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popcom - informação e formação | O ex-Primeiro-Ministro Pedro Santana Lopes é o destaque do terceiro número do "popcom". Uma entrevista exclusiva que é apenas um exemplo da muita informação e formação de qualidade que encontrarás nestas páginas.
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“
”
Ano 1 | Número 3 | Outubro de 2012
Tiago Loureiro
Diogo Pascoal
Francisco Ancede
Joana Martins Rodrigues
Lúcia Santos
Luís Pedro Mateus
Rafael Borges
António Pedro Barreiro
Eduardo Urze Pires
Pedro Santana Lopes
Pedro Teixeira Mendes
O não está de acordo com
o novo acordo. Por isso, é escrito
segundo a antiga ortografia.
Lg. Adelino Amaro da Costa, nº 5
1149-063 Lisboa
goncalobegonha.org
popcom.blogs.sapo.pt
2 sumário
Democracia Cristã: definições e desafio Luís Pedro Mateus
O que se fez e o que falta fazer? António Pedro Barreiro Pedro Teixeira Mendes
Editorial Tiago Loureiro
Dívida metódica Rafael Borges Desconsiderações
sobre política, ou sobre a coisa Diogo Pascoal
Direitos das Esquerdas Lúcia Santos
Tempos de incerteza e agitação Rafael Borges
38º aniversário JP Entrevista a Eduardo Urze Pires
Pedro Santana Lopes: 'Acredito que PSD e CDS procurarão caminhar para a frente e colocar Portugal numa rota segura.'.
O mal menor
anifestações, comícios sindicais, greves
gerais. Verdade seja dita: se a triste
receita de quem governa é sempre a
mesma - meter a mão no bolso do contibuinte um
pouco mais fundo - a receita de quem contesta
também não varia muito. A rua, que nunca achei
um instrumento político particularmente
interessante, assume-se hoje como palco de um
programa quase semanal de manifestações, feitas
num estranho equilíbrio entre motivos legítimos
para indignação e propostas que apenas os
aumentariam.
A mais relevante dessas manifestações, quer pela
mobilização que proporcionou, quer pela aparente
‘laicidade’ partidária que preconizou, foi a do
passado dia 15 de Setembro. Como sempre
acontece em vésperas desse tipo de
acontecimentos, pude ver sucenderem-se, uns
atrás dos outros, os anúncios de participação pelo
facebook. Mas desta vez houve uma novidade:
esses anúncios não se viram apenas nos perfis
dos manifestantes profissionais com lugar cativo,
mas de muitos que habitualmente não escolhem
esse caminho. Sem questionar a legitimidade da
participação daqueles que outrora rejeitavam a
rua como argumento e até se mostravam críticos
dessa forma de expressar descontentamento, não
posso deixar de questionar o timing. Afinal,
durante seis anos tiverem mais e melhores
motivos para o fazer e quem merecesse mais os
seus gritos de ordem e os seus cartazes de
indignação.
E esta questão não é de irrelevante. É que se é
importante não calar a crítica perante um
M
Tiago Loureiro
editorial 3
‘laicidade’ partidária que preconizou, foi a do
passado dia 15 de Setembro. Como sempre acontece
em vésperas desse tipo de acontecimentos, pude ver
sucenderem-se, uns atrás dos outros, os anúncios de
participação pelo facebook. Mas desta vez houve
uma novidade: esses anúncios não se viram apenas
nos perfis dos manifestantes profissionais com lugar
cativo, mas de muitos que habitualmente não
escolhem esse caminho. Sem questionar a
legitimidade da participação daqueles que outrora
rejeitavam a rua como argumento e até se
mostravam críticos dessa forma de expressar
escolhem esse caminho. Sem questionar a
legitimidade da participação daqueles que outrora
rejeitavam a rua como argumento e até se
mostravam críticos dessa forma de expressar
descontentamento, não posso deixar de
questionar o timing. Afinal, durante seis anos
tiverem mais e melhores motivos para o fazer e
quem merecesse mais os seus gritos de ordem e
os seus cartazes de indignação.
E esta questão não é de irrelevante. É que se é
importante não calar a crítica perante um governo
que teima em cometer erros, é importante
também perceber que derrubá-lo é colocar o país
à mercê de uma alternativa que, como se tem
visto, é vazia de conteúdo e responsabilidade,
numa espécie de comunhão da ‘bondade’
despesista do guterrismo com a loucura doentia
do socretismo.
Quando há um ano e meio criticava o governo
socialista e as loucuras do seu líder, fazia-o com a
consciência tranquila de quem sabia que nada do
que viesse a seguir podia ser pior do que aquilo.
Hoje, apesar da insatisfação com alguns dos
atalhos que o actual governo decidiu escolher
para percorrer o seu caminho, não arrisco pensar
o mesmo. Afinal, sei que correr o risco de entregar
o país de novo nas mãos de um PS que não
aprendeu com o passado é escolher a morte certa.
Prefiro depositar esperanças numa mudança de
rumo, ainda que temerosa e lenta, de um governo
que, apesar de tudo, não tem no seu currículo um
aumento brutal da dívida e a condução do país à
iminência de bancarrôta, do que contribuir para
criar as condições necessárias para o regresso
triunfante de quem contribuiu decisivamente
para cavar o buraco em que estamos.
A Juventude Popular propôs que
voltem a ser permitidos levanta-
mentos de cinco euros nos
multibancos ou a criação de taxas
bancárias específicas para paga-
mentos com cartões por jovens,
“que cada vez mais têm menos
dinheiro nas contas”.
“A nossa proposta é que se pudesse
voltar a levantar o valor de cinco euros
nas caixas multibanco. Sabemos que
cada vez mais os jovens têm menos
dinheiro, cinco euros hoje em dia é um
valor que pode dar para uma despesa
de refeição”, disse à Lusa o presidente
da Comissão Nacional da Juventude
Popular, Miguel Pires da Silva.
Para o dirigente da estrutura, faria por
isso “todo o sentido poder voltar a
levantar os cinco euros, ainda mais
agora, com estas imposições, legí-
timas, por parte de algumas empresas,
que têm vindo a limitar e a estipular
mínimos para o pagamento com
multibancos”.
A Juventude Popular alerta que
“milhares de jovens recebem as suas
mesadas e semanadas por meio do
sistema bancário, tendo que se
governar muitas vezes com escassos
valores, não tendo capacidade muitas
vezes para fazer frente a valores tão
elevados” como os dos levantamentos
e pagamentos mínimos com cartões.
A JP anúnciou ainda o envio de uma
“carta aberta” à SIBS com esta
proposta e, caso seja necessário, tem-
tará “articular uma solução” com o
grupo parlamentar do CDS-PP.
Público
Juventude Popular propõe regresso dos levantamentos de cinco euros
4 notícias
No passado dia 14 de Setembro
a Comissão Política Nacional da
Juventude Popular (CPN) reuniu
para debater a situação política
nacional, bem como a posição
insti-tucional que iria adoptar no
Conselho Nacional (CN) do CDS-
PP. Desta forma, a CPN pela voz do
seu presidente transmitiu ao
Conselho Nacional (CN) do CDS-PP
as seguintes notas. Miguel Pires da
Silva referiu que a JP preferiu
pronunciar-se, pela primeira vez,
sobre as medidas de austeridade
anunciadas durante a semana
anterior, em sede de CN, honrando
o sentido de responsabilidade e
lealdade para com o governo e o
partido, ao contrário de outras
juventudes partidárias que contri-
buíram para uma instabilidade e
ruptura da coesão política e social,
sem que tivessem conhecimento
dos contornos das negociações
com a ‘Troika’. Miguel Pires da
Silva declarou ainda que a JP
discorda das alterações propostas
ruptura da coesão política e social,
sem que tivessem conhecimento
dos contornos das negociações
com a ‘Troika’. Miguel Pires da
Silva declarou ainda que a JP
discorda das alterações propostas
à Taxa Social Única (TSU) com o
intuito de melhorar a compe-
titividade das empresas à custa do
aumento das contribuições dos
trabalhadores.
Relativamente à hipótese da saída
do CDS-PP do seio governamental,
o presidente da JP mostrou-se
contra, pois o compromisso do
partido sempre foi garantir, de
forma construtiva, uma coligação
que dê estabilidade e consenso
político ao país.
A JP apresentou ainda um pacote
de medidas de corte na despesa do
Estado e aumento da receita, que
ajudam efectivamente a resolver o
problema do défice,
nomeadamente: a denúncia dos
contratos das PPPs; a
renegociação e corte com as
notícias 5
“Um ideal em comum, uma só JP!”
foi o mote da edição de 2012 da
Universidade de Verão da JP
Madeira (JP-M), traduzindo a ideia
de unidade em torno de um objectivo
comum, a ideia de uniformidade das
estruturas, aliada ao conhecimento
pleno da ideologia e da estrutura que
envolve o militante.
Associado ao crescimento notável da
estrutura do Partido na Região
Autónoma da Madeira nos últimos
actos eleitorais, e ao crescente debitar
de confiança dos Madeirenses no
CDS-PP e nas caras que o compõem,
assumiu a JP-M a missão de
reorganizar a sua própria estru-tura e
procurar dotar os seus militantes dos
meios e competências vistas como
indispensáveis para uma mais eficaz
intervenção social e política.
Contando com um painel composto
por deputados do CDS-PP à Assem-
bleia Legislativa da Madeira, pelo
Secretário-Geral da JP Nacional, entre
outros convidados, e perante uma
audiência de cerca de uma centena de
jovens, percorreu-se a história e a
ideologia democrata-cristã do partido,
bem como a de algumas das figuras
que o fizeram trilhar o percurso até
hoje. Procurou-se enquadrar a
posição da JP Madeira no contexto
político actual e até onde se poderão
estender as suas competências, tendo
em mente as próximas Eleições
Autárquicas. Nesse sentido foi
explorado o papel do Jovem numa
Autarquia, tendo por base a
experiência no Município do Funchal
e na freguesia de São Jorge (Santana),
dos, respectivamente, vereador e
presidente de junta, do CDS-PP
Madeira.
Esta Universidade de Verão fica
marcada pela grande adesão dos
jovens madeirenses, cada vez mais
abertos a outras realidades e
espectros políticos, que aquele que
jovens, percorreu-se a história e a
ideologia democrata-cristã do partido,
bem como a de algumas das figuras
que o fizeram trilhar o percurso até
hoje. Procurou-se enquadrar a
posição da JP Madeira no contexto
político actual e até onde se poderão
estender as suas competências, tendo
em mente as próximas Eleições
Autárquicas. Nesse sentido foi
explorado o papel do Jovem numa
Autarquia, tendo por base a experi--
ência no Município do Funchal e na
freguesia de São Jorge (Santana), dos,
respectivamente, vereador e presi-
dente de junta, do CDS-PP Madeira.
Esta Universidade de Verão fica
marcada pela grande adesão dos
jovens madeirenses, cada vez mais
abertos a outras realidades e espec-
tros políticos, que aquele que rege a
Madeira há mais de três décadas. E
significa duas coisas: que se está a
trabalhar bem e no caminho certo.
Cada vez há mais jovens a pensar
como nós!
Luísa Henriques Gouveia
Juventude Popular da Madeira
realiza Universidade de Verão
Estado e aumento da receita, que
ajudam efectivamente a resolver o
problema do défice, nomea-
damente: a denúncia dos contratos
das PPPs; a renegociação e corte
com as rendas milionárias de
edifícios privados onde estão
instalados serviços públicos,
seguida de um possível programa de
alineação do património imobiliário
devoluto; o fim das regalias para os
ex-Presidentes da República;
privatização total da RTP; o fim dos
contratos adjudicados por ajuste
directo; bem como a extinção de
algumas empresas públicas centrais,
regionais ou locais que revelem
inviabilidade financeira ou cujo seu
objecto de “serviço público” seja
injustificável. CPN Juventude Popular
A distrital do Porto da Juventude
Popular (JP) criticou hoje a
privatização "em bloco" da ANA -
Aeroportos de Portugal, falando
de violação da Constituição e
pediu autonomia para o aeroporto
Francisco Sá Carneiro, no Porto.
"A estratégia de privatização da ANA,
alienando globalmente todos os
aeroportos portugueses, não mais
vai fazer do que travar o crescimento
da região e entregar uma posição
dominante de mercado aos suspeitos
do costume", afirma o líder da
distrital da JP, João Ribeirinho
Soares. O responsável fala ainda em
"violação da Constituição", referindo
que a mesma refere claramente ser
"incumbência do Estado assegurar o
funcionamento eficiente dos mer-
cados e garantir concorrência entre
empresas, de modo a contrariar
monopólios e a reprimir posições
dominantes"
A JP do Porto fala em "desagrado e
preocupação" com a aprovação,
em Conselho de Ministros, da
privatização em bloco da ANA -
Aeroportos de Portugal, juntando-
se assim às críticas do Norte
contra a perda de autonomia do
Aeroporto do Porto. As
declarações da JP criticam,
precisamente, que a luz verde do
Governo tenha surgido depois das
"manifestações de preocupação
das mais diversas forças políticas"
e aos pedidos de autonomia na
gestão do Aeroporto do Porto.
"Por várias vezes a JP pediu
autonomia de gestão para as
infraestruturas da região",
recorda a distrital
O líder da distrital do Porto da JP
promete agora "enviar ao
funcionamento eficiente dos mer-
cados e garantir concorrência entre
empresas, de modo a contrariar
monopólios e a reprimir posições
dominantes"
A JP do Porto fala em "desagrado e
preocupação" com a aprovação, em
Conselho de Ministros, da priva-
tização em bloco da ANA -
Aeroportos de Portugal, juntando-se
assim às críticas do Norte contra a
perda de autonomia do Aeroporto do
Porto. As declarações da JP criticam,
precisamente, que a luz verde do
Governo tenha surgido depois das
"manifestações de preocupação das
mais diversas forças políticas" e aos
pedidos de autonomia na gestão do
Aeroporto do Porto.
"Por várias vezes a JP pediu
autonomia de gestão para as infra-
estruturas da região", recorda a
distrital
O líder da distrital do Porto da JP
promete agora "enviar ao Presidente
da Autoridade da Concorrência uma
carta aberta pedindo explicações"
sobre a questão concorrencial. "A
concorrência em Portugal é um tabu
que deve ser desmistificado a
começar pela classe política. Não
aceitamos a existência de um
organismo cuja missão é garantir a
aplicação da política de concorrência
em Portugal que esteja
constantemente a fechar os olhos a
estes casos", sublinhou.
"Por várias vezes a JP pediu
autonomia de gestão para as infra-
estruturas da região", recorda a
distrital
O líder da distrital do Porto da JP
promete agora "enviar ao Presidente
da Autoridade da Concorrência uma
carta aberta pedindo explicações"
sobre a questão concorrencial. "A
concorrência em Portugal é um tabu
que deve ser desmistificado a
começar pela classe política. Não
aceitamos a existência de um
organismo cuja missão é garantir a
aplicação da política de concorrência
em Portugal que esteja constan-
temente a fechar os olhos a estes
casos", sublinhou.
Porto Canal
Distrital do Porto exige autonomia do Aeroporto Francisco Sá Carneiro
6 notícias
"Nós órgãos Concelhios da JP,
assistimos, bastas vezes, à inércia de
quem tem a função de dirigir esses
trabalhos e é, creio bem, através do
cumprimento de uma agenda inter-
activa com a própria sociedade, que
convirja o papel activo dos militantes
e simpatizantes desta Estrutura
política com a de tantos outros jovens
independentes, que se conseguirá
despertar consciências e direccionar,
num esforço de futuro, as menta-
lidades para as soluções dos proble-
mas dos nossos tempos." Este é o
mote dado por Francisco Rodrigues
dos Santos, Presidente da JP Lisboa,
para justificar o lançamento do novo
jornal da concelhia, o 'Centrista'.
Embebido desse espírito congre-
gador, o objectivo do jornal é forta-
lecer a reforçar a comunicação interna
e externa da Concelhia de Lisboa,
projectando o poder opina-tivo dos
vários participantes na sua elabora-
ção. O nome escolhido revela um
regresso às origens e à matriz funda-
dora da JP e do CDS. A estrutura base
do 'Centrista' é composta por uma
dicotomia entre a coluna dedicada aos
destaques no plano nacional e outra
respeitante à conjuntura interna-cional.
Cada edição contará, também, com uma
entrevista a uma perso-nalidade bem
conhecida dos leitores e com um artigo
de opinião escrito por uma figura de
referência da nossa sociedade.
Os militantes e simpatizantes da JP têm,
neste jornal, a oportunidade de verem
publicados os seus artigos de opinião, já
que o projecto pretende fomentar a
participação cívica e atribuir visi-
bilidade ao pensamento livre e
espontâneo dessa massa crítica, através
de uma rubrica intitulada “Escreve o
Militante”. Para o efeito, basta enviar os
escritos para a Directora do Centrista,
Diana Vale.
