populaçoes meridionais oliveira vianna

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Conselho E ditorialEdies Eletrnicas

Populaes Meridionais do Brasil

Oliveira Viana

Biblioteca Bsica

Classicos da Poltica

Brasil 500 anos

Memria Brasileira

O Brasil Visto por Estrangeiros

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Sumrio

Fundao da Ptria Brasileira, de Eduardo S, in Documentos Histricos do Brasil, de Arno Wehling.

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POPULAES MERIDIONAIS DO BRASIL

Mesa DiretoraBinio 2003/2004

Senador Jos Sarney Presidente Senador Paulo Paim 1 Vice-Presidente Senador Romeu Tuma 1 Secretrio Senador Herclito Fortes 3 Secretrio Senador Eduardo Siqueira Campos 2 Vice-Presidente Senador Alberto Silva 2 Secretrio Senador Srgio Zambiasi 4 Secretrio

Suplentes de Secretrio Senador Joo Alberto Souza Senador Geraldo Mesquita Jnior Senadora Serys Slhessarenko Senador Marcelo Crivella

Conselho EditorialSenador Jos Sarney Presidente Joaquim Campelo Marques Vice-Presidente

Conselheiros Carlos Henrique Cardim Joo Almino Carlyle Coutinho Madruga Raimundo Pontes Cunha Neto

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Edies do Senado Federal Vol. 27

POPULAES MERIDIONAIS DO BRASILOliveira Viana

Braslia 2005

EDIES DO SENADO FEDERAL Vol. 27 O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em 31 de janeiro de 1997, buscar editar, sempre, obras de valor histrico e cultural e de importncia relevante para a compreenso da histria poltica, econmica e social do Brasil e reflexo sobre os destinos do pas.

Projeto grfico: Achilles Milan Neto Senado Federal, 2005 Congresso Nacional Praa dos Trs Poderes s/n CEP 70165-900 Braslia DF [email protected] Http://www.senado.gov.br/web/conselho/conselho.htm

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Vianna, Oliveira, 1883-1951. Populaes meridionais do Brasil / Oliveira Vianna. -Braslia : Senado Federal, Conselho Editorial, 2005. 424 p. -- (Edies do Senado Federal ; v. 27) 1. Populao rural, Brasil, regio Sudeste. 2. Sociologia rural, Brasil, regio Sudeste. 3. Poltica e Governo, Brasil, regio Sudeste. I. Ttulo. II. Srie.

CDD 307.72

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SumrioApresentao do Senador Jos Sarney pg. 17 Introduo de Antnio Paim pg. 19

POPULAES RURAIS DO CENTRO-SUL

(Paulistas-Fluminenses-Mineiros) Palavras de prefcio pg. 49A ARISTOCRACIA RURAL

I Formao do tipo ruralI Esplendor da sociedade colonial nos primeiros sculos. A aristocracia pernambucana. A aristocracia paulista. II Evoluo da aristocracia peninsular. O advento da nobreza palaciana. III Os colonos e o novo meio. Conflito de tendncias. Tendncia urbana. Tendncia rural. Preponderncia inicial da primeira. Preponderncia final da segunda. Centrifugismo urbano e internao rural. IV Efeitos sociais da internao rural. V e VI Efeitos psicolgicos da internao rural. O sentimento da vida rural. O brasileiro e o seu temperamento rural. Confrontos e diferenciaes.

pg. 63 II Preponderncia do tipo ruralI O governo colonial e a nobreza da terra. Papel secundrio da nobreza rural na administrao colonial. Sua obscuridade rural. Causas que a tiram

dessa obscuridade. II Concentrao, no IV sculo, da nobreza rural no centro carioca. O pao imperial. Composio da sociedade palaciana. Elementos que a freqentam: as trs classes. Os lusos transmigrados. Os mercadores. III Os potentados rurais. O seu lealismo; o seu polimento social e a sua cultura. IV Disputas de preferncias. O pao e as suas graas. Triunfo final da nobreza nacional. V A nobreza territorial e sua funo em nossa histria. O grande acontecimento do IV sculo.

pg. 83 III Psicologia do tipo ruralI Mentalidade da aristocracia rural. Contribuio brasileira. Reaes do nosso meio. II O meio rural: sua ao psicolgica. O conformismo rural. O latifndio como modificador social. III Organizao da famlia rural. Famlia plebia. Famlia senhorial. Poder do pater familias na famlia senhorial. Funo educadora. IV Psicologia do homem rural. O urbano e o matuto. Mentalidade especfica do nosso homem rural. Quatro qualidades fundamentais. V 1 ) O sentimento da fidelidade palavra dada. Origens peninsulares. Contribuio do meio americano. VI 2) O sentimento da probidade. Elementos lusos. Elementos nacionais. VII 3 ) O sentimento da respeitabilidade. Sua formao nacional. Causas intensificadoras deste sentimento na alta classe rural. VIII 4) O sentimento da independncia. Como o nosso meio rural o desenvolveu. O patriciado rural e sua hombridade poltica. Exemplos histricos. IX O patriciado rural e as variaes regionais da sua mentalidade. Os paulistas. Os mineiros. Os fluminenses. Traos diferenciais de cada grupo.

pg. 95PRIMEIRA PARTE FORMAO HISTRICA

IV Pequena histria do domnio ruralI Prestgio e poder da nobreza paulista. II Expanso agrcola no I e II sculos. III. O grande domnio e a pequena propriedade; seu antagonismo no perodo colonial. IV O labor dos engenhos. Os elementos do trabalho. Escravizao dos ndios. V Populao do grande domnio. Elementos componentes. O grupo senhorial; composio tnica; solidariedade parental; funo social. Os escravos; sua situao. VI Os agregados. Formao desta classe. Condio social. Composio tnica. VII O latifndio fazendeiro; sua funo antropolgica.

VIII Os mestios. Sua psicologia. IX Funo histrica do mestio. X Organizao militar do grande domnio. XI O cl anrquico. Elementos de agitao e turbulncia. XII O grande domnio vicentista; sua fisionomia original. Caractersticos diferenciais.

pg. 113 V Disperso dos PaulistasI O grande domnio vicentista e as bandeiras. O grupo bandeirante o prprio domnio em movimento. II Os chefes bandeirantes. Sua Formao moral. Sua capacidade de ao. Eles e a Metrpole. III Os enxames bandeirantes. Causas econmicas da irradiao vicentista. Pletora demogrfica e misria. IV O que a bandeira. Sua composio. Sua organizao. V Fatores auxiliares da irradiao vicentista: o regime pastoril; o meio geogrfico. VI Capacidade emigratria dos paulistas. Os ncleos bandeirantes e sua extraordinria mobilidade. Sua capacidade colonizadora. Causas antropolgicas da expanso paulista. VII Expanso paulista. Expanso para o sul: corrente do litoral e corrente do planalto; diretrizes. Expanso para o norte e para o oeste; povoamento de Minas, Gois e Mato Grosso. O Rio S. Francisco e a colonizao paulista. VIII Zonas de fixao das bandeiras. Enormidade da sua rea de disperso.

pg. 135 VI Etnologia das classes ruraisI Bandeiras de colonizao e bandeiras de explorao. Elementos componentes de umas e de outras. Formao da aristocracia rural. II Os paulistas e a propriedade da terra nas regies recm-descobertas. Tendncia oligrquica. Valor seletivo dos preconceitos de raa e de classe. Segregao aristocrtica da alta classe rural. III Os emboabas. Suas origens histricas e sociais. Sua ascenso. Queda da nobreza paulista. Vitria da democracia colonial. Conseqncias. IV Os mestios. Subalternidade deles na sociedade colonial. Exemplos histricos. V. Os mulatos; sua antropognese. Os mulatos superiores. Sua tendncia ascensional. Meios de ascenso. VI Antropossociologia dos mestios. Tipos inferiores. Tipos superiores. Instabilidade moral dos mestios. Sua psicologia contraditria. Lugar social da concentrao da mestiagem. A plebe rural: heterogeneidade da sua composio. VII Composio ariana da nova aristocracia rural nos trs primeiros sculos. Importncia deste fato sobre a evoluo da nossa mentalidade coletiva. Preponderncia do esprito ariano em nosso povo e em nossa histria.

pg. 157

SEGUNDA PARTE FORMAO SOCIAL

VII Funo simplificadora do grande domnio ruralI O grande domnio fazendeiro: sua extenso geogrfica. II Independncia econmica do grande domnio. Exemplos. III Funo simplificadora do grande domnio. O grande domnio e a classe comercial. O grande domnio e a classe industrial. O grande domnio e as classes urbanas. IV O grande domnio e o proletariado rural. Dissociao de interesses e de classes. Causas naturais e sociais. V O grande domnio e a classe foreira. Desvinculao e insolidariedade. Causas. VI O grande domnio e a pequena propriedade. Embaraos opostos por ele organizao da pequena propriedade e formao de uma classe mdia. VII e VIII Fatores que impedem entre ns a organizao da hierarquia feudal. O carter rudimentar da nossa estrutura social.

pg. 183 VIII Gnese dos cls e do esprito de clI Os cls rurais. Elementos de composio. Subordinao de toda a sociedade rural ao regime do cl. II Causas genticas dos cls. A anarquia branca. III Os aparelhos da justia colonial: corrupo e insuficincia. IV Os aparelhos da administrao colonial. Os capites-mores. Suas violncias e sua parcialidade. V As municipalidades coloniais. Poderes administrativos e composio aristocrtica. Como se fazem fatores de gregarismo. VI O recrutamento como agente do esprito do cl. O servio militar e a nossa psicologia marcial. VII O homem do povo e a sua desproteo. Ausncia em nosso povo de instituies privadas de proteo e defesa dos fracos e inermes. O grande senhor de terras o protetor ideal do baixo povo. Formao do cl rural. VIII O cl rural. Composio e esprito de corpo. IX O esprito do cl: seus caractersticos. Psicologia poltica do nosso homem do povo.

pg. 207 IX Instituies de solidariedade socialI Carncia de instituies de solidariedade social em nosso povo. II Causas de insolidariedade social. III Gnese do sentimento da solidariedade. Formas objetivas da solidariedade. O nosso povo e a solidariedade social. IV Instituies de cooperao social. Por que no se formaram em nosso povo. V Rudimentarismo do nosso senso de coope-

rao e solidariedade. VI Leis da formao e organizao social do nosso povo.

pg. 229TERCEIRA PARTE FORMAO POLTICA

X Funo poltica da plebe ruralI Organizao da defesa privada. Os trs grandes inimigos da ordem social no perodo colonial. Origem da capangagem senhorial. II Formao da capangagem senhorial. Elementos infixos do baixo povo: sua abundncia e sua utilizao pelo caudilho rural. III Os mestios inferiores: sua funo poltica. IV Utilizao dos mestios inferiores como agentes destrutivos e de agresso. V Extrema abundncia de mestios inferiores na sociedade colonial. Valor do mestio como elemento combatente.

pg. 245 XI Os grandes caudilhos territoriais e a anarquia colonialI Os caudilhos paulistas. Sua solidariedade. Seu formidvel poder. II O cl bandeirante. Sua estrutura; seu enquadramento; sua organizao. III Lutas dos caudilhos entre si. Os Pires e os Camargos. IV Os caudilhos paulistas e os jesutas. V Extenso da rea da anarquia. Campos dos Goitacazes. Regies do planalto. O Rio de Janeiro. VI Regio das minas. Os tumultos mineiros. VII Guerra dos emboabas. A insolncia dos rebeldes. Dissoluo da autoridade. VIII Causas da anarquia colonial. Disparidade entre a marcha da sociedade e a marcha do poder pblico. Enfraquecimento progressivo da autoridade. Poder crescente dos caudilhos.

pg. 259 XII Organizao da ordem legalI O poder colonial e a caudilhagem. II Reao contra a anarquia. Por que esta reao s se inicia no III sculo. III Poltica sincretista. O desmembramento das capitanias. Objetivos visados. IV Eficcia da reao. Os primeiros efeitos. Em Minas. Em So Paulo. V O Distrito Diamantino e a reao legalizadora. VI Os efeitos da triturao da caudilhagem nos Campos dos Goitacazes. VII Outros mtodos de triturao da caudilhagem. VIII O Cdigo de Processo de 32.

