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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Roberto Nussinkis Mac Cracken
ARBITRAGEM NO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO – SEGURANÇA JURÍDICA
DOUTORADO EM DIREITO
São Paulo
2014
2
Roberto Nussinkis Mac Cracken
ARBITRAGEM NO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO – SEGURANÇA JURÍDICA
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Claudio Finkelstein.
SÃO PAULO
2014
3
Roberto Nussinkis Mac Cracken
ARBITRAGEM NO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO – SEGURANÇA JURÍDICA
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Claudio Finkelstein.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. Claudio Finkelstein (Orientador)
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
São Paulo, 2014
4
À minha mãe, Manha, e ao meu
saudoso pai, Sylvio, que, com muito
esforço, paciência e dedicação,
souberam transmitir os melhores
valores do ser humano.
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Professor Doutor Livre-Docente Claudio Finkelstein,
brilhante advogado, alentado educador, pessoa de destacada formação
humanística, um dos maiores conhecedores do instituto da arbitragem, por acreditar
na minha tese e na minha capacidade de defendê-la, e pela constante disposição e
paciência.
Aos Professores Doutores Armando Rovai, que passou de meu aluno a
ilustre mestre, e Antônio Márcio Guimarães, destacado e dedicado mestre, pelos
comentários, no exame de qualificação, que me levaram a aperfeiçoar esta tese.
Aos meus colegas de gabinete, por toda a credibilidade e compreensão
durante o desenvolvimento deste trabalho, principalmente aos meus assessores
Marcelo Luís Ferraro, Pedro Gustavo Pimentel, Cristiano Donizeti Ranzani, Ricardo
Toshiake Thihara, Lucas de Abreu Evangelinos e Rodrigo Franco Soares, por toda a
ajuda e diálogos.
À jovem Luísa Quintão, pelas valiosas discussões e disposição.
Ao Professor Cláudio Lembo, com quem tive o destacado privilégio de
conviver por longo período e, especialmente, apreender os melhores valores
profissionais e pessoais.
Aos meus Colegas da Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, Gastão
Toledo de Campos Mello Filho, Manuel Matheus Fontes, Thiers Fernandes Lobo,
Sérgio Rui da Fonseca e Hélio Nogueira, detentores de indiscutível brilho do mais
alto saber jurídico, independência e senso de justiça, o meu agradecimento pelo
apoio e destacada paciência.
Ao meu saudoso pai, Sylvio, exemplo de simplicidade, solidariedade e plena
dedicação à família, que esteve e continua sempre ao meu lado.
À minha mãe, Manha, exemplo de luta e dignidade, que me deu a vida, além
de me proporcionar ao longo desta todas as possibilidades que abriram caminhos
para a realização deste estudo.
6
À minha querida Ligia, leal e dedicada companheira, por razões incontáveis,
impossíveis de serem enumeradas, mas, principalmente, pelo imenso amor e
enorme carinho.
Aos meus amados e queridos Gustavo, Bárbara e Beatriz, pela beleza da
juventude e do saber, pelo apoio inesgotável e imenso carinho.
7
A lição é a seguinte: nunca desista,
nunca, nunca, nunca. Em nada.
Grande ou pequeno, importante ou
não. Nunca desista. Nunca se
renda à força, nunca se renda ao
poder aparentemente esmagador
do inimigo.
Winston Churchill
8
RESUMO
A arbitragem é uma forma de solução de conflitos que nasce da vontade de
particulares, com capacidade civil plena, que preferem que a pacificação de sua
contenda seja realizada por outro particular, por eles eleitos, de modo a afastar a
burocracia fixada pela jurisdição estatal.
A sua criação, segundo a doutrina, decorre de tempos remotos, inclusive com sua
aplicação na Roma antiga.
Serão abordados neste trabalho desdobramentos relacionados à arbitragem,
especificamente no plano nacional, no que se refere à ampliação de sua utilização,
visando atrair novos investimentos, com a adequada segurança jurídica, bem como
sua materialização por meio de um instrumento contratual.
Analisar-se-ão, também, a extensão dos efeitos da arbitragem e sua forma de
vinculação, o procedimento arbitral estabelecido pela legislação ordinária, bem como
sua aplicação como forma de “meio alternativo” de solução de conflitos nas relações
internacionais.
O principal objetivo da presente tese, em síntese, é demonstrar as vantagens que a
arbitragem pode trazer, traduzindo-se em efetivos benefícios, que serão detalhados
no transcorrer deste estudo, demonstrando um melhor patamar de segurança
jurídica e, em consequência, maior e melhor possibilidade de investimentos
estrangeiros.
Palavras-chave: Arbitragem; Procedimento Arbitral; Direito Internacional;
Investimento Estrangeiro
9
ABSTRACT
Arbitration is a dispute resolution method resulting from the will of the parties with full
civil capability that rather settle their conflict by submitting it to another private
individual, elected by them, so they can avoid the bureaucracy established by the
State courts.
Its creation, according to the doctrine, stems from ancient times, including its
application in ancient Rome.
This work will address all developments related to arbitration, more specifically in a
national dimension with regards to the increasing use of arbitration. It aims at
drawing new investments with the appropriate legal certainty, as well as at its
materialization through a contractual instrument.
It will also be analyzed the extent of the arbitration effects and its binding manner, the
arbitration procedure established by ordinary legislation, and its application as an
"alternative means" of dispute resolution in international relations.
In brief, the main purpose of this thesis is to demonstrate the advantages that
arbitration may bring, which can be translated into effective benefits that will be
specifically analyzed in this study, in a way that may demonstrate a higher level of
legal certainty and, consequently, a greater and better possibility of foreign
investments.
Keywords: Arbitration, Arbitral Procedure, International Law, Foreign Investment
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 12 1 FORMAS NÃO JURISDICIONAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS .............................. 18 1.1 A arbitragem como forma não jurisdicional de solução de conflitos .................... 26 1.1.1 Conceito .................................................................................................................... 26 1.1.2 Evolução histórica da arbitragem ........................................................................... 30 1.1.3 Desdobramentos e Classificação da Arbitragem .................................................. 31 1.1.3.1 Arbitragem facultativa e arbitragem obrigatória ................................................ 34 1.1.3.2 Arbitragem formal e informal ............................................................................... 35 1.1.3.3 Arbitragem de direito e de equidade ................................................................... 36 1.1.3.4 Arbitragem ad hoc e institucional ........................................................................ 37 1.1.3.5 Arbitragem interna e internacional ...................................................................... 37 1.1.4 Princípios Gerais da Arbitragem ............................................................................. 37 1.1.4.1 Princípio da autonomia da vontade ..................................................................... 38 1.1.4.2 Princípio da eleição da lei aplicável .................................................................... 38 1.1.4.3 Princípio da eleição da Lex Mercatoria ............................................................... 38 1.1.4.4 Princípio do devido processo legal ..................................................................... 38 1.1.4.5 Princípio do efeito vinculante da cláusula arbitral ............................................. 39 1.1.4.6 Princípio da inevitabilidade dos efeitos da sentença arbitral ........................... 39 1.1.4.7 Princípio da autonomia da cláusula compromissória ....................................... 39 1.1.4.8 Princípio da Kompetenz-Kompetenz ................................................................... 39 1.2 Natureza Jurídica da Arbitragem – Jurisdição – Polêmica ..................................... 39 1.3 Enfoque Legal – Lei nº 9.307/96 ................................................................................. 44 1.3.1 Desdobramentos sobre os dispositivos legais da Lei de Arbitragem ................ 45 1.3.1.1 Limites impostos pela Lei de Arbitragem ........................................................... 45 1.3.1.2 Convenção de Arbitragem – Cláusula compromissória e compromisso
arbitral – Jurisprudência .......................................................................................... 47 1.3.1.2.1 Constitucionalidade da Arbitragem .................................................................... 55 1.3.2 Dos árbitros .............................................................................................................. 57 1.3.2.1 Órgão de arbitragem institucional ....................................................................... 61 1.3.3 Do Procedimento Arbitral (aplicação do princípio da busca da verdade real
no procedimento arbitral) ........................................................................................ 64 1.3.4 Da Sentença Arbitral ................................................................................................ 69 1.3.4.1 Da Nulidade da Sentença Arbitral – Orientação Jurisprudencial ..................... 70 1.3.5 Prescrição e Arbitragem .......................................................................................... 74 1.3.6 Comentários ao Projeto de Lei do Senado Federal – PJ Nº 406/2013 –
Alteração da atual Lei de Arbitragem ..................................................................... 76 1.3.7 Comentários ao Projeto de Lei nº 7.108/2014 ........................................................ 81 2 ARBITRAGEM SOB O ASPECTO INTERNACIONAL .................................................... 83 2.1 Aspectos Gerais da Arbitragem Internacional ......................................................... 84 2.2 Sentença Arbitral Estrangeira .................................................................................... 89 2.3 Compromisso de Arbitragem Internacional .............................................................. 94 2.4 O Tribunal Arbitral Internacional ............................................................................... 96 2.5 Procedimento na Arbitragem Internacional .............................................................. 97 2.6 Direito Aplicável na Arbitragem Internacional ........................................................ 100 3 A SEGURANÇA DA ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL PARA O
INVESTIDOR ESTRANGEIRO ...................................................................................... 107 3.1 Arbitragem Comercial Internacional x Arbitragem Internacional de Investimentos 107 3.1.1 O Brasil e a Arbitragem Internacional de Investimentos .................................... 110 3.2 Vantagens da Arbitragem Comercial Internacional para o investidor estrangeiro .. 118
11
3.2.1 Procedimento flexível ............................................................................................ 118 3.2.2 Adequação do procedimento para transações internacionais .......................... 120 3.2.3 Caráter final e vinculante da sentença arbitral .................................................... 121 3.2.4 Fácil execução ........................................................................................................ 123 3.2.5 Neutralidade ............................................................................................................ 124 3.2.6 Árbitros experts ...................................................................................................... 126 3.2.7 Confidencialidade ................................................................................................... 127 3.2.8 Rapidez e custos do processo .............................................................................. 128 3.3 Segurança e efetividade da arbitragem como meio alternativo de solução de
conflitos ...................................................................................................................... 130 3.3.1 Insegurança jurídica do Judiciário brasileiro ...................................................... 132 3.3.2 Risco-Brasil ............................................................................................................. 138 3.4 Responsabilidade do árbitro na Arbitragem Comercial Internacional ................. 142 3.4.1 Responsabilidade do árbitro na lei brasileira ...................................................... 145 4 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 147 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 160 ANEXOS ............................................................................................................................ 166 ANEXO – JURISPRUDÊNCIA ............................................................................................. 166 ANEXO – DOUTRINA .......................................................................................................... 249
12
INTRODUÇÃO
O presente estudo apresenta os meios não jurisdicionais de solução de
conflitos: institutos que a doutrina costuma estabelecer como técnicas de solução de
conflitos não jurisdicionais, ou seja, que fazem, às vezes, de jurisdição porque
solucionam conflitos, mas não são jurisdição, principalmente por ser seu tema
central a arbitragem, desde a sua conceituação e evolução histórica até a edição da
lei que regula o tema no Brasil.
Registra-se a tendência de crescimento das formas de solução de conflitos
sem a necessidade de propositura de demanda judicial e questões polêmicas, como
a natureza jurídica da arbitragem, as posições doutrinárias acerca da semelhança da
arbitragem à atividade jurisdicional do Estado-juiz e a similitude da atividade do
árbitro à atividade jurisdicional como forma de pacificação social e aplicação do
direito ao caso concreto.
Discorre-se sobre os princípios gerais da arbitragem. Dentre eles, o princípio
da autonomia da cláusula compromissória ao contrato em que se encontra inserida,
que é de fazer segundo estudo doutrinário, assemelhando-se ao princípio da
autonomia que vigora das regras pertinentes aos títulos de crédito, pois a nulidade
do negócio jurídico não implica na nulidade da cláusula compromissória,
enfatizando, portanto, a obrigação que as partes pactuam, por meio da cláusula
compromissória. Adicionalmente, indica-se que o compromisso arbitral não se
confunde com a cláusula compromissória, uma vez que ele ocorre com a convenção
da arbitragem após a existência do conflito. Em outras palavras, o conflito já se faz
presente, e as partes o submetem à apreciação de árbitros, afastando-se da
apreciação pelo Poder Judiciário. Assim, pelo compromisso arbitral, as partes
convencionam a eleição de árbitros para solucionar um litígio que já se faz presente,
ao passo que a cláusula compromissória é utilizada quando o litígio ainda não se
materializou.
Trata-se da aplicabilidade do princípio da Kompetenz-Kompetenz, segundo o
qual o árbitro deve verificar se possui competência, para a hipótese de haver
arbitragem, e decidir a respeito e sobre os limites de sua competência.
13
Discorre-se sobre a possibilidade de aplicação do princípio da
instrumentalidade das formas no procedimento arbitral, sustentando-se, também, a
aplicação do princípio de que não há nulidade processual sem a demonstração do
prejuízo, ou seja, que meras irregularidades não têm o condão de gerar a nulidade
do procedimento arbitral.
Ressalta-se a aplicação do princípio do venire contra factum proprium nas
relações contratuais que se submetem à solução de seus conflitos pela arbitragem,
caracterizada pela existência de uma conduta inicial, geradora de legítima confiança,
com posterior comportamento contraditório divergente da conduta inicial e que
culmina com um prejuízo, concreto ou potencial, que se extrai dessa contradição.
Portanto, o princípio proíbe a prática de um comportamento contraditório a uma
conduta inicial que teria gerado uma determinada expectativa à outra parte, vedando
a prática de atos incoerentes e que contradizem uma conduta anterior iniciada pela
mesma pessoa e que é capaz de frustrar as legítimas expectativas de terceiros.
Salienta-se a grande divergência doutrinária acerca da natureza jurídica da
arbitragem e, principalmente, se o árbitro exerce poder jurisdicional no caso concreto
e lição doutrinária que sustente a função parajurisdicional da arbitragem. Além disso,
a possibilidade do juízo arbitral decretar a prescrição no caso concreto, pois o
árbitro, muito mais que um mero “juiz privado”, é um pacificador que busca a solução
justa do litígio - nada mais que um anseio do interesse social -, devendo, para tal
fim, aplicar o direito ao caso concreto, sendo esta uma finalidade também verificada
no próprio espírito da Lei de Arbitragem quando estabelece a aplicação de vários
princípios constitucionais, bem como a aplicação de regras legais pelo árbitro para a
solução do conflitos, de modo que pode e deve o árbitro reconhecer e decretar a
prescrição no caso concreto.
Sendo assim, argumenta-se que é indubitável a importância da arbitragem na
resolução dos conflitos hodiernos e, sobretudo, no que diz respeito às controvérsias
internacionais, considerando as cicatrizes históricas que, perenemente, marcam a
14
humanidade, ocasionadas pelos conflitos armados entre nações, especialmente
aqueles concernentes à Primeira e à Segunda Grande Guerra.
Centra-se na necessidade de utilização da arbitragem, principalmente
considerando-se que, na Idade Contemporânea, novos ventos catalizaram o
processo de globalização, eclodido em remota época e acentuando, assim, conflitos
comerciais entre países sob o predomínio de fictos, entes de natureza transnacional,
e, consequentemente, ocasionando a necessidade de desenvolvimento de novos
métodos de solução de litígios.
Nesse contexto, ao atuar com agentes e normas de distintos países, assim
como ao conceber princípios e regras próprias, argumenta-se a favor da arbitragem,
que ocupa o papel de protagonista como meio de solução de conflitos advindos das
relações comerciais internacionais.
Com efeito, para o propósito desta tese, considera-se internacional a
arbitragem composta por agentes, situados em países distintos, elegendo-se regras
próprias para a solução do conflito específico e observando-se, ainda, as normas de
direito internacional e as leis cogentes locais.
Merece menção, em tal seara, a Lex Mercatoria e os princípios UNIDROIT.
Por Lex Mercatoria, considera-se o conjunto de regras, princípios e instituições,
emanados de diversas fontes, que alicerçam as operações comerciais
internacionais, enquanto que os princípios da UNIDROIT, de ampla aplicação nos
negócios internacionais, foram elaborados com o escopo de mitigar as barreiras
originadas da diversidade de ordenamentos jurídicos.
Destarte, é incontestável a importância da arbitragem nas relações
internacionais que, com regras e instituições próprias, torna-se efetivo instrumento
de pacificação do mundo cada vez mais globalizado.
Em relação aos investimentos financeiros, é possível conceituá-los como a
relação que envolve um negócio a longo prazo, refletindo interesse e controle de
15
uma entidade residente em uma economia e uma empresa residente em uma
economia diferente daquela do investidor estrangeiro. E para que ocorram
investimentos de investidores estrangeiros, é necessário haver segurança. Esta
questão é central para este trabalho, que busca identificar como a segurança do
processo de arbitragem comercial internacional pode tornar-se um atrativo para o
investidor estrangeiro no Brasil.
Em relação a essa questão de segurança para os investidores estrangeiros,
esclarece-se, ao longo deste estudo, que o Brasil não integra a lista dos Estados
que participam e que ratificaram a Convenção de Washington, que trata da solução
de disputas por arbitragem internacional de investimentos, envolvendo uma parte
privada e um Estado receptor. Portanto, não é o tipo de arbitragem foco desta tese.
Discorre-se sobre os benefícios da arbitragem comercial internacional como
meio de resolução de conflitos entre um investidor (parte privada) e um receptor
(privado), e sobre como esse método alternativo pode ser a saída para o investidor
estrangeiro que quer aplicar no Brasil, mas não o faz devido às dificuldades e
inseguranças jurídicas existentes no Judiciário brasileiro.
Enfatiza-se, ainda, que as recentes mudanças no cenário internacional de
investimentos revelam que o Brasil deixou de ser um país exclusivamente recebedor
de investimentos para tornar-se, também, um investidor, com empresas nacionais
que adquirem porte de multinacionais, como a Petrobrás, a Vale, a Gerdau e a
Votorantim, entre outras.
Sustenta-se que o pequeno e médio investidores, ao chegarem no exterior,
querem receber o apoio jurídico brasileiro para que possam evitar eventuais conflitos
contra governos internacionais. Ao negar a ratificação desses acordos, o Brasil, por
um lado, tem a seu favor a inexistência de queixas de investidores estrangeiros,
mas, por outro, deixa o capital brasileiro internacional desprotegido.
Por fim, aborda-se que, se, por um lado, acordos internacionais de proteção
propiciam a segurança jurídica necessária à criação de um ambiente favorável aos
16
investimentos, por outro, a relutância do Brasil em relação a esses acordos justifica-
se pelo fato de o país ser, tradicionalmente, um receptor de investimentos. Porém,
nos últimos anos, as empresas brasileiras ampliaram a sua atuação no estrangeiro
por verem na internacionalização uma oportunidade e, muitas vezes, uma
necessidade. Essa mudança, portanto, precisa ser reavaliada, e nela entra a
questão da arbitragem.
No cenário global atual, são diversos os motivos pelos quais as empresas
preferem a arbitragem às cortes estatais para a solução de conflitos. Em dimensões
internacionais, tais benefícios podem ser traduzidos, dentre outras vantagens, como
flexibilidade do procedimento arbitral, caráter final e vinculante da sentença arbitral,
possibilidade de adequação das normas às necessidades específicas de cada caso
concreto, neutralidade do tribunal arbitral, expertise dos árbitros, rapidez e
confidencialidade do processo.
Este estudo cumpre demonstrar como a possibilidade de resolução de
conflitos por meio do instituto da arbitragem comercial internacional, revestida das
qualidades mencionadas no parágrafo supra, é uma vantagem atrativa ao
estrangeiro que pretende investir em empresas brasileiras, mas que é desestimulado
pelo que se tratará nesta tese como Risco-Brasil, bem como pelo receio de
submeter suas disputas contratuais ao Judiciário brasileiro.
Esta tese foi dividida em três capítulos e uma conclusão. No primeiro capítulo,
são abordadas as formas não jurisdicionais de solução de conflitos e,
principalmente, o instituto da arbitragem como tal, considerando, inclusive, sua
evolução histórica, desdobramentos, classificações e princípios norteadores, mas,
principalmente, seu reconhecimento no Brasil. No segundo capítulo, é apresentada a
arbitragem sob o aspecto internacional, retratando-se, além das características
específicas do procedimento e tribunal arbitrais internacionais, como são produzidos,
em território brasileiro, os efeitos da arbitragem internacional. No terceiro e último
capítulo, há indicação e explicação dos benefícios e aptidão da arbitragem comercial
internacional para o investidor estrangeiro, bem como demonstração de como essa
via legal garante maior segurança jurídica para o estrangeiro que pretende investir
17
no Brasil. Na conclusão, retoma-se, de forma sucinta, o que foi discutido ao longo do
trabalho, mencionando-se a possível contribuição deste estudo, especialmente no
que se refere à segurança jurídica, e a esperança de maior aplicabilidade da
arbitragem como meio de resolução de conflitos.
18
1 FORMAS NÃO JURISDICIONAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
A princípio, convém dispor que, além da arbitragem, costuma-se estabelecer
algumas modalidades de solução de conflitos não jurisdicionais, ou seja, que fazem
às vezes de jurisdição, porque solucionam conflitos, mas não são jurisdição
propriamente dita.
A primeira é a autotutela, por meio da qual um dos conflitantes impõe ao outro
a solução do conflito. Nesse caso, então, a solução é imposta pela força a um dos
conflitantes. É, por assim dizer, conduta ilícita, proibida, como, por exemplo, fazer
justiça com as próprias mãos, o que configura ilícito penal previsto no artigo 345 do
Código Penal.
Tal hipótese remete a tempos bárbaros, primitivos, de solução de conflitos; é
resquício de tempo histórico. Foi quase totalmente abolida, apesar de ainda
existirem espécies de autotutela lícitas, como, por exemplo: guerra, em alguns
casos; greve; desforço incontinenti (reação imediata que o possuidor pode ter diante
de uma violência à sua posse); legítima defesa; possibilidade de a administração
pública executar os próprios atos (poder público impõe uma solução ao particular
que tenha infringido regra administrativa, como estacionar em lugar proibido e,
consequentemente, ter o veículo guinchado).
A segunda modalidade é a autocomposição, que é a solução negocial do
conflito, denominada de “solução altruísta do conflito” ou “Alternative Dispute
Resolution”, por meio da qual os conflitantes chegam à solução do conflito
voluntariamente, e não pela força.
Esta segunda modalidade, a autocomposição, ao contrário da autotutela, é
incentivada, estimulada. Pode ser de duas formas: a) Extrajudicial, quando realizada
fora da esfera jurídica, fora do juízo; e b) Judicial, quando realizada em juízo.
Atualmente, é muito estimulada a solução de conflitos por meio da
autocomposição. Como exemplo, cita-se casos de separação, divórcio e inventário
19
consensuais que podem ser feitos pelo cartório, sem, portanto, haver necessidade
de se recorrer ao Judiciário. Um exemplo adicional que pode ser citado refere-se a
qualquer autocomposição extrajudicial que pode ser levada à homologação judicial
para que se torne título executivo judicial (artigo 475-N, inciso V do CPC).
Quando a autocomposição é judicial, ela é dividida em: a) transação: quando
ambos os conflitantes cedem um pouco, fazendo concessões recíprocas; b)
renúncia: quando o autor abdica a sua pretensão em favor do réu; e c)
reconhecimento da procedência do pedido: quando o réu abdica em favor do autor.
A terceira modalidade de solução de conflitos é a mediação, por meio da qual
um terceiro coloca-se entre os conflitantes para tentar fazer com que eles cheguem
à autocomposição. O terceiro tem o papel de facilitador da autocomposição.
Portanto, ele não decide nada; somente auxilia as partes, é interlocutor privilegiado.
Diferentemente da arbitragem, onde o terceiro decide, nesta modalidade o mediador
não pode opinar.
A quarta forma é a solução de conflitos por Tribunais Administrativos, sendo
que, atualmente, há uma série de tribunais administrativos que resolvem
controvérsias no âmbito administrativo. São soluções de conflitos por
heterocomposição, por um terceiro que julga e decide sobre os conflitos. É o tribunal
administrativo que decide a controvérsia. Entretanto, essa decisão não é definitiva,
uma vez que pode ser revista pelo Poder Judiciário.
Por esse motivo, os tribunais administrativos não exercem jurisdição, haja
vista sua atividade poder ser controlada pelo Poder Judiciário. A exemplo, cita-se:
Tribunais de Contas; Tribunais de Contribuintes; Juntas de Multas do Detran;
Tribunal Marítimo; Justiça Desportiva; e Agências Reguladoras – CADE.
A conciliação seria uma forma de exteriorização da vontade dos próprios
envolvidos no litígio para sua solução, sendo que, no direito positivo pátrio, o Código
Civil, em seu artigo 840, dispõe da transação, como forma de conciliação, ao
20
estabelecer que “é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio
mediante concessões mútuas”.
A conciliação pode ser: a) Extrajudicial: celebrada fora do processo e sem a
participação do Estado-juiz - entretanto, nada impede que o acordo seja levado à
homologação judicial, passando a ter, portanto, feição de “título executivo judicial”,
ou seja, similar à sentença proferida pelo próprio Estado-juiz (artigo 475-N, inciso V,
do Código de Processo Civil); e b) Judicial: realizada na presença do Estado-juiz,
caracterizando-se como título executivo judicial.
Sobre o tema, Cândido Rangel Dinamarco afirma que, por motivos culturais e
justiça centralizada nas mãos do Estado, seriam os responsáveis por estabelecer o
monopólio estatal da jurisdição. O autor explica que
a absorção estatal do poder de solucionar conflitos interindividuais deu-se mediante a instauração das cognitiones extra ordinem, que ingressaram no sistema processual romano por volta do séc. III DC. Passou-se do sistema conhecido por ordo judiciorum privatorum, em que o julgamento era feito pelo judex, cidadão privado e verdadeiro árbitro, para um sistema em que o próprio proctor passou a instruir o processo e julgar a causa. Esse movimento, que correspondia à afirmação do poder estatal antes insuficiente para impor-se aos particulares com a marca da inevitabilidade (o processo era um contrato entre as partes), foi o grande responsável pelo mito da exclusividade do Estado e da sua jurisdição como meio de solução de conflitos.1
Esse movimento mencionado pelo autor gerou conotações próprias à
jurisdição, principalmente de imperatividade e inevitabilidade, ausentes nos demais
meios de solução de conflitos, inclusive com a legitimidade para o uso da força
física. Como exemplo, cita2 “a atitude corporativista de entidades desportivas que
proíbem e punem as tentativas de solução jurisdicional de conflitos envolvendo
atletas ou associações”. Observa que somente se poderia falar em monopólio ou
exclusividade estatal quanto aos meios de solução de conflitos interindividuais ou
transidindividuais, sendo que melhor seria se não houvesse a necessidade de tutela
alguma sobre as pessoas e que todos cumprissem suas obrigações, sem a 1 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume I, 6ª edição. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 121-128. 2 Idem, ibidem, p. 121-128.
21
ocorrência de danos ou, sequer, apresentação de pretensão infundadas. Adiciona
que, como esse ideal é utópico, faz-se necessário pacificar as pessoas de forma
eficiente, eliminando-se os conflitos que as envolvem e fazendo justiça.
Cândido Rangel Dinamarco3 assevera que a renúncia ao bem é uma forma de
autocomposição, podendo variar os meios pelos quais o sujeito pode deduzir sua
pretensão ou se submeter à solução de um conflito. Além das soluções
juridicamente legítimas, estão aquelas atividades reunidas nos conceitos de
autocomposição e de heterocomposição, sendo que esses meios de solução de
conflitos podem ser materializados sem que qualquer processo judicial venha a ser
instaurado ou, ainda, durante a sua tramitação, gerando o seu encerramento, seja
de forma extraprocessual ou endoprocessual.
O autor4 observa que existe autocomposição quando os próprios sujeitos
envolvidos no conflito, ou um deles unilateralmente, encontram caminho apto à
pacificação. Explica que a autocomposição pode ocorrer de duas formas:
unilateralmente, nas modalidades de renúncia ou submissão - isto é, aquele que
deduziu uma determinada pretensão renuncia à ela, fazendo cessar o conflito até
então existente e pendente com o seu adversário, e, assim, renuncia a um direito e
determina a extinção do processo, bem como do próprio direito supostamente
existente (CPC, art. 269, inc. V, e art. 794. inc. III); ou unilateralmente, quando
aquele que promove a resistência à pretensão deduzida resolve submeter-se a ela
e, nessa hipótese, reconhece o pedido deduzido e, quando homologado pelo juiz,
determina a extinção do processo sem que haja necessidade de o juiz julgar a causa
(CPC, art. 269, inc. II).
Tais formas de autocomposição unilateral5 mostram-se legítimas, porque de
natureza altruísta, resolvendo-se em atos de disposição de direitos ou interesses, ao
contrário do que ocorre com a autotutela, como espécie egoísta de autocomposição
unilateral, antissocial e incivilizada, razão pela qual, em princípio, a lei proíbe sua 3 Idem, ibidem, p. 121-128. 4 Idem, ibidem, p. 121-128. 5 Idem, ibidem, p. 121-128.
22
prática (art. 345, Código Penal - crime de exercício arbitrário das próprias razões).
Todavia, existem casos excepcionados pela própria legislação pátria nos quais a lei
autoriza a autotutela, como, por exemplo, o desforço imediato em conflitos
possessórios (CC. art. 1.210, § 1º), caracterizando, na verdade, atos de preservação
de direitos.
Por sua vez, assevera Cândido Rangel Dinamarco6, a autocomposição
bilateral ocorre com a transação em que há mútuas concessões (CC., art. 840) e,
portanto, participa, ao mesmo tempo, da natureza da renúncia e da submissão.
Cada um dos sujeitos promove, de forma parcial, a disposição de seus próprios
interesses, envolvendo, para tanto, direitos e interesses de natureza patrimonial do
próprio titular, sem projeções significativas sobre outras pessoas ou agrupamentos,
tampouco direitos e interesses de pessoas incapazes ou que atinjam o interesse
público, o que se extrai do artigo 841 do Código Civil. É oportuno registrar que esse
dispositivo legal não possui toda a amplitude que dele se poderia retirar a uma
primeira vista, pois, atendidas certas exigências substanciais e formais, também aos
entes públicos é permitido transigir, como se dá nos termos de ajustamento de
conduta, quando a própria lei admite certas formas de transação em matéria não-
patrimonial, como o acordo para a separação consensual ou para a conversão da
litigiosa em consensual (CPC., Art. 447, par., e art. 1.123), ou, ainda, na
quantificação do valor dos alimentos devidos ao filho.
A autocomposição pode ser espontânea ou induzida. É espontânea quando
parte dos próprios conflitantes, sem a intervenção de um terceiro, ao passo que a
autocomposição induzida ocorre mediante a participação de um terceiro,
denominado de conciliador ou mediador.
Cândido Rangel Dinamarco7 leciona que a palavra composição encontra-se
também embutida nos vocábulos autocomposição e heterocomposição, sendo que,
nesse sentido, citando Francesco Carnelutti, sustenta que “Compor a lide significaria
6 Idem, ibidem, p. 121-128. 7 Idem, ibidem, p. 121-128.
23
criar a norma que a resolve. Todavia, o juiz não compõe a lide nesse sentido, ou
seja, ele não cria a norma do litígio: reconhece sua existência e revela os direitos e
obrigações eventualmente emergentes dela no caso concreto (supra, nº 5 - os dois
planos do ordenamento jurídico).”. Argumenta o citado autor que a composição
realizada pelo juiz, a heterocomposição, ou aquela realizada pelos próprios
litigantes, a autocomposição, não proporcionam a fixação, tampouco a criação de
normas, porém produzem resultados práticos e socialmente úteis, de efeitos
concretos, por meio dos quais haveria a atribuição de bens ou a fixação ou vedação
de condutas, com a consequente eliminação do conflito e pacificação do litígio.
Portanto, nessa hipótese, não se estabeleceriam normas para dirimir a contenda,
mas haveria a própria solução concreta do conflito, produzindo, em alguns casos,
em vista da inexistência de preocupação com a aplicação da norma, resultados
melhores que os da jurisdição estatal. Por isso, o autor considera legítimo falar em
meios parajurisdicionais, principalmente aqueles exercidos em juízo arbitral.
A conciliação, outra forma de solução de conflitos, ocorre quando um terceiro,
estranho à contenda, interage entre os litigantes a fim de levá-los à autocomposição.
Quando celebrada antes do processo, com o evidente intuito de evitá-lo, é
denominada de conciliação extraprocessual, e quando ocorre no curso do processo,
de conciliação judicial.
A conciliação extraprocessual é capaz de induzir os litigantes à renúncia, à
submissão ou à transação e, materializada uma dessas hipóteses, pode ser
encaminhada para a homologação judicial, atribuindo-se-lhe eficácia de título
executivo (artigo 57 da Lei nº 9.099/95 e artigo 475-N, inciso V, do Código de
Processo Civil).
Cândido Rangel Dinamarco8 finaliza, asseverando que as vantagens dessas
soluções alternativas consistem, principalmente, em evitar as dificuldades que
dificultam a tutela jurisdicional, isto é, os custos do processo, como, por exemplo:
taxas judiciárias, honorários de advogados, perícias etc.; excessiva duração
8 Idem, ibidem, p. 121-128.
24
temporal do processo; formalismo processual (o necessário cumprimento das formas
processuais). Essas vantagens também são indicadas em prol da arbitragem,
referindo-se ao melhor conhecimento do tema por árbitros especializados; ao menor
apego à rigidez da lei para que possa optar pelo juízo de equidade (CPC, art. 1.075,
inc. IV); e a ausência de publicidade a fim de respeitar a privacidade ou os segredos
empresariais.
Cassio Scarpinella Bueno9, por sua vez, ao discorrer sobre os meios
alternativos de solução de conflitos, enfatiza a existência de projeto de lei a
regulamentar a mediação e ressalta a iniciativa do Conselho Superior da
Magistratura do Egrégio Tribunal de Justiça, que editou o Provimento n. 783/2002,
criando o “Plano Piloto de Conciliação em segundo grau de jurisdição”. Conforme
esse plano, tal mediação contará com conciliadores. Estes devem trabalhar sem
remuneração, sendo selecionados entre aposentados do Ministério Público e
Procuradores do Estado, professores universitários e advogados com ampla e
reconhecida experiência. O autor elogia a iniciativa, por considerar que ela “vai ao
encontro dos anseios das vias alternativas de resolução de conflitos”.
A exemplo de Cassio Scarpinella Bueno, que tratou sobre os meios
alternativos de solução de litígios não jurisdicionais, Elpídio Donizetti10, por sua vez,
argumenta que a tutela jurisdicional não constitui o único meio de eliminação de
conflitos. Salienta que a jurisdição seria, ou deveria ser, a última alternativa para a
pacificação social de conflitos, movimentada para a solução da contenda somente
quando em razão da natureza da relação jurídica ou por imposição legal. Para o
autor, o ideal, mas ao mesmo tempo utópico, seria a total desnecessidade de se
impor alguma forma de tutela às pessoas, bem como que todos tivessem a
consciência de cumprir suas obrigações sem causar danos, ou, tampouco, com
deduções de pretensões protelatórias e contrárias ao direito.
9 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Teoria Geral do
Direito Processual Civil. Volume 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 47-49. 10 DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 14ª edição. São Paulo: Editora
Atlas, 2010, p. 30-33.
25
Elpídio Donizetti, citando Cândido Rangel Dinamarco, assevera que
(...) melhor seria se não fosse necessária tutela alguma às pessoas, se todos cumprissem suas obrigações e ninguém causasse danos nem se aventurasse em pretensões contrárias ao direito. Como esse ideal é utópico, faz-se necessário pacificar as pessoas de alguma forma eficiente, eliminando os conflitos que as envolvem e fazendo justiça. O processo estatal é um caminho possível, mas outros existem que, se bem ativados, podem ser de muita utilidade. 11
Outro aspecto levantado pelo autor é que a função de pacificar conflitos de
interesses não é uma atribuição exclusiva do Poder Judiciário, pois tal competência
também é estendida a determinados órgãos administrativos, os quais apreciarão
litígios relativos a matérias previamente previstas em lei ou na própria Constituição
Federal. Enfatiza que, apesar de constituir forma de heterocomposição, a decisão
por órgão administrativo não possui definitividade, sujeitando-se, portanto, ao
controle jurisdicional e sustentando, em razão de tal situação, sua mera equivalência
à função jurisdicional. Ilustra esse aspecto com os exemplos: “Um desses órgãos
administrativos é o Tribunal de Contas, órgão auxiliar do Poder Legislativo, com
competência para julgar as contas prestadas pelos administradores públicos (art. 71
da CF);” e “Outro órgão administrativo que exerce função jurisdicional - aqui
entendida como a competência para decidir conflitos - é a Justiça Desportiva (art.
217 da CF), que julgará litígios relacionados à disciplina e competições
desportivas”.12
O autor13 também assevera que, da mesma forma, ocorrerá composição
heterônoma dos conflitos nos casos de atuação das Agências Reguladoras -
entidades autárquicas, responsáveis pela regulação da atividade econômica -, uma
vez que possuem competência para solucionar conflitos decorrentes de atividade
econômica que se sujeite à sua atividade reguladora. Cita, como exemplo, o CADE –
“Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autarquia com função judicante
para os conflitos envolvendo inflação à ordem econômica (Lei n2 8.884/94, art. 32)”.
11 Idem, ibidem, p. 30-33. 12 Idem, ibidem, p. 30-33. 13 Idem, ibidem, p. 30/33.
26
Neste item, foram abordadas as formas não jurisdicionais de conflitos. A
seguir, apresentar-se-á o tema arbitragem.
1.1 A arbitragem como forma não jurisdicional de solução de conflitos
Nesta parte, será apresentado o tema arbitragem como forma não
jurisdicional de solução de conflitos, abrangendo o conceito da arbitragem, sua
evolução histórica, seus desdobramentos e classificação, bem como os diversos
princípios gerais da arbitragem.
1.1.1 Conceito
A arbitragem é uma das várias formas de solução de conflitos. Caracteriza-se
quando partes capazes elegem um particular, denominado de árbitro, para
solucionar uma controvérsia que envolva direitos disponíveis, proferindo, ao final,
uma sentença arbitral. Esta terá efeitos similares àquela proferida pelo Estado-juiz,
obrigando as partes que a convencionaram.
Em tal contexto, é possível afirmar que a arbitragem é uma forma alternativa
para dirimir ou solucionar contendas, isto é, conflitos entre particulares que
outorgam, por meio de uma cláusula contratual, verdadeiros poderes para que uma
pessoa, ou um grupo de pessoas, possam, sem a necessidade de intervenção
estatal, mas, todavia, assumindo tal feição, ou seja, com a mesma eficácia da
sentença judicial, apreciar conflitos relativos a direitos patrimoniais, disponíveis.
É possível asseverar, da mesma forma, que a arbitragem configura um
mecanismo de natureza privada para a solução de litígios, por intermédio do qual um
terceiro, eleito pelos particulares em conflito, profere uma decisão a ser cumprida
por tais litigantes, tendo, portanto, na realidade, característica de impositividade da
solução arbitral. Diferencia-se, assim, da mediação e da conciliação, pois nestes não
há decisão a ser imposta às partes, uma vez que o mediador, ou conciliador,
dependendo do caso, apenas limita-se a oferecer, sem qualquer poder vinculante,
uma mera sugestão.
27
Carlos Alberto Carmona14 define o conceito de arbitragem como uma forma alternativa de solução de controvérsias por meio da qual haverá a intervenção de
uma ou mais pessoas (árbitros). Em outras palavras, um juízo arbitral dotado de
poderes em razão de uma convenção privada e, com base nela, proferida sua
decisão no caso concreto, sem intervenção do juízo estatal, decisão essa que terá a
mesma eficácia da sentença judicial. A arbitragem encontra-se à disposição de
quem quer que seja, mas é limitada à solução de conflitos que envolvam direitos
patrimoniais de natureza disponível. Trata-se de meio privado de solução de litígios,
por meio do qual um terceiro, eleito pelos litigantes, impõe uma decisão a ser
cumprida pelas partes.
O autor15 assevera que a característica da impositividade da solução arbitral a
diferencia da mediação e da conciliação, que são meios autocompositivos de
solução de litígios, uma vez que, nestas últimas, não há decisão a ser imposta às
partes pelo mediador ou conciliador, que se limitam à mera sugestão, sem poder
vinculativo. Assim, é possível afirmar que a arbitragem é meio alternativo de solução
de controvérsias, tomando-se como referência o processo estatal - meio
heterocompositivo mais empregado para dirimir conflitos. Enfatiza que Carnelutti
designou a arbitragem como meio que equivale à jurisdição, pois a jurisdição
somente poderia ser exercida pelo Estado, e o juízo arbitral apenas seria
semelhante ao método estatal de composição de lides.
Carlos Alberto Carmona salienta que a denominação "meios alternativos"
encontra-se sob ataque, na medida em que uma visão mais moderna do tema
aponta meios (mais) adequados de solução de litígios, não necessariamente
alternativos, pois, na verdade, é razoável pensar que as controvérsias tendam a ser
resolvidas. Em um primeiro momento, pelas próprias partes interessadas
(negociação, mediação, conciliação) e somente em caso de fracasso desse diálogo
primário (método autocompositivo), os conflitantes recorreriam às fórmulas
heterocompositivas (processo estatal, processo arbitral). Nesse sentido, também 14 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. São Paulo:
Editora Atlas. 3ª edição, 2009, p. 31-34. 15 Idem, ibidem, p. 31-34.
28
enfatiza que “os métodos verdadeiramente alternativos de solução de controvérsias
seriam os heterocompositivos (o processo, seja estatal, seja arbitral), não os
autocompositivos (negociação, mediação, conciliação)”. Para se evitar tal
contradição, melhor seria a referência a métodos adequados de solução de litígios,
em vez de denominá-los de métodos alternativos.16
O autor17 esclarece que a arbitragem, a conciliação e a mediação não se
confundem, pois a arbitragem tem como finalidade a obtenção de uma solução
apresentada por terceiro imparcial, ao passo que a conciliação e a mediação têm por
fim a celebração de um acordo. Desta forma, quanto à arbitragem, há três variações:
na primeira, os litigantes estabelecem as bases para uma mediação, o que autoriza
o mediador a funcionar como árbitro, inclusive proferindo uma decisão com efeito
vinculante; na segunda, denominada “high-low arbitration”, os litigantes estabelecem
limites para o exercício da autoridade pelo árbitro, o que objetiva reduzir os riscos de
laudo arbitral inaceitável; e na terceira, as partes estabelecem uma arbitragem sem
efeito vinculante, uma vez que, se a decisão mostrar-se razoável aos litigantes, eles
a cumprirão; caso contrário, poderão utilizar a decisão arbitral em suas negociações
futuras.
Ainda nesta mesma linha de considerações, Cassio Scarpinella Bueno18
dispõe que a arbitragem é a forma alternativa de solução de conflitos mais difundida
no direito brasileiro da atualidade e que, com a edição da Lei nº 9.307/1996, houve a
criação de uma lei extravagante de direito processual civil que disciplina a
arbitragem no direito brasileiro. Essa lei somente permite a utilização da arbitragem
por pessoas que possuem capacidade para contratar, e submeterão seus conflitos
contratuais, de natureza patrimonial disponível, à apreciação de um terceiro. O autor
enfatiza, ainda, que
(...) o STJ tem sustentado, corretamente, ser viável a arbitragem para dirimir conflitos que envolvem questões contratuais relacionadas a sociedades de
16 Idem, ibidem, p. 31-34. 17 Idem, ibidem, p. 31-34. 18 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Teoria Geral do
Direito Processual Civil. Volume 1, São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 46-47.
29
economia mista exploradoras de atividade econômica (STJ, 1ª Seção, MS 11.308/DF, rel. Min. Luiz Fux, j.un. 9.4.2008, DJe 19.5.2008). Tanto assim que se no curso da arbitragem surgir alguma questão relativa a direito indisponível que diga respeito à matéria em discussão, o árbitro ou os árbitros terão que aguardar o desfecho daquela pendência perante o Poder Judiciário para proferir sua decisão (art. 25 da Lei n. 9.307/1996).
A arbitragem, portanto, só pode ser constituída por pessoas capazes, aptas
ao exercício de direito e deveres na ordem civil, que podem escolhê-la como forma
de solução de conflitos. Tem por objeto direitos disponíveis, isto é, direitos que
admitem negócios que podem ser objeto de transação.
A opção pela arbitragem é exercício pela autonomia privada, sendo sua fonte
meramente negocial. Por consequência lógica, está intimamente relacionada à
autonomia privada. Por outro lado, é possível a existência de arbitragem trabalhista,
inclusive com previsão constitucional. Atualmente, fala-se em arbitragem no campo
do direito administrativo, desde que prevista em lei, envolvendo pessoa jurídica de
direito público. Parcerias público-privadas, por exemplo, podem ser resolvidas por
arbitragem. Nesse sentido, tramita, atualmente, no Congresso Nacional, o Projeto de
Lei nº 7.108/2014, que altera a Lei de Arbitragem – tema este que será tratado mais
especificamente no item 1.3.7 desta tese.
Por fim, é necessário ressaltar a denominada cláusula arbitral escalonada, por
meio da qual os contratantes celebram o negócio jurídico e nele inserem uma
cláusula, prevendo a solução de eventual conflito, seja por meio de mediação ou de
outro meio alternativo. Caso não seja alcançada uma solução, então será instaurada
a arbitragem. Carmona apresenta a seguinte observação quanto à mencionada
posição doutrinária:
Refiro-me à cláusula arbitral escalonada, segundo a qual as partes avençam que se submeterão a procedimento de mediação (ou de conciliação, conforme seja o caso) e, não chegando a um acordo, instaurarão desde logo a arbitragem.19
19 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.
São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 34-35.
30
1.1.2 Evolução histórica da arbitragem
A evolução da história da arbitragem indica que ela é uma das formas de
solução de conflitos mais antigas do mundo, remontando à Antiguidade e à Idade
Média, pois representava um caminho para se evitar um confronto bélico entre
Estados diferentes, conforme observa Luiz Fernando do Vale de Almeida
Guilherme20, em breve histórico da arbitragem. O autor nota, também, que Platão
teria dissertado sobre a existência de juízes eleitos terem o condão de promoverem
proferida uma decisão mais justa.21
No Brasil, apesar de pouco divulgada, a arbitragem é regulada desde os
tempos da colonização portuguesa, sendo que a Constituição Imperial de 1824, em
seu artigo 160, dispunha sobre o Juízo Arbitral. Destaca-se, também, o
Regulamento 737.
O Regulamento 737, também de 1850, exigia o Juízo Arbitral para a solução das causas comerciais em seu art. 411. Já em 1866 a Lei 1.350, de 14 de setembro, revogou os dispositivos que privilegiavam a solução arbitral, criando um verdadeiro desuso sobre a aludida instituição.22
O antigo "juízo arbitral" era pouco utilizado no Brasil, indicando ressalva aos
antigos Juizados de Pequenas Causas, ao passo que o Código Comercial de 1850 –
que estabelecia, em seu artigo 294, a obrigatoriedade de se instaurar a arbitragem
nas contendas entre sócios e sociedades comerciais durante a existência de
sociedade ou companhia, em sua liquidação ou partilha -, em parte ainda vigente,
tinha instituído o juízo arbitral, de forma obrigatória, nos litígios que envolvessem
casos de locação mercantil (artigo 245), bem como nas alusivas à liquidação de
20 GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual de Arbitragem, 2ª edição. São Paulo:
Editora Método, 2007, p. 34-35. 21 “Que os primeiros juízes sejam aqueles que o demandante e o demandado tenham eleito, a que o
nome de árbitros convém mais que o de juízes; que o mais sagrado dos Tribunais seja aquele em
que as partes tenham criado e eleito de comum acordo.” (Platão, De legibus, Livros 6 e 12, citado na
nota de rodapé no. 12 em: GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual de Arbitragem.
2ª edição. São Paulo: Editora Método, 2007, p. 34-35). 22 GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual de Arbitragem. 2ª edição. São Paulo:
Editora Método, 2007, p. 34-35.
31
sociedade comercial (artigo 294). Todavia, tal obrigatoriedade, prevista no Código
Comercial, foi revogada pela Lei n. 1.350, de 14 de setembro de 1866, tendo sido,
logo após, pelo Decreto n. 3.900, de 26 de junho de 1867, regulamentado o juízo
arbitral facultativo nas causas comerciais.23
Em âmbito internacional, o Brasil aderiu ao Protocolo de Genebra em 1923,
incorporado e reconhecido pelo ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto 21.187, de
22.03.1932. O referido protocolo fixava a validade de compromissos ou cláusulas
compromissórias, por meio das quais as partes litigantes ficavam obrigadas, com o
apoio de um instrumento contratual, em matéria comercial ou outra que poderia ser
submetida à arbitragem, ainda que a arbitragem vinculasse um país de jurisdição
diferente. Além de ter se vinculado ao Protocolo de Genebra, em 1923, e da
instauração dos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973, que adotaram a
possibilidade de solução de litígios pelo Juízo Arbitral, o Brasil aderiu à Convenção
Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, assinada no Panamá em
1975.24
1.1.3 Desdobramentos e Classificação da Arbitragem
É possível conceituar a arbitragem como uma das várias formas de solução
de conflitos, que se caracteriza quando partes capazes elegem um árbitro, ou um
juízo arbitral, para solucionar controvérsia que envolva direitos disponíveis.
A arbitragem é o acordo de vontades entre pessoas maiores e capazes que,
preferindo não se submeter à decisão judicial, confiam a árbitros a solução de
litígios, desde que relativos a direitos patrimoniais disponíveis.25
As características da arbitragem, consoante arrolado no conceito acima
mencionado, são extraídas do próprio artigo 1º da Lei 9.307, de 23 de setembro de 23 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 18ª edição. São Paulo: Editora Saraiva,
2012, p. 81-82. 24 Idem, ibidem, p. 34-35. 25 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 2ª edição. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 824.
32
1996. Dispõe sobre a arbitragem, estabelecendo: “As pessoas capazes de contratar
poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis.” Todavia, não se pode omitir que a arbitragem é instituição que
excepciona o princípio do livre acesso à justiça, também denominado de princípio da
inafastabilidade da jurisdição. Assim sendo, pela arbitragem as partes permitem que
o árbitro promova a “pacificação do conflito”, impondo-lhes a solução que, no seu
juízo, entendem como sendo a mais razoável.
Cláudio Lembo26, ao discorrer sobre o tema, esclarece que o acesso ilimitado
ao Poder Judiciário passou a sofrer mitigação a partir da vigência da Lei Marco
Maciel, que instituiu o juízo arbitral (Lei nº 9.307, de 1996). Com a referida lei,
quando convencionado em instrumento contratual, as partes, evolvendo a questão a
meros direitos disponíveis, renunciariam à solução do conflito pelo Poder Judiciário,
tema esse submetido a uma longa análise do Pretório Excelso, que, ao final, julgou
constitucional a cláusula compromissória que tem o condão de conferir à sentença
arbitral efeitos similares à sentença judicial - inclusive com a atribuição de
irrecorribilidade.