A periodicidade do Centrista será mensal
e sairá no último fim-de-semana de cada
mês. Excepcio-nalmente, a edição de
Setembro foi lançada no dia 1 de
Outubro, uma vez que a Concelhia de
Lisboa decidiu realizar uma apresen-
tação pública do Jornal, onde foram
explicados os conteúdos subjacentes, a
sua envol-vência e os fins a atingir. Este
evento contou com a participação de
cerca de 40 militantes e simpatizantes
da Juventude Popular e do CDS.
Francisco Rodrigues dos Santos
Concelhia de Lisboa funda o jornal ‘Centrista’
A Juventude Popular (JP) defendeu a
demissão do Conselho de Admi-
nistração (CdA) da RTP por ter
criticado publicamente “o maior
accionista” da empresa, o Estado, a
propósito da possibilidade de
concessão de um canal a privados. Na
mesma semana, o próprio Conselho de
Administração da RTP apresentou a
sua demissão.
“Independentemente do modelo a
querer adoptar para o futuro da RTP, é
absolutamente lamentável a atitude do
CdAda empresa ao ter vindo a público
condi-cionar o Governo relativamente
à decisão política que só o próprio tem
o direito de tomar”, lê-se num
comunicado da direcção da estrutura
que representa os jovens do CDS-PP.
O presidente da JP, Miguel Pires da
Silva, acrescentou que aquilo que
“mais choca” a Juventude Popular é
que a administração da RTP “venha a
público tecer críticas sobre o maior
accionista”. “Quando alguém não está
bem deve discutir essa questão inter-
namente e nunca vir a público”, insis-
tiu, acrescentando: “Eu acho que a
administração [da RTP], neste caso, a
única saída que tem é pedir a sua
demissão”.
No decorrer da mesma semana, num
cenário de manifesto desencontro de
ideias com o governo, o Conselho de
Administração da RTP apresentou o
pedido de demissão numa reunião com
o Ministro-Adjunto e dos Assuntos
Parlamentares, Miguel Relvas, tendo o
mesmo sido aceite.
Público
Juventude Popular toma posição sobre a RTP
notícias 7
Dívida metódica
8 opinião
Rafael Borges
o público – que esteve à beira de declarar falência
merecia, afinal, a benesse de fazer um sacrifício
comparativamente menor que o que fará o resto da
população. Como normalmente sucede, é quem não dispõe
de um aparelho sindical que lhe proteja cada privilégio
inexplicável, cada regalia imerecida, que contribuirá com a
maior fatia. Quanto a isso, sejamos, aliás, honestos: é que,
pelo menos neste ponto, é o próprio reaccionarismo
vermelho que se alia à falta de determinação do actual
Governo em mudar mesmo Portugal. Se uns se opõem a
qualquer mudança; outros têm medo de assumir uma
posição de protagonismo nesse processo.
Ainda assim, a decisão do TC ofereceu ao executivo de
Passos Coelho aquilo que tinha tudo para ser um
momento de redenção, de catarse programática. Depois
de apostar, sistemática e persistentemente, num caminho
pouco amigo daquilo que deve ser feito – i.e., corte
corajoso, descomplexado, desinibido na despesa -, o
primeiro-ministro teve não só a oportunidade, mas
também – e acima de tudo - a justificação ideal, para
mudar de rumo. Contudo, não o fez: e preferiu continuar a
seguir o caminho de sempre para os problemas de sempre
- uma taxação cada vez mais pesada e, sobretudo, de mais
penalizações sobre quem trabalha e faz Portugal crescer.
Saber que, daquilo que o Estado logrou subtrair a si
mesmo neste último ano, 90% veio directamente do corte
de salários, mostra bem a escala da inépcia e ausência de
ambição do programa de ajustamento português. Como
noutros momentos, em outras circunstâncias e com
outros dirigentes políticos, o reformismo é mínimo, o
objectivo imediato é retocar o monstro e o fim último é
prolongar-lhe a vida. Ninguém se atreve a tentar matá-lo
de vez; não há quem esteja interessado em assumir o
custo político de lhe parar a respiração. Não é por acaso
que, entre 2010 e 2011 – já, portanto, em tempos de
draconiana, exagerada, asfixiante austeridade – a
percentagem de despesa pública em percentagem do PIB
se limitou a cair de 51.3%, em 2010, para 49%, no ano
passado. Não é também por acaso do destino, que, por
mais que se fale no excesso de pessoal da Função Pública –
um excesso que, de acordo com António Pires de Lima,
andará entre os 150 e os 200 000 funcionários públicos -,
tudo o que se fez até agora foi proibir – e, note-se, apenas
temporiamente - a contratação de mais funcionários. E
chumbo, pelo Tribunal Constitucional, do corte
dos subsídios de férias e natal para os
funcionários públicos representou aquela que
foi, pelo menos até agora, uma das grandes derrotas do
presente executivo. Foi o momento em que a política
orçamental da Coligação passou a ser mais que
impopular – fez-se, ao tornar-se dirigível e manipulável,
refém da quinta coluna do dogmatismo ideológico que
nos amordaça enquanto cidadãos.
Mas não só. Foi Portugal quem perdeu em toda a linha:
para quem acha que, se esta é uma crise do Estado e não
da sociedade, de quem trabalha e cria riqueza, deve ser
o Estado o primeiro a apertar o cinto, a decisão do TC foi
um categórico balde de água fria. Não interessa nada
que a média salarial da Função Pública seja
substancialmente superior à do sector privado; é
irrelevante que o clima de segurança laboral em que
vive a FP seja incomparável ao de quem não tem outra
hipótese, outra alternativa, que não seja a de dar o seu
melhor todos os dias para não ir parar o olho da rua.
Nadinha: fundamental mesmo é sobrecarregar ainda
mais aqueles trabalhadores anónimos, os pobres diabos
que não fazem greve de semana a semana nem param o
país para dar voz às reivindicações corporativas.
Não é que o caminho deva ser o do mero corte de
salários – isso, quanto mais não seja, porque não passa
de uma redução temporária da ração anual da besta
estatal. Não é isso que está em causa. O problema é a
falta de compreensão daquela máxima de Aristóteles
que nos relembra de que “a pior forma de desigualdade
é tratar coisas diferentes da mesma maneira”. Foi isso
que fizemos ao achar que um grupo de pessoas cuja
média salarial é o dobro da dos restantes portugueses,
que pertence, precisamente, ao sector da vida nacional –
o público – que esteve à beira de declarar falência
merecia, afinal, a benesse de fazer um sacrifício
comparativamente menor que o que fará o resto da
população. Como normalmente sucede, é quem não
O
um excesso que, de acordo com António Pires de Lima,
andará entre os 150 e os 200 000 funcionários públicos -
, tudo o que se fez até agora foi proibir – e, note-se,
apenas temporiamente - a contratação de mais
funcionários. E tudo isto num país em que 15% da
população activa trabalha para o Estado. Mas a inércia
reformista foi - e está a ir - ainda mais longe que isso: e o
caso das fundações mostra-o bem. Após um ano de
estudos, propostas e anúncios, chegou-se à conclusão de
que, afinal, entre centenas de organizações, só dez eram
inúteis o suficiente para ficarem sem financiamento
estatal. Não é, naturalmente, que tamanha
monstruosidade, tamanho absurdo político tenha
conseguido convencer muita gente fora dos partidos da
Maioria: mas fez a sua parte para, juntamente com tudo
o resto, abrir fendas na paciência de quem se sacrifica
por motivos que nem sempre compreende.
É, felizmente, certo que, pelo menos do lado do CDS, não
têm faltado críticas ao modelo mais ou menos socialista
que o governo tem seguido. Mas isso, embora relevante,
muda muito pouco. E é (também) com isso que é preciso
cortar. Neste momento, Portugal aperta-se para que
possa receber a próxima tranche do FMI. É preciso que o
façamos, sim, mas para assegurar o nosso futuro – é
necessário que compreendamos que os sacrifícios são
imperiosos e que, em boa verdade, devem até ser mais
pesados que aqueles que estamos agora a suportar. Os
portugueses, como o Governo que elegeram, terão, mais
cedo ou mais tarde, de fazer essa escolha fundamental
para o seu futuro: ou continuam a seguir pelos caminhos
de um Estado insustentável, que pura e simplesmente
não conseguirão manter, ou escolhem a estrada oposta.
A de um Governo que assegura menos coisas às pessoas,
mas que não lhes levará tanto do fruto do seu trabalho; a
de um Governo que já não poderá dar tudo a toda a
gente, sim, mas que também não se atreverá a confiscar
tudo aos contribuintes.
Tomar essa decisão só nos cabe a nós e a quem nos go-
verna. A verdade, porém, é que o entusiasmo pela
mudança só é fraco no governo porque o é entre os
eleitores; não há dinâmica nem força motriz no
executivo porque ela não existe entre quem o elegeu.
É também por os portugueses não quererem cortar que
não se corta – da mesma forma que é também por eles
quererem salvar o nanny state que se aumentam
impostos. A culpa não é só dos fascistas de Bruxelas e
os portugueses não quererem cortar que não se corta –
da mesma forma que é também por eles quererem
salvar o nanny state que se aumentam impostos. A culpa
não é só dos fascistas de Bruxelas e dos lacaios
subservientes de Lisboa: é de cada sindicalista
indignado, de cada comentador de taverna, de cada
analista de divã. Continuar-se-á a aumentar a carga
fiscal porque, na verdade, é isso que imploramos a Vítor
Gaspar cada vez que nos manifestamos contra o
“encerramento de serviços públicos”. Continuar-se-á na
mesma estrada até que queiramos abandoná-la,
persistiremos no erro até que, reconhecendo-o, nos
afastemos dele, quem nos representa insistirá em
aumentar a nossa dependência relativamente ao
Estado e a dependência do Estado relativamente à
sociedade até que queiramos mudar de paradigma: até
que estejamos preparados para, sem medos, fazer
aquela que será a decisão das nossas vidas – dizer que,
mesmo que tal nos custe, preferimos viver num país que
não nos espolie que num que trate de nós. É por isso
que, se o actual governo é refém do equilíbrio entre o
Triunvirato e um povo sociologicamente socialista, são
essas correntes, essa sujeição às circunstâncias que
deve ser destruída. Onde existe apreensão, deve
aparecer confiança; onde há desespero, precisamos de
força; onde há corações habitados pelo desespero, pelo
laxismo e pelo imobilismo, necessita-se como nunca de
pragmatismo, sentido de pátria, abnegação e espírito
de sacrifício.
Mudar de vida nunca é fácil, e este momento específico
da nossa vida colectiva não escapa a essa verdade
fundamental. Mas, se às famílias devemos recordar
que esse esforço poderá assegurar um futuro aos seus
filhos, aos patriotas devemos relembrar que assumi-lo
pode bem ser a única forma de garantir um amanhã ao
país. Se esse momento chegar, será Portugal a pedir
aos seus representantes que, sem complexos, o
transformem e façam dele um país amigo do
investimento, do crescimento e do trabalho. Se, todavia,
ele nunca vier, no relógio da bancarrota o ponteiro
português nunca se afastará da meia-noite. Em caso de
dúvida, continuaremos a responder com dívida – e o
próximo bailout será sempre uma inevitabilidade.
opinião 11
Luís Pedro Mateus
e forma recorrente no con-
texto partidário do CDS e da
JP nos deparamos com a
acepção de que, no campo ideo-
lógico, ambos perfilham a
Democracia Cristã. Esta, sem dúvida
a principal das vertentes ideológicas
presentes aquando da fundação do
CDS em 1974, não obstante de ter
passado por um profundo processo
de reflexão e debate à luz dos
desafios da altura, hoje em dia
parece ter assumido mais um papel
de fundo, de referencial passado e
de difícil definição que deverá
obrigatoriamente competir a um
Gabinete de Estudos contrariar.
O acervo académico da Democracia
Cristã em Portugal é, já de si, de
difícil persecução e divulgação. O
Centro Académico de Democracia
Cristã (CADC) que foi fundado em
1901 por estudantes católicos de
Coimbra como resposta ao
ambiente crescentemente hostil em
De forma recorrente no contexto
partidário do CDS e da JP nos
deparamos com a acepção de que,
no campo ideológico, ambos
perfilham a Democracia Cristã. Esta,
sem dúvida a principal das ver-
tentes ideológicas presentes
aquando da fundação do CDS em
1974, não obstante de ter passado
por um profundo processo de
reflexão e debate à luz dos desafios
da altura, hoje em dia parece ter
assumido mais um papel de fundo,
de referencial passado e de difícil
definição que deverá obrigato-
riamente competir a um Gabinete
de Estudos contrariar.
O acervo académico da Democracia
Cristã em Portugal é, já de si, de
difícil persecução e divulgação. O
Centro Académico de Democracia
Cristã (CADC) que foi fundado em
1901 por estudantes católicos de
Coimbra como resposta ao ambi-
ente crescentemente hostil em
relação ao cristianismo e à Igreja
(característico do fanatismo do
laicismo intolerante da altura),
desmantelado em 1910 com a
implantação do regime Republicano
e de regresso à sua actividade em
1912, acaba por, posteriormente, no
(característico do fanatismo do
laicismo intolerante da altura),
desmantelado em 1910 com a
implantação do regime Republicano
e de regresso à sua actividade em
1912, acaba por, posteriormente, no
contexto de crescente oposição ao
Estado Novo, cessar a sua actividade
desde 1971 até 2001, deixando a
Democracia Cristã orfã de um
centro que a estudasse e reflectisse
à luz das questões que foram
marcando as diferentes décadas.
Nesse aspecto, e à excepção do
breve Partido do Centro Católico
dos conturbados tempos da 1ª
República, nunca existiu em
Portugal até 1974, claramente, um
movimento político que se consi-
derasse emanado da Democracia
Cristã. Os casos do sidonismo e
mesmo o Estado Novo, desde logo
pela profunda natureza anti-
democrática dos mesmos, deixam
muitas dúvidas em aberto sempre
que se os tenta aproximar de um
claro pensamento democrata cristão
apesar de, na sua génese, terem em
comum tanto o CADC como o Centro
Católico.
A Democracia Cristã
assumidamente perfilhada pelo
Democracia Cristã: definições e desafio
12 ideologia
D
claro pensamento democrata cristão
apesar de, na sua génese, terem em
comum tanto o CADC como o Centro
Católico.
A Democracia Cristã assumi-
damente perfilhada pelo CDS, na
dificuldade intrínseca de traçar uma
herança política portuguesa
particular, quer por ordem de
quebra de continuidade com o
Centro Católico, quer pelo profundo
estigma deixado pelo regime
salazarista, acaba por ser produto
de uma inspiração das então
democracias cristãs europeias
aglomeradas na União Europeia de
Democratas Cristãos. Não é por
acaso que em pleno contexto de
revolução, e derivado das ligações
de Salazar, enquanto jovem, ao
CADC e ao Centro Católico, o
posicionamento do CDS na base da
democracia cristã se torna chama
piloto para que as forças da
extrema-esquerda tentem banir o
partido etiquetando-o como salaza-
rista, fascista e reaccionário.
Entretanto o partido sobreviveu.
Instituiu-se como oposição
ideológica ao socialismo radical e à
social-democracia e solidificou-se
como solução governativa em
rista, fascista e reaccionário.
Entretanto o partido sobreviveu.
Instituiu-se como oposição ideo-
lógica ao socialismo radical e à
social-democracia e solidificou-se
como solução governativa em
diferentes legislaturas.
Como o leitor já deve ter constatado,
é muito difícil começar a falar da
democracia cristã sem se recorrer a
exemplos concretos de partidos,
movimentos, instituições ou pessoas
como forma de exemplificar o
posicionamento democrata cristão
em determinada época ou em
determinado assunto. Tal não é
coincidência. A democracia cristã é,
movimentos, instituições ou pessoas
como forma de exemplificar o
posicionamento democrata cristão
em determinada época ou em
determinado assunto. Tal não é
coincidência. A democracia cristã é,
de facto, e ao contrário de uma
grande parte das ideologias mais
conhecidas, muito mais complicada
de definir com precisão. Não é fácil
encontrar um filósofo ou econo-
mista de renome cuja obra a defina
e marque de uma forma tão cabal e
absoluta como outras ideologias.
Existe um grande espaço de
interpretação e maleabilidade de
medidas concretas dentro da
ideologia 13
Jacques Maritain, autor da obra
“Humanismo Integral”, é uma das
referências do pensamento humanista
que serve de base à Democracia Cristã.
mista de renome cuja obra a defina
e marque de uma forma tão cabal e
absoluta como outras ideologias.
Existe um grande espaço de
interpretação e maleabilidade de
medidas concretas dentro da
democracia cristã, precisamente por
a mesma, e seus executantes, nunca
a terem encarado de um modo
científico.
Apesar de existirem personalidades
responsáveis por ajudar a definir o
pensamento e acção da democracia
cristã em diferentes alturas, como o
são o Papa Leão XIII, Jacques
Maritain, Konrad Adenauer ou
Helmut Kohl, as diferenças entre
eles são tão manifestas que ilustram
na perfeição o problema em se
definir, a nível de algumas políticas
muito concretas, o que postulará a
democracia cristã.