Revivescncia do esprito anrquico. IX Luta contra o municipalismo. O Ato Adicional. Hegemonia do poder provincial. X O caudilhismo provincial. Os seus excessos. Fraqueza do poder nacional. XI Reao contra o Ato Adicional. O movimento da centralizao. XII Reforma centralizadora de 41. Hegemonia do poder central. ltimas reaes do esprito provincial. XIII Organizao da ordem legal. O II Imprio e a pax brasilica.

pg. 277 XIII Desintegrao dos cls rurais ao SulI O objetivo da reao sincretista: enfraquecimento da nobreza territorial. II Meios empregados. O mtodo frontal. Processos indiretos. III Fatores da desintegrao. O fator econmico. Correlao entre o caudilhismo e o pastoreio. O regime agrcola como agente de legalidade. IV e V O regime das partilhas como agente da desintegrao. VI Os cls rurais; sua desintegrao e sua fraqueza diante do poder no IV sculo.

pg. 299 XIV Funo poltica da CoroaI O Rei: o grande papel desse personagem. II O esprito separatista e suas manifestaes histricas. III e IV O prestgio do Rei como fora de sincretismo e unificao. Exemplos. V O Rei e os partidos. O poder pessoal e sua funo reguladora. VI O regime da centralizao e o poder moderador. Formao dos gabinetes. VII O Conselho de Estado e o Senado. Foras de conservao e centralizao. VIII O poder pessoal e a sua ao corretora do esprito da faco. A frmula: o Rei reina, governa e administra. IX Os gabinetes e as quedas dos partidos. Ao antifacciosa do poder pessoal. X O poder pessoal e os chefes de partido. XI Poltica imperial. Seus objetivos. XII O poder pessoal e a desintegrao sistemtica das oligarquias parlamentares. XIII D. Pedro II. Grandeza do seu reinado.

pg. 309 XV Instituies municipaisI O nosso meio social e sua hostilidade solidariedade comunal. II Comunidades saxnias: sua complexidade. Diferenas entre elas e os nossos municpios. III Os nossos ncleos municipais. Sua gnese. So criaes do poder e no da sociedade. IV As comunidades ocidentais e as suas instituies. V Gnese das comunidades germnicas e saxnias. VI Causas formadoras das comunidades ocidentais. O fator: densidade demogrfica. VII Condensao da populao em pequenos espaos: trao distintivo das sociedades do Ocidente. Disperso da populao por

imensas extenses de terra: trao distintivo da nossa sociedade. VIII Concentrao urbana e necessidade de defesa externa. IX Origens das comunas medievais: defesa contra o senhor feudal. X Luta com o estrangeiro: fator de integrao comunal. Exemplos histricos. XI O nosso esprito comunal e o seu rudimentarismo. Qual a nossa verdadeira clula da vida pblica? XII Solidariedade do cl rural: nica espcie de solidariedade, que conseguimos formar. Conseqncias prticas deste fato.

pg. 327 XVI Formao da idia do EstadoI Os elementos formadores da mentalidade poltica dos gachos. Lutas com a caudilhagem platina II O habitat matuto; sua defesa natural. III Evoluo pacfica da sociedade matuta. IV Os ncolas: como se defende deles a sociedade matuta. Os sertanistas e o seu poder. Conseqncias. V O quilombola e o caudilho. Eliminao do quilombola. Lutas locais de caudilhos. Conseqncias. VI A sociedade matuta e a organizao dos Poderes Pblicos. Estes, como organismos artificiais. VII O carter odioso da administrao colonial. Preocupao fiscal. Opresso da populao nas minas. Processos draconianos. VIII Os dzimos da lavoura e seu carter vexatrio. Outras violncias do poder colonial. Interdio de comunicaes. Suco fiscal. IX Discordncia entre o rudimentarismo da sociedade colonial e o seu complexo aparelhamento poltico. X Mentalidade poltica das nossas populaes rurais. O poder central e o poder local: diversidade na atitude dos matutos para com um e para com outro. XI Intelectualizao do conceito do Estado. O nosso conceito do Estado: seu carter elementar. Conseqncias prticas. XII O quadro dos Poderes Pblicos, entre ns, no representa uma necessidade coletiva. O Poder Central e sua misso nacional.

pg. 347QUARTA PARTE PSICOLOGIA POLTICA

XVII Gnese do sentimento das liberdades pblicasI Singularidade da nossa evoluo poltica. Carncia de causas que desenvolvam e avivem a conscincia das liberdades pblicas. Confuso entre sentimento da liberdade e sentimento da independncia.

Possumos este; mas, no aquele. II Histria das liberdades britnicas. O carter ingls: como se forja nele o sentimento da liberdade. III O temperamento do nosso povo; seu reflexo na nossa histria poltica. Incapacidade para a crueldade, para a tirania e para a injustia. Confronto entre ns e os hispano-americanos. Francia e Floriano. O valor das nossas qualidades morais privadas.

pg. 369 XVIII Psicologia das revolues meridionaisI Condies para organizar revolues contra o poder. Condies morais, sociais, econmicas e geogrficas. II O matuto e sua combatividade. Ele e o gacho. Ele e o sertanejo. Placabilidade e morigerao do matuto. III O matuto e o sentimento da liberdade poltica. Ele e o anglo-saxo. Por que fraca entre ns a reatividade cvica. IV Os homens do Centro-Sul paradigma do nosso temperamento poltico. Revolues do Centro-Sul: seus caracteres especficos. Elas e as revolues gachas. Elas e as insurreies sertanejas. V Revolues meridionais: suas origens exticas, extranacionais. VI O homem do Centro-Sul e seu estatismo: timidez poltica do matuto. Confronto com sertanejos e gachos. Diferenas essenciais. O personagem reinante: nas matas; nos campos; nos sertes. VII Inaptido do homem do Centro-Sul para a ao em conjunto. VIII Confronto com o gacho. Confronto com o sertanejo. O carter oclocrtico das revolues do Centro-Sul. IX Sntese dos caracteres especficos das revolues meridionais.

pg. 381 XIX Funo poltica das populaes do Centro-SulI Sociedades americanas e sociedades europias. Diferenas fundamentais. Os problemas da organizao poltica. Como o resolvem as sociedades europias. Como o resolvem as sociedades americanas. Contradio entre o regime poltico e a realidade social. II O problema da organizao poltica em nosso povo. Os dois grandes objetivos do Estado entre ns. Necessidade de reao contra o liberalismo. Luta entre o esprito de autoridade e o esprito de liberdade. Os organizadores do poder civil e da unidade nacional. III Funo poltica das populaes do Centro-Sul IV Ns e os hispano-americanos. Como na nossa evoluo poltica se reflete o temperamento do homem do Centro-Sul.

pg. 399

Addendum pg. 409 Bibliografia pg. 415 ndice onomstico pg. 419

Sumrio

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O direito diversidadeSENADOR JOS SARNEY

dmico sobre a nossa realidade poltica e social necessrio exerccio de tolerncia, de saber conviver com os contrrios, de admitir idias contrastantes a fim de que se possa, com iseno, estudar e analisar o percurso da reflexo sobre a poltica e a histria brasileiras das idias. O prprio Oliveira Viana traou neste livro um inventrio de comportamentos que lhe permitiu concluir que preciso entender e perceber o fato histrico em sua circunstncia social e cultural. Historiador de idias, influenciado por Tobias Barreto e Alberto Torres, Oliveira Viana pugnou por um centralismo autoritrio e contribuiu para o governo forte de Getlio Vargas. Oliveira Viana, como Tobias Barreto, tentou compreender a alma brasileira. E a alma brasileira para ele estava nas trs sociedades diferentes: a dos sertes, a das matas, a dos pampas, com seus trs tipos especficos: o sertanejo, o matuto, o gacho. Props-se a estudar as populaes do Sul e do Norte. Neste Populaes

P

ARA que se possa compreender a trajetria do pensamento aca-

Sumrio

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Oliveira Viana

Meridionais do Brasil, centrou sua anlise nos povos do Sul, no que chamou de seus tipos mais caractersticos: o matuto e o gacho. Estudando as populaes rurais, Oliveira Viana deixou de lado a marcha civilizatria da formao das cidades, assim como o processo de industrializao, embora incipiente, que o Brasil empreendeu. As populaes rurais sempre foram conservadoras e, se tiveram um papel relevante na consolidao do pensamento brasileiro nos trs primeiros sculos da nossa colonizao at fins do Segundo Imprio, no se podem negar outros fatores externos, alguns condenados por Oliveira Viana, como o movimento democrtico da revoluo francesa, as agitaes parlamentares inglesas; o esprito liberal das instituies que regem a Repblica Americana, o esprito do tempo e a marcha irreversvel da Histria. Contudo, o que este livro vem provar, sejamos contra ou a favor das idias aqui contidas, diz respeito ao fato de que devemos conhecer a inteligncia do raciocnio do exegeta e argcia do pesquisador. As idias de Oliveira Viana ele que tanto estudou a formao das idias no Brasil se formaram em seu contexto e ambiente cultural e social. interessante observar que, sob esta tica, o terico torna-se objeto de seu prprio mtodo. Oliveira Viana tem a pretenso de captar o que ele chamou de a psicologia coletiva do povo brasileiro. O historiador no se contenta apenas em vivenciar a experincia acadmica: Oliveira Viana pertence quela estirpe de homens que desejam modificar os destinos de sua ptria. Sua vida j seria suficiente para justificar esta afirmao. Mas o prprio estudioso que, neste livro, afirma que escreveu esses ensaios como contribuio e no intuito de trazer aos responsveis pela direo do pas para o conhecimento objetivo do nosso povo. O Conselho Editorial do Senado, ao publicar Populaes Meridionais do Brasil, cumpre com sua funo de alargar os horizontes de apreenso e de exame da realidade brasileira, a fim de que, com seu amplo e variado painel da vida nacional, possa oferecer aos pesquisadores material substantivo para a anlise social e poltica do nosso pas.Prxima pgina

Sumrio

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IntroduoANTNIO PAIM

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ELEMENTO mais caracterstico de nosso perodo repu-

blicano que, dentro em breve, completar seu primeiro sculo , sem dvida, ascenso do autoritarismo poltico. Durante largo perodo, trata-se apenas de prtica autoritria. Nessa fase, elimina-se a representao, mediante o expediente de promover o reconhecimento dos mandatos parlamentares, a partir do Governo Campos Sales, mas se mantendo intocada a Constituio. Sucedem-se os desrespeitos s liberdades consagradas pela Carta Magna, seguidos sempre da preocupao de salvar as aparncias desde que o Parlamento era instalado a votar os estados de stio. Talvez a histria poltica brasileira na Repblica Velha que tenha inspirado a tese segundo a qual, no Brasil, a prtica nada tem a ver com a teoria. De fato, ao longo das quatro primeiras dcadas republicanas, tivemos um arcabouo constitucional flagrantemente contrariado pela atuao dos governantes. A primeira expresso de autoritarismo doutrinrio coerentemente elaborado seria o castilhismo.1 Inspirando-se em Comte, JlioA inconsistncia da pregao dos positivistas ortodoxos em prol da ditadura republicana pode ser comprovada por meio da antologia integrante da Coleo Biblioteca do Pensamento Poltico Republicano, intitulada O Apostolado Positivista e a Repblica.