Registre-se, ainda, que, existindo expressa disposição acerca da vinculação
do contrato à arbitragem como forma de solução de conflitos, as partes contratantes,
sob pena de criarem instabilidades à relação jurídica, não podem tentar alegar
ausência de intenção na participação e submissão ao juízo arbitral, sob pena
também de inegável ofensa ao princípio do venire contra factum proprium, ou seja,
ao princípio da vedação de comportamento contraditório.
O referido princípio caracteriza-se pela existência de uma conduta inicial,
geradora de legítima confiança, com posterior comportamento contraditório
divergente da conduta inicial e que culmina com um prejuízo, concreto ou potencial,
extraído dessa contradição. Portanto, o princípio proíbe a prática de um
comportamento contraditório a uma conduta inicial que teria gerado uma determi-
26 LEMBO, Cláudio. A Pessoa - Seus Direitos. 1ª edição. Editora Manole: São Paulo, 2007, p. 208-
209.
33
nada expectativa à outra parte. Dessa forma, veda a prática de atos incoerentes e
que contradizem uma conduta anterior iniciada pela mesma pessoa, capaz de
frustrar as legítimas expectativas de terceiros.
Ainda sobre o referido princípio, é possível afirmar que ele é a exteriorização
da proibição de comportamento contraditório, pois demonstra que a obrigação deve
ser cumprida e revestida por um comportamento conforme a boa-fé objetiva, o senso
ético esperado de todos. Então, a prática de um comportamento contraditório seria
uma modalidade de abuso de direito, decorrente da violação ao princípio da
confiança que, por sua vez, decorre da boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil). 27
Nesse sentido, não é admissível, em tal contexto, atentar contra factum
proprium, pois resta clara a proibição de venire contra factum proprium que, na
realidade, protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição
jurídica que seja incoerente, ou contraditória, quanto ao comportamento previamente
assumido. Sobre esta questão, vale citar a seguinte explicação de Carlos Alberto
Carmona:
O Colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu, conforme o v. Acórdão, em parte transcrito, proferido em Recurso Especial nº 95.539/SP, de relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª (Quarta) Turma, julgado em 03.09.1996 e publicado em 14.10.1996, que o direito moderno não contempla o venire contra factum proprium, que se traduz como o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente (Menezes Cordeiro, Da Boa-fé no Direito Civil, 11/742).28
O referido v. decisório enfatizou, também, que
Havendo real contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à conduta posterior (Resposta no. 95539-SP Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar).29
27 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, Parte Geral e LINDB,
Volume 1, 10ª edição. Editora JusPodivm, 2012, p. 687-688. 28 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.
São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 38-44. 29 Idem, ibidem, p. 38-44.
34
Neste item, foram apresentados os desdobramentos da arbitragem; mais
especificamente, como diversos autores discorrem sobre o princípio da arbitragem.
Apresenta-se, como próximo passo, as diversas formas que podem ser utilizadas
para se classificar a arbitragem30 - a saber: facultativa e obrigatória; formal e
informal; de direito e de equidade; ad hoc e institucional; e interna e internacional,
conforme detalhado a seguir.
1.1.3.1 Arbitragem facultativa e arbitragem obrigatória
A arbitragem facultativa ou voluntária é aquela que decorre da vontade das
partes. Vale salientar que o direito positivo somente admite a arbitragem quando
escolhida livremente pelas partes como meio para a solução do conflito. No Brasil,
em regra, a arbitragem é facultativa.
Por sua vez, a arbitragem obrigatória é aquela em que a lei impõe a
instauração da arbitragem como meio para solucionar o conflito, não permitindo às
partes qualquer outro meio.
Tal forma de arbitragem, em tese, não é admitida no ordenamento jurídico
pátrio, conforme exegese do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de
1988, que dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito.”, ou seja, o princípio da inafastabilidade de jurisdição proíbe a
arbitragem imposta pela lei.
Entretanto, existe a exceção de conflitos entre agentes da Câmara de
Comercialização de Energia Elétrica – CCEE e a CCEE, que envolverem direitos
disponíveis, nas hipóteses do artigo 58 da Resolução Normativa nº 109/2004-
ANEEL. In verbis:
Art. 58. Os Agentes da CCEE e a CCEE deverão dirimir, por intermédio da Câmara de Arbitragem, todos os conflitos que envolvam direitos disponíveis,
30 Idem, ibidem, p. 38-44.
35
nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, nas seguintes hipóteses:
I – Conflito entre dois ou mais Agentes da CCEE que não envolva assuntos sob a competência direta da ANEEL ou, na hipótese de tratar, já tenha esgotado todas as instâncias administrativas acerca do objeto da questão em tela;
II – Conflito entre um ou mais Agentes da CCEE e a CCEE que não envolva assuntos sob a competência direta da ANEEL ou, na hipótese de tratar, já tenha esgotado todas as instâncias administrativas acerca do objeto da questão em tela; e
III – sem prejuízo do que dispõe cláusula específica nos CCEARs, conflito entre Agentes da CCEE decorrente de Contratos Bilaterais, desde que o fato gerador da divergência decorra dos respectivos contratos ou de Regras e Procedimentos de Comercialização e repercuta sobre as obrigações dos agentes contratantes no âmbito da CCEE. Parágrafo único. A Convenção Arbitral é parte integrante desta Convenção de Comercialização, bem como obrigatória a todos os agentes da CCEE e à CCEE, conforme disposto nos §§ 5º, 6º e 7º do art. 5º da Lei nº 10.848 , de 2004. (Redação dada pela REN ANEEL 348, de 06.01.2009.)
A Convenção Arbitral a que se refere o parágrafo único supra regulamenta o
procedimento arbitral das hipóteses do artigo 58 e foi homologada pela Resolução
Homologatória nº 531, de 7 de agosto de 2007, da Agência Nacional de Energia
Elétrica – ANEEL.
1.1.3.2 Arbitragem formal e informal
Diz-se que a arbitragem é formal no sentido de que devem ser obedecidas
determinadas regras para sua regular instauração. Cita-se como exemplos:
obediência à forma escrita; discussão apenas sobre direitos patrimoniais
disponíveis; observância do devido processo legal; entre outros.
A arbitragem no Brasil regra-se pelos princípios contratualistas,
principalmente pela função social do contrato, vez que assegura direitos e deveres
como ferramentas de preservação dos interesses dos contratantes e,
principalmente, do interesse social, em busca de uma solução justa à contenda.
A arbitragem informal não se sujeita a qualquer prescrição prevista em lei,
possuindo forma livre e, por consequência, não possuindo todas as garantias
36
estabelecidas pela legislação extravagante. Podem ser mencionados os exemplos:
garantia da coisa julgada; valor de título executivo judicial; entre outros.
1.1.3.3 Arbitragem de direito e de equidade
A classificação dessa arbitragem é baseada no critério utilizado pelo árbitro
para dirimir a questão que lhe é apresentada.
A arbitragem de direito é aquela em que o árbitro está vinculada ao direito
positivo, ou seja, deve aplicar as regras previstas na lei para a solução de conflitos.
A arbitragem por equidade, por outro lado, é aquela em que o árbitro pode utilizar
outros meios para a solução de conflitos, podendo, portanto, decidir segundo o seu
entendimento e senso de justiça, inclusive aplicando regras por ele formuladas.
Mas, pode o árbitro valer-se da equidade no direito brasileiro?
Acreditamos que a resposta seja positiva, pois, enquanto inexistir
mandamento legal hábil a dirimir a controvérsia, competirá ao árbitro aplicar dos
meios supletivos, quais sejam, costume, princípios gerais do direito e, ao final,
equidade.
Afirma-se que a arbitragem de direito e a arbitragem de equidade são
classificadas de acordo com o critério que o árbitro utilizar para resolver o conflito. A
primeira, ou seja, a arbitragem de direito, é aquela em que o árbitro resolve a
questão com a aplicação do direito positivo, ao passo que a segunda, a arbitragem
de equidade, é aquela em que o árbitro decide com o segundo seu entendimento de
justiça, isto é, aplicando regras por ele formuladas, cabendo registrar, segundo
ensinamento doutrinário que, na hipótese de solução pela equidade, “o árbitro
utilizará a lógica do razoável para decidir com a equidade”.31
31 Idem, ibidem, p. 40-41.
37
1.1.3.4 Arbitragem ad hoc e institucional
Fala-se em arbitragem “ad hoc” quando as próprias partes estabelecem as
regras para a arbitragem, sem a administração de uma instituição arbitral e seu
secretariado; contudo, respeitadas as disposições legais. Dessa forma, as partes
estabelecem, no contrato, as regras que o árbitro deverá utilizar para resolver a
contenda, mas sem deixar de lado as disposições estabelecidas pela legislação
vigente.
Do seu turno, a arbitragem institucional é aquela estabelecida por uma
instituição em específico, isto é, por tribunais, por cortes arbitrais devidamente
registradas e plenamente constituídas.
1.1.3.5 Arbitragem interna e internacional
A Lei de Arbitragem submete-se ao critério territorial para definir a arbitragem
em interna e estrangeira.
A arbitragem estrangeira, que será posteriormente abordada neste estudo, de
forma mais detalhada, é aquela em que a sentença arbitral foi proferida fora do
território brasileiro, ao passo que a arbitragem interna é aquela em que a sentença
arbitral foi proferida em território nacional.
1.1.4 Princípios Gerais da Arbitragem
Como base do instituto da arbitragem, alguns princípios, como o de regras
gerais, idealizam o procedimento arbitral. São as vigas mestras que sustentam a
justiça que deve ser garantida na arbitragem.
Segundo Nelson Nery Jr.32, esses princípios podem ser divididos em: (i)
princípio da autonomia da vontade; (ii) princípio da eleição da lei aplicável; (iii)
princípio da eleição da Lex Mercatoria; (iv) princípio do devido processo legal; (v)
32 NERY JR., Nelson. Código de Processo Civil e legislação processual extravagante. 11ª edição. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1526.
38
princípio do efeito vinculante da cláusula arbitral; (vi) princípio da inevitabilidade dos
efeitos da sentença arbitral; (vii) princípio da autonomia da cláusula compromissória;
e (viii) princípio da Kompetenz-Kompetenz, detalhados nos itens a seguir.
1.1.4.1 Princípio da autonomia da vontade
Segundo o princípio da autonomia da vontade, os sujeitos de direito capazes,
pessoas físicas ou jurídicas, instituem, livremente, a convenção de arbitragem,
elegendo: um árbitro em substituição ao Estado-Juiz; a legislação aplicável (nacional
ou estrangeira); o número de árbitros; o procedimento aplicável, se os árbitros
aplicarão as regras de direito ou de equidade; entre outros itens.
1.1.4.2 Princípio da eleição da lei aplicável
Segundo o princípio da eleição da lei aplicável, se não existir violação aos
bons costumes e à ordem pública, as partes que convencionaram a arbitragem
podem estabelecer a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, à lei nacional ou
internacional.
1.1.4.3 Princípio da eleição da Lex Mercatoria
A adoção da Lex Mercatoria, como conjunto de regras e princípios
costumeiros derivados da prática do comércio internacional e desenvolvidos para
subsidiá-lo, permite a aplicação, durante o procedimento arbitral: da jurisdição de
equidade; e dos princípios gerais de direito aos quais poderão ser aplicados na
solução da matéria submetida à arbitragem.
1.1.4.4 Princípio do devido processo legal
O princípio do devido processo legal é a garantia de que a escolha do
procedimento arbitral não poderá ofender as garantias constitucionais da igualdade,
do contraditório e ampla defesa, bem como do livre convencimento motivado dos
árbitros.
39
1.1.4.5 Princípio do efeito vinculante da cláusula arbitral
O princípio do efeito vinculante da cláusula arbitral é aquele que vincula as
partes submetidas à sentença arbitral, qualquer que seja o resultado da demanda.
1.1.4.6 Princípio da inevitabilidade dos efeitos da sentença arbitral
Segundo o princípio da inevitabilidade dos efeitos da sentença arbitral, a
sentença arbitral faz coisa julgada material (artigos 467 e 468 do Código de
Processo Civil) e constitui título executivo judicial (artigos 18 e 31 da Lei de
Arbitragem e artigo 475-N do Código de Processo Civil). Consequentemente, proíbe
a tentativa de sua discussão perante o Poder Judiciário.
1.1.4.7 Princípio da autonomia da cláusula compromissória
O princípio da autonomia da cláusula compromissória dispõe que qualquer
nulidade contratual não afetará a existência da cláusula compromissória, conforme
expressamente estabelece o caput do artigo 8º da Lei de Arbitragem.
1.1.4.8 Princípio da Kompetenz-Kompetenz
O princípio da Kompetenz-Kompetenz consagra que o árbitro é competente
para apreciar todas as questões relativas à arbitragem.
1.2 Natureza Jurídica da Arbitragem – Jurisdição – Polêmica
A questão relativa à natureza jurídica da arbitragem possui intensa polêmica.
Um dos posicionamentos sustenta que a arbitragem possui natureza jurídica
contratual, uma vez que os árbitros apenas dispõem sobre a questão de fundo da
controvérsia, ou seja, o direito material que está em conflito entre os contratantes,
subsumindo-se, portanto, à esfera privada da relação jurídica em litígio, cabendo ao
Estado-juiz promover sua executoriedade.
Outro posicionamento considera que a arbitragem seja a fonte de poder dos
árbitros, além de defender a semelhança do laudo arbitral à sentença proferida pelo
órgão jurisdicional.
40
Um terceiro posicionamento defende, por um lado, que a decisão proferida
pelo árbitro não é sentença, pois necessita de impulso do Estado-juiz para sua
executoriedade, bem como torna-se obrigatória, mas, por outro lado, sustenta que
tanto o árbitro quanto o Estado-juiz concorrem para a formação da decisão sobre o
conflito dirimido pela arbitragem. Em outras palavras, a sentença arbitral, para os
defensores dessa corrente, é formada tanto pelo laudo arbitral quanto pela decisão
ulteriormente proferida pelo Poder Judiciário.
Esses três posicionamentos quanto à natureza jurídica da arbitragem,
conforme mencionado, geram polêmica. A maior controvérsia, entretanto, reside na
discussão sobre a questão de a arbitragem ser ou não ser jurisdição.
Nélson Nery Júnior33 defende a ideia de que a arbitragem é jurisdição, pois o
árbitro aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existia entre as
partes. Para o ilustre professor, a arbitragem é instrumento de pacificação social, e
sua decisão é exteriorizada por meio de uma sentença, que possui qualidade de
título executivo judicial, inexistindo a necessidade de sua homologação pelo Poder
Judiciário.
Isto vem ao encontro do argumento defendido por Carlos Alberto Carmona34,
quando afirma que, nos termos do artigo 31 da Lei de Arbitragem, a decisão final
dos árbitros produzirá os mesmos efeitos da sentença estatal, constituindo a
sentença condenatória título executivo que, apesar de não proferida pelo Poder
Judiciário, assume a feição de judicial, pois a lei teria adotado a tese da
jurisdicionalidade da arbitragem, encerrando a atividade homologatória do juiz
estatal que dificultava a eficácia prática da arbitragem.
33 Idem, ibidem, p. 1531. 34 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.
São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 26-27.
41
O autor35 tece certas críticas no sentido de que ainda existirão processualistas
que não atribuirão atividade processual ao procedimento arbitral, tampouco
jurisdicional. Todavia, tal ideia não mais conduziria a uma imagem do Estado
onipotente e centralizador, o que, atualmente, é um mito que não deve ser cultivado.
Assim sendo, a lei dispôs que a sentença arbitral não possui mais a necessidade de
se submeter ao crivo e controle prévio do juiz-Estado, mas nada impede, entretanto,
que não seja possível questionar em juízo a validade e a eficácia da sentença
arbitral, consoante ao que a própria lei estabeleceu em seu artigo.
O autor36 salienta que o conceito de jurisdição encontra-se em “crise”, sendo
necessário adequar a técnica à realidade. Assevera, também, que a arbitragem,
apesar de sua origem derivada de uma relação contratual, deve observar a garantia
do devido processo e terminar por um ato do juízo arbitral - uma decisão que
assuma a feição de sentença judicial.
Se por um lado, o autor supracitado apresenta tal argumento, por outro há
autores que defendem que a arbitragem não é jurisdição. Dentre eles,
mencionamos: Luiz Guilherme Marinoni e Ada Pellegrini Grinover.
Athos Gusmão Carneiro37 nota que Ada Pellegrini Grinover argumenta a favor
de que o árbitro não é “o” juiz de fato e de direito, pois o árbitro é juiz no sentido de
35 Idem, ibidem, p. 26-27. 36 Idem, ibidem, p. 26-27. 37 “Ada Pellegrini Grinover, em parecer solicitado pela OAB/SP, frisou que a Lei n. 9.307/96 não utiliza
a expressão juiz arbitral, mesmo porque o árbitro não é juiz: "o árbitro decide, mediante sentença
arbitral, mas não é juiz. A expressão do art. 18 da Lei não afirma ser o árbitro um juiz. O árbitro e juiz
de fato e de direito, proclama o dispositivo, indicando apenas que o árbitro decide sobre o fato e o
direito. Pode parecer uma filigrana, mas não é: a lei não diz que o árbitro é ‘o' juiz de fato e de direito,
mas que é 'juiz de fato e de direito': juiz, no sentido de apreciar e decidir, mas não ‘o juiz’ que exerce
função jurisdicional. Tanto assim é, que a decisão arbitral não tem força coercitiva, pois a coerção é
própria do Estado: a sentença arbitral só pode ser executada pelo Poder Judiciário". Conclui a mestra
no sentido de que os árbitros não se podem autodenominar de "juízes", porque não o são.”
(CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 18ª edição. São Paulo: Editora Saraiva.
2012, p. 78 - Nota de rodapé no. 1).
42
decidir e apreciar, mas não exerce função jurisdicional, considerando que a
sentença arbitral não possui poder coercitivo, pois coerção é atividade típica do
Estado, cabendo ao Estado-juiz a execução da sentença arbitral.
O Ministro Athos Gusmão Carneiro38 aborda, com precisão, toda a
divergência existente acerca da natureza jurisdicional da arbitragem, a saber: “Joel
Dias Figueiredo Jr. sustenta que não existe impedimento algum a que o Estado
atribua a juízos privados o poder de dirimir conflitos em caráter definitivo, salvo nos
casos previstos em lei.” Em outro momento, menciona que Eduardo Arruda Alvim,
ao se reportar a Joel Dias Figueira Jr., “defende o caráter jurisdicional da arbitragem,
afirmando que não se trata propriamente de um "substitutivo da jurisdição" (neste
passo reformulando entendimento anterior), mas sim do exercício de jurisdição
privada”. Discorre, também, que “Alexandre Câmara nega ao arbitramento caráter
jurisdicional, entendendo que o árbitro, embora exerça função pública, não exerce
atividade jurisdicional”. Em seguida, reconhece que a arbitragem é um processo,
mas explica, ao mesmo tempo, que ela não é um processo jurisdicional porque “a
jurisdição é monopólio do Estado, não podendo ser exercida pelo árbitro, o qual é
um ente privado (Arbitragem. Lúmen Júris, 1997, p. II)”. O referido Ministro observa,
ainda, que a arbitragem, para Cândido Rangel Dinamarco, é “como um ‘meio
alternativo’ para a solução de conflitos, processando-se ‘fora do âmbito do exercício
do poder estatal pelo juiz’ (Instituições de direito processual civil. Malheiros Ed.,
2001, v. 111, n. 844)”. Aprofundando seu estudo, cita que “Teori Zavascki nega
peremptoriamente à arbitragem o caráter jurisdicional”, enquanto que, ao se referir a
Marinoni, salienta que, para ele, “não há qualquer motivo para equiparar a jurisdição
com a atividade do árbitro”, uma vez que “tal equiparação somente é forçada para
permitir a conclusão de que a Lei de Arbitragem é constitucional (Luiz Guilherme
Marinoni, estudo na rev. Jurídica, 373:24-5)”. Por fim, destaca que Carlos Alberto
Carmona, Nelson Nery Júnior e Humberto Theodoro Júnior sustentam o caráter
jurisdicional da arbitragem.
38 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 17ª edição. São Paulo: Editora Saraiva,
2010, p. 78-81.
43
Eduardo Arruda Alvim39, que se filia à natureza jurisdicional da arbitragem,
também enfatiza a existência da controvérsia quando esclarece que “Joel Dias
Figueira Jr., em posição que acompanhamos, defende o caráter jurisdicional da
arbitragem”. Assevera que Figueira Jr. não vislumbra qualquer problema para que o
Estado delegue aos juízes privados parcela do poder que detém para dirimir
conflitos, desde que observadas as limitações fixadas pela legislação. Alvim40
esclarece que “Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos entendem que a atividade do
árbitro constitui verdadeira atividade jurisdicional, tomada a jurisdição como um
conceito abstrato”. Por fim, enfatiza que entende como corretas as posições que
afirmam que a arbitragem tem natureza jurisdicional, pois, segundo seu
entendimento, não há, na realidade, uma substituição da jurisdição pela arbitragem,
mas verdadeira jurisdição privada.
No Informativo de Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça41,
Informativo nº 0522, Período: 1º de agosto de 2013, Segunda Seção, noticia-se que
é possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara
arbitral, uma vez que a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem
natureza jurisdicional. No que diz respeito à discussão relativa à natureza jurisdicional da
arbitragem, Cândido Rangel Dinamarco42 apregoa que a arbitragem é, ao menos,
uma atividade parajurisdicional exercida pelo árbitro, registrando que o crescimento
dos meios alternativos de solução de conflitos reforça a ideia da equivalência entre
eles e a atividade jurisdicional. Ressalta, entretanto, que, do ponto de vista prático,
existem diferenças notáveis, o que eliminaria a afirmada equivalência com a
jurisdição, pois apenas esta última tem como objetivo a atribuição de efetividade ao
ordenamento jurídico substancial, situação essa que extravasa a cognição dos
39 ALVIM, Eduardo Arruda. Direito Processual Civil. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p. 61. 40 Idem, ibidem, p. 61. 41 STJ - CC 111.230-DF. Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/05/2013. 42 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume I, 6ª edição. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 121-128.
44
chamados meios alternativos. Por outro lado, como relevante no exercício da
jurisdição em razão do aspecto social do proveito útil aos membros da sociedade,
enfatiza que também se encontra presente nos meios alternativos, uma vez que
representa a busca da pacificação social e da eliminação de conflitos de indivíduos e
grupos. Portanto, ao final do sistema processual, sugere a equivalência funcional
entre a pacificação estatal imperativa e outras atividades alternativas na busca dos
mesmos objetivos e da utilidade social. Conclui que “é legítimo considerar ao menos
parajurisdicionais as atividades exercidas pelo árbitro (infra, n. 365)”.
1.3 Enfoque Legal – Lei nº 9.307/96
A arbitragem, conforme já salientado, não mais se encontra prevista no
Código de Processo Civil, uma vez que foram revogados os artigos 1.072 a 1.102,
do Código de Processo Civil, que, até então, disciplinavam a matéria. Atualmente, a
arbitragem é regulada pela Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe,
exclusivamente, sobre o instituto. Antes da referida lei, a arbitragem existia no Brasil;
entretanto, era de pouca aplicabilidade, pois dependia, sobretudo, de homologação
judicial para que o seu respectivo laudo arbitral tivesse eficácia, e só a partir de
então haveria a sua convolação em título executivo judicial.
Com a criação da Lei de Arbitragem, tal homologação judicial deixou de ser
necessária, já que o seu artigo 31 dispõe que a sentença arbitral produz, entre as
partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do
Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.
A Lei de Arbitragem - Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 - foi
promulgada no Governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, sendo
dividida em seis capítulos: Capítulo I – artigos 1º e 2º - Disposições Gerais; Capítulo
II – artigos 3º a 12 – Da Convenção de Arbitragem e seus Efeitos; Capítulo III –
artigos 13 a 18 – Dos árbitros; Capítulo IV – artigos 19 a 22 – Do Procedimento
Arbitral; Capítulo V – artigos 23 a 33 – Da Sentença Arbitral; Capítulo VI – artigos 34
a 40 – Do Reconhecimento e Execução de Sentença Arbitrais Estrangeiras; e
Capítulo VII – artigos 41 a 44 – Disposições Finais.
45
1.3.1 Desdobramentos sobre os dispositivos legais da Lei de Arbitragem
Dentre os dispositivos legais anteriormente elencados, vale o aprofundamento
daqueles que se considera como mais relevantes, e que serão abordados a seguir.
1.3.1.1 Limites impostos pela Lei de Arbitragem
A arbitragem destaca-se entre os mais modernos meios de solução de
conflitos. Entretanto, a Lei de Arbitragem estabelece determinados limites para o
ingresso de pessoas aos seus efeitos.
O seu artigo 1º estabelece que as pessoas capazes de contratar poderão
valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis. Portanto, o referido dispositivo implementa limitações de natureza
subjetiva e objetiva.
A primeira, a limitação subjetiva, faz-se presente quando dispõe que somente
as pessoas capazes podem utilizar da via arbitral para dirimir seus conflitos,
afastando, por consequência, conflitos de interesse de incapazes, mesmo quando
representados ou assistidos.
A limitação objetiva, por sua vez, ocorre quando a contenda só pode versar
sobre direitos patrimoniais disponíveis. Portanto, os direitos não patrimoniais, bem
como os indisponíveis, não se sujeitam à arbitragem, ficando, assim, afastadas
questões que digam respeito a: estado ou capacidade das pessoas; direitos da
personalidade: alimentos; falência; e registros públicos.
Nesse sentido, o artigo 2º, caput, e seu parágrafo, da Lei nº 9.307/96,
estabelecem que, sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos
indisponíveis e verificando-se que de sua existência dependerá, ou não, o
julgamento, o árbitro, ou o tribunal arbitral, remeterá as partes à autoridade
competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral. Uma vez
resolvida a questão prejudicial, é anexada aos autos a sentença ou acórdão
transitados em julgado, tendo a arbitragem seguimento normal.
46
Chama-se a atenção para a hipótese de a arbitragem ser imposta a quem não
foi parte na avença, asseverando que a atual legislação arbitral não permite a
extensão dos efeitos da decisão proferida pelo árbitro àqueles que não se
vincularam expressamente ao instrumento contratual que prevê tal forma de solução
do litígio, nem mesmo em se tratando de pessoas jurídicas participantes de um
grupo empresarial, mas, também, registrar a presença de precedente da Câmara de
Comércio Internacional de Paris (CC1), em que se reconheceu que, se uma
sociedade do grupo aceita a convenção de arbitragem, é possível a vinculação das
demais entidades que tenham tido papel relevante na performance do contrato.
Todavia, apesar de tal precedente, entende-se que, ainda que o árbitro perceba
confusão patrimonial entre sociedades do mesmo grupo, não seria possível a
inclusão na arbitragem de sociedade que não tenha celebrado o compromisso
arbitral.43
Também deve ser enfatizado que nem mesmo a desconsideração da
personalidade jurídica pode ser aplicada pelo juízo arbitral para fins de atingir
terceiros que não se vincularam, expressamente, na relação contratual, pois a
atribuição pacificadora do árbitro encontra-se delimitada pela convenção arbitral.
Dessa forma, seria inadmissível a decisão do árbitro atingir terceiros que não lhe
outorgaram a atribuição para decidir seus conflitos, uma vez que o âmbito cognitivo
do árbitro é limitado pela convenção arbitral. Adicionalmente, a referida orientação
doutrinária leciona que, ocorrendo a hipótese de confusão patrimonial (ou de
inconsistência patrimonial, o que é mais frequente), caberá ao juiz togado (e não ao
árbitro) tomar eventuais medidas para estender os efeitos da sentença arbitral. Em
outros termos: condenada uma empresa sem patrimônio ("one dollar company"),
única empresa do grupo signatária do compromisso ou do contrato que contenha
cláusula compromissória, não caberá ao árbitro tomar qualquer providência para
desconsiderar a personalidade de tal empresa, mas sim ao juiz estatal que, ao
executar a sentença arbitral, “poderá - ex vi do art. 50 do Código Civil - estender a
43 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.
São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 82-85.
47
responsabilidade patrimonial a outros componentes do grupo de empresas ou do
grupo econômico a que pertencer a pessoa jurídica vencida no juízo arbitral”. 44
1.3.1.2 Convenção de Arbitragem – Cláusula compromissória e compromisso arbitral – Jurisprudência
Outro dispositivo que merece destaque é aquele que dispõe sobre a
convenção de arbitragem e seus efeitos. A escolha do procedimento a ser adotado
se dá em duas hipóteses, cláusula compromissória e compromisso arbitral,
conforme dispõe o art. 3o da Lei de Arbitragem: “As partes interessadas podem
submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de
arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.”
A cláusula compromissória é o pacto por meio do qual as partes interessadas
aceitam a submeter à arbitragem os conflitos sobre os direitos disponíveis que
possam, eventualmente, ocorrer durante o negócio jurídico que celebraram,
conforme dispõe o art. 4o da Lei de Arbitragem: “A cláusula compromissória é a
convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à
arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.”
Vê-se, assim, que se trata de uma verdadeira cláusula contratual que prevê a
vinculação das partes à arbitragem. Por ser uma cláusula contratual, obedece a
alguns requisitos e limitações: a) é fixada no momento em que é celebrado o
contrato e, assim, é preexistente ao conflito; b) exige contrato escrito, com sua
expressa disposição; c) em regra, não é admitida em contrato de adesão, valendo,
excepcionalmente, se a iniciativa da convenção partir do aderente, ou se houve
concordância expressa, por escrito, em documento anexo ou em negrito, com a
assinatura ou visto especialmente para essa cláusula; e d) não é admitida quando a
relação jurídica foi regida pelo Código de Defesa do Consumidor que aceita esse
tipo de cláusula em contrato regido pelo Código do Consumidor (artigo 51, inciso VII,
da Lei n. 8.078/90).
44 Idem, ibidem, p. 82-85.
48
Em atenção ao item “d”, anteriormente elencado, ao não admitir a submissão
do consumidor ao juízo arbitral, a legislação consumerista, na verdade, nada mais
que promoveu uma forma de impedir que os consumidores ficassem sujeitos à
eventual superioridade do fornecedor. Nesse sentido, é relevante mencionar a
seguinte orientação jurisprudencial:
Nos termos do §2º do art. 4º da Lei de Arbitragem, nos contratos de adesão é ineficaz a cláusula de arbitragem (ou compromisso arbitral) quanto ela não é destacada ou não consta a anuência expressa do aderente quanto a iniciativa da instituição da arbitragem, razão pela qual prevalece a competência do poder judiciário para dirimir a demanda. (TJMG - Agravo de Instrumento nº 1.0024.09.723250-8/002, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/05/2013, publicação da súmula em 21/05/2013).
A cláusula compromissória é autônoma ao contrato em que se encontra
inserida, assemelhando-se ao princípio da autonomia que vigora das regras
pertinentes aos títulos de crédito, pois a nulidade do negócio jurídico não implica na
nulidade da cláusula compromissória. Destarte, se porventura verificados vícios
capazes de gerar a nulidade do contrato firmado entre as partes, isso não macularia
a existência de eventual cláusula compromissória nele inserida, pois, apesar da
invalidade do contrato na relação jurídica, ela continuaria a existir e a produzir
efeitos e teria o condão de determinar a submissão dos contratantes ao juízo
arbitral.
Em outras palavras, ocorrendo a nulidade de determinada relação contratual,
seja qual for o motivo, não é possível alegar que tal vício teve poderes para afetar a
cláusula compromissória nele celebrada, de modo que, se os contratantes
avençaram a existência da cláusula compromissória no contrato, eles promoveram a
inserção de uma relação jurídica diversa, realmente autônoma, já que manifestaram,
de forma expressa e inequívoca, a vontade de que eventuais conflitos seriam
dirimidos pela via arbitral. Assim sendo, tal declaração de vontade possui apenas
vínculo instrumental com o contrato principal, mas não material, isto é, eventual falha
no negócio jurídico que importe sua nulidade. Portanto, não atingirá a eficácia da
cláusula compromissória, razão pela qual as partes estarão submetidas à via
arbitral.
49
O artigo 8º, caput, da Lei de Arbitragem, Lei nº 9.307/96, dispõe
expressamente que “a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato
em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica,
necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória”.
Tal autonomia ocorre porque a nulidade do contrato poderá ser submetida à
decisão dos árbitros, uma vez que, se um contrato nulo pudesse acarretar a
nulidade da cláusula compromissória, os árbitros não teriam competência para
decidir sobre questões ligadas à nulidade do contrato. Assim, os contratantes, ao
inserirem uma cláusula arbitral em um contrato, estabelecem uma relação jurídica
diversa, pois manifestam a vontade que não tem ligação apenas meramente
instrumental com o objeto principal do negócio jurídico, de modo que eventual falha
que importe nulidade do contrato principal não afetará a eficácia da vontade das
partes, que permanecerá válida para todos os efeitos, principalmente para ver a
controvérsia resolvida pela via arbitral.45 Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí já se
manifestou da seguinte forma:
A teor do art. 8º da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem), as alegações e questionamentos acerca de hipotético vício formais nos contratos que prevêem compromisso arbitral, assim como, assertivas sobre a existência, validade e eficácia da mencionada convenção, não exclui a cláusula com-promissória de arbitragem, por ser a mesma autônoma quanto ao acordo em que estiver inclusa. Nesse diapasão, a alegação de nulidade do mencionado pacto firmado entre as partes não implica a nulidade do compromisso acerca da arbitragem, como meio de deslinde das controvérsias acerca dos direitos patrimoniais disponíveis.” (TJPI - AC nº 06000026-0, julgada em 06/09/2006 e publicada em 14/09/2006).
Por sua vez, o artigo 9o, caput, da Lei de Arbitragem, estabelece que o compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à
arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.
A obrigação que as partes pactuam, por meio da cláusula compromissória, é
de fazer. A cláusula compromissória costuma ser classificada em cláusula cheia e
45 Idem, ibidem, p. 173-175.
50
vazia. A primeira ocorre quando as partes dispõem livremente sobre a arbitragem,
incluindo: forma de seus atos; legislação aplicável; escolha dos árbitros; e
possibilidade de decisão por equidade. Contemplam, assim, os elementos que
bastem para esgotar todas as possibilidades para a instalação da arbitragem. A
cláusula vazia, por outro lado, não especifica elementos para a instauração da
arbitragem e do tribunal, sendo que tal omissão será preenchida pelas próprias
partes. Entretanto, se essa hipótese não se materializar, haverá frustração na
instalação da arbitragem e as partes deverão socorrer-se do Poder Judiciário.46
Cita-se, ainda, a denominada cláusula patológica47, atribuída a Frédéric
Eisemann48, presente em determinadas situações em que existirão cláusulas que
somente aparentam ser cheias, uma vez que podem estabelecer regras de difícil
cumprimento pelo tribunal arbitral. José Emílio Nunes Pinto observa que ela é uma
cláusula que “fixa como aplicáveis as regras de arbitragem da Câmara de Comércio
Internacional, sediada em Paris, a CCI, mas para serem aplicadas por instituição
arbitral brasileira”, e apresenta a seguinte explicação:
A patologia, nesse caso, está no fato dessas regras de grande prestígio internacional e bastante consolidadas terem sido desenvolvidas para uma estrutura única da CCI e que não encontra similar no Brasil. A inadequação das regras CCI à estrutura das câmaras brasileiras é a causa da patologia.49
O compromisso arbitral, por outro lado, não se confunde com a cláusula
compromissória. Ele ocorre com a convenção da arbitragem após a existência do
conflito, isto é, o conflito já se faz presente e as partes o submetem à apreciação de
árbitros, afastando-se da apreciação pelo Poder Judiciário. Assim, pelo
compromisso arbitral as partes convencionam a eleição de árbitros para que seja
46 NERY JR., Nelson. Código de Processo Civil e legislação processual extravagante. 11ª edição. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1528. 47 Idem, ibidem, p. 1528. 48 EISEMANN, Frédéric. Les clauses d’a d’arbitrage pathologique in Commercial Arbitration. Essays in
Memoriam Eugenio Minoli. U.T.E.T, 1974, p. 129. 49 NUNES PINTO, José Emílio. Cláusulas Arbitrais Patológicas: esse mal tem cura. 2004. Disponível
em: <http://ccbc.org.br/download/clausulas_arbitrais_patologicas_jenp.pdf>. Acesso em: 12 ago.
2014.
51
solucionado o litígio que já se faz presente, ao passo que a cláusula compromissória
é utilizada quando o litígio ainda não se materializou. (ANEXO 1).
O compromisso arbitral pode ser judicial ou extrajudicial. Conforme dispõe o
art. 9o da Lei de Arbitragem: “O compromisso arbitral é a convenção através da qual
as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser
judicial ou extrajudicial.”
O compromisso arbitral judicial pressupõe a existência de um processo em
curso, que será extinto sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, inciso
VII, do Código de Processo Civil. O compromisso arbitral extrajudicial, por outro
lado, pode ser celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou
por instrumento público. O artigo 10 da Lei n. 9.307/96 elenca os requisitos que
devem constar obrigatoriamente do compromisso: o nome, a profissão, o estado civil
e o domicílio das partes; o nome, a profissão e o domicílio do árbitro ou dos árbitros
- ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a
indicação dos árbitros; a matéria que será objeto da arbitragem; e o lugar em que
será proferida a sentença arbitral.
O artigo 11 da Lei de Arbitragem enumera as seguintes condições que
podem ser acrescentadas ao compromisso arbitral, embora não sejam obrigatórias,
quais sejam: o local, ou locais, onde será desenvolvida a arbitragem; a autorização
para que o árbitro ou os árbitros julguem por equidade, se assim for convencionado
pelas partes; o prazo para a apresentação da sentença arbitral; a indicação da lei
nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim
convencionarem as partes; a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos
honorários e das despesas com a arbitragem; e a fixação dos honorários do árbitro
ou dos árbitros.
No âmbito da demanda judicial, a cláusula compromissória tem o condão de
produzir a extinção do processo, sem resolução do mérito, pois, quando as partes
convencionam, por meio de uma cláusula compromissória, que eventuais conflitos
serão submetidos à arbitragem e uma das partes deduzir pretensão em juízo para
52
dirimi-lo, a parte adversa poderá, no bojo da contestação, arguir, em matéria
preliminar, a existência de tal convenção, consoante previsto no artigo 301, inciso IX,
do Código de Processo Civil.
Na verdade, sendo a cláusula compromissória o ato por meio do qual os
contratantes declaram a vontade de submeter a um árbitro, ou a um juízo arbitral,
eventuais conflitos vinculados a direitos patrimoniais disponíveis, ficam os
contratantes submetidos à apreciação do caso concreto e respectiva decisão
ocorrida ao final do procedimento arbitral. Consequentemente, a celebração da
cláusula compromissória, desde que arguida pela parte interessada no momento
processual oportuno, é causa de extinção do processo sem resolução do mérito, nos
termos do artigo 267, inciso VII, do Código de Processo Civil.
A cláusula compromissória é verdadeiro impedimento ao exercício do direito
de ação, sendo a parte, portanto, carecedora da ação, já que ausente a
possibilidade de submeter a solução do conflito à apreciação do Estado-juiz,
permitindo-se, desta forma, afirmar que, se a convenção de arbitragem precede ao
processo judicial, haverá impedimento para a sua abertura. Todavia, se posterior,
desde que devidamente arguida no prazo processual adequado, provoca a extinção
do feito, razão pela qual o Estado-juiz não poderá julgar o mérito da questão.
(ANEXO 2).
Essa arguição preliminar é necessária para a extinção do feito (artigo 267,
inciso VII, do Código de Processo Civil), não podendo o juiz conhecê-la de ofício,
conforme preceitua o § 4º do mesmo artigo 301 do Diploma Processual Civil. Nesse
sentido: “A correta interpretação dos artigos 267, §3º e 301, §4º do Código de
Processo Civil revela que da convenção de arbitragem, a despeito de seus efeitos,
não pode conhecer de ofício o julgador.” (TJMG - Apelação
Cível 1.0024.11.329938-2/001, Relator(a): Des.(a) José Marcos Vieira, 16ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/07/2013, publicação da súmula em 02/08/2013).
53
Cândido Rangel Dinamarco, acerca da convenção de arbitragem e da
extinção do processo sem resolução do mérito sobre a natureza jurídica de tal
preliminar processual, leciona:
É pois um pressuposto negativo de admissibilidade do processo e da sentença de mérito (CPC, art. 267, inc. VII), quer tenha sido ajuizada mediante cláusula compromissória ou compromisso arbitral (arts. 4º e 9º) e ainda quando celebrada no curso do processo já pendente (art. 9º, fine). Em qualquer dessas hipóteses, a extinção do processo eventualmente instaurado perante o Poder Judiciário será declarada por sentença, a qual terá natureza terminativa – não obviamente uma sentença de mérito.50 (ANEXO 3).
Assim, é possível concluir que, quando uma das partes ingressar em juízo e a
outra não arguir tal matéria preliminar em contestação, presumir-se-á que ambas
renunciaram, tacitamente, à submissão do conflito à arbitragem, sujeitando-se, por
consequência, à tramitação do processo judicial.
A cláusula compromissória nada mais é que uma convenção ou pacto
contratual em que as partes comprometem-se a submeter os conflitos
eventualmente existentes à solução por meio de um árbitro. Assim sendo, pode ser
que essa convenção não estabeleça a forma utilizada para a instauração da
arbitragem, tampouco tenha elegido os árbitros para a contenda, motivo pelo qual,
materializando-se o litígio, será necessária concretizar a arbitragem, que, apesar de
prevista, não se encontra plenamente regulamentada no caso concreto. Caso isso
ocorra, a Lei de Arbitragem, em seu artigo 7º, previu a forma pela qual a arbitragem
será instituída.
Se existir consenso entre as partes, não haverá necessidade de
movimentação da Máquina Judiciária para que a arbitragem seja implantada. Caso
contrário, é imperiosa a observância do procedimento previsto no citado artigo 7º da
Lei 9.307/96, ou seja, competirá ao interessado ingressar em juízo para pedir a
citação da parte contrária a fim de que compareça em juízo e o compromisso seja
lavrado. Isto ocorrerá em audiência designada para tal fim, após a apresentação de
50 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume I, 6ª edição. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 139-140.
54
petição inicial em que a parte autora indicará, com precisão, o objeto da arbitragem,
instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória.
Na mencionada audiência, o juiz de direito tentará, inicialmente, conciliar as
partes a respeito do litígio. Entretanto, se tal conciliação for inviável, o juiz tentará
uma conciliação para a implementação da arbitragem, celebrando-se o compromisso
arbitral. Caso persista a contenda judicial, o réu será ouvido na própria audiência e
decidirá na própria audiência, ou no prazo de dez dias.
Nesta sentença judicial será estabelecido o conteúdo da arbitragem,
respeitando-se a cláusula compromissória previamente avençada. Se não houve a
indição dos árbitros, caberá ao juiz fazê-lo, após a oitiva das partes, podendo o juiz
nomear um ou mais árbitros, conforme o caso concreto. A sentença judicial, em tal
hipótese, valerá como compromisso arbitral. (ANEXO 4).
A Lei de Arbitragem também estabelece hipótese de extinção do
compromisso arbitral quando qualquer dos árbitros escusar-se de apreciar o litígio,
antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado,
expressamente, não aceitar sua substituição; ocorrendo o falecimento do árbitro ou
a impossibilidade de algum dos árbitros proferir seu voto, desde que as partes
declarem, expressamente, não aceitar substituto; e expirado o prazo a que se refere
o artigo 11, inciso III, da Lei de Arbitragem, desde que a parte interessada tenha
notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de
dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral. Tudo deve ocorrer
conforme previsto no artigo 12, que estabelece, escusando-se qualquer dos árbitros,
antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado,
expressamente, não aceitar substituto; falecendo ou ficando impossibilitado de dar
seu voto algum dos árbitros, desde que as partes declarem, expressamente, não
aceitar substituto; e tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, desde
que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal
arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e a apresentação da
sentença arbitral.
55
1.3.1.2.1 Constitucionalidade da Arbitragem
A constitucionalidade da Lei n. 9.307/96 gerou grande controvérsia na época
de sua edição. A discussão residia no fato de ser dispensável a homologação do
Judiciário para que a sentença arbitral tivesse eficácia executiva.
Um dos fundamentos seria a eventual violação ao disposto no artigo 5º, inciso
XXXV, da CF/88, que dispõe que "a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito", ou seja, o princípio da inafastabilidade da
jurisdição.
Todavia, o argumento não vingou pela inexistência de violação material à
ordem constitucional, uma vez que a arbitragem é via não obrigatória, razão pela
qual não há que se falar que a Lei nº 9.307/96 teria promovido exclusão de questão
da apreciação do Poder Judiciário.
Na verdade, as partes contratantes têm a faculdade de escolher a arbitragem
como forma de solução de conflitos que envolvam direitos disponíveis, não havendo
que se falar que a lei teria impedido o ingresso ou dedução de pretensão junto ao
Poder Judiciário, isto é, as partes têm a opção de escolher a arbitragem, ou o meio
jurisdicional estatal, para dirimir a controvérsia.
São as próprias partes contratantes que preferem que a solução seja
apresentada pelo árbitro ou por um tribunal arbitral. Contudo, mesmo assim, as
partes ainda podem ingressar em juízo para obter a declaração de nulidade da
sentença arbitral, nos casos previstos no artigo 32 da Lei de Arbitragem, nos exatos
termos do artigo 33, caput, do mesmo Diploma Legal, que dispõe que a parte
interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação
da nulidade da sentença arbitral nos casos previstos nesta lei.
Outra razão que daria motivação para gerar dúvidas quanto à
constitucionalidade da arbitragem repousava em suposta violação ao princípio do
56
juiz natural, uma vez que se sustentava que a controvérsia seria decidida por um
órgão escolhido pelos contratantes.
Essa argumentação, entretanto não possui respaldo porque a arbitragem é
instituída antes do conflito. Além disso, o Colendo Supremo Tribunal Federal
resolveu em definitivo a questão no julgamento do Recurso Extraordinário nº 5.206-
7. Em sessão plenária, foi declarada a constitucionalidade da lei por maioria de
votos, restando vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, Néri
da Silveira e Moreira Alves.
Como consta na obra “Código de Processo Civil e Legislação Processual em
Vigor”, na nota 1ª ao art. 1º da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996: “A Lei de
Arbitragem é constitucional (STF-RTJ 190/908: Pleno, SE 5.206, quatro votos
vencidos).” Desta obra, vale destacar que
não constitui, na espécie, questão prejudicial da homologação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua consequente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à decisão judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a homologação, no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de origem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal - dado o seu papel de "guarda da Constituição" - se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri). 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. (STF - SE 5206 AgR, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 12/12/2001, DJ 30-04-2004 PP-00029 EMENT VOL-02149-06 PP-00958).51
51 NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar;
FONSECA, João Francisco Naves da. Código de Processo Civil e Legislação processual em vigor.
44ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
57
O Ministro Athos Gusmão Carneiro, em estudo doutrinário, também discorre
sobre a constitucionalidade da Lei de Arbitragem:
No alusivo às sentenças arbitrais estrangeiras, o STF deferiu a homologação de sentença arbitral oriunda da Inglaterra, que condenou empresa brasileira por descumprimento de contrato de compra e venda mercantil firmado com empresa estrangeira sediada na República da Irlanda. O Tribunal deferiu o pedido por entender presentes os requisitos dos arts. 38 e 39 da Lei de Arbitragem, salientando ser possível a homologação, pelo STF, de laudo arbitral estrangeiro, independentemente de prévia chancela do Poder Judiciário do país de origem, nos termos da Lei de Arbitragem — Lei n. 9.307/96. art. 31.52
O Colendo Pretório Excelso, com o devido respeito aos que entendem de
forma contrária, corretamente entendeu que a escolha entre a arbitragem e a
jurisdição é constitucional, pois, na realidade, a aplicação da garantia constitucional
da inafastabilidade é naturalmente condicionada à vontade das partes. Em outras
palavras, se o próprio direito de ação é disponível, dependendo da vontade do
interessado promover ou não uma demanda judicial, com a mesma razão será o
exercício da jurisdição na solução do conflito de interesse.
1.3.2 Dos árbitros
Com exceção da hipótese anteriormente mencionada, em que o Poder
Judiciário pode ser instado a determinar a instauração da arbitragem, inclusive com
a nomeação dos árbitros pelo juiz-Estado, aqueles são livremente escolhidos e
eleitos pelas partes, exigindo a lei apenas que se tratem de sujeitos capazes.
Portanto, a lei não estabelece qualquer qualificação técnica ou profissional para a
nomeação do árbitro.
A Lei de Arbitragem, em seu artigo 13, fixa que pode ser árbitro qualquer
pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. Todavia, a mesma Lei nº
9.307/96, agora em seu artigo 14, estabelece algumas restrições, fixando que estão
impedidos para funcionarem como árbitros as pessoas que tenham, com as partes
ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os
52 CARNEIRO, Athos Gusmão Carneiro. Jurisdição e Competência. 18ª edição. São Paulo: Editora
Saraiva, 2012, p. 85-86.
58
casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os
mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo
Civil.
Também se aplica ao árbitro, em razão do interesse social, informar eventuais
causas que possam afastar ou gerar dúvidas sobre sua imparcialidade ou
independência no caso concreto e, se não o fizer, qualquer das partes poderá
suscitá-las, na primeira oportunidade para manifestação, após a instituição da
arbitragem, consoante previsto nos artigos 15 e 20 da Lei de Arbitragem. (ANEXO
5).
Cabe enfatizar que a Lei nº 9.307/96 não estabelece regras quanto ao número
de árbitros, podendo ser nomeado um ou mais árbitros para a solução de conflitos. A
lei exige, apenas, que o número de árbitros seja ímpar. Para evitar que exista
deliberação igual, isto é, empate na votação, caso o números de árbitros seja par, os
próprios árbitros têm autorização para a nomeação de mais um árbitro. Todavia, se
houver divergência entre eles quanto à nomeação, ela será feita pelo juízo a quem
competiria julgar o litígio, se inexistisse o compromisso, observando-se o
procedimento previsto no artigo 7º da Lei de Arbitragem. Por outro lado, se, no caso
concreto, as partes nomearem mais de um árbitro, um dentre eles será eleito
presidente, e sua eleição será feita entre os próprios árbitros.
Na hipótese de falecimento ou impossibilidade de algum árbitro dar o voto, tal
situação extinguirá o compromisso, caso venham as partes declarar,
expressamente, que não aceitam o substituto. Inexistindo disposição nesse sentido,
ocorrerá a substituição, conforme estabelecido na convenção de arbitragem, ou, se
omissa, e não havendo acordo entre as partes, a substituição dar-se-á por decisão
judicial, também observado o procedimento dos artigos 7º e 16 da Lei nº 9.307-96.