No entanto, isto não significa que
não existam princípios ideológicos
base que a definam. Muito pelo
contrário. Dos valores comuns à
democracia cristã europeia pode-se
salientar:
O direito inalienável à Vida,
protegida desde a concepção até à
morte natural e isenta de uma
sujeição a livre arbítrio;
O pressuposto da Família como
célula fundamental e definidora da
sociedade, decorrente de um
vínculo entre um homem e uma
mulher e sustentada na natureza
humana, anterior ao Estado e,
portanto, independente do mesmo;
A Propriedade Privada e a Livre
Iniciativa como realizações e
aspirações do indivíduo que são
colocados ao serviço da sociedade;
O Trabalho como uma dimensão
fundamental do indivíduo, uma
obrigação para consigo, para com a
família, a sociedade e a nação;
A Solidariedade Social, onde ao
Estado competirá actuar como
regulador e dissuasor de potencial
discriminação em áreas como a
saúde e a segurança social;
uma forma resumida, a democracia
cristã se define claramente por um
certo conservadorismo social, sendo
mais difícil de a posicionar no
espectro económico. Ou seja, se é
relativamente pacífico aproximar
em diversas questões, a nível de
política social, a democracia cristã
com um conservadorismo caracte-
rístico da direita, já a nível
económico é mais complicado
porque variável. Geralmente, a
democracia cristã é bem mais
centrista em aspectos de política
económica, querendo isto dizer que
se encontrará mais ou menos a meio
termo entre a social-democracia de
inspiração keynesiana e o
liberalismo de inspiração hayekiana,
família, a sociedade e a nação;
A Solidariedade Social, onde ao
Estado competirá actuar como
regulador e dissuasor de potencial
discriminação em áreas como a
saúde e a segurança social;
A Ética como guia de toda a acção
individual ou colectiva na política e
inspirada no humanismo persona-
lista, com vista à defesa do bem
comum num profundo espírito de
serviço público.
Pode-se portanto constar que, de
uma forma resumida, a democracia
cristã se define claramente por um
certo conservadorismo social, sendo
mais difícil de a posicionar no
espectro económico. Ou seja, se é
relativamente pacífico aproximar
14 ideologia
O antigo Chanceler alemão Konrad Adenauer é uma das mais
respeitáveis figuras ligadas à Democracia Cristã.
É por isso muito complicado definir
ad hoc, em termos económicos, qual
o papel que o Estado deve assumir
numa governação de inspiração
democrata cristã. No entanto, e ao
contrário de inspirações macro-
económicas socialistas, onde se
parte do pressuposto que compete
primeiramente ao Estado a
promoção do investimento e papel
como motor do crescimento econó-
mico, a democracia cristã privilegia
preferencialmente a livre iniciativa
privada e um Estado com a presença
estritamente necessária para
proteger o indivíduo de perversões
que possam ocorrer do
funcionamento do livre mercado.
Além do mais, existe uma razoável
concepção do Estado bem gerido
que mantenha as contas públicas
em ordem e onde o valor da
solidariedade intergeracional tem
um papel preponderante na
maneira como se encara o
investimento e o endividamento
público, que acabam por fazer o
pensamento económico democrata
cristão pender para uma concepção
mais liberal da economia. Nesta
escola, os partidos democratas
cristãos do norte e centro da europa
são um exemplo fiel e de onde
surgem (principalmente da CDU
alemã) diversos textos
estruturantes sobre a concepção da
economia de mercado que vão
desde textos de índole bastante
geral até papers muito concretos,
por exemplo contra a fixação estatal
de preços artificiais.
Em Portugal, a identidade do CDS
nestes aspectos tem sido bastante
semelhante ao da batuta europeia.
No entanto, onde sempre tem
surgido, de tempo a tempo, alguns
pontos de divergência entre
partidos democratas cristãos
europeus é em matéria de política
europeia onde existe ainda, dentro
de diversos partidos, uma corrente
euro-céptica bastante acentuada. O
centrista em aspectos de política
económica, querendo isto dizer que
se encontrará mais ou menos a meio
termo entre a social-democracia de
inspiração keynesiana e o libe-
ralismo de inspiração hayekiana,
podendo oscilar para um lado ou
para o outro consoante a questão,
pessoa ou período concreto. Por
isso mesmo se costuma rotular os
políticos democratas cristãos, acima
de tudo, como pragmáticos.
Do ponto de vista característico de
grande parte dos democratas
cristãos, os modelos teóricos
económicos puros são extrema-
mente duvidosos quanto à sua
exequibilidade no mundo real, onde
um sem número de variáveis
implicam que em determinados
contextos o Estado não deva
obstruir o normal funcionamento do
mercado, mas noutros já possa ter
um papel regulador e interventivo
se em nome duma quebra de
posições dominantes e abusadoras
que, em última instância, preju-
diquem o bem comum.
É por isso muito complicado definir
ad hoc, em termos económicos, qual
o papel que o Estado deve assumir
numa governação de inspiração
democrata cristã. No entanto, e ao
contrário de inspirações
macroeconómicas socialistas, onde
se parte do pressuposto que
compete primeiramente ao Estado a
promoção do investimento e papel
como motor do crescimento
económico, a democracia cristã
privilegia preferencialmente a livre
iniciativa privada e um Estado com
a presença estritamente necessária
para proteger o indivíduo de
perversões que possam ocorrer do
funcionamento do livre mercado.
Além do mais, existe uma razoável
concepção do Estado bem gerido
que mantenha as contas públicas
em ordem e onde o valor da
solidariedade intergeracional tem
um papel preponderante na
proteger o indivíduo de perversões
que possam ocorrer do fun-
cionamento do livre mercado. Além
do mais, existe uma razoável
concepção do Estado bem gerido
que mantenha as contas públicas
em ordem e onde o valor da solida-
riedade intergeracional tem um
papel preponderante na maneira
como se encara o investimento e o
endividamento público, que acabam
por fazer o pensamento económico
democrata cristão pender para uma
concepção mais liberal da economia.
Nesta escola, os partidos demo-
cratas cristãos do norte e centro da
europa são um exemplo fiel e de
onde surgem (principalmente da
CDU alemã) diversos textos
estruturantes sobre a concepção da
economia de mercado que vão
desde textos de índole bastante
geral até papers muito concretos,
por exemplo contra a fixação estatal
de preços artificiais.
Em Portugal, a identidade do CDS
nestes aspectos tem sido bastante
semelhante ao da batuta europeia.
No entanto, onde sempre tem
surgido, de tempo a tempo, alguns
pontos de divergência entre
partidos democratas cristãos
europeus é em matéria de política
europeia onde existe ainda, dentro
de diversos partidos, uma corrente
euro-céptica bastante acentuada. O
CDS, na devida altura já foi
declaradamente euro-céptico, e cujo
preço a pagar foi a desvinculação do
Partido Popular Europeu. Aqui, de
facto, há muito caminho para trilhar
no pensamento democrata cristão,
desde logo pelo pragmatismo
inerente ao mesmo e que força -
principalmente de uma aguda crise
institucional europeia - a
constantemente reavaliar posições.
Até agora, a posição dominante tem
sido a da concepção alemã, que
domina completamente o Partido
Popular Europeu. No entanto, não
podem passar despercebidas as
ideologia 15
europa são um exemplo fiel e de
onde surgem (principalmente da
CDU alemã) diversos textos
estruturantes sobre a concepção da
economia de mercado que vão
desde textos de índole bastante
geral até papers muito concretos,
por exemplo contra a fixação estatal
de preços artificiais.
Em Portugal, a identidade do CDS
nestes aspectos tem sido bastante
semelhante ao da batuta europeia.
No entanto, onde sempre tem
surgido, de tempo a tempo,
alguns pontos de divergência entre
partidos democratas cristãos
europeus é em matéria de política
europeia onde existe ainda, dentro
de diversos partidos, uma corrente
euro-céptica bastante acentuada. O
CDS, na devida altura já foi
declaradamente euro-céptico, e cujo
preço a pagar foi a desvinculação do
Em Portugal, a identidade do CDS em termos económicos
tem sido bastante semelhante ao da batuta europeia.
de partida para interrogações
profundas sobre o futuro da União
Europeia.
Neste último aspecto, tem faltado
em Portugal, e no CDS em particular,
uma discussão profunda sobre
política europeia. Hoje em dia, falar
de democracia cristã e pensar a
democracia cristã implicará, em
nome do pragmatismo da ideologia,
uma definição premente das
concepções europeias que possam
resolver a crise instalada ao mesmo
tempo que se tem em conta a
coerência com os valores que
sustentam a ideologia.
Em Portugal e no CDS, por
responsabilidade acrescida advinda
da urgência em sair do estado de
protectorado o mais rapidamente
possível, quanto mais cedo se
quebrar o tabu de pensar em
política europeia - desde a sua
concepção monetária até à
meramente institucional - mais cedo
se caminhará em direcção a uma
nova definição da democracia cristã
que, como a realidade se tem
encarregado de provar, está na
ordem imperativa do dia.
de diversos partidos, uma corrente
euro-céptica bastante acentuada. O
CDS, na devida altura já foi
declaradamente euro-céptico, e cujo
preço a pagar foi a desvinculação do
Partido Popular Europeu. Aqui, de
facto, há muito caminho para trilhar
no pensamento democrata cristão,
desde logo pelo pragmatismo
inerente ao mesmo e que força -
principalmente de uma aguda crise
institucional europeia - a constan-
temente reavaliar posições. Até
agora, a posição dominante tem sido
a da concepção alemã, que domina
completamente o Partido Popular
Europeu. No entanto, não podem
passar despercebidas as recentes
movimentações da CSU (partido
irmão da CDU para a Baviera) que,
em aspecto de política europeia,
tem divergido do partido nacional.
De igual forma, os partidos
democratas cristãos da Holanda e
da escandinávia são muito mais
cuidadosos e menos entusiastas
com os modelos europeus em
experimentação, onde os princípios
e valores de subsidiariedade e de
soberania têm servido como ponto
de partida para interrogações
profundas sobre o futuro da União
Europeia.
Neste último aspecto, tem faltado
em Portugal, e no CDS em particular,
uma discussão profunda sobre
política europeia. Hoje em dia, falar
de democracia cristã e pensar a
democracia cristã implicará, em
nome do pragmatismo da ideologia,
uma definição premente das
concepções europeias que possam
resolver a crise instalada ao mesmo
tempo que se tem em conta a
coerência com os valores que
sustentam a ideologia.
Em Portugal e no CDS, por
responsabilidade acrescida advinda
da urgência em sair do estado de
protectorado o mais rapidamente
possível, quanto mais cedo se
quebrar o tabu de pensar em
sustentam a ideologia.
Em Portugal e no CDS, por
responsabilidade acrescida advinda
da urgência em sair do estado de
protectorado o mais rapidamente
possível, quanto mais cedo se
quebrar o tabu de pensar em
política europeia - desde a sua
concepção monetária até à
meramente institucional - mais cedo
se caminhará em direcção a uma
nova definição da democracia cristã
que, como a realidade se tem
encarregado de provar, está na
ordem imperativa do dia.
16 ideologia
especial 19
A Juventude Popular nasceu há 38 anos Foi no dia 18 de Setembro de 1974 que nasceu a então
Juventude Centrista que estabeleceu desde o primeiro
momento um compromisso com a liberdade. Repetidas
vezes a nossa história demonstrou a inegociabilidade
desse compromisso perante derivas totalitárias ou
alegados consensos que mais não implicaram do que a
degradação da qualidade do nosso sistema democrático.
Como Juventude Centrista ou, mais tarde, Juventude
Popular, a história desta instituição retrata uma
caminhada solidária com os grandes desígnios e as
grandes batalhas do CDS, mas é também fica marcada
por uma grande independência e espírito crítico.
Muita História já se fez e muita aí virá. Pelos jovens,
pela liberdade e por Portugal.
Eduardo Urze Pires
Neto, o Miguel Guimarães, os saudosos Paulo Palma
Carlos e Nuno Moreira da Cruz, por oposição à lista da
Alexandre Sousa Machado. Confesso que nunca pensei
em ganhar as eleições, tanto mais que ninguém sabia
quem eu era face ao Alexandre. Foi uma bela suspresa
e, também, o assumir de todas as responsabilidades
que tal eleição impunha.
Que recordações guarda da sua militância e da sua
presidência da JC?
Ser Presidente da JC neste contexto foi extremamente
dificil, até porque os recursos económicos de que
dispunhamos eram tremendamente escassos. Ninguem
tinha vencimento e todos gastávamos as nossas
mesadas na militância que se impunha. Tal não obstou
a que a JC se impusesse em zonas do país consideradas
como bastiões da esquerda como Barreiro e Beja, onde
a JC ganhou vários processos eleitorais a nivel escolar!
Uma das minhas melhores recordações foi participar
num peditório para a JC na Praça do Giraldo, na
lindíssima cidade de Évora, em Fevereiro de 1976.
Impensável na altura a JC ter coragem de fazer um
peditório em território comunista.
Passados 38 anos, sente que valeu a pena o esforço
e o trabalho de fundar esta juventude partidária?
Ao fim deste anos todos é claro que considero ter
valido todo o esforço que eu e os meus colegas de
Direcção e todos os militantes em geral fizemos. Foi o
nosso contributo, modesto e desinteressado, para a
formação da democracia em Portugal. Lutou-se por
um ideal e por um Portugal melhor e não por uma
carreira política.
que o motivou a juntar-se ao CDS e a ajudar
a construir a então Juventude Centrista no
período pós-revolucionário?
A minha ligação ao CDS iniciou-se em finais de 1975,
depois de ter terminado o serviço militar e a convite de
um grande amigo meu, dirigente do CDS Bragança, o
Eng. José Cruz. Em Janeiro pediu-me para ir à sede do
CDS, em Lisboa, para uma reunião com a Juventude
Centrista, a qual tinha como objectivo a preparação do
seu I Congresso. Assim fiz e, a partir daí, o meu tempo
passou a ser dividido entre a faculdade e a JC.
Em que contexto se deu início à formação da JC?
Quando começei a dar a minha colaboração à JC, já esta
existia desde Setembro de 1974. E havia sido criada
num época extremamente díficil para Portugal, com
toda a agitação social existente na altura orquestrada e
dirigida pela esquerda radical que existia no país e que
teria a sua expressão mais séria e grave com o Verão
Quente de 75 e o 25 de Novembro. Por isso, o
aparecimento da JC fez-se numa época de grandes
desafios que exigia de todos nós muita militância, força
e determinação para superar todas as dificuldades com
que nos deparávamos. Ao longo do seu crescimento a JC
teve sempre ao seu lado o saudoso Eng. Adelino Amaro
da Costa, homem brilhante e de grande visão e que tinha
uma fé inabalável na juventude!
Como foi ser o primeiro presidente eleito da JC?
Foi neste cenário que, para grande surpresa minha, fui
convidado a para encabeçar uma lista para a Direcção
da JC, tendo o convite partido de uma das listas
candidatas na qual estavam entre outros a Ana Serrão
Neto, o Miguel Guimarães, os saudosos Paulo Palma
Carlos e Nuno Moreira da Cruz, por oposição à lista da
Alexandre Sousa Machado. Confesso que nunca pensei
em ganhar as eleições, tanto mais que ninguém sabia
O
Eduardo Urze Pires foi eleito Presidente no I Congresso da Juventude
Centrista em 1976. Hoje, passados 36 anos, conta-nos como foram os
primeiros tempos da JC numa entrevista exclusiva.
20 especial
O que se fez e o que falta fazer
Em Abril de 2011, perante o estado de
calamidade das contas públicas e a eminente
insolvência do país, a ‘Troika’ entrou em
Portugal pela mão de José Sócrates e Teixeira
dos Santos. Um mês depois, Portugal
escolheu um novo governo, com novas cores
e novas caras, mas com as mãos atadas pelo
compromisso assumido com as instituições
internacionais. Passado mais de um ano, que
balanço fazer da actuação do governo
PSD/CDS e do cumprimento do memorando
de entendimento assinado com a ‘Troika’?
Quanto faltam ainda dois anos para o final do
programa de ajuda e três anos para o final
do mandato deste governo, o que há ainda
para fazer? O António Pedro Barreiro e o
Pedro Teixeira Mendes analisaram o
que se fez e o que falta fazer.
24 nacional
internacional 25
António Pedro Barreiro
ão é segredo para nenhum
Português que o nosso país
atravessa uma altura
particularmente delicada. A crise
por que passamos não constitui, ao
contrário do que possamos ser
levados a pensar, uma situação
passageira causada pela conjugação
de factores exógenos ou pela
adopção de políticas erradas por um
Governo ou governante em
particular. Pelo contrário, resulta de
um caminho que foi traçado ao
longo de décadas por responsáveis
de diversas idades, tons de discurso
e filiações partidárias. O caminho do
despesismo, do endividamento galo-
pante e do agravamento da carga
fiscal é errado por si, e não pela
identidade ou filiação partidária de
quem decide percorrê-lo.