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Oliveira Viana

de Castilhos (1860/1903) dotou o Rio Grande do Sul de instituies aberta e francamente autoritrias. A prtica de trs decnios, sob a batuta de Borges de Medeiros (1864/1961), permitiu aprimor-las e formar uma elite altamente qualificada, votando o mais solene desprezo pelo liberalismo, certa de que a poca dos governos representativos havia passado. Essa elite que chegaria ao poder com a Revoluo de 30. A ascendncia de Getlio Vargas (1883/1954) durante os anos trinta e a implantao do Estado Novo correspondem vitria e consagrao do castilhismo. Outras doutrinas autoritrias tiveram curso no Pas no mesmo perodo. Em especial aquelas que resultaram do tradicionalismo popularizado por Jackson de Figueiredo (1891/1928) e que desembocaria no integralismo e na pregao de homens como Francisco Campos (1887/1968) ou Azevedo Amaral (1881/1942); ou que deram curso ao cientificismo na verso positivo-marxista e que acabaria, em nossos dias, batendo todos os recordes de sincretismo e incoerncia ao empolgar segmentos importantes da Igreja Catlica. Tais doutrinas obscurantistas, por mais rudo e sucesso que provoquem em determinados momentos histricos, so o lado menos importante da tradio cultural luso-brasileira. Dentre as personalidades que soube atrair para sua rbita, Vargas contou com a colaborao de Oliveira Viana (1883/1951), que representa fenmeno mais complexo e que ele mesmo procuraria identificar como uma linha de continuidade de determinada tradio. Trata-se da linha modernizadora, por meio do fortalecimento do Poder Central, que encontraria expresso acabada no Segundo Reinado. Tem algo a ver com o autoritarismo, mas a este no se reduz. Tal , em linhas gerais, a temtica que desejaramos desenvolver nesta introduo. O castilhismo acha-se suficientemente caracterizado em outros volumes da citada Coleo, a saber: Constituio Poltica do Rio Grande do Sul. Comentrio (1911), de Joaquim Lus Osrio (1881/1949) e O Rio Grande do Sul e suas instituies governamentais (1925), de Raimundo de Monte Arraes (1888/1965). As outras formas de autoritarismo efmero e que no chegaram a institucionali-

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zar-se no Pas esto representadas naquela Coleo por meio de textos como A Igreja na Repblica, antologia organizada por Anna Maria Moog Rodrigues; O Estado autoritrio e a realidade nacional (1938), de Azevedo Amaral, e coletnea de textos de Francisco Campos. De sorte que, nesta oportunidade, cabe to-somente apontar os antecedentes tericos de Oliveira Viana e o papel que suas idias chegaram a desempenhar em nossa contempornea histria poltica. Antes de efetiv-lo, faremos uma breve apresentao da vida e obra do pensador. 1 Vida e Obra de Oliveira Viana FRANCISCO JOS OLIVEIRA VIANA nasceu em 1883 na cidade de Saquarema, no interior do Estado do Rio de Janeiro, viveu e educou-se na capital fluminense, concluindo o curso de Direito em 1905. Dedicou-se ao jornalismo e ao magistrio, ingressando no Corpo Docente da Faculdade de Direito de Niteri em 1916. Seu primeiro livro Populaes Meridionais do Brasil aparece em 1920, quando completa 37 anos. Nesse mesmo ano publica O idealismo da Constituio. Ao longo da dcada de vinte viria a adquirir grande nomeada. Depois da Revoluo de 30 torna-se Consultor da Justia do Trabalho, tendo desempenhado papel muito importante na ordenao do direito do trabalho brasileiro e na concepo dos institutos a que deu surgimento. Em 1940 passou a integrar o Tribunal de Contas da Unio. As novas funes de certa forma levam-no a interromper o sentido principal de sua obra, que entretanto retomado aps a queda do Estado Novo. Faleceu aos 68 anos de idade, em 1951. Pertenceu Academia Brasileira de Letras. Em Populaes Meridionais do Brasil, Oliveira Viana distingue trs tipos caractersticos na formao de nosso Pas, contrariando a tradio de considerar o povo brasileiro como massa homognea. De sua presena acha que resultam trs sociedades diferentes: a dos sertes, a das matas e a dos pampas, com estes tipos especficos: o sertanejo, o matuto e o gacho. Os principais centros de formao do matuto so as regies montanhosas do Estado do Rio, o grande macio continental de Minas e

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Oliveira Viana

os plats agrcolas de So Paulo. Exerce influncia poderosa no curso histrico seguido pelo Pas. O objetivo de Oliveira Viana chamar a ateno para a realidade circundante autntica e denunciar o vezo de copiar instituies europias, que a seu ver comea com a Independncia. A esse propsito escreve: O sentimento das nossas realidades, to slido e seguro nos velhos capites-generais, desapareceu, com efeito, das nossas classes dirigentes: h um sculo vivemos politicamente em pleno sonho. Os mtodos objetivos e prticos de administrao e legislao desses estadistas coloniais foram inteiramente abandonados pelos que tm dirigido o Pas depois da sua independncia. O grande movimento democrtico da revoluo francesa; as agitaes parlamentares inglesas; o esprito liberal das instituies que regem a Repblica Americana, tudo isto exerceu e exerce sobre os nossos dirigentes, polticos, estadistas, legisladores, publicistas, uma fascinao magntica, que lhes daltoniza completamente a viso nacional dos nossos problemas. Sob esse fascnio inelutvel, perdem a noo objetiva do Brasil real e criam para uso deles um Brasil artificial, e peregrino, um Brasil de manifesto aduaneiro, made in Europe sorte do Cosmorama extravagante, sobre cujo fundo de florestas e campos, ainda por descobrir e civilizar, passam e repassam cenas e figuras tipicamente europias. A linha a seguir est desde logo esboada neste primeiro livro: tornar o Estado um grande centro aglutinador de transformao social, apto a fundir moralmente o povo na conscincia perfeita e clara da sua unidade nacional e no sentimento poltico de um alto destino histrico. E prossegue: Esse alto sentimento e essa clara e perfeita conscincia s sero realizados pela ao lenta e contnua do Estado um Estado soberano, incontrastvel, centralizado, unitrio, capaz de impor-se a todo o pas pelo prestgio fascinante de uma grande misso nacional.2 A meditao que inicia com Populaes Meridionais do Brasil e com a denncia do que ento denominou de idealismo da Constituio, em 1920, continuada em Evoluo do Povo Brasileiro (1923), coroa-se, nessa primeira fase, com o livro Problemas de Poltica2 Populaes Meridionais do Brasil, 6 ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1973, vol. I, pg. 259.

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Objetiva, aparecido pouco antes da Revoluo de 30. Neste comenta e avalia as propostas de Alberto Torres e enxerga no pas um novo clima, favorvel centralizao. H vinte anos passados, escreve, as idias polticas, nos centros intelectuais e partidrios, no s locais como federais, diferiam muito das idias atuais: traam a concepo centrfuga do regime federativo. Enxerga a emergncia de sensvel tendncia centrpeda, um rpido movimento das foras polticas locais na direo do poder central. A mensagem de Oliveira Viana clara e precisa. H evidentemente em tudo isto um grande equvoco, uma grande iluso, que perturba a viso exata das realidades nacionais a todos esses descentristas e autonomistas, que so, afinal, aqui, todos os espritos que se jactam de liberais e adiantados. Porque preciso recordar, com Seeley, que a Liberdade e a Democracia no so os nicos bens do mundo; que h muitas outras causas dignas de serem defendidas em poltica, alm da Liberdade como sejam a Civilizao e a Nacionalidade; e que muitas vezes acontece que um governo no liberal nem democrtico pode ser, no obstante, muito mais favorvel ao progresso de um povo na direo daqueles dois objetivos. Um regime de descentralizao sistemtica, de fuga disciplina do centro, de localismo ou provincialismo preponderante, em vez de ser um agente de fora e progresso, pode muito bem ser um fator de fraqueza e aniquilamento e, em vez de assegurar a liberdade e a democracia, pode realmente resultar na morte da liberdade e da democracia.3 Com a Revoluo de 30, Oliveira Viana passa a ocupar-se de um segmento novo daquele Estado centralizado e modernizador com que sonhava: o Direito do trabalho. Dessa fase ficaram-nos trs livros: Problemas de Direito Corporativo (1938); Problemas de Direito Sindical (1943) e a coletnea de estudos dispersos agrupados sob a denominao de Direito do Trabalho e Democracia Social, editada em 1951. Retoma a meditao anterior com Instituies Polticas Brasileiras (1949). Dessa fase deixou vrios inditos, alguns dos quais seriam editados postumamente como Problemas de organizao e3 Problemas de Poltica Objetiva, So Paulo, Cia. Editora Nacional, 1930, pg. 97.

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problemas de direo (publicado em 1952) e Introduo Histria Social da Economia pr-capitalista no Brasil (publicado em 1958). 2 Antecedentes doutrinrios Duas so as fontes doutrinrias de Oliveira Viana: o culturalismo sociolgico de Slvio Romero (1851/1914) e a crtica tradio liberal brasileira realizada por Alberto Torres (1865/1917). O culturalismo sociolgico de Slvio Romero corresponde a uma inflexo no culturalismo filosfico de Tobias Barreto (1839/1889). Este, para combater a hiptese comtiana da fsica social, indicou que o homem dirige-se por causas finais e no pode ser esgotado no plano das causas eficientes (cincia). Graas a essa capacidade de formular-se objetivos e de traar os caminhos para alcan-los, o homem erigiu a cultura. Tobias Barreto tem em mira a idia de arqutipo ou prottipo apontada por Kant, ao dizer que, sem o ideal de sociedade racional, no haveria como lutar pelo aperfeioamento das instituies sociais; ou que ns no temos, para julgar nossas aes, outra regra seno a conduta deste homem divino (isto , o sbio estico) que conduzimos em ns e ao qual nos comparamos para nos julgar e tambm para nos corrigir, mas sem poder jamais alcanar a perfeio.4 Por isto mesmo, concluiria Tobias Barreto, no seio da cultura o Direito o fio vermelho e a moral, o fio de ouro, explicitando que, nessa obra, os homens no se inspiram na natureza, a seu ver fonte ltima de toda imoralidade. A investigao era, pois, de cunho filosfico. Conduziu, mais tarde, pergunta pela objetividade no mbito das cincias humanas, isto , pela possibilidade de alcan-la; suas peculiaridades em relao s cincias naturais, etc. Mais explicitamente: levou a uma investigao de ndole epistemolgica para, em seguida, ressuscitar a inquirio metafsica, em especial a pergunta pelo ser do homem.4 Crtica da razo pura, trad. francesa de Tremesaygues, Paris. PUF. 1950, pg. 414.