O árbitro é equiparado ao funcionário público para todos os fins de direito,
inclusive para efeitos penais. Ao árbitro caberá verificar os pressupostos de
existência, validade e eficácia do direito disponível que será objeto da arbitragem,
afastando, assim, via de regra, a competência do Estado-juiz em promover tal
59
apreciação. Tal regra está prevista no artigo 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/1996,
que prevê que caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as
questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do
contrato que contenha a cláusula compromissória.
Pelo que se verifica do dispositivo legal acima mencionado, a Lei de
Arbitragem consagra o princípio da Kompetenz-Kompetenz, ou seja, o próprio
julgador - no caso, o árbitro ou a câmara arbitral, que é o juiz de fato e de direito na
arbitragem (artigo 20 da Lei 9.307/96) - tem competência para verificar se possui
atribuição para dirimir o caso concreto, ou seja, o árbitro possui competência para
decidir sobre a sua própria competência, cabendo a ele resolver questões e
impugnações que digam respeito à sua capacidade de julgar sobre a extensão de
seus poderes quanto à possibilidade de submissão da controvérsia à arbitragem,
avaliando, assim, a eficácia e a extensão dos poderes que as partes fixaram pela
cláusula compromissória ou por meio de compromisso arbitral. Segundo Carlos
Alberto Carmona,
Consequência da autonomia da cláusula compromissória é a possibilidade de o próprio árbitro decidir acerca de qualquer controvérsia que diga respeito à convenção de arbitragem. Note-se: o parágrafo único do art. 8º, situado estrategicamente ao término dos dispositivos que tratam da cláusula arbitral e antes dos dispositivos que tratarão do compromisso, traz norma que interessa a ambos (cláusula e compromisso). Significa dizer que o dispositivo legal comentado trata de duas questões distintas, o caput disciplinando a autonomia da cláusula e o parágrafo estabelecendo o princípio da Kompetenz-Kompetenz (competência do árbitro para decidir sobre sua própria competência, resolvendo as impugnações que surjam acerca de sua capacidade de julgar, da extensão de seus poderes, da arbitrabilidade da controvérsia, enfim, avaliando a eficácia e a extensão dos poderes que as partes lhe conferiram tanto por via de cláusula compromissória, quanto por meio de compromisso arbitral).53
Para a hipótese da arbitragem, o árbitro decide a respeito e sobre os limites
de sua competência, inclusive acerca daqueles que serão submetidos à sua
decisão. Portanto, atribui-se ao árbitro a capacidade para apreciar a sua própria
competência, isto é, a viabilidade de ser por ele julgado o conflito, pela inexistência
53 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.
São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 175-177.
60
de vício na convenção ou no contrato. Tal regra é de fundamental importância, pois
o princípio da Kompetenz-Kompetenz, conforme salienta Francisco José Cahali,
fortalece o instituto, e prestigia a opção das partes por esta solução de conflitos, e afasta, em certa medida, o risco de desestímulo à contratação da arbitragem, em razão de potencial obstáculo prévio a surgir no Judiciário diante da convenção, por maliciosa manobra de uma das partes.54 (ANEXO 6).
A Lei de Arbitragem deixa claro que o árbitro é o juiz de fato e de direito, e a
sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou homologação pelo Poder
Judiciário (art. 18. da Lei de Arbitragem). Assim, pela interpretação sistemática e
teleológica da Lei de Arbitragem, excepcionando o princípio do livre acesso à justiça
ou inafastabilidade de jurisdição, o árbitro, julgador privado eleito pelas partes, tem
liberdade para a apreciação dos fatos, argumentos e teses que envolvam a
contenda acerca de direitos disponíveis.
O árbitro, como julgador extrajudicial do caso concreto, está adstrito aos fatos
narrados, aqueles consubstanciados nos direitos disponíveis, que determinaram a
instauração do juízo arbitral, e não o direito que a parte pretende ver aplicado ao
caso concreto, razão pela qual é imperioso reconhecer que a arbitragem também se
amolda à teoria da substanciação, e não à da individuação, motivo pelo qual, com
acerto e preciso, a referida sentença especificou a aplicação da máxima da mihi
factum, dabo tibi jus.
Sobre a aplicação do princípio supracitado (da mihi factum, dabo tibi jus),
evidenciando a teoria da substanciação, José Joaquim Calmon de Passos salienta:
Deem-me os fatos que lhes darei o direito (da mihi factum dabo tibi jus), velho e conhecido brocardo que afirma saber o juiz o direito, apenas cumprindo às partes indicar-lhe os fatos e explicitar as consequências pretendidas. Isso significa não haver necessidade de o autor, como já visto, ser exato na indicação dos dispositivos legais aplicáveis, nem mesmo na nomeação correta da figura típica configurada pelo fato que narrou. O que lhe cumpre é narrar o fato com clareza e precisão e concluir postulando as
54 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,
p. 107.
61
consequências que desse fato juridicamente decorrem. Seu risco e seu erro é colocar mal os fatos ou concluir mal em relação aos fatos que expôs.55
Assim sendo, tendo em vista que o dever da parte é narrar os fatos que
norteiam o conflito de interesses, não se justificaria a alegação de que houve
violação ao devido processo legal e ao contraditório sob o argumento de que a
sentença arbitral motivou-se em fundamento jurídico diverso daquele que foi arguido
ou questionado pela parte, pois, conforme anteriormente mencionado, o que se faz
necessário é a adstrição aos fatos discutidos, ou seja, a efetiva vinculação do juízo
arbitral às circunstâncias fáticas narradas.
1.3.2.1 Órgão de arbitragem institucional
A Lei de Arbitragem estabelece que se as partes avençaram que eventuais
conflitos serão submetidos às regras de algum órgão arbitral institucional ou
entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com as
regras de tal órgão, permitindo-se, ainda, que as partes estabeleçam na própria
cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da
arbitragem.
O artigo 5º da Lei de Arbitragem dispõe, sobre tal regramento, que se
reportando as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral
institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de
acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecerem, na própria
cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da
arbitragem.
Carlos Alberto Carmona arrola importantes lições sobre órgãos institucionais
vinculados à arbitragem, ao dispor que
A intervenção das instituições permanentes de arbitragem - organismos dos mais vanados matizes que propiciam o desenvolvimento da arbitragem, seja através da edição de regras de procedimento, seja através do estabelecimento de tribunais arbitrais, seja favorecendo a pesquisa
55 PASSOS, José Joaquim Calmon de. In: Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. III, Rio de
Janeiro/ São Paulo: Editora Forense, 2010, pág. 202.
62
científica - funciona como verdadeira mola propulsora do instituto, especialmente no que diz respeito ao comércio internacional. A eles referem-se os principais tratados internacionais acerca da arbitragem (Convenção de Nova Iorque, 1958, Convenção Europeia sobre Arbitragem Comercial Internacional, 1961, Convenção do Panamá, 1975), bem como a Lei Modelo da Uncitral, reconhecendo assim as fontes internacionais esta modalidade de arbitragem.56
Ainda sobre o mesmo tema, o autor salienta:
As características destes centros promotores da arbitragem são bastante díspares, podendo eles assumir os mais diferentes matizes, acentuando atividades ligadas estritamente à organização de arbitragens, à pesquisa, à formação de árbitros, à divulgação dos meios alternativos de solução de controvérsias etc. Apenas a título ilustrativo, destaco alguns padrões seguidos por órgãos arbitrais institucionais: a) instituições de natureza essencialmente arbitral, cujo escopo exclusivo é organizar e levar adiante o processo arbitral (é o caso da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional); b) instituições que acumulam competências mistas, ou seja, organizam, promovem e regulamentam o comércio e, eventualmente, assumem funções de tribunal arbitral ou facilitam a organização e funcionamento da arbitragem; c) órgãos de natureza essencialmente corporativa, que velam por interesses de um setor, ramo ou profissão e que resolvem, através de arbitragem, questões relativas à sua área específica de atuação (é o caso do Juízo Arbitral da Bolsa de Mercadorias e Futuros de São Paulo, do Tribunal de Mediação, Conciliação e Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção São Paulo ou ainda da Câmara de Mediação e Arbitragem do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia - IBDE); d) instituições de competência geral (multissetorial), que conhecem de toda a classe de arbitragens comerciais (nesta categoria enquadram-se praticamente todas as comissões, centros ou tribunais arbitrais ligados a câmaras de comércio, associações comerciais ou federações de indústrias, como é o caso do Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, da Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo, da Câmara de Mediação e Arbitragem - Associação Comercial do Paraná e do Centro de Arbitragem da Câmara Americana de Comércio, para citar alguns poucos exemplos); e) instituições de caráter científico, que se ocupam da arbitragem do ponto de vista da investigação e da pesquisa, promovendo seu desenvolvimento através de publicações e atividades culturais (é o caso do CONIMA e do CBAr, de que trato mais adiante); f) instituições de caráter internacional, de vocação multissetorial e universalista, como é o caso da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional e da Associação Americana de Arbitragem (Triple A). As características acima relacionadas, como é intuitivo, por vezes combinam-se e entrelaçam-se: vale apontar o caso do Instituto Nacional de Mediação e Arbitragem (INAMA), que organiza a arbitragem (fornecendo regras e corpo de árbitros), ao mesmo tempo em que desenvolve atividades científicas de divulgação da arbitragem.57
56 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.
São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 127-135. 57 Idem, ibidem, p. 127-135.
63
No que se refere ao direito positivo pátrio, o autor assevera:
Com o advento da Lei 9.307/96, novos órgãos arbitrais institucionais estão sendo criados no Brasil, enquanto outros estão adaptando seus respectivos regulamentos às novas regras e facilidades trazidas pela Lei de Arbitragem. Alguns desses órgãos assumiram a forma de associações civis, como ocorreu com o Instituto Nacional de Mediação e Arbitragem (INAMA) e com a Associação Brasileira de Arbitragem (ABAR), ambos com sede em São Paulo; outros não têm autonomia jurídica, e dependem (organicamente) de federações, associações ou câmaras de comércio, como é o caso do Centro de Mediação e Arbitragem de Pernambuco (CE-MAPE), ligado à Federação das Associações Comerciais do Estado de Pernambuco, do Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, do Centro de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo, da ARBITAC, câmara de arbitragem ligada à Associação Comercial do Paraná, da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Associação Comercial da Bahia, da Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo, ligada ao Centro de Indústrias do Estado de S. Paulo, do Juízo Arbitral da Bolsa de Mercadorias e Futuros de São Paulo, da Corte Brasileira de Arbitragem Comercial (CBAC), órgão integrante da Confederação das Associações Comerciais do Brasil, do Centro de Arbitragem da Câmara Americana de Comércio, entre tantos outros.58
E destaca:
Pouco tempo após a edição da Lei de Arbitragem, foi constituído, em Brasília, DF, o Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA). Trata-se de sociedade civil, sem fins lucrativos, cujo principal escopo é o de agregar instituições de mediação e arbitragem, acompanhando o desempenho de tais instituições, promovendo e coordenando estudos e debates e promovendo, enfim, o uso responsável e adequado das técnicas de solução extrajudicial de conflitos. O objetivo da instituição é o de implantar a cultura dos meios alternativos de solução de litígios no Brasil, divulgando padrões éticos e de conduta para os árbitros, além de divulgar diretrizes úteis para a maior credibilidade das instituições arbitrais. Para a concretização de seus propósitos a entidade conta com um conselho consultivo, uma comissão de ética e um centro de estudos e debates. Como disse Petrônio R.G. Muniz, primeiro presidente do CONIMA, a entidade nasceu "da consciência livre e de ato voluntário dos titulares das instituições brasileiras de arbitragem e mediação, da imperiosidade da existência de um órgão aglutinador das potencialidades individuais, e delas transformador em 'ideia força' sustentável ante quaisquer audiências, mesmo as mais hostis". A ideia vingou e o CONIMA é hoje uma fonte importante de referência e orientação sobre os meios alternativos de solução de litígio no país. O Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), fundado em 2001, é uma associação sem fins lucrativos, que tem como principal finalidade o estudo da arbitragem e dos métodos extrajudiciais de solução de controvérsias. Para concretizar suas finalidades, o CBAr realiza congressos e seminários, além de publicar a Revista Brasileira de Arbitragem (uma das mais prestigiosas publicações brasileiras em matéria de arbitragem). As duas entidades desenvolveram-se sobremaneira nos últimos 5 (cinco) anos. Tanto o CONIMA quanto o CBAr protagonizaram eventos de nível excepcional, agregando os mais renomados estudiosos
58 Idem, ibidem, p. 127-135.
64
sobre o tema dos meios alternativos de solução de controvérsias. Enquanto o CONIMA, com suas reuniões periódicas, tem colocado em mesa a discussão de temas espinhosos para as entidades que administram arbitragens do Brasil, consolidando padrões éticos, o CBAr empenha-se, com sucesso, em trazer ao Brasil especialistas estrangeiros, propiciando a ampliação do debate sobre as questões que, paulatinamente, vão surgindo com o aumento da prática da arbitragem em nosso país.59 (ANEXO 1 – DOUTRINA).
Neste item, apresentou-se a questão de que a Lei de Arbitragem brasileira não
delimita qualificações técnicas ou profissionais para a nomeação de árbitros.
Especifica, por outro lado, que este deve ser um sujeito capaz, um profissional
indicado pela parte para dirimir as controvérsias, que não podem ter relações que
caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, e que devem,
sempre que necessário, fornecer informações quando houver dúvidas quanto à sua
imparcialidade ou independência no caso concreto. Tratou-se, também, do fato de
que, quando as partes se reportarem, na cláusula compromissória, às regras de
qualquer órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será
implementada e processada conforme as regras do órgão de arbitragem
especificado. A seguir, focalizar-se-á na “aplicação do princípio da busca da verdade
real no procedimento arbitral”.
1.3.3 Do Procedimento Arbitral (aplicação do princípio da busca da verdade real no procedimento arbitral)
A arbitragem, conforme previamente mencionado, obedecerá o procedimento
estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às
regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se,
ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o
procedimento. Contudo, inexistindo estipulação acerca do procedimento aplicável,
caberá ao árbitro, ou ao tribunal arbitral, discipliná-lo, mas sempre consagrando o
princípio do estado democrático de direito, respeitados os princípios do contraditório,
da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.
A Lei nº 9.307/96 estabelece que a arbitragem é instituída com a aceitação da
nomeação pelo árbitro. O seu artigo 19 dispõe: “Considera-se instituída a arbitragem
59 Idem, ibidem, p. 127-135.
65
quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários.”
O parágrafo único do artigo 19 determina que, após instituída a arbitragem,
entendendo o árbitro ou tribunal arbitral a necessidade de explicitação sobre algum
ponto que tenha restado obscuro na convenção de arbitragem, é possível exigir-se a
elaboração de uma adendo, juntamente com as partes, que será firmado por todos
os participantes e que passará a fazer parte integrante da convenção.
Logo após a instituição da arbitragem, é o momento adequado para se arguir
eventuais questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro,
ou de um dos membros do tribunal arbitral, consoante determina o artigo 20, caput,
e §§ 1º e 2º, da Lei de Arbitragem, e como já previamente mencionado (vide item
“1.3.2 Dos árbitros”).
Todavia, conforme previsto no artigo 16 da Lei nº 9.307/96, se acolhida a
suspeição ou impedimento, será providenciada a substituição do árbitro. Inexistindo
tal arguição, a arbitragem terá regular seguimento; entretanto, é possível, no
momento oportuno, que a parte interessada suscite a nulidade da sentença arbitral
nos termos do artigo 32, inciso II, do mesmo Diploma Legal. Contudo, tal pretensão
será submetida à apreciação do Poder Judiciário.
Nos exatos termos do artigo 21, caput, e §§ 1º e 2º, da Lei de Arbitragem, será obedecido o procedimento estabelecido pelas partes na convenção de
arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional, ou
de uma entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio
árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento. Por outro lado, se não houver
estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro, ou ao tribunal arbitral,
discipliná-lo, sendo sempre respeitados, no procedimento arbitral, os princípios do
contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre
convencimento.
66
É forçoso informar, também, a existência de crítica60 à redação do § 1º do
artigo 20, da Lei de Arbitragem, ao afirmar que o referido dispositivo legal dispõe
sobre duas situações distintas: uma acerca do acolhimento da exceção de
suspeição ou de impedimento do árbitro; e outra, em caso de acolhimento da
alegação de incompetência ou equívoco na convenção de arbitragem - o que
implicaria, neste último caso, na extinção do procedimento arbitral.
Carmona61 observa que, caso haja incompetência do árbitro, acolhida sua
arguição, haverá a extinção do processo arbitral, uma vez que haverá a negativa da
possibilidade de solução do conflito pelo árbitro, isto é, não serão outorgados
poderes para que seja a contenda dirimida pelo juízo arbitral. Nesse caso, cabe ao
Estado-juiz pacificar o litígio. Discorre, também, sobre a hipótese da nulidade,
invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, asseverando que se trata de
hipótese de vício formal da cláusula que estabelece o procedimento arbitral como
forma de solução do conflito de interesses.
Nos casos previstos no § 1º do artigo 20 da Lei de Arbitragem, acolhida a
exceção, não será possível discutir eventual acerto ou equívoco da decisão proferida
pelo árbitro que se limitou, apenas, a extinguir o procedimento arbitral sem
apreciação do mérito, cabendo às partes discutir o mérito da questão perante o
Estado-juiz competente para dirimir o litígio.
Merece enfoque o fato de que, no procedimento arbitral, não se mostra
necessária a participação de um advogado, mas nada impede que as partes possam
ser representadas por um. Tal faculdade é prevista no artigo 21, § 3º, que dispõe
que as partes poderão postular por intermédio de advogado - respeitada, sempre, a
faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral.
O § 4º do citado artigo 22 permite ao árbitro, ou ao tribunal arbitral, promover
a tentativa de conciliação das partes no início do procedimento. Durante o
60 Idem, ibidem, p. 286-288. 61 Idem, ibidem, p. 286-288.
67
procedimento arbitral, o árbitro, ou o tribunal arbitral, promoverá verdadeira
instrução, já que a Lei nº 9.307/96 outorga-lhe prerrogativas para colher o
depoimento pessoal das partes, ouvir testemunhas, designar a realização de perícia,
bem como determinar a produção de outras provas que entender necessárias para a
elucidação do caso concreto, em efetiva aplicação do princípio da busca da verdade
real no procedimento arbitral.
Assim, na verdade, também é possível constatar que o árbitro não é mero
expectador dos fatos, mas pacificador em busca da verdade real. Dessa forma, mais
uma vez a lei deixa claro que a sua intenção de pacificação em prol do interesse
social, inclusive o poder instrutório do árbitro em busca da verdade real,
assemelhando ao Estado-juiz, é reforçado pelo § 2º do mesmo artigo 22, que
permite ao julgador arbitral solicitar à autoridade judiciária a condução coercitiva de
testemunhas.
Outrossim, reforçando a aplicação do princípio da busca da verdade real no
procedimento arbitral, encontra-se a previsão do artigo 22, § 3º, da Lei de
Arbitragem, que assevera que a revelia da parte não impedirá a prolação da
sentença arbitral. Portanto, é inegável que o princípio da busca da verdade real
norteia o procedimento arbitral.
O árbitro ou tribunal arbitral também poderá solicitar ao Poder Judiciário, que
teria competência para julgar a causa, a aplicação de medidas coercitivas ou
cautelares, conforme dispõe o artigo 22, § 4º, da Lei 9.307/96 - como, por exemplo,
em caso de protesto contra a alienação de bens.
Nelson Nery Jr.62 sustenta que não há impedimento na lei para que o árbitro
profira decisões de cunho executivo “lato sensu”, pois pode determinar medidas
antecipatórias (CPC 273) e cautelares para o bom andamento da causa sob
arbitragem. Assim sendo, caso não sejam cumpridas as medidas executivas
62 NERY JR., Nelson. Código de Processo Civil e legislação processual extravagante. 11ª edição. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1532.
68
decretadas pelo árbitro, ele deve submeter referida execução ao órgão de jurisdição
estatal que seria competente para julgar a causa.
Não obstante, não se pode deixar de lado a orientação jurisprudencial
proferida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, após as
medidas cautelares, apenas podem ser deduzidas antes da instalação da arbitragem
e para assegurar o seu resultado prático. Desta forma, após a sua efetiva
materialização, o órgão jurisdicional estatal perde a competência; e a demanda,
ainda que em curso, deve ser remetida ao juízo arbitral que terá, inclusive, poderes
para a reapreciação da decisão judicial. (ANEXO 7).
No que concerne ao procedimento arbitral, deve ser enfatizado o caráter
paraestatal da arbitragem como forma de solução de conflitos, inclusive chamando a
atenção para sua vinculação ao direito processual civil. Sobre o tema:
O chamado “procedimento arbitral”, que tem início com a aceitação pelo árbitro ou árbitros do encargo a ser desempenhado (art. 19 da Lei n. 9.307/1996) e que se encerra com o proferimento da chamada “sentença arbitral” (arts. 29 e 31 da Lei n. 9.307/1996 e art. 475-N, IV, do Código de Processo Civil), corrigida, se for o caso, alguma sua imperfeição (art. 30 da Lei n. 9.307/1996), tem natureza jurídica eminentemente contratual, eminentemente voluntária e dependente, na maior parte das vezes, do consenso entre os envolvidos no litígio. É importante a ressalva porque o art. 7º da Lei n. 9.307/1996 cria condições de instalação compulsória da arbitragem em determinadas hipóteses em que a intervenção do Estado (isto é, o exercício da função jurisdicional “típica”) é inafastável para aquela específica finalidade (art. 7º, § 7º). Rigorosamente, não há como tratar, fora dos casos em que a intervenção do Poder Judiciário justifica-se, a arbitragem como matéria típica de direito processual civil. Trata-se, a bem da verdade, de método paraestatal de solução de conflitos. Contudo, pelas razões já expostas no n. 3, supra, e em função dos diversos pontos de contato entre as disposições da Lei n. 9.307/1996 e o “direito processual civil”, o estudo do instituto e de sua lei de regência é relevante não só no e para o contexto aqui apresentado — de métodos alternativos de solução de conflitos — mas, também, no que ele toca de perto o exercício da função jurisdicional, justificando, legitimamente, a vedação da atuação do Estado-juiz (v. n. 3.3.4 do Capítulo 3 da Parte III).63
63 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Teoria Geral do
Direito Processual Civil. Volume 1, São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 47.
69
1.3.4 Da Sentença Arbitral
A sentença arbitral possui efeitos similares àqueles proferidos pelo Estado-
juiz, inclusive fazendo coisa julgada material, constituindo, ainda, se condenatória,
título executivo judicial. Ao final do procedimento arbitral, o árbitro, ou o tribunal
arbitral, chegará à solução do litígio. Esta se materializa por meio da denominada
sentença arbitral, a qual, como dito, por força de lei, constitui título executivo judicial.
A sentença arbitral deve ser proferida em um determinado prazo, que pode
ser estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem. Porém, inexistindo tal
fixação, deverá ser proferida no prazo de seis meses, contados da instituição da
arbitragem ou substituição do árbitro, sob pena de nulidade (artigo 32, inciso IV, da
Lei de Arbitragem).
O artigo 26 da Lei nº 9.307-96 enumera os requisitos da sentença arbitral,
quais sejam: o relatório, que conterá o nome das partes e um resumo do litígio; os
fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito,
mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade; o dispositivo
em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e
estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e a data e
lugar em que foi proferida.
O artigo 27 da Lei de Arbitragem estabelece que a sentença arbitral fixará o
“ônus da sucumbência”, isto é, a responsabilidade das partes acerca das custas e
despesas com a arbitragem, bem como sobre a verba decorrente de litigância de
má-fé, salvo se houver convenção a respeito.
Não há recurso contra a sentença arbitral. Contudo, nos termos do artigo 30
da Lei de Arbitragem, no prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação
ou ciência pessoal que determina a intimação da sentença arbitral às partes, a parte
interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro, ou ao
tribunal arbitral, a correção de qualquer erro material da sentença arbitral; o
esclarecimento de alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral;
ou o pronunciamento sobre ponto omitido a respeito do qual a decisão deveria
70
manifestar-se. Além disso, o árbitro, ou o tribunal arbitral, decidirá no prazo de dez
dias, aditando a sentença arbitral e notificando as partes na forma do artigo 29.
1.3.4.1 Da Nulidade da Sentença Arbitral – Orientação Jurisprudencial
Apesar da Lei nº 9.307/96 não dispor sobre o cabimento de recursos contra a
sentença arbitral, é possível que qualquer dos interessados deduza pretensão
perante o Poder Judiciário, visando a declaração de nulidade da decisão proferida
ao fim do procedimento arbitral, nas seguintes hipóteses, elencadas pelo artigo 32
da citada lei: haver nulidade do compromisso; ter sido proferida por quem não podia
ser árbitro; não contiver os requisitos do artigo 26 dessa lei; ter sido proferida fora
dos limites da convenção de arbitragem; não decidir todo o litígio submetido à
arbitragem; ser provado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção
passiva; ser proferida fora do prazo, respeitado o disposto no artigo 12, inciso III, da
lei; e na hipótese de ter sido desrespeitados os princípios de que trata o artigo 21 da
lei. (ANEXO 8).
Na verdade, casos de nulidade da sentença arbitral, previstos no artigo 32 da
Lei de Arbitragem, não trazem grande inovação em relação ao que já previa o art.
1.100 do Código de Processo Civil, pois o rol constante da lei inclui todas as
hipóteses que estavam inseridas no dispositivo revogado do Diploma Processual
Civil, apesar de acrescentar outras que aumentam a garantia das partes.
Destarte, a arbitragem consiste no julgamento da contenda por terceiro
particular e imparcial, escolhido pelas partes, sendo uma espécie de
heterocomposição de conflitos que se desenvolve por um mecanismo mais
simplificado e menos formal do que o processo judicial. A sentença proferida pelo
juízo arbitral produzirá, entre as partes e seus sucessores, os efeitos da sentença
proferida pelos órgãos jurisdicionais e, se de natureza condenatória, constituirá título
executivo judicial (art. 31 da Lei no. 9.307/96 e art. 475-N, IV do CPC), sendo
plausível, inclusive, a execução de sentença arbitral estrangeira (art. 34 da Lei de
Arbitragem).
71
É possível haver controle judicial sobre a sentença arbitral (arts. 32 e 33 da
Lei de Arbitragem); não obstante, tal controle cinge-se a aspectos formais. Não se
admite a revisão, pelo Judiciário, do mérito da decisão arbitral, mas apenas a
revisão de matérias relativas à validade do procedimento. É em razão dessa aptidão
para a produção de coisa julgada material que se diz, conforme anteriormente
detalhado, que a arbitragem é verdadeira espécie de jurisdição.
Nos contratos de consumo, é nula de pleno direito cláusula contratual que fixe
a arbitragem compulsória (art. 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor).
O princípio da autonomia privada, nas relações de consumo, é mitigado pelos
princípios de igualdade, boa-fé e função social do contrato, em razão da
vulnerabilidade do consumidor em face do fornecedor do produto ou serviço, que
será obrigado a se sujeitar às cláusulas impostas pelo outro se com ele quiser
contratar.
Nos contratos de adesão que não envolvam relações de consumo, entretanto,
a convenção de arbitragem só terá validade se a iniciativa de instituí-la couber ao
aderente ou, então, se este concordar expressamente com a sua instituição, ou seja,
nos termos da lei, por escrito, em documento anexo ou em negrito, com a assinatura
ou vista, especialmente, para essa cláusula (artigo 4º, § 2º, Lei n2 9.307/96).
Além do mais, a Lei nº 9.307/96 estabelece que a ação declaratória de
nulidade de sentença arbitral seguirá o procedimento comum, consoante previsto no
Código de Processo Civil, e terá prazo decadencial de 90 (noventa) dias para a sua
propositura, nos termos do seu artigo 33, § 1º, que fixa que a demanda para a
decretação de nulidade da sentença arbitral observará o procedimento comum,
previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa
dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento.
Findo esse prazo, a sentença arbitral torna-se soberana e imutável. (ANEXO 9).
72
No mesmo diapasão, em comentários à Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307, de 23
de setembro de 1996), Negrão et al64 apresentaram a lição de que a autorização
para que o executado embuta na oposição à execução da sentença arbitral - pedido
voltado à decretação da sua nulidade, com fundamento no art. 32 - depende de
impugnação a ser apresentada dentro do prazo de 90 dias previsto no § 1º.
Ultrapassado esse prazo, tudo o que o executado pode alegar em seu favor fica
circunscrito ao rol do CPC 475-L. (ANEXO 10).
A nulidade da sentença arbitral também pode ser arguida durante sua
execução judicial, em sede de embargos do devedor, conforme dispõe o artigo 33, §
3º, da Lei de Arbitragem, isto é, a decretação da nulidade da sentença arbitral
também poderá ser arguida mediante ação de embargos do devedor, conforme o
art. 741 e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial.
Apesar disso, com as alterações do Código de Processo Civil (Lei nº 11.232,
de 22 de dezembro de 2005), principalmente aquelas relacionadas à instituição da
fase de cumprimento da sentença, é forçoso reconhecer que o dispositivo acima
mencionado merece atualização para que a arguição de nulidade da sentença
arbitral, por se tratar de título executivo judicial, seja deduzida no bojo da respectiva
impugnação, já que prevista como título executivo judicial no artigo 475-N, inciso IV,
do Código de Processo Civil.
Cabe, ainda, sustentar a possibilidade de aplicação do princípio da
instrumentalidade das formas e do princípio do não prejuízo (pas de nullité sans
grief) no juízo arbitral. Em outras palavras, não se pode olvidar que no procedimento
arbitral, assim como ocorre no processo civil, meras irregulares ou nulidade relativas
possam gerar a nulidade da sentença arbitral. Cabe, então, àquele que se entenda
afrontado pelo ato demonstrar efetivo prejuízo para que, desta forma, possa ocorrer
a declaração de nulidade da sentença arbitral ou de algum ato que a preceda.
64 NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar;
FONSECA, João Francisco Naves da. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor.
44ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
73
Com efeito, vale registrar que o artigo 249, § 1º, segunda parte, do Código de
Processo Civil, consagra o princípio do não prejuízo, pois o ato não se repetirá nem
se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte.
A jurisprudência pátria consagra sua existência: “Não é razoável admitir que
um vício inocente possa desviar o processo da finalidade para o qual foi concebido:
a boa e segura distribuição da prestação jurisdicional” (STJ – 1ª Turma – REsp nº
12172 – Rel. Min. Gomes de Barros, DJU 24.8.1992, p. 12978).
Ademais, com instrumentalidade, o processo judicial é um meio para a
aplicação do direito material ao caso concreto, tendo como escopo a atividade
jurisdicional que proporcionará a solução e a tutela jurisdicional aos direitos
subjetivos substanciais, atingindo, assim, a sua finalidade: a pacificação social.
Tal preceito, com o máximo respeito, também deve ser entendido como
aplicável à arbitragem, pois, ainda que não se submeta à apreciação do Estado-juiz,
tem como finalidade a solução do litígio e, destarte, a pacificação social.
Por conseguinte, tanto o processo judicial quanto o procedimento arbitral não
são um fim em si, mas meios, instrumentos que se mostrarão efetivos quando
harmonizarem a atuação do direito material ao caso concreto, tendo, por fim, a
realização de uma ordem jurídica justa. No caso concreto, se as provas produzidas
atingirem seu objetivo ou sua finalidade, tornando aptas a elucidar e formar a
convicção para o julgamento da lide ou da contenda submetida ao juízo arbitral, o
processo judicial e procedimento arbitral mostraram-se como instrumentos capazes
e efetivos para a declaração do direito material ao caso concreto.
Na verdade, não se mostraria razoável anular atos processuais cujo
aproveitamento seja possível, inclusive por ausência de demonstração do prejuízo.
Sendo assim, se o processo judicial ou arbitral atingiu a sua finalidade instrumental e
efetiva, a formalidade não pode ser obstáculo à atuação do direito material ao caso
concreto, valendo dizer que mais vale o conteúdo de um ato do que a sua forma
(exegese do artigo 205 do Código de Processo Civil).
74
Nesse sentido, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery65, em comentários ao
mencionado artigo, asseveram que o Código de Processo Civil adotou o princípio da
instrumentalidade das formas, segundo o qual o que importa é a finalidade do ato e
não ele em si mesmo considerado. Em outras palavras, se o ato puder atingir a sua
finalidade, ainda que irregular a forma não deverá ser anulada. (ANEXO 11).
Ademais, é possível sustentar que o prejuízo deve ser demonstrado na
primeira oportunidade que a parte possui para manifestar-se no processo judicial,
como no procedimento arbitral, uma vez que, sendo a irregularidade uma nulidade
relativa, não pode ser decretada de ofício pelo Estado-juiz, tampouco pelo árbitro,
devendo a parte atingida por tal nulidade alegá-la em sua primeira oportunidade, sob
pena de preclusão, conforme dispõe o artigo 245 do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior observa:
A nulidade relativa deve ser arguida pela parte interessada em sua decretação em primeira oportunidade em que lhe couber falar dos autos, após ato defeituoso, sob pena de preclusão (art. 245), isto é, de perda da faculdade processual de promover a anulação. (ANEXO 12).
1.3.5 Prescrição e Arbitragem
O direito ao ser violado determina o nascimento da pretensão, extinta quando
não exercida por seu titular nos prazos previstos em lei, materializando, assim, o
instituto da prescrição.
A Lei de Arbitragem não estabelece nem prevê prazos prescricionais, uma
vez que o Diploma Arbitral não fixa prazo prescricional para se instalar a arbitragem.
Portanto, sua provocação é possível a qualquer tempo. Não obstante, o
questionamento reside na possibilidade de o árbitro, ou juízo arbitral, decretar a
prescrição durante o procedimento arbitral.
65 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Vigente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
75
A prescrição atualmente é reconhecida como matéria de ordem pública,
podendo ser arguida a qualquer grau de jurisdição pelo interessado. Todavia, apesar
de a lei fixar que a prescrição pode ser arguida em qualquer grau de “jurisdição”, não
há que falar aqui novamente no embate existente acerca da eventual natureza
jurisdicional da arbitragem, mas sim do verdadeiro instrumento hábil a impedir a
discussão da contenda perante o procedimento arbitral.
Na verdade, entende-se que, quer seja para aqueles que defendem a
natureza jurisdicional da arbitragem ou para aqueles que não admitem sua
jurisdicionalização, o fato é que, sendo o árbitro o juiz de fato e de direito na
arbitragem, nada impede que ele reconheça a prescrição da pretensão no curso do
procedimento arbitral, isto é, nada impede que, no exercício de sua função
pacificadora, aplique a regra legal vigente ao caso concreto.
Nesse sentido, apresenta-se os seguintes ensinamentos que o atual Código
Civil estabelece: extingue-se a pretensão quando não exercitada em certo prazo,
denominado de prazo prescricional. Em nenhuma parte da lei arbitral há referência
sobre a prescrição da pretensão, o que sugere a dúvida sobre a possibilidade de ser
suscitada prescrição em sede arbitral. Por outro lado, o artigo 193 do novo Código
Civil dispõe que a prescrição pode ser arguida em qualquer grau de jurisdição pela
parte a quem aproveita, sendo certo que o juiz pronunciará de ofício a prescrição,
desde que respeitado o prazo igual ao estabelecido para a apresentação da
pretensão. Assim sendo, se a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de
jurisdição pela parte a quem aproveita, consagra-se, na verdade, um poder ao
interessado na materialização da prescrição. Nesse aspecto, cumpre ser verificada a
possibilidade de apreciação da prescrição pelo árbitro e, se isso, atribuir-lhe-ia o
exercício da jurisdição.66
66 MIRANDA, Daniel Gomes de; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ALBUQUERQUE JR., Roberto
Paulino de (Orgs.). Prescrição e Decadência. Estudos em homenagem ao Professor Agnelo Amorim
Filho. Bahia: Editora JusPodivum, 2013, p. 170-171.
76
Segue-se o raciocínio que o Estado, como um todo, a partir da edição da Lei
no. 9.307/96, incentivou a arbitragem. Com tal incentivo, de certa forma, ampliou o
conceito de jurisdição, pois a convenção de arbitragem - entenda-se cláusula
compromissória e compromisso arbitral - é que determina a competência do árbitro e
delineia os contornos da resolução de uma controvérsia relativa a direitos
patrimoniais disponíveis, sendo de origem privada. Contudo, tanto na jurisdição
quanto na arbitragem, exige-se respeito aos princípios que garantam o devido
processo legal, tais como o contraditório, a igualdade das partes, a imparcialidade e
o livre convencimento, gerando, assim, mais um aspecto a fortalecer a tese de que o
árbitro exerce função jurisdicional. Portanto, embora a origem da jurisdição do juiz
(pública) e do árbitro (privada) não seja a mesma, ambos exercem a jurisdição.
Apesar das peculiaridades existentes de cada um, é possível concluir pela
possibilidade de reconhecimento da prescrição pelo juízo arbitral.67 (ANEXO 2 –
DOUTRINA).
Isto posto, o árbitro, muito mais que um mero “juiz privado”, é um pacificador
que busca a solução justa do litígio, nada mais que um anseio do interesse social.
Deve, para tal fim, aplicar o direito ao caso concreto, sendo essa uma finalidade
também verificada no próprio espírito da Lei de Arbitragem quando estabelece a
aplicação de vários princípios constitucionais e, como dito, a aplicação das regras
legais pelo árbitro para a solução do conflito. Por conseguinte, conclui-se que o
árbitro pode e deve reconhecer e decretar a prescrição no caso concreto, e isso não
leva a crer que seria exercício da jurisdição, mas sim efetiva aplicação do direito ao
caso concreto.
1.3.6 Comentários ao Projeto de Lei do Senado Federal – PJ Nº 406/201368 – Alteração da atual Lei de Arbitragem
Há em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei nº 406 de 2013, que
tem por fim: a ampliação do âmbito de aplicação da arbitragem e a disposição sobre
a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral; a interrupção da 67 Idem, ibidem, p. 170-171. 68 Elaborado pelo Serviço de Redação da Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. (Elaboração
de 29.01.2014 - 16:11) • (Última atualização: 04.02.2014- 09:25).
77
prescrição da pretensão em razão da instituição da arbitragem; a concessão de
tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem; a expedição da carta
arbitral, a sentença arbitral; e o incentivo ao estudo do instituto de arbitragem.
O referido Projeto de Lei 406, no § 1º do seu artigo 1º, estabelece a
possibilidade da Administração Pública, direta e indireta, poder utilizar-se da
arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis
decorrentes de contratos por ela celebrados. A Comissão de Constituição e Justiça
do Senado propôs emenda ao mencionado dispositivo para que a sua redação se
limitasse a dispor que a Administração Pública direta e indireta possa utilizar-se da
arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Também visa fixar a regra de que a autoridade, ou o órgão competente da
Administração Pública direta para a celebração de convenção de arbitragem, é a
mesma para a realização de acordos ou transações, bem como que as arbitragens
que envolvem a Administração Pública serão sempre de direito e respeitarão o
princípio da publicidade (vide § 2º do artigo 1º e artigo 2º, § 3º do PJ 406/2013).
No seu artigo 4º, §2º, o Projeto de Lei dispõe que, nos contratos de adesão, a
cláusula compromissória só terá eficácia se for redigida em negrito ou em
documento apartado. Por sua vez, o mesmo dispositivo, agora em seu § 3º,
determina que na relação de consumo, estabelecida por meio de contrato de
adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa
de instituir a arbitragem, ou concordar, expressamente, com a sua instituição.
Em outra seara, o Projeto de Lei nº 406/2013, em seu artigo 4º, § 4º, fixa o
seguinte:
Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar, expressamente, com a sua instituição.
O Projeto de Lei em comento propõe a possibilidade de afastar a aplicação de
dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional. Em relação a esse
78
dispositivo, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado propôs a seguinte
emenda:
§ 4° As partes, de comum acordo, poderão afastar a aplicação de dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou entidade especializada que limite a escolha do árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros, autorizado o controle da escolha pelos órgãos competentes da instituição, sendo que, nos casos de impasse e arbitragem multiparte, deverá ser observado o que dispuser o regulamento aplicável. (Art. 13º § 4º do PJ 406/2013).
O Projeto de Lei propõe, ainda, que a arbitragem, uma vez instituída, e
entendendo o árbitro ou o tribunal arbitral a existência de necessidade de explicitar
alguma questão disposta na convenção de arbitragem, prevê a possibilidade da
elaboração, juntamente com as partes, de um adendo, a ser firmado por todos e que
passará a fazer parte integrante da convenção de arbitragem (artigo 19, § 1º, do PJ
406/2013).
Vale ressaltar que uma inovação significativa é apresentada no artigo 19, em
seu § 2º, quando estabelece que a instituição da arbitragem poderá determinar a
interrupção da prescrição, retroagindo à data do requerimento de instauração da
arbitragem, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição.
O Projeto de Lei em foque prevê, também, no artigo 23, § 1º, a possibilidade
da prolação de sentenças parciais pelos árbitros, bem como, no § 2º do dispositivo
em questão, que as partes e os árbitros, em consonância, poderão prorrogar o prazo
estipulado para proferir a sentença final, sendo que a Comissão de Constituição e
Justiça do Senado suprimiu do texto original o termo "estipulado" do § 2° artigo 23.
O parágrafo único do artigo 30 do Projeto de Lei em enfoque estabelece que
o árbitro, ou o tribunal arbitral, poderá decidir, no prazo de dez dias ou em prazo
acordado com as partes, aditando a sentença arbitral e notificando as partes.
O artigo 32, inciso I, da atual Lei de Arbitragem estabelece, dentre outras
hipóteses, que é nula a sentença arbitral se nulo o respectivo compromisso. Por sua
vez, o Projeto de Lei nº 406/2013 propõe que será nula a sentença arbitral quando
for nula a convenção de arbitragem.
79
Passará a dispor o artigo 33, caso aprovado o Projeto de Lei nº 406/2013, que
a parte interessada terá a possibilidade de pleitear ao órgão do Poder Judiciário
competente a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos
nessa Lei. O seu § 1º propõe qual demanda terá por objeto a declaração de nulidade
da sentença arbitral - cuja nulidade poderá ser parcial ou final, seguindo as regras
do procedimento comum, previstas no Código de Processo Civil, a ser proposta no
prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da respectiva
sentença, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos. Em seu
artigo 33, § 2º, propõe que a sentença que julgar procedente o pedido declarará a
nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, e determinará, se for o caso, que
o árbitro ou tribunal profira nova sentença arbitral e, ainda, sobre a possibilidade de
declaração da nulidade da sentença arbitral por meio da impugnação prevista no
artigo 475-L e seguintes do Código de Processo Civil se houver execução judicial
(artigo 33, § 3º).
A emenda nº 7 da Comissão de Constituição e Justiça do Senado acrescenta
ao artigo 33 da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, na forma do art. 1° do Projeto
de Lei do Senado nº 406, de 2013, o seguinte § 4°: “A parte interessada poderá
ingressar em juízo também para requerer a prolação de sentença arbitral
complementar, se o árbitro não decidir todas as questões submetidas à arbitragem.”
Consoante já existente no direito positivo pátrio (artigo 105, inciso I, alínea i,
da CF/88), o Projeto de Lei fixa que, para ser reconhecida ou executada no Brasil, a
sentença arbitral estrangeira necessita apenas de homologação pelo Superior
Tribunal de Justiça (artigo 35 do Projeto de Lei nº 406/2013).
Como se depreende do Projeto de Lei em debate, em seu artigo 22-A, antes
de instituída a arbitragem as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a
concessão de medidas cautelares ou de urgência que terá a sua eficácia cessada,
nos termos do parágrafo único, se a parte interessada não requerer a instituição da
arbitragem no prazo de trinta dias, contados da data da efetivação da respectiva
decisão.
80
Após instituída a arbitragem, ainda estabelece a prerrogativa aos árbitros de
manter, modificar ou revogar a medida cautelar, ou de urgência, concedida pelo
Poder Judiciário (artigo 22-B), bem como que, quando já instaurada a arbitragem, as
medidas cautelares, ou de urgência, devem ser requeridas, diretamente, aos
árbitros.
O Capítulo IV-B, proposto pelo Projeto de Lei nº 406/2013, dispõe sobre a
carta arbitral, fixando as seguintes regras: a) o árbitro ou o tribunal arbitral poderá
expedir carta arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o
cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro
(artigo 22-C); e b) no cumprimento da carta arbitral será observado o segredo de
justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem (artigo
22-C, parágrafo único).
O Projeto de Lei, em suas disposições finais, promove a inserção de questões
de cunho didático, já que fixa a regra de que o Ministério da Educação deverá
incentivar a inclusão da disciplina da arbitragem nos currículos das instituições de
ensino superior, bem como que o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho
Nacional do Ministério Público promovam a inclusão da arbitragem nos conteúdos
programáticos dos concursos púbicos para a carreira da Magistratura e do Ministério
Público (artigos 40-A e 40-B).
O mencionado Projeto de Lei também promoverá alterações na Lei das
Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76) ao dispor sobre a possibilidade de inserção
da convenção de arbitragem no respectivo estatuto social, com a obrigatoriedade de
sua observância por todos os acionistas da companhia. Ressalva a possibilidade o
exercício do direito de retirada por acionista dissidente, sendo que a convenção da
arbitragem, em tal hipótese, passará a ter eficácia após o decurso de 30 dias,
contados da publicação da ata da Assembleia Geral que a aprovou (artigo 136-A,
caput, e § 1º).
81
Por fim, ainda em relação às alterações propostas na Lei das Sociedades
Anônimas, o Projeto de Lei nº 406/2013 estabelece:
O direito de retirada de sócio dissidente, além de assegurado o direito de reembolso do valor de ações, não será aplicável: a) caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% das ações de cada espécie ou classe; e b) caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas 'a' e 'b' do inciso 11 do art. 137 desta Lei. (Projeto de Lei nº 406/2013).
1.3.7 Comentários ao Projeto de Lei nº 7.108/2014
É imprescindível lembrar, nesta tese, que a Comissão Especial da Câmara
Federal dos Deputados aprovou, em 15 de julho de 2014, o Projeto de Lei nº
7.108/2014, com uma única emenda acolhida, do parecer do relator, Deputado
Edinho Araújo (PMDB-SP), e que altera a Lei de Arbitragem nº 9.307/96.
Mesmo mantidos os princípios e fundamentos normativos anteriores, três
linhas de condução foram introduzidas para orientar a implementação da
denominada nova Lei de Arbitragem: a) ampliação subjetiva e objetiva da incidência
da arbitragem; b) maior liberdade das partes na indicação dos árbitros; e c)
delimitação do juiz togado até a instituição da arbitragem.
O projeto estabelece uma norma geral de admissibilidade da via arbitral em
contratos com a Administração Pública. Passou a impedir, na verdade, restrições
dentro dos limites próprios da sua utilização.
O legislador, na realidade, já tinha permitido a arbitragem em alguns
segmentos do setor público como, por exemplo: na Lei nº 9.472/97 (contratos de
concessão firmados pela Anatel - art. 93, inciso XV); na Lei 9.478/97 (contratos de
concessão firmados pela ANP – art. 43, inciso X); e na Lei 8.987/95 (normas gerais
para a concessão e a permissão de serviços públicos em geral – art. 23-A).
Em síntese, conforme importante manifestação de André Vasconcelos Roque,
82
A arbitragem poderá ser utilizada nas situações em que a Administração pratica atos de gestão (não já de império), como forma de tutelar interesse público secundário (patrimonial), e não interesse público primário (bem comum), este tipicamente indisponível.69
José Rogério Cruz e Tucci, nos termos do novo projeto, observa: “(...) a
arbitragem passa a ser meio adequado de solução dos conflitos que envolvam a
Administração Pública direta e indireta, relativamente a direitos patrimoniais
disponíveis.”70
No tocante à Arbitragem no Direito do Trabalho, o projeto mostrou-se
bastante tímido, apenas permitindo a convecção da arbitragem para dissídios
individuais do direito do trabalho - desde que o empregado ocupe, ou venha a
ocupar, cargo ou função de administrador, ou de diretor estatutário; e desde que
tomem a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordem, expressamente, com sua
instituição.
Surpreendentemente, não se aventou, em tal segmento, a possibilidade de
participação sindical, afastando-se, desta forma, qualquer perfil de sua utilização
para uma maior gama de empregados, ou mesmo em dissídio coletivo - o que
poderia, em determinado prisma, resultar em significativa alteração no ordenamento
jurídico.
No tocante à alteração referente a contratos de adesão e consumo, a cláusula
compromissória só terá validade se for redigida em negrito ou em documento
apartado, que só terá eficácia na hipótese do aderente (consumidor) ou tomar a
iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição.
69 ROQUE, André Vasconcelos. Alterações à Lei de Arbitragem: primeiras impressões. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI190472,7103-
Alteracoes+a+Lei+de+Arbitragem+primeiras+impressoes>. 70 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Anteprojeto de alteração da Lei de Arbitragem. Migalhas.
Advogados Associados. 8 de outubro de 2013. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI187830,11049-
Anteprojeto+de+alteracao+da+Lei+de+Arbitragem>.
83
Posto isto, argumenta-se que, salvo uma resposta pronta e efetiva em face da
aceitação ou aprovação da arbitragem, gerando, assim, a confiança desejada, a
arbitragem, em tal segmento, terá grande dificuldade de vingar. Não se tem,
portanto, até o presente momento, a indispensável confiança, por parte do
consumidor, na arbitragem como meio de solução de conflitos.
No que diz respeito a Sociedades Anônimas, como bem anotado por Cruz e
Tucci,
O anteprojeto consagra, de uma vez por todas, a inserção da convenção de arbitragem no estatuto social das sociedades, desde que respeitado o quórum qualificado do art. 136 da lei das S/A, obrigando, de um lado, a todos os acionistas, com as devidas ressalvas, e, de outro, assegurando ao dissidente o direito de retirar-se da companhia.71
Desta forma, apenas como complementação da presente tese, é feita rápida
alusão a tal projeto. Nos eventos nos quais a arbitragem já tem sido aplicada com
sucesso, com certeza terão melhor desempenho. Entretanto, ainda causa
preocupação a sua incidência em novos segmentos, como nas áreas de direito do
trabalho e relações de consumo.
Não obstante, ainda que o seu sucesso ocorra somente em determinados
segmentos, já se faz mostrar como um traço positivo a inserção, na ordem jurídica,
da nova lei de arbitragem, pois pode proporcionar melhor a almejada segurança
jurídica onde tal meio de solução de conflitos já vem sendo adotado com
reconhecido êxito.
2 ARBITRAGEM SOB O ASPECTO INTERNACIONAL
No item anterior, foram apresentados: a arbitragem como forma não
jurisdicional de solução de conflitos; a natureza jurídica da arbitragem; sua jurisdição
e polêmica envolvida nessa questão; e o seu enfoque legal. A seguir, tratar-se-á da
arbitragem sob o aspecto internacional, apresentando-se os aspectos gerais da
arbitragem internacional, a sentença arbitral estrangeira, o compromisso de
71 Idem, ibidem.
84
arbitragem internacional, o tribunal arbitral internacional, o procedimento utilizado e o
direito aplicável na arbitragem internacional.