Quando, a 30 de Novembro de 2004,
o Presidente Jorge Sampaio decidiu
demitir o Governo liderado por
Santana Lopes e agendar eleições
identidade ou filiação partidária de
quem decide percorrê-lo.
Quando, a 30 de Novembro de 2004,
o Presidente Jorge Sampaio decidiu
demitir o Governo liderado por
Santana Lopes e agendar eleições
legislativas antecipadas, os partidos
da coligação que sustentara o Exe-
cutivo cessante viram-se a braços
com o desgaste da governação e um
notório descrédito público. Esta era,
pois, a grande oportunidade dos
socialistas e do seu novo líder, José
Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Reformista assumido e admirador
confesso do modelo escandinavo e
de Tony Blair, o líder da oposição
tinha tudo o que faltava a Santana
Lopes: o carisma, a capacidade de
mobilização e, sobretudo, a credi-
bilidade. Não é, pois, de espantar,
que os socialistas tenham vencido
as eleições legislativas com uma
estrondosa maioria absoluta, que o
PSD tenha perdido 30 deputados e
que o CDS tenha sido suplantado
pelos comunistas e remetido para
quarta força política.
Portugal tinha agora um Primeiro-
Ministro que dizia compreender
que, “sem finanças públicas
controladas nenhum crescimento
pelos comunistas e remetido para
quarta força política.
Portugal tinha agora um Primeiro-
Ministro que dizia compreender
que, “sem finanças públicas contro-
ladas nenhum crescimento será
sustentável.” Contudo, mais do que
equilibrar as contas públicas,
Sócrates pretendia atingir o
crescimento económico, criar 150
mil empregos e gerar prosperidade.
Para atingir esse fim, o recém-
empossado Primeiro-Ministro com-
fiou no investimento público, que o
seu programa descreve como “uma
alavanca importante para a
competitividade da economia portu-
guesa”. Deste modo, o Executivo
socialista aumentou, durante os
seus seis anos de Governo, as
despesas do Estado em cerca de 100
mil milhões de euros, para financiar
o Plano Tecnológico, um dispen-
dioso investimento em energias re-
nováveis e, naturalmente, a aposta
em grandes obras públicas como o
TGV, a terceira travessia sobre o
Tejo ou o Aeroporto de Beja. Os
socialistas investiram ainda no
fecho de diversas escolas e hospitais
de proximidade para criar enormes
centros escolares e hospitalares. Só
N
O que se fez?
26 nacional
TGV, a terceira travessia sobre o
Tejo ou o Aeroporto de Beja. Os
socialistas investiram ainda no
fecho de diversas escolas e hospitais
de proximidade para criar enormes
centros escolares e hospitalares. Só
no caso da Educação, a Parque
Escolar, empresa pública criada em
2007 pelo Executivo socialista para
assegurar a requalificação dos
estabelecimentos de ensino, apre-
senta hoje dívidas superiores a mil
milhões de euros.
No fim do primeiro mandato de José
Sócrates, era claro o fracasso da
receita socialista: não só a economia
não cresceu, como a taxa de
desemprego aumentou em quase 2
pontos percentuais e a dívida do
Estado em mais de 30 mil milhões
de euros. Apesar destes indicadores,
Sócrates candidatou-se a um
segundo mandato à frente dos
destinos do país e culpou a
conjuntura internacional pelo fiasco
da sua política. Durante dois anos, e
mesmo tendo sido reeleito sem
maioria absoluta, o líder do PS não
procurou consensos nem aban-
donou o rumo até então seguido.
Pelo contrário, continuou a
aumentar a despesa pública, espe-
rando, com isso, abrir caminho para
a prosperidade e para o emprego.
Todavia, a estratégia socialista não
só conduziu à estagnação eco-
nómica e a um novo aumento da
taxa de desemprego, como levou a
um incremento de 24% da dívida
pública que fez com que os
mercados duvidassem da capaci-
dade portuguesa para honrar os
seus compromissos. Eram cada vez
menos as entidades dispostas a
emprestar dinheiro a Portugal e, as
que o faziam, pediam juros cada vez
mais elevados. Em desespero de
causa, o Governo de Sócrates foi
elaborando sucessivos Programas
de Estabilidade e Crescimento que
preconizavam medidas de
austeridade cada vez mais violentas.
do TGV, no despesismo da Parque
Escolar ou no Plano Tecnológico.
O estado das contas públicas
deteriorava-se, os investidores
perdiam confiança no País e os juros
da nossa dívida atingiam níveis
inauditos. Sócrates negava a
catástrofe e sustentava que a
aprovação de um quarto pacote de
austeridade resolveria o problema.
Porém, após o falhanço de três PEC,
os sociais-democratas não estavam
dispostos a suportar um quarto
fracasso. A resiliência do PSD forçou
o chefe do Governo a render-se às
evidências e endereçar ao FMI, à UE
e ao BCE um pedido de assistência
financeira. Ao mesmo tempo que
efectuava este pedido, o chefe do
Governo demitia-se e pedia a
realização de eleições legislativas
antecipadas, nas quais viria a sofrer
uma estrondosa derrota.
Assim, a 21 de Agosto do ano
passado, tomava posse um novo
menos as entidades dispostas a
emprestar dinheiro a Portugal e, as
que o faziam, pediam juros cada vez
mais elevados. Em desespero de
causa, o Governo de Sócrates foi
elaborando sucessivos Programas
de Estabilidade e Crescimento que
preconizavam medidas de auste-
ridade cada vez mais violentas. A
maioria socialista pôde sempre
contar com a colaboração dos
deputados do PSD para aprovar
sucessivos agravamentos da carga
fiscal, como o aumento do imposto
de selo, do IRS e do IVA ou a criação
de uma sobretaxa excepcional no
IRC, sem que os sociais-democratas
exigissem sequer que, em troca, se
pusesse um ponto final no projecto
do TGV, no despesismo da Parque
Escolar ou no Plano Tecnológico.
O estado das contas públicas
deteriorava-se, os investidores
perdiam confiança no País e os juros
da nossa dívida atingiam níveis
nacional 27
Governo demitia-se e pedia a
realização de eleições legislativas
antecipadas, nas quais viria a sofrer
uma estrondosa derrota.
Assim, a 21 de Agosto do ano
passado, tomava posse um novo
Governo liderado por Pedro Passos
Coelho e sustentado por uma
coligação entre o PSD e o CDS. Era a
este novo Executivo que cabia lidar
com os problemas decorrentes de
décadas de despesismo e
endividamento irresponsável, bem
como cumprir o memorando de
entendimento que Sócrates
negociara e assinara e que
comprometia o nosso país com
vigorosos cortes na despesa que
permitissem eliminar até 2013
cerca de 68% do défice das
Administrações Públicas. Porém, se
o propósito do Governo parecia
difícil, algumas semanas após a
tomada de posse bastaram para que
se verificasse que os problemas
financeiros do País eram ainda mais
profundos do que se supunha. Com
mais de 180 municípios a enfrentar
dificuldades de tesouraria, dívidas
avassaladoras nas Regiões Autó-
nomas e no sector empresarial do
Estado e um duvidoso processo de
nacionalização de um banco,
tornava-se extremamente difícil
cumprir os objectivos estipulados
pelas instituições internacionais
recorrendo unicamente a cortes na
despesa. Ainda assim, as primeiras
medidas tomadas por este
Executivo traduzem um notável
empenho em reverter estas dificul-
dades. A redução do número de
ministérios, a eliminação dos
Governos Civis e dos Directores-
adjuntos distritais da Segurança
Social, a substituição das Direcções
Regionais de Educação por
estruturas simplificadas e a
iniciativa ar cool, que bania as
gravatas no Ministério da
Agricultura durante o Verão, são
exemplos de medidas que, apesar de
-
MAMAOT e 21% das estruturas
orgânicas do Ministério da Justiça
ou a redução em 15% das
transferências para a RTP. O
Governo aprovou ainda um novo
estatuto do gestor público em que
contemplou a eliminação dos
cartões de crédito das empresas e
dos prémios de gestão, limitou os
membros dos Conselhos de
Administração a três e os ordenados
dos gestores ao montante auferido
pelo Primeiro-Ministro e introduziu
a possibilidade de despedimento.
No Orçamento de Estado de 2012,
foi ainda prevista a respon-
sabilização criminal de gestores que
autorizassem notas de encomenda
não cabimentadas, bem como um
corte de 14% nas subvenções
vitalícias dos ex-políticos.
Uma das principais causas para a
insustentabilidade das contas
públicas prendia-se com o sector
Regionais de Educação por
estruturas simplificadas e a
iniciativa ar cool, que bania as
gravatas no Ministério da Agri-
cultura durante o Verão, são
exemplos de medidas que, apesar de
simbólicas, atestam o compromisso
do Governo para com os cortes na
despesa.
Outras medidas houve que, assaz
menos vistosas, permitiram pou-
panças consideráveis, como sejam a
extinção de cargos dirigentes à
razão de 33% no Ministério da
Justiça, 25% no Ministério da
Agricultura e 21% no Ministério dos
Negócios Estrangeiros, a eliminação
de 25 unidades de gestão do
MAMAOT e 21% das estruturas
orgânicas do Ministério da Justiça
ou a redução em 15% das
transferências para a RTP. O
Governo aprovou ainda um novo
estatuto do gestor público em que
28 especial
totalmente públicos com orçamentos
chorudos e propósitos duvidosos. Era
o caso de muitos institutos públicos,
mas também de diversas fundações,
cujo número ninguém sabia ao certo.
Alguns meses depois de serem
empossados, os 11 ministros
aprovaram um conjunto de leis
orgânicas através das quais
extinguiram 146 institutos públicos e
290 cargos de direcção superior.
Simultaneamente, o Executivo apro-
vou a extinção preventiva de todas as
fundações, com excepção das que
revelassem «trabalho qualitativo» na
área social ou no ensino superior. As
restantes veriam a sua utilidade
pública avaliada por uma comissão
independente baseada nas infor-
mações disponibilizadas pelas
próprias entidades em questão no
primeiro Censo às Fundações da
História da Democracia. Após duas
renegociações das Parcerias Público-
Privadas que asseguram as com-
cessões rodoviárias, o Governo
conseguiu ainda poupar ao erário
público cerca de 1400 milhões de
euros.
No final de 2011, de acordo com a
Síntese Estatística do Emprego
Público, existiam em Portugal
611.415 funcionários públicos que
auferiam um ganho médio mensal de
cerca de €1600. Era, assim, preciso
reduzir o número de funcionários
públicos, não porque estes fossem
incompetentes ou indesejados, mas
porque o seu número era claramente
elevado e representava um acréscimo
substancial à despesa pública. Deste
modo, o Executivo lançou um
programa que tinha como fim
conseguir rescisões por mútuo
acordo na Administração Pública.
Este programa, em conjunto com
uma política de recrutamento
profundamente restritiva, levou a
uma redução do número de
funcionários públicos em mais de
6000. Porém, uma vez que muitos
dos trabalhadores do Estado tinham
não cabimentadas, bem como um
corte de 14% nas subvenções
vitalícias dos ex-políticos.
Uma das principais causas para a
insustentabilidade das contas
públicas prendia-se com o sector
empresarial do Estado que, só entre
Fevereiro e Maio deste ano,
acrescentou à dívida pública cerca de
1,1 mil milhões de euros. Face a estes
dados alarmantes, o Governo
aprovou um novo regime jurídico
das empresas públicas que permite
sistematizar a disciplina jurídica
junto destas entidades, assim como
reforçar os poderes de monito-
rização para evitar o sobre-
endividamento. Através do Decreto-
Lei 90/2011, foram eliminadas as
golden shares, os direitos especiais
que o Estado detinha em empresas
como a GALP ou a EDP, que lhe
permitiam assumir uma prepon-
derância pouco adequada à sua
condição de accionista minoritário.
Procedeu-se também à privatização
da parte pública da EDP, que não
fazia sentido manter após a abolição
das golden shares. O Governo
conseguiu ainda privatizar um dos
principais encargos do Estado, o
Banco Português de Negócios, cujo
processo de nacionalização, levado a
cabo pelos socialistas, se arrastava
havia 33 meses e consumira cerca de
2700 milhões de euros do erário
público. Quanto às mais de 330
empresas municipais, cujo passivo
de 2400 milhões de euros constitui
uma das principais causas do sobre-
endividamento do poder local,
legislou-se para interditar a criação
de novas e para obrigar à extinção de
50% das já existentes.Durante três
décadas de demo-cracia, tinham-se
acumulado inúmeros organismos
meros organismos totalmente
públicos com orçamentos chorudos e
propósitos duvidosos. Era o caso de
muitos institutos públicos, mas
também de diversas fundações, cujo
número ninguém sabia ao certo.
No final de 2011, de acordo com a
Síntese Estatística do Emprego
Público, existiam em Portugal
611.415 funcionários públicos que
auferiam um ganho médio mensal
de cerca de €1600. Era, assim,
preciso reduzir o número de
funcionários públicos, não porque
estes fossem incompetentes ou
indesejados, mas porque o seu
número era claramente elevado e
representava um acréscimo
substancial à despesa pública. Deste
modo, o Executivo lançou um
programa que tinha como fim
conseguir rescisões por mútuo
acordo na Administração Pública.
Este programa, em conjunto com
uma política de recrutamento
profundamente restritiva, levou a
uma redução do número de
funcionários públicos em mais de
6000. Porém, uma vez que muitos
dos trabalhadores do Estado tinham
atingido o estatuto de efectividade
laboral, a diminuição das despesas
neste sector não podia passar
unicamente por uma redução do
pessoal. Para além disso, era
necessária uma fonte de receita a
curto prazo para consolidar as
contas públicas. Assim, o Governo
decidiu cortar os subsídios de férias
e Natal aos trabalhadores da
Administração Pública e aos
pensionistas1. Somando as receitas
provenientes da aplicação desta
medida e as decorrentes das
rescisões amigáveis, o Estado
conseguiu poupar o equivalente a
941,5 milhões de euros.
Desde o início do seu mandato, este
Executivo e esta maioria têm
tentado fazer o ajustamento das
contas públicas pelo lado da
despesa e não pelo da receita.
Infelizmente, isso nem sempre tem
sido possível, quer porque o
memorando de entendimento
obriga ao agravamento de alguns
impostos, como o IVA da
restauração, quer porque o
especial 29
vulneráveis sofram menos com as
políticas que estão a ser postas em
prática. Medidas como a majoração
do subsídio de desemprego para
casais desempregados com filhos, o
aumento das pensões sociais, rurais
e mínimas, a isenção de IRS dos
subsídios de desemprego e doença e
dos abonos de família, a criação do
Plano de Emergência Social ou o
facto de, ao contrário do que estava
previsto no memorando, as
prestações sociais e as IPSS
continuarem isentas de IRC
traduzem bem a consciência social
que, apesar da precariedade da
situação nacional, o Governo tem
tentado pôr em prática.
Algumas das principais vítimas da
crise financeira que o nosso País
vive são, porém, os jovens. Desde o
final de 2007, a taxa de desemprego
jovem registou um agravamento de
83,8%, tendo passado de 19,8%
para 36,4%. Estes dados, que em
muito se devem à contracção da
economia e à diminuição do número
de postos de trabalho disponíveis,
são também fruto de um mercado
laboral fechado e rígido, em que os
direitos adquiridos de alguns se
haviam tornado numa sentença ao
desemprego para outros, neste caso,
a geração mais qualificada que
Portugal já formara. Foi para esta
geração, votada ao desemprego ou à
emigração, que o Governo alterou o
Estatuto do Aluno, reforçou a
autoridade do professor e
introduziu exames no final de cada
ciclo de ensino, a fim de assegurar
uma Educação mais rigorosa e uma
melhor preparação. Todavia, foi
também para esta geração que o
Executivo alterou o Código do
Trabalho, permitindo às empresas
escolher quem despedir no caso de
extinção do posto de trabalho,
tornando mais abrangente a figura
do despedimento por inadaptação
ou diminuindo as obrigações das
empresas perante a Inspecção do
necessária uma fonte de receita a
curto prazo para consolidar as
contas públicas. Assim, o Governo
decidiu cortar os subsídios de férias
e Natal aos trabalhadores da
Administração Pública e aos
pensionistas1. Somando as receitas
provenientes da aplicação desta
medida e as decorrentes das
rescisões amigáveis, o Estado
conseguiu poupar o equivalente a
941,5 milhões de euros.
Desde o início do seu mandato, este
Executivo e esta maioria têm
tentado fazer o ajustamento das
contas públicas pelo lado da
despesa e não pelo da receita.
Infelizmente, isso nem sempre tem
sido possível, quer porque o
memorando de entendimento
obriga ao agravamento de alguns
impostos, como o IVA da
restauração, quer porque o
aparecimento de sucessivas irregu-
laridades nas contas públicas tem
feito surgir a necessidade de fontes
de receita a curto prazo. Ainda
assim, o Governo tem pugnado para
que os sacrifícios sejam distribuídos
de uma forma equitativa. É por isso
que os cidadãos com mais
rendimentos têm sido alvo de
algumas das medidas mais duras,
tais como a imposição de uma taxa
de solidariedade de 2,5% aos
contribuintes mais abastados, uma
subida de 7,5% dos impostos sobre
automóveis de alta cilindrada e
outros artigos de luxo ou um
agravamento da taxa sobre as mais-
valias para os 21,5%.