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Slvio Romero iria eliminar a anttese entre cultura e natureza para reduzir a primeira ltima e dar investigao carter meramente cientfico. No Ensaio de Filosofia do Direito (1895) escreveria: O Direito como a Arte, como a Educao. Ora, cada uma destas , no h como neg-lo, produto da cultura, e forma-se segundo a ndole dos povos; porm, a cultura filha da natureza do homem, estimulada pela natureza exterior. Se no fora assim, a cultura mesma seria impossvel, irrealizvel, incompreensvel. to incongruente fantasiar um direito eterno, anterior e superior aos povos, como o de imaginar uma cultura area, que no repousasse na ndole mesma natural do homem e em a natural capacidade que ele tem de se desenvolver. Logo adiante aponta nestes termos o caminho que deve trilhar a investigao: Banidos os velhos mtodos ontolgicos, que faziam a Cincia de cima para baixo, partindo de algum suposto princpio geral, a que os fatos se deveriam por fora acomodar, banidos os velhos processos, aquelas cincias tiveram, ao contrrio, de se firmar nos fatos e partir com eles em busca das leis que regem o desenvolvimento do individuo e da sociedade. O experimentalismo, exclama, deve-se interpor e acabar com as divagaes a priori.5 Slvio Romero preferiu, pois, o que a posteridade iria denominar de culturalismo sociolgico. Na verdade, nunca chegou a traar um programa definitivo da maneira pela qual deveria efetivar-se essa investigao sociolgica da cultura. Alm do mais, como oportunamente destacaria Miguel Reale, Slvio Romero estava pouco preocupado com a teoria geral. Seu empenho consistia em buscar os instrumentos capazes de compreender o Brasil e sua histria.6 O culturalismo sociolgico de Slvio Romero assume trs feies mais ou menos diferenciadas. Em fins dos anos oitenta, na poca da pu5 6 Obra filosfica, organizada por Lus Washington Vita, Rio de Janeiro, Jos Olmpio, 1969, pgs. 658 e 659. Dir-se-ia que tudo, inclusive Filosofia, s valia para ele na medida em que pudesse servir compreenso de nossa existncia. Miguel Reale Slvio Romero e os problemas da filosofia, in Horizontes do direito e da histria, 2 ed., So Paulo, Saraiva, 1977, pgs. 223-230.

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blicao da Histria da Literatura Brasileira (1888), simples partidrio de Spencer. Por volta dos comeos do sculo, sem renegar o evolucionismo spenceriano, incorpora a idia de luta de classes. Finalmente, na fase final, adere Escola de Le Play. A incorporao de elementos doutrinrios ao culturalismo sociolgico de Slvio Romero se faz aps comprovada a sua eficcia na explicao das particulares circunstncias brasileiras. A necessidade de aprofund-la que o move a buscar novos princpios. Slvio Romero considera que, para compreender a evoluo da sociedade brasileira e determinar, pressentir ou averiguar os caminhos de seu desenvolvimento futuro, necessrio se faz recusar as explicaes simplistas ou meramente descritivas, submeter crtica aquelas teorias que isolam um ou outro fator e a partir exclusivamente destes pretendem apresentar uma viso global, e, finalmente, examinar em profundidade o conjunto de elementos constituintes e integrantes do contexto social. Antes de avanar na enumerao destes, convm acompanh-lo na crtica s teorias em voga a respeito do Brasil. A primeira explicao simplista, logo combatida por Slvio Romero, aquela que atribui os feitos histricos a um ou outro heri ou ainda ao conjunto das elites. Tomo como exemplo, para ilustrar suas idias, o fenmeno de Abolio, que se comemorava no prprio ms em que a Histria da Literatura Brasileira era ultimada para a entrega ao pblico, que vinha merecendo essa interpretao. Entre as teorias puramente descritivas, coloca a doutrina etnogrfica de Martius,7 que indica os elementos constituintes do povo brasileiro, as raas que contriburam para a sua formao, mas no aponta como estes elementos atuaram uns sobre os outros e produziram o resultado presente, falta-lhe o nexo causal e isto seria o principal a esclarecer. Outra doutrina por ele considerada errnea a do escritor portugus Tefilo Braga, que pretende atribuir a mesma origem, asitica, para as populaes da Europa Meridional e da Amrica, com o que explicaria o7 Carlos Frederico Felipe de Martius, famoso botnico europeu, publicou em 1843 um trabalho sob o ttulo: Como se deve escrever a histria do Brasil.

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fenmeno do lirismo literrio. Slvio Romero considera anticientfica essa hiptese das migraes asiticas e objeta: Concedendo porm tudo, admitindo a identidade das origens do lirismo portugus e tupinamb, como quer o escritor portugus, que da se poder inferir para a filosofia da histria brasileira? Nada. A tese do autor aoriano puramente literria e no visa a uma explicao cientfica de nosso desenvolvimento social. Oliveira Martins, em seu livro O Brasil e as Colnias Portuguesas, enxerga todo o interesse dramtico e filosfico da histria nacional na luta entre os jesutas e os ndios, de um lado, e os colonos portugueses e os negros, de outro. Para o crtico sergipano tais fenmenos no passam de fatos isolados, de pouca durao, e no podem trazer em seu bojo, como um segredo de fada, toda a latitude da futura evoluo do Brasil. um simples incidente de jornada, alado categoria de princpio geral e dirigente; uma destas snteses fteis com que alguns novelistas da histria gostam de nos presentear de vez em quando. Quanto teoria da ptria brasileira, dos positivistas, entende que nela o verdadeiro no novo, e o novo no verdadeiro. A esse tempo Slvio Romero considerava que a corrente dissidente, chefiada por Littr, fora estril, ilgica e anrquica. Expe a a tese repetida no livro Doutrina contra Doutrina, escrito alguns anos depois, segundo a qual positivismo autntico o de feio religiosa, representado no Brasil por Teixeira Mendes e Anbal Falco. Para estes o Brasil pertencia ao grupo das ptrias ocidentais e, ao sair das guerras holandesas, reunia em si as condies de uma ptria (solo contnuo, governo independente e tradies comuns). Nessa luta, a vitria do elemento ibrico, representante da civilizao latina, fez com que o Brasil escapasse da ao dissolvente da Reforma, estando portanto em melhores condies que os Estados Unidos para aceitar a doutrina regeneradora, isto , a religio da humanidade. Tal resultado correspondeu a uma necessidade, desde que se deveriam reproduzir no Brasil as duas tendncias opostas existentes na Europa. Para Slvio Romero essa teoria demasiado simtrica para no ser em grande parte pura fantasia. E exclama: Era necessrio para as ptrias ocidentais que o portugus vencesse no Brasil o holands protestante e que o ingls derrotasse nos Estados Unidos o fran-

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cs catlico!... muito cmodo. E, afinal, por que se no h de dar o mesmo na Oceania em geral e notadamente na Austrlia, onde o elemento germnico quase no encontra o seu competidor? So terras novas, habitadas por selvagens a desaparecerem a olhos vistos, que esto sendo colonizadas por europeus, representantes da civilizao ocidental. Por que no se h de repetir a o dualismo salutar? Na Histria da Literatura Brasileira, Slvio Romero dedica-se ainda crtica dos pontos de vista do socilogo ingls Buckle, em cuja obra h pontos de vista sobre a evoluo do povo brasileiro. Henry Thomas Buckle (1823/1862) foi um historiador britnico profundamente influenciado por Comte, Stuart Mill, Quereler e outros. Publicou, em 1857, trs volumes de uma introduo ao estudo da civilizao na Inglaterra. Inicialmente, rejeita a explicao dos fenmenos histricos dada pelos metafsicos, notadamente a doutrina do livre-arbtrio, como tambm a teoria da predestinao dos telogos. Pretende Buckle que as aes humanas podem ser explicadas atravs dos mtodos empregados nas cincias naturais desde que so determinadas somente por seus antecedentes e produzem os mesmos resultados sob as mesmas circunstncias, podendo ser perturbados pela ao do meio. Segundo ele, as leis que dirigem a histria so fsicas (clima, alimentao e aspecto geral da natureza) e mentais (intelectuais e morais, das quais as primeiras seriam mais importantes). Divide a civilizao em dois grandes ramos: a da Europa (predomnio do esforo do homem sobre a natureza) e a do resto do mundo (predomnio da natureza ou das leis naturais). Slvio Romero, tendo em alta conta a crtica que realizou das teorias denominadas de metafsicas e teolgicas e alguma de suas observaes sobre a influncia dos elementos naturais, considera artificial a diviso indicada e aponta outros defeitos na doutrina. Buckle considera que o Brasil no teve civilizao primitiva porque as condies de vida no eram fceis, como as vigentes nas pennsulas e s margens dos grandes rios onde surgiram as civilizaes antigas, da o seu inveterado barbarismo. Slvio Romero considera que falsa a descrio que faz do clima brasileiro. Na sua opinio, o autor, que nunca visitou o Brasil, foi vtima do maravilhoso no inventrio dos obs-

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tculos que a natureza nos ope. Diz mais: Buckle verdadeiro na pintura que faz de nosso atraso, no na determinao dos seus fatores. Resumindo as observaes quanto s teorias enunciadas, Slvio Romero dir que a teoria de Buckle em demasia cosmogrfica, a de Martius demasiado etnolgica e a dos discpulos de Comte em extremo social. Compreendendo e proclamando que a filosofia da histria de um povo qualquer o mais temeroso problema que possa ocupar a inteligncia humana, prefere adotar certos aspectos da doutrina de Spencer, a que mais se aproxima do alvo, por mais lacunosa que ainda seja. luz da crtica s doutrinas comentadas, Slvio Romero avana a hiptese de que o estudo deve considerar o conjunto de elementos assim classificados: primrios (ou naturais); secundrios (ou tnicos); e tercirios (ou morais). No primeiro plano as questes mais importantes dizem respeito ao clima e ao meio geogrfico. Aponta-os: o excessivo calor, ajudado pelas secas na maior parte do pas; as chuvas torrenciais no vale do Amazonas, alm do intensssimo calor; a falta de grandes vias fluviais entre o So Francisco e o Paraba; as febres de mau carter reinantes na costa. A isto acrescenta. O mais notvel dos secundrios a incapacidade relativa das trs raas que constituram a populao do pas. Os ltimos os fatores histricos chamados poltica, legislao, usos, costumes, que so efeitos que depois atuam tambm como causas. Em sntese, as diversas doutrinas acerca do Brasil chamaram a ateno para os aspectos isolados, que cabia integrar num todo nico. O destino do povo brasileiro, a exemplo do que se dava em relao espcie humana, estaria traado numa explicao de carter biossociolgico, como queria Spencer. Por volta dos comeos do sculo, Slvio Romero mantm o mesmo esquema geral, mas incorpora um dado novo: a luta de classes. Assim, no ensaio O direito brasileiro no sculo XVI (1899)8 afirmaria que todo o processo de formao da individualidade nacional no pode deixar de ser um processo de diferenciao cada vez mais crescente entre o Brasil e a antiga me-ptria. A diferenciao brasileira, prossegue, no intuito de formar um tipo novo, reforada8 Includo na coletnea Ensaios de sociologia e literatura, Rio de Janeiro, Garnier, 1901.