2.1 Aspectos Gerais da Arbitragem Internacional
Conforme anteriormente destacado, a arbitragem integra os instrumentos
sociais de harmonização da sociedade por meio de processo, atuando no âmbito
local, bem como nas relações internacionais.
Segundo Alan Redfern e Martin Hunter72, a arbitragem internacional tem se
tornado o principal método de resolução de conflitos entre Estados, indivíduos e
corporações em quase todos os aspectos de negócio, comércio e investimento
internacionais. Os autores explicam que o caráter internacional da arbitragem deriva
da diferença existente entre as arbitragens puramente nacionais ou domésticas
daquelas que, de algum modo, transcendem as barreiras nacionais, sendo, portanto,
internacionais.
Philip Jessup73, por seu lado, prefere utilizar o termo transacional à
internacional ao se referir às situações legais que envolvam sujeitos de mais de uma
nacionalidade. O país onde a arbitragem será conduzida é escolhido pelas partes,
ou pela instituição arbitral, levando em consideração justamente a falta de conexão
deste com os países litigantes. Em teoria, a sede da arbitragem deverá ser
verdadeiramente neutra.
A exemplo dos autores supracitados que trataram desse tema, Carolina
Iwancow Ferreira74, por sua vez, registra que não há grandes diferenças entre a
arbitragem interna e a arbitragem internacional, sendo ambas regidas pelos mesmos
princípios de direito. Destaca que a diferença consiste, em síntese: na localização
72 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p.
1-8. 73 JESSUP, Philip C. Transnational Law. Yale University Press, 1956. 74 FERREIRA, Carolina Iwancow. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna
Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 96.
85
das partes estipulantes em países distintos; na condução da arbitragem em país
distinto dos estipulantes; e na apresentação do objeto da arbitragem com elo em
mais de um país. Assinala que a expressão “arbitragem comercial internacional” foi
consagrada pela Convenção Europeia de 1961 (Convenção de Genebra) e pela Lei
Modelo (Soft Law) adotada pela Comissão das Nações Unidas sobre o Direito
Comercial Internacional (Uncitral), em 1985, sendo aplicado nas arbitragens
internacionais de natureza mercantil.
Nesse contexto, é importante registrar que a arbitragem no âmbito
internacional pode, eventualmente, apresentar dificuldades no tocante à incidência
de normas no que tange ao aspecto espacial. Isto decorre porque uma das grandes
controvérsias na arbitragem internacional diz respeito à incidência da lei ao caso em
concreto, considerando a imperatividade das leis locais e a faculdade de eleição de
normas de distintos países.
Com efeito, eventuais antinomias de norma de procedimento arbitral e do
próprio direito material aplicável ao caso apresentam-se sob o aspecto temporal e,
no que concerne ao tema arbitragem internacional, também no aspecto espacial,
tendo em vista a possibilidade dos contratantes situarem-se em países distintos,
bem como optarem por normas alienígenas. Conforme assinala Luiz Olavo Baptista,
remetendo à H. Battifol e P. Lagarde, “o conflito de leis na ordem interna pode
ocorrer quanto ao efeito temporal das normas, enquanto que na órbita internacional
pode ser espaço-temporal”.75
Para Philippe Fouchard, Emmanuel Gaillard e Berthold Goldman76, uma das
consequências da natureza internacional da arbitragem, no Direito Internacional
Privado, é o conflito de leis. Destarte, a inexistência de internacionalidade implicaria
na ausência de conflito de leis na arbitragem. Explicam, ainda, que a principal
consequência do caráter internacional da arbitragem é determinar se um conjunto
específico de normas substanciais é aplicável ou não. Sustentam que a distinção 75 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2011, p. 39. 76 FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. International Commercial
Arbitration. Kluwer Law International. 1999, p. 45.
86
entre a arbitragem nacional e internacional serve para determinar a ordem jurídica à
qual a arbitragem está conectada. Consequentemente, deve-se examinar a situação
e a relação entre as partes de modo a estabelecer uma conexão com um ou mais
sistemas legais.
Ao referir-se a tal assunto, Berthold Goldman77 ressalta que a percepção de
qualquer elemento estrangeiro providenciará possíveis conexões com outros países
e, de acordo com a sua importância, determinar-se-á se a situação será regulada
por um sistema legal estrangeiro ou nacional. Nesse sentido, a arbitragem que
envolver elementos estrangeiros em face de um determinado país poderá ser
considerada internacional.
Fouchard, Gaillard e Goldman78 elencam os possíveis elementos de conexão
da seguinte forma: (i) nacionalidade e domicílio do árbitro(s); (ii) nacionalidade das
partes; (iii) domicílio, residência ou sede das partes; (iv) outros fatores ligados ao
conteúdo substancial do litígio (ex: local de assinatura ou execução do contrato,
local do dano, local de propriedade envolvida etc.); (v) nacionalidade ou sede da
instituição arbitral; (vi) sede da arbitragem; (vii) local onde a sentença arbitral será
executada; (viii) lei escolhida para regular os procedimentos arbitrais; e (ix) lei
escolhida para regular o mérito da disputa. Quando todos os elementos levarem a
um mesmo país, a arbitragem será nacional. Por outro lado, variam de importância e
devem ser analisados em cada caso de acordo com suas peculiaridades a fim de
determinar se uma arbitragem será internacional ou não.
A Lei Modelo da UNCITRAL determina, em seu artigo 1º, parágrafo 3º:
(3) Uma arbitragem é internacional se:
a) As partes em uma convenção de arbitragem tiverem, no momento da sua conclusão, as suas sedes comerciais em diferentes Estados; ou
77 GOLDMAN, Berthold. Arbitrage (droit international privé). Encyclopédie Dalloz – Droit International.
1968. 78 Idem, ibidem, p. 46.
87
b) Um dos locais a seguir referidos estiver situado fora do Estado no qual as partes têm a sua sede;
(i) O local da arbitragem, se determinado na, ou de acordo com, convenção de arbitragem;
(ii) Qualquer local onde deva ser cumprida uma parte substancial das obrigações resultantes da relação comercial ou o local com o qual o objeto da disputa tenha vínculos mais estreitos; ou
c) As partes tiverem convencionado expressamente que o objeto da convenção de arbitragem envolve mais de um país.
A arbitragem, como instrumento de solução de conflitos, pode ser utilizada por
pessoas de direito privado, bem como por Estados e organizações internacionais. É
importante registrar que o reconhecimento da soberania dos Estados -
independentemente de sua extensão territorial, população ou economia - é
acompanhada de inúmeros conflitos no âmbito internacional, envolvendo desde
questões comerciais hodiernas até litígios históricos acerca de delimitações de
fronteira. Em último grau, a ausência de êxito na solução diplomática pode ocasionar
um conflito bélico, o que destaca, sem dúvida, a importância do desenvolvimento de
meios de solução pacífica de controvérsias no âmbito internacional.
Destaca-se que a Carta das Nações Unidas, que integra o Estatuto da Corte
Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, por
ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional,
acolhida pelo Estado brasileiro pelo Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945,
dispõe, em seu artigo 2º, §§ 3º e 4º:
Artigo 2. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios:
(...)
3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.
4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.
88
Assim, inferem-se os princípios que regulam a espécie, impondo-se aos
Estados o dever de solucionar eventuais controvérsias internacionais por meios
pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça
internacional (art. 2º, item 3).
A Carta das Nações Unidas também impõe o dever de evitar a ameaça, ou o
uso da força, tanto contra a integridade territorial quanto contra a dependência
política de qualquer Estado (art. 2º, item 4). Ademais, em um capítulo próprio
(Capítulo VI), denominado “Solução Pacífica de Controvérsias”, impõe o dever de
buscar uma solução para eventuais controvérsias por meio de negociação, inquérito,
mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos
regionais, ou utilizando qualquer outro meio pacífico à sua escolha. In verbis:
Capítulo VI - Solução Pacífica de Controvérsias
Artigo 33. 1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha.
Verifica-se, desse modo, que a arbitragem, como modo de solução de
conflitos entre Estados, é indicada expressamente no mencionado artigo 33.1. da
Carta das Nações Unidas, acolhida pelo Brasil no Decreto nº 19.841, de 22 de
outubro de 1945.
Sem dúvida, na guerra não há vencedores, sendo incontestável a importância
dos meios pacíficos de solução de conflitos, sendo, de tal prisma, insofismável a
relevância do papel da arbitragem internacional.
Em tal contexto, é importante enfatizar as conclusões de Karin Hlavnicka
Skitnevsky79, no sentido da escassa aplicação da doutrina do second look, em
razão, inclusive, da decisão do caso Mitsubishi, que levou os Tribunais norte- 79 SKITNEVSKY, Karin Hlavnicka. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO,
Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier
Latin, 2010, p. 109.
89
americanos, após referida decisão, a deixaram de utilizar a mencionada doutrina.
Segundo a autora, a second look doctrine, também conhecida como doutrina da
“segunda opinião” ou “segundo olhar”, tem como escopo:
(...) estabelecer um procedimento de revisão de qualquer determinação do tribunal arbitral durante o procedimento ou das sentenças arbitrais internacionais, o que deve ser realizado pelo judiciário do país em que irá ser reconhecida e executada visando garantir a efetividade da legislação local.80
Nesse contexto, conforme salienta Cláudio Finkelstein81, a arbitragem
apresenta-se como meio apropriado para a solução de conflitos entre operadores do
comércio internacional, possibilitando a adoção de regras próprias e consequente
interação com os ordenamentos jurídicos locais.
Concluindo, é indubitável a importância da arbitragem, que enfrenta inúmeras
barreiras geográficas, culturais e econômicas, como meio efetivo de solução de
controvérsias internacionais. Ela atua na relação entre os Estados, bem como entre
os entes de direito privado, na busca da pacificação de uma sociedade cada vez
mais globalizada.
2.2 Sentença Arbitral Estrangeira
A norma brasileira que dispõe sobre a arbitragem, Lei nº 9.307, de 23 de
setembro de 1996, não faz distinção entre a arbitragem interna e a arbitragem
internacional. Todavia, no Capítulo VI, denominado “Do Reconhecimento e
Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras”, trata, expressamente, das
sentenças arbitrais estrangeiras.
Nessa direção, preceitua o critério territorial ao conceituar a sentença arbitral
estrangeira como aquela que tenha sido proferida fora do território nacional (Lei
9.307/96, art. 34, p. único). Logo, infere-se que o Legislador pátrio adotou como
80 Idem, ibidem, p. 101. 81 FINKELSTEIN, Cláudio. Contratos Internacionais e Arbitragem. Revista Jurídica Consulex, ano XV,
nº 357, 1º de dezembro de 2011, p. 38-39.
90
critério de identificação da sentença arbitral o local em que foi proferida, nos termos
do mencionado artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 9.307/96.
Ressalta-se que essa distinção é de suma importância, uma vez que,
conforme já assinalado, a sentença arbitral doméstica apresenta natureza de título
executivo judicial, nos termos do artigo 31 da mencionada Lei nº 9.307/96: “A
sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da
sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui
título executivo.”
Por outro lado, a eficácia da sentença arbitral estrangeira em território
nacional está condicionada à homologação do Superior Tribunal de Justiça, nos
termos do artigo 35 da Lei nº 9.307/96: “Para ser reconhecida ou executada no
Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do
Supremo Tribunal Federal”. Por conseguinte, entes brasileiros que pactuam a
arbitragem sob a égide de um tribunal arbitral internacional poderão ter o provimento
arbitral, originado de eventual litígio, sujeito à homologação do Superior Tribunal de
Justiça.
Nessa esteira de entendimento, faz-se mister salientar, por pertinente, que é
importante consignar que a Convenção Sobre o Reconhecimento e Execução de
Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Convenção de Nova Iorque), de 1958, acolhida
em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 4.311, de 23 de julho de 2002,
prescreve, em seu artigo I, item 1:
A presente Convenção aplicar-se-á ao reconhecimento e à execução de sentenças arbitrais estrangeiras proferidas no território de um Estado que não o Estado em que se tencione o reconhecimento e a execução de tais sentenças, oriundas de divergências entre pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas. A Convenção aplicar-se-á igualmente a sentenças arbitrais não consideradas como sentenças domésticas no Estado onde se tencione o seu reconhecimento e a sua execução.
91
Luiz Olavo Baptista82 destaca que as primeiras regras de arbitragem da
Comissão das Nações unidades para o Direito do Comércio Internacional (CNUDCI)
datam de 1976, destacando-se, inclusive, uma Lei Modelo sobre Arbitragem
Comercial Internacional. Conforme observa, a Câmara de Comércio Internacional
(CCI) tem um dos regulamentos mais antigos, consignando que, da mesma forma da
Lei de Arbitragem brasileira, está disposto à autonomia da cláusula compromissória
em relação ao contrato em que estiver inserta, mantendo-se a competência do
Tribunal Arbitral ainda que declarada a nulidade do contrato celebrado pelas partes.
O autor83 salienta que a “American Arbitration Association” (AAA), fundada em
1926, é a principal instituição arbitral dos Estados Unidos, sendo integrado pelo seu
braço internacional, o “International Centre for Dispute Resolution” (ICDR), fundado
em 1996. Quanto à Europa, a “London Court of International Arbitration” (LCIA), na
busca da universalidade de suas regras de arbitragem, é integrada por elementos de
“civil” e “common law”, enquanto que o “Arbitration Institute of the Stockholm” (SCC)
é uma dos mais antigos. Fundado em 1917, é também conhecido por sua
experiência em administração de arbitragens de investimento.84
Beat Walter Rechsteiner85 consigna que o Brasil ratificou importantes
convenções internacionais, como a Convenção Interamericana sobre Arbitragem
Comercial Internacional, de 30 de janeiro de 1975, a Convenção Interamericana
sobre Cartas Rogatórias, de 30 de janeiro de 1975, o Protocolo Adicional à
Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias, de 8 de maio de 1979, a
Convenção Interamericana sobre Prova e Informação acerca do Direito Estrangeiro,
de 8 de maio de 1979, e a Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial
das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, de 8 de maio de 1979. Como
anteriormente mencionado, a Lei nº 9.307/96 dispõe, em seu Capítulo VI, sobre o
82 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2011, p.
186-187. 83 Idem, ibidem, p. 187-188. 84 Idem, ibidem, p. 189. 85 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. 16ª edição. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 260-261.
92
reconhecimento e a execução da sentença arbitral estrangeira, definindo a sentença
arbitral estrangeira como aquela proferida fora do território internacional (art. 34, p.
único).
Francisco José Cahali86 destaca, com propriedade, que a Lei de Arbitragem
brasileira, no que diz respeito às sentenças arbitrais estrangeiras, traz regra
tradicional, de um lado, e inovadora, de outro. A regra tradicional apresenta-se na
exigência de homologação da sentença arbitral estrangeira perante o Colendo
Superior Tribunal de Justiça para a sentença arbitral estrangeira gerar efeitos (art.
37, caput). Por outro lado, a Lei pátria inova ao prescrever que a sentença arbitral
estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil em conformidade com os
tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência,
estritamente de acordo com os seus termos.
Nesse sentido, a Lei nº 9.307/96 revela seu aspecto tradicional ao
condicionar a eficácia da sentença arbitral estrangeira à homologação da Colenda
Corte Superior, bem como inova ao dispor que o reconhecimento e a execução da
sentença devem ser em conformidade com os tratados internacionais com eficácia
no ordenamento interno.
É importante registrar que o artigo 35 faz menção ao Excelso Superior
Tribunal de Justiça. Porém, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, foi
incluída a alínea “i” no inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, atribuindo-se
ao Colendo Superior Tribunal de Justiça a homologação de sentenças estrangeiras
e a concessão de exequatur às cartas rogatórias. Enfatiza-se, também, que o artigo
36 da Lei de Arbitragem brasileira dispõe que à homologação da sentença arbitral
estrangeira deve ser aplicado, no que couber, o disposto nos artigos 483 e 484 do
Código de Processo Civil.
86 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,
p. 390.
93
Por oportuno, o artigo 483 do Código de Processo Civil condiciona a eficácia
da sentença estrangeira à homologação pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça,
conforme seu Regime Interno, enquanto que o artigo 484 preceitua que a execução
da sentença estrangeira será por meio de extração de carta de sentença, extraída
dos autos da homologação, bem como que obedecerá as regras estabelecidas para
a execução da sentença nacional da mesma natureza.
A Resolução 9, de 4 de maio de 2005, do Colendo Superior Tribunal de
Justiça, dispôs, em caráter transitório, sobre a competência acrescida pela Emenda
Constitucional 45/2004, atinente à homologação de sentença estrangeira. Dentre as
suas disposições, consta a atribuição ao Presidente da Colenda Corte Superior da
homologação da sentença estrangeira (art. 2º). Além disso, menciona que serão
homologados os provimentos não-judiciais que, pela lei brasileira, teriam natureza
de sentença.
Em tal contexto, é relevante consignar que a mencionada Convenção de
Nova York, sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais
estrangeiras, dispõe que a parte que solicitar o reconhecimento e a execução
fornecerá a sentença original devidamente autenticada, ou uma cópia devidamente
certificada, bem como o acordo original da estipulação da arbitragem ou cópia
autenticada. Também deverá fornecer, se o caso, uma tradução de tais documentos,
certificada por um tradutor oficial ou juramentado ou por um agente diplomático ou
consular. In verbis:
Artigo IV
1. A fim de obter o reconhecimento e a execução mencionados no artigo precedente, a parte que solicitar o reconhecimento e a execução fornecerá, quando da solicitação:
a) a sentença original devidamente autenticada ou uma cópia da mesma devidamente certificada;
b) o acordo original a que se refere o Artigo II ou uma cópia do mesmo devidamente autenticada.
2. Caso tal sentença ou tal acordo não for feito em um idioma oficial do país no qual a sentença é invocada, a parte que solicitar o reconhecimento e a execução da sentença produzirá uma tradução desses documentos para tal
94
idioma. A tradução será certificada por um tradutor oficial ou juramentado ou por um agente diplomático ou consular.
No mesmo sentido, o artigo 37 da Lei nº 9.307/96 reza que:
Art. 37. A homologação de sentença arbitral estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações da lei processual, conforme o art. 282 do Código de Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com:
I - o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial;
II - o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial.
O artigo 282 do Código de Processo Civil exige que a petição inicial indique: I
- o juiz ou tribunal, a que é dirigida; II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão,
domicílio e residência do autor e do réu; III - o fato e os fundamentos jurídicos do
pedido; IV - o pedido, com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as
provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; e VII - o
requerimento para a citação do réu.
Luiz Olavo Baptista87 argumenta que a sentença arbitral deve ser escrita,
tendo em vista a dificuldade da prova do conteúdo de uma sentença proferida de
forma oral. Nesse sentido, é de grande importância a Lei nº 9.307/96, em
consonância com a Convenção de Nova Iorque, de 1958, por estabelecer critérios
precisos para a identificação da sentença arbitral que, conforme o local em que foi
proferida, está sujeita ao exequatur do Superior Tribunal de Justiça.
2.3 Compromisso de Arbitragem Internacional
A Convenção de Nova York, ao regular aspectos formais da arbitragem,
impõe que o compromisso arbitral conste de termo escrito. In verbis:
87 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2011, p.
236.
95
Artigo II (...) 2. Entender-se-á por "acordo escrito" uma cláusula arbitral inserida em contrato ou acordo de arbitragem, firmado pelas partes ou contido em troca de cartas ou telegramas.
O compromisso arbitral, como bem registrado por Luiz Olavo Baptista88, deve
ser vislumbrado sob dois aspectos: “arbitrabilidade subjetiva”, que diz respeito aos
agentes que se submeterão à arbitragem; e “arbitrabilidade objetiva”, referente à
matéria que será o objeto da arbitragem.
No que concerne a tais aspectos da arbitragem, o artigo 1º da Lei nº 9.307/96
dispõe que os agentes capazes de contratar poderão avençar a solução de conflitos,
por meio de arbitragem, em relação aos direitos patrimoniais disponíveis. Nos exatos
termos da lei, “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem
para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Desse modo, as matérias de ordem pública em geral não podem ser objeto de
arbitragem. Como destacado por Luiz Olavo Baptista, “somente questões
patrimoniais são admitidas, excetuando-se aquelas em que há maior interferência da
ordem pública”. O autor ilustra tal afirmação, indicando, para a aplicabilidade da
arbitragem, casos de “falências, propriedade industrial ou, em certos países,
relações de trabalho” em que “as restrições de Direito interno passam a ter efeitos
internacionais”. Nesse mesmo diapasão, remetendo a Phillippe Fouchard, salienta
que, apesar de ser aceita em diversos países, “o uso da arbitragem é restrito a
certas matérias”.89
No que diz respeito ao aspecto subjetivo, há diferentes concepções sobre a
capacidade jurídica nos ordenamentos jurídicos, cabendo análise própria em cada
caso, conforme os termos da arbitragem pactuados pelos interessados.
Assim, em síntese, prevalece no âmbito internacional a limitação da
arbitragem aos direitos patrimoniais indisponíveis, enquanto que, sob o aspecto
88 Idem, ibidem, p. 107. 89 Idem, ibidem, p. 108.
96
subjetivo, a capacidade, questão de ordem pública, deve ser aferida conforme as
normas cogentes próprias que regem o caso em concreto.
2.4 O Tribunal Arbitral Internacional
Como destacado, as partes podem escolher diretamente os árbitros ou
delegar a um terceiro o poder de escolhê-los, nos termos do artigo 13, §§ 1º, 2º e 3º,
da Lei nº 9.307/96.
A nomeação do árbitro, como já detalhado, pode ocorrer de diversas
maneiras, sendo comum nas questões comerciais. Conforme consignado por Luiz
Olavo Baptista, ao discorrer sobre a designação de uma associação especializada
do comércio internacional,
como é frequente nos negócios relativos a Commodities, como na Grain and Feed Trade Association (GAFTA) ou outras entidades similares, ou de associações profissionais, como a Federação Internacional dos Engenheiros e Consultores de Construção (FIDIC), ou a OAB, ou uma instituição arbitral, ou ainda um órgão de alguma outra entidade, como a CPA, ou o presidente de algum tribunal local ou internacional.90
Segundo o autor91, a hipótese mais comum é uma cláusula cheia, inserida em
um “contrato-padrão” do comércio internacional. Os contratos de compra e venda de
commodities normalmente contêm uma cláusula referente a uma arbitragem
específica, com características próprias de associação de comerciantes de
commodities. Serviços de transporte marítimo e respectivos seguros também
costumam apresentar tal cláusula específica. Do mesmo modo, é frequente que
serviços de engenharia utilizem os contratos-padrão da FIDIC.
Ao discorrer sobre algumas instituições especializadas em arbitragem,
voltadas para o gerenciamento de arbitragens e que contam com uma série de
mecanismos para que os árbitros sejam selecionados, o autor cita os seguintes
exemplos:
90 Idem, ibidem, p. 145. 91 Idem, ibidem, p. 149.
97
O caso clássico é a CCI, mas não é ela a única. O Internactional Centre for Settlement of Investment Disputes (ICSID), a LCIA, a AAA (nos Estados Unidos), e a AFA fazem parte dessa categoria (câmaras internacionais). No Brasil, a instituição mais antiga é a CCBC, a que sucedem a CIESP e, mais tarde, a CAMARB, em Minas Gerais. Outras ainda existem em diversas capitais.92
Uma questão relevante, e que deve ser mencionada, refere-se ao domínio do
idioma a ser utilizado por um árbitro internacional. Ele deve ser fluente na língua que
será utilizada na arbitragem a fim de evitar a utilização de intérprete e tradutor para
analisar documentos, depoimentos e argumentos lançados pelas partes. Isso deve
ocorrer não apenas em função dos custos adicionais acarretados, mas também, e
principalmente, pela privação do árbitro do contato direto com as fontes de prova.
Uma última questão a ser mencionada, mas não de menor relevância, refere-
se ao fato que o árbitro deve dominar o direito aplicável à espécie e ao sistema
jurídico que está inserido, sob pena de desprestigiar os valores que compuseram as
tratativas avençadas, bem como de aplicar regras jurídicas alheias à controvérsia.
2.5 Procedimento na Arbitragem Internacional
O procedimento de arbitragem internacional apresenta uma estrutura que
segue um padrão internacional, caracterizado pela simplificação, modernização e
aumento da eficiência das regras adotadas no processo civil. Destaca-se a
autonomia da lei do procedimento em relação à lei aplicável ao litígio, apresentando
as partes ampla liberdade para escolher a lei que regerá o procedimento arbitral.93
Luiz Olavo Baptista94 observa que, embora as partes litigantes possam
escolher a lei aplicável ao procedimento de arbitragem internacional, deve-se atentar
às normas cogentes locais a fim de se evitar eventual invalidade da sentença
arbitral. Com efeito, independentemente das normas orientadoras do procedimento
arbitral, deve-se respeitar o devido processo legal, resumido, em síntese, no
tratamento igualitário das partes e no efetivo contraditório. Quanto às regras do
92 Idem, ibidem, p. 150. 93 Idem, ibidem, p. 191-195. 94 Idem, ibidem, p. 202.
98
procedimento arbitral, Cláudio Finkelstein95 destaca que elas, com frequência,
derivam ou de regras-modelos, publicadas pela UNCITRAL, ou de regras de outra
notória instituição, como a CCI (Câmara de Comércio Internacional).
O referido autor96 consigna que, no tocante à arbitragem internacional, o
tratado mais importante, que regula o juízo arbitral, é a mencionada Convenção
Sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de 1958
(Convenção de Nova York), que suplantou a Convenção de Genebra, de 1927, a
Convenção Internacional sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais
Estrangeiras, bem como a Convenção do Panamá, de 1975, sendo o Brasil
signatário desses tratados.
A Câmara de Comércio Internacional – CCI é citada por Jonathan Barros
Vita97. O autor a indica como exemplo de procedimento arbitral que as partes podem
avençar, mencionando, também, a Convention on the Settlement of Investment
Disputes between States and Nationals of other States – ICSID. Outrossim, salienta
que, no caso de potenciais conflitos entre regras procedimentais específicas, aplica-
se o já mencionado princípio da Kompetenz-Kompetenz, permitindo-se que a própria
corte arbitral determine as regras aplicáveis a si mesma.
No que diz respeito à produção de provas, Marco Deluiggi consigna que, na
maioria das vezes, as partes optam por um regulamento que, em regra, confere ao
tribunal arbitral poderes para conduzir a produção de provas na forma que entender
própria ao caso. Para esse fim, o autor cita o artigo 20(1) do Regulamento da CCI:
“O Tribunal Arbitral deverá proceder à instrução da causa com a maior brevidade
possível, recorrendo a todos os meios apropriados,” complementando-o com o item
95 FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan Barros; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem
Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 47. 96 Idem, ibidem, p. 48. 97 VITA, Jonathan Barros. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan Barros; CASADO FILHO,
Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier
Latin. 2010, p. 64.
99
(5), no qual consta que “A qualquer momento no decorrer do processo, o Tribunal
Arbitral poderá determinar às partes que forneçam provas adicionais”.98
Ao referir-se ao mencionado assunto, Luiz Olavo Baptista99 observa que o
passo inicial consiste na notificação ao demandado acerca do processo arbitral,
registrando que, segundo as regras da UNCITRAL, a arbitragem é instaurada na
data em que a notificação da demanda arbitral é recebida pela parte. Salienta,
também, que, segundo as regras de arbitragem da Câmara de Comércio
Internacional, considera-se instalada a arbitragem com o recebimento da notificação
pela Secretaria da Corte Internacional de Arbitragem.
Conforme previamente destacado, nos termos do artigo 267, VII, do Código
de Processo Civil, o processo deve ser extinto, sem julgamento do mérito, se existir
convenção de arbitragem. Luiz Olavo Baptista registra que a Convenção de Nova
York, ratificada pelo Brasil, preceitua que, existindo convenção de arbitragem, o juiz
deve enviar as partes à arbitragem, salvo hipótese de existência de nulidade.
Consigna que, nos termos do artigo 90 do Código de Processo Civil, “A ação
intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a
autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são
conexas”, expressando “o princípio de que cada ordem jurídica é autônoma em
relação a outra”.100
Vale ressaltar que tal princípio aplica-se com maior propriedade nos casos de
jurisdição estatal e arbitragem, considerando que constituem sistemas de solução de
controvérsias distintos, regrados por leis, princípios e dinâmicas próprias.
98 DELUIGGI, Marco. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO, Napoleão
(Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin. 2010,
p. 141-142. 99 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2011, p.
211. 100 Idem, ibidem, p. 218.
100
Assim, não obstante o disposto na Convenção de Nova York, ratificada,
reforce-se, pelo Brasil, o juízo arbitral é competente para apreciar eventuais causas
de invalidade da convenção de arbitragem, com suporte no mencionado artigo 267,
VII, do Código de Processo, bem como no parágrafo único do artigo 8º da Lei nº
9.307/96 (“Acerca da existência, validade, e eficácia da convecção de arbitragem e
do contrato que contenha a cláusula compromissória”).
Luiz Olavo Baptista101 assinala que, na maioria dos casos, as partes, ou as
próprias regras de instituição de arbitragem, estipulam o regime de
confidencialidade, que é visto como uma qualidade na medida em que protege os
litigantes e seus segredos comerciais e industriais da curiosidade de competidores.
Isto vem ao encontro da contribuição de Carolina Iwancow Ferreira102 sobre o
tema. A autora argumenta que a possibilidade de estipulação de cláusula de
confidencialidade na arbitragem é fator especialmente relevante, pois permite às
partes a proteção de seus segredos, o que, em regra, não seria possível sob a tutela
jurisdicional estatal.
2.6 Direito Aplicável na Arbitragem Internacional
Uma das grandes controvérsias da arbitragem internacional refere-se à
definição da lei aplicável ao litígio, sendo tratada por diversos autores,
especialmente por Fouchard e Gaillard, e também por Berger, entre outros,
conforme acentua Jonathan Barros Vita.103
Vita104 registra que as espécies normativas podem pertencer a grupos
distintos, a saber: normas do país do contratante “A”; normas do país do contratante 101 Idem, ibidem, p. 219. 102 FERREIRA, Carolina Iwancow. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna
Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 94. 103 VITA, Jonathan Barros. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan Barros; CASADO FILHO,
Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier
Latin, 2010, p. 51. 104 Idem, ibidem, p. 69.
101
“B”; e normas de direito internacional, sejam jurídicos, como tratados, sejam não
jurídicos, como a Lex Mercatoria e princípios UNIDROIT.
Destarte, cumpre registrar que as obrigações, inclusive as decorrentes de
contrato, são reguladas pela lei vigente no local em que forem constituídas, nos
termos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657,
de 4 de setembro de 1942, que, em seu artigo 9º, caput, dispõe: “Para qualificar e
reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.”
Assim, o legislador pátrio mitigou o princípio da autonomia da vontade ao
impor às partes a lei aplicável às obrigações avençadas. Em contrapartida, como já
abordado, a Lei nº 9.307/96 dispôs, dentre os instrumentos para solucionar litígios, a
equidade (art. 2º, “caput”). Logo, nada impede que as partes, ao convencionarem
uma cláusula arbitral, estabeleçam que eventuais litígios sejam dirimidos por
equidade.
Nos termos acima detalhados, as partes interessadas podem escolher
livremente as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não
haja violação aos bons costumes e à ordem pública (Lei nº 9.307/96, art. 2º, §1º).
Outrossim, a legislação pátria também facultou a convenção da arbitragem com
base nos princípios gerais do direito, nos usos e costumes e nas regras
internacionais de comércio (Lei nº 9.307/96, art. 2º, §2º).
Não obstante o debate na academia acerca da aparente antinomia, o
entendimento da incidência da lei específica sobre a geral prevalece. Cláudio
Finkelstein105 sustenta que o árbitro, ao contrário do juiz togado, não está sujeito ao
disposto no artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
105 FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan Barros; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem
Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 48.
102
Por seu turno, ao tratar do direito aplicável na arbitragem internacional,
especial atenção merece a Lex Mercatoria, conjunto normativo que rege as
operações no comércio internacional.
Rogério Dourado Furtado registra que, não obstante a diversidade conceitual,
praticamente todos os doutrinadores partem das premissas de Berthold Goldman,
segundo as quais a Lex Mercatoria consiste “no conjunto de princípios, instituições e
regras provenientes de diversas fontes, que nutre constantemente as estruturas
legais e a atividade específica da coletividade dos operadores do comércio
internacional”.106
Como destacado por Luiz Olavo Baptista107, é a designação que se costuma
atribuir ao conjunto de princípios, instituições e regras concernentes às operações
do comércio internacional que formam um sistema normativo que regem o comércio
internacional. Sua importância decorre da necessidade de regras de alcance global,
com escopo de representar interesses do comércio internacional, em constante
evolução, impulsionados pelo progresso social e econômico.
Carolina Iwancow Ferreira registra que, desde a Idade Média, os
comerciantes encontram meios de facilitação de procedimentos e de resolução de
conflitos sem a interferência direta do Estado. Consigna que
A Lex Mercatoria recorre a princípios gerais do Direito em matéria obrigacional, similares aos existentes na maior parte dos países, assim como engloba usos e costumes, e modelos jurídicos diversos, em especial contratos típicos do comércio internacional. Ela é completada pela interpretação dada, tanto aos contratos, quanto aos princípios de direito, por decisões arbitrais, que vão contribuindo a conformar os princípios e os contratos a uma maneira específica e adaptada à problemática empresarial e internacional.108
106 FURTADO, Rogério Dourado. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna
Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 330. 107 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora. 2011, p. 72. 108 FERREIRA, Carolina Iwancow. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna
Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 99.
103
Os modelos jurídicos formam-se na criação de contratos, interpretados a
partir de princípios gerais do direito, como a boa-fé, o pacta sunt servanda, a força
maior, dentre outros. Luiz Olavo Baptista109 cita, como exemplo, a criação dos
“INCOTERMS 1953” a partir da consolidação dos pontos comuns aos usos e
costumes dos portos mais movimentados.
Assim, pode-se concluir que a Lex Mercatoria alicerça-se no direito de
diversos países, sustentando-se em princípios e normas extraídos desses
ordenamentos jurídicos, todavia reduzindo-se a uma fórmula global, resultante da
práxis do comércio internacional, como a citada INCOTERMS.
Luiz Olavo Baptista salienta que a busca da nacionalidade faz a Lex
Mercatoria aproximar-se, por um lado, da noção de equidade, e, por outro, da
utilização dos princípios gerais do direito internacional. Outra característica da Lex
Mercatoria enfatizada pelo autor é:
(...) ao lado dos modelos jurídicos, servir como fonte de caráter pretoriano nas arbitragens internacionais; embora nelas os precedentes tenham valor relativo, são predominantes para sua aceitação, o peso da autoridade intelectual e moral dos árbitros e a correspondência da decisão com a ideia que a comunidade mercante internacional fez do direito. Isso é o que dá valor à Lex mercatoria.110
Assim, em tal contexto, pode-se concluir, na trilha dos ensinamentos de
Cláudio Finkelstein e Napoleão Casado Filho111, que a Lex Mercatoria, consistindo
na compilação dos usos e costumes aplicados a uma determinada atividade
comercial internacional, contrapõem-se à estática das normas positivadas.
Nesse panorama, a mesma atenção deve ser dada aos princípios
preconizados pela UNIDROIT, Instituto Internacional pela Unificação do Direito
Privado, criado em 1926, conforme destacado por Flávia Bittar Neves e Gisely
109 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora. 2011, p. 76. 110 Idem, ibidem, p. 77. 111 FINKELSTEIN, Cláudio; CASADO FILHO, Napoleão. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha;
GUIMARÃES, Arianna Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 99.
104
Moura Radael112, com o escopo de promover o estudo das necessidades e métodos
para modernizar, harmonizar e coordenar o direito das relações comerciais
internacionais. Assim, seu principal objetivo é diminuir as barreiras decorrentes da
diversidade dos ordenamentos jurídicos, originadas das relações internacionais
privadas.
O instituto UNIDROIT produz e publica os denominados “Princípios Unidroit
sobre Contratos Comerciais” que constituem, conforme salientado pelas autoras113,
verdadeiro Código Civil comentado no plano de Soft Law, isto é, não apresentam
caráter cogente, mas, por outro lado, podem vincular as partes de um contrato se
houver a respectiva opção como norma substantiva aplicável a eventual litígio, ou
mesmo como fonte subsidiária de direito. In verbis:
Os Princípios Unidroit tratam da interpretação dos contratos no capítulo 4, nos seguintes termos:
ARTIGO 4.1
(Intenção das partes)
(1) O contrato deve ser interpretado segundo a intenção comum das partes.
112 NEVES, Flávia Bittar; RADAEL Gisely Moura. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.;
CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São
Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 227-228. 113 Segundo Neves e Radael, “O termo Soft Law é utilizado no Direito Internacional para designar a lei
que não possuiu caráter vinculante, ou cuja força vinculante é muito pequena, em virtude da natureza
do instrumento jurídico de que se trata. No caso, os Princípios Unidroit têm forte natureza informativa,
sendo que não precisam ser adotados por determinado país para que sejam aplicados a uma relação
comercial internacional em que figura como parte um nacional daquele país. Dessa forma, por um
lado, facilita-se a aplicação dos Princípios, visto que independem de ratificação; por outro, a aplicação
dos Princípios se sujeita à vontade das partes contratantes ou, caso as partes não tenham escolhido
lei aplicável, podem ser utilizados subsidiariamente pelos juízes e, com maior liberdade e ênfase,
pelos árbitros do caso concreto.” (NEVES, Flávia Bittar; RADAEL Gisely Moura. In: FINKELSTEIN,
Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit,
Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 228).
105
(2) Caso esta intenção não possa ser estabelecida, o contrato deve ser interpretado conforme o significado que pessoas razoáveis do mesmo tipo das partes teriam atribuído ao contrato nas mesmas circunstâncias.
ARTIGO 4.2
(Interpretação de declarações ou de outras condutas)
(1) As declarações e outras condutas de uma parte devem ser interpretadas de acordo com sua intenção, se a outra parte o sabia ou não poderia desconhecer tal intenção.
(2) Caso o inciso precedente não seja aplicável, as declarações e outras condutas devem ser interpretadas conforme o significado que pessoas razoáveis do mesmo tipo das partes lhes teriam atribuído, nas mesmas circunstâncias.
ARTIGO 4.3
(Circunstâncias relevantes)
Na aplicação dos Artigos 4.1 e 4.2, devem ser consideradas todas as circunstâncias, incluindo:
(a) as negociações preliminares entre as partes;
(b) as práticas estabelecidas entre as partes;
(c) a conduta das partes subsequente à formação do contrato;
(d) a natureza e o escopo do contrato;
(e) o significado comumente atribuído a termos e expressões peculiares no meio comercial envolvido;
(f) os usos e os costumes.
ARTIGO 4.4
(Coerência do contrato)
Termos e expressões devem ser interpretados à luz de todo o contrato ou de toda a declaração em que aparecem.
ARTIGO 4.5
(Interpretação útil)
106
Os termos de um contrato devem ser interpretados de modo a que se dê efeito a todos eles, ao invés de privar quaisquer deles de efeito.
ARTIGO 4.6
(Regra contra proferentem)
Termos contratuais obscuros serão interpretados preferencialmente em desfavor da parte que os tenha proposto.
ARTIGO 4.7
(Discrepâncias linguísticas)
Quando um contrato esteja elaborado em duas ou mais versões linguísticas, que sejam igualmente obrigatórias, prefere-se, em caso de discrepâncias entre elas, a interpretação que esteja de acordo com a versão em que o contrato foi originalmente elaborado.
ARTIGO 4.8
(Termos omissos)
(1) Quando as partes de um contrato não tiverem acordado sobre um termo importante para a determinação de seus direitos e obrigações, uma cláusula apropriada, segundo as circunstâncias, deverá ser suprida.
(2) Ao determinar o que é uma cláusula apropriada, dever-se-á considerar, dentre outros fatores:
(a) a intenção das partes;
(b) a natureza e o escopo do contrato;
(c) a boa-fé e a lealdade negocial;
(d) a razoabilidade.114
Concluindo, não obstante o disposto na Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42), prevalece a especificidade da Lei nº
9.307/96, podendo as partes estipular as normas incidentes no procedimento arbitral
e no próprio litígio, inclusive merecendo especial destaque a Lex Mercatoria,
114 NEVES, Flávia Bittar; RADAEL Gisely Moura. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.;
CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São
Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 230-232.
107
concebida como o conjunto normativo que rege as operações comerciais
internacionais.
3 A SEGURANÇA DA ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL PARA O INVESTIDOR ESTRANGEIRO
Como próximo tema, abordar-se-á a questão da segurança da arbitragem
comercial internacional para o investidor estrangeiro, discorrendo-se sobre: a
arbitragem comercial internacional e as vantagens de sua aplicação para o
investidor estrangeiro; a arbitragem internacional de investimentos, com foco no
Brasil; os procedimentos utilizados, inclusive quanto à adequação de tais
procedimentos; a sentença arbitral nesse contexto; a importância de árbitros experts
nesse processo; o caráter da confidencialidade; e a relevância da questão do tempo
utilizado nos processos. Como tema subsequente, será abordada a questão da
segurança e efetividade da arbitragem como meio alternativo de solução de
conflitos, enfatizando-se: a insegurança jurídica do Judiciário brasileiro; o risco-
Brasil; e a responsabilidade do árbitro na arbitragem comercial internacional e na lei
brasileira.
3.1 Arbitragem Comercial Internacional x Arbitragem Internacional de Investimentos
Esta tese dirige atenção especial ao uso da arbitragem comercial
internacional em casos de litígios concernentes a investimentos estrangeiros. Serão
os casos onde houver duas partes privadas, de Estados diferentes, em que uma
investe na outra e, desta relação, surge uma disputa que é submetida à arbitragem.
É importante ressaltar que, no Direito Internacional, também existe o instituto
da arbitragem internacional de investimentos, referente a litígios resultantes de
investimentos internacionais propriamente ditos, não meramente estrangeiros.
Entretanto, conforme esclarece Nigel Blackaby115, o procedimento arbitral da
115 BLACKABY, Nigel. Investment Arbitration and Commercial Arbitration (or the Tale of the Dolphin
and the Shark), em J. Lew and L. Mistelis on Pervasive Problems in International Arbitration. p. 217-
233. Kluwer Law International. 2006.
108
arbitragem de investimentos apresenta características semelhantes àquelas
existentes em uma típica arbitragem comercial internacional.
A partir do anteriormente exposto, passa-se a apresentar as principais
diferenças entre a arbitragem internacional de investimentos e a arbitragem
comercial, sendo esta última objeto principal deste estudo.
Maria Anthanasiou, Bernard Hanotiau e Albert Jan Van Den Berg116, em
palestra ministrada no Centro de Arbitragem e Mediação de Chipre, tratando das
diferenças e semelhanças entre os dois tipos de arbitragem, apontaram como
principais aspectos a serem observados: (i) as partes; (ii) o solucionador do conflito
(árbitro); (iii) o tipo de resultado e seus efeitos; (iv) o consentimento; (v) o
fundamento das reivindicações; (vi) amicus curiae; e (vii) a confidencialidade.
Enquanto na arbitragem comercial internacional ambas as partes são
privadas, na arbitragem de investimentos, uma das partes será um Estado soberano,
ou seja, haverá questões envolvendo a ordem pública. Nas duas hipóteses, os
árbitros (ou o árbitro) serão escolhidos pelas partes. Entretanto, conforme ressalta
Karl-Heinz Böckstiegel117, como as questões envolvidas na arbitragem de
investimentos são mais limitadas que aquelas que podem existir na arbitragem
comercial – que tem um alcance muito mais amplo, podendo ter como objeto
diferentes matérias (ex: venda, construção, serviços etc.) –, a expertise, comumente
exigida dos árbitros nas arbitragens de investimento, deve incluir conhecimento de
direito internacional público e sua aplicação específica no âmbito de proteção dos
116 ANTHANASIOU, Maria; HANOTIAU, Bernard; VAN DEN BERG, Albert Jan. Commercial and
Investment Arbitration: Differences and Similarities. One Day Seminar “A Quick Way To Justice” –
Part Four. CYPRUS Mediation and Arbitration Centre & Chartered Institute Of Arbitrators (CYPRUS).
Hilton Hotel, Nicosia. 14 de outubro 2013. Disponível em:
<http://www.cyprusarbitration.com.cy/userfiles/files/Seminars/Oct2014/Maria_Athanasiou_-
_Investment_and_Commercial_Arbitration_-_Differences_and_Similarities.pdf> Acesso em: 23 jun.
2014. 117 BÖCKSTIEGEL, Karl-Heinz. Commercial and Investment Arbitration: How different are they today?
The Lalive Lecture 2012. Arbitration International, v. 28, i. 4, p. 577-590, LCIA, 2012.
109
BITs (Bilateral Investment Treaties). Portanto, o número de árbitros atuantes nas
arbitragens de investimentos é menor do que nas arbitragens comerciais.
O resultado de ambas as arbitragens será o proferimento de uma sentença
arbitral fundamentada. A sentença é vinculante, com força de sentença judicial, e de
cunho final, não cabendo apelação em nenhum dos casos da sentença arbitral
(apenas anulação, interpretação ou correção e, no caso de arbitragem de
investimentos, revisão).
Tanto a arbitragem comercial quanto a de investimentos exigem
consentimento das partes. Nenhuma delas poderá iniciar sem que exista acordo
prévio entre as partes litigantes. Nos dois casos, as reivindicações poderão ser
baseadas em leis nacionais e/ou internacionais (tratados internacionais), mas,
especificamente no que tange à arbitragem comercial internacional, serão
observadas também a Lex Mercatoria ou ex aequo et bono, estando sujeita esta
última hipótese à autorização das partes.
Böckstiegel118 observa que as estruturas legais dentro das quais os dois tipos
de arbitragem encontram-se é facilmente reconhecida. Para a arbitragem comercial,
em geral, a Convenção de Nova York é o instrumento mais importante, tratando do
reconhecimento (homologação) e execução das sentenças arbitrais estrangeiras.
Para a arbitragem de investimentos, por outro lado, os tratados internacionais de
direito público determinam o enquadramento legal fundamental deste tipo, tais como
os BITs e a Convenção de Washington.
Na arbitragem comercial, não ocorre a utilização do instituto do amicus curiae,
enquanto que, na arbitragem de investimentos, em teoria, não há proibição nesse
sentido. Todavia, de acordo com Andreas F. Lowenfeld119, desde o fim do ano de
2001 não tem sido permitida a intervenção de organizações não governamentais, ou
amicus curiae, nesse tipo de arbitragem. 118 Idem, ibidem. 119 LOWENFELD, Andreas F. International Economic Law. International Economic Law Series. Oxford
University Press. 2003. p. 485.
110
Em tese, a arbitragem comercial deve ser confidencial, enquanto que a
arbitragem de investimentos deve ser parcialmente pública. Isto porque os
instrumentos tradicionalmente utilizados na arbitragem de investimentos não
determinam, na maioria dos casos, se o procedimento arbitral e respectiva sentença
devem ser confidenciais. Na prática, como aponta Böckstiegel120, resta pouca
confidencialidade nas arbitragens de investimento.
3.1.1 O Brasil e a Arbitragem Internacional de Investimentos
Apesar de não ser o foco deste trabalho, reconhece-se a existência do
instituto de arbitragem internacional de investimentos. Por isto, tecem-se algumas
observações acerca do tema, de suma importância no cenário do direito
internacional público.
Com o advento da globalização e a crescente interação entre os Estados, que
culminou em um intenso intercâmbio entre os países, a economia global tornou-se
cada vez mais internacionalizada. Assim, motivou-se a criação de uma organização
especializada que se incumbisse de dirimir, de maneira institucionalizada e
imparcial, as divergências entre os investidores estrangeiros e o Estado receptor,
com pretensão, ainda, de se estimular o fluxo de investimento internacional.
Em se tratando de arbitragem voltada para o investimento internacional
propriamente dito, é mister haver uma prévia abordagem sobre a instituição de um
dos principais organismos mundiais constituídos para dirimir conflitos correlatos.
O Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos
(CISDI, também conhecido como ICSID, na sigla em inglês) foi criado a partir de
uma Convenção Internacional de 1965, sob a égide do Banco Mundial, também
denominada como Convenção de Washington de 1965 (CW). Segundo Isabela
Piacentini de Andrade, a Instituição do ICSID/CISD foi
120 BÖCKSTIEGEL, Karl-Heinz. Commercial and Investment Arbitration: How different are they today?
The Lalive Lecture 2012. Arbitration International, v. 28, i. 4, p. 577-590, LCIA, 2012.
111
uma resposta à busca dos investidores estrangeiros por um organismo neutro onde suas diferenças com o Estado receptor de seus investimentos pudessem ser resolvidas com imparcialidade, fora das jurisdições nacionais.121
Em outras palavras, o CISDI proporciona instalações para a resolução
mediante conciliação ou arbitragem de disputas referentes a investimentos entre
investidores estrangeiros e os seus países anfitriões.
Apesar de se reconhecer o papel essencial da arbitragem de investimento
internacional na resolução de conflitos entre os investidores estrangeiros e Estados
receptores de investimentos, o Brasil não tem participação no CISDI, não tendo
ratificado a Convenção de Washington, tampouco qualquer TBI.
Em artigo jurídico, publicado no site Conteúdo Jurídico, Tarcísio Guedes
Basílio122 comenta que o Brasil não aderiu ao acordo – Convenção de Washington
(CW), apesar do aumento da sua competitividade internacional, decorrente do
desenvolvimento da economia mundial como um todo, bem como do capital
estrangeiro recebido durante o programa de privatizações, promovidas pelo governo
Fernando Henrique Cardoso. Portanto, o programa não oferece ao investidor
estrangeiro uma moldura legal propícia para a resolução de controvérsias. Ainda
nesta mesma linha de considerações, Diogo Alves sustenta que
o grande óbice à aceitação do governo brasileiro à CW reside na regra de que as sentenças arbitrais estrangeiras são obrigatórias para os Estados signatários, os quais se comprometem a executá-la como se fosse um julgamento definitivo de seus tribunais.123
121 ANDRADE, Isabela Piacentini de. A execução de sentenças arbitrais contra estados estrangeiros
segundo a Convenção de Nova York de 1958 e a Convenção de Washington de 1965. Revista
Brasileira de Direito Internacional, v. 2, n. 2. Curitiba. jul./dez. 2005. 122 BASÍLIO, Tarcísio Guedes. O Centro Internacional para Solução de Disputas Sobre Investimentos
(CISDI). Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-centro-internacional-para-
solucao-de-disputas-sobre-investimentos-cisdi,44259.html#_ftnref7>. Acesso em: 14 ago. 2014. 123 ALVES, Diogo. Arbitragem: Proteção aos Investimentos Internacionais. Idea Revista. v.1, n.2,
jan./jul. 2010. Disponível em:
<http://www.esamcuberlandia.com.br/RevistaIdea2/artigos/2010v1n2art01.pdf>. Acesso em: 14 ago.
2014.