Contudo, para além do esforço para
cortar nas despesas do Estado e
distribuir os sacrifícios de forma
equitativa, o Governo tem vindo a
tentar que os mais carenciados e
vulneráveis sofram menos com as
políticas que estão a ser postas em
prática. Medidas como a majoração
do subsídio de desemprego para
casais desempregados com filhos, o
aumento das pensões sociais, rurais
83,8%, tendo passado de 19,8%
para 36,4%. Estes dados, que em
muito se devem à contracção da
economia e à diminuição do número
de postos de trabalho disponíveis,
são também fruto de um mercado
laboral fechado e rígido, em que os
direitos adquiridos de alguns se
haviam tornado numa sentença ao
desemprego para outros, neste caso,
a geração mais qualificada que
Portugal já formara. Foi para esta
geração, votada ao desemprego ou à
emigração, que o Governo alterou o
Estatuto do Aluno, reforçou a
autoridade do professor e
introduziu exames no final de cada
ciclo de ensino, a fim de assegurar
uma Educação mais rigorosa e uma
melhor preparação. Todavia, foi
também para esta geração que o
Executivo alterou o Código do
Trabalho, permitindo às empresas
escolher quem despedir no caso de
extinção do posto de trabalho,
tornando mais abrangente a figura
do despedimento por inadaptação
ou diminuindo as obrigações das
empresas perante a Inspecção do
Trabalho. Medidas como estas
visam flexibilizar as relações
laborais e atrair mais investimento,
o que pode ser extremamente
benéfico para os jovens.
Simultaneamente, foi também a
pensar nesta geração que o
MAMAOT alterou a lei do
arrendamento, diminuindo as
burocracias e incentivando os
senhorios a disponibilizar imóveis, a
fim de incrementar a mobilidade
geográfica dos Portugueses em
geral e dos mais jovens em
particular.
Em 2005, José Sócrates candidatou-
se a Primeiro-Ministro prometendo
que, através do investimento
público, a economia nacional
cresceria substancialmente e
Portugal criaria emprego e
prosperidade. Hoje, e não obstante o
fracasso das políticas de Sócrates, é
30 especial
escolher quem despedir no caso de
extinção do posto de trabalho,
tornando mais abrangente a figura
do despedimento por inadaptação
ou diminuindo as obrigações das
empresas perante a Inspecção do
Trabalho. Medidas como estas
visam flexibilizar as relações
laborais e atrair mais investimento,
o que pode ser extremamente
benéfico para os jovens. Simul-
taneamente, foi também a pensar
nesta geração que o MAMAOT
alterou a lei do arrendamento,
diminuindo as burocracias e
incentivando os senhorios a
disponibilizar imóveis, a fim de
incrementar a mobilidade geo-
gráfica dos Portugueses em geral e
dos mais jovens em particular.
Em 2005, José Sócrates candidatou-
se a Primeiro-Ministro prometendo
que, através do investimento
público, a economia nacional cres-
ceria substancialmente e Portugal
criaria emprego e prosperidade.
Hoje, e não obstante o fracasso das
políticas de Sócrates, é António José
Seguro que refere a fulcralidade de
uma aposta no investimento público
para atingir o crescimento, por
oposição à austeridade que o
Governo está a aplicar. Esta
diferenciação é, porém, falaciosa.
Este Executivo tem apostado na
produtividade e na competitividade
do sector primário. A revisão do
parcelário, o desbloqueio dos
fundos do PRODER, o incremento
das quotas de pesca portuguesas, a
criação de um banco público de
terras e as alterações à Lei dos
Baldios reflectem este empenho
que, de resto, tem sido
acompanhado por um esforço de
diplomacia económica levado a cabo
pelo Ministro dos Negócios
Estrangeiros, cujas viagens ao
exterior têm tido como principal
objectivo promover as exportações
e a produção nacional. A assinatura
de um acordo que facilita a
Com este artigo, não se pretende
afirmar que o trabalho do
Executivo vigente tenha sido
imaculado ou impoluto. Como
referi no início do artigo, a situação
em que nos encontramos é o
resultado de um caminho longo,
mas errado e a reversão desse
rumo será também um processo
demorado e fastidioso. Os
problemas de Portugal não
começaram com José Sócrates e,
também por isso, não irão acabar
com este Governo. Porém, parece-
me evidente que Portugal não pode
desperdiçar a oportunidade de
enveredar pelo caminho correcto,
de preferir as reformas estruturais
e o corte na despesa ao
endividamento galopante, de
adoptar a flexibilização do mercado
laboral, em vez da ditadura dos
direitos adquiridos, de escolher a
produtividade e as exportações e
não o crescimento estéril assente
no investimento estatal. O caminho
que este Governo iniciou não está
isento de erros nem de
imperfeições, mas é o único que, no
futuro, nos vai permitir olhar para
trás e dizer como Robert Fross “eu
tomei a rota menos viajada, e foi
isso que fez toda a diferença.”
pelo Ministro dos Negócios
Estrangeiros, cujas viagens ao
exterior têm tido como principal
objectivo promover as exportações
e a produção nacional. A assinatura
de um acordo que facilita a
concessão de vistos entre Angola e
Portugal, o início das conversações
para disponibilizar no mercado
chinês as carnes, enchidos e
laticínios nacionais ou as
negociações levadas a cabo com
Luanda e Caracas para regularizar
os pagamentos a empresas
portuguesas atestam bem o
empenho do Governo em geral e
deste Ministério em particular em
aumentar o volume das exportações
portuguesas. Assim, entre
Dezembro do ano passado e
Fevereiro deste ano, as importações
sofreram um decréscimo de 6% e as
exportações um aumento de 10,2%.
Esta tendência tem vindo a manter-
se e fez com que, este ano, o Banco
de Portugal preveja que, pela
primeira vez desde 1943, Portugal
atinja uma balança comercial
positiva, um resultado inequívoco
do apoio concedido às exportações e
do esforço de diplomacia económica
empreendido pelo Ministério dos
Negócios Estrangeiros.
Com este artigo, não se pretende
afirmar que o trabalho do Executivo
vigente tenha sido imaculado ou
impoluto. Como referi no início do
artigo, a situação em que nos
encontramos é o resultado de um
especial 31
Pedro Teixeira Mendes
ortugal está há mais de um
ano sob assistência
económica e financeira, com
o objectivo de corrigir o défice
orçamental e recuperar a compe-
titividade da economia nacional.
Contudo ainda faltam dois anos para
o fim da intervenção externa em
Portugal e consequentemente para
a obtenção de um saldo orçamental
sustentável e para relançar a
competitividade da economia.
Perante isto é necessário analisar as
medidas que são necessárias aplicar
para se cumprirem os objetivos
estipulados.
O défice orçamental apesar de já ter
sofrido uma redução significava,
ainda se encontra afastado dos 3%
exigidos pelos Critérios de
Convergência Nominal. Para se
efectuar o ajustamento exigido de
forma sustentada e sem
estrangular mais a economia, a
única solução é a redução da
exigidos pelos Critérios de
Convergência Nominal. Para se
efectuar o ajustamento exigido de
forma sustentada e sem estrangular
mais a economia, a única solução é a
redução da despesa da Admi-
nistração Central, em vez da tão
adoptada medida do aumento da
carga fiscal (que como todos
sabemos já atingiu os limites, e
consequentemente mais impostos
significaria menos receita).
No seguimento da estratégia
referida, o Governo deverá pros-
seguir nos próximos anos com a
estratégia de maximizar a qualidade
dos serviços prestados com a menor
despesa dos mesmos, promovendo
para tal a fusão ou extinção de
diversos organismos públicos e
serviços públicos. Pois é ina-
dmissível que Portugal apresente
gastos per capita na educação e na
saúde, dos mais elevados da União
Europeia e paralelamente a quali-
dade dos serviços seja inferior à
média comunitária. Assim como
deve continuar a renegociar os
encargos com as Parcerias Público
Privadas e com as rendas da
eletricidade e paralelamente ir
abatendo as dívidas da
média comunitária. Assim como
deve continuar a renegociar os
encargos com as Parcerias Público
Privadas e com as rendas da
eletricidade e paralelamente ir
abatendo as dívidas da Admi-
nistração Pública aos fornecedores.
Felizmente nestas áreas a acção do
Governo nos próximos dois anos
deverá ser dar seguimento às
medidas e decisões adoptados
anteriormente, tendo como base os
estudos e relatórios já realizados ou
a ser apresentados.
Contudo existe um factor da
despesa que está a aumentar e que
corresponde aos encargos com o
serviço de dívida, ou seja os juros da
dívida pública, que de acordo com
os dados da execução orçamental,
entre Janeiro e Julho deste ano
aumentaram cerca de 17,3% face ao
período homólogo. Para reduzir os
encargos com os juros da dívida
pública a única solução reside no
pagamento da mesma, sendo a
solução encontrada a das
privatizações de empresas públicas
(inserido na questão da reforma do
sector empresarial do Estado), pois
por lei pelo menos 40% do
montante realizado tem que ser
O que falta fazer?
32 nacional
P
solução encontrada a das priva-
tizações de empresas públicas
(inserido na questão da reforma do
sector empresarial do Estado), pois
por lei pelo menos 40% do
montante realizado tem que ser
usado para o abate de dívida.
A reforma do Sector Empresarial do
Estado pode dividir-se em duas
partes, as empresas que são para
privatizar e as que são para
reestruturar. De acordo com o
memorando de entendimento, o
Governo nos próximos dois anos
terá que concluir o processo de
privatização da ANA, da TAP, dos
CTT, da CP carga, da GALP, das
seguradoras do Grupo Caixa e das
Águas de Portugal, como uma forma
de obter receita para reduzir a
dívida existente. Porém do meu
ponto de vista, e seguindo o que
sucedeu com o Pavilhão Atlântico, o
Executivo deveria vender pequenas
sociedades que orbitam em volta da
Parpública, como é o caso do
Circuito do Estoril e da Baia do Tejo,
ou de outras empresas existente no
mundo do Sector Empresarial do
Estado (SEE).
No que diz respeito à reestru-
turação das empresas do SEE, esta
resume-se essencialmente às
empresas de transporte que
deverão concluir os processos de
fusão até ao final de 2013 e que
juntará a Metro do Porto aos STCP
assim como a Metro de Lisboa e a
Carris. Focando-me neste assunto
eu considero que seria vantajoso
num futuro próximo, assim que as
empresas de transporte tiverem as
suas contas saneadas, promover-se
a alienação de uma parte mino-
ritária do capital de algumas das
empresas de transporte.
Paralelamente, de forma a corrigir o
défice, o Executivo deverá continuar
a promover um feroz combate à
evasão fiscal, que tem sido nos
últimos anos um grave problema
das contas públicas, de forma a
saldo orçamental, mas sim da
vulnerabilidade externa, o Governo
deverá aumentar as remunerações
dos certificados de aforro e títulos
do tesouro vendido através dos
serviços dos CTT, de forma a reduzir
a exposição externa do país e
consequentemente a sua vulne-
rabilidade face às taxas de juro
praticadas nos mercados, para além
de ser um estímulo à poupança
interna.
No que diz respeito às medidas que
se destinam a promover o cres-
cimento da economia nacional
através do aumento da sua com-
petitividade: numa primeira fase já
foram executadas medidas funda-
mentais como alteração do código
de trabalho que permitiu a
flexibilização do mercado de
trabalho; assim como se liberalizou
o mercado energético como uma
forma de promover a concorrência
entre empresas, contudo do meu
ponto de vista a Autoridade da
Concorrência deverá manter este
Paralelamente, de forma a corrigir o
défice, o Executivo deverá continuar
a promover um feroz combate à
evasão fiscal, que tem sido nos
últimos anos um grave problema
das contas públicas, de forma a
aumentar a receita obtida e
diminuir o esforço exigido a cada
um dos portugueses. Para com-
pensar a despesa do serviço de
dívida ou outros imprevistos, o
governo, caso necessite de au-
mentar a receita, deverá aumentá-la
através da criação ou aumento de
impostos que incidam sobre o
mercado de capitais, sobre os bens
de luxo e sobre as mais-valias
urbanísticas de forma a não punir
consecutivamente as classes econo-
micamente mais desfavorecidas.
No âmbito não da correcção do
saldo orçamental, mas sim da
vulnerabilidade externa, o Governo
deverá aumentar as remunerações
dos certificados de aforro e títulos
do tesouro vendido através dos
serviços dos CTT, de forma a reduzir
nacional 33
trabalho; assim como se liberalizou
o mercado energético como uma
forma de promover a concorrência
entre empresas, contudo do meu
ponto de vista a Autoridade da
Concorrência deverá manter este
sector sob controlo, com o objectivo
de evitar uma cartelização dos
preços. Posteriormente, com estas
medidas, deu-se início à reforma
judicial de forma a reduzir a
morosidade da justiça, um problema
que denegria a imagem de Portugal
onde processos relativos a execução
de dívidas e litígios envolvendo
empresas se podiam arrastar
durante anos, fazendo com que o
recurso à mesma fosse pratica-
mente inútil. No âmbito destas
reformas o Executivo está a realizar
uma alteração da legislação de
forma a simplificar as leis e regras
administrativas como uma forma de
aumentar a iniciativa privada, que
enfrentava grandes burocracias e
que faziam com que os projectos se
pudessem arrastar antes de serem
executados. Com estas alterações
espera-se que o Investimento
Estrangeiro aumente, quer pelo
facto de o custo do mercado de
trabalho ser mais flexível e a justiça
ser mais eficiente o que leva a que o
risco associado a um investimento
seja menor, quer de num futuro
próximo ser mais rápido e mais fácil
executar um projecto em território
nacional
Todavia, os problemas da economia
nacional não se limitam ao pro-
blemas cujas soluções em cima
estão referidas, existem um
conjunto de factores associados à
economia cujo efeito de algumas
reformas demorariam alguns anos a
repercutir-se na economia.
Um dos mais graves problemas que
afecta a economia nacional está
associado com a capacidade de
financiamento das pequenas e
medias empresas. Apesar de o
Memorando de Entendimento ter
-
alienar as participações acima dos
60% ou 55%, que detivesse nas suas
filiais internacionais; no caso de
Cabo Verde vender um dos bancos
na íntegra e vender a participação
que detém na Seguradora Garantia
ao banco cujo controlo ficasse em
poder da Caixa. Desta forma a Caixa
poderia desempenhar o papel de
banco público. Uma das razões que
leva a defender esta medida está
relacionado com o facto de que para
muitas empresas portuguesas
importarem matérias-primas têm
que o fazer com carta de crédito à
vista, necessitando para isso de
liquidez; muitas vezes gerado pela
falta de pagamento dos clientes,
onde muitas vezes se insere o
Estado Português.
A falta de quadros intermédios
formados constitui outro grave
problema da economia nacional.
Nos últimos anos promoveu-se a
ideia de que para se ter sucesso na
Um dos mais graves problemas que
afecta a economia nacional está
associado com a capacidade de
financiamento das pequenas e
medias empresas. Apesar de o
Memorando de Entendimento ter
presente a criação de um meca-
nismo de apoio às pequenas e
médias empresas, seria importante
que o Estado criasse uma linha de
financiamento para estas empresas,
obviamente fazendo uma análise de
risco, recorrendo para isso ao Grupo
Caixa Geral de Depósitos. Uma das
formas de financiar esta linha de
crédito seria através da alienação de
participações da Caixa não
estratégicas e não relacionadas com
a activada bancária; assim como
alienar as participações acima dos
60% ou 55%, que detivesse nas suas
filiais internacionais; no caso de
Cabo Verde vender um dos bancos
na íntegra e vender a participação
que detém na Seguradora Garantia
34 nacional
sistema de ensino exigente, em que
os alunos correspondam ao exigido
com sucesso, e caso não o façam que
exista uma rede que os ampare e
permita seguir em frente. Pois o
principal futuro de um país reside
na educação.
Finalmente, quando as contas
públicas estiverem em ordem ou
recorrendo aos fundos comu-
nitários, o Governo deverá
recuperar o conjunto das estradas
nacionais, uma vez que para as
pequenas e médias empresas
constitui o principal meio circulação
devido aos custos inerente à
utilização das auto-estradas. Como a
grande maioria das nossas estradas
nacionais se encontram degradadas
e desajustadas para o uso que lhes é
dado, isto faz com que o tempo que
se demora a realizar um trajecto
seja muito superior ao expectável
prejudicando as empresas em causa.
Com a recuperação das estradas
nacionais em vez de realizar auto-
estradas, a economia de muitas
regiões fora das duas grandes áreas
metropolitanas poderia sofrer uma
melhoria considerável e
consequentemente contribuir para
o crescimento económico do país. O
Governo tem que se mentalizar que
Portugal não é um país gerador de
grandes empresas que se alimentam
de um grande mercado interno
como acontece nos Estados Unidos.