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por fatores mesolgicos e etnogrficos, diversos dos da pennsula hispnica. A explicao preserva, como se v, o carter biossociolgico. Contudo, entre os fatores tercirios, destaca o seguinte: Desde o princpio as gentes brasileiras se acharam divididas em: sesmeiros, proprietrios, senhores de engenho, fazendeiros, nas zonas rurais, mercantes nas cidades e vilas, de um lado, e, de outro, os agregados, os moradores, os trabalhadores braais, os escravos negros, mulatos, ndios e cafuzos, todos estes dependentes dos grandes proprietrios e negociantes ricaos. Bem cedo tivemos as lutas de classes, especialmente em Pernambuco, Maranho, So Paulo e Minas.9 Essa referncia no chega a alterar substancialmente os procedimentos recomendados. Nos ltimos anos de vida, Slvio Romero incorpora as teses da Escola da Cincia Social (Le Plav, H de Tourville, Edmond Demolins, P. Rousiers, A. de Preville, P. Bureau e outros). Os processos da Escola de Le Play escreve no Brasil Social (1908) fizeram-me penetrar a fundo na trama interna das formaes sociais e completar as observaes anteriores de ensino spenceriano. Faz algumas objees Escola afirmando, entre outras coisas, tambm no lhe aceito de todo a classificao dos fenmenos sociais, que me parece mais uma nomenclatura de problemas e questes, mas conclui: Como quer que seja, os mritos da Escola, a despeito desta e de outras divergncias, se me antolham preciosssimos para quem quer conhecer a fundo um pas qualquer e a gente que o habita. No livro em apreo, que deixou inacabado, Slvio Romero resume e comenta os pontos de vista da Escola de Le Play. Essa escola destaca 25 grupos de fatos e problemas sociais. Vale dizer: situa-se na linha antes preconizada por Slvio Romero que era a de pretender descries exaustivas, completas e abrangentes. Como antes, atribui particular importncia atividade produtiva, escrevendo: Sob o ponto de vista especfico do trabalho, que vem a ser a grande mola que move e afeioa as sociedades humanas, cumpre no perder de vista que vrias tm sido as fases passadas pela espcie... Cada um destes gneros de trabalho, cada9 Obra citada, pgs. 122/123.

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uma destas oficinas de produo, cada uma destas maneiras de agenciar os meios de existncias, trazia e traz conseqncias indelveis, dificlimas de apagar, porque elas constituem o substratum ntimo das sociedades. A aplicao das teses de Le Play ao Brasil requeria o cumprimento deste programa: Seria preciso estudar acuradamente, sob mltiplos aspectos, cada um dos povos que entraram na formao do Brasil atual; dividir o pas em zonas; em cada zona analisar uma a uma todas as classes da populao e um a um todos os ramos da indstria, todos os elementos da educao, as tendncias especiais, os costumes, o modo de viver das famlias de diversas categorias, as condies de vizinhana, de patronagem, de grupos, de partidos; apreciar especialmente o viver das povoaes, vilas e cidades, as condies do operariado em cada uma delas, os recursos dos patres e cem outros problemas, dos quais, nesta parte da Amrica, retrica politicante dos partidos nunca ocorreu cogitar. Em que pese a tamanha amplitude, no vacila em afirmar que a questo etnogrfica a base fundamental de toda a histria, de toda a poltica, de toda a estrutura social, de toda a vida esttica e moral das naes. E a etnografia ensina que a famlia a questo das questes. Esta a base de tudo na sociedade humana; porque, alm da funo natural de garantir a continuidade das geraes sucessivas, forma o grupo prprio para a prtica do modo de existncia, o ncleo legtimo da maneira normal de empregar os recursos criados pelos meios de viver. Seriam estas as quatro modalidades tpicas de famlias: patriarcal; quase patriarcal; tronco e instvel. Estas famlias, por sua vez, do lugar a dois tipos de sociedade: 1) de formao comunitria, e 2) de formao particularista. O culturalismo sociolgico de Slvio Romero foi desenvolvido no plano doutrinrio por outros integrantes da Escola do Recife. Contudo, o inventrio da organizao social brasileira, cuja oportunidade tanto enfatizou, seria obra de Oliveira Viana. Com a grande vantagem de que soube correlacion-lo s instituies polticas nacionais, atento ineficcia e ao utopismo de boa parte da nossa tradio liberal graas

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familiaridade que veio a adquirir com as idias de Alberto Torres (1865/1917). O prprio Oliveira Viana reconheceria sua dvida para com Slvio Romero ao abordar o que denominou de metodologia do direito pblico, em Instituies Polticas Brasileiras. Teria, ento, oportunidade de afirmar: Esta compreenso objetiva e cientfica das nossas coisas e dos nossos problemas eu a adquiri cedo... No foi Torres, como geralmente se pensa, quem me deu a primeira orientao neste sentido; foi Slvio Romero. Alberto Torres era um jovem de vinte e poucos anos quando da proclamao da Repblica, mas assume desde logo uma posio de liderana no Estado do Rio de Janeiro onde, em seguida ao golpe de Floriano, seria convocada uma segunda Assemblia Constituinte (eleita a 31 de janeiro de 1892) e anulada a Carta promulgada no ano anterior. Alberto Torres tem uma atuao destacada na elaborao da nova Carta, como deputado estadual e membro da Constituinte. Em 1894 eleito para a Cmara Federal. Exerceu o mandato de Presidente do Estado do Rio de Janeiro nos exerccios de 1898 a 1900. Em abril de 1901 era indicado por Campos Sales para integrar o Supremo Tribunal Federal. Nos ltimos anos de vida, Alberto Torres meditou sobre algumas questes da organizao poltica da sociedade, em geral, acabando por voltar-se preferentemente para a realidade brasileira. Publicou sucessivamente: Vers la Paix (1909); Le Problme Mondiale (1913); A Organizao Nacional e O Problema Nacional Brasileiro (1914); e As Fontes da Vida no Brasil (1915). Parte dos textos dedicados ao Brasil consistiriam de reelaborao de artigos publicados na imprensa entre 1910 e 1912. Embora partidrio do sistema representativo, como os integrantes da faco liberal, Alberto Torres entendia que o principal deveria consistir no fortalecimento do Executivo. A liderana liberal estava mais preocupada com a independncia dos poderes, especialmente com a intangibilidade da Magistratura, na esperana talvez de que esta acabasse por exercer uma espcie de magistrio moral, impedindo que a luta poltica

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descambasse para o arbtrio e a ilegalidade. Alberto Torres, em contrapartida, escreveria em A Organizao Nacional: O esprito liberal enganou-se reduzindo a ao dos governos; a autoridade, isto , o imprio, a majestade, o arbtrio devem ser combatidos; mas o governo, forte em seu papel de apoiar e desenvolver o indivduo e de coordenar a sociedade, num regime de inteira e ilimitada publicidade e de ampla e inequvoca discusso, deve ser revigorado com outras atribuies. A poltica precisa reconquistar sua fora e seu prestgio fazendo reconhecer-se como rgo central de todas as funes sociais, destinado a coorden-las e harmoniz-las e reg-las, estendendo a sua ao sobre todas as esferas de atividade, como instrumento de proteo, de apoio, de equilbrio e de cultura.10 Num pas novo como o Brasil, o Estado no pode dar-se ao luxo do absentesmo. Deve ser atuante e intervencionista. No livro em apreo, a natureza desse intervencionismo, para promover o progresso e a civilizao, indicado de modo preciso, sob a gide desta premissa: Acima de tudo isto, cumpre, porm, ter em vista que, se as instituies polticas precisarem ser sempre subordinadas s condies peculiares terra, ao povo e sociedade, a natureza especial desses elementos, no Brasil, ainda maior cuidado e ateno impe ao estudo de seus caracteres. Nosso pas, por sua situao geogrfica, pela natureza da sua terra, por seu clima e populao, por todo o conjunto de seus caracteres fsicos e sociais, tem uma situao singular em todo o globo. No h outro pas soberano que lhe seja comparvel. Com esse esprito iria Alberto Torres contemplar a reforma institucional do pas. Governo forte e atuante, na sua plataforma pressupe o aprimoramento da representao. Neste aspecto, procuraria combinar a experincia de outros pases com as peculiaridades nacionais. A Cmara dos Deputados seria eleita por sufrgio direto, mas a metade de seus membros receberia o mandato dos distritos eleitorais; um quarto dos estados e o restante atravs de eleio nacional. Queria com10 A Organizao Nacional, 2 ed., So Paulo, Cia. Editora Nacional, 1933, pg. 251.

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binar o sistema proporcional, da preferncia da maioria, com a eleio majoritria. No caso do Senado, imagina completar a representao obtida mediante o sufrgio pela indicao de mandatrios das organizaes religiosas, instituies cientficas, profissionais liberais, industriais, agricultores, operrios urbanos e rurais, banqueiros e funcionalismo. Com esta advertncia: A representao das classes e das provncias no significa que estes senadores se devam considerar advogados exclusivos dos grupos de eleitores e das provncias que representarem, seno seus rgos no conjunto e na continuidade da vida nacional. Pretende finalmente que o mandato do Presidente seja o dobro do vigente, passando a oito anos, procedendo-se sua escolha por processo indireto, atravs de colgio eleitoral integrado no apenas por parlamentares, mas igualmente de mandatrios dos vrios segmentos da sociedade. Alm do aprimoramento da representao, pela diversidade de formas indicadas, o governo forte de Alberto Torres requer a garantia ampla das liberdades individuais. No seu momento histrico, as idias de Alberto Torres no suscitaram maior interesse. Nos anos trinta, entretanto, passaram a ser estudadas com grande entusiasmo. desse perodo os livros de Cndido Mota Filho (Alberto Torres e o tema de nossa gerao, 1931) e Alcides Gentil (As idias de Alberto Torres, 2 ed., 1938).11 Justamente Oliveira Viana destacaria este trao original: Ao planejar uma reforma constitucional para o Brasil, Torres fez esta coisa indita e simplssima: abriu calmamente este grande livro de direito pblico, que eram os vinte e tantos anos de regime federativo nesta terra, e ps-se a l-lo com a mesma ateno e seriedade com que, para o mesmo fim, Rui Barbosa iria ler a Repblica, de Bruce, e Teixeira Mendes a Poltica positiva, de Comte.1211 Estudo mais circunstanciado a obra de Barbosa Lima Sobrinho, Presena de Alberto Torres (sua vida e pensamento), Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1968. 12 Problemas de poltica objetiva, So Paulo, Cia. Editora Nacional, 1930, pg. 13.