112
Pela leitura de artigo publicado por Ana Gerdau de Borja124, sob o título
“Arbitragens de Investimento e o caso do Brasil”, depreende-se que o Brasil, na
década de 60, recusou-se a assinar a Convenção de Washington de 1965. O então
Delegado do Brasil nas negociações da Convenção de Washington afirmou que o
texto da Convenção, além de suscitar questões constitucionais, conferia ao
investidor posição privilegiada em relação ao país hospedeiro, pois apenas o
primeiro teria a faculdade de instituir a arbitragem, o que seria desvantajoso para o
Brasil. Fernanda Araújo Kallás e Caetano, em artigo publicado sob o título “Direito
Internacional dos Investimentos na Atualidade: Uma Análise da Posição Brasileira”,
tendo como foco uma análise das razões que levaram o Brasil a optar pela não
adesão da Convenção de Washington de 1965 e pela não ratificação dos Tratados
Bilaterais de Promoção e Proteção dos Investimentos (TBIs) que foram por ele
assinados, deixou registrado que, no caso brasileiro, diversas foram as causas que
justificaram a posição de resistência à ratificação da Convenção de Washington.
Uma dessas causas, segundo a autora,
sem dúvida fundamenta-se na má experiência vivida pela Argentina que, durante a crise que assolou o país em 2002, viu-se impossibilitada de dar cumprimento a todos os contratos celebrados com os investidores estrangeiros. Com uma celeridade dificilmente observada em qualquer via judicial interna, procedimentos arbitrais foram instaurados no Centro, findando-se, dentro de um curto espaço de tempo, com uma condenação final do Estado Argentino.125
Não se discute que a concordância dos Estados com a arbitragem CIRDI
demonstra-se, na atualidade, como uma das maneiras mais eficazes de promoção
do investimento estrangeiro no território estatal. Da mesma forma, a indisposição do
Brasil à abdicação da competência judicial interna, em prol da arbitragem
124 BORJA, Ana Gerdau de. Arbitragens de Investimento e o caso do Brasil. Britcham Brasil. Resenha
Legal. Setembro 2010. Disponível em: <http://www.britcham.com.br/email/resenha_legal_0910.htm>.
Acesso em: 14 ago. 2014. 125 KALLÁS e CAETANO, Fernanda Araújo. Direito Internacional dos Investimentos na Atualidade:
Uma Análise da Posição Brasileira. E-Civitas Revista Científica do Departamento de Ciências
Jurídicas, Políticas e Gerenciais do UNI-BH. Belo Horizonte, vol. III, n. 1, jul-2010. Disponível em:
<http://revistas.unibh.br/index.php/dcjpg/article/viewFile/84/47>.
113
transnacional, tem justificado a não ratificação dos Tratados Bilaterais de
Investimentos (TBIs) pelo Estado brasileiro.
Vale a oportunidade para consignar que, não obstante o Estado brasileiro ter
assinado 14 TBIs (Tratados Bilaterais de Promoção e Proteção dos Investimentos),
no período compreendido entre os anos de 1994 a 1998, não houve ratificação, pelo
Brasil, de nenhum deles. Conforme Arnoldo Wald, em artigo publicado na Revista de
Arbitragem e Mediação, tais TBIs foram assinados com os seguintes países, em
ordem cronológica, entre 1994 e 1999: Portugal, Chile, Reino Unido, Suíça,
Dinamarca, França, Finlândia, Itália, Venezuela, Coréia do Sul, Alemanha, Cuba,
Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Para o autor, não mais se justificam as reservas
suscitadas no passado pelas autoridades públicas e pela doutrina, uma vez que “(...)
estão totalmente ultrapassadas as razões que impediram a ratificação de tratados de
proteção de investimento”.126
Sob o ponto de vista do Estado brasileiro, a submissão a essa forma de
solução de controvérsias deveria ser feita, apenas, pelos países que necessitassem
de um maior destaque perante os investidores estrangeiros.
Para o Brasil, o fato de não integrar a Convenção de Washington e de não ter
ratificado os TBIs, por si só, não afastou o interesse internacional no investimento no
território brasileiro, que é, atualmente, um dos principais destinos mundiais do
investimento estrangeiro. Para corroborar com este argumento, pode-se citar uma
notícia publicada no jornal espanhol El País127, em 21/5/2012, onde o Brasil é
mencionado com destaque devido à sua segurança negocial e, também, por ser
considerado como um excelente receptor de capital estrangeiro na América Latina.
126 WALD, Arnoldo. Uma nova visão dos tratados de proteção de investimento e da arbitragem
internacional. Revista de Arbitragem e Mediação. Ano 6. n. 21. abr.-jun./2009. pp. 9-29. 127 GALINDO, Cristina. Los países con más seguridade jurídica de América Latina acaparan la
inversión. El País. Madrid, 25 mayo 2012.
114
Segundo a revista BBC128, em matéria veiculada no dia 26 de junho de 2013,
o Brasil subiu uma posição, de quinto para quarto lugar, no ranking de países que
mais receberam investimentos estrangeiros diretos (IED) no ano de 2012, conforme
revelou um estudo da Unctad, Conferência das Nações Unidas para o Comércio e
Desenvolvimento.
Tal fenômeno, mesmo sem integrar a Convenção de Washington, segundo
Fernanda Araújo Kallás e Caetano, justifica-se pelo Brasil “apresentar-se como uma
das democracias mais estáveis da América do Sul” e, também, por possuir
legislação interna que “não se esquiva do cumprimento de suas obrigações nos
casos em que o investimento venha a ser tomado pelo poder público”.129
É oportuno deixar registrado que, segundo o texto contido na própria
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXIV: “A lei estabelecerá o
procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por
interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os
casos previstos nesta Constituição.”
Observa-se, também, que a Emenda Constitucional nº. 45/2004 trouxe uma
grande mudança no que concerne à homologação de sentenças e laudos arbitrais
estrangeiros, pois alterou o disposto no artigo 105 da Constituição da República
Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), acrescentando a alínea “i” ao mencionado
artigo. Dessa forma, transferiu a competência exclusiva para homologar sentenças
estrangeiras do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça.130 128 FERNANDES, Daniela. Investimento estrangeiro cai, mas Brasil passa a ser 4º em ranking da
ONU. BBC Brasil. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/06/130626_relatorio_unctad_ied_df_lgb.shtml>.
Acesso em: 14 ago. 2014. 129 KALLÁS e CAETANO, Fernanda Araújo. Direito Internacional dos Investimentos na Atualidade:
Uma Análise da Posição Brasileira. E-Civitas Revista Científica do Departamento de Ciências
Jurídicas, Políticas e Gerenciais do UNI-BH. Belo Horizonte, vol. III, n. 1, jul-2010. Disponível em:
<http://revistas.unibh.br/index.php/dcjpg/article/viewFile/84/47>.
130 ALVES, Diogo. Arbitragem: Proteção aos Investimentos Internacionais. Idea Revista. v.1. n.2.
jan./jul. 2010. Disponível em:
115
Nesse diapasão, a diplomacia brasileira vem mantendo a postura de que não
existem razões evidentes para que uma garantia extra seja concedida aos
investidores internacionais. Para o ponto de vista do Estado brasileiro, não é
necessário dar prioridade à mudança de postura, no sentido de passar a integrar a
Convenção de Washington, ou mesmo de ratificar os Tratados Bilaterais de
Promoção e Proteção dos Investimentos (TBIs). Tal comodidade é justificável pela
situação do Brasil que, atualmente, vem recepcionando, cada vez mais,
investimentos estrangeiros.
Dessa forma, mesmo o Brasil não integrando a Convenção de Washington ou
não ratificado os Tratados Bilaterais de Promoção e Proteção dos Investimentos,
denota-se que, de um modo geral, os direitos dos investidores internacionais estão
efetivamente amparados. Porém, em se tratando de investimento Internacional,
deve-se ter em mente a existência, de forma efetiva, de uma via de duas mãos, não
se podendo desprezar a insegurança hoje vivenciada pelos investidores brasileiros
em territórios estrangeiros ante a falta de amparo jurídico, causada pela resistente
postura do Brasil em não integrar a Convenção de Washington nem de ratificar os
TBIs.
Especialistas como Marina Diana, Carlos Alberto Carmona, Diogo Alves e
João Bosco Lee acreditam na possibilidade de o governo brasileiro reconsiderar o
tratado de investimento, caso haja um aumento na atividade internacional, apesar de
o país insistir na direção de que não acredita que a arbitragem compreenda as
regras brasileiras.
Marina Diana131, na coluna Leis e Negócios, aborda o tema “Brasil deve
participar de Convenção de Washington, defendem os especialistas”. Os
<http://www.esamcuberlandia.com.br/RevistaIdea2/artigos/2010v1n2art01.pdf>. Acesso em: 14 ago.
2014. 131 DIANA, Marina. Brasil deve participar da Convenção de Washington, defendem especialistas. IG -
Coluna Leis e Negócios. 28 de outubro de 2010. Disponível em:
116
especialistas que participaram do evento, realizado na sede da Amcham, na capital
paulista, em parceria com o Centro Internacional para a Resolução de Disputas,
divisão internacional da Associação Americana de Arbitragem, defendem que o
momento é importante para avançar-se nessa questão, uma vez que as empresas
nacionais passaram a ampliar sua atuação além das fronteiras.
Segundo destaca Carlos Alberto Carmona, sócio do escritório Marques
Rosado, Toledo Cesar e Carmona e um dos autores, no Brasil, da Lei de Arbitragem
nº 9.307/96:
Este é o momento para que ratifiquemos a convenção porque o Brasil vive uma fase positiva, passou a ser investidor externo e não somente receptor de recursos, e, dessa forma, é importante resolver rapidamente e adequadamente possíveis controvérsias relacionadas. Uma convenção internacional é um cartão de visitas de um país.132
Diogo ALVES133 defende uma mudança de posicionamento do Brasil em
relação à assinatura da Convenção de Washington. Em artigo publicado na revista
eletrônica IDEA, destaca:
(...) nada pode lesar tão gravemente a imagem do sistema arbitral relativo a investimentos que sua falta de qualidade para bem aplicar o direito e realizar justiça, naqueles poucos casos em que o requerido é muito mais um Estado exportador de capital do que um receptor de investimentos estrangeiros. Se a arbitragem revelar-se, afinal, uma via de mão única na proteção do investimento estrangeiro, mostrando fraqueza quando se espera que corrija a violação dos direitos do investidor por um Estado economicamente mais forte que o Estado patrial desse investidor, é inevitável que o sistema tome ares de um instrumento variante do neocolonialismo, e que a maioria dos Estados se sinta tentada a reconsiderar sua participação no sistema. Uma dinâmica e importante parte
<http://leisenegocios.ig.com.br/index.php/2010/10/28/brasil-deve-participar-de-convencao-de-
washington-defendem-especialistas/>. Acesso em: 14 ago. 2014. 132 CARMONA, Carlos Alberto. Especialistas em arbitragem defendem que Brasil ratifique Convenção
de Washington. AMCHAM – Câmara Americana de Comércio. Disponível em:
<http://www.amcham.com.br/impactos-legislativos-e-juridicos/noticias/especialistas-em-arbitragem-
defendem-que-brasil-ratifique-convencao-de-washington>. 133 Mestrando em Direito das Relações Internacionais e analista político da Embaixada do Reino da
Arábia Saudita. Email: [email protected].
117
do direito internacional contemporâneo haveria de sofrer as consequências desse desapontamento, segundo o que assevera Yves Martins.134
Segundo João Bosco Lee135, a ratificação da Convenção de Washington não
deveria ser um motivo de preocupação para o governo brasileiro, uma vez que ela
não significa uma submissão automática ao CIRDI, haja vista que todo e qualquer
procedimento arbitral com um investidor estrangeiro deve ser fundamentado em um
acordo arbitral. O autor salienta que
O problema reside, todavia, nos BITS. Ao ratificar os Tratados Bilaterais de Promoção e Proteção de Investimento que fazem referência ao CIRDI, o governo brasileiro estaria automaticamente aceitando a competência deste órgão do Banco Mundial para resolver conflitos de investimentos estrangeiros no Brasil. (...) sob um prisma dos investidores brasileiros com interesses no exterior, os BITS são essenciais, pois asseguram os direitos destes investidores em caso de expropriação, nacionalização ou qualquer abuso cometido pelos países receptores destes investimentos. Desta forma, deveria o governo brasileiro repensar a sua política em relação aos BITS e negociar estes Tratados com países que são destinos de nossos investimentos, assegurando assim um mínimo de segurança jurídica e acesso à justiça arbitral internacional aos nossos investidores nacionais.136
Conclui-se que, em suma, o rápido aumento no fluxo de investimentos
brasileiros no exterior vem consolidando o país como um exportador de capital.
Destarte, requer maior proteção desses investimentos, que lhes pode ser
eficientemente conferida, tanto pela celebração de TBIs como pela adesão do Brasil
à Convenção de Washington.
Neste item do estudo, foi brevemente explicada a figura da arbitragem
internacional de investimento. Esclarece-se, mais uma vez, que este não é o objeto
134 ALVES, Diogo. Arbitragem: Proteção aos Investimentos Internacionais. Idea Revista. v.1. n.2.
jan./jul. 2010. Disponível em:
<http://www.esamcuberlandia.com.br/RevistaIdea2/artigos/2010v1n2art01.pdf>. Acesso em: 14 ago.
2014. 135 João Bosco Lee é doutor em Direito Internacional pela Universidade de Paris II e professor de
direito internacional da UniCuritiba. 136 LEE, João Bosco. O país deve demonstrar que aceita as regras internacionais. Gazeta do Povo,
23/11/2008. Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?id=830797>. Acesso em: 10 dez. 2013.
118
principal desta tese, tendo merecido atenção neste item por sua importância no
cenário jurídico internacional de direito público, bem como para que fosse possível
sua diferenciação do tema deste trabalho, qual seja, a arbitragem comercial
internacional.
3.2 Vantagens da Arbitragem Comercial Internacional para o investidor estrangeiro
Julian Lew, Loukas Mistelis e Stefan Kröll137, ao compararem os
procedimentos da arbitragem comercial internacional com o que ocorre nas cortes
Estatais, explicam que, para diversas situações envolvendo partes privadas no
comércio internacional, é preferida a utilização da primeira.
Os autores138 listam as razões pelas quais as partes se sentem mais
legalmente seguras ao submeterem suas disputas à arbitragem, e não às cortes
nacionais, da seguinte forma: (i) procedimento flexível; (ii) adequação do
procedimento para transações internacionais; (iii) caráter final e vinculante da
sentença arbitral; (iv) fácil execução; (v) neutralidade; (vi) árbitros experts; (vii)
confidencialidade; (viii) rapidez do processo; e (ix) custos do processo.
3.2.1 Procedimento flexível
Segundo Redfern e Hunter139, diferentemente do que ocorre nas cortes
Estatais, o procedimento arbitral pode ser adaptado às necessidades específicas de
cada conflito, não sendo obrigatória a atenção aos procedimentos fixados pelo
direito processual civil. Conforme observam, uma arbitragem internacional nasce
única e exclusivamente para tratar de um conflito específico e deve ser moldada de
modo a encaixar-se no que requer, especificamente, referida disputa.
137 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International
Commercial Arbitration. Kluwer Law International. 2003, p. 5. 138 Idem, ibidem, p. 5. 139 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press. 2009, p.
33.
119
Para Gary Born140, a habilidade que as partes têm de adotar procedimentos
flexíveis é uma das principais atrações da arbitragem comercial internacional. Este
princípio de aplicação geral da flexibilidade do procedimento arbitral foi transcrito em
1996, no English Arbitration Act:
General duty of the tribunal
Section 33
(1) The tribunal shall —
(a) act fairly and impartially as between the parties, giving each party a reasonable opportunity of putting his case and dealing with that of his opponent, and
(b) adopt procedures suitable to the circumstances of the particular case, avoiding unnecessary delay or expense, so as to provide a fair means for the resolution of the matters falling to be determined.
Em geral, portanto, o tribunal arbitral deve adotar procedimentos que sirvam
às circunstâncias de cada caso concreto. Deve procurar evitar atrasos e custos
desnecessários, providenciando um meio justo para a solução de determinado
conflito.
Lew, Mistellis e Kröll141 explicam que a possibilidade de o procedimento
arbitral poder ser escolhido e adaptado pelas partes e árbitros decorre da natureza
privada da arbitragem, que nasce de um acordo entre as partes. Para os autores, é
necessário um procedimento especial para cada arbitragem.
Deste modo, o procedimento arbitral, por sua flexibilidade, serve de atrativo
para o investidor estrangeiro no Brasil, pois é um meio de fugir das normas
140 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,
p. 84. 141 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International
Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003, p. 6.
120
procedimentais fixadas no Código de Processo Civil brasileiro, que, além de
estabelecer prazos legais que devem obrigatoriamente ser respeitados, quando
aplicado pelo Judiciário, resulta em processos longos e que não necessariamente
combinam com o conflito em questão.
Em suma, resta óbvio, portanto, que a possibilidade de utilização do instituto
da arbitragem comercial internacional, como meio de solução de controvérsias entre
as partes, que poderá ser adaptada às necessidades de cada disputa, em cada caso
concreto, moldada pela própria vontade das partes, encoraje o investidor estrangeiro
a aplicar no Brasil por não deixá-lo a mercê dos procedimentos tipicamente
observados pelo Judiciário nos termos das normas processuais civis brasileiras.
3.2.2 Adequação do procedimento para transações internacionais
O fato de a arbitragem comercial internacional ter sido criada e evoluída
especificamente para tratar de conflitos necessariamente entre partes privadas de
Estados distintos também é um atrativo para o investidor estrangeiro.
Segundo Gary Born142, por mais cruel e rigoroso que possa soar, é inegável o
fato de que algumas cortes nacionais são escolhas penosamente inapropriadas para
resolver disputas de comércio internacional.
O investidor estrangeiro pode ter receio de investir no Brasil também pela
razão de existir um risco de, em caso de conflito entre as partes (investidor e
receptor), ser obrigado a submeter-se a procedimentos criados, exclusivamente,
para resolver conflitos internos.
De acordo com Lew, Mistellis e Kröll143, as partes envolvidas em transações
internacionais têm suas origens em diferentes sistemas legais, políticos, culturais e
142 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,
p. 78. 143 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International
Commercial Arbitration. Kluwer Law International. 2003, p. 6.
121
éticos, e a arbitragem comercial internacional é um meio de providenciar um foro no
qual todos esses interesses, de ambas as partes, possam ser protegidos e
respeitados.
Quando um conflito nasce de uma relação entre um investidor estrangeiro e
uma empresa brasileira, não há como esperar que o procedimento adotado pelas
cortes brasileiras seja o mais eficiente para resolver a disputa, uma vez que tais
procedimentos foram criados, prima fácie, para resolver conflitos entre duas partes
brasileiras.
A arbitragem comercial internacional, por outro lado, determina o meio mais
apropriado para a solução de conflitos entre partes existentes em transações
internacionais, visto que foi criada e desenvolvida, bem como evoluiu inteiramente,
nesse sentido a fim de resolver disputas que surgissem, exclusivamente, no cenário
do comércio internacional, proporcionando, assim, maior segurança ao investidor
estrangeiro.
3.2.3 Caráter final e vinculante da sentença arbitral
De uma forma geral, inexiste a possibilidade de interposição de recurso
apelativo da sentença arbitral.
Gary Born144 observa que, nos países mais desenvolvidos, a possibilidade de
revisão judicial de uma sentença arbitral é restrita a questões de equidade
processual, de jurisdição e de ordem pública. Esta observação vem ao encontro da
afirmação de Lew, Mistellis e Kröll145, que são assertivos ao afirmarem que, em
regra, na arbitragem comercial internacional, a decisão dos árbitros será final e
vinculante perante as partes. Para eles, é quase nula a base legal que permite que a
decisão arbitral seja levada para apelação nas cortes estatais com o fundamento de
que a conclusão dos árbitros foi errada.
144 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009. 145 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International
Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003.
122
Suponha-se que um conflito resultante da relação de comércio internacional
existente entre um investidor estrangeiro e uma empresa brasileira – receptora de tal
investimento – fosse levado aos tribunais do Judiciário brasileiro. Nesta hipótese, via
de regra, é garantida às partes o segundo grau de jurisdição, que, por sua vez,
garante a reconsideração de matérias tanto de fato quanto de direito. Nas palavras
de Hans Smit:
Se as sentenças arbitrais pudessem ser revistas por erros de fato e de direito, o instituto da arbitragem seria facilmente degenerado e se tornaria um dispositivo que adiciona, ainda, uma outra instância às típicas três instâncias de litigância nas cortes comuns.146 (tradução nossa).
Há quem discorra, entretanto, que, em decorrência da autonomia das partes
na arbitragem comercial internacional, as partes podem concordar em submeter a
sentença arbitral a uma revisão judicial, como explica Gerhard Wagner147. Rowan
Platt148 defende, nessa mesma vertente, que na arbitragem internacional prevalece a
autonomia das partes sobre o caráter final da decisão arbitral.
Entretanto, a regra é pela finalidade da sentença arbitral. Isto porque o caráter
final da sentença arbitral, conforme nota Amy J. Schmitz149, distingue a arbitragem
da mediação e de outros métodos de solução de conflitos não vinculantes, bem
146 “If arbitral awards could be reviewed for errors of law or fact, arbitration would easily degenerate
into a device for adding still another instance to the usual three instances of litigation in the ordinary
courts.” (SMIT, Hans. Contractual Modification of the Scope of Judicial Review of Arbitral Awards, 8
Am. Rev. Int’l Arb. 147, 149 (1997).) 147 WAGNER, Gerhard. Arbitration in Germany: The Model Law in Practice, (Kluwer Law International
2007) pp. 82/83 [Part II – Commentary on the German Arbitration Law (10th Book of the German
Code of Civil Procedure), Chapter I – General Provisions, § 1026 – Extent of Court Intervention in
Karl-Heinz Böckstiegel , Stefan Michael Kröll , et al. (eds.)]. 148 PLATT, Rowan. The Appeal of Appeal Mechanisms in International Arbitration: Fairness over
Finality? (2013), Journal of International Arbitration Issue 5, pp. 531-560 (Kluwer Law International
2013, Volume 30). 149 SCHMITZ, Amy J. Ending a mud bowl: Defining arbitration’s finality through functional analysis.
Georgia Law Review. Vol. 37. p. 123-204. 2002.
123
como previne que a arbitragem torne-se, meramente, um precursor do litígio nas
cortes Estatais. Redfern e Hunter150 comentam, inclusive, que o termo “sentença
final” (final award) é reservado às sentenças que cumprem a missão de um tribunal
arbitral.
Portanto, sendo a decisão arbitral e estando as partes vinculadas a ela, o
instituto da arbitragem comercial internacional dá maior segurança ao investidor
estrangeiro na medida em que garante: (i) que a decisão, promulgada por experts no
processo arbitral, será final; e (ii) que as partes estarão a ela vinculadas. Além disso,
a decisão irrecorrível impede que mais tempo seja tomado com potenciais
julgamentos de recursos, como ocorre nas cortes Estatais.
3.2.4 Fácil execução
Para Redfern e Hunter151, um compromisso arbitral, assim como qualquer
contrato, deve ser capaz de ser executado de direito. Caso contrário, seria uma
mera declaração de intenção que não garantiria efeitos jurídicos.
No cenário da arbitragem comercial internacional, a fácil execução da
sentença arbitral decorre da Convenção de Nova Iorque. Os países signatários
desta convenção assumem a obrigação de dar efeito a sentenças arbitrais que são
proferidas em outros países, desde que também signatários. Ocorre que, conforme
anteriormente mencionado, quase todos os países, com exceção de nove
economias mundiais (vide Policy Research Working Paper 6632, do Banco Mundial),
são parte da Convenção de Nova Iorque.
Tal situação garante ao investidor estrangeiro parte em uma arbitragem
comercial internacional em face da empresa brasileira receptora do investimento,
seja esta conduzida em qualquer país signatário da Convenção de Nova Iorque, que
aquela decisão deverá ser executada em território brasileiro.
150 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p.
520. 151 Idem, ibidem, p. 20.
124
A sentença arbitral, no Brasil, é título executivo judicial nos termos do artigo
475-N, inciso IV, do Código de Processo Civil. In verbis:
Art. 475-N, CPC. São títulos executivos judiciais:
(...)
IV - a sentença arbitral;
(...)
Segundo Lew, Mistellis e Kröll152, o sistema legal interno deve reconhecer que
as partes acordaram que o juízo arbitral deve fazer a determinação final da disputa
como alternativa ao Judiciário. A lei nacional, portanto, dá efeito à intenção das
partes e pode executar a sentença da mesma forma que faria com uma decisão
nacional.
Deste modo, a certeza de que a decisão arbitral será imposta às
partes, devendo ser executada em território brasileiro, é outro atrativo da arbitragem
comercial internacional que proporciona segurança ao investidor estrangeiro e,
igualmente, estimula a aplicação de investidores estrangeiros em empresas
brasileiras.
3.2.5 Neutralidade
Conforme Gary Born153, um dos objetivos centrais das cláusulas
compromissórias da arbitragem internacional é providenciar um foro neutro para a
resolução da disputa que não tenha ligação com qualquer das partes, ou com seus
respectivos governos. A exemplo de Born, que tratou dessa questão, Redfern e 152 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International
Commercial Arbitration. Kluwer Law International. 2003, p. 7. 153 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,
p. 72.
125
Hunter154, por sua vez, salientam que a solução de conflitos por meio de arbitragem
internacional propicia às partes a oportunidade de escolher um local neutro para a
resolução da disputa e de escolher um tribunal neutro.
Para Redfern e Hunter155, a corte Estatal de uma das partes será estrangeira,
em muitos sentidos, para a outra, pois tem as suas próprias formalidades, regras,
procedimentos, língua, juízes e advogados. Se um investidor estrangeiro, quando
em conflito com uma empresa brasileira, tivesse que submeter sua causa ao
Judiciário brasileiro, por exemplo, estaria em face de procedimentos que
desconhece, seria obrigado a contratar um advogado pertencente à Ordem dos
Advogados do Brasil para representá-lo devidamente, e teria que traduzir os
documentos para a língua portuguesa. Soma-se a isso, ainda, o fato de a parte
estrangeira correr o risco de entender muito pouco do que está sendo tratado sobre
o seu próprio caso devido ao fato de o caso estar sendo tratado em um idioma que
lhe é estrangeiro, desconhecido.
Além do local neutro, as partes também entram em acordo quanto a um
árbitro imparcial. No caso do tribunal arbitral ser composto de três árbitros, cada
parte escolhe um árbitro (que também deve ser independente e imparcial) e, juntos,
elegem um presidente do tribunal. No caso de um único árbitro, ambas as partes
devem concordar com a nomeação.
Lew, Mistellis e Kröll156 explicam que a neutralidade da arbitragem comercial
internacional é o contraste com a perceptível parcialidade que têm as cortes
nacionais. Para os autores, o tribunal arbitral é independente de qualquer influência
nacional direta.
154 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p.
31. 155 Idem, ibidem, p. 31. 156 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International
Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003, p. 7.
126
Essa neutralidade, justamente por, ideologicamente, permitir que o tribunal
arbitral funcione de uma maneira “desnacionalizada”, é benéfica ao investidor
estrangeiro que opta pela arbitragem comercial internacional. Ela permitirá, por
exemplo, que ele invista em uma empresa brasileira sem receio de ter que submeter
suas disputas a uma corte brasileira que lhe pareça parcial e favorável à parte
brasileira.
3.2.6 Árbitros experts
Conforme Gary Born157, é fundamental, na maioria das tradições legais
nacionais, que os juízes assinalados para os litígios sejam selecionados
aleatoriamente, independentemente de sua experiência ou aptidão com a matéria
envolvida no caso.
Sendo assim, nada garante, por exemplo, que um caso no Brasil, envolvendo
um investidor estrangeiro e uma empresa brasileira, seja julgado por um juiz que
tenha conhecimento profundo do assunto. Este fator é preocupante porque a falta de
conhecimento, pelo juiz da corte nacional, em assuntos complexos de comércio
internacional - mais especificamente, de investimento internacional privado - pode
comprometer não somente a eficiência, como também a qualidade do processo,
uma vez que uma decisão proferida por um expert em investimentos obviamente
dará maior segurança às partes envolvidas na arbitragem.
Lew, Mistellis e Kröll158 comentam sobre o tema em questão, e defendem que
a escolha de árbitros com conhecimento específico e entendimento da matéria
envolvida resulta na credibilidade e confiança depositadas pelas partes no processo
arbitral.
157 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,
79. 158 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International
Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003, p. 8.
127
Concorda-se com os autores supracitados, principalmente quando os litígios
envolvem investimentos estrangeiros que tratem de matérias complexas sobre as
quais juízes de cortes estatais não tenham conhecimento avançado, tampouco a
“expertise necessária” para a resolução da disputa. Ressalta-se a extrema
importância da escolha de árbitros que tenham conhecimento aprofundado do
assunto para resolver acerca do caso, uma vez que tal escolha torna a possibilidade
de solução de conflitos, por meio de arbitragem comercial internacional, ainda mais
vantajosa para as partes, na medida em que garante maior segurança jurídica no
conteúdo da decisão a ser proferida por experts.
3.2.7 Confidencialidade
Um aspecto adicional relacionado ao objetivo da arbitragem comercial
internacional é o de constituir um mecanismo de solução de conflitos que seja
confidencial. Conforme defendem Redfern e Hunter159, a privacidade dos
procedimentos arbitrais, bem como a confidencialidade que envolve o processo, são
poderosos atrativos para empresas e instituições que podem vir a se tornar parte em
procedimentos legais.
Muitos podem ser os motivos das partes envolvidas no litígio para não
desejarem que sua disputa se torne pública, muito menos o seu conteúdo. O
processo arbitral pode envolver informações confidenciais das partes envolvidas,
bem como práticas de competitividade etc., que tornam prejudicial a publicidade do
processo, ou as partes podem, simplesmente, sofrer consequências de marketing ao
terem seu litígio tornado público. A confidencialidade, nesses casos, protege o
interesse das partes.
Redfern e Hunter160 salientam que as partes que se preocuparem em garantir
a confidencialidade do processo, mesmo que essa seja a regra geral, devem incluir
159 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. p. 1. Oxford University Press,
2009, p. 33. 160 Idem, ibidem, p. 136.
128
termos de confidencialidade na cláusula arbitral, ou até mesmo firmar um acordo de
confidencialidade em separado.
A propósito deste tema, Lew. Mistellis e Kröll161 ensinam que, em decorrência
da confidencialidade do procedimento arbitral – que, por sua vez, deriva do caráter
privado da arbitragem comercial internacional –, apenas as partes litigantes, seus
representantes legais e aqueles especificamente autorizados podem atender às
audiências de arbitragem.
Para o investidor estrangeiro, a publicidade do processo conduzido pelo
Judiciário brasileiro pode ser prejudicial na medida em que possibilita que
concorrentes tomem conhecimento de informações disponíveis no processo, bem
como atendam a audiências. O processo público torna uma parte possível alvo da
contraparte, inclusive fora do processo, dado que esta pode divulgar informações
prejudiciais àquela. Por outro lado, sendo regido pelo princípio da autonomia das
partes, as partes, na arbitragem comercial internacional, também podem optar pela
publicidade do processo.
3.2.8 Rapidez e custos do processo
Lew, Mistellis e Kröll162 salientam que, teoricamente, a arbitragem é mais
rápida do que os procedimentos das cortes nacionais.
Se os processos da arbitragem forem contrastados com os processos
conduzidos pelo Judiciário no Brasil, que é conhecido por sua morosidade, este
realmente é o caso, pois enquanto um processo no Brasil dura anos, às vezes
décadas, os procedimentos arbitrais duram, em média, doze meses. Mesmo as
arbitragens comerciais internacionais muito importantes, que superam esse período,
161 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International
Commercial Arbitration. Kluwer Law International. 2003, p. 8. 162 Idem, ibidem, p. 8.
129
chegam a durar de 18 a 36 meses163, tempo este que ainda é muito inferior se
comparado à duração média dos processos no Judiciário brasileiro.
Para o investidor estrangeiro, o tempo mais curto da arbitragem, por si só,
não é o único benefício. Ele também avalia aspectos relacionados ao custo da
arbitragem, o que pode levá-lo a ter certa resistência em optar por ela.
Entretanto, por mais que ainda exista resistência quanto à arbitragem com
base em supostos altos custos, em alguns casos esta pode ser a solução mais
econômica. Por envolver operações financeiras do investidor estrangeiro na
empresa brasileira - operações estas que podem gerar conflitos e altos valores
econômicos -, o prejuízo na espera por uma decisão do Judiciário pode ser muito
maior do que aquele que se dispende com o procedimento arbitral. Conforme
argumenta o advogado Alvaro de Carvalho Pinto Pupo164, “tempo é dinheiro e, com
um processo arbitral, é possível uma grande economia, principalmente com uma
arbitragem eficaz e idônea”.
Gary Born165 sustenta que a dispensa de recursos apelativos da sentença
arbitral também diminui custos com os quais as partes arcariam no procedimento
das cortes Estatais. Para ele, a arbitragem também tem custo menor quando existir
a possibilidade de processos paralelos, tramitando em cortes nacionais distintas. O
autor explica que é possível que seja atingida ótima rapidez do processo arbitral
quando se redige uma cláusula arbitral que não dá margem para atrasos ou custos
desnecessários.
163 BORN, Gary. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009, p.
86. 164 PUPO, Alvaro de Carvalho Pinto. Migalhas. Advogado compara custos da arbitragem com o
Judiciário. 26 de janeiro de 2014. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI194127,11049-
Advogado+compara+custos+da+arbitragem+com+o+Judiciario>. Acesso em: 30 jun. 2014. 165 BORN, Gary. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009, p.
82.
130
Em suma, tanto a rapidez quanto o custo do procedimento arbitral mostram-
se como vantagens da arbitragem comercial internacional, servindo de atrativos para
a utilização do instituto cuja existência e possibilidade de aplicação no Brasil, por
sua vez, estimulam o investimento de estrangeiros em pessoas de direito privado
brasileiras.
3.3 Segurança e efetividade da arbitragem como meio alternativo de solução de conflitos
Gary Born166 explica que as razões pelas quais os sujeitos do comércio
internacional dos dias atuais decidem submeter suas disputas à arbitragem são
similares às dos comerciantes da Europa Medieval: a arbitragem é um meio de
superar as dificuldades peculiares e incertezas legais de litígios internacionais
submetidos às cortes Estatais.
Deste modo, considerando-se as vantagens da arbitragem comercial
internacional apontadas nesta tese, conclui-se que o resultado da equação formada
por todos os elementos apontados, tais como a flexibilidade e a adaptabilidade do
procedimento, bem como a rapidez do processo, é pela maior efetividade da
arbitragem internacional comparada ao processo civil do Judiciário brasileiro.
Adriana Noemi Pucci167 ensina que a ciência econômica define o investimento
estrangeiro ou internacional como toda aplicação de recursos em atividade
econômica, bem como o desenvolvimento dessa atividade econômica, feita pelo
nacional de um Estado em outro Estado, receptor do investimento. Remetendo a
Dominique Carreau, Patrick Juillard e Thiebaut Flory, Pucci explica que, para
caracterizar um investimento estrangeiro, essa aplicação de recursos deve ser por
um período de médio ou de longo prazo, e o investidor deve assumir os riscos da
operação.
166 Idem, ibidem, p. 31. 167 PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem e Investimentos estrangeiros. Revista Brasileira de Arbitragem.
Ano I. Nº 2. Abr-Jun de 2004, p. 7-31.
131
Cumpre a esta tese mostrar que a solução de conflitos entre partes privadas
de diferentes Estados por meio da arbitragem comercial internacional é um meio de
mitigar os riscos assumidos pelo investidor estrangeiro no Brasil. Por tal razão, a
possibilidade de utilização do instituto da arbitragem comercial internacional, como
forma de garantir maior segurança jurídica ao investidor estrangeiro, se comparada
aos litígios submetidos às cortes Estatais, pode ser um atrativo para investimentos
em empresas de países nos quais o uso do instituto arbitral é possível.
Sophie Pouget, responsável pelo “Arbitrating Commercial Disputes indicators”,
do grupo do Banco Mundial, defende que
Um regime efetivo de arbitragem comercial tem especial importância para o investidor estrangeiro. Ele possibilita às partes autonomia para a criação de um sistema de solução de conflitos, feito sob medida para disputas cada vez mais complexas. Os investidores estrangeiros enxergam a arbitragem como um meio de mitigar riscos ao propiciarem segurança jurídica aos direitos de execução, devido processo legal e acesso à justiça.168 (tradução nossa).
Isto porque apenas nove economias não ratificaram a Convenção de Nova
Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras.
O Brasil não está entre essas nove economias, dado que a referida convenção foi
ratificada, no país, por meio do Decreto nº 4.311, de 23 de julho de 2002, o que
garante ao investidor estrangeiro no Brasil a execução de sentença proferida por
meio de arbitragem comercial internacional.
Para o estrangeiro que investe em empresa brasileira, a possibilidade de
solucionar conflitos por meio de arbitragem comercial internacional também é algo
168 “An effective commercial arbitration regime matters for foreign Investors. It gives parties the
autonomy to create a dispute resolution system tailored to increasingly complex disputes. Foreign
Investors view arbitration as a way to mitigate risks by providing legal certainty on enforcement rights,
due process, and access to justice.” (POUGET, Sophie. Arbitrating and Mediating Disputes -
Benchmarking Arbitration and Mediation Regimes for Commercial Disputes Related to Foreign Direct
Investment. Policy Research Working Paper 6632. The World Bank; Financial and Private Sector
Development Network; Global Indicators and Analysis Department. Oct.2013. Disponível em:
<http://elibrary.worldbank.org/doi/pdf/10.1596/1813-9450-6632>. Acesso em: 20 fev. 2014.)
132
que lhe garante segurança jurídica no que tange à duração do litígio. No supracitado
artigo, Sophie Pouget169 demonstra, a partir de dados de pesquisa, que a duração
média de procedimentos arbitrais a nível global é de 326 dias. Entretanto, se esses
dados forem comparados com a realidade enfrentada pelo Judiciário brasileiro, o
quadro que temos é bem diferente, uma vez que, no Brasil, o Judiciário demora
anos, por vezes décadas, para proclamar a decisão final de um processo.
Conforme Adriana Noemi Pucci170, a “arbitragem é um instituto que goza do
respeito e da aceitação dos Estados e dos investidores estrangeiros”. A autora
ressalva que os países da América Latina reavaliaram as vantagens da resolução de
conflitos por meio da arbitragem na última década do século XX, aprovando novas
legislações e modernizando o instituto. Conclui que a ratificação das principais
convenções internacionais relacionadas ao tema levou a arbitragem a ser aceita
como um mecanismo de resolução de disputas em matéria de investimentos
estrangeiros.
3.3.1 Insegurança jurídica do Judiciário brasileiro
Armando Luiz Rovai171, ao tratar sobre o tema "Desenvolvimento do Novo
Código Comercial Brasileiro e os desafios de uma economia emergente", sob a
premissa de que “Um país economicamente forte está assentado em indústrias,
comércio, serviços e, principalmente, em tecnologia, e essas atividades só florescem
em terreno institucional firme”, defendeu a arbitragem como solução alternativa de
conflitos, em se tratando de disputas envolvendo contratos, negócios e relações
169 “The data also show that, globally, arbitration proceedings take 326 days on average (...)”. (Idem,
ibidem.) 170 PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem e Investimentos estrangeiros. Revista Brasileira de Arbitragem.
Ano I. Nº 2. Abr-Jun de 2004, p. 7-31. 171 Dr Armando Luiz Rovai é Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo, professor de
Direito Comercial da PUC-SP, palestrante em Direito Comercial, doutor em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em Direito pela Presbiteriana Mackenzie.
133
entre empresas, empresários e investidores nacionais e estrangeiros.172 (ANEXO 3 –
Doutrina).
Segundo o autor173, em um cenário brasileiro em que o empresariado, de
modo geral, necessita de segurança, estabilidade e norte claro para investir, essa
via alternativa tem se mostrado como um eficiente caminho, se considerado o alto
custo das ações judiciais, o excesso de entraves burocráticos provocados pela
legislação e, ainda, a insegurança jurídica causada pela diversidade de decisões
judiciais em situações colidentes. Ademais, devido à insegurança jurídica nas
soluções de conflitos no Brasil, observa-se crescente busca no país por uma
alternativa mais viável.
Para se ter uma ideia mais abrangente do problema, ilustra-se essa questão
com o seguinte extrato de texto, extraído do jornal Valor Econômico, em matéria
publicada em 04/02/2014:
As empresas brasileiras estão presentes em 83% das ações judiciais que tramitam no país e gastam muito para se defender, entrar ou manter processos no Judiciário. O comprometimento de suas finanças chega a quase 2% do que faturam em um ano. Percentual que, em 2012, representou R$ 110,96 bilhões (...).174
Os dados utilizados na referida matéria foram extraídos do estudo “Custo das
empresas para litigar judicialmente”, que busca qualificar e quantificar o quanto as
empresas brasileiras despendem anualmente em questões levadas ao Judiciário. O
levantamento foi desenvolvido a partir da análise de processos judiciais, conforme
172 ROVAI, Armando Luiz. “Desenvolvimento do Novo Código Comercial Brasileiro e os desafios de
uma economia emergente.” Palestra proferida no Institute of Advanced Legal Studies, em Londres,
Inglaterra, em 04 jun. 2014. (Os trechos desta palestra mencionados nesta Tese encontram-se na
parte dos Anexos, em “ANEXO 3 – Doutrina”. Portanto, este autor será doravante referenciado nesta
tese como “ANEXO 3 – Doutrina”.) 173 ANEXO 3 – Doutrina. 174 AMARAL, Gilberto do. Gasto de empresas com processos chega a R$ 110 bi. Valor Econômico.
04/02/2014. Disponível em: <http://www.valor.com.br/legislacao/3418112/gasto-de-empresas-com-
processos-chega-r-110-bi>.
134
relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O autor da
mesma reportagem informa, também, que,
Em 2012, conforme a pesquisa, existiam 74, 38 milhões de ações na Justiça das quais as empresas faziam parte – como autoras ou rés. As grandes companhias estavam presentes em 53,4% delas e o gasto de manutenção desses processos correspondeu a 1,67% do faturamento. O número médio de ações por empresas desse porte foi de 186. Já as médias responderam por 23,8% dos processos e comprometeram 1,89% de seu faturamento e as pequenas participaram de 22,80% das ações e gastaram o equivalente a 1,43% do que ganharam em 2012.175
Ainda segundo informação veiculada na supracitada matéria, os custos
judiciais e extrajudiciais alcançaram um montante de R$ 23 bilhões, enquanto que
os gastos com advogados chegaram a quase R$ 17 bilhões. Perícias (R$ 2,1 bi),
viagens e hospedagens (R$ 529 milhões), valores usados com pessoal e sistemas
de controle (R$ 2 bilhões) também eram componentes dessa conta. O maior
montante, porém, foi pago pelas empresas condenadas em processos finalizados
em 2012. A conta com multas, encargos legais e indenizações (como danos morais)
correspondeu a R$ 65 bilhões naquele ano.
Para piorar esse quadro previamente descrito, o número de casos novos
destinados aos juizados, em todo o país, representa um percentual cada vez mais
alto do total de processos que entram nos tribunais. Além disso, a desproporção
entre a carga de processos novos e o número de magistrados se repete em quase
todo o Brasil.
Conforme observa Selma Lemes, advogada que há nove anos faz o
levantamento “Análise da Pesquisa Arbitragem em Números”, as empresas estão
percebendo que, em muitos casos, é preferível solucionar a questão por arbitragem,
por ser mais ágil e menos dispendiosa que uma ação judicial, contando, ainda, com
o benefício da possibilidade de novos negócios entre as partes. A autora salienta
que, “por ser um método de solução de conflitos consensual, a arbitragem permite
175 Idem, ibidem.
135
que as empresas façam novos negócios. Enquanto no Judiciário, devido ao
desgaste maior, as partes saem quase como inimigas”.176
Neste contexto, Rovai177, em definição do que seja “o mais avassalador e
cruel dos sintomas do nefasto "custo Brasil” – expressão que sintetiza as várias
dificuldades do empresariado”, enfatiza que a arbitragem tem se mostrado, via de
regra, como uma eficiente alternativa para as soluções de eventuais disputas no
meio empresarial.
Na mesma linha de considerações que Armando Luiz Rovai, que, na palestra
"Desenvolvimento do Novo Código Comercial Brasileiro e os desafios de uma
economia emergente", proferida em junho de 2014, no Institute of Advanced Legal
Studies, em Londres, discorreu sobre a constatação a respeito da crescente a
utilização da arbitragem no Brasil para solução de conflitos no Brasil, Tadeu Rover178
salienta: “O número de arbitragens iniciadas nas maiores câmaras brasileiras
cresceu 47% entre 2010 e 2013, sendo a maioria sobre questões societárias.”
Ainda sobre o mesmo tema, Selma Lemes salienta que houve efetivo
aumento de 128 para 188 casos em quatro anos. Ao todo, foram iniciados 603
procedimentos, envolvendo quase R$ 16 bilhões. Esse quadro representa uma
média de 150 casos novos por ano. Também como consequência desse quadro, “o
estudo mostra que é cada vez maior a aceitabilidade da arbitragem no Brasil”.179
176 LEMES, Selma. Números mostram maior aceitação da arbitragem no Brasil. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2014-abr-10/selma-lemes-numeros-mostram-maior-aceitacao-arbitragem-
brasil>. Acesso em: 12 ago. 2014. 177 ANEXO 3 – Doutrina. 178 ROVER, Tadeu. Arbitragem no Brasil cresce 47% em quatro anos. Revista Consultor Jurídico. 10
abr. 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-abr-10/casos-arbitragem-brasil-crescem-
47-quatro-anos-aponta-pesquisa>. Acesso em: 10 mai. 2014. 179 LEMES, Selma. Números mostram maior aceitação da arbitragem no Brasil. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2014-abr-10/selma-lemes-numeros-mostram-maior-aceitacao-arbitragem-
brasil>. Acesso em: 12 ago. 2014.
136
O estudo de Selma Lemes é de extrema relevância para a área, uma vez que
reúne, pela primeira vez, dados das seis maiores câmaras brasileiras: Centro de
Arbitragem da Amcham–Brasil; Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio
Brasil-Canadá (CCBC); Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem de São
Paulo (Ciesp/Fiesp); Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM); Câmara de
Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas (CAM/FGV); e Câmara de Arbitragem
Empresarial- Brasil (Camarb).
Em São Paulo estão as duas câmaras com mais arbitragens: a CCBC e a
Ciesp/Fiesp. Juntas, concentram 69% dos procedimentos arbitrais iniciados.
Segundo a autora, os valores envolvidos nessas câmaras (na cifra de R$ 10 bilhões)
demonstram que, por meio delas, são analisados os contratos mais complexos e de
valores mais elevados. Assevera, entretanto, que todas as câmaras analisadas
possuem estrutura para esse tipo de litígio. Não obstante o aumento do número de
processos, tal levantamento não representa o universo de casos brasileiros. Isto
porque há outras câmaras nacionais que não foram consideradas na referida
pesquisa, além de muitos casos serem levados diretamente à Corte Internacional de
Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional. Mesmo considerando esta
lacuna, o Brasil mostra grande aumento na quantidade de procedimentos arbitrais
utilizados. Nesse sentido, a autora observa que
O Brasil figura como o 4º país com maior número de arbitragens, estando na nossa frente USA, Alemanha e França (estatísticas de 2012). (...) Em 2012, o número de casos envolvendo partes brasileiras na CCI (82) representa quase 52% do número total de arbitragens iniciadas nas seis câmaras pesquisadas (158).180
O número de casos na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de
Comércio Internacional deve-se ao fato de ser uma instituição quase centenária na
administração de arbitragens em nível global, com ampla capilaridade, experiência e
adaptada à diversidade cultural, podendo manejar com facilidade disputas
internacionais em sistemas jurídicos de civil law e comom law, além de possuir
regulamento de conhecimento generalizado e de fácil aplicação. 180 Idem, ibidem.
137
O maior volume de arbitragens processadas é composto por questões
societárias, abordando, em geral, matérias vinculadas aos acordos de acionistas e
outras pendências entre sócios vinculadas à administração da sociedade. Na
Amcham e na CAM, as questões societárias representam quase 40% dos casos
iniciados em 2013. Somente na Amcham, no ano de 2012, essa matéria representou
59% dos novos casos.
Em segundo lugar, o tema com mais conflitos levados à arbitragem trata de
matérias de construção civil e energia. Armando Luiz Rovai observa que
(...) não basta afirmar que para o bom funcionamento do direito comercial, na economia globalizada, apenas necessita da organização de um sistema de solução de conflitos por arbitragem, pois, sem um judiciário atuante, principalmente na esfera econômica, não se garante direito e justiça para todos. (ANEXO 3 - Doutrina).
Para a ampliação da segurança jurídica das relações entre os empresários,
bem como para o desenvolvimento da economia nacional e a atração de
investimentos, defende Rovai, é imprescindível que a legislação de direito
empresarial seja objeto de reforma, no sentido de haver necessidade de elaboração
de um novo Código da Atividade Negocial que substitua e sistematize as
disposições hoje dispersas sobre a matéria. O autor entende, também, necessário à
segurança jurídica o apoio de um bom Judiciário, “já que ele é o maior responsável
pela garantia de direitos como o de propriedade e o cumprimento de contratos”.
(ANEXO 3 - Doutrina).
Segundo a visão do Banco Mundial, três elementos devem caracterizar um
bom Judiciário: independência (capaz de tomar decisões sem a interferência dos
outros Poderes); força (poder de coerção e de polícia para fazer valer as suas
decisões); e eficiência gerencial (recursos e estrutura para evitar a morosidade).
Em suma, um judiciário eficiente contribui das mais diversas maneiras para o
crescimento econômico, protegendo a propriedade e os direitos contratuais e
138
fornecendo um ambiente seguro para o desenvolvimento e o progresso. Nesse
sentido, Armando Luiz Rovai pondera:
Valores que norteiam o direito são essenciais para conceder segurança jurídica, tornando o processo mais célere, considerando o custo do direito moroso que é pago por toda a sociedade. A importância e valoração do direito comercial na economia globalizada está principalmente no implemento e no incentivo da atividade negocial, na atração de investimentos num ambiente de total segurança jurídica. (ANEXO 3 - Doutrina).
3.3.2 Risco-Brasil
Soma-se à atual situação de insegurança jurídica que o Judiciário brasileiro
transparece ao investidor estrangeiro o risco financeiro que também existe ao se
fazer um investimento no Brasil, que podemos chamar de Risco-Brasil.
O economista Érik Dominik181 explica que o chamado Risco-país é uma
medida hipotética de análise do país relacionada com o investimento financeiro em
comparação com o resto do mundo, no qual é analisada a instabilidade econômica
do país, in casu, o Brasil.
Essa medida considera diversos indicadores, tais como: dívida pública;
capacidade de pagamento; tamanho do déficit público; taxas de juros; e taxas de
câmbio.