Portugal é um país essencialmente
de pequenas e médias empresas,
muitas delas com capacidade
exportadora e que é dessas
empresas que depende a
recuperação da economia, pois são
elas que representam a maioria do
sector empresarial nacional.
O Programa de Assistência
Económica e Financeira é
simplesmente uma base de trabalho
para o futuro e, consequentemente,
os nossos cidadãos têm que
perceber que concluída a
intervenção externa, ainda existe
Estado português.
A falta de quadros intermédios
formados constitui outro grave
problema da economia nacional.
Nos últimos anos promoveu-se a
ideia de que para se ter sucesso na
vida tinha que se ter obriga-
toriamente um curso superior. No
entanto, nos últimos anos, à medida
que o mercado laboral foi sendo
inundado de licenciados, começou a
tornar-se evidente que o mercado
tinha falta de técnicos profissionais.
Daí que não surpreenda nada que
hoje se pague 5 mil euros para se
contratar um bom mecânico, um
bom picheleiro, um bom técnico
informático ou um bom soldador.
Com isto pretendo defender que se
deve criar cursos profissionais, não
desses do género das Novas
Oportunidades, mas sim parecidos
com as escolas técnicas existentes
no Estado Novo. Com isto não quero
dizer que se deva vedar o acesso a
algum grau de ensino, simplesmente
defendo que se deve criar alter-
nativas profissionais de qualidade e
que se ajustem ao mercado laboral.
Paralelamente o nosso sistema de
educação deve reger-se pela quali-
dade e pela exigência e não pela
simples certificação de habilitações
sem qualquer correspondência de
conhecimento, porque posteri-
ormente acontece que subimos nas
estatísticas referentes à per-
centagem da população com um
dado grau de ensino, mas na
literacia continuamos a ter uma das
piores estáticas da OCDE. Pois o que
faz mover a economia não é um
diploma é o conhecimento a ele
associado. Portugal se quer não ter
nenhum aluno a reprovar não fazer
por decreto tem que criar um
sistema de ensino exigente, em que
os alunos correspondam ao exigido
com sucesso, e caso não o façam que
exista uma rede que os ampare e
permita seguir em frente. Pois o
principal futuro de um país reside
melhoria considerável e conse-
quentemente contribuir para o
crescimento económico do país. O
Governo tem que se mentalizar que
Portugal não é um país gerador de
grandes empresas que se alimentam
de um grande mercado interno
como acontece nos Estados Unidos.
Portugal é um país essencialmente
de pequenas e médias empresas,
muitas delas com capacidade
exportadora e que é dessas
empresas que depende a
recuperação da economia, pois são
elas que representam a maioria do
sector empresarial nacional.
O Programa de Assistência
Económica e Financeira é simples-
mente uma base de trabalho para o
futuro e, consequentemente, os
nossos cidadãos têm que perceber
que concluída a intervenção
externa, ainda existe um longo
caminho a percorrer; onde será
necessário dar seguimento às
reformas executadas, caso contrário
daqui a uns anos Portugal corre o
risco de voltar a enfrentar o mesmo
problema.
nacional 35
Direitos das Esquerdas
36 opinião
de liberdade de expressão, não aceitando as críticas feitas. Mas esta dualidade de critérios não fica por aqui. Nos últimos tempos, os sindicalistas da CGTP têm andado a cercar e a apupar os ministros por onde quer que estes andem. O curioso é perceber a sua resposta quando foram acusados de uma atitude excessiva, tendo ficado ofendidos, afirmando a legitimidade do direito à manifestação e à contestação por parte da população descontente. Estranha reacção esta, pois quando foram vaiados em Coimbra consideraram tal comportamento uma atitude antidemocrática. Parece que acções de protesto sim, mas exclusivamente feitas por eles. Este comportamento por parte da CDU em Coimbra ganha outro destaque quando um dos partidos que integra a coligação nasceu da vontade de um grupo de cidadãos promover uma intervenção ecologista mais activa na sociedade portuguesa, o que faz parecer que são verdes só quando lhes convém. Desculparam-se com a tradição de luta, dizendo ser um sinal de vitalidade do combate político em democracia, e chamaram-lhe mural de propaganda, afirmando que não era ofensivo, que não danificava o património construído, que se inseria na paisagem urbana e que ocupava tempo de antena não pago por todos. Quanto à questão da candidatura da Universidade de Coimbra a património mundial da UNESCO, afirmaram que as Escadas Monumentais não se encontravam classificadas como monumento nacional, mas que o processo com vista à sua classificação estava a decorrer e que tal não era suficiente para terem a protecção de que gozam os monumentos nacionais. Considerar propriedade sua aquilo que a todos pertence? Ainda não perceberam que houve um 25 de Novembro? O que seria da cidade de Coimbra se todos agora se lembrassem de divulgar as suas ideias políticas através destes chamados meios gratuitos de publicitação, como ficaria esta bela cidade e o seu vastíssimo património cultural? E se fosse a direita a colocar ali uma frase, ainda iriam considerar este modo de luta um sinal de vitalidade do combate político em democracia? Julgo que não.
o longo dos anos e das campanhas eleitorais a CDU tem vindo a brindar-nos com uma forma de manifestação política a que infelizmente já nos habituou: a sucessiva utilização de locais públicos como meio de propaganda política, transmitindo um estranho entendimento sobre o que á a liberdade de expressão e, principalmente, sobre a forma de a usar. Uma das suas acções mais recentes e que maior polémica causou foi a pintura das Escadas Monumentais de Coimbra, feita para receber um comício do líder comunista Jerónimo de Sousa nas últimas legislativas. A mensagem de propaganda política foi feita nos cinco lanços e dizia "Nem Propinas/Nem Bolonha/Mais Bolsas/Leva a Luta até ao voto/CDU/PCP/PEV". As Escadas Monumentais de Coimbra são um símbolo importante para os estudantes, não só pela história que carregam, mas também pelas tradições a elas ligadas, tendo já sido palco de muitas e diferentes lutas estudantis. Para além de serem um ponto de referência da cidade de Coimbra, as Escadas Monumentais estão neste momento em fase de classificação, devido à candidatura da Universidade de Coimbra a património mundial da UNESCO. Apesar das Escadas Monumentais de Coimbra já terem sido mais que uma vez pintadas, não só pelos estudantes, mas também por partidos políticos, nunca o foram desta forma, especialmente num momento em que se encontram inseridas na candidatura da Universidade de Coimbra a património da humanidade. Talvez tenham sido estas as razões para que, da direita à esquerda, as críticas às pinturas feitas pela Juventude Comunista de Coimbra tenham sido mais que muitas, tendo sido consideradas uma inaceitável atitude antidemocrática e de vandalismo por parte da CDU. Foi criado um grupo – “Vergonha nas Escadas Monumentais” - e um evento – “Obrigar a CDU a limpar as Escadas Monumentais” – no Facebook e no decorrer do comício um grupo de estudantes surgiu no topo das Escadas Monumentais cantando "limpa, limpa, camarada, limpa!", o que gerou alguma tensão entre estes e os participantes. Quando chegou a hora de outros elevarem a sua voz contra, a CDU, que se auto intitula como grande lutadora pela liberdade de expressão, entendendo por isso que as pinturas são algo que podem fazer sem ter que dar justificações a ninguém, transformou o seu conceito conceito de liberdade de expressão, não aceitando as críticas feitas. Mas esta dualidade de critérios não fica por aqui. Nos
A
Lúcia Santos
Mentiram ao dizer que a tinta saia às primeiras chuvas e passado mais um ano e com a candidatura da Universidade de Coimbra a património da humanidade já entregue, continuam a ser visíveis as pinturas, pelo que pergunto o que vão achar os responsáveis da UNESCO quando vierem visitar Coimbra. Estas demonstrações públicas, que tanto caracterizam as suas formas de manifestação política, a que gostam de apelidar de democratas, não passam de actos de vandalismo e atentados ao património cultural. E quando são apupados, como gostam de fazer aos outros? É fascismo! Comunismo no seu melhor, a conjugação do verbo poder passa sempre por: “eu posso, tu não podes!”
38 entrevista
entrevista 39
‘ ’
Santana Pedro
Lopes Acredito que PSD e CDS procurarão
caminhar para a frente e colocar Portugal numa
rota segura.
40 entrevista
‘A mais-valia das instituições sociais está no empenho de todos os que se dedicam diariamente a estas causas e, particularmente, na vontade férrea dos voluntários.’
P edro Santana Lopes,
tem 51 anos e é natural de
Lisboa. Pai de cinco filhos e
sportinguista, é das figuras mais
marcantes da política portuguesa,
contando com um currículo
político extenso e relevante. Foi
assessor de Francisco Sá Carneiro,
a sua grande figura de referência.
Ocupou o lugar de Secretário de
Estado por duas vezes, na
Presidência do Conselho de
Ministros e na Cultura, e deputado
ao Parlamento Europeu, antes de
iniciar uma caminhada como
autarca, primeiro na como
Presidente de Câmara da Figueira
da Foz e depois de Lisboa.
Interrompe o mandato na capital
para assumir o lugar de Primeiro-
Ministro, após a saída de Durão
Barroso. Voltou depois à
Assembleia da República onde foi
líder parlamentar do PSD, partido
do qual também foi presidente.
Para além da intensa carreira
política, Pedro Santana Lopes é
advogado e professor univer-
sitário. Actualmente desempenha
o cargo de Provedor da Santa Casa
da Misericórdia de Lisboa.
Ser provedor da Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa dá-lhe a
possibilidade de sentir bem de perto
a pulsação do país em termos
sociais. Partilha da opinião de várias
personalidades que indicam que a
exigência de sacrifícios aos
portugueses já ultrapassou o limite
do suportável?
Estas funções que aceitei de bom
grado – as de Provedor da Santa Casa
da Misericórdia de Lisboa, que come-
mora os seus 514 anos de existência –
contribuem para que, a cada instante,
possa sentir o pulsar do País em
termos sociais. Não foi em vão que
decidi abrir as portas do meu
gabinete, todas as terças-feiras, para
v
mora os seus 514 anos de existência
– contribuem para que, a cada
instante, possa sentir o pulsar do
País em termos sociais. Não foi em
vão que decidi abrir as portas do
meu gabinete, todas as terças-feiras,
para ouvir as reclamações, queixas e
outros problemas que afectam as
pessoas, em termos humanos,
económicos e sociais. Esta preo-
cupação está patente nos projetos
que lançámos. O “Programa Inter-
gerações” que reuniu jovens
licenciados com o objetivo de
sinalizar idosos em situação de risco
e vulnerabilidade, e o “Programa
Saúde mais Próxima”, que leva pro-
fissionais de saúde a bairros e
praças de Lisboa, convidando a
população a realizar rastreios de
saúde e a participar em ações de
sensibilização e prevenção sobre
algumas das patologias que mais
afetam os portugueses. Ainda na
componente da Saúde, destaco o
papel relevante levado a cabo pelo
Centro de Medicina de Reabilitação
de Alcoitão, pelo Hospital de
Sant’Ana e pela Unidade de Cuidados
Paliativos Maria José Nogueira Pinto,
criada recentemente.
Que relevância podem assumir as
instituições do sector social como
a Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa neste contexto de crise?
A mais-valia destas instituições está
no empenho forte de todos os que
se dedicam diariamente a estas
causas e, particularmente, na
vontade férrea dos voluntários. E
acreditem que são cada vez mais!
Em todos os projetos e iniciativas da
SCML está sempre presente a
intergeracionalidade. Isto pode ser
visto no apoio domiciliário, no
trabalho desenvolvido por jovens
em lares, creches e também na área
da saúde.
O trabalho desenvolvido nos
diversos equipamentos da Ação
entrevista 41
‘É necessário que [depois da saída da ‘Troika’] o Governo actual tenha a consciência e a vontade séria de preparar os Portugueses para, com afinco, voltarmos a exercer a nossa soberania.’
fez a José Sócrates, quando é
mais do que evidente que as
responsabilidades pela difícil
situação do país se encontram
mais no passado do que no
presente?
Não tenho dúvidas sobre quem
provocou este tumulto de
dificuldades por que estamos a
passar. Para além dos problemas
graves que já afectavam a Europa,
nos planos social e económico as
políticas levadas a cabo pelo
Governo anterior são as maiores
culpadas de tudo aquilo que nos
está a atingir atualmente.
Neste âmbito quero realçar que o
Primeiro-Ministro e o Governo
procuram, desde a tomada de posse,
de uma forma ética e educada, não
culpar diretamente o Governo do
Primeiro-Ministro José Sócrates. No
entanto, não me sobram dúvidas
que o Executivo anterior nos
obrigou a descer esta ribanceira de
abismo que obrigou a pedir a ajuda
externa.
mesmo. Daí acreditar seriamente
que o PPD/PSD e o CDS, como
partidos responsáveis e conscientes,
procurarão, mesmo perante as
dificuldades que nos afectam a
todos, caminhar para a frente e
voltar a colocar Portugal numa rota
segura.
Usando ainda a sua experiência
como chefe de governo, que
avaliação faz deste primeiro ano
e meio de governação PSD/CDS?
Tem sido um ano com coragem,
marcado por medidas difíceis,
ajustamentos e avaliação perma-
nente a dever ser feita.
Será justo para este governo que
a dimensão da crítica que lhe é
feita supere tantas vezes a que se
fez a José Sócrates, quando é mais
do que evidente que as
responsabilidades pela difícil
situação do país se encontram
mais no passado do que no
presente?
trabalho desenvolvido por jovens
em lares, creches e também na área
da saúde.
O trabalho desenvolvido nos diver-
sos equipamentos da Ação Social
abrange, crianças e jovens, adultos,
famílias, comunidades étnicas,
idosos, indivíduos em risco de
exclusão, toxicodependentes e
pessoas com deficiência com o
objetivo principal de promover o
desenvolvimento pessoal, inclusão e
coesão social, de forma direta e
coordenada com outras entidades
públicas e privadas. A Educação é
outra área central de atuação da
Misericórdia, na qual procuramos,
através da educação desde a
infância e da formação profissional
ao longo da vida, contribuir para a
promoção da qualidade de vida da
população. Na Saúde a aposta é na
prestação de cuidados, quer na
vertente preventiva, quer na
vertente curativa e de reabilitação.
Nesta área o património também é
vasto. A Santa Casa dispõe de três
hospitais, de uma Escola Superior
de Saúde, de sete unidades de saúde
e três extensões dispersas pela
cidade, de duas unidades móveis e
de um programa vocacionado para
os jovens.
Sabe o que é ser primeiro-
ministro e liderar um governo de
coligação. Como comenta as
recentes notícias que dão conta
de divisões entre os dois partidos
que sustentam o governo? O país
aguentaria uma crise política
neste momento?
Seria péssimo para o País passar
por uma crise governamental. Os
partidos que formam a coligação
percebem e têm consciência disso
mesmo. Daí acreditar seriamente
que o PPD/PSD e o PP, como
partidos responsáveis e conscientes,
procurarão, mesmo perante as
dificuldades que nos afectam a
todos, caminhar para a frente e
42 entrevista
Primeiro-Ministro José Sócrates. No
entanto, não me sobram dúvidas
que o Executivo anterior nos
obrigou a descer esta ribanceira de
abismo que obrigou a pedir a ajuda
externa.
Perante a incerteza e a vola-
tilidade dos dias que correm para
o país, parece-lhe que haverá
vida para além da ‘Troika’?
Com certeza que sim. Mal de nós se
parássemos depois de a “Troika”
sair. No entanto, é necessário, neste
capítulo, que o Governo actual tenha
a consciência e a vontade séria de
preparar os Portugueses para, com
afinco, voltarmos a exercer a nossa
soberania.
O ano de 2013 será marcado por
eleições autárquicas. Sendo um
ex-autarca de créditos firmados e
s e n d o - l h e r e c o n h e c i d o u m
‘bichinho’ permanente pela
política, podemos presumir que o
seu regresso à política activa se
fará através, por exemplo, de
uma candidatura à Câmara
Municipal de Lisboa?
Orgulho-me do que fiz no plano
autárquico, quer na Figueira da
Foz, quer depois em Lisboa.
Atualmente estou a servir também
Lisboa e os seus cidadãos nas
funções que ocupo na SCML. Quero
dedicar-me inteiramente a esta
instituição, cumprir integralmente o
meu mandato como Provedor,
acomanhando as suas mais variadas
actividades, particularmente em
favor dos mais desfavorecidos e
carenciados.
É, então, na corrida à Presidência
da República que está o seu
desejo neste momento da sua
carreira política?