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3 O Conceito de autoritarismo instrumental Partindo da lio de Slvio Romero, que elaborou o roteiro para levantar-se o quadro de nossa organizao social, e tendo presente, graas s advertncias de Alberto Torres, que nossa tradio liberal minimizou o papel do Estado devido sobretudo ao desconhecimento das condies reais do pas, Oliveira Viana formulou uma proposta inteiramente original e que de certa forma correspondia a uma grande sntese da tradio poltica nacional, considerados os cinco sculos de sua existncia e no apenas o ltimo deles, a partir da Independncia, como veio a tornar-se praxe. A modernizao do pas deve abranger o plano das instituies polticas, como pretenderam nossos liberais desde a Independncia. Mas essa modernizao institucional, para deixar de ser um simples voto, exige transformao da sociedade que s o Estado pode realizar. Assim, concebeu uma frmula unitria abrangendo tanto o projeto reformista-autoritrio de Pombal e D. Rodrigo de Sousa Coutinho como o projeto liberal-democrtico de Rui Barbosa, dando precedncia ao primeiro. Para esse conjunto doutrinrio, Wanderley Guilherme dos Santos encontraria a feliz denominao de autoritarismo instrumental. Vale dizer: o autoritarismo um instrumento transitrio a que cumpre recorrer a fim de instituir no pas uma sociedade diferenciada, capaz de dar suporte a instituies liberais autnticas. Dessa forma reconhece-se a verdade do castilhismo sem cair na armadilha da sociedade racional, que acaba por ser seu fundamento ltimo. E, ao mesmo tempo, apresenta de um ngulo novo, como veremos, o significado da mensagem de Rui Barbosa. A grande limitao da proposta de Oliveira Viana residiria na identificao da experincia brasileira do sistema representativo com a verdadeira natureza desse sistema. Contudo, antes de empreender esse tipo de avaliao, compete examinar, mais detidamente, como Wanderley Guilherme desenvolve a idia de autoritarismo instrumental. Eis como o caracteriza no brilhante ensaio A Praxis Liberal no Brasil: propostas para reflexo e pesquisa (1974):13 Em13 Includo no livro Ordem burguesa e liberalismo poltico, So Paulo, Duas Cidades, 1978.

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1920, Oliveira Viana expressou pela primeira vez, to clara e completamente quanto possvel, o dilema do liberalismo no Brasil. No existe um sistema poltico liberal, dir ele, sem uma sociedade liberal. O Brasil, continua, no possui uma sociedade liberal, mas, ao contrrio, parental, clnica e autoritria. Em conseqncia, um sistema poltico liberal no apresentar desempenho apropriado, produzindo resultados sempre opostos aos pretendidos pela doutrina. Alm do mais, no h caminho natural pelo qual a sociedade brasileira possa progredir do estgio em que se encontra at tornar-se liberal. Assim, concluiria Oliveira Viana, o Brasil precisa de um sistema poltico autoritrio cujo programa econmico e poltico seja capaz de demolir as condies que impedem o sistema social de se transformar em liberal. Em outras palavras, seria necessrio um sistema poltico autoritrio para que se pudesse construir uma sociedade liberal. Este diagnstico das dificuldades do liberalismo no Brasil, apresentado por Oliveira Viana, fornece um ponto de referncia para a reconsiderao de duas das mais importantes tradies do pensamento poltico brasileiro: a tradio do liberalismo doutrinrio e a do autoritarismo instrumental. Wanderley Guilherme aponta estas particularidades distintivas dessa espcie de autoritarismo: Em primeiro lugar, os autoritrios instrumentais, na designao aqui adotada, crem que as sociedades no apresentam uma forma natural de desenvolvimento, seguindo antes os caminhos definidos e orientados pelos tomadores de deciso. E desta presuno deriva-se facilmente a inevitvel intromisso do Estado nos assuntos da sociedade a fim de assegurar que as metas decididas pelos representantes desta sociedade sejam alcanadas. Nesta medida, legtimo e adequado que o Estado regule e administre amplamente a vida social ponto que, desde logo, os distingue dos liberais. Em segundo lugar, afirmam que o exerccio autoritrio do poder a maneira mais rpida de se conseguir edificar uma sociedade liberal, aps o que o carter autoritrio do Estado pode ser questionado e abolido. A percepo do autoritarismo, como um formato poltico transitrio, estabelece a linha divisria entre o autoritarismo instrumental e as outras propostas polticas no democrticas.

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Wanderley Guilherme indica que possvel localizar sinais de autoritarismo instrumental desde a Independncia. Neste sentido sugere que: A idia de que cabia ao Estado fixar as metas pelas quais a sociedade deveria lutar, porque a prpria sociedade no seria capaz de fix-las tendo em vista a maximizao do progresso nacional, a base tanto do credo quanto da ao poltica da elite do Brasil do sculo XIX, at mesmo para os prprios liberais. Ademais, temia-se que interesses paroquiais prevalecessem sobre os objetivos a longo prazo, os quais deveriam ser os nicos a orientar as decises polticas, se que se pretendia transformar o Pas em uma grande nao algum dia. Anlise cuidadosa das sesses do Conselho de Estado, a principal forma de deciso no sistema imperial, revelaria tanto as metas perseguidas pelas elites dominantes quanto as diretrizes operacionais que fixaram para alcan-las. O output real, por outro lado, poderia fornecer segura avaliao quanto ao grau em que a ao seguiu as idias, o quanto tinham sido capazes de seguir na direo pretendida, quais foram os desvios, e por que tiveram que adotar estes desvios. A seu ver, contudo, Oliveira Viana que daria formulao acabada a essa espcie de doutrina. Transcreve-se a seguir a caracterizao que empreende deste pensamento: na obra de Oliveira Viana, contudo, que o carter instrumental da poltica autoritria, da maneira em que ele a concebeu, aparece mais claramente. A colonizao brasileira, argumenta, ocorreu sob condies peculiares. O territrio era vasto demais, em relao a qualquer imaginvel populao da Europa do sculo XVI, e sobretudo em relao populao portuguesa da poca. ndices extremamente baixos de densidade populacional impuseram uma forma de ocupao territorial onde as nicas limitaes para o domnio individual eram as regulamentaes coloniais. A rpida expanso de grandes latifndios, nos primeiros dois sculos da colonizao, estabeleceu o padro que seria seguido desde ento grandes quantidades de terra familiarmente apropriadas, isoladas umas das outras e da vida urbana, que s existia nos limites de dois ou trs plos ao longo da orla litornea. Os primitivos proprietrios de terras deviam contar consigo prprios e depender o mnimo possvel do mundo externo isto , o mundo para alm

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das fronteiras de suas propriedades. O desenvolvimento do complexo rural transformou os latifndios em pequenos universos econmicos, capazes de produzir quase tudo que precisavam e sem o menor estmulo, estvel e previsvel, especializao e diviso do trabalho. As oscilaes do mercado exterior os fizeram ainda mais desconfiados quanto aos benefcios da especializao, e os levaram a tentar a maior autonomia possvel em relao ao mercado. Este padro se reproduziu em todo o Pas e a sociedade colonial brasileira se constituiu como uma multido de estabelecimentos econmicos ganglionrios isolados, quase auto-suficientes cl parental , sem comunicaes entre si, sem interesses comuns e sem ligaes atravs do mercado. A vida urbana no poderia desenvolver-se em tal contexto. Esta foi a primeira conseqncia negativa do modelo de ocupao econmica e territorial. As fazendas eram praticamente autrquicas e constituam o nico mercado de trabalho da rea rural. Esta uma segunda conseqncia. A populao rural no-escrava no tinha alternativa ao trabalho oferecido nos latifndios. Os trabalhadores rurais livres dependiam totalmente do proprietrio de terras, que se tornava seu senhor em qualquer questo social, econmica e poltica. Quando o Brasil se separou de Portugal, portanto, a sociedade nacional apresentava baixssima integrao por meio do mercado. A unidade econmica e social bsica era o cl parental, baseado na propriedade e capaz de obter a submisso de toda a mo-de-obra livre que vivesse no interior ou na periferia dos domnios. A experincia com a descentralizao liberal, realizada nas primeiras dcadas ps-Independncia, resultou na captura das posies de autoridade pelos membros do cl, agora transformado em cl eleitoral. Todos os cidados agora habilitados para escolher o prefeito, a autoridade judiciria local e o chefe de polcia pertenciam fora de trabalho no-escrava, em tudo e por tudo dependente dos proprietrios da terra. Os latifndios detinham o monoplio do mercado de trabalho e, conseqentemente, controlavam as vidas dos que deles dependiam. A oligarquizao das estruturas polticas foi, portanto, produzida e legitimada pelos mtodos liberais impostos pelo Governo central.

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Quando os conservadores reagiram e deram incio centralizao imperial, os perdedores teriam sido os proprietrios de terra e no os cidados. O sistema republicano, continua Oliveira Viana, no alterou o padro bsico das relaes sociais e econmicas. A sociedade brasileira ainda era basicamente oligrquica, familstica e autoritria. A interveno do Estado no representava, portanto, uma ameaa para os cidados, mas sim sua nica esperana, se que havia alguma, de proteo contra os oligarcas. Qualquer medida de descentralizao, enquanto a sociedade continuasse a ser o que era, deixaria o poder cair nas mos dos oligarcas, e a autoridade seria exercida mais para proteger os interesses privados dos oligarcas do que para promover o bem pblico. Em conseqncia, o liberalismo poltico conduziria, na realidade, a oligarquizao do sistema e a utilizao dos recursos pblicos para propsitos privados. O liberalismo poltico seria impossvel na ausncia de uma sociedade liberal e a edificao de uma sociedade liberal requer um Estado suficientemente forte para romper os elos da sociedade familstica. O autoritarismo seria assim instrumental para criar as condies sociais que tornariam o liberalismo poltico vivel. Esta anlise foi aceita, e seguida, por nmero relativamente grande de polticos e analistas que, depois da Revoluo de 1930, lutaram pelo estabelecimento de um governo forte como forma de destruir as bases da antiga sociedade no liberal.14 Wanderley Guilherme aponta estas lacunas em seu pensamento: Oliveira Viana deixou, entretanto, muitas perguntas sem resposta. Por exemplo: Que agenda de reformas polticas, sociais e econmicas um Estado forte deveria cumprir para fazer da sociedade brasileira uma sociedade liberal? Aparentemente, Oliveira Viana s mencionou uma vez a reforma agrria e, por volta de 1952, quando foi publicada a segunda edio de seu livro Instituies Polticas Brasileiras, ainda se referia ao Brasil como basicamente rural, sem apreender integralmente o significado das transformaes industriais e urbanas ocorridas desde a poca em que visualizou as origens dos males sociais brasileiros. E apesar de haver colaborado na elaborao do cdigo trabalhista e na montagem de estru14 Obra citada, pgs. 93 e seguintes.