O Risco-Brasil serve para facilitar a decisão do investidor estrangeiro de
aplicar ou não seus recursos em títulos brasileiros, mas a situação atual do Brasil
não é muito favorável ao investidor estrangeiro.
Ao tratar desse tema, o Tesouro Nacional182 indica as seguintes as
implicações da classificação do Risco-Brasil:
181 DOMINIK, Érik Campos. Mitos e Verdades sobre o Risco Brasil e o Custo Brasil. Revista Espaço
Acadêmico. n. 50. Julho/2005. 182 Tesouro Nacional. Classificação de risco da República Soberana do Brasil. Disponível em:
<https://www.tesouro.fazenda.gov.br/en/classificacao-de-risco>. Acesso em 13 ago. 2014.
139
• À medida que impacta o custo de financiamento do soberano, os ratings podem afetar fortemente a flexibilidade fiscal de um governo;
• Na maioria dos casos, os ratings determinam um teto ou uma referência para o risco das empresas e do setor financeiro de um país, afetando os custos de financiamento do setor privado no mercado;
• É determinante para o apreçamento do risco dos empréstimos bancários (muitos bancos internacionais se baseiam nos ratings públicos para sua avaliação de risco) que, por sua vez, afeta os preços das linhas de crédito;
• Serve de guia para investidores institucionais regulados, como fundos de pensão e companhias de seguro, tendo em vista a alocação de recursos no país;
• O rating soberano, junto com a publicidade associada a ele, serve como referência comum para investidores estrangeiros e sua disponibilidade de investimento no país;
• É um componente importante da formação das percepções externas sobre o risco e suas tendências.
Os participantes do mercado classificam as referidas notas em dois grupos:
Grau Especulativo (D até BB+) e Grau de Investimento (BBB- até AAA), conforme
consta na lista abaixo:
Grau de investimento
AAA ou Aaa
AA+ ou Aa1
AA ou Aa2
AA- ou Aa3
A+ ou A1
A ou A2
A- ou A3
BBB+ ou Baa1
140
BBB ou Baa2
BBB- ou Baa3
Grau especulativo
BB+ ou Ba1
BB ou Ba2
BB- ou Ba3
B+ ou B1
B ou B2
B- ou B3
CCC ou Caa
CC ou Ca
C
D (já inadimplente)
Desta forma, é possível atribuir significados às notas, conforme ilustrado na
tabela183 a seguir.
Nota Significado
AAA Garantias máximas, risco remoto.
AA Fortes garantias; riscos muito baixos.
183 PERIN JR., Écio. Investment Grade, realidade ou ficção? Traz nova porta de acesso a capital para
empresas? Responsabilidade Civil das Agências de Avaliação de Risco (“Rating Companies”). Slide
7. Disponível em: <http://xa.yimg.com/kq/groups/21945684/1683210267/name/Slide+Parte+1+-
+Investment+Grade-Rating.ppt>. Acesso em: 14 ago. 2014.
141
Nota Significado
A Garantias satisfatórias; risco baixo.
BBB Garantias adequadas; risco moderado.
BB Garantias modestas; risco mediano.
B Garantias sofríveis; risco considerável.
CCC Indícios de default; risco alto.
CC Default recorrente; risco muito alto.
C Default provável; risco máximo.
D Obrigação em default.
Também de acordo com o Tesouro Nacional,
Oficialmente, o Brasil possui contrato para classificação de seu risco de crédito com as seguintes agências: Standard & Poor´s (S&P), Fitch Ratings (Fitch) e Moody´s Investor Service. Adicionalmente, outras agências internacionais monitoram regularmente o risco de crédito do país, como a canadense Dominion Bond Rating Service (DBRS), as japonesas Japan Credit Rating Agency (JCR) e Rating and Investment Information (R&I), a coreana NICE Investors Service e a chinesa Dagong Global Credit Rating.184
Conforme notícia publicada no jornal eletrônico G1185, a agência Standard &
Poor’s (S&B) rebaixou a nota do Brasil em 2014, apesar de o país continuar a ser
classificado como “grau de investimento”, o que mantém o país como recomendável
para o destino de aplicações estrangeiras.
Entretanto, a nota atual do Brasil, “BBB”, é o último passo antes de a
credibilidade financeira das empresas brasileiras cair para o grau especulativo. Se
isso ocorrer, dificultará, mais ainda, a atração de investidores estrangeiros no Brasil.
184 Tesouro Nacional. Classificação de risco da República Soberana do Brasil. Disponível em:
<http://www.tesouro.fazenda.gov.br/en/classificacao-de-risco>. Acesso em: 13 ago. 2014. 185 G1. Jornal Eletrônico - 24/03/2014. Agência de risco Standard & Poor's rebaixa nota do Brasil.
Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/03/agencia-de-risco-standard-poors-
rebaixa-nota-do-brasil.html>. Acesso em: 23 jun. 2014.
142
Identificada a insegurança jurídica oferecida pelo Judiciário brasileiro, somada
à insegurança financeira demonstrada pelo Risco-Brasil, tem-se um cenário pouco
atrativo para os investidores financeiros. Nesta tese, defende-se que esse quadro
pode ser amenizado pela possibilidade de utilização de arbitragem comercial
internacional para a solução de conflitos provenientes das relações entre empresas
brasileiras e investidores estrangeiros devido às vantagens e benefícios já
apresentadas neste trabalho.
3.4 Responsabilidade do árbitro na Arbitragem Comercial Internacional
Considera-se importante ressaltar nesta tese que, além de todas as
vantagens existentes no procedimento da arbitragem comercial internacional que a
diferenciam do que ocorre nas cortes nacionais, também poderá ocorrer, em alguns
casos, responsabilização civil do árbitro.
Redfern e Hunter186 explicam que, na arbitragem internacional, a posição de
quem decide (árbitro) difere da do juiz das cortes nacionais, os quais, de maneira
geral, recebem imunidade – isto é, estão blindados – em relação a qualquer
potencial responsabilização resultante do exercício da função jurisdicional.
Defendem que deve haver ponderação entre as sanções que podem ser aplicadas
aos árbitros que exercem sua função de maneira descuidada ou desapropriada e o
requisito essencial de um tribunal arbitral poder exercer sua função sem receio
constante de poder ser responsabilizado e acionado judicialmente pelo exercício de
sua função.
Gary Born187 salienta que os sistemas legais mais evoluídos impõem
obrigações legais aos árbitros, que podem ser garantidas por diferentes
186 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p.
313. 187 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,
p. 1595.
143
mecanismos, incluindo: a responsabilização civil do árbitro; a perda do direito à
remuneração; a extinção do mandato; e as proibições quanto a indicações futuras.
O autor188 também observa que, ao mesmo tempo, os árbitros internacionais
gozam de importantes direitos e proteções legais em virtude do contrato do árbitro,
bem como da lei aplicável ao caso, o que pode incluir direito à remuneração, a ter
cooperação das partes envolvidas no decurso do processo arbitral e, mais
importantemente, imunidade quanto à sua responsabilidade. Quanto a este último
item, remete ao caso Methanex Motunui Ltd v Spellman para explicar que tribunais
já decidiram que a imunidade do árbitro não se aplica em casos em que este for
responsável por fazer juízos baseados em suas próprias expertise e investigações.
Ainda sobre esse tema, Lew, Mistelis e Kröll189 explicam que a Suprema Corte
da Áustria já decidiu, inclusive, que a imunidade garantida ao árbitro internacional
em virtude de sua “função jurisdicional” não se estende aos casos em que houver
violação do dever de informar, dever de transparência do árbitro, hipótese em que
será considerada como descumprimento de contrato, e, portanto, sujeita a
responsabilização. Ressaltam, ainda, que a relevância da limitação da imunidade
garantida ao árbitro internacional dependerá da interpretação e constatação de dolo
ou má-fé.
Gary Born190 observa que muitas jurisdições, incluindo a Inglaterra, França,
Suíça, Estados Unidos, Alemanha, Áustria e Finlândia, já decidiram no sentido de
que as obrigações do árbitro perante as partes, e vice-versa, são determinadas por
contrato. Consequentemente, a responsabilidade do árbitro, por falhas no exercício
de sua função, também pode ter a sua extensão determinada contratualmente.
188 Idem, ibidem, p. 230. 189 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International
Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003. 190 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,
p. 1599.
144
De acordo com Susan Franck191, o instituto da arbitragem comercial
internacional passou a sofrer crescentes “ataques”, mediante a instauração de
processos em face de árbitros, devido à má conduta destes, somada ao risco de
manipulação dos mesmos.
Andrew Guzman192, adotando o regime de “responsabilidade do árbitro”,
sustenta que as partes de uma arbitragem têm o direito de acionar o árbitro se este
falhar na aplicação de normas obrigatórias.
Ramon Mullerat193 aponta que, em decorrência da natureza contratual entre
as partes e o árbitro internacional, dentro dessa relação reside a possibilidade de o
árbitro ser responsabilizado perante as partes, por direito contratual, em caso de
violação do contrato. Explica que o contrato existente entre as partes e o árbitro
dispõe de obrigações implícitas e explícitas, negociadas entre as partes, mas
também existem normas de aplicação obrigatória, como, por exemplo, o dever de
exercer sua função com boa-fé e aplicar as normas mandatórias no processo
arbitral.
Para Alan Redfern e Martin Hunter194, as obrigações do árbitro são divididas
em três categorias: obrigações contratadas pelas partes, obrigações impostas por lei
e obrigações éticas, sendo que a inobservância de quaisquer de tais obrigações
pode dar ensejo à responsabilização civil do árbitro internacional.
191 FRANCK, Susan. The Liability of International Arbitrators: A Comparative Analysis and Proposal for
Qualified Immunity. New York Law School Journal of International and Comparative Law, Vol. 20, No.
1, 2000, p. 2. 192 GUZMAN, Andrew. Arbitrator Liability: Reconciling Arbitration and Mandatory Rules. Duke Law
Journal. Vol. 49, 2000, p. 1281. 193 MULLERAT, Ramon; Blanch, Juliet. The Liability of Arbitrators: a Survey of Current Practice, in
Dispute Resolution International – International Bar Association, Vol. 1, Nº 1, June 2007, p. 99-123. 194 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p.
313.
145
Mullerat195 considera que o árbitro internacional poderá ser responsabilizado
civilmente, por danos causados: (i) às partes, por inadimplência das obrigações
legais contratadas com estas; (ii) à instituição arbitral, caso falhe em aplicar as
normas institucionais aplicáveis; (iii) a todos que estejam envolvidos no
procedimento arbitral, como advogados, experts e testemunhas, por violação de
confidencialidade; e (iv) a terceiros que possam sofrer danos em decorrência de
ações culpáveis do árbitro no exercício de sua função.
Em suma, considerando o acima exposto, quando um investidor estrangeiro
optar por solucionar seus conflitos com o brasileiro receptor mediante arbitragem
comercial internacional, julga-se seguro que seja contratada, especificamente, a
extensão da responsabilidade do árbitro a fim de que sejam evitadas frustrações
causadas pela imunidade garantida genericamente no exercício da função
“jurisdicional” que tais profissionais exercem, dada a liberdade do árbitro e
flexibilidade dos procedimentos inerentes à arbitragem comercial internacional – o
que gera difícil constatação de descumprimento de obrigações.
3.4.1 Responsabilidade do árbitro na lei brasileira
Nas arbitragens comerciais internacionais em que houver a aplicação da lei
brasileira, a função do árbitro poderá ser equiparada à função do juiz e, na mesma
medida, o árbitro poderá sofrer as mesmas responsabilizações a que estes estão
sujeitos, por força do artigo 14 da Lei de Arbitragem, que dispõe:
Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil. (grifo nosso).
Nesse sentido, Francisco Gonçalves Neto pensa ser importante determinar a
natureza jurídica da relação entre os árbitros e as partes para que possa ser
195 MULLERAT, Ramon; Blanch, Juliet. The Liability of Arbitrators: a Survey of Current Practice, in
Dispute Resolution International – International Bar Association, Vol. 1, Nº 1, June 2007, p. 99-123.
146
alcançada a assertiva de que “todo árbitro, no exercício de suas funções, é
responsável civil e criminalmente”.196
A lei de arbitragem, ao conferir ao árbitro o poder de julgar, quando as partes
decidirem por conferir-lhe tal poder, atribuiu à sua função caráter jurisdicional. Deste
modo, a função do árbitro é equiparada à do juiz, que poderá ser responsabilizado
nas hipóteses do artigo 133 do Código de Processo Civil. In verbis:
Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.
Do mesmo modo, a legislação brasileira também prevê a mesma hipótese de
responsabilização do magistrado – ao qual, nesta tese, equipara-se o árbitro – no
artigo 49 da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da
Magistratura Nacional).
Portanto, além das hipóteses de responsabilização do árbitro internacional no
quadro amplo da arbitragem comercial internacional, no Brasil, quando forem
observadas as regras processuais brasileiras, a responsabilização do árbitro poderá
ocorrer por mera extensão das hipóteses previstas no Código de Processo Civil
brasileiro e na Lei Orgânica da Magistratura, uma vez que a função do árbitro
equipara-se à do magistrado que, por sua vez, é beneficiado por uma blindagem
legal.
196 GONÇALVES NETO, Francisco. Responsabilidade do árbitro. 1/8/2006. Disponível em:
<http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=463&categoria=Arbitragem>. Acesso em: 25 jun.
2014.
147
4 CONCLUSÃO
A arbitragem não é somente um método alternativo de resolução de conflitos
na esfera jurídica, mas, também, um estímulo ao interesse econômico do investidor
estrangeiro.
Da escassez de estudos percebida por meio de pesquisas no que tange à
relação das duas matérias – jurídica e econômica –, este trabalho serviu para
demonstrar as vantagens de um mecanismo alternativo de resolução de conflitos –
uma opção legal distinta do Poder Judiciário Estatal, dotada de mais atrativa e
elevada segurança jurídica – para o investidor que tem receio de aplicar em
empresas brasileiras, não apenas pelo risco financeiro, denominado de Risco-Brasil,
mas também pelo risco jurídico proveniente da incerteza jurisdicional.
Hodiernamente, na captação de investimentos estrangeiros, existe,
basicamente, preocupação em relação a três aspectos: a qualidade das aplicações
(onde serão aplicados os recursos); o montante de retorno de tais investimentos; e o
prazo, minimizando-se, indevidamente, a possibilidade da ocorrência de default.
Entretanto, caso o default venha a ocorrer, não sendo honrada a obrigação
assumida, a solução do conflito pela via da arbitragem é, sem dúvida, muito mais
apta do que a adoção da alternativa judicial pura, tendo em vista a especialidade da
arbitragem que pode ser adotada e que sempre respeitará a vontade das partes
contratantes. Assim, as consequências do default restaram priorizadas com a
utilização da arbitragem, visando à satisfação da obrigação descumprida.
A “relação de troca” e a “resolução de conflitos” são consideradas duas ações
sociais basilares. A história do homem é transpassada, inevitavelmente pelas formas
de organização da sociedade e, intrinsecamente, pelos meios de solução das
diversas formas de conflito, originado de diversas causas, hodiernas ou
extraordinárias.
Essa necessidade de interação entre os indivíduos integrantes de uma
comunidade carrega, sem dúvida, a potencialidade de contenda ante as eventuais,
148
mas inevitáveis, pretensões resistidas. Igualmente, as relações de troca que
permeiam os agrupamentos humanos protagonizam importante papel nas formas de
constituição do meio social, sendo comuns litígios originados desse tipo de
interação.
No processo histórico de desenvolvimento da sociedade, a autossuficiência é
exceção, perdurando a manutenção da vida social por meio de ligações de permuta.
Vive-se por meio de relações de troca e sobrevive-se por meio de eficazes – e
pacíficas – formas de solução de conflitos.
Hoje, a arbitragem apresenta-se como efetiva alternativa para solução de
controvérsias provenientes das relações de troca de âmbito global, restando
perquirir sua adequação e eficácia na seara do comércio internacional.
Certamente, do desenvolvimento dos burgos à formação do Estado
Democrático de Direito, os Leviatãs multiplicaram-se, eclodindo embates titânicos
entre os diversos tipos de ordenamentos jurídicos existentes na sociedade e
atemorizando as relações entre pessoas situadas em países diferentes.
A passagem do Feudalismo para o Estado Absoluto e, posteriormente, para o
Estado Democrático de Direito ocasionou a soberania de nações, predominando o
poder de auto-organização que se consubstancia nas cartas constitucionais,
acompanhadas pela legislação infraconstitucional. Nas palavras de Alexandre de
Moraes, a Constituição
deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos.197
A evolução do Estado Democrático de Direito caminhou para o
aprimoramento das espécies normativas. No Brasil, o processo legislativo
197 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 1999, p. 34.
149
compreende a elaboração de emendas à Constituição, de leis complementares, de
leis ordinárias, de leis delegadas, de medidas provisórias, de decretos legislativos e
de resoluções (CF, art. 59, caput e incisos I ao VII). É inegável o grande número de
espécies normativas e de normas produzidas, sendo, somente no ano de 2013,
publicadas mais de cento e setenta Leis Ordinárias198. Em 2014 já foram publicadas
mais de cinquenta Leis Ordinárias199.
O comerciante que desbrava fronteiras sujeita-se às leis locais de seu país,
mas também deve guardar respeito às leis dos países em que a outra parte
contratante está situada, o que, patentemente, avoluma o mar de leis a serem
navegadas e intensifica a possibilidade de antinomias entre os distintos
ordenamentos jurídicos.
Concomitantemente à reportada multiplicação legiferante, observa-se, a olho
nu, a expansão exponencial das relações do comércio internacional, o que, por
lógica, potencializa o surgimento de conflitos entre os agentes atuantes na atual
ordem econômica globalizada.
Sem dúvida, distâncias geográficas foram mitigadas pelo desenvolvimento
tecnológico dos meios de comunicação, tendo relevado destaque a rede mundial de
computadores, comumente chamada de internet, o que propicia os negócios
multinacionais. Por conseguinte, o aumento do volume das relações internacionais
carrega consigo, inevitavelmente, o aumento proporcional dos litígios multinacionais.
Nesse contexto, se o predomínio da autotutela remete ao estado da barbárie,
a heterotutela, encabeçada por um dos poderes integrantes do Estado Democrático
198 Palácio do Planalto. Legislação. Leis Ordinárias 2013. Disponível em:
<http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/leis-ordinarias/2013-leis-ordinarias#content>.
Acesso em: 14 ago. 2014. 199 Palácio do Planalto. Legislação. Leis Ordinárias 2014. Disponível em:
<http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/leis-ordinarias/2014-leis-ordinarias#content>.
Acesso em: 14 ago. 2014.
150
de Direito, não é suficiente para receber adequadamente tais conflitos, produzidos
nessas modernas relações de troca.
É certo que o tacape deve ser definitivamente aposentado e a resolução da
pretensão resistida deve ser delegada a um terceiro que, com regras previamente
estabelecidas, melhor solucionará potenciais litígios entre os contratantes. Também
é certo que o escopo da atuação do direito200, dirigido pelo Poder Judiciário, constitui
um dos sustentáculos do Estado Democrático de Direito, atuando, efetivamente, na
pacificação social por meio do processo judicial.
Contudo, um novo contexto, advindo do desenvolvimento das relações
comerciais em âmbito internacional, desvendou a impossibilidade de plena
correspondência das expectativas dos agentes econômicos.
No que tange a esse aspecto, deve ser registrado, de plano, que a língua é
um dificultador da solução estatal de controvérsia, na medida em que, por óbvio,
prevalecerá o idioma local. No Brasil, por exemplo, um documento redigido em
língua estrangeira só poderá ser anexado aos autos quando acompanhado de
versão em vernáculo, firmada por tradutor juramentado (CPC, art. 157).
Outro dificultador, além da questão da língua, é a natureza pública das
normas de processo, quase impossibilitando sua manipulação técnica, ainda que
legal, pelas partes interessadas. Então, ainda que o direito material seja disponível,
o direito processual sujeita os litigantes às suas regras, impondo seus
procedimentos, seus recursos extremamente sofisticados ao hipossuficiente,
inclusive, ainda que indiretamente, criando barreiras de acesso.
Há, da mesma forma, considerável limitação na escolha das normas materiais
que regerão o negócio jurídico. Nem se olvide a existência de microssistemas que
se propõem a atuar na mitigação da vulnerabilidade do contratante, como, no caso
200 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido R. Teoria
Geral do Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974, p. 82.
151
brasileiro, a Consolidação das Leis do Trabalho ou o Código de Defesa do
Consumidor, bem como os processos coletivos.
Nesse contexto, a arbitragem ajusta-se adequadamente à heterocomposição,
atuando, complementarmente, ao Poder Judiciário na solução dos litígios
envolvendo direitos disponíveis.
No Brasil, a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, regula a arbitragem,
dispondo, no Capítulo I (“Disposições Gerais”), que as pessoas capazes de contratar
poderão optar pela arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis (artigo 1º).
Outrossim, os contratantes poderão avençar o modo de solução da
controvérsia, seja sob o manto da equidade, ou sob os princípios gerais do direito,
dos usos e costumes e das regras internacionais de comércio, desde que não haja
violação aos bons costumes e à ordem pública (artigo 2º).
Por oportuno, Modesto Carvalhosa crava que, desde 2001, a decisão dos
árbitros passou a ser reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como vinculante e
definitiva, sem a necessidade de aprovação do Poder Judiciário201. Como
destacado, proscreve-se a doutrina do second look202.
O próprio Código de Processo Civil brasileiro intitula a sentença proferida pelo
juízo arbitral como uma das espécies de título executivo judicial, nos termos do seu
artigo 475-N, inciso IV, incluído pela Lei nº 11.232/2005.
201 CARVALHOSA, Modesto. Quem tem medo da arbitragem? Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/18859-quem-tem-medo-da-arbitragem.shtml>. Acesso em:
14 ago. 2014. 202 SKITNEVSKY, Karin Hlavnicka. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO,
Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier
Latin, 2010, p. 109.
152
Assim, a arbitragem internacional irrompe como legítimo meio alternativo, e
adequado, de solução de litígio, atuando, complementarmente, ao Poder Judiciário
nos conflitos envolvendo negócios multinacionais, visto que melhor adequa as
expectativas dos agentes econômicos de distintos Estados estrangeiros.
Nesse sentido, os contratantes podem, no campo da arbitragem, definir as
regras procedimentais que levam ao efetivo mérito da questão em conflito, que
melhor se adequam ao negócio por eles entabulados, possuindo ampla liberdade
para dispor sobre prazos, recursos e etapas que comporão o processo - inclusive a
livre escolha do árbitro ou do juízo arbitral (o que, sob o crivo da jurisdição estatal,
não seria plenamente possível em razão das regras de competência) -, uma vez
que, a fim de resolver questões de litígio, a arbitragem busca respeitar a soberania
dos Estados, consolidar as normas processuais de ordem pública, bem como
possibilitar às partes do litígio determinarem as regras de processo que melhor
atendam às necessidades da própria transação comercial.
Por seu turno, no que tangem as normas de ordem material, a Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro
de 1942, dispõe, em seu artigo 9º, caput, que, para qualificar e reger as obrigações,
aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. Em contraponto, a arbitragem
internacional possibilita que as partes escolham livremente a norma própria e
adequada para melhor dirimir eventual litígio, sendo que o árbitro, nos termos
lecionados por Cláudio Finkelstein203, não está sujeito ao referido artigo 9º da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Vale ressaltar que a própria Lei nº 9.307/96, em seu artigo 2º, §2º, dispõe que
as partes podem convencionar que a arbitragem se realize com base nas regras
internacionais de comércio.
203 SKITNEVSKY, Karin Hlavnicka. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO,
Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier
Latin, 2010, p. 48.
153
Nessa senda, é importante invocar a simbiose entre a arbitragem
internacional e a Lex Mercatoria, entendendo-a, nas palavras de Luiz Olavo
Baptista204, como a designação dada ao conjunto de princípios, instituições e regras
relativas às operações do comércio internacional. Além disso, não se deve olvidar
que a sentença arbitral estrangeira é exequível em território brasileiro mediante a
homologação do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 35 da referida
Lei nº 9.307/96.
Nesse sentido, a segurança jurídica, propiciada pela arbitragem, atende, mais
adequadamente, às necessidades e expectativas do comércio internacional,
possibilitando aos agentes econômicos um ambiente propício para discutir quaisquer
questões relativas aos contratos celebrados.
Em suma, a segurança jurídica, como alicerce do Estado Democrático de
Direito, assevera ao indivíduo a manutenção da ordem. Essa estrutura é sustentada
pelo ordenamento jurídico, consubstanciado em legítimas normas emanadas pelo
Poder Legislativo e garantidas pelo Poder Judiciário.
Sob o prisma do devido processo legal, a segurança jurídica prestigia o
contraditório, a ampla defesa, a coisa julgada e outros grandes institutos do Direito
Processual, evitando-se que os litigantes sejam surpreendidos com regras
excepcionais e extemporâneas.
Na arbitragem, a segurança jurídica também alberga a vontade das partes,
garantindo o respeito ao pacta sunt servanda, representado precipuamente na
possibilidade de escolha da norma a incidir em eventual litígio, seja material, seja
processual.
Esse cenário arquitetado pela arbitragem atua, diretamente, no tempo de
solução do litígio, porque, ao combinar as regras procedimentais que melhor
204 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2011, p. 72.
154
correspondam às expectativas dos agentes econômicos, será possível vislumbrar a
duração desejada do trâmite processual.
A possibilidade de escolha das normas regentes e o pleno acolhimento da
sentença arbitral pelo Poder Judiciário tornam a arbitragem internacional um meio
adequado e eficaz para a solução de conflitos multinacionais, configurando, destarte,
uma conjuntura estável e segura para o desenvolvimento do comércio internacional.
Desse modo, é forçoso concluir que, nessa era em que predomina o comércio
globalizado, a arbitragem apresenta-se como efetivo meio de resolução de litígio
originado de relações jurídicas multinacionais, tendo em vista que, sob a égide da
segurança jurídica, permite aos contratantes, hipotéticos litigantes, definirem as
normas materiais e processuais que incidirão em eventual, e indesejável, conflito.
O Poder Judiciário, inegavelmente indispensável, primeira e última porta do
Estado Democrático de Direito e guardião das garantias individuais, pode, muito
bem, ter saudável e profícuo convívio com a arbitragem. Na maioria das vezes,
senão em quase todas, nos casos em que existe a eleição da arbitragem como
solução de conflitos, o julgador togado, dada a complexidade técnica dos fatos
elencados, sua comprovação e decisão à luz de indispensável conhecimento
específico, faria com que, a custos importantes, para auxiliar a formar a sua
convicção, indicasse, obrigatoriamente, perito de destacada formação para que
pudesse oferecer-lhe elementos necessários para a solução do conflito posto, não
se olvidando que o julgador não está vinculado em face daquilo que o expert
concluir.
Em tais situações, ao invés de se encaminhar a questão para a via
jurisdicional plena, útil e própria, faz-se a arbitragem. Não pode ser omitido que o
Poder Judiciário não tem, à sua disposição, uma estrutura ampla, nem um elenco de
peritos, para tratar temas sui generis, dotados da mais alta complexidade.
Entretanto, por sua vez, a instituição da arbitragem, firmada quando celebrada
determinada avença, especificamente, com muito mais acuidade, tendo em vista,
155
inclusive, a consonância de vontades ao indicar quem, eventualmente, funcionará
como árbitro, com objetividade, tornaria muito mais proveitosa a solução do conflito
que surgiu, pondo, praticamente em tempo diminuto, sem liturgias próprias do
Judiciário, o desenlace da questão então controvertida. O Judiciário ficaria com um
número menor de encargos, mas sempre à disposição para fiscalizar, proteger e
executar, com a força do Estado, a transparência e o resultado da sentença arbitral.
Em casos próprios, como o de investimentos internacionais, outra importante
conquista da arbitragem, conforme contido na denominada Lei Marco Maciel, é a
questão referente à flexibilização das regras de direito a serem adotadas - como, por
hipótese, convencionar que a arbitragem seja realizada com base nos princípios
gerais de direito, nos usos e costumes e nos mandamentos internacionais de
comércio. Tal situação, sem dúvida, é extremamente vantajosa, pois é possível
atender aos interesses e peculiaridades das partes contratantes. Ademais, com a
liberdade de escolha das regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, dadas
as características de cada avença, sempre será possível a adequação de interesses,
inclusive no que diz respeito, por exemplo, a se submeter a um determinado risco,
sem que isso implique na violação das disposições mais atraentes do país que tem
origem o numerário a ser investido no Brasil.
Com tal dinamismo permitido na lei de arbitragem, pode ser gerada
importante simbiose, atendidos os interesses do investidor, preservando a
segurança jurídica nos limites que almeja, sem aviltar as pretensões daquele que vai
acolher o numerário estrangeiro. Torna-se possível criar um ponto de equilíbrio, caso
a caso, de forma que nenhum interesse em jogo venha a ser maculado, medindo-se,
desta forma, os riscos que os contratantes desejam suportar.
Também deve ser ressaltada a questão da adoção do vernáculo na
arbitragem. No processo Civil Brasileiro existe regra, que pode ser considerada
insuperável, até porque cuida da questão do direito público regida pela legalidade
estrita, segundo a qual, para todos os atos e termos do processo, é estabelecida a
obrigatoriedade do uso do vernáculo, compreendido como “a língua própria de um
156
país ou uma região; língua nacional, idioma, vernáculo”205. A Lei de Arbitragem
brasileira apenas exige documento escrito, não fazendo qualquer outra exigência no
que diz respeito ao vernáculo. Portanto, pode defluir-se que inexiste, desde que as
partes envolvidas aceitem, ainda que tacitamente, a plena liberdade da utilização de
idioma estrangeiro - não se restringindo, portanto, ao nacional -, o que facilitaria, por
exemplo, a questão a ser colocada quando resolvida por sentença arbitral em mais
de um idioma, ou, até, em idioma estrangeiro de melhor compreensão e capilaridade
para o fim almejado, com um entendimento mais fácil e dinâmico pelo investidor
estrangeiro, o que, sem dúvida, pelo idioma adotado, a segurança jurídica pode
melhor se projetar.
Com a arbitragem, mais um entrave, de ordem processual, pode ser
superado, ou seja, mais precisamente o disposto no art. 157 do Código de Processo
Civil, que impõe que só poderá ser anexado aos autos documento redigido em
língua estrangeira, quando acompanhado de versão em vernáculo, firmada por
tradutor juramentado.
Tal imposição inexiste na arbitragem, o que muito facilita a sua consecução,
inclusive com significativa redução de custos e indiscutível celeridade processual,
bem como a possibilidade, à luz de terminologia absolutamente técnica, melhor
exame do que, efetivamente, com o significado pretendido, consta de documentos.
Isto porque, por muitas vezes, em que pese o esforço e seriedade do tradutor
juramentado, nem sempre se consegue traduzir com a indispensável precisão aquilo
que, efetivamente, foi avençado no idioma estrangeiro, sendo que, às vezes, tal
problema ocorre em razão de não haver significado correspondente exato no idioma
pátrio.
Nesse contexto, as partes estipulantes podem atuar efetivamente na definição
do tempo para a solução de eventual litígio, definindo desde os prazos processuais,
205 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e
Legislação Vigente. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 442.
157
passando pelas etapas da fase cognitiva, até a supressão ou ampliação de recursos,
em sede de juízo de revisão.
Assim, a arbitragem permite a participação direta dos contraentes no próprio
âmago do processo, possibilitando a adequada solução das questões controvertidas
pelo modo que melhor corresponda à natureza do negócio jurídico e às expectativas
dos contratantes.
Sem que seja alvejado o princípio constitucional da celeridade processual, o
tempo do processo arbitral pode facilmente ser deslocado do “polo agilidade” para o
“polo cautela”, optando-se pela soberania da decisão arbitral monocrática, com
prazos tacanhos e procedimento simplificado, ou pela decisão colegiada legitimada
por distintas instâncias e prazos dilatados em procedimentos complexos - tudo
conforme a exclusiva vontade das partes.
Para aquele que pretende investir no Brasil, no aspecto jurídico, mediante a
realização de prévio compliance dos árbitros a serem inseridos para eventual
instalação de juízo arbitral, terá, quer no aspecto técnico, quer no tocante à conduta
dos árbitros a serem escolhidos, incomparável segurança na hipótese de eventual
instalação do juízo arbitral, porque, com certeza, com tal providência (a realização
de compliance e respectivo resultado a contento) restarão afastadas eventuais
inseguranças, inclusive no plano jurídico, pelo menos em boa parte.
Registra-se, também, que a realização do compliance não se restringe
apenas a um determinado seguimento, pois pode oferecer ao interessado na avença
uma série de perfis, inclusive no tocante à aplicação, sob a ótica da conveniência,
oportunidade e disposições que serão utilizadas na eventual instalação do juízo
arbitral.
Aqueles que pretendem investir na área internacional, no caso,
especificamente, no Brasil, têm expectativa de neutralidade e independência para a
solução de um eventual conflito.
158
A partir do momento que o Supremo Tribunal Federal consagrou a
constitucionalidade da Lei de Arbitragem brasileira (Lei nº 9.307, de 23 de setembro
de 1996), com a declaração de constitucionalidade pelo plenário, tendo considerado
o Excelso Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação da vontade do
contratante na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a
permissão de um juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o
compromisso, não ofende o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. (SE
5206 AgR/EP – Espanha, julgado em 12 de dezembro de 2001). Produz, no âmbito
nacional, inquestionável independência e neutralidade que todos podem conviver,
inclusive os estrangeiros, em face da eventual instalação de juízo arbitral.
Assim vem sendo decidido nos Tribunais brasileiros, os quais, a partir do
reconhecimento da constitucionalidade da arbitragem no Brasil, entendem que,
cumpridas as exigências locais constantes na lei de arbitragem, não cabe ao
Judiciário imiscuir-se ou mesmo impedir as decisões arbitrais de mérito, mas sim,
dentro dos limites próprios, prestigiá-las.
Consagra-se, desta forma, plenamente, os fundamentais princípios de
garantia arbitral, consubstanciados na independência e neutralidade.
Logo, na solução de litígios internacionais, a eleição da arbitragem apresenta
o condão de preservar a soberania dos Estados e de consolidar as normas
processuais de ordem pública, e, ainda, concomitantemente, de possibilitar às partes
a estipulação de regras de processo que melhor reflitam e amoldem as
necessidades da própria transação comercial.
A ideia de utilização da arbitragem no segmento de investimentos
estrangeiros, pelo todo retratado, mostra-se mais própria a levar confiabilidade e
segurança jurídica, servindo a presente, com todas as vênias, para contribuir ao
debate e exame das questões abordadas e, em particular, demonstrar a seriedade
àqueles que venham no Brasil realizar seus investimentos.
159
Espera-se que a presente tese venha a estimular os estudos sobre o tema em
questão e contribuir ao aprimoramento, no tocante à segurança jurídica, dos
investimentos internacionais.
Por fim, espera-se, também, que esta tese tenha contribuído para um maior
entendimento sobre os fatores que influenciaram a desenvolver o presente estudo,
especialmente no que tange à segurança jurídica, de maneira que futuras pesquisas
nessa área possam aplicar, com maior intensidade, a arbitragem como meio de
resolução de conflitos, nos termos e temas aqui retratados, utilizando, assim, esta
tese como um direcionamento inicial para a valorização, em face da segurança
jurídica, da arbitragem, na esfera de investimentos estrangeiros.
160
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166
ANEXOS
ANEXO – JURISPRUDÊNCIA
ANEXO 1
"1. Cláusula Compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes
formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios
passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só
pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes
vinculados à solução extrajudicial da pendência. 2. A eleição da Cláusula
Compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos
termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil. 3. São válidos e eficazes
os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de
atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de
serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem Cláusula Compromissória submetendo à
arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste. 4. Recurso especial provido."
(STJ - REsp 606.345/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ
08.06.2007).
“Agravo de Instrumento. Juízo Arbitral. Cláusula Compromissória. Avença
livremente celebrada entre os demandantes. Questões atreladas à venda de bem
imóvel e dissolução de sociedade que se encontram contempladas pela cláusula
compromissória (... “Qualquer disputa, controvérsia ou demanda, de qualquer tipo ou
natureza, independentemente de ser baseada em contrato, responsabilidade civil, lei
ou regulamentos ou qualquer outra razão, e que seja resultante ou relacionado de
qualquer forma a este Acordo, à relação das partes, suas obrigações ou as
operações realizadas nos termos deste Acordo, incluindo sem limitação quaisquer
disputas quanto à existência, validade, interpretação, negociação, cumprimento,
inadimplemento, violação, rescisão ou exiquibilidade do mesmo, serão resolvidas
por arbitragem, que será final e vinculativa, sendo intenção das partes que a
presente constitua um amplo compromisso arbitral englobando todas as possíveis
disputas das partes relativas ao projeto que é objeto deste Acordo.”) e que deverão
ser dirimidas perante o Juízo Arbitral. Afastamento da jurisdição estatal. Arguida a
167
celebração de compromisso arbitral em momento processual oportuno, nos termos
da lei. Decreto de extinção do processo, sem resolução do mérito (Art. 267, VII,
CPC). Recurso provido.” (TJSP – Agravo de Instrumento nº 9070241-
65.2008.8.26.0000 - Relator(a): Roberto Mac Cracken - Comarca: São Paulo - Órgão
julgador: 5ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 18/02/2009)
ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO:
“Agravo de Instrumento. Juízo Arbitral. Cláusula Compromissória. Avença livremente celebrada entre os demandantes. Questões atreladas à venda de bem imóvel e dissolução de sociedade que se encontram contempladas pela cláusula compromissória (... “Qualquer disputa, controvérsia ou demanda, de qualquer tipo ou natureza, independentemente de ser baseada em contrato, responsabilidade civil, lei ou regulamentos ou qualquer outra razão, e que seja resultante ou relacionado de qualquer forma a este Acordo, à relação das partes, suas obrigações ou as operações realizadas nos termos deste Acordo, incluindo sem limitação quaisquer disputas quanto à existência, validade, interpretação, negociação, cumprimento, inadimplemento, violação, rescisão ou exiquibilidade do mesmo, serão resolvidas por arbitragem, que será final e vinculativa, sendo intenção das partes que a presente constitua um amplo compromisso arbitral englobando todas as possíveis disputas das partes relativas ao projeto que é objeto deste Acordo.”) e que deverão ser dirimidas perante o Juízo Arbitral. Afastamento da jurisdição estatal.
168
Arguida a celebração de compromisso arbitral em momento processual oportuno, nos termos da lei. Decreto de extinção do processo, sem resolução do mérito (Art. 267, VII, CPC). Recurso provido.
Recurso de agravo de instrumento interposto contra r. decisão interlocutória
copiada às fls. 250/250vº dos presentes autos, que deferiu liminar, em ação cautelar
inominada, para obstar a alienação do imóvel mencionado neste agravo, oficiando-
se ao respectivo Cartório de Registro de Imóveis para os devidos fins.
Insurgem-se os agravantes alegando, dentre outras, em suma, em preliminar,
a necessidade de extinção do processo sem resolução do mérito, em razão da
existência de compromisso arbitral livremente pactuado entre as partes e a carência
da ação por falta de interesse processual, tendo em vista a sua desnecessidade,
bem como pela inutilidade de decisão judicial a respeito da dissolução da empresa
KS Realty e da desnecessidade e inutilidade de decisão judicial a respeito do direito
de preferência dos agravados. Asseveram, também, inexistir o “fumus boni juris” e o
“periculum in mora”. Argumentam ter ocorrido a inviabilidade de concretização de
projeto imobiliário por razões alheias à vontade dos agravantes. Afirmam, ainda, a
legalidade da venda do imóvel, decidida por intermédio do Comitê de Quotistas, bem
como que a dissolução/liquidação da mencionada empresa KS Realty ocorrerá
extrajudicialmente, como também decidido em reunião do Comitê de Quotistas, que
é possível concluir que o imóvel referenciado nos autos não é de propriedade dos
sócios da KS Realty, mas sim da própria sociedade, que não houve violação ao
direito de preferência dos agravados, mesmo porque sequer foi estabelecido preço
para a venda do bem, sendo que, após o arbitramento de tal preço é que poderão os
mesmos agravados exercer o seu direito de preferência. Pugnam, por fim, o
recebimento do presente recurso de agravo na forma de instrumento, pela atribuição
de efeito suspensivo ao recurso e posteriormente, pelo seu provimento, com
cassação da liminar.
A liminar não foi concedida (fls. 402), sendo determinada a intimação dos
agravados para responderem ao recurso.
169
Os agravados apresentaram contraminuta (fls. 410/431), acompanhada de
documento (fls. 432/442 – cópia de “ação de dissolução total e liquidação de
sociedade”), alegando, em síntese, a inaplicabilidade da arbitragem pactuada em
acordo de quotistas, a presença das condições da ação, a frustração do objeto
social, a ilegalidade da venda do imóvel, a existência de condomínio de fato, a
observância do seu direito de preferência, requerendo, por derradeiro, o não
provimento do presente recurso de agravo de instrumento.
Os demandantes apresentam novas manifestações, sendo que a petição dos
agravados de fls. 472/476, pela Colenda Turma Julgadora, restou indeferida.
Recurso devidamente processado.
É o relatório.
No caso, questão envolvendo discussão relativa a negócio jurídico celebrado
entre os demandantes, que está acobertado por cláusula compromissória,
decorrente de eleição de Juízo Arbitral, razão pela qual, com a devida vênia, o
processo deve ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, inciso
VII, do Código de Processo Civil, ainda mais, levando-se em conta a arguição, em
tempo oportuno, da existência da arbitragem.
O documento de fls. 319/343 destes autos, denominado “Acordo de Quotistas
da Sociedade Brasileira por Quotas de Responsabilidade Limitada KS Realty Ltda.”,
dentre outras disposições, assevera em sua cláusula 8.11 que:
“Lei Aplicável e Solução de Litígios: Este Acordo, incluindo sua existência, validade, interpretação, efeitos operantes e os direitos de cada um dos Quotistas, será regido e interpretado de acordo com as leis da República Federativa do Brasil. Qualquer disputa,
170
controvérsia ou demanda, de qualquer tipo ou natureza, independentemente de ser baseada em contrato, responsabilidade civil, lei ou regulamentos ou qualquer outra razão, e que seja resultante ou relacionado de qualquer forma a este Acordo, à relação das partes, suas obrigações ou as operações realizadas nos termos deste Acordo, incluindo sem limitação quaisquer disputas quanto à existência, validade, interpretação, negociação, cumprimento, inadimplemento, violação, rescisão ou exiquibilidade do mesmo, serão resolvidas por arbitragem, que será final e vinculativa, sendo intenção das partes que a presente constitua um amplo compromisso arbitral englobando todas as possíveis disputas das partes relativas ao projeto que é objeto deste Acordo.”
Assim, a avença acima retratada refere-se à denominada “cláusula
compromissária cheia”, regulada pelos artigos 3º e seguintes da Lei nº 9.307, de 23
de setembro de 1.996, que dispõe sobre a arbitragem.
Segundo artigo 3º da supra mencionada legislação, “As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissária e o compromisso arbitral.”, e, o artigo 4º, caput, da mesma lei dispõe que “A cláusula compromissária é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.”.
Destaque-se, ainda, que o pleito de extinção do processo, sem resolução do
mérito, encontra-se, conforme já destacado, deduzido pelos agravantes no bojo do
presente recurso, asseverando, também, os mesmos recorrentes, nos termos do
171
trecho abaixo transcrito da sua peça recursal (vide: fls. 05 destes autos), que as
questões relativas ao negócio firmado entre os demandantes deveriam ser
solucionados por meio de competente procedimento arbitral, assim registrando:
“Com efeito, antes de se adentrar no mérito do
processo cautelar de origem, cumpre alertar este E.
Tribunal que a matéria debatida no feito diz respeito
a controvérsias que deverão necessariamente ser
solucionadas em procedimento arbitral, a ser
conduzido de acordo com as normas de Arbitragem
da Câmara de Comércio Internacional de Comércio
(“CCI”) em Corte Arbitral na Cidade de Miami,
Estado da Flórida, Estados Unidos da América.”
Portanto, pela cláusula compromissária, como no caso em apreço, os
contratantes, dispondo o ajuste de direitos disponíveis, renunciam ao direito de
dirimir as questões e controvérsias decorrentes do contrato perante o Poder
Judiciário, elegendo juízo arbitral para a solução de todos os litígios decorrentes da
avença.
Na verdade, a cláusula compromissária traduz-se em pacto de natureza
vinculante, de observância obrigatória aos contratantes, e, sendo eleita tal via, como
o foi na avença mencionada nos autos, as partes, salvo as exceções próprias, que,
in casu, não se fazem presentes, não podem mais recorrer ao Poder Judiciário.
Deve ser registrado, também, por ser de rigor, que referida cláusula
compromissória, por sua própria redação, como acima transcrita, pelo que se verifica
dos seus termos, em virtude de sua natureza ampla (... “Qualquer disputa, controvérsia ou demanda, de qualquer tipo ou natureza, independentemente de ser baseada em contrato, responsabilidade civil, lei ou regulamentos ou qualquer outra razão, e que seja resultante ou relacionado de qualquer forma a este Acordo, à relação das partes, suas obrigações ou as operações realizadas nos termos deste Acordo, incluindo sem limitação quaisquer disputas quanto à existência, validade, interpretação, negociação, cumprimento,
172
inadimplemento, violação, rescisão ou exiquibilidade do mesmo, serão resolvidas por arbitragem, que será final e vinculativa, sendo intenção das partes que a presente constitua um amplo compromisso arbitral englobando todas as possíveis disputas das partes relativas ao projeto que é objeto deste Acordo.”), alcança, inclusive, a rescisão do negócio jurídico celebrado entre os
demandantes, sendo possível afirmar que a questão relativa à dissolução ou
liquidação da empresa KS Realty encontra-se passível de discussão também
perante o juízo arbitral, como livremente avençado e eleito entre os litigantes.
O Douto e Ilustre Professor Cláudio Lembo, in “A
Pessoa - Seus Direitos”, Editora Manole, 1ª edição, São Paulo, 2007, às páginas 208
e 209, sobre o tema, de forma clara e objetiva, discorreu que:
“O amplo e ilimitado acesso à Justiça mereceu mitigação com a vigência da Lei Marco Maciel, que instituiu o juízo arbitral (Lei nº 9.307, de 1996). Por esse diploma legal, quando convencionado expressamente, as partes, tratando-se de bens disponíveis, podem renunciar a acesso ao Judiciário para solução de conflitos advindos da aplicação de contratos.
O tema mereceu longa análise do Supremo Tribunal Federal, que, ao final, julgou constitucional a cláusula compromissória que confere efeitos de decisão judiciária à sentença arbitral e a torne irrecorrível, quando assim expressamente convencionado em instrumento que tem por objeto unicamente bens disponíveis.”
Como consta in “Código de Processo Civil e legislação processual em vigor”
de Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, 2008, Editora Saraiva, São Paulo,
40ª edição, pág. 1287, na nota 1ª ao art. 1º da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de
173
1996: “A Lei de Arbitragem é constitucional (STF-RTJ 190/908: Pleno, SE 5.206, quatro votos vencidos).”.
O Professor Antonio Carlos Rodrigues do Amaral e Letícia Mary Fernandes
do Amaral Viggiano, na consagrada e renomada obra “A Lei da Arbitragem nos
Tribunais”, Lex Editora S.A., São Paulo, 2008, pág. 24, com precisão, deixam
registrado que:
“..., não há qualquer inconstitucionalidade na renúncia livre e responsável ao recurso judicial. E mais não pretende o artigo 18 da nova lei de
arbitragem, que é assim o legítimo corolário da
liberdade de contratar e de solucionar controvérsia
fora do âmbito dos tribunais, segundo o princípio da
autonomia da vontade das partes.”
As alegações constantes da peça inicial da ação cautelar (copiada às fls.
48/66 deste instrumento), nos tópicos a seguir elencados: a) A frustração do objeto
do objeto social pela sócia norte-americana Paulista-Simon (fls. 53); b) Ilegalidade
de venda do imóvel da forma estabelecida, sem a aquiescência dos autos ou, no
mínimo, sem que lhes seja garantida a opção de compra prevista no Acordo de
Quotistas (fls. 57); c) Inexequibilidade do objeto social, por ato da Paulista-Simon.
Necessidade de dissolução judicial (art. 1034, II, do Código Civil) e liquidação da
sociedade (arts. 1102 e ss. do Código Civil) (fls. 58); d) O condomínio de fato, pelo
não-exercício de atividade empresarial alguma. Venda do imóvel conforme regras do
art. 1322 do Código Civil (fls. 59); e, e) O direito de preferência assegurado no
Acordo de Quotistas, cláusula 2.12 (fls. 61), dentre outros, bem como a pretensão de
dissolução total e liquidação da sociedade KS Realty e de pleito indenizatório, pelo
conteúdo da cláusula compromissória em questão, dada a sua amplitude, podem ser
alcançadas para a solução dos eventuais litígios com tais motivações.
174
Assim, ante a mencionada cláusula compromissória arbitral, que instituiu a
arbitragem como meio solucionador de conflitos oriundos da relação contratual entre
as partes litigantes, caracterizada está a impossibilidade do Poder Judiciário em
dirimir as questões arguidas pelos agravados. Oportuno trazer à baila os
ensinamentos do Professor Doutor Carlos Aberto Carmona “in” Arbitragem e
Processo – Um Comentário à Lei nº 9.307/96:
“a cláusula arbitral é um negócio jurídico processual, eis que a vontade manifestada pelas partes produz desde logo efeitos (negativos) em relação ao processo (estatal) e positivos, em relação ao processo arbitral (já que, com a cláusula, atribui-se jurisdição aos árbitros).” 206
O Mestre Humberto Teodoro Jr., in “Curso de Direito Processual Civil”,
Volume 1, 36ª edição, Editora Forense, às páginas 277, sobre o assunto, leciona
que:
"Na sistemática primitiva do Código, a cláusula compromissória não obrigava, nem prejudicava, o direito de recorrer à jurisdição, porque se entendia que ninguém poderia ser previamente impedido de recorrer ao Poder Judiciário. Com o novo regime de arbitragem, instituído pela Lei n 9.307, basta existir entre as partes a cláusula compromissória (isto é, a promessa de submeter-se ao juízo arbitral) para ficar a causa afastada do âmbito do Judiciário. Esta cláusula funciona, portanto, como o impedimento ao exercício do direito de ação, tomando a parte
206 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo um comentário à Lei no. 9.307/96. 3a Edição.
São Paulo: Editora Atlas. 2009. p. 102.
175
carecedora da ação por ausência da condição de possibilidade jurídica do respectivo exercício. Se a convenção de arbitragem é anterior ao processo, impede sua abertura; se é superveniente, provoca sua imediata extinção, impedindo que o órgão judicial lhe aprecie o mérito."
Ademais, vale registrar, ao menos pelo que dos autos consta, que os
agravados não discorreram, de forma expressa e precisa, sobre eventuais
irregularidades que teriam o condão de macular a mencionada cláusula
compromissória.