Neste momento, em termos
públicos trabalho com empenho e
dedicação nas causas da Santa Casa
levadas em nome da solidariedade
entrevista 43
‘Para além dos problemas graves que já afectavam a Europa, nos planos social e económico as políticas levadas a cabo pelo Governo anterior são as maiores culpadas de tudo aquilo que nos está a atingir atualmente.’
mento renovado do País que somos
e nos orgulhamos em pertencer! Sei
que vivemos num mundo globa-
lizado, que oferece cada vez mais
oportunidades em diferentes zonas
geográficas. Sei também que a
situação do País leva muitas pessoas,
principalmente as mais jovens, a
quererem abraçar experi-ências
profissionais fora das nossas frontei-
ras. Mas quando encontro nas
minhas viagens, ou cá, Portugueses
que estão fora, oiço muitas vezes:
“Só quando estamos longe é que
vemos como é bom viver em Portu-
gal”. Eu estudei e trabalhei fora do
País e sei bem o que é esse sentimen-
to. Portugal vale sempre a pena!
tências fortes em muitos pontos do
País. Espero que o resultado final
respeite o sentir das populações.
Que mensagem deixa aos nossos
jovens leitores?
Que acreditem em Portugal, antes
de mais nada! Que acreditem que
vamos, colectivamente, ultrapassar
estas dificuldades e vencer a crise.
Portugal necessita, cada vez mais,
do empenho e da vontade da sua
juventude. Ela é, naturalmente, o
sangue-novo que Portugal precisa
nesta hora. A sua energia, as suas
qualificações e a sua vontade de
trabalhar são, sem qualquer dúvi-
da, imprescindíveis ao desenvolvi-
vimento renovado do País que
somos e nos orgulhamos em
pertencer! Sei que vivemos num
mundo globalizado, que oferece
cada vez mais oportunidades em
diferentes zonas geográficas. Sei
também que a situação do País leva
muitas pessoas, principalmente as
mais jovens, a quererem abraçar
experiências profissionais fora das
nossas fronteiras. Mas quando
encontro nas minhas viagens, ou cá,
Portugueses que estão fora, oiço
muitas vezes: “Só quando estamos
longe é que vemos como é bom
viver em Portugal”. Eu estudei e
trabalhei fora do País e sei bem o
que é esse sentimento. Portugal vale
sempre a pena.
desejo neste momento da sua
carreira política?
Neste momento, em termos
públicos trabalho com empenho e
dedicação nas causas da Santa Casa
levadas em nome da solidariedade
social.
Aproveitando ainda o seu conhe-
cimento da realidade autárquica,
como lhe parece que tem sido
gerido o processo da reforma
administrativa do território?
Não tem sido fácil e o passar do
tempo torna certamente mais
exigente fazê-lo nesta legislatura. É
um processo que exige muita
ponderação, até porque há resis-
tências fortes em muitos pontos do
País. Espero que o resultado final
respeite o sentir das populações.
Que mensagem deixa aos nossos
jovens leitores?
Que acreditem em Portugal, antes
de mais nada! Que acreditem que
vamos, colectivamente, ultrapassar
estas dificuldades e vencer a crise.
Portugal necessita, cada vez mais,
do empenho e da vontade da sua
juventude. Ela é, naturalmente, o
sangue-novo que Portugal precisa
nesta hora. A sua energia, as suas
qualificações e a sua vontade de
trabalhar são, sem qualquer dúvida,
imprescindíveis ao desenvol-
vimento renovado do País que
somos e nos orgulhamos em
pertencer! Sei que vivemos num
mundo globalizado, que oferece
cada vez mais oportunidades em
diferentes zonas geográficas. Sei
também que a situação do País leva
muitas pessoas, principalmente as
mais jovens, a quererem abraçar
experiências profissionais fora das
nossas fronteiras. Mas quando
encontro nas minhas viagens, ou cá,
Portugueses que estão fora, oiço
muitas vezes: “Só quando estamos
longe é que vemos como é bom
‘Portugal necessita, cada vez mais, do empenho e da vontade da sua juventude. Ela é, naturalmente, o sangue-novo que Portugal precisa nesta hora. A sua energia, as suas qualificações e a sua vontade de trabalhar são, sem qualquer dúvida, imprescindíveis Portugal vale sempre a pena!’
44 entrevista
Portugal vale sempre a pena
entrevista 45
Desconsiderações sobre política, ou sobre a coisa
46 opinião
Momento engraçado o que atravessamos. Todos têm uma
opinião a dar, todos têm uma solução para a coisa mas a
cada dia que passa menos resultados vejo. É chato. Chato
este maniqueísmo que nos foi imposto. A bancarrota ou a
austeridade. Não querendo de todo dizer que estou contra a
austeridade, acho que há um tipo de austeridade que se
tornou premente. A austeridade moral. Nos políticos. Nos
detentores de cargos públicos. Dos dois lados. Tanto
naqueles senhores que se arrogam de exigir mais sem
pensar nas pessoas (sim, é à história da TSU que me refiro),
como aos Antónios Josés Seguros que por aí andam, e que
com um ar muito amarelo, vêm falar de soluções para os
problemas quando se deviam lembrar do que deixaram por
solucionar.
Mas, embora chateado com todos eles e com toda esta
coisa, confesso ter pena do primeiro-ministro. Vejo-o como
um qualquer Josef K. que depois de acordar das eleições, se
vê confrontado com um processo sem fim, que, note-se pelo
ar desorientado e pelas sucessivas decisões disparatadas,
também não sabe bem onde está nem de onde surgiu tudo
isto. Mais engraçado ainda, as pessoas na rua, anseiam
exactamente pela sua condenação. A coisa não está fácil.
(Para os que não sabiam, os tipos de direita também lêem
livros, a cultura não é uma coisa só da esquerda)
Qual o problema de fundo de tudo isto, mesmo? Não sei.
Faço uma pequena ideia. Há uns tempos discutia com um
bom amigo meu, professor de filosofia, esta coisa da política
quando ele afirmou: “Falta-nos uma democracia
esclarecida”. Eu concordo em parte. Acho que o que falta
mesmo é esclarecer o que é a democracia. Esclarecer às
pessoas o que podem ou não fazer ou mais importante,
esclarecer aos governantes (especialmente aos da esquerda
com apetite por défices) o quanto se pode gastar dos
contribuintes de forma a não onerar quem aqui anda agora.
Penso que pela lógica tudo irá ao lugar. Ou isso, ou se a
lógica falhar agarremo-nos ao senso comum e esperemos
que depois da tempestade venha realmente a bonança. É
que esta coisa da política já pouco me prende. Até porque o
salário que me pagam para escrever aqui mal me chega
para as despesas.
ota introdutória: Atente o leitor que a minha
recorrente utilização da palavra “coisa” não se
deve ao desconhecimento de vocabulário
correcto mas sim ao desconhecimento daquilo que hei
de chamar à política portuguesa neste momento.
Começo com um desabafo. Este é possivelmente o 3º
texto que escrevo para este espaço no período de duas
semanas. Sinal da volatilidade das decisões e opiniões
suponho, que de resto apenas demonstram o estado
pouco credível em que a política portuguesa se
encontra. Todos os dias no nosso país se dá o dito por
não dito e o rumo do mesmo norteia-se de forma leviana
e incerta a meu ver. Confesso-me farto, desiludido,
cansado… Cansado de política, ou mais concretamente dos
políticos. Talvez esta minha falta de fé nos homens seja
exactamente aquilo que me faz ser de direita, ou que pelo
menos não me deixa ser de esquerda. Isso e o meu pai.
Mas sabem o que acho mesmo engraçado? É que quando
somos jovens, das duas uma: ou olhamos para a política
de uma forma muito utópica, quase idílica, e quando
percebemos que o não é, ficamos muito desiludidos; ou
partimos para a política com um certo espírito de
missão para a coisa pública e conhecendo as “regras do
jogo”, vamos tentando arranjar jogo de cintura para
defender o indefensável e promover os projectos de
outros sem esperar nada em troca, e no fim acabamos
desiludidos à mesma. Impõe-se então a questão: Quem
quer ser político tem que estar no meio? Entre a
actividade nobre e a coisa pouco credível? Bom, fica a
pergunta; talvez seja eu a estar mal. Voltando à opinião.
Como a imaginação não surge para me focar num
assunto apenas acho que vou escrevendo e fazer um
fricassé de opiniões.
Momento engraçado o que atravessamos. Todos têm
uma opinião a dar, todos têm uma solução para a coisa
mas a cada dia que passa menos resultados vejo. É
chato. Chato este maniqueísmo que nos foi imposto. A
N
Diogo Pascoal
Rafael Borges
nquanto Bashar al Assad luta
contra as forças do islamismo
wahhabita – e, consequen-
temente, contra a maioria da
população síria -, o Golfo Pérsico
avança, inexoravelmente, para aquilo
que será o seu quarto conflito de
grande dimensão em apenas 30 anos.
Ao mesmo tempo, Bruxelas continua a
debater-se para salvar a União
Europeia do colapso e os Estados
Unidos preparam-se para decidir
quem os liderará durante os pró-
ximos anos. Tragam os próximos
meses o que trouxerem, uma coisa é
certa: a bonança terá de esperar –
depois da tempestade, vem mais
tempestade.
De Damasco e Teerão a
Doha e Riade – quando
o sectarismo religioso
se faz vontade popular
De Damasco e Teerão a Doha e Riade – quando o sectarismo religioso se faz vontade popular
Quando pensamos no mundo árabe,
é normalmente – quanto mais não
seja, pelo nome - a Arábia Saudita
que, quase imeditamente, apre-
sentamos a nós mesmos como
protótipo de todo o médio oriente
islâmico. Essa comparação, natural
para a maioria de nós é, no entanto,
muito mais sensata, muito mais
precisa do que julgaria a maioria
dos ocidentais. Coração da Ummah –
ou seja, do Islão enquanto pátria -, a
Arábia Saudita partilha com os
restantes países árabes do
Crescente Fértil um número de
características sem as quais não é
possível compreender nem o seu
passado nem o seu tempestuoso
presente. A verdade é que, como os
sauditas, também os sírios, os
iraquianos e os libaneses, partilham
o fardo que é ser uma nação
dividida pela fé: e é precisamente
isso que, mais que tudo o resto, está
a determinar não só o desenrolar do
conflito sírio, mas também - e
principalmente - as posições dos
o fardo que é ser uma nação divi-
dida pela fé: e é precisamente isso
que, mais que tudo o resto, está a
determinar não só o desenrolar do
conflito sírio, mas também - e
principalmente - as posições dos
países da região relativamente a ele.
Olhar para a guerra civil síria como
uma guerra entre opressores e
oprimidos, entre justos e corruptos
entre um líder sanguinário e um
povo inocente é uma visão
demasiado simplista dos aconte-
cimentos. Bashar al Assad é mais
que um tirano, da mesma forma que
o actual levantamento popular
contra si é motivado por bem mais
que um genuíno desejo de
democratizar a sociedade síria. E
isso nem é difícil de perceber: seria
estranho se regimes como a Arábia
Saudita e o Qatar, eles próprios
tirânicos, criminosos e coercivos
fizessem questão de dar aos sírios a
mesma democracia que recusam –
por vezes com brutalidade – aos
seus próprios cidadãos. Assim, se há
preocupação que domina as cabeças
dos estrategos das petro-
monarquias do Golfo, a natureza do
regime que vigora na Síria não é,
seguramente, uma delas.
Do Médio Oriente à Europa: tempos de incerteza e agitação
48 internacional
E
seus próprios cidadãos. Assim, se há
preocupação que domina as cabeças
dos estrategos das petro-monar-
quias do Golfo, a natureza do regime
que vigora na Síria não é,
seguramente, uma delas.
Os últimos meses têm revelado
nesse aspecto, pouco de novo. Como
tem acontecido desde há um ano a
esta parte, o regime persistiu, com
apoio iraniano, na sua campanha de
terror e repressão contra os sírios;
os rebeldes, por sua vez, puderam
prosseguir com uma agenda de
terror, massacres e destruição em
tudo semelhante à do governo que
combatem – e isso, claro, através de
uma aliança cada vez mais estreita
com as monarquias do golfo e com
os próprios Estados Unidos. A
posição norte-americana tem, aliás,
sido semelhante à que Washington
assumiu em outras circunstâncias: a
mesma ambiguidade, o mesmo
oportunismo, o mesmo desrespeito
pelos compromissos assumidos e a
mesma ausência de pudor moral e,
muito menos, estratégico.
Por agora, pelo menos, o impasse
tem tudo para manter-se. Não
fugindo ao que tem sido, durante o
último ano, a rotina do
mesma ausência de pudor moral e,
muito menos, estratégico.
Por agora, pelo menos, o impasse
tem tudo para manter-se. Não
fugindo ao que tem sido, durante o
último ano, a rotina do levan-
tamento popular sírio, as forças do
regime continuam – e continuarão –
a esmagar os grupos rebeldes com
relativa facilidade. Foi exactamente
isso que o mundo pôde ver quando,
em Agosto, as forças de Bashar al
Assad limparam a capital síria dos
milhares de combatentes da
oposição que nela se tinham
alojado. A repressão governamental
atingiu, diga-se, uma ferocidade, um
em Agosto, as forças de Bashar al
Assad limparam a capital síria dos
milhares de combatentes da
oposição que nela se tinham
alojado. A repressão governamental
atingiu, diga-se, uma ferocidade, um
desrespeito pela propriedade e,
acima de tudo, pela vida das
populações civis tal que até os
aliados de Damasco se viram
forçados a condenar as acções do
regime. E é isso que pode significar
o princípio do fim para o clã de
Assad: caso falhe em manter o apoio
de Pequim e Moscovo – um cenário
que é, diga-se, cada vez mais
provável -, o governo sírio não
internacional 49
regime. E é isso que pode significar
o princípio do fim para o clã de
Assad: caso falhe em manter o apoio
de Pequim e Moscovo – um cenário
que é, diga-se, cada vez mais pro-
vável -, o governo sírio não poderá
continuar a impedir o seu próprio
colapso.
Esse, o posicionamento das grandes
potências, é – e será - o aspecto fun-
damental da resolução da crise síria:
seja ela qual for, implique o que
implicar, mude o que mudar no
panorama geopolítico do Próximo
Oriente. Quando, há alguns meses,
assegurou Moscovo do inevitável
esmagamento da revolta contra si e
contra o seu regime, o Presidente
Assad deu uma agenda específica
tanto aos chineses como aos russos.
Hoje, porém, a situação apresenta
um crescendo de dificuldade para o
Governo: contrariamente àquilo que
esperavam conseguir fazer, os
militares lealistas falharam redon-
damente no seu objectivo de acabar
com a rebelião no tempo estipulado
e, pior, falharam o seu compromisso
com Putin. E foi precisamente isso
que, juntamente com a existência de
crimes de guerra cuja defesa o
Kremlin tem tido cada vez mais
dificuldade em explicar, acabou por
levar ao recente esfriamento de
relações entre os dois países. De
facto, se apenas há um ano Moscovo
parecia disponível para apoiar o seu
aliado árabe com esforços diplo-
máticos, armamento e finan-
ciamento, a verdade é que, agora,
essa determinação aparenta ter
desaparecido – pelo menos em boa
parte. Ao mesmo tempo, sucedeu
precisamente o mesmo com a China,
país com o qual a Rússia parece, por
vezes, coordenar parte da sua
política externa.
Assim sendo, com o cerco a apertar-
se e com a hipótese de ser
abandonado pelo eixo russo-chinês
a tornar-se cada vez mais provável,
é possível que Damasco venha a
menos aliados, dá razão a quem
teme uma guerra na região. Parece,
com efeito, muito provável que,
assustado com a perspectiva de uma
intervenção externa, o regime tome
a iniciativa de lançar, ele próprio, o
Médio Oriente no caos, seja através
da utilização do seu arsenal de
armas químicas contra Israel, ou,
simplesmente, através dos grupos
terroristas que controla em Gaza e
no Líbano.
política externa.
Assim sendo, com o cerco a apertar-
se e com a hipótese de ser aban-
donado pelo eixo russo-chinês a
tornar-se cada vez mais provável, é
possível que Damasco venha a ficar
ainda mais dependente daqueles de
cuja lealdade não pode duvidar: o
Irão, o Hezbollah, o Hamas e o
Movimento da Jihad Islâmica na
Palestina. E esse cenário, o de um
Assad em pânico e com – (ainda)
menos aliados, dá razão a quem
teme uma guerra na região. Parece,
com efeito, muito provável que,
assustado com a perspectiva de uma
intervenção externa, o regime tome
a iniciativa de lançar, ele próprio, o
50 internacional
aos 69.6% no mês passado -, um
desemprego galopante e uma crise
económica só comparável à que o
Irão sofreu após a Revolução Islâ-
mica, Ahmadinejad terá agora de
jogar como ainda nunca teve de o
fazer: à defensiva.
Para a política externa iraniana, os
últimos 10 anos trouxeram uma
época dourada e o triunfo, ainda que
tardio, dos que acharam ser possível
uma exportação da Revolução. No
Líbano, o Hezbollah, um movimento
fundado, apoiado e financiado por
Teerão não só se tornou numa força
política e militar de destaque em
toda a zona, como, além disso,
logrou chegar ao governo do país.