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tura judicial, destinada a administrar os conflitos industriais, parece-me que nunca compreendeu totalmente onde deveria procurar os atores polticos capazes de transformar a sociedade brasileira em uma comunidade liberal. Seu pensamento estava sempre voltado para uma elite poltica especial, vinda no se sabe de onde, e que transformaria a cultura poltica brasileira de tal forma que a sociedade se tornaria liberal mediante macia converso cultural.15 possvel verificar que as preocupaes de Oliveira Viana seriam retomadas ainda na dcada de cinqenta, formulando-se como principal tema da agenda a implantao da sociedade industrial. A elite seria de carter eminentemente tcnico, cabendo-lhe ocupar segmentos importantes do aparelho estatal, tal seria a opo que se formula e sedimenta a partir da Comisso Mista BrasilEstados Unidos. Ainda assim, restariam muitas perguntas, entre estas as seguintes: Em que ponto precisamente a Revoluo de 1964 retomaria esse fio condutor? Alm do empenho de atuao prtica, ocorreria paralelamente elaborao terica? Ubiratan Macedo responde afirmativamente segunda pergunta e indica de modo expresso: A atual doutrina da Escola Superior de Guerra representa a evoluo do nacionalismo de Alberto Torres e do pensamento de Oliveira Viana.16 4 As idias de Oliveira Viana e a nossa contempornea histria poltica Com a queda do Estado Novo, em 1945, a elite liberal comportou-se como se a nica ameaa ao sistema democrtico-constitucional proviesse de Getlio Vargas e seus herdeiros polticos. Ignorou-se solenemente a prtica autoritria da Repblica Velha e a incapacidade do sistema representativo, como o concebemos, em lograr a estabilidade poltica, conforme se verificara nos anos trinta. De sorte que voltamos a repetir aquela experincia malograda: sistema eleitoral proporcional; partidos15 Obra citada, pg. 106. 16 Convivium, vol. XXI (5), set/outubro, 1979, pg. 516.

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polticos formados em torno de personalidades, desprovidos de programas ou doutrinas; e prtica das alianas de legenda, que permitia a formao de algumas grandes bancadas, no Parlamento, ao arrepio dos resultados proclamados nas urnas. Surgia de novo a evidncia de que o sistema democrtico era uma flor extica, inadaptvel ao nosso clima. Essa velha tese, contudo, aparece em feio renovada, muito provavelmente devido s idias de Oliveira Viana ou, mais amplamente, do que Wanderley Guilherme chamou de autoritarismo instrumental. Agora no mais se exalta o autoritarismo contrapondo-o ao sistema representativo. Trata-se do instrumento adequado s reformas econmico-sociais, que daro suporte ao pretendido sistema liberal. Foi o que se viu em relao Revoluo de 64. A Revoluo de 1964 se fez, segundo a parcela mais representativa de sua liderana, para impedir que o Presidente da Repblica em exerccio, Joo Goulart, fechasse o Congresso, postergasse as eleies e proclamasse o que ento se denominava de repblica sindicalista, espcie de socialismo caboclo que misturava fraseologia esquerdista e corrupo. A derrubada de Goulart facultaria a retomada do processo de exorcizar o fantasma de Getlio Vargas da poltica brasileira, mediante a consolidao da democracia. As eleies de 1965 consagrariam a liderana e a vitria do ento Governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que acrescera pregao udenista tradicional (fidelidade aos princpios liberais, mas resumindo-os a frmulas jurdicas, desatenta problemtica da representao) uma atuao governamental dinmica. A vitria eleitoral de Lacerda permitiria, afinal, que a UDN chegasse ao poder com possibilidades efetivas de dar cumprimento ao seu programa. No ciclo anterior, a presena daquela agremiao no Poder, alm de efmera, se fizera por meio de lideranas no plenamente identificadas com seu iderio (Governo Caf Filho, da morte de Getlio Vargas em agosto de 1954 a novembro de 1955; e eleio de Jnio Quadros, que governou alguns meses de 1961, renunciando e provocando a crise que acabaria levando derrubada de Goulart em maro de 1964). Consumado o afastamento de Goulart, entretanto, a Revoluo de 1964 encontra dinmica prpria. Aos poucos assume como tarefa

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primordial a modernizao econmica do Pas, adiando para perodo cada vez mais dilatado a prtica democrtica. O primeiro perodo presidencial exercido em seu nome (Castelo Branco) acabou durando trs anos, isto , no se resumindo ao trmino do mandato de Jnio Quadros, transitoriamente transferido a Goulart. As eleies de 1965 foram mantidas, mas apenas para governos estaduais. derrota governamental em importantes unidades da Federao seguiu-se a dissoluo dos partidos polticos. Promulgou-se nova Constituio em 1967, virtualmente revogada pelo AI-5 (Ato Institucional nmero cinco), decretado em dezembro de 1968. A imprensa e os meios de comunicao foram submetidos ao controle oficial. Consagra-se o princpio da eleio indireta dos mandatrios dos executivos federal e estaduais. E assim emergiu plenamente nova forma de autoritarismo, insuspeitado quando da ecloso do movimento. O novo surto autoritrio no era certamente da mesma ndole do castilhismo. Este, segundo se indicou, formulou-se na fase inicial da Repblica, implantou-se firmemente no Rio Grande do Sul e acabaria transplantado ao plano nacional por Getlio Vargas. Vargas acresceria ao castilhismo a dimenso modernizadora. De certa forma, a Revoluo de 1964 incorpora essa dimenso modernizadora, mas est longe de pretender, como o castilhismo getulista, constituir-se em alternativa para o sistema representativo. A Revoluo de 1964 manteria o Parlamento, tolerando o crescimento da oposio. Ainda mais: assumindo o poder em 1974, o seu quarto mandatrio, General Ernesto Geisel, que ocupara postos importantes no primeiro Governo (Castelo Branco), proclama que o projeto revolucionrio no consiste apenas na modernizao econmica em curso, devendo completar-se pela consolidao da democracia. Ao fim de seu Governo (1978) revoga-se o AI-5. O novo Presidente (Joo Figueiredo) realiza a anistia e d incio reforma partidria de 1980. A liberdade de imprensa restaurada em sua plenitude. Embora o ciclo de reencontro do movimento de 1964 com a bandeira da plena instaurao democrtica e que, naquela poca, ainda se entendia como a eliminao do getulismo e a vitria do udenismo no se tenha concludo, parece evidente que o autoritarismo do perodo 1964/1978 no se identifica com as formas tradicionais do autoritarismo

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brasileiro, as mais importantes das quais so o conservadorismo (ou tradicionalismo) catlico e o castilhismo. Ambos correspondem a uma recusa do sistema representativo, alm de que no acalentavam nenhum projeto de modernizao econmica. Na matria, a proposta mais expressiva correspondia ao corporativismo, que no deixava de ser uma recusa da sociedade industrial. O projeto de modernizao econmica gestou-se no seio do Estado Novo, foi retomado no segundo Governo Vargas (sobretudo por meio da Comisso Mista BrasilEstados Unidos, de que resultaria a criao do BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico) e apropriado pelo Governo Kubitschek (1956/1960), contando com a mais ferrenha oposio da UDN. Durante o perodo Jnio QuadrosJoo Goulart (1951/maro de 1964), seria inteiramente abandonado, o que retira a possibilidade de considerar-se que a Revoluo de 1964 a ele teria aderido por uma questo de inrcia, j que no o encontrara em pleno curso. Tampouco se pode sugerir que a nova liderana militar chegando ao poder tivesse descoberto as verdades do getulismo e que, poca, eram muito mais do chamado pessedismo que do brao trabalhista do mesmo getulismo, agora sob a liderana de Goulart e as limitaes do udenismo, que era afinal a sua verdadeira base de sustentao poltica. Os rumos seguidos pela Revoluo de 1964 so reveladores da presena de foras sociais poderosas, visceralmente empenhadas na criao da sociedade industrial. O sucesso alcanado por esse projeto serve tambm para evidenci-lo. Nesta oportunidade no desejaramos encaminhar nossa investigao no sentido da identificao de tais foras sociais o que, de certa forma, vem sendo efetivado pelos estudiosos do Estado Patrimonial,17 , mas de sugerir que essa nova verso do autoritarismo tem antecedentes doutrinrios no pensamento poltico brasileiro, representados, sobretudo, pela obra de Oliveira Viana.17 A verso mais importante das doutrinas que caracterizam o Estado brasileiro como Estado Patrimonial devida a Simon Schwartzman (So Paulo e o Estado Nacional), So Paulo, Difel, 1975.

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Oliveira Viana nunca formulou plataforma de industrializao do Pas como instrumento adequado formao do mercado nacional nico e de classes sociais diferenciadas, meio hbil, portanto, para a consecuo do seu projeto de liquidao da sociedade clnica tradicional. Essa plataforma seria elaborada pela elite tcnica, aglutinada em torno do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico nos anos cinqenta, que o Governo JnioGoulart no conseguiu extinguir, sendo ressuscitada pelo Ministro Roberto Campos no primeiro Governo da Revoluo de 64. Contudo, a obra doutrinria de Oliveira Viana, retomada pela Escola Superior de Guerra, dava foros tericos convico sugerida pela prtica do sistema representativo aps 1945: no possvel realizar qualquer reforma no Pas se depender do Parlamento. Este guardara ciosamente em suas gavetas, naquele perodo, muitas leis consideradas essenciais. Assim, a minimizao do papel do Congresso tornava-se requisito essencial para o desencadeamento do processo modernizador. As doutrinas de Oliveira Viana tinham a vantagem adicional de que no se resumiam a considerar o autoritarismo como forma ideal permanente, mas apenas expediente transitrio. A experincia do Estado Novo comprovara que a manuteno por prazos indefinidos do governo autoritrio tampouco assegura a estabilidade poltica. As doutrinas de Oliveira Viana tinham entretanto um defeito capital: a subestimao dos institutos do sistema representativo, que no seu horizonte intelectual pareciam resumir-se fracassada experincia brasileira. Por isto, do conjunto da pregao de Rui Barbosa retiraria apenas o reconhecimento do papel do Poder Judicirio na implantao e consolidao das liberdades civis (Instituies polticas brasileiras, Metodologia do Direito Pblico, Cap. XII). Eximiu-se da tarefa de criticar o liberalismo brasileiro do perodo republicano luz da prpria doutrina liberal em sua evoluo. O que se perdeu na prtica liberal brasileira foi a doutrina da representao de interesses. Se os interesses so diferenciados, no se trata de averiguar tecnocraticamente, de forma centralizada, que interesses (mais explicitamente: de que segmentos sociais) vamos erigir em interesse nacional. Isto s possvel mediante a livre disputa entre faces.

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Aos partidos polticos compete circunscrever a massa de interesses a reduzido nmero de vetores e, em nome destes, disputar a preferncia do eleitorado. No Brasil republicano, tudo se resume a Governo e Oposio. A pretexto dessa dicotomia acredita-se mesmo, em nossos dias, justificar-se uma aliana entre liberais e socialistas, sem que qualquer desses grupos esteja obrigado a formular as respectivas plataformas, formando-se o caldo de cultura da indeterminao em que viceja o autoritarismo. A misso da intelectualidade no certamente sobrepor-se classe poltica e alimentar iluses quanto s virtualidades do iluminismo. O processo histrico tem seu curso qualquer que seja o vigor da intelectualidade respectiva. A circunstncia no nos desobriga do esforo de recuperar as tradies culturais do Pas, buscando tornar inteligveis as linhas segundo as quais se desenvolve o curso real. E, neste, a linhagem representada por Oliveira Viana voltou certamente a ocupar lugar de primeiro plano. Cumpre, assim, reconhecer que se trata de tradio das mais fortes e arraigadas, remontando ao Marqus de Pombal. Corresponde, portanto, a uma das formas essenciais de nossa maneira de ser. Parecendo insupervel, nosso voto seria no sentido de que o af modernizador se completasse pela incorporao plena do iderio do sistema representativo, desde que corresponde maior realizao da humanidade no plano da convivncia social. Rio de Janeiro, janeiro de 1982.