A cláusula compromissória tem natureza vinculante, sendo obrigatória para os
contratantes. Desta forma, livremente eleita a via paraestatal da arbitragem para a
solução do conflito, as partes não mais poderão recorrer ao Poder Judiciário,
ressalvadas as hipóteses previstas em lei.
E, por consequência, existindo cláusula compromissória decorrente de
convenção de arbitragem, o Código de Processo Civil é expresso a prever, em seu
artigo 267, inciso VII, que tal circunstância ensejará a extinção do processo sem
resolução do mérito. Nesse sentido:
“19. Convenção de arbitragem. Havendo convenção de arbitragem (LArb 3.º ss.), as partes renunciam à jurisdição estatal, preferindo nomear um árbitro que resolva a lide eventualmente existente entre elas. Neste caso, a denúncia da existência da convenção acarreta a extinção do processo sem julgamento do mérito. É matéria que depende de alegação do réu,
176
vedado ao juízo examiná-lo de ofício (CPC 301 IX e § 4º).”207
No mesmo diapasão:
“OBRIGAÇÃO DE FAZER. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AUTORES QUE PRETENDEM REPARO EM IMÓVEL ADQUIRIDO DA RÉ, ALEGAÇÃO DE QUE HOUVE UTILIZAÇÃO DE MATERIAIS INFERIORES AOS QUE FORAM CONSIGNADOS CONTRATUALMENTE. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA, NO CASO, DE CLÁUSULA DE ARBITRAGEM QUE OBRIGA SUA UTILIZAÇÃO. EXTINÇÃO DECRETADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.” (TJSP – Apelação nº 516.531.4/5-00 – 6ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Vito Guglielmi – J: 02/08/2007)
“ARBITRAGEM – Cláusula compromissória – Execução – Existência de acordo prévia em que as partes estabelecem a forma de instituir a arbitragem, adotando as regras de órgão arbitral institucional, ou de entidade especializada – Hipótese de cláusula compromissória cheia – Submissão às normas do órgão ou entidade, livremente escolhido pelas partes – Desnecessidade de intervenção judicial a firmar o conteúdo do compromisso arbitral – Recurso provido” (TJSP – Agravo de Instrumento nº 124.217-4 – 5ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Rodrigues Marcondes – J: 16.09.99)
207 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil e legislação
extravagante. 10ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2007, pág. 504.
177
“ARBITRAGEM – Juízo Arbitral – Execução – Contrato de exportação – Alegação pela parte contrária, da existência de cláusula compromissária ou compromisso arbitral – Impossibilidade do julgamento e processamento do feito pelo juízo comum – Extinção do processo sem julgamento do mérito – Inteligência dos arts. 4º e 9º da Lei nº 9.307/96, c/c os arts. 267, VII, e 301, IX, do CPC” (RT 759/125)”
“Ação de nulidade de alteração de contrato social. Extinção do feito. Pretensão do recorrente de acionar a via estatal e paraestatal de arbitragem para compor o litígio. Cláusula compromissória que se reveste de natureza vinculante, obrigatória para os contratantes. Eleita a via paraestatal da arbitragem para solução do conflito, as partes não mais poderão recorrer ao Poder Judiciário. Inteligência da Lei nº 9307/96. Decisão mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Apelação nº 158.328.4/0 – 6ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Reiz Kuntz – J: 19/08/2004)
“PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS. EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA POR INOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A PROPOSIÇÃO DA AÇÃO PRINCIPAL. 1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes
178
formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência. 2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil. 3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste. 4. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ - REsp 612439 /RS – Min. Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – Data do Julgamento: 25/10/2005 - DJ 14.09.2006 p. 299).
“EMENTA: APELAÇÃO - AJUSTE BILATERAL - CLÁUSULA ARBITRAL - PRESSUPOSTO PROCESSUAL. A convenção da arbitragem ainda que na fase de cláusula compromissória, é pressuposto processual de caráter negativo que, se não observada, leva à extinção do processo, sem julgamento do mérito.” (TJMG – Ap. 1.0439.03.023204-5/001(1) – Des. Rel. Eulina do Carmo Almeida – Data da Publicação: 05/04/2008).
179
“EMENTA: AÇÃO CAUTELAR -- CLÁUSULA ARBITRAL - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO JUÍZO ESTADUAL - IMPOSSIBILIDADE - EXTINÇÃO DO PROCESSO COM ARRIMO NO ART. 267, VII DO CPC. No momento em que as partes convencionam a arbitragem como forma única de solução dos seus conflitos, porventura decorrentes do próprio contrato, apenas a jurisdição privada é que será competente para decidi-los, inclusive as lides acautelatórias deles decorrentes e outras medidas de urgência relacionadas com o mesmo objeto conflituoso.” (TJMG – Ap. 1.0003.07.023530-8/001(1) – Des. Rel. Domingos Coelho– Data da Publicação: 08/03/2008).
“SISTEMA DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. Ação revisional de contrato de venda e compra de imóvel com pedido liminar de manutenção de posse e suspensão da consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário. Contrato firmado para aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro Imobiliário, regido pela Lei n° 9.514/97. Existência de cláusula arbitrai ou compromissória. Correta a extinção do feito com fundamento no art. 267, VII, do CPC. Recurso não provido, com observação. "A cláusula compromissória ou arbitrai é a espécie de convenção de arbitragem mediante a qual os contratantes se obrigam a submeter seus futuros e eventuais conflitos que possam surgir do contrato à solução arbitrai, somente podendo ser adotada em razão da vontade das partes. Por tal razão, se e quando adotada, torna-se obrigatória
180
e caso uma das partes resolva acionar o Judiciário, o juiz será obrigado a extinguir o processo sem resolução do mérito, conforme ditam os artigos 267, VII e 301, IX, do Código de Processo Civil” (TJSP – Ap. 7218265-7 – Rel. Des. Gilberto dos Santos – Data de Julgamento: 17/04/2008).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR INOMINADA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. JUÍZO ARBITRAL. INCOMPETÊNCIA DO ÓRGÃO JUDICIAL. NULIDADE DA DECISÃO. I – É incompetente o Poder Judiciário para apreciar e julgar ação judicial, na qual tem como instrumento obrigacional contrato que contém a chamada cláusula compromissória arbitral, erigida por ser a manifestação expressa da vontade das partes para que todas as questões sejam resolvidas via arbitral por uma das Cortes de Arbitragem, nos moldes da Lei nº 9.307/96. II – O STF considerou constitucional o juízo arbitral, prestigiando a manifestação de vontade das partes pelo compromisso arbitral pactuado, sem que haja infração à garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88).” (TJGO – Agravo de Instrumento nº 49231-0/180, julgado em 08/08/2006, publicado em 14/09/2006)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. CORTES DE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM. CONTRATO DE COMPRA E
181
VENDA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ELEIÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL. ARTIGO 267, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO. As partes ao elegerem a via arbitral, renunciaram ao conhecimento pela justiça Estadual, comum ou especial, de controvérsias relativas ao contrato estabelecido, devendo a ação interposta ser extinta por carência de ação nos termos do art. 267, VII, do CPC. Agravo conhecido e provido.” (TJGO – Agravo de Instrumento nº 33230-4/180, julgado em 09/12/2003, publicado em 02/02/2004)
Além do mais, vale destacar que não se olvida da possibilidade de propositura
de ações, inclusive, de natureza cautelar, perante o próprio Juízo Arbitral, ou,
perante o Estado-Juízo, ainda que eleita a via arbitral. Todavia, tais demandas
deverão ter por finalidade precípua a efetiva instituição e preservação, inclusive com
a eventual dedução de pleitos cautelares, da arbitragem quando convencionada, ou,
se o caso, atribuir efetividade às questões solucionadas pelo Juízo Arbitral.
Contudo, no caso em apreço, não ocorreu nenhuma das hipóteses acima
especificadas, pois, na realidade, os agravados visam, por meio de “ação cautelar
inominada”, fls. 48/66 dos autos, em suma, decretar a indisponibilidade de bem
imóvel e, por meio de ação principal, denominada “ação de dissolução total e
liquidação de sociedade”, mediante pretensão já deduzida judicialmente (vide: fls.
432/442 deste feito), almejam, em síntese, a dissolução total da sociedade firmada
com os agravantes, com sua consequente liquidação, apuração de haveres e
responsabilidades.
Assim, verifica-se que os agravados pretendem a não submissão da
discussão da avença do Juízo Arbitral, o que não se mostra possível. E, sobre o
tema, a doutrina tece os seguintes comentários, a saber:
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“Instaurado o juízo arbitral, desde que caracterizada e demonstrada em cognição sumária não exauriente a situação de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, assim como a probabilidade ou verossimilhança do direito alegado, qualquer dos litigantes poderão pleitear ao árbitro ou tribunal arbitral a concessão da tutela antecipada, acautelatória (típica ou atípica, voluntária ou contenciosa, nominada ou inominada) ou inobitória; poderão ainda pleitear alguma medida de coerção necessária à garantia ou realização do direito material ou produção de provas.
...
Em outros termos, se o árbitro pode regular definitivamente, sem qualquer participação do Judiciário, a questão de fundo, o mérito do litígio, nos limites que a convenção autoriza, não se encontra qualquer razão plausível para impedi-lo, nas mesmas condições, a conceder incidentalmente medidas de urgência de ofício ou por requerimento dos interessados, desde que a hipótese vertente justifique a tomada desta providência emergencial.
O árbitro ou tribunal decidirá a respeito da necessidade e conveniência da medida pleiteada, acolhendo ou rejeitando o pedido de tutela de urgência. Dessa decisão, assim como da sentença arbitral, não caberá qualquer forma de impugnação a ser dirigida ao Estado-juiz, ressalvada a possibilidade de propositura de ação anulatória pelas razões ensejadoras da
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anulação da sentença final (v. n. 55, infra). O juízo arbitral é soberano, e somente o árbitro ou o colégio é que, por maioria ou unanimidade, possui jurisdição privada e competência para decidir acerca do pedido de concessão de providência acautelatória, antecipatório ou inibitório.
Desde que instaurado o juízo arbitral, inexiste possibilidade jurídica de o interessado dirigir qualquer desses requerimentos ao juiz togado que seria competente, originariamente, se fosse o caso, para conhecer da lide principal.
E, assim, entendemos porque no momento em que as partes convencionaram a arbitragem como forma única de solução dos seus conflitos, porventura decorrentes do próprio contrato, apenas a jurisdição privada é que será competente para decidi-los, inclusive as lides acautelatórias deles decorrentes e outras medidas de urgências relacionadas com o mesmo objeto conflituoso.
...
Como dissemos a pouco, em linha principiológica, sendo o árbitro competente para o processo e o conhecimento da lide principal, estará investido também de jurisdição paraestatal e competência definida pelas partes para apreciar e decidir os pedidos incidentais de tutela cautelar ou antecipatória (genérica ou específica). Os contornos desde deverão estar assinalados na convenção de arbitragem,
184
através da indicação da matéria que seja objeto de apreciação pelo juiz privado (art. 9º, inc. III).
...
Em outras palavras, a razão pela qual se funda essa orientação repousa na exclusão consensual da jurisdição estatal para a solução dos conflitos decorrentes de determinada relação formada entre as partes, que optaram livremente pela arbitragem. Nessa linha de raciocínio, admite-se apenas a tutela estatal para atender pretensão em caráter de urgência quando ainda não instituído o juízo arbitral (art. 22, § 4º).
...
Por outro lado, o árbitro apesar de deter uma parcela da jurisdição que lhe foi conferida pelos litigantes em convenção arbitral, não possui o poder de fazer valer a sua decisão de maneira coercitiva. Significa dizer que o árbitro ou colégio arbitral tem o poder de decidir a lide principal ou acessória, mas não possui a força para ordenar e fazer cumprir coercitivamente a sua determinação, ao inverso do que ocorre com o Estado-juiz.
Após o deferimento da tutela de urgência e verificado o não cumprimento espontâneo da medida, o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral oficiará o órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa, solicitando que dê efetividade à medida já concedida. O requerimento será necessariamente instruído com a prova da
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existência da convenção arbitral, sendo dispensável qualquer outra formalidade ou demonstração (art. 22, § 4º).
Nesse caso, ao Estado-juiz não é conferido pelo sistema qualquer poder para rever ou modificar a decisão concessiva da tutela emergencial proferida em juízo arbitral, nem mesmo indagar quanto à necessidade e utilidade da prova testemunhal, nas hipóteses em que a testemunha faltosa deva ser conduzida (art. 22, § 2º, in fine).
Não há que se falar em poder discricionário do juiz ou em juízo de admissibilidade da tutela de urgência já concedida em jurisdição privado. Limitar-se-á o magistrado a executar coercitivamente, através da utilização do seu poder de império, a medida deferida pelo árbitro salvo para obstar violação da ordem pública ou dos bons costumes. Da sua inércia ou oposição em efetivá-la, o meio impugnação cabível é o remédio constitucional de mandado de segurança, a ser interposto perante o tribunal de instância imediatamente superior à do juiz que proferiu a decisão negativa ou simplesmente deixou de atender a solicitação formulada.
Diferentemente, situações poderão ocorrer de necessidade de obtenção de tutela cautelar que anteceda a instauração do juízo arbitral, como lide acessória preparatória de natureza preventiva à satisfação do direito que será objeto do conflito principal, a ser oportunamente solucionado perante a justiça privada.
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“...
Nas hipóteses de cautelares preparatórias aforadas perante a jurisdição pública, o processo acautelatório rege-se integralmente pelas normas insculpidas no Livro III do CPC, o que importa, entre outros aspectos, dizer que o juízo arbitral deverá ser instaurado no prazo de 30 dias contados da data da efetivação da medida (art. 806). Negando-se a parte ex adversa em instituir a arbitragem, o interessado deverá ajuizar perante o Estado-juiz, no trintídio legal, a demanda estatuída nos arts. 6º e 7º da Lei nº 9.307/96, conforme o caso concreto.
Diversamente, se a cautelar preparatória tiver sido aforada perante a jurisdição privada, reger-se-á nos termos do que dispuser os regulamentos particulares definidos no compromisso arbitral, pelo árbitro, tribunal ou entidade arbitral indicada pelos litigantes.
...”208 (os grifos não constam do original)
A orientação da jurisprudência, sobre o tema, é a seguinte, a saber:
“AÇÃO CAUTELAR INOMINADA PREPARATÓRIA -- CLÁUSULA ARBITRAL - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO JUÍZO ESTADUAL - POSSIBILIDADE - DEFERIMENTO DA MEDIDA - POSTERIOR AJUIZAMENTO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL - REMESSA DOS AUTOS AO ARBITRO PARA MANUTENÇÃO OU
208 FIGUEIRA JR., Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª edição. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais. 1999, págs. 220-224.
187
NÃO DA TUTELA CONCEDIDA. Sendo a medida cautelar aviada antes de instaurada a arbitragem é cabível ao juízo estatal a concessão da medida perseguida, devendo, contudo, serem os autos remetidos ao juízo arbitral para que o mesmo aprecie a manutenção ou não da tutela concedida assim que iniciado o procedimento arbitral. De ofício, determinaram a remessa dos autos ao juízo arbitral para manutenção ou não da tutela concedida.” (TJMG - Agravo de Instrumento nº 1048006083392-2/001, julgado em 14/02/2007 e publicado em 03/03/2007).209
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO - JUÍZO ARBITRAL - INSTAURAÇÃO. Não obstante a eleição da arbitragem como meio de solução de conflitos, a ação cautelar de sustação de protesto, se ainda não instaurado o juízo arbitral, poderá ser ajuizada perante juiz estatal, que, comunicado da instauração do juízo arbitral, providenciará a remessa dos autos para a devida apreciação da manutenção ou não da tutela concedida.” (TJMG – Agravo de Instrumento nº 2000000410533-5/000, julgado em 27/08/2003 e publicado em 13/09/2003)
Portanto, de forma inequívoca, verifica-se que os agravados pretendem o
efetivo afastamento da arbitragem, livre, expressa e espontaneamente avençada,
situação essa que não é autorizada pela legislação que regra o tema, até porque,
destaque-se mais uma vez, propôs ação cautelar e ação principal visando 209 Fonte: Antonio Carlos Rodrigues do Amaral e Letícia M. F. do Amaral Viggiano, A Lei de
Arbitragem nos Tribunais, Lex Editora, São Paulo, 2008, pág. 348.
188
dissolução total e liquidação de sociedade, em evidente contorno à aplicabilidade do
procedimento arbitral.
Ante o exposto, nos exatos termos acima lançados, o presente recurso de
agravo de instrumento merece provimento para o fim de extinguir, os processos que
têm curso “ação cautelar inominada” e “ação de dissolução total e liquidação de
sociedade”, sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VII, do Código
de Processo Civil, condenando, ainda, os agravados ao pagamento das custas e
despesas processuais, bem como em honorários advocatícios fixados,
exclusivamente, em 15% (quinze por cento) sobre o valor atribuído à ação cautelar,
devidamente corrigido da data da sua distribuição, pela variação contida na Tabela
Prática do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, respeitado o
entendimento do Ilustre e Culto Desembargador, Doutor Oscarlino Moeller, nos
termos da declaração de voto apresentada.”
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ANEXO 2
“O compromisso arbitral tem lugar na medida em que as partes convencionam a
eleição de árbitros para solucionar litígio já existente, enquanto que a cláusula
compromissória é utilizada quando o litígio ainda não existe. 2- Assim, quando já
existente o conflito, não há que se admitir que o compromisso arbitral seja firmado
em pleno tribunal institucional de justiça arbitral do Brasil TRIJAB.” (TJRJ – Apelação
nº 200700118895 – Relator Antonio Saldanha Palheiro – 5ª Câmara Cível –
Julgamento: 05/06/2007).
190
ANEXO 3
O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sobre o tema, decidiu que
“Tal cláusula, que é válida e eficaz, não pode ser desconsiderada, e por isso daí
decorre a declaração de extinção do processo em razão do pressuposto processual
negativo constante do artigo 267, VII, do CPC.” (TJSP – Agravo de Instrumento nº
2006097-31.2013.8.26.0000 - Relator(a): Antonio Rigolin - Comarca: Campinas -
Órgão julgador: 31ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 20/08/2013); e
que ocorre a “Impossibilidade de apreciação e julgamento pelo Poder Judiciário,
tendo em vista que os contratantes pactuaram que quaisquer disputas ou litígios
envolvendo o contrato deveriam ser submetidas à arbitragem Cumprimento dos
requisitos da Lei nº 9.307/96 na formalização do contrato” (TJSP – Apelação nº
0005595-31.2010.8.26.0292 - Relator(a): Sérgio Shimura - Comarca: Jacareí -
Órgão julgador: 23ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 31/07/2013).
No mesmo diapasão, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul, vide: Apelação Cível Nº 70040929911, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 30/06/2011; Apelação
Cível Nº 70035876416, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 24/11/2010; Agravo de Instrumento
Nº 70036347342, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 15/07/2010.
E, ainda, no mesmo sentido, vide posicionamento do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais em: Apelação Cível 1.0024.12.091581-4/001,
Relator(a): Des.(a) Newton Teixeira Carvalho, 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
20/06/2013, publicação da súmula em 28/06/2013; Apelação
Cível 1.0024.11.321438-1/001, Relator(a): Des.(a) Domingos Coelho, 12ª CÂMARA
CÍVEL, julgamento em 20/03/2013, publicação da súmula em 01/04/2013; Apelação
Cível 1.0024.11.302087-9/001, Relator(a): Des.(a) Guilherme Luciano Baeta Nunes,
18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/12/2012, publicação da súmula em
11/12/2012); Apelação Cível 1.0702.10.048000-4/001, Relator(a): Des.(a) Pereira da
Silva, 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/07/2012, publicação da súmula em
191
30/07/2012; Apelação Cível 1.0514.09.045717-7/001, Relator(a): Des.(a) Tiago
Pinto, 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/10/2011, publicação da súmula em
18/11/2011; e Apelação Cível 1.0024.08.126290-9/002, Relator(a): Des.(a)
Guilherme Luciano Baeta Nunes, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/11/2010,
publicação da súmula em 02/12/2010.
192
ANEXO 4
A respeito do tema, a orientação jurisprudencial é a seguinte, a saber: “Tendo as
partes validamente estatuído que as controvérsias decorrentes dos contratos de
credenciamento seriam dirimidas por meio do procedimento previsto na Lei de
Arbitragem, a discussão sobre a infringência às suas cláusulas, bem como o direito
a eventual indenização, são passíveis de solução pela via escolhida.” (STJ - REsp
450881/DF, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em
11/04/2003, DJ 26/05/2003, p. 360).
193
ANEXO 5
Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios já se
manifestou da seguinte forma, a saber: “A alegação de suspeição de árbitro
escolhido pela sentença e seus respectivos substitutos deve vir acompanhada de
um mínimo de provas, não bastando, para tanto, a afirmação que estes pertencem à
mesma categoria funcional das autoras. Recurso que se conhece, mas nega-se
provimento.” (TJDFT Acórdão n. 138334, 19990110833603APC, Relator: VASQUEZ
CRUXÊN, Revisor: LÉCIO RESENDE, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento:
05/03/2001, Publicado no DJU SECAO 3: 06/06/2001. Pág.: 33).
E, sobre o tema, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
reconhecendo que o aconselhamento das partes pelo árbitro quebra sua
imparcialidade, já decidiu da seguinte forma, a saber: “Tendo um dos árbitros
aconselhado uma das partes, não pode atuar como árbitro, sendo suspeito de
parcialidade, por afronta ao art. 135, IV, do CPC, aplicável subsidiariamente ao juízo
arbitral, por força do art. 14, caput, da Lei 9307/96. A preterição de formalidades
legais e a suspeição de um dos árbitros autoriza a declaração judicial de nulidade da
sentença arbitral. Apelação desprovida. (TJRS - Apelação Cível Nº 70005797774,
Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo
Zietlow Duro, Julgado em 03/04/2003)”
Em pesquisa, há caso concreto em que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo reconheceu o impedimento de advogado, que militou como causídico dos
sócios de entidade empresarial, para funcionar como árbitro no juízo arbitral em
causa que figurava as partes litigantes. Nesse sentido: “EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO
- Art 138, CPC e artigo 14 da Lei n 9 307, de 29/09/1996 - Impedimento - O árbitro
eleito (Dr. Paulo Antônio Papini - OAB/SP n 161 782), por ter sido advogado da
empresa Apelante e, inclusive, causídico dos sócios proprietários da Apelante,
encontrava-se impedido de funcionar como arbitro no juízo arbitrai na causa entre as
partes litigantes - Por se tratar de nulidade absoluta (art 21, par 2°, e 32, incisos II e
VII, ambos da Lei n 9 307/96) não incide o prazo de noventa dias (art 33, par 1o, da
Lei n 9 307/96) e, ainda, o impedimento do arbitro só veio a conhecimento da
Apelada por ocasião da interposição dos embargos à execução - Recurso não
194
provido” (TJSP – Apelação nº 9257902-90.2008.8.26.0000 - Relator(a): Paulo
Hatanaka - Comarca: São Paulo - Órgão julgador: 19ª Câmara de Direito Privado -
Data do julgamento: 01/12/2008)
195
ANEXO 6
No mesmo diapasão, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou da
seguinte forma, a saber: “o impasse referente ao juízo arbitral competente para
dirimir a controvérsia surgida pode ser perfeitamente solucionado pela via eleita
pelas próprias partes para a solução de seus conflitos, porquanto também na
arbitragem vigora a regra da Kompetenz-Kompetenz, atribuindo-se poderes ao
árbitro para analisar sua própria competência para o julgamento da causa que lhe é
submetida a exame.” (STJ – Processo PETDOC na MC 017868 - Relator(a) Ministro
PAULO DE TARSO SANSEVERINO - Data da Publicação 01/07/2011).
196
ANEXO 7
Nesse sentido: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ARBITRAGEM. MEDIDA
CAUTELAR. COMPETÊNCIA. JUÍZO ARBITRAL NÃO CONSTITUÍDO. 1. O Tribunal
Arbitral é competente para processar e julgar pedido cautelar formulado pelas
partes, limitando-se, porém, ao deferimento da tutela, estando impedido de dar
cumprimento às medidas de natureza coercitiva, as quais, havendo resistência da
parte em acolher a determinação do(s) árbitro(s), deverão ser executadas pelo
Poder Judiciário, a quem se reserva o poder de imperium. 2. Na pendência da
constituição do Tribunal Arbitral, admite-se que a parte se socorra do Poder
Judiciário, por intermédio de medida de natureza cautelar, para assegurar o
resultado útil da arbitragem. 3. Superadas as circunstâncias temporárias que
justificavam a intervenção contingencial do Poder Judiciário e considerando que a
celebração do compromisso arbitral implica, como regra, a derrogação da jurisdição
estatal, os autos devem ser prontamente encaminhados ao juízo arbitral, para que
este assuma o processamento da ação e, se for o caso, reaprecie a tutela conferida,
mantendo, alterando ou revogando a respectiva decisão. 4. Em situações nas quais
o juízo arbitral esteja momentaneamente impedido de se manifestar, desatende-se
provisoriamente as regras de competência, submetendo-se o pedido de tutela
cautelar ao juízo estatal; mas essa competência é precária e não se prorroga,
subsistindo apenas para a análise do pedido liminar. 5. Recurso especial provido.
(STJ - REsp 1297974/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 12/06/2012, DJe 19/06/2012)”.
Em caso assemelhado: “DIREITO CIVIL. ARGUIÇÃO DE NULIDADE DE
CLÁUSULA OMPROMISSÓRIA. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO DA QUESTÃO
AO JUÍZO ARBITRAL. A arguição de nulidade da cláusula arbitral deve ser
submetida obrigatoriamente ao próprio árbitro antes da judicialização da questão,
nos termos do art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.307/1996. O entendimento é
aplicável indistintamente tanto à cláusula compromissória instituída em acordo
judicial homologado quanto àquela firmada em contrato. O parágrafo único do art. 8º
da Lei de Arbitragem determina que caberá ao árbitro decidir as questões referentes
à existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato como um
197
todo. Assim, por expressa previsão legal, não pode a parte ajuizar ação anulatória
para desconstituir acordo judicial homologado com base na nulidade da cláusula
compromissória ali presente antes de submeter o assunto ao árbitro. Isso não
significa que o Judiciário não poderá apreciar a questão em momento posterior; pois,
segundo o art. 33, § 3°, da Lei de Arbitragem, poderá ser arguida a nulidade
mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e seguintes do CPC se
houver execução judicial. (STJ REsp 1.302.900-MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado
em 09/10/2012)”.
198
ANEXO 8
O Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu que: “Direito processual civil.
Recurso especial. Litispendência. Embargos do devedor. Ação de nulidade de
compromisso arbitral. - Não há litispendência entre ação declaratória de
compromisso arbitral e embargos do devedor objetivando a desconstituição da
sentença arbitral. - Embora exista coincidência entre alguns fundamentos jurídicos
apresentados em ambas as ações, é inviável reconhecer a litispendência, pois seria
necessária não apenas semelhança, mas identidade entre as causas de pedir. - Não
é possível a análise do mérito da sentença arbitral pelo Poder Judiciário, sendo,
contudo, viável a apreciação de eventual nulidade no procedimento arbitral. - O
Tribunal de origem, na hipótese, apenas deferiu a produção de provas para que
pudesse analisar a ocorrência ou não de nulidade no procedimento arbitral. Recurso
especial não conhecido. (STJ - REsp 693219/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 19/04/2005, DJ 06/06/2005, p. 327)”.
Sobre a nulidade da sentença arbitral, o Egrégio Tribunal de justiça do Rio Grande
do Sul também possui entendimento semelhante, vide: “Ementa: EXECUÇÃO DE
SENTENÇA ARBITRAL. NÃO EXISTINDO COMPROVAÇÃO DE QUE AS PARTES
FIRMARAM COMPROMISSO ARBITRAL, A SENTENÇA ARBITRAL É NULA. 1.
Segundo o disposto na Lei 9.307/96, as partes poderão convencionar submeter o
litígio à arbitragem. Contudo, para tanto, deverá ser firmado compromisso arbitral, o
qual deverá ser celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou
por instrumento público. 2. Em síntese, somente podem ser decididas pelo Juízo
arbitral questões quando as partes expressa e formalmente concordem com tal
forma de resolução de conflitos. 3. No caso concreto, tal situação não se encontra
presente, já que não há nos autos comprovação de que a ora embargante tenha
concordado em submeter a questão envolvendo a pagamento do imóvel por ela
adquirido ao Juízo Arbitral, uma vez que não veio aos autos comprovação de que
ela tenha firmado o compromisso arbitral. 4. Assim, nos termos do art. 32, I, do
referido diploma legal, é nula a sentença arbitral objeto da execução embargada. 5.
Por outro lado, com relação ao mérito da lide, a escritura de compra e venda
expressamente menciona que o vendedor já teria recebido a integralidade do preço,
199
dando plena e geral quitação. Inexistindo qualquer indício probatório no sentido de
que ainda existiria saldo em aberto, descabe a presente execução. Sentença
confirmada por seus próprios fundamentos. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso
Cível Nº 71002327823, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator:
Leandro Raul Klippel, Julgado em 13/05/2010)”; No mesmo sentido: Apelação Cível
Nº 70047995089, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 26/04/2012; Apelação Cível Nº 70031111438,
Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela Maria Silveira,
Julgado em 07/10/2009; e Apelação Cível Nº 70009071069, Décima Sétima Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil,
Julgado em 14/12/2004)”
No mesmo diapasão, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
também decidiu que: “EMENTA: SENTENÇA ARBITRAL - VÍCIOS - NULIDADE -
ART. 32 - LEI N. 9.307/96. A sentença arbitral só será declarada nula por Juiz
ordinário, se presente algum dos requisitos elencados no art. 32, da Lei de
Arbitragem. (Apelação Cível 1.0024.09.728828-6/006, Relator(a): Des.(a) Evangelina
Castilho Duarte , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/09/2012, publicação da
súmula em 18/09/2012)”; e, no mesmo sentido: TJMG - Agravo de Instrumento Cv
1.0525.10.004531-5/001, Relator(a): Des.(a) Luiz Carlos Gomes da Mata , 13ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/05/2012, publicação da súmula em
06/06/2012)”.
200
ANEXO 9
Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já se
manifestou da seguinte forma, a saber: “Ementa: Sentença Arbitral. Ação de
nulidade. Prazo decadencial que é de 90 dias, nos termos do art. 33, § 1º, da Lei nº
9.307/1996. Reconhecimento correto pela r. sentença. Recurso improvido.” (TJSP –
Apelação nº 0106771-81.2009.8.26.0100 - Relator(a): Maia da Cunha - Comarca:
São Paulo - Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento:
05/09/2013); e, no mesmo sentido: “Ementa: COISA MÓVEL. Contrato de
distribuição. Ação anulatória de decisão arbitral que decidiu lide envolvendo a
resilição do negócio por ato unilateral. Decadência do direito, uma vez ajuizada a
demanda depois dos 90 dias assinalados pela lei de regência da arbitragem.
Ineficácia do protesto interruptivo. Improcedência. Apelação denegada” (TJSP –
Apelação nº 0127729-88.2009.8.26.0100 - Relator(a): Sebastião Flávio - Comarca:
São Paulo - Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento:
26/10/2010)
201
ANEXO 10
Todavia, vale a novamente a transcrição de r. decisão proferida pelo Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, mesmo após ultrapassado o
referido prazo legal de 90 (noventa) dias, reconheceu a existência de nulidade
absoluta no juízo arbitral, em decorrência de hipótese de impedimento do árbitro:
“EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO - Art 138, CPC e artigo 14 da Lei n 9 307, de
29/09/1996 - Impedimento - O árbitro eleito (Dr Paulo Antônio Papini - OAB/SP n 161
782), por ter sido advogado da empresa Apelante e, inclusive, causídico dos sócios
proprietários da Apelante, encontrava-se impedido de funcionar como arbitro no
juízo arbitrai na causa entre as partes litigantes - Por se tratar de nulidade absoluta
(art 21, par 2°, e 32, incisos II e VII, ambos da Lei n 9 307/96) não incide o prazo de
noventa dias (art 33, par 1o, da Lei n 9 307/96) e, ainda, o impedimento do arbitro só
veio a conhecimento da Apelada por ocasião da interposição dos embargos à
execução - Recurso não provido” (TJSP – Apelação nº 9257902-90.2008.8.26.0000 -
Relator(a): Paulo Hatanaka - Comarca: São Paulo - Órgão julgador: 19ª Câmara de
Direito Privado - Data do julgamento: 01/12/2008).
202
ANEXO 11
Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial, em casos análogos: “A confecção
de um novo parecer, nada acrescentaria ao processo, sendo certo que a economia
processual e celeridade dos atos processuais, são institutos de extrema relevância
que devem ser observados nas decisões do Poder Judiciário, sublinhando-se que o
processo não é um fim, sendo tão-somente um meio, não se devendo declarar
nulidades, sem a demonstração efetiva de prejuízos ao deslinde da controvérsia.”
(TJMG – Apel. nº 1.0183.04.078569-7/001(1), Rel. Des. Eulina do Carmo Almeida,
Data de Publicação do Acórdão: 19/01/2007); e “EMENTA: OPOSIÇÃO - AÇÃO DE
COBRANÇA E ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS -
INOBSERVÂNCIA DO RITO - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - CERCEAMENTO DE
DEFESA - INOCORRÊNCIA - SENTENÇA - IMPROCEDÊNCIA MANTIDA -
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - FIXAÇÃO - CRITÉRIO DO JUIZ. Embora o
procedimento seja indisponível, porquanto regulado por norma cogente e de ordem
pública, em face da inexistência de prejuízo para a defesa, vige em nosso direito
processual o princípio do aproveitamento dos atos processuais. ("pás de nullité sans
grief") ... Hoje, com a nova dinâmica da instrumentalidade do processo, e ante o
princípio da utilidade desse e os ideais da justiça, certas filigranas formalísticas
devem ser relevadas em nome da efetividade do processo e da realização da
prestação jurisdicional, tendo em vista que ao julgador não é dado distanciar-se da
lei, mas transcendê-la, mormente quando inexistente a possibilidade de lesão do
direito.” (TJMG – Apel. nº 2.0000.00.358830-1/000(1) Rel. Des. Gouvêa Rios , Data
de Publicação do Acórdão: 24/05/2003).
203
ANEXO 12
Nesse sentido é a orientação jurisprudencial: “A inobservância da norma legal infere
nulidade ao ato processual se a parte interessada a argui na primeira oportunidade
em que couber falar nos autos e comprova dela prejuízo.” (Ac. Unân. 1.740 do TJAC
de 13.9.89, na apel. 291, rel. des.ª Miracele Broges; Adcoas, 1190, n. 126.841); “Nas
chamadas nulidades do gênero das não cominadas, ou mesmo nas irregularidades
de ordem processual, não havendo qualquer manifestação, na primeira oportunidade
em que a parte falar autos, verifica-se preclusão.” (Ac. Unân. da 2ª Câm. do TJSC
de 5.11.85, na apel. 22.443, rel. des. Hélio Mosimann; Jurisp. Cat., 51/78); “As
nulidades não serão decretadas senão mediante provocação das partes, as quais
deverão arguí-las à primeira vez que tiverem de falar em audiência ou nos autos.”
(Ac. Unân. da 1ª. T. do TRT da 3ª. R. de 2.9.85, no Ro 1.725/85, rel. juiz Abel Nunes
de Cunha; Adcoas, 1986, n. 106.608); e “Está precluso o direto de o autor alegar
nulidade de processo por ocasião do recurso, vez que esta deve ser arguida na
primeira oportunidade em que tenha que falar nos autos, ou até mesmo em razões
finais.” (Ac. Unân. 725 TRT da 11ª R.; no RO 325-AM, rel. juiz Valle Furtado;
Adcoas, 1990, n. 126.902).
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, apreciando arguida de invalidade de juízo
arbitral, asseverou que meras irregularidades não têm o condão de gera a nulidade
do procedimento arbitral: “No caso concreto, induvidosamente não se observou com
inteiro rigor o procedimento contemplado em lei, o que é até compreensível, dado o
desuso do instituto e a escassa orientação, mesmo doutrinária, a seu respeito. No
entanto, como decidiu o Tribunal local, a apreciação do Judiciário, por força legal,
deveria orientar-se pela norma do art. 1.100, CPC, com destaque para o preceito
contido no art. 1.095. E, sob tal ângulo, inocorreu nulidade, como decidiram o
acórdão da apelação (fls. 48/50) e o era. Presidente do Tribunal de origem ao
inadmitir o recurso especial (fls. 74/75). Recentemente, no "IX Congresso Mundial de
Processo Civil", realizado em Portugal, afirmou-se com relevo que a mais bela regra
legal do atual Direito Processual Civil esta em nossa legislação, insculpida no art.
244 do nosso Código de Processo Civil, segundo o qual "quando a lei prescrever
determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se,
204
realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade". In casu, vê-se que, sem
embargo de irregularidades formais, a solução arbitral foi encontrada
satisfatoriamente. Ademais, em se tratando de Juízo arbitral, é recomendável certa
cautela no exame de alegações de nulidade, quer pelos já mencionados desuso e
desconhecimento do instituto, quer pela sua deficiente disciplina legal.” (STJ -
REsp 15.231/RS, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA
TURMA, julgado em 12/11/1991, DJ 09/12/1991, p. 18043).
205
ANEXO 13 VOTO Nº: 13351 AGRV.Nº: 0037936-45.2012.8.26.0000 COMARCA: SÃO PAULO AGTE. : SIDECO AMERICANA S/A AGDO. : ECORODOVIAS INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA S/A E PRIMAV
ECORODOVIAS S/A
ARBITRAGEM. AÇÕES CAUTELAR E PRINCIPAL QUE BUSCAM, RESPECTIVAMENTE, A SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL E SUA NULIDADE. Impossibilidade de manifestação pelo Poder Judiciário. Arbitragem que é exceção ao princípio do livre acesso à justiça ou da inafastabilidade da jurisdição. Questões relativas à existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que possui a cláusula compromissória devem ser apreciadas pelo árbitro. Regra do “Kompetenz-Kompetenz”. Princípio da autonomia do Juízo Arbitral. Art. 8º “caput” e parágrafo único”, da Lei 9.307/1996. Agravante que não teve tolhido qualquer direito acerca da nomeação do árbitro, na medida em que houve notificação da Câmara Arbitral garantindo-lhe tal faculdade. Participantes da arbitragem que possuem meios hábeis a demonstrar, de forma fundamentada, sua discordância perante o juízo arbitral, consoante arts. 14, 15, 19 e 20 da Lei da Arbitragem, inclusive, se o caso, ulteriormente, por eventual afronta ao art. 21, § 2º, nos termos do artigo 32 do mesmo Diploma Legal. Restando à parte a possibilidade de discutir perante árbitro ou câmara arbitral, de forma ampla, assuntos, teses e argumentos passíveis de irregularidades, mostra-se prematuro o ajuizamento de demanda perante o Poder Judiciário. Arguição de extinção do processo sem resolução do mérito em contraminuta. Art. 267, inciso VII. Processos, cautelar e principal, extintos sem resolução do mérito.
Trata-se de recurso de agravo de instrumento
interposto contra a r. decisão interlocutória copiada às fls. 135 destes autos que
indeferiu pedido de concessão de liminar deduzido em sede de ação cautelar
206
inominada que visava a suspensão do procedimento arbitral, insurge-se a autora,
ora agravante, alegando, em suma, que promoveu ação cautelar preparatória
visando a suspensão de procedimento arbitral requerido pela agravada, que foi
indeferido seu pedido liminar pela r. decisão recorrida, que não vislumbra óbice à
solução do conflito por Tribunal Arbitral, mas não pode admitir ofensa ao seu direito
de indicar um dos árbitros, que a agravada celebrou contratos com terceiros
estranhos à avença que possui cláusula compromissória, que tais terceiros não
devem ser admitidos na arbitragem, já que não participaram da celebração do
contrato firmado com a recorrida, que a convenção de arbitragem foi pactuada
exclusivamente entre ela e a agravada, que não possui qualquer vínculo contratual
com tais terceiros, que haveria afronta ao disposto no artigo 21, § 2º, da Lei nº
9.307/1996, que se encontram preenchidos o “fumus boni iuris” e o “periculum in
mora” para fins de concessão de medida liminar e, por fim, pleiteia o provimento do
recurso com a consequente reforma da r. decisão interlocutória recorrida.
Às fls. 140 foi determinado o processamento do
recurso, sem a concessão de pedido liminar.
O MM Juízo “a quo” prestou informações (fls. 146).
A agravante apresentou pedido de reconsideração
(fls. 171/174).
A agravada apresentou contraminuta e documentos
(fls. 260/437), bem como argui a extinção do processo com fulcro no artigo 267,
inciso VII, do Código de Processo Civil.
Do necessário, é o relatório.
O recurso não merece provimento e os processos
que têm curso as ações (cautelar e principal) devem ser extintos sem resolução do
mérito.
A arbitragem é uma das várias formas de solução de
conflitos, que se caracteriza quando partes capazes elegem um particular,
denominado árbitro, para, como dito, solucionar controvérsia que envolva direitos
disponíveis.
207
Nesse sentido, a doutrina apresenta o seguinte
conceito, a saber:
“Arbitragem é o acordo de vontades entre pessoas maiores e capazes que, preferindo não se submeter à decisão judicial, confiam a árbitros a solução de litígios, desde que relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”210
Na realidade, as características da arbitragem,
consoante arrolado no conceito acima transcrito, são extraídas do próprio artigo 1º
da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, que “Dispõe sobre a arbitragem”, que
estabelece que “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”.
No caso, essas características estão presentes e,
ainda, a cláusula compromissória foi efetivamente pactuada, conforme contrato de
fls. 61/102 (cláusula 11.10) dos autos, nos exatos termos disposto no artigo 4º,
“caput” e § 1º, da Lei 9.307/96.
No mais, como já relatado, trata-se de recurso de
agravo de instrumento interposto contra r. decisão interlocutória copiada às fls. 135
destes autos, abaixo transcrita, proferida no curso de ação cautelar inominada (fls.
51/60), na qual a agravante, alega, em suma, que teria celebrado “contrato de
compra e venda de ações sujeito a condições precedentes e outras avenças” (fls.
61/102), sendo que, no curso de tal relação jurídica, por motivos inerentes aos
desdobramentos da referida relação contratual, quando da efetiva instalação da
arbitragem, segundo alega a agravante, a agravada tentou promover introdução de
discussão de outras relações jurídicas, diversas à originariamente celebrada, as
quais tiveram a participação de terceiros estranhos à avença firmada entre as
demandantes, razão pela qual promoveu a indigitada ação cautelar visando impedir
a participação desses terceiros.
Decisão interlocutória de fls. 135:
210 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Direito Processual Civil Esquematizado, 2ª edição, Editora
Saraiva, São Paulo, 2012, págs. 824.
208
“Vistos. Trata-se de ação cautelar movida por empresa buscando liminar de suspensão de procedimento arbitral requerido pelo Ecorrodovias relativa a contrato de compra e venda de ações e outras avenças por ela celebrada (documento de fls 12/53). Analisando a documentação juntada aos autos, verifico que as partes livremente estipularam para resolver eventual conflito a decisão arbitral. O artigo 20, da Lei nº. 9.307/2006, estabelece que a parte que pretende arguir questão relativa à nulidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo perante o tribunal arbitral, na primeira oportunidade que tiver para se manifestar, depois da instituição da arbitragem. Ante o exposto, é de rigor o indeferimento da liminar, pois ausente o “fumus boni júris”, eis que a matéria demanda dilação probatória para o devido esclarecimento dos fatos. Cite-se a ré para contestar no prazo de cinco dias. Int. São Paulo, data supra.”
Assim, pelo que se aprecia das alegações da
agravante, ela visa a discussão acerca da possibilidade de participação de terceiros
em arbitragem que não teria sido compromissada originariamente com esses
últimos, objetivando, assim, impedir que tal forma de solução de conflitos venha
produzir seus efeitos àqueles que não teriam, segundo alega a agravante,
participado da celebração da pacto que previu a instalação da arbitragem.
Todavia, não se pode olvidar que a arbitragem é
instituição que excepciona o princípio do livre acesso à justiça ou também chamado
de princípio da inafastabilidade da jurisdição e, assim sendo, pela arbitragem as
partes permitem que o árbitro promova a “pacificação do conflito”, impondo-lhes a
solução que, no seu juízo, entender mais razoável.
Ressalte-se que, ante a mencionada cláusula
compromissória arbitral, que instituiu a arbitragem como meio solucionador de
conflitos oriundos da relação contratual entre as partes litigantes, caracterizada está
a impossibilidade do Poder Judiciário em dirimir as questões arguidas pelos
envolvidos no negócio jurídico disponível. Oportuno trazer à baila os ensinamentos
209
do Professor Doutor Carlos Aberto Carmona “in” Arbitragem e Processo – Um
Comentário à Lei nº 9.307/96:
“a cláusula arbitral é um negócio jurídico processual, eis que a vontade manifestada pelas partes produz desde logo efeitos (negativos) em relação ao processo (estatal) e positivos, em relação ao processo arbitral (já que, com a cláusula, atribui-se jurisdição aos árbitros).”211
O Mestre Humberto Teodoro Jr., in “Curso de Direito
Processual Civil”, Volume 1, 36ª edição, Editora Forense, às páginas 277, sobre o
assunto, leciona que:
"Na sistemática primitiva do Código, a cláusula compromissória não obrigava, nem prejudicava, o direito de recorrer à jurisdição, porque se entendia que ninguém poderia ser previamente impedido de recorrer ao Poder Judiciário. Com o novo regime de arbitragem, instituído pela Lei n 9.307, basta existir entre as partes a cláusula compromissória (isto é, a promessa de submeter-se ao juízo arbitral) para ficar a causa afastada do âmbito do Judiciário. Esta cláusula funciona, portanto, como o impedimento ao exercício do direito de ação, tomando a parte carecedora da ação por ausência da condição de possibilidade jurídica do respectivo exercício. Se a convenção de arbitragem é anterior ao processo, impede sua abertura; se é superveniente, provoca sua imediata extinção, impedindo que o órgão judicial lhe aprecie o mérito."
O Douto e Ilustre Professor Cláudio Lembo, in “A
Pessoa - Seus Direitos”, Editora Manole, 1ª edição, São Paulo, 2007, às páginas 208
e 209, sobre o tema, de forma clara e objetiva, discorreu que:
“O amplo e ilimitado acesso à Justiça mereceu mitigação com a vigência da Lei Marco Maciel, que instituiu o juízo arbitral (Lei nº 9.307, de 1996). Por esse diploma legal, quando
211 Carlos Alberto Carmona – Arbitragem e Processo – Ed. Atlas – 2007 – São Paulo – pág. 103.
(Verificar se esta referência está correta. Uma igual consta na nota de rodapé da pág. 171, mas não
constam nas Referências. Se estiver correta, acrescentá-la nas Referências.)
210
convencionado expressamente, as partes, tratando-se de bens disponíveis, podem renunciar a acesso ao Judiciário para solução de conflitos advindos da aplicação de contratos.
O tema mereceu longa análise do Supremo Tribunal Federal, que, ao final, julgou constitucional a cláusula compromissória que confere efeitos de decisão judiciária à sentença arbitral e a torne irrecorrível, quando assim expressamente convencionado em instrumento que tem por objeto unicamente bens disponíveis.”
Desta forma, ao árbitro também cabe verificar os
pressupostos de existência, validade e eficácia do direito disponível que será objeto
da arbitragem, afastando, assim, via de regra, a competência do Estado-juiz em
promover tal apreciação.
Tal regra está prevista do artigo 8º, parágrafo único,
da Lei 9.307/1996, que prevê que “Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.”.
Pelo que se verifica do dispositivo legal acima
transcrito, a Lei de Arbitragem consagra o princípio da “Kompetenz-Kompetenz”, ou
seja, o próprio julgador, no caso o árbitro ou a câmara arbitral, que é o juiz de fato e
direito na arbitragem (artigo 20 da Lei 9.307/96), tem competência para verificar se,
no caso concreto, possui competência, ou seja, para a hipótese da arbitragem, o
árbitro decide a respeito e sobre limites de sua competência.
Portanto, por expressa disposição de lei (artigo 8º,
parágrafo único, da Lei nº 9.307/96), a competência do árbitro ou da câmara arbitral,
nos exatos limites da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e
do contrato que contenha a cláusula compromissória, somente devem ser
apreciadas pelo próprio árbitro ou pela própria câmara arbitral (Kompetenz-
Kompetenz), de modo que não compete ao Poder Judiciário a apreciação de tais
questões. Nesse sentido:
211
“Kompetenz-Kompetenz: originário do direito alemão, este princípio, exclusivo da arbitragem, foi adotado pelo parágrafo único, do art. 8º da Lei 9.307/1996, ao se estabelecer que “Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”
Tratado como princípio da competência-competência, seu acolhimento significa dizer que, com primazia, atribui-se ao árbitro a capacidade para analisar sua própria competência, ou seja, apreciar, por primeiro, a viabilidade de ser por ele julgado o conflito, pela inexistência de vício na convenção ou no contrato.
Esta regra é de fundamental importância ao instituto da arbitragem, na medida em que se ao Judiciário coubesse conhecer, em primeiro lugar, a validade da cláusula, a instauração do procedimento arbitral restaria postergada por longo período, e, por vezes, apenas com o intuito protelatório de uma das partes em esquivar-se do cumprimento da convenção. O princípio, desta maneira, fortalece o instituto, e prestigia a opção das partes por esta solução de conflitos, e se assim não fosse, haveria o risco de desestímulo à contratação da arbitragem, em razão obstáculos prévios a surgir no Judiciário diante da convenção, por maliciosa manobra de uma das partes.
Na amplitude esperada da norma, o exame da arbitrabilidade exigida pelo art. 1º da Lei igualmente se oferece primeiro ao árbitro, na exata medida em que a convenção contrária a esta regra será inválida. Também assim, qualquer controvérsia a respeito da convenção der arbitragem e da extensão dos seus próprios poderes pra julgar a questão que lhe foi submetida.
Falou-se repetidas vezes da análise primeira pelo árbitro, pois em momento oportuno, após a sentença arbitral, a matéria poderá ser submetida ao exame do Judiciário, se o vício da convenção resultar em alguma das hipóteses previstas no art. 32. I, da Lei da Arbitragem (causas de
212
invalidação da sentença arbitral). Ou seja, não se exclui o juízo estatal, e nem se poderia, do exame da “existência, validade e eficácia da cláusula”, mas esta apreciação se fará, se o caso, após a sentença arbitral pela atual e aplaudida sistemática proposta.”212
Nesse mesmo diapasão, o Egrégio Superior Tribunal
de Justiça já se manifestou da seguinte forma, a saber:
“No caso em comento, conquanto haja dúvida acerca do juízo arbitral competente, é incontroversa a existência de cláusula compromissória por meio da qual as partes renunciaram à jurisdição estatal, o que afasta a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, sob pena de afronta ao princípio da autonomia privada.
