestios,individualmentepodem participaratdamquinadoEstado.Aimportnciadotrabalhanaintroduodeuma economia emocional especial merece ser destacada. A burguesia a primeira classe dirigente que trabalha, por isso o trabalho ganha um novo sentido na sociedade burguesa (Elias, 1993, p.434-455),ensejandoosurgimentodeumtipouniformedeserhumano,quemantmuma relaoespecialentrerazoeemoesconformeasnecessidadeseaculturadasociedade capitalista,clculoenecessidadeprevistas.Otrabalhotorna-sepressupostodecidadania moderna. Oquepodeserentendidocomoelementodedescontinuidadearevoluo modernizadoraquetransformaoBrasilnosculoXIX(1808),averdadeirarevoluo burguesa, o mercado e o Estado, numa linha de continuidades. Novos valores e instituies se consolidam no Brasil. O processo de modernizao brasileira seletiva, pois o senhor teve que se adaptar aos novosvalores,oescravoabandonadoeficadesprovidodosbensdonovosistema. Inicialmente quem vai ocupar os empregos implementados com o sistema de maquinofatura o mulato, posteriormente o imigrante europeu. 5 Consideraes Finais O objetivo deste trabalho foi analisar as possibilidades de dilogo entre a sociologia da civilizaodeEliaseasociologiadaformaoedodesenvolvimentodaculturaeda sociedadebrasileiras.Nossapropsitoprincipalerarealizaraproximaesentreosdois autores e identificar elementos presentes na sociologia de Elias passveis de serem utilizados para se pensar o processo de construo de uma civilizao brasileira.Ao investigarem os processos de civilizao (sob perspectivas histrica social e/ou sociogentica)EliaseFreyreseutilizamdeaspectosconsideradostriviaispelateoriasocial dominante,comocostumes,receitasdecozinha,etiquetas,modosdelidarcomocorpo, formasdealimentao,almdeoutroselementosdedistinosocial.Amboscentram-sena institucionalizao de valores e concepes de mundo.ConclumosquenasociologiadacivilizaoemElias,oEstadomodernoatravsdo monoplio da violncia fsica consegue formas de dominao poltica, modificando a psique individual. Com relao sociologia de Freyre, vimos que esta compreende a modernidade e acivilizaobrasileirascomoresultadodeumaformaespecficadareeuropeizaoque transformouculturaleestruturalmenteopasapartirde1808(vindadafamliareal)coma chega do Estado moderno e do mercado, instituies transformadoras das relaes sociais. 6 Referncias Bibliogrficas ARAJO,R.B.de.Guerraepaz:casagrandeesenzalaeaobradeGilbertoFreyrenos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. ARAJO,R.B.de.InmemorianGilbertoFreyre.Dados,v.30,n.2,RiodeJaneiro: IUPERJ, 1987. BASTOS, E. R. Gilberto Freyre e a questo regional. In: MORAES, R., FERRANTE, R. & ANTUNES, V. (Orgs.).Inteligncia brasileira. So Paulo: Brasiliense, 1986. BURKE,Peter.AculturamaterialnaobradeGilbertoFreyre.In:FALCO,Joaquim,& ARAJO,RosaMariaBarbozade.(Orgs.).Oimperadordasidias:GilbertoFreyreem questo. Rio de Janeiro: Fundao Roberto Marinho, 2001. CHARTIER, R. Formation sociale et conomiepsychique: la socit de tour dans le procs de civilisation. In: Prefacio, ELIAS, N. 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