Na Síria, o regime xiita de Hafez e,
mais tarde, Bashar al Assad,
associou-se aos iranianos e tornou-
se no seu mais importante aliado
regional. Em Gaza, os Mullahs
conseguiram, ainda que com
elevados custos, atrair o apoio do
Hamas e, posteriormente, dos
islamistas (ainda mais) radicais do
Jihad Eslami. Por sua vez, o Iraque
foi, com a Síria, o mais importante
dos ganhos iranianos: após décadas
de inimizade entre a República
Islâmica e o regime sunita, embora
secular, de Saddam Hussein, a sua
derrota possibilitou uma inversão
de rumo nas relações entre ambos
os países. A eleição de Nouri Al
Maliki, um islamista xiita, como
primeiro-ministro do Iraque fez de
Bagdad a capital de um estado
inteiramente alinhado com os
interesses de Teerão – e sem
qualquer problema em admiti-lo.
Agora, no entanto, o xadrez
estratégico do Médio Oriente parece
estar a modificar-se outra vez: e,
contrariamente ao que esperava o
regime dos Mullahs, não apenas
para os Estados Unidos. Se é certo
que, com o tsunami político que
varreu dos seus lugares os líderes
egípcio, tunisino, líbio e iemenita –
todos eles, precisamente, aliados de
Irão – Entre a guerra e o debacle financeiro
Não é especialmente surpreendente
a recente hostilidade entre o Líder
Supremo da República Islâmica, o
Aiatolá Ali Khamenei, e o Presidente
Mahmoud Ahmaninejad. A verdade
é que, nos últimos tempos, parece ir
mal em Teerão: se, no plano interno,
a economia está a ser paralisada por
sanções e embargos internacionais,
no externo a situação nem por isso é
melhor. Depois de uma década de
sucesso em que, rompendo com
quase 20 anos de isolamento
internacional, Teerão conseguiu
estabelecer uma rede de alianças
regionais, agora tudo está a alterar-
se rapidamente. E isso tem um
motivo concreto: o agravamento da
instabilidade política e social nos
seus vizinhos árabes, assim como a
possibilidade de colapso de alguns
dos seus aliados regionais, ameaçam
agora o projecto iraniano de agarrar
para si o estatuto de primeira
potência da zona. Enquanto en-
frenta, na frente doméstica, uma
inflação incontrolável – que chegou
aos 69.6% no mês passado -, um
desemprego galopante e uma crise
económica só comparável à que o
Irão sofreu após a Revolução
Islâmica, Ahmadinejad terá agora de
jogar como ainda nunca teve de o
fazer: à defensiva.
Para a política externa iraniana, os
últimos 10 anos trouxeram uma
época dourada e o triunfo, ainda que
tardio, dos que acharam ser possível
uma exportação da Revolução. No
Líbano, o Hezbollah, um movimento
fundado, apoiado e financiado por
Teerão não só se tornou numa força
política e militar de destaque em
toda a zona, como, além disso,
logrou chegar ao governo do país.
Na Síria, o regime xiita de Hafez e,
mais tarde, Bashar al Assad,
associou-se aos iranianos e tornou-
se no seu mais importante aliado
mais tarde, Bashar al Assad,
associou-se aos iranianos e tornou-
se no seu mais importante aliado
regional. Em Gaza, os Mullahs
conseguiram, ainda que com
elevados custos, atrair o apoio do
Hamas e, posteriormente, dos isla-
mistas (ainda mais) radicais do
Jihad Eslami. Por sua vez, o Iraque
foi, com a Síria, o mais importante
dos ganhos iranianos: após décadas
de inimizade entre a República
Islâmica e o regime sunita, embora
secular, de Saddam Hussein, a sua
derrota possibilitou uma inversão
de rumo nas relações entre ambos
os países. A eleição de Nouri Al
Maliki, um islamista xiita, como
primeiro-ministro do Iraque fez de
Bagdad a capital de um estado
inteiramente alinhado com os
interesses de Teerão – e sem
qualquer problema em admiti-lo.
Agora, no entanto, o xadrez
estratégico do Médio Oriente parece
estar a modificar-se outra vez: e,
contrariamente ao que esperava o
regime dos Mullahs, não apenas
para os Estados Unidos. Se é certo
que, com o tsunami político que
varreu dos seus lugares os líderes
egípcio, tunisino, líbio e iemenita –
todos eles, precisamente, aliados de
Washington -, os iranianos
esperavam livrar-se, de vez, da
influência ocidental sobre o Médio e
Próximo Oriente, também o é que
Teerão e o seu “Eixo de Resistência”,
não conseguiram passar incólumes
pela tempestade – e tudo isso
devido ao caso sírio. Caso perca
Damasco, Ahmadinejad ver-se-á
numa situação particularmente
desconfortável. Primeiro, porque
para chegar até às suas sucursais
junto à fronteira israelita, Teerão
tem de passar tanto pela Síria, como
pelo Iraque. Segundo, porque a
perda da Síria e a consequente – e
inexorável - situação de
vulnerabilidade estratégica, levarão
as próprias filiais a (re)considerar a
-
-
-
internacional 51
situação de semi-protectorado que
lhe foi imposta pelos norte-
americanos, será inevitavelmente
posta em causa caso Damasco acabe
por cair. É essa perspectiva que,
mais que qualquer outra coisa, nos
faz compreender os motivos da
determinação iraniana em manter o
aliado sírio.
Mas a evolução da crise síria não é,
nem de longe nem de perto, a única
preocupação dos policy makers
persas neste momento. Para Ahma-
dinejad e Ali Akbar Salehi, seu
Ministro dos Negócios Estrangeiros,
também a questão nuclear tem
potencial para ser causa de muitas
dores de cabeça. Neste ponto, diga-
se, o dilema estratégico do Irão até é
se percebe com alguma facilidade: a
República Islâmica aprendeu a não
confiar nos americanos e seus
aliados, sabe que o objectivo final de
Washington é a queda do regime
islâmico e percebe que a única
forma de assegurar a sua existência
é estando na posse de armamento
que impossibilite uma intervenção
militar estrangeira. E isso, note-se,
não prova sequer que o Irão está,
efectivamente, a desenvolver
armamento nuclear – há rumores
sobre o assunto desde os anos 80.
Mas dá-nos, ainda assim, uma base
lógica para a aparente determinação
iraniana em consegui-lo.
O problema, porém, é (ainda) mais
profundo que isso. Ainda que
concordemos com Benny Gantz e
Ehud Barack, ainda que nos pareça
que, retórica incendiária à parte, os
líderes da República Islâmica não
são totalmente loucos, a verdade é
que a perspectiva de um Irão
nuclear permanece assustadora.
Como reagirão os mullahs quando a
comunidade internacional tentar
encostá-los à parede? O que farão os
iranianos quando forem
pressionados? É por não haver
resposta certa a essa questão que o
cruzamento é aqui. O ponto de
Bagdad a capital de um estado
inteiramente alinhado com os
interesses de Teerão – e sem
qualquer problema em admiti-lo.
Agora, no entanto, o xadrez
estratégico do Médio Oriente parece
estar a modificar-se outra vez: e,
contrariamente ao que esperava o
regime dos Mullahs, não apenas
para os Estados Unidos. Se é certo
que, com o tsunami político que
varreu dos seus lugares os líderes
egípcio, tunisino, líbio e iemenita –
todos eles, precisamente, aliados de
Washington -, os iranianos espe-
ravam livrar-se, de vez, da
influência ocidental sobre o Médio e
Próximo Oriente, também o é que
Teerão e o seu “Eixo de Resistência”,
não conseguiram passar incólumes
pela tempestade – e tudo isso
devido ao caso sírio. Caso perca
Damasco, Ahmadinejad ver-se-á
numa situação particularmente
desconfortável. Primeiro, porque
para chegar até às suas sucursais
junto à fronteira israelita, Teerão
tem de passar tanto pela Síria, como
pelo Iraque. Segundo, porque a
perda da Síria e a consequente – e
inexorável - situação de vulne-
rabilidade estratégica, levarão as
próprias filiais a (re)considerar a
continuação do seu apoio à
República Islâmica: para Nasrallah,
faz sentido sujeita-se ao ódio do
mundo se, com isso, conseguir
assegurar uma fonte fiável – e
ininterrupta – de financiamento,
apoio militar e logístico. Mas o que
agarrará o Hezbollah se a fonte
secar? Seguindo a mesma linha de
pensamento, os estrategos iranianos
compreenderam já que a sua frágil
relação com um Iraque dividido
entre a sua lealdade ao Irão e a
situação de semi-protectorado que
lhe foi imposta pelos norte-
americanos, será inevitavelmente
posta em causa caso Damasco acabe
por cair. É essa perspectiva que,
mais que qualquer outra coisa, nos
também a questão nuclear tem
potencial para ser causa de muitas
dores de cabeça. Neste ponto, diga-
se, o dilema estratégico do Irão até é
se percebe com alguma facilidade: a
República Islâmica aprendeu a não
confiar nos americanos e seus
aliados, sabe que o objectivo final de
Washington é a queda do regime
islâmico e percebe que a única
forma de assegurar a sua existência
é estando na posse de armamento
que impossibilite uma intervenção
militar estrangeira. E isso, note-se,
não prova sequer que o Irão está,
efectivamente, a desenvolver
armamento nuclear – há rumores
sobre o assunto desde os anos 80.
Mas dá-nos, ainda assim, uma base
lógica para a aparente determinação
iraniana em consegui-lo.
O problema, porém, é (ainda) mais
profundo que isso. Ainda que
concordemos com Benny Gantz e
Ehud Barack, ainda que nos pareça
que, retórica incendiária à parte, os
líderes da República Islâmica não
são totalmente loucos, a verdade é
que a perspectiva de um Irão
nuclear permanece assustadora.
Como reagirão os mullahs quando a
comunidade internacional tentar
encostá-los à parede? O que farão os
iranianos quando forem
pressionados? É por não haver
resposta certa a essa questão que o
cruzamento é aqui. O ponto de
forçosa fricção também – e todos o
sabem. Teerão tem perfeita
consciência de que, caso continue o
seu programa nuclear, a guerra com
Israel, os Estados Unidos e os seus
aliados será um facto impossível de
evitar. Ao mesmo tempo, em Tel
Aviv ninguém está disposto a dar a
Ahmadinejad um assento no clube
do nuclear: nem que, para isso, seja
necessário atacar a República
Islâmica, destruir-lhe as instalações
onde enriquece urânio e forçá-la a
tentar cumprir as suas ameaças de
bloqueio do Estreito de Ormus.
52 internacional
os conservadores pró-europeus do
Nea Dimokratia conseguiram, pelo
menos por agora, assegurar a
manutenção da Grécia na Zona
Euro, o executivo de Antonis
Samaras começa a revelar sinais de
fraqueza e desgaste. Não foram só
as demissões de vários membros do
governo, não é apenas a conti-
nuação de uma recessão profunda,
não é a manutenção de uma
austeridade que, por mais
necessária que possa ser, pesa a
todos: é a oposição de
absolutamente toda a gente. No
, efectivamente, a desenvolver arma-
mento nuclear – há rumores sobre o
assunto desde os anos 80. Mas dá-
nos, ainda assim, uma base lógica
para a aparente determinação irani-
ana em consegui-lo.
O problema, porém, é (ainda) mais
profundo que isso. Ainda que concor-
demos com Benny Gantz e Ehud
Barack, ainda que nos pareça que,
retórica incendiária à parte, os
líderes da República Islâmica não são
totalmente loucos, a verdade é que a
perspectiva de um Irão nuclear
permanece assustadora. Como rea-
girão os mullahs quando a comu-
nidade internacional tentar encostá-
los à parede? O que farão os
iranianos quando forem pressi-
onados? É por não haver resposta
certa a essa questão que o cruza-
mento é aqui. O ponto de forçosa
fricção também – e todos o sabem.
Teerão tem perfeita consciência de
que, caso continue o seu programa
nuclear, a guerra com Israel, os
Estados Unidos e os seus aliados será
um facto impossível de evitar. Ao
mesmo tempo, em Tel Aviv ninguém
está disposto a dar a Ahmadinejad
um assento no clube do nuclear: nem
que, para isso, seja necessário atacar
a República Islâmica, destruir-lhe as
instalações onde enriquece urânio e
forçá-la a tentar cumprir as suas
ameaças de bloqueio do Estreito de
Ormus.
UE – continua a luta pela sobrevivência
O endgame europeu teima em
prolongar-se no tempo. Apenas três
meses após umas eleições em que
os conservadores pró-europeus do
Nea Dimokratia conseguiram, pelo
menos por agora, assegurar a
manutenção da Grécia na Zona
Euro, o executivo de Antonis
Samaras começa a revelar sinais de
nuação de uma recessão profunda,
não é a manutenção de uma
austeridade que, por mais neces-
sária que possa ser, pesa a todos: é a
oposição de absolutamente toda a
gente. No governo escasseia a
unidade, entre o povo falta
compreensão e, entre os membros
da Troika, não há nem sinal de
aprovação: aquilo que para os
gregos peca por vir em demasia,
para a Troika não serve por ser
insuficiente. Confrontado com a
eminência de um default grego,
Samaras até se comprometeu a
-
-
internacional 53
aprovação: aquilo que para os
gregos peca por vir em demasia,
para a Troika não serve por ser
insuficiente. Confrontado com a
eminência de um default grego,
Samaras até se comprometeu a
avançar com cortes adicionais de
11.5 mil milhões de euros. Mas não
chega. Para continuar a receber
ajuda do FMI, do Banco Central
Europeu e da Comissão Europeia, o
Governo grego terá, obriga-
toriamente, de fazer – i.e., cortar –
ainda mais. O problema é que, na
Grécia, como nos restantes países
intervencionados, ir mais longe na
austeridade significa, simulta-
neamente, ir mais longe na
paciência que se pede às pessoas. E
tudo indica que ela já não abunda
entre os gregos – e que, para
salvaguardar o casamento com a
Europa, Samaras terá de se
divorciar, definitivamente, dos
próprios gregos.
Entretanto, noutros países da União
Europeia, os ventos também não
parecem ser favoráveis. Em
Portugal, o governo está cada vez
mais distante dos portugueses: uma
má gestão de informação e imagem,
assim como um acentuamento
progressivo da austeridade têm
levado a um rápido desgaste público
do actual executivo, mas não só.
Para além do desgaste nas relações
entre o governo e os portugueses,
há um cada vez maior – e inegável -
distanciamento entre os dois
partidos da coligação que governa o
país. Aí, como noutras questões, é a
génese doutrinária dos dois
parceiros que põe a estabilidade
governativa em causa: se, para o
primeiro-ministro e para o ministro
das finanças, o caminho passa por
aumentar, ainda mais, a taxação
sobre os portugueses, para o CDS
não há, pura e simplesmente, espaço
para isso.
Em Espanha, a dificuldade em impor
as reformas necessárias tem
-
54 internacional
aumentar, ainda mais, a taxação
sobre os portugueses, para o CDS
não há, pura e simplesmente, espaço
para isso.
Em Espanha, a dificuldade em impor
as reformas necessárias tem cau-
sado uma multiplicação de manifes-
tações, confrontos e paralisações de
toda a ordem. Bom exemplo disso
foi o mega-desfile independentista
que, juntando dois milhões de
catalães em Barcelona, fez Rajoy
perceber algo que nenhum chefe de
governo gosta de ouvir: que quanto
mais austeridade o governo de
Madrid insistir em impor ao país,
maior será a ameaça separatista –
ou seja, de desintegração do Estado.
Se o crescimento do
descontentamento social nos países
intervencionados não choca – nem
pode chocar - particularmente
quem o observa, o mesmo não pode
Alemanha tem passado, ela própria, a
vacilar na agenda que, até há pouco
tempo, propugnava.
Para a Europa, não há outro caminho
que não seja aceitar que, também a
raiva popular, pode determinar o
rumo que a crise das dívidas sobe-
ranas europeias tomará de agora em
diante. De Portugal à Grécia,
passando pela Espanha e pela Itália, a
instabilidade social assume-se, cada
vez mais, como um novo risco para
moeda única: e esse é um peso que
nem todos os governantes são
capazes de carregar. Será também a
sua capacidade de o fazer que
decidirá o futuro da União Europeia.
ou seja, de desintegração do Estado.
Se o crescimento do descon-
tentamento social nos países
intervencionados não choca – nem
pode chocar - particularmente quem
o observa, o mesmo não pode dizer-
se da perda de paciência, por
exemplo, dos alemães. Nesse caso,
aliás, a situação é particularmente
surpreendente: se é verdade que a
popularidade de Merkel está em
alta, também o é que, se há coisa
que os eleitores germânicos não lhe
perdoam é, precisamente, uma certa
quebra no rigor do Merkelismo. Da
muito criticada rigidez na afirma-
ção da escolha pela austeridade, a
Alemanha tem passado, ela própria,
a vacilar na agenda que, até há
pouco tempo, propugnava.
Para a Europa, não há outro
caminho que não seja aceitar que,
também a raiva popular, pode
internacional 55