Sumrio

POPULAES RURAIS DO CENTRO-SUL(Paulistas Fluminenses Mineiros)

Sumrio

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Palavras de Prefcio

depois de uma violenta agitao popular, que se transformou em conflito sangrento entre duas faces locais, ouvi de alguns moradores que um dos grupos ia apelar para o Governo da Bahia. Por que o Governo da Bahia? Essa extravagante idia feriu-me de surpresa. Depois, um dano se me fez: h cerca de sculo e meio o Governo da Bahia regia, como sede do Governo-Geral, a capitania do Rio de Janeiro. Como se havia conservado, persistente e oculta, na memria popular a recordao dessa remota tradio administrativa? No havia ali nenhum daqueles homens-arquivos de que fala Quatrefages. Esse incidente fez-me compreender o valor do elemento histrico na formao da psicologia dos povos. Ns no somos seno uma coleo de almas, que nos vm do infinito do tempo. Empreendi desde ento uma obra, rida s vezes, s vezes cheia de inefvel encanto: investigar na poeira do nosso passado os germes das nossas idias atuais, os primeiros albores da nossa psique nacional. O passado vive em ns, latente, obscuro nas clulas do nosso subconsciente. Ele que nos dirige ainda hoje com a sua influncia invisvel, mas inelutvel e fatal.

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ERTA VEZ, numa aldeia do interior do Estado do Rio,

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Dever realmente assim ser. Nossa histria ainda muito curta; no tem quinhentos anos. Enquanto povos, como o ingls, o francs, o portugus, historiam a sua vida por um perodo milenar, dentro do qual as maiores transmutaes sociais se operam na massa nacional, ns a historiamos minguadamente por sculos, que no mximo atingem quatro em certas regies e, noutras, no chegam a trs. claro que dos reflexos histricos dos perodos iniciais ainda se deve ressentir muito vivamente o nosso povo na sua organizao social e na sua mentalidade coletiva. Nem ser difcil rastrear esses reflexos numa marcha histrica, que dura apenas quatro sculos e de que achamos, por meio dos documentos e testemunhas, as pegadas, por assim dizer, ainda recentes e frescas. Mais do que nessas naes milenrias, esse passado, to novo ainda, para ns do mais alto interesse. Nele esto os moldes ainda quentes, onde se fundiram essas idiossincrasias que nos extremam e singularizam, como povo, entre todas as naes da terra. Para a perfeita compreenso do passado, a investigao cientfica arma hoje os estudiosos com um sistema de mtodos e uma variedade de instrumentos, que lhes do meios para obterem dele uma reconstituio, tanto quanto possvel, rigorosa e exata. No estado atual da cincia histrica, o texto dos documentos no basta s por si para permitir reviver uma poca ou compreender a evoluo particular de um dado agregado humano. preciso que vrias cincias, auxiliares da exegese histrica, completem com os seus dados as insuficincias ou obscuridades dos textos documentrios ou expliquem pelo mecanismo das suas leis poderosas aquilo que estes no podem fixar nas suas pginas mortas. O culto do documento escrito, o fetichismo literalista hoje corrigido nos seus incovenientes e nas suas insuficincias pela contribuio que filosofia da histria trazem as cincias da natureza e as cincias da sociedade. Estas, principalmente, abrem interpretao dos movimentos sociais do passado possibilidades admirveis e do cincia histrica um rigor que ela no poderia ter, se se mantivesse adscrita ao campo da pura exegese documentria. H hoje um grupo de cincias novas, que so de um valor inestimvel para a compreenso cientfica do fenmeno histrico. a antro-

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pogeografia, cujos fundamentos lanou-os o grande Ratzel. a antroposociologia, recente e formosa cincia, em cujas substrues trabalharam Gobineau, Lapouge e Ammon, gnios possantes; fecundos e originais. a psicofisiologia dos Ribots, dos Sergi, dos Langes, dos James. a psicologia coletiva dos Les Bons, dos Sigheles e principalmente dos Tardes. essa admirvel cincia social, fundada pelo gnio de Le Play, remodelada por Henri de Tourville, auxiliado por um escol de investigadores brilhantes, Demolins, Poinsard, Descamps, Rousiers, Prville, cujas anlises minuciosas da fisiologia e da estrutura das sociedades humanas, de um to perfeito rigor, do aos mais obscuros textos histricos uma claridade meridiana. II Este livro uma tentativa de aplicao desses critrios novos interpretao da nossa Histria e ao estudo da nossa formao nacional. Todo o meu intuito estabelecer a caracterizao social do nosso povo, to aproximada da realidade quanto possvel, de modo a ressaltar quanto somos distintos dos outros povos, principalmente dos grandes povos europeus, pela histria, pela estrutura, pela formao particular e original. Trabalho penoso, dada a extrema insuficincia dos elementos informativos. Ns somos um dos povos que menos se estudam a si mesmo: quase tudo ignoramos em relao nossa terra, nossa raa, s nossas regies, s nossas tradies, nossa vida, enfim, como agregado humano independente. Nesses estudos passo, por isso, um tanto de leve sobre os fatores mesolgicos e antropolgicos, inclusive os concernentes s trs raas formadoras; mas, detenho-me, com certo rigor de mincias, na pesquisa dos fatores sociais e polticos da nossa formao coletiva. Extremando-os, no quero dizer que tenha a pretenso de os haver esgotado; quis acentuar apenas os que me pareceram de maior fora e eficincia. Estudando as nossas populaes regionais do Norte e do Sul, os resultados, a que cheguei, levaram-me a uma convico contrria ao preconceito da uniformidade atual do nosso povo.

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costume entre ns falar do povo brasileiro como se fosse uma massa homognea e nica, distensa, com perfeita igualdade, atravs de uma vastssima superfcie de oito milhes de quilmetros quadrados, e guardando por toda ela a mesma densidade social e a mesma unidade de composio e de estrutura. Dos que assim pensam nenhum se deu ao trabalho de desmontar as diversas peas e elementos de que se compe esse vasto organismo para ver como ele se formou e como ele funciona. natural que dele tenham apenas uma idia vaga, ou uma idia incompleta, ou uma idia falsa. Levam em conta a unidade da raa, da civilizao e da lngua, e no sei o que mais; mas, no querem levar em conta a diversidade dos habitats, a sua ao durante trs ou quatro sculos, as variaes regionais no caldeamento dos elementos tnicos e, principalmente, a inegvel diferena das presses histricas e sociais sobre a massa nacional, quando exercidas ao norte, ao centro e ao sul. Mesmo que fossem homogneos os habitats e idntica por todo o Pas a composio tnica do povo, ainda assim a diferenciao era inevitvel; porque levando somente em conta os fatores sociais e histricos j possvel distinguir, da maneira mais ntida, pelo menos trs histrias diferentes: a do norte, a do centro-sul, a do extremo-sul, que geram, por seu turno, trs sociedades diferentes: a dos sertes, a das matas, a dos pampas, com os seus trs tipos especficos: o sertanejo, o matuto, o gacho. impossvel confundir esses trs tipos, como impossvel confundir essas trs histrias, como impossvel confundir esses trs habitats. Os trs grupos regionais no se distinguem, alis, apenas em extenso; se fosse possvel sujeit-los a um corte vertical, mostrariam igualmente diversidades considerveis na sua estrutura ntima. Estudando as populaes brasileiras do Norte e do Sul, na sua histria, na sua organizao e na sua psicologia, reconheci, desde cedo, essa trplice diferenciao regional e a conseqente necessidade de mudar de mtodo: e renunciei preocupao de reduzir numa s sntese geral a total evoluo da nacionalidade. Cindi ento o trabalho, que planejara nico e global, em dois ensaios, versando um sobre a formao das

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populaes meridionais e outro sobre a formao das populaes setentrionais. O primeiro destes ensaios, dedicado s Populaes Meridionais, contm os estudos monogrficos sobre os dois tipos sociais formados nos habitats do sul o matuto e o gacho, que so os mais caractersticos. O gacho um produto histrico de trs fatores principais: o habitat dos pampas, o regime pastoril e as guerras platinas. Estes trs fatores, agindo em colaborao, modelam esse tipo social, especfico, que o pastor rio-grandense, cuja psicologia particularssima, especialmente no seu aspecto poltico. O matuto, cujos centros de formao principais so as regies montanhosas do Estado do Rio, o grande macio continental de Minas e os plats agrcolas de So Paulo, uma outra diferenciao social, que resulta das reaes mesolgicas exercidas pelo habitat florestoso do centro-sul, pela preponderncia do regime agrcola e por certos fatores polticos e administrativos, que no chegam a atuar com eficcia sobre o grupo rio-grandense e sobre o grupo setentrional. tambm um tipo perfeitamente caracterizado. Sobre a evoluo nacional, a sua influncia, em virtude de circunstncias geogrficas particulares, das maiores, das mais acentuadas, das mais flagrantes. O presente volume inteiramente dedicado a ele, investigao da sua histria, anlise da sua estrutura, definio da sua mentalidade. Num estudo geral das nossas populaes, o estudo desse tipo no podia deixar de ser um estudo central. Sobre ele era preciso fazer convergir todos os carinhos da anlise e todos os rigores da crtica. E isto por dois motivos. Primeiro porque o peso especfico da massa social do pas dado pelo homem da formao agrcola, pelo cultivador de cana, de caf e de cereais, cujo representante tpico o matuto do centro-sul. O gacho e o sertanejo, ambos de formao pastoril, so tipos muito regionais, localizados em zonas limitadas e cuja histria tem um campo de ao restrito s raias do seu habitat gerador. Quanto aos tipos urbanos, apesar do brilho que possam ostentar, no passam, afinal, depois de bem analisados, de reflexos ou variantes do meio rural a que pertencem variantes do sertanejo, variantes do gacho, variantes do matuto.

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Se agora comeam a ter uma caracterizao especial, no passado, no obstante a situao influente que aparentam possuir, a sua posio secundria, porque, na realidade, o tipo rural, que os defronta, praticamente os subordina. Segundo porque o grande centro de gravitao da poltica nacional, depois da Independncia, se fixa justamente dentro da zona de elaborao do tipo matuto. Esse fato da contigidade geogrfica do principal habitat agrcola com o centro do Governo nacional d ao tipo social nele formado uma situao de incontestvel preponderncia sobre os outros dois tipos regionais, que se constituem aos flancos da numerosa massa matuta. So, realmente, os homens sados dos chapades do centro-sul, e no os sados do norte e do extremo-sul, os que, depois de 1822, carregam as maiores responsabilidades na organizao e direo da nacionalidade e do maiores contingentes ao escol que dirige o pas durante os dois Imprios. No ensaio dedicado s Populaes Setentrionais estudarei o tipo social formado nas regies secas do Nordeste, o tipo regional do sertanejo, cujo e