Note-se que o fato de haver cláusula compromissória tanto no contrato de joint venture como no contrato social da pessoa jurídica, antes de ensejar conflito a ser submetido ao crivo judicial, reforça a vontade das partes não se submeter à jurisdição tradicional.
Outrossim, o impasse referente ao juízo arbitral competente para dirimir a controvérsia surgida pode ser perfeitamente solucionado pela via eleita pelas próprias partes para a solução de seus conflitos, porquanto também na arbitragem vigora a regra da Kompetenz-Kompetenz, atribuindo-se poderes ao árbitro para analisar sua própria competência para o julgamento da causa que lhe é submetida a exame.” (STJ – Processo PETDOC na MC 017868 - Relator(a) Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO - Data da Publicação 01/07/2011)
212 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3a Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2013,
p. 96-97.
213
Ressalte-se, ainda, por ser de rigor, que o artigo 20,
“caput”213, da Lei de Arbitragem também concretiza a regra de que as irregularidades
ocorridas nas fases da arbitragem somente podem ser dirimidas pelo árbitro.
Ademais, o referido artigo 8º, “caput” e parágrafo
único, também concretizam o princípio da autonomia da cláusula arbitral, isto é, a
“mens legis” é no sentido de que todas as questões relativas à eventuais
irregularidades havidas em qualquer das fases da arbitragem devem ser dirimidas
pelo árbitro ou câmara arbitral e não pelo Poder Judiciário.
Nesse diapasão, a doutrina, nas palavras de Luiz
Antônio Scavone Júnior214, leciona da seguinte forma, a saber:
Nos termos do artigo 8º da Lei 9.307/1996, “a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória”.
Sendo assim, de acordo com o parágrafo único do mesmo disposto legal, “caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”.
A cláusula arbitral ou compromissória não é acessória do contrato. Portanto, como é autônoma, a nulidade do contrato não implica em nulidade da cláusula arbitral.
O significado do dispositivo, portanto, indica que qualquer alegação de nulidade do contrato ou da cláusula arbitral, diante de sua existência e seguindo o espírito da lei, deve ser dirimida pela arbitragem e não pelo Poder Judiciário.
213 “A parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do
árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem,
deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem.” 214 SCAVONE JR., Luiz Antônio. Manual de Arbitragem. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2009, p. 80-81.
214
A lei pretendeu, neste sentido, “fechar uma brecha” que permitiria às partes sempre que alegassem a nulidade da cláusula arbitral ou do contrato, ignorar o pacto de arbitragem a acessar o Poder Judiciário para dirimir o conflito.
Em resumo, ainda que o conflito verse sobre a nulidade do próprio contrato ou da cláusula arbitral, a controvérsia deverá ser decidida inicialmente pela arbitragem e não pelo Poder Judiciário, ainda que as partes tenham resilido bilateralmente o contrato e a controvérsia verse sobre o distrato.”
Assim, não se olvida que a pretensão da agravante,
por suas próprias alegações, não é nulidade do pacto arbitral avençado, mas, a
fundamentação acima permite asseverar que, com certeza, todas as questões
relativas à eficácia, validade e existência do compromisso arbitral e do respectivo
contrato somente podem ser apreciadas e resolvidas pelo árbitro, afastando, ao
menos num primeiro momento, consoante já registrado, o acesso ao Poder
Judiciário.
Além do mais, tal espécie de “cláusula de barreira”
nada mais busca que promover o princípio da segurança jurídica, pois seria
inadmissivelmente conflitante a existência de duas instâncias, com competências
legalmente definidas, para apreciar uma mesma questão.
Registre-se, ainda, por oportuno, ao contrário do que
tenta fazer crer a agravante, que não lhe foi tolhido qualquer direito acerca da
nomeação do árbitro para a contenda extrajudicial, na medida em que a notificação
de fls. 103/104 lhe possibilita tal faculdade, de modo que não existindo qualquer
argumentação legal ou fática a corroborar a tese de eventual irregularidade na
nomeação do árbitro, não vigam as alegações deduzidas neste recurso, ainda mais,
quando a parte dispõe de mecanismos próprios e eficazes para demonstrar, de
forma fundamentada, sua discordância perante o juízo arbitral, consoante artigos 14,
15, 19 e 20 da Lei de Arbitragem, inclusive, se o caso, ulteriormente, eventual
afronta ao artigo 21, § 2º, tudo na forma do artigo 32 do mesmo Diploma Legal.
Destaque-se, também, que a referida notificação de
fls. 103/104 dos autos facultou a agravante a possibilidade de apontar “...
215
resumidamente eventual matéria objeto de seu pedido e o respectivo valor, bem como comentários sobre a sede, idioma, lei ou normas jurídicas aplicáveis à arbitragem nos termos do contrato.”, ou seja, poderá a recorrente
manifestar-se acerca dos assuntos que entenda relevante para fins de instituição da
arbitragem, sua validade, eficácia e existência, todavia, à luz da legislação aplicável,
perante a entidade com atribuição para tanto.
E, assim sendo, restando à parte, nos exatos termos
do contrato firmado, a possibilidade de discutir perante árbitro ou câmara arbitral, de
forma ampla, nos termos do direito positivo aplicável, eventuais assuntos, teses e
argumentos que entenda ser passível de eventuais irregularidades, mostra-se
prematura o ingresso de demanda perante o Poder Judiciário, ainda mais quando a
agravada, no bojo de contraminuta (fls. 263), argui a extinção do processo, sem
resolução do mérito, com base no artigo 267, inciso VII, do Código de Processo
Civil, restando cumprido o disposto no artigo 301, inciso IX e § 4º, do mesmo
Diploma Processual Civil.
E, por consequência, existindo cláusula
compromissória decorrente de convenção de arbitragem, o Código de Processo Civil
é expresso a prever, em seu artigo 267, inciso VII, que tal circunstância ensejará a
extinção do processo sem resolução do mérito.
Nesse sentido:
“19. Convenção de arbitragem. Havendo convenção de arbitragem (LArb 3.º ss.), as partes renunciam à jurisdição estatal, preferindo nomear um árbitro que resolva a lide eventualmente existente entre elas. Neste caso, a denúncia da existência da convenção acarreta a extinção do processo sem julgamento do mérito. É matéria que depende de alegação do réu, vedado ao juízo examiná-lo de ofício (CPC 301 IX e § 4º).”215 Nesse mesmo diapasão:
215 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil e legislação
extravagante. 10ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2007, p. 504.
216
“Processual civil. Arbitragem. Obrigatoriedade da solução do litígio pela via arbitral, quando existente cláusula previamente ajustada entre as partes neste sentido. Inteligência dos arts. 1º, 3º e 7º da lei 9.307/96. Precedentes. Provimento neste ponto. Alegada ofensa ao art. 535 do cpc. Não ocorrência. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ - REsp 791.260/RS, Rel. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA), TERCEIRA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 01/07/2010)
“Processual Civil. Recurso Especial. Cláusula Arbitral. Lei de Arbitragem. Aplicação imediata. Extinção do processo sem julgamento de mérito. Contrato internacional. Protocolo de Genebra de 1923. Com a alteração do art. 267, VII, do CPC pela Lei de Arbitragem, a pactuação tanto do compromisso como da cláusula arbitral passou a ser considerada hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito.” (STJ - REsp 712566/RJ, Ministra Nancy Andrighi, DJ de 05.09.2005)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. CORTES DE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ELEIÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL. ARTIGO 267, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO. As partes ao elegerem a via arbitral, renunciaram ao conhecimento pela justiça Estadual, comum ou especial, de controvérsias relativas ao contrato estabelecido, devendo a ação interposta ser extinta por carência de ação nos termos do art. 267, VII, do CPC. Agravo conhecido e provido.” (TJGO – Agravo de Instrumento nº 33230-4/180, julgado em 09/12/2003, publicado em 02/02/2004)
“SISTEMA DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. Ação revisional de contrato de venda e compra de imóvel com pedido liminar de manutenção de posse e suspensão da consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário. Contrato firmado para aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro Imobiliário, regido pela Lei n° 9.514/97. Existência de cláusula arbitrai ou compromissória. Correta a extinção do feito com fundamento no art. 267, VII, do CPC. Recurso não
217
provido, com observação. "A cláusula compromissória ou arbitrai é a espécie de convenção de arbitragem mediante a qual os contratantes se obrigam a submeter seus futuros e eventuais conflitos que possam surgir do contrato à solução arbitrai, somente podendo ser adotada em razão da vontade das partes. Por tal razão, se e quando adotada, torna-se obrigatória e caso uma das partes resolva acionar o Judiciário, o juiz será obrigado a extinguir o processo sem resolução do mérito, conforme ditam os artigos 267, VII e 301, IX, do Código de Processo Civil” (TJSP – Ap. 7218265-7 – Rel. Des. Gilberto dos Santos – Data de Julgamento: 17/04/2008)
“EMENTA: APELAÇÃO - AJUSTE BILATERAL - CLÁUSULA ARBITRAL - PRESSUPOSTO PROCESSUAL. A convenção da arbitragem ainda que na fase de cláusula compromissória, é pressuposto processual de caráter negativo que, se não observada, leva à extinção do processo, sem julgamento do mérito.” (TJMG – Ap. 1.0439.03.023204-5/001(1) – Des. Rel. Eulina do Carmo Almeida – Data da Publicação: 05/04/2008)
“EMENTA: AÇÃO CAUTELAR -- CLÁUSULA ARBITRAL - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO JUÍZO ESTADUAL - IMPOSSIBILIDADE - EXTINÇÃO DO PROCESSO COM ARRIMO NO ART. 267, VII DO CPC. No momento em que as partes convencionam a arbitragem como forma única de solução dos seus conflitos, porventura decorrentes do próprio contrato, apenas a jurisdição privada é que será competente para decidi-los, inclusive as lides acautelatórias deles decorrentes e outras medidas de urgência relacionadas com o mesmo objeto conflituoso.” (TJMG – Ap. 1.0003.07.023530-8/001(1) – Des. Rel. Domingos Coelho– Data da Publicação: 08/03/2008)
“ARBITRAGEM – Juízo Arbitral – Execução – Contrato de exportação – Alegação pela parte contrária, da existência de cláusula compromissária ou compromisso arbitral – Impossibilidade do julgamento e processamento do feito pelo juízo comum – Extinção do processo sem julgamento do mérito – Inteligência dos arts. 4º e 9º da Lei nº 9.307/96, c/c os arts. 267, VII, e 301, IX, do CPC” (RT 759/125)”
218
“Ação de nulidade de alteração de contrato social. Extinção do feito. Pretensão do recorrente de acionar a via estatal e paraestatal de arbitragem para compor o litígio. Cláusula compromissória que se reveste de natureza vinculante, obrigatória para os contratantes. Eleita a via paraestatal da arbitragem para solução do conflito, as partes não mais poderão recorrer ao Poder Judiciário. Inteligência da Lei nº 9307/96. Decisão mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Apelação nº 158.328.4/0 – 6ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Reiz Kuntz – J: 19/08/2004)
Cabe ainda enfatizar que, conforme alegações da
agravada e documentos de fls. 409/417 destes autos, especificamente no
“Despacho do Presidente do Centro” proferido pela Câmara de Comércio Brasil-
Canadá – Centro de Arbitragem (fls. 409/415), o que determinaria a ausência de
necessidade para a demanda, que o processo arbitral apenas versará sobre o
contrato originário, ou seja, aquele celebrado entre as demandantes, inclusive com a
exclusão dos terceiros que foram impugnados pela agravante, quais sejam, Sr.
Edmundo Rossi Cupolini, Sr. João Rossi Cupolini, Sr. Lauro Luiz Leone Viana e a
empresa Roplano S/A. Momento Engenharia de Construção Civil Ltda.
Desta maneira, com o devido respeito, as
demandas, cautelar e principal, também se mostram, desnecessárias, o que leva, da
mesma forma, agora por ausência de interesse processual, ao decreto de extinção
de ambos os processos sem resolução do mérito.
Ante o exposto, nos exatos termos acima lançados,
os processos, cautelar e principal, são extintos, sem resolução mérito, com fulcro no
artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, devendo a agravante arcar com o
pagamento das custas e despesas processuais que deu causa e, ante a ausência de
citação da agravada para a ação cautelar e principal, bem como honorários
advocatícios, ora fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Roberto Mac Cracken
Relator
219
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ANEXO 14
RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –
COMPAGAS
ADVOGADOS : CARLOS EDUARDO MANFREDINI HAPNER E OUTRO (S)
TARCÍSIO ARAÚJO KROETZ E OUTRO (S)
CASSIANO LUIZ IURK E OUTRO (S)
LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)
RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)
EMENTA
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇAO. ARBITRAGEM.
VINCULAÇAO AO EDITAL. CLÁUSULA DE FORO. COMPROMISSO ARBITRAL.
EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE.
1. A fundamentação deficiente quanto à alegada violação de dispositivo legal impede
o conhecimento do recurso. Incidência da Súmula 284/STF.
2. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.
3. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados, não
obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do
recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ.
4. Não merece ser conhecido o recurso especial que deixa de impugnar fundamento
suficiente, por si só, para manter a conclusão do julgado. Inteligência da Súmula 283
do STF.
221
5. Tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não
existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente
pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas
compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.
6. O fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato
celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado
posteriormente.
7. A previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição
estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as
regras do certame.
8. A cláusula de eleição de foro não é incompatível com o juízo arbitral, pois o
âmbito de abrangência pode ser distinto, havendo necessidade de atuação do Poder
Judiciário, por exemplo, para a concessão de medidas de urgência; execução da
sentença arbitral; instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita
deforma amigável.
9. A controvérsia estabelecida entre as partes manutenção do equilíbrio econômico
financeiro do contrato é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto
assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto
da jurisdição estatal, como do juízo arbitral.
10. A submissão da controvérsia ao juízo arbitral foi um ato voluntário da
concessionária. Nesse contexto, sua atitude posterior, visando à impugnação desse
ato, beira às raias da má-fé, além de ser prejudicial ao próprio interesse público de
ver resolvido o litígio de maneira mais célere.
11. Firmado o compromisso, é o Tribunal arbitral que deve solucionar a controvérsia.
12. Recurso especial não provido.
ACÓRDAO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma
do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso
222
especial, nos termos do voto do (a) Sr(a). Ministro (a) Relator (a). Os Srs. Ministros
Massami Uyeda, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram
com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Sidnei Beneti. Dr (a).
CASSIANO LUIZ IURK (Protestará por Juntada), pela parte RECORRENTE:
COMPANHIA PARANAENSE DEGÁS NATURAL - COMPAGAS. Dr (a).
ALEXANDRE VITORINO SILVA, pela parte RECORRIDA: CONSÓRCIO CARIOCA
PASSARELLI.
Brasília (DF), 20 de outubro de 2011 (Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)
RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –
COMPAGAS
ADVOGADO : LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)
RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Trata-se de recurso especial interposto por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS
NATURAL - COMPAGAS, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição
Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ/PR).
Ação: declaratória de nulidade de compromisso arbitral, proposta por COMPANHIA
PARANAENSE DE GÁS NATURAL COMPAGAS em face de CONSÓRCIO
CARIOCA PASSARELLI. Aduz a autora, em suma, que (i) a arbitragem não estava
prevista no edital de licitação; (ii) indisponibilidade do interesse público envolvido; e
(iii) ausência de cumprimento dos requisitos legais para a instauração de uma
arbitragem válida.
223
Contestação: o CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI arguiu, preliminarmente, a
falta de interesse de agir da autora e, no mérito, que: (i) há incidência das regras de
direito privado no negócio jurídico celebrado entre as partes; (ii) a autora, na
condição de sociedade de economia mista, pode participar de procedimento
arbitral; e (iii) a discussão tem natureza estritamente pecuniária e, portanto,
é perfeitamente compatível com o procedimento arbitral.
Sentença: julgou improcedente ação, sob o fundamento de que “a controvérsia
levada ao juízo arbitral se refere exclusivamente à recomposição da equação
econômico financeira, decorrente de atrasos no início da execução da obra
contratada. Por conseguinte não há que se falar em direito indisponível, e, portanto,
nada obsta a solução do conflito através do juízo arbitral. Ademais, não se vislumbra
qualquer irregularidade quando à delimitação do objeto do compromisso arbitral” e
desnecessária a indicação de árbitro substituto (e-STJ fls. 543/553). Foi interposta
apelação pela COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL COMPAGAS (e-
STJ fls. 572/585).
Acórdão: o TJ/PR negou provimento ao recurso, conforme a seguinte ementa (e-
STJ fls. 700/708):
COMPROMISSO ARBITRAL SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO EXPLORAÇAO DE
GÁS CANALIZADO NAO CARACTERIZA PRESTAÇAO DE SERVIÇO PÚBLICO,
MAS ATIVIDADE DE REGIME PRIVADO NAO ENVOLVE DIREITOS
INDISPONÍVEIS CONTRATO ADMINISTRATIVO ADMISSIBILIDADE
DA ARBITRAGEM VÍCIOS DO COMPROMISSO NAO CONFIGURADOS.
A atividade desenvolvida pela autora, ou seja, a exploração dos serviços de gás
canalizado, não constitui prestação de serviço público, mas atividade que se
compreende no regime jurídico próprio das empresas privadas (Constituição
Federal, art. 173, 1º, II). O fato de envolver licitação não significa obstáculo para
que as partes resolvam seus conflitos por arbitragem. Admissível nos contratos
administrativos a solução dos conflitos por meio de compromisso arbitral.
Embargos de Declaração: interpostos pela recorrente (e-STJ fls. 710/714), foram
rejeitados (e-STJ fls. 720/724).
224
Recurso especial: interposto por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL
COMPAGAS, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional (e-STJ fls.
837/854), aponta violação dos seguintes dispositivos legais:
(i) arts. 411;499;544 e599 da Lei8.6666/93, em virtude da “falta de previsão no
certame licitatório acerca da solução de conflitos por meio de arbitragem” (e-STJ fls.
844), estando previsto, outrossim, o foro da Comarca de Curitiba-PR como
competente para dirimir eventuais conflitos entre as partes;
(ii) arts. 9º; 10, III, e IV; e 32, IV, da Lei 9.307/96, porquanto o acórdão recorrido
“entendeu que o compromisso arbitral que instituiu a arbitragem é válido e eficaz,
mesmo sem ter objeto determinado” (e-STJ fls. 846);
(iii) arts. 7ºº e166,2ºº, da Lei9.3077/96, em razão de ter sido “proferida sentença
arbitral por somente dois árbitros, e não três como determinava o compromisso” e a
“Recorrida não buscou meios para que fosse nomeado novo árbitro” (e-STJ fls. 848).
O dissídio jurisprudencial, por sua vez, estaria configurado entre o acórdão recorrido
e aqueles proferidos: (i) na AC 1999.01.1.083360-3, pelo Tribunal de Justiça do
Distrito Federal; (ii) na AC 70005726070 e AC 70005680558, pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul; os quais teriam reconhecido a necessidade
de “intervenção do Poder Judiciário para nomeação de árbitro no caso de inércia das
partes” (e-STJ fls. 852).
Exame de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ/PR (e-STJ
fls. 986/989), tendo sido interposto agravo de instrumento da decisão denegatória,
que foi provido para determinar a subida do especial (e-STJ fls. 1.066).
Em virtude de decisão anteriormente proferida no REsp 693.219/PR, reconheci a
minha prevenção para julgamento do recurso, nos termos do art. 71 do RISTJ (e-
STJ fls. 1.099).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
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RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –
COMPAGAS
ADVOGADO : LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)
RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cinge-se a controvérsia a verificar (i) se a ausência de previsão da arbitragem, no
edital de licitação, torna nulo o compromisso arbitral posteriormente firmado entre as
partes e (ii) se é nula a decisão proferida apenas por dois árbitros, em razão da não
intervenção do Poder Judiciário para nomeação do terceiro árbitro.
I Da proibição de reexame de provas e interpretação de cláusula contratual.
A análise da suposta violação dos arts. 9º e 10, III, da Lei 9.307/96 implicaria o
reexame das peculiaridades fáticas do caso, bem como interpretação das cláusulas
do compromisso arbitral firmado entre as partes, o que é vedado em sede de
recurso especial.
Com efeito, entendeu o Tribunal de origem, após analisar (i) as cláusulas específicas
do compromisso arbitral firmado entre as partes com assessoramento de advogado ,
bem como (ii) os demais documentos juntados aos autos, notadamente, as atas de
reuniões e troca de correspondências entre as partes, que o objeto da arbitragem
estava bem definido no compromisso e, portanto, não havia qualquer nulidade, in
verbis:
O objeto da arbitragem também se encontra bem definido no compromisso
assumido pelas partes, uma vez que se cuida de cláusula fechada, se referindo a
todas as divergências até então existentes entre as partes, o que pode ser
constatado pelo simples exame das atas das reuniões e trocas de correspondências
entre as litigantes. Não se cuida de objeto indefinido ou indeterminado como quer
226
fazer crer a apelante. Sabia muito bem a apelante do que se tratava e o objeto do
compromisso arbitral (e-STJ fls. 707).
Assim, para rever essa conclusão seria necessário analisar o conjunto fático
probatório dos autos, além de interpretar cláusula contratual, o que é vedado em
sede de recurso especial.
Incidência, na hipótese, do óbice das Súmulas nº 5 e 7, ambas do STJ. II - Do
Prequestionamento (ofensa ao art. 32, IV, da Lei 9.307/96 e art. 55, XIII, 2º, da Lei 8.666/93).
A respeito do art. 32, IV, da Lei 9.307/96, tido por violado, não houve emissão de
juízo, pelo acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração,
ressentindo-se, portanto, o recurso especial do necessário prequestionamento.
Com efeito, não se discutiu a validade da sentença proferida pelo juízo arbitral. A
pretensão da recorrente é anterior: a declaração de nulidade do compromisso
arbitral, limitando-se o julgamento do Tribunal de origem a esse aspecto.
O Tribunal de origem também não apreciou a questão da necessidade de inserção
de cláusula de eleição de foro no contrato celebrado em decorrência da licitação.
Incidem à espécie, portanto, as Súmulas 211/STJ e 282/STF.
Os demais dispositivos legais apontados pelo recorrente como violados foram
prequestionados pelo acórdão recorrido, ainda que de maneira implícita, autorizando
o exame do especial. III Da violação dos arts. 7º e 16, 2º, da Lei 9.307/96.
O fundamento adotado pelo Tribunal de origem, para afastar a alegação de nulidade
do compromisso arbitral em razão da decisão ter sido proferida apenas por dois
árbitros, foi a obtenção da maioria. Com efeito, justificou o acórdão: “Na ausência do
árbitro indicado pela autora a decisão se deu por maioria, com fundamento no art.
24, 1º, da Lei 9.307/96” (e-STJ fls. 707).
Observe-se que “O extremo cuidado do legislador em exigir um número ímpar de
árbitros (...) é plenamente justificável. O sistema é todo estruturado de forma a evitar
empates” (ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Arbitragem Lei 9.307-96 , 4ªed., Rio de
Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 52).
227
Na hipótese, não se verificou empate, mas decisão por maioria. Ou seja, foi
alcançado o resultado pretendido pelo legislador, inobstante o árbitro nomeado pela
recorrente ter deixado de participar do procedimento.
Ocorre que esse fundamento não foi abordado nas razões recursais, fazendo incidir
à espécie, pois, a Súmula 283 do STF, que obsta o conhecimento do especial pra
analisar suposta violação dos arts. 7º e 16, 2º, da Lei 9.307/96. IV Da violação do
art.41 da Lei 8.666/93
A recorrente aduz que o acórdão recorrido, “ao reconhecer a possibilidade das
partes se submeterem ao juízo arbitral, quando tal disposição não estava contida no
edital de licitação” viola o disposto no art. 41 da Lei 8.666/93.
Observa, ainda, que “havendo previsão legal para a adoção da arbitragem, não há
dúvida que essa saída para a solução de conflitos pode ocorrer. Mas quando nada
dispuser o edital, o contrato ou qualquer lei que isso preveja, o conflito deve ser
dirimido pelo Poder Judiciário” (e-STJ fls. 842).
E, na hipótese, conforme explica a recorrente, a arbitragem não estava prevista no
edital de licitação, nem no contrato celebrado posteriormente, o qual dispunha,
inclusive, sobre a competência do foro da Comarca de Curitiba-PR para dirimir as
eventuais controvérsias existentes entre as partes, nos termos do art. 55, XIII, 2º, da
Lei 8.666/93.
O acórdão recorrido, por sua vez, após extensa argumentação acerca da admissão
da arbitragem para a resolução de conflitos que envolvam contratos administrativos
celebrados por sociedades de economia mista, tendo em vista a disponibilidade dos
interesses envolvidos e o regime jurídico de direito privado aplicável à hipótese (já
que o contrato celebrado entre as partes não envolveria a prestação de serviço
público), conclui que:
(i) “o fato de envolver licitação não significa obstáculo para que as partes resolvam
seus conflitos por arbitragem” (e-STJ, fls. 703);
(ii) “admissível a realização de compromisso arbitral nos contratos administrativos”
(e-STJ fls. 704).
228
De fato, tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não
existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente
pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas
compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.
Aliás, pelo contrário, exulta-se a utilização da arbitragem, diante da sua maior
celeridade e especialidade em comparação com Poder Judiciário. Nas palavras do i.
Professor THEMÍSTOCLES BRANDAO, citado pelo ex-Ministro EROS GRAU:
Parece-me que a administração realiza muito melhor os seus fins e a sua tarefa,
convocando as partes que com ela contratarem a resolver as controvérsias de direito
e de fato perante o juízo arbitral, do que denegando o direito das pares, remetendo-
as ao juízo ordinário ou prolongado o processo administrativo, com diligências
intermináveis, sem um órgão diretamente responsável pela instrução do processo.
("Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da
Interpretação de Cláusula Compromissória. ( in Revista de Direito Bancário do
Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, out-dez/2002, p. 399)
No mesmo sentido, ARNOLD WALD e ANDRÉ SERRAO:
O acesso à segurança jurídica, à celeridade e a especialização técnica de um
tribunal arbitral podem constituir um interesse público primário, cuja
indisponibilidade, ao contrário de proibir sua utilização, estaria a exigir que a
Administração Pública viesse a valer-se da arbitragem” ( in Revista de Arbitragem
e Mediação, ano 5, v. 16, jan-mar/2008, p. 20).
Quando ainda era Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal,
também já me manifestei favoravelmente à arbitragem para a solução dos conflitos
que envolviam sociedade de economia mista:
MANDADO DE SEGURANÇA - PÓLO PASSIVO - TEMPESTIVIDADE - LICITAÇAO
- INTERESSE PÚBLICO INDISPONÍVEL - JUÍZO ARBITRAL - DECRETO-LEI
Nº 2.300E LEI 8.666. POSSIBILIDADE.
(...) III - Pelo art. 544, da Lei8.6666/93, os contratos administrativos regem-se pelas
suas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os
princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, o que
229
vem reforçar a possibilidade de adoção do Juízo arbitral para dirimir questões
contratuais.
(MS 199800200366-9, Conselho Especial, TJDF, J. 18.05.1999, DJ 18.08.1999, in
Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 3, v.8,
2000, p. 359-373)
Esta Corte também já se pronunciou acerca da viabilidade do juízo arbitral em
contratos administrativos firmados por sociedades de economia mista, cumprindo
citar alguns trechos do voto do Min. LUIZ FUX, proferido em sede do MS 11.308-DF,
DJ 19.05.2008:
Destarte, as sociedades de economia mista encontram-se em situação paritária em
relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do
artigo 173, 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de
quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de
arbitragem para solução de conflitos de interesses, máxime quando legitimadas para
tal as suas congêneres.
Ainda que as sociedades de economia mista estejam inseridas na órbita da
Administração Pública Indireta, é bem verdade que suas atividades restam
disciplinadas, majoritariamente, pela disciplina negocial das empresas
privadas, como por exemplo, a penhorabilidade dos seus bens, aplicando-se-lhes o
direito público apenas subsidiariamente, naquilo que não for incompatível com o seu
regime privado, como aos princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição
Federal.
Por sua vez, evitar que em um contrato administrativo, firmado entre partes de natureza comercial estipule-se cláusula arbitral é restringir aonde a lei não o fez . (sem destaque no original)
Assim também:
PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.
EXTINÇAO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA
MISTA.DIREITOS DISPONÍVEIS. EXTINÇAO DA AÇAO CAUTELAR
230
PREPARATÓRIA POR INOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A
PROPOSIÇAO DA AÇAOPRINCIPAL.
1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes
formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios
passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só
pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes
vinculados à solução extrajudicial da pendência.
2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem
julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo
Civil.
3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização
de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, 1º) que estipulem cláusula
compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste .
4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 612439/RS, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, 2ª Turma, DJ 14/09/2006) (sem destaque no original).
A peculiaridade da hipótese analisada reside no fato de que, no contrato celebrado
entre as partes, não foi estabelecida a arbitragem como meio de solução de
controvérsias (cláusula compromissória). O compromisso arbitral foi firmado
posteriormente pela concessionária recorrente.
Importante esclarecer que há uma clara distinção feita pela lei 9.307/96 entre as
duas figuras jurídicas. Depreende-se da leitura dos seus arts. 8º e 9º que, enquanto
a cláusula compromissória, inserida previamente nos contratos, é genérica e refere-
se a eventuais futuros litígios, o compromisso arbitral é firmado posteriormente e
pressupõe a existência de uma determinada controvérsia, sendo que as
partes resolvem submetê-la ao juízo arbitral, firmando o compromisso em sede do
próprio juízo ou Tribunal arbitral ou por meio de instrumento particular, como ocorreu
na hipótese.
231
Todavia, o fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no
contrato celebrado entre as partes, não invalida o compromisso arbitral firmado
posteriormente.
O princípio da vinculação das partes ao edital de licitação (arts. 3º e 41 da Lei
8.666/93) tem por finalidade precípua estabelecer as regras do certame,
assegurando a todos os participantes o prévio conhecimento acerca do objeto em
disputa com precisão e clareza, possibilitando-lhes iguais condições no oferecimento
e análise de suas propostas. Nas palavras de HELI LOPES MEIRELES, “o edital é a
lei interna na licitação” ( Licitação e Contrato Administrativo. 15ª Ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 50-51), ou seja, visa-se garantir a lisura da licitação, no que
respeita ao seu próprio conteúdo.
A previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição
estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as
regras do certame. Com efeito, não se pode dizer que a licitação teria outro
resultado ou dela participariam mais ou menos concorrentes unicamente pelo fato
de estar ou não previsto determinado foro para solução de controvérsias.
Embora seja cláusula obrigatória do contrato administrativo, nos termos do
art. 55,XIII, 2º, da lei 8.666/93, a cláusula de foro não pode ser considerada
essencial aos contratos administrativos. Com efeito, ensina-nos HELI LOPES
MEIRELES:
(...) de um modo geral, são consideradas cláusulas essenciais ou necessárias em
todo contrato administrativo as que: definam o objeto e seus elementos
característicos, estabeleçam o regime de execução da obra ou do serviço, ou a
modalidade de fornecimento; fixem o preço e as condições de pagamento, os
critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de
atualização monetária entre a data do adimplemento das etapas da execução,
conclusão, entrega, observação e recebimento definitivo, conforme o caso; indiquem
o valor e os recursos para tender Às despesas contratuais, com a sua classificação
funcional programática e a categoria econômica; discriminem os direitos
o obrigações das partes e fixem as penalidades e o valor das multas; estabeleçam
232
os casos de rescisão do contrato; prescrevam as condições de importação, a data e
taxa de câmbio para conversão, quando for o caso (Op. Cit. p. 287).
No mesmo sentido: MARIA ADELAIDE DE CAMPOS FRANÇA, Lei de Licitações e
Contratos da Administração Pública , São Paulo: Saraiva, 2010, p. 208.
Ademais, a referida cláusula de foro não é incompatível com o juízo arbitral. Dentre
as várias razões apontadas pela doutrina, pode-se mencionar: a necessidade de
atuação do Poder Judiciário para a concessão de medidas de urgência; para a
execução da sentença arbitral; para a própria instituição da arbitragem quando uma
das partes não a aceita de forma amigável. Nesse sentido: CARLOS
ALBERTO CARMONA, Considerações sobre a cláusula compromissória e a eleição
de foro , in Arbitragem Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernandes da Silva
Soares, São Paulo: Atlas, 2007, p. 37 e EROS ROBERTO GRAU, Op. Cit. p. 404).
Assim, ambas as cláusulas podem conviver harmonicamente, de modo que as áreas
de abrangência de uma de outra são distintas, inexistindo qualquer conflito.
Especificamente, no âmbito do Poder Público, há ainda a questão da impossibilidade
de instituição do juízo arbitral para dirimir determinadas controvérsias que envolvem
direitos indisponíveis, sendo necessária, portanto, a atuação da jurisdição estatal,
cuja competência será fixada pela cláusula de foro prevista obrigatoriamente nos
contratos administrativos.
Esse, contudo, não é o caso dos autos, cujo objeto da arbitragem limita-se à
discussão acerca da manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato, ou
seja, não envolve direitos indisponíveis. Com efeito, a controvérsia estabelecida
entre as partes é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim
que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da
jurisdição estatal, como do juízo arbitral.
Preferiram, no entanto, optar pela arbitragem, mediante a celebração do
compromisso arbitral, posteriormente impugnado pela recorrente. Observe-se que se
tratou de um ato voluntário da administração concessionária submeter a controvérsia
ao juízo arbitral, renunciando ao juízo estatal.
233
Nesse contexto, pode-se dizer que a atitude posterior da recorrente, de impugnar
seu próprio ato, beira às raias da má-fé, além de ser evidentemente prejudicial ao
próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere.
Em suma, assim como a concessionária recorrente teria autonomia para resolver a
controvérsia relativa ao equilíbrio econômico financeiro do contrato celebrado com a
recorrida sem precisar de autorização legislativa ou de recorrer ao Poder Judiciário,
haja vista a disponibilidade dos interesses envolvidos, ela também tem autonomia
para eleger um árbitro que solucione a controvérsia.
Outrossim, uma vez firmado o compromisso e determinado o objeto da arbitragem,
todas as demais controvérsias eventualmente existentes entre as partes, bem como
as medidas de urgência ou de caráter executivo que envolvam a arbitragem, devem
ser submetidas ao Poder Judiciário, no foro da sede da concessionária (Curitiba-
PR),conforme cláusula inserta no contrato celebrado entre as partes, a qual, pelas
razões supramencionadas, não é incompatível com o compromisso impugnado.
Inexiste, portanto, qualquer violação ao art. 41 da Lei de 8.666/93, pelo acórdão
recorrido.
V Do Dissídio Jurisprudencial
Entre os acórdãos trazidos à colação pela recorrente, não há o necessário cotejo
analítico nem a comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à
demonstração da divergência. Assim, a análise da existência do dissídio é inviável,
porque não foram cumpridos os requisitos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e
255, 1º e 2º, do RISTJ.
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –
COMPAGAS
234
ADVOGADOS : CARLOS EDUARDO MANFREDINI HAPNER E OUTRO (S)
TARCÍSIO ARAÚJO KROETZ E OUTRO (S)
CASSIANO LUIZ IURK E OUTRO (S)
LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)
RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Presidente):
Quero cumprimentar os eminentes Advogados pela sustentação oral e dizer que
acompanho integralmente o voto de Sua Excelência, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Quero também fazer uma consideração com relação à posição adotada pela
recorrente que, ao mesmo tempo em que admite um compromisso arbitral, já
estando em curso um contrato em cujo bojo, de início, não havia disposição escrita
sobre a eleição de um juízo arbitral, venha depois, quando se depara a um resultado
que se antevia a ser desfavorável, o seu árbitro a se retirar, e aí procura construir
uma tese, de que a indisponibilidade do interesse público não permitiria
essa modalidade, essa solução de conflitos. Parece-me uma atitude extremamente
negativa e, como Sua Excelência bem assinalou ao final do seu bem elaborado voto,
beira as raias da má-fé.
É preciso, de uma vez por todas, que também os empresários e as empresas de
economia mista, embora tenham essa natureza de vamos dizer parte pública, mas
uma gerência privada, essa natureza de sociedade de economia mista, que são
entes paraestatais da administração descentralizada, essa administração
descentralizada visa exatamente à agilização dessa gestão e não, depois, procurar
guarida no Poder Judiciário para poder se escudar em vícios que sustentam
tenham ocorrido. É lamentável que isso seja constatado aqui, em nível de
recurso especial, quando poderia ter sido exatamente dirimido, ou no âmbito
235
dessa própria arbitragem... Porque isso demandou um estudo, uma análise,
uma busca até o Poder Judiciário, que se debruçou e, como não poderia deixar de
ser, negou provimento à apelação.
Não é nenhuma crítica pessoal à pessoa do Advogado, que está apenas fazendo a
sua atividade profissional, mas é necessário esse alerta, essa manifestação da
inconformidade dos juízes, que estão preocupados em fazer com que a Justiça seja
mais efetiva, pois esse processo já poderia ter terminado. Se as cláusulas que foram
debatidas, aí a equação econômico-financeira, então por que ter assinado, ter
concordado com o compromisso arbitral?
Radicalmente, na origem, já deveria ter sido refutada essa escolha, e não esperar o
resultado que lhe é negativo para, depois, tentar revertê-lo. Isso é até mesmo caso
de responsabilização, e da administração, porque atenta contra o próprio princípio
da moralidade pública. E já que se decantou tanto o interesse da indisponibilidade
do interesse público, cumpre ao administrador zelar pela moralidade e não procurar
trazer isso aqui, depois.
Nós todos sabemos dos inúmeros percalços que cercam os processos que venham
até esta mais alta Corte infraconstitucional. Tentar reverter uma solução que
demandaria análise de provas, como bem assinalou Sua Excelência, a Sra. Ministra
Nancy Andrighi, matéria não prequestionada... Parece-me isso algo que toca a
perdas; não toca a perdas, já é uma má-fé mesmo. Eu até estaria propenso, aqui, a
fazer uma proposição, no sentido de que é litigância de má-fé; litigância de má-fé faz
com que essa indignação se exacerbe diante desse manejo irresponsável dos
recursos processuais é necessário que haja essa compreensão, essa ponderação.
Acompanho integralmente o voto da eminente Ministra Relatora, negando
provimento ao recurso especial, mais uma vez ressaltando a excelência das
alegações aqui produzidas em sustentação oral pelos jovens Advogados, que estão
mostrando a sua vocação para a defesa dos interesses dos constituintes.
Ministro MASSAMI UYEDA
RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)
236
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –
COMPAGAS
ADVOGADO : LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)
RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Sr. Presidente, acompanho integralmente o voto da Sra. Ministra Relatora, com os
acréscimos de Vossa Excelência.
RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Sr.
Presidente, acompanho integralmente o voto da eminente Relatora.
De início, eu tinha dúvida quanto à arbitrabilidade desse tipo de conflito, mas o voto
é muito claro, muito sólido, e consolida bem o entendimento do Tribunal sobre a
matéria. E, responde à uma dúvida sobre a disciplina que alguns entes da federação
vêm dando à questão. Por exemplo, o Estado de Minas Gerais, editou,
recentemente, uma lei que procura disciplinar a arbitrabilidade dos conflitos, não só
dele Estado , como também das suas pessoas jurídicas de Direito Privado. Isso
gerou uma polêmica no meio arbitralista. No caso, dadas as peculiaridades,
as decisões de Primeiro e Segundo Graus e todas as ponderações da eminente
Relatora, não há como escapar à conclusão a que Sua Excelência chegou.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
237
Número Registro: 2006/0038111-2 PROCESSO ELETRÔNICO
REsp 904813 / PR
Números Origem: 22372000 247646 247646002
PAUTA: 20/10/2011 JULGADO: 20/10/2011
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Ministro Impedido
Exmo. Sr. Ministro : SIDNEI BENETI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –
COMPAGAS
ADVOGADO : LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)
RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Prestação de
Serviços
238
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr (a). CASSIANO LUIZ IURK (Protestará por Juntada)
, pela parte RECORRENTE: COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL -
COMPAGAS
Dr (a). ALEXANDRE VITORINO SILVA, pela parte RECORRIDA:
CONSÓRCIOCARIOCA PASSARELLI
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos
do voto do (a) Sr (a). Ministro (a) Relator (a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda,
Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra.
Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Sidnei Beneti.
239
ANEXO 15
RECURSO ESPECIAL Nº 612.439 - RS (2003/0212460-3)
RECORRENTE : AES URUGUAIANA EMPREENDIMENTOS LTDA
ADVOGADO : ATHOS GUSMAO CARNEIRO E OUTRO
RECORRIDO : COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE
ADVOGADO : MAX AUGUSTO JOBIM RIBEIRO E OUTROS
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO JOAO OTÁVIO DE NORONHA:
Cuida-se de recurso especial manifestado por AES
URUGUAIANAEMPREENDIMENTOS LTDA. com fundamento nas alíneas a e c do
permissivo constitucional, contra julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul assim ementado:
"PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. JUÍZO ARBITRAL. CARÊNCIA DE
AÇAO.
A existência de compromisso arbitral não tem o condão de afastar a apreciação de
qualquer questão pelo Poder Judiciário, assegurada constitucionalmente no inc.
XXXV, do art. 5º, razão pela qual a instauração de juízo arbitral convencionado não
implica falta de interesse processual.
CAUTELAR PREPARATÓRIA. EXTINÇAO DA AÇAO POR INOBSERVÂNCIA DO
PRAZO LEGAL PARA A INTERPOSIÇAO DO PROCESSO PRINCIPAL.
Apenas a liminar concedida em ação cautelar perde a eficácia diante
da inobservância do prazo legal para a interposição da ação principal da qual
depende a ação cautelar, a qual não merece ser extinta já que não atinge ou ofende
a esfera jurídica do requerido no caso concreto.
240
AGRAVO IMPROVIDO" (fl. 305).
A lide teve início com o ajuizamento de ação ordinária condenatória na qual a
COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA (CEEE), sociedade de
economia mista com sede no Estado do Rio Grande do Sul, alegou que a sociedade
AESURUGUAIANA EMPREENDIMENTOS LTDA., ora recorrente, descumpriu
injustificadamente contrato firmado entre elas para a aquisição de potência e energia
elétrica.
Citada para contestar a exordial, AES URUGUAIANA EMPREENDIMENTOS LTDA.
sustentou a existência, no contrato firmado entre as partes, de cláusula
compromissória convencionando a formação de juízo arbitral na hipótese de
conflitos. Requereu, destarte, a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos
termos do art. 267, VII, do estatuto processual civil pátrio.
Em seu exame, a magistrada de primeira instância rejeitou a preliminar de extinção
do processo sem julgamento de mérito em razão da existência de convenção de
arbitragem. Entendeu que "a CEEE é empresa prestadora de serviço público
essencial, consistente na produção e distribuição de energia elétrica, sociedade de
economia mista do Estado do Rio Grande do Sul. Como tal, não pode, sem a
competente autorização do legislativo estadual, abrir mão do devido processo legal
para dirimir eventuais conflitos concernentes ao serviço público por ela prestado" (fl.
206). Além do mais, destacou que a utilização da via arbitral é mera faculdade posta
em favor dos litigantes, que somente a utilizarão em caso de comum acordo, não
podendo ser vedada a busca pela tutela jurisdicional do Poder Judiciário.
Em decisão complementar (fl. 209), decorrente de embargos de declaração, a
magistrada deixou de extinguir a ação cautelar preparatória cujo objeto era o registro
no Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE) dos montantes de energia elétrica
contratados ao entendimento de que apenas a liminar concedida perde a eficácia
diante da inobservância do prazo legal para a interposição da ação principal da qual
depende a preparatória.
Irresignada, a ora recorrente interpôs o recurso de agravo de instrumento previsto no
art. 522 e seguintes do CPC, devolvendo, assim, a controvérsia ao Tribunal de
241
Justiça local. Em seguida, como se percebe da ementa supra transcrita, a referida
Corte a quo negou provimento ao apelo à unanimidade, por concluir que é livre o
acesso ao Poder Judiciário, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna.
Subsequentemente, foram opostos embargos declaratórios com o fito de levar o
Tribunal de origem a apreciar expressamente as disposições previstas nos
arts. 3º,4º, 7º, 8º e 20 da Lei n. 9.307/96 Lei da Arbitragem e 806 do Código de
Processo Civil. Os embargos foram rejeitados por decisão assim ementada:
"EMBARGOS DE DECLARAÇAO. DESCABIMENTO.
Descabe a interposição de Embargos de Declaração, para modificação do acórdão,
quando não fundamentados em omissão, obscuridade ou contradição, salvo erro
manifesto. Inocorrência das hipóteses do art. 535 do CPC. A alegação de
prequestionamento na aclaratória deve se embasar em uma das hipóteses previstas
no art. 535 do CPC. Precedentes da Corte.
EMBARGOS DE DECLARAÇAO REJEITADOS" (fl. 327).
Nas razões do especial, a recorrente defende, em síntese, as seguintes teses:
a) a cláusula compromissória é obrigatória para a solução de conflitos surgidos na
execução do pactuado, de forma que o acórdão recorrido, ao negar eficácia à
referida cláusula e, por conseguinte, não extinguir o processo sem julgamento de
mérito, contrariou o disposto nos arts. 3º, 4º, 7º, 8º e 20 da Lei n. 9.307/96 e 267, VII,
do CPC.
b) contrariedade aos arts. 806, I, e 808 do CPC, visto que o ajuizamento da ação
principal, após decorridos 30 (trinta) dias da efetivação de medida liminar deferida
em sede de ação cautelar preparatória, conduz esta à extinção. Nesse aspecto,
suscita ainda a ocorrência de divergência jurisprudencial.
Sob essa argumentação, requer que "seja o presente recurso especial
conhecido pela Eg. Turma e ao mesmo seja dado integral provimento, para
determinar seja extinto o processo sem julgamento de mérito, em vista da
convenção de arbitragem" (fl. 369). Pleiteia também que a "Turma, conhecendo da
matéria referente à ofensa aos artigos806 e 808, I, do CPC, decrete a extinção da
própria ação cautelar preparatória" (fl. 369).
242
Outrossim, defende que os arts. 8º e 20 da Lei n. 9.307/96 foram violados, dado que
não foi determinada a remessa dos autos ao juízo arbitral, competente para julgar,
em primeiro lugar, qualquer questão relativa à validade e eficácia da convenção
arbitral, nos termos do princípio da "competência-competência". Acena, por fim, com
a existência de dissídio pretoriano.
Contra-razões juntadas às fls. 398/432.
Após a admissão do apelo extremo às fls. 452/455, os autos subiram a esta Corte,
vindo-me conclusos.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 612.439 - RS (2003/0212460-3)
EMENTA
PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.
EXTINÇAO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA
MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS. EXTINÇAO DA AÇAO CAUTELAR
PREPARATÓRIA PORINOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A
PROPOSIÇAO DA AÇAOPRINCIPAL.
1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes
formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios
passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só
pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes
vinculados à solução extrajudicial da pendência.
2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem
julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo
Civil.
3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista
exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou
de prestação de serviços (CF, art. 173, 1º) que estipulem cláusula compromissória
submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste.
4. Recurso especial parcialmente provido.
243
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO JOAO OTÁVIO DE NORONHA (Relator) :
Informam os autos que a ora recorrida realizou licitação internacional na modalidade
concorrência internacional tendo por objeto a aquisição de potência e
energia elétrica, ficando expressamente consignada no respectivo contrato cláusula
compromissória prevendo que eventuais litígios dele decorrentes, seja no tocante à
modificação ou rescisão da avença, ou mesmo na contestação de pagamentos,
seriam dirimidos por meio de juízo arbitral.
Sustenta a recorrente que, em tais circunstâncias, avençada expressamente pelas
partes a cláusula compromissória, a teor do disposto nos arts. 3º e 4º da Lei
n.9.307/96; 267, VII, do CPC e 4º, d, do Regulamento da Câmara de Comércio
Internacional (CCI), deveria ser extinto o processo sem julgamento de mérito.
Para a análise da controvérsia consignada nos autos, faz-se necessário,
preliminarmente, tecer algumas breves considerações a respeito da natureza jurídica
da cláusula compromissória e dos efeitos decorrentes de sua inserção no
instrumento contratual.
A arbitragem está regulada na Lei n. 9.307/96, cujo artigo 4º prescreve que
“a cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes em um
contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a
surgir, relativamente a tal contrato”.
Da definição do instituto, exsurge o caráter híbrido da convenção de arbitragem, na
medida em que se reveste, a um só tempo, das características de obrigação
contratual, representada por um compromisso livremente assumido pelas partes
contratantes, e do elemento jurisdicional, consistente na eleição de um árbitro, juiz
de fato e de direito, cuja decisão irá produzir os mesmos efeitos da sentença
proferida pelos órgãos do Poder Judiciário.
Uma das inovações consignadas na Lei da Arbitragem (Lei n. 9.307/96) foi a de
imprimir força cogente à cláusula arbitral, afastando, obrigatoriamente, a solução
244
judicial do litígio e, consequentemente, dando ensejo à extinção do processo sem
exame de mérito, nos termos do art. 267, VII, do CPC.
É evidente que os contratantes, ao pactuarem o compromisso, estão assumindo o
risco de verem-se obrigados por uma decisão eventualmente equivocada do árbitro.
Tal risco, entretanto, que há de ser visto não como elemento estranho à relação
contratual, mas como parte integrante desta, só pode envolver, necessariamente,
direitos disponíveis dos envolvidos.
Tem-se claro, assim, à luz das prescrições contidas na Lei n. 9.307/96, que, a partir
do instante em que, no contexto de um instrumento contratual, as partes envolvidas
estipulem a cláusula compromissória, estará definitivamente imposta como
obrigatória a via extrajudicial para solução dos litígios envolvendo o ajuste.
O juízo arbitral, repita-se, não poderá ser afastado unilateralmente, de forma que é
vedado a qualquer uma das partes contratantes impor seu veto ao procedimento
pactuado. Em síntese, na vigência da cláusula compromissória, permite-se que o
contratante interessado na resolução do litígio tome a iniciativa para a instauração
da arbitragem, ficando o outro, uma vez formalizado o pedido, obrigado a aceitá-la
sem nenhuma possibilidade de optar, unilateralmente, pela jurisdição estatal.
Sobre o tema, é pertinente transcrever excerto do voto proferido pela Ministra Ellen
Gracie no julgamento do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 5.206 (relator
Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30/4/2004), que cuida da matéria em exame:
"Negar possibilidade a que a cláusula compromissória tenha plena validade e que
enseje execução específica importa em erigir em privilégio da parte inadimplente o
furtar-se à submissão à via expedida de solução da controvérsia, mecanismo este
pelo qual optara livremente, quando da lavratura do contrato original em que inserida
essa previsão. É dar ao reclacitrante o poder de anular condição que dada a
natureza dos interesses envolvidos pode ter sido consideração básica à formação da
avença. É inegável que, no mundo acelerado em que vivemos, ter, ou não, acesso a
fórmulas rápidas de solução das pendências resultantes do fluxo comercial, constitui
diferencial significativo do poder de barganha dos contratantes."
245
No julgamento do citado precedente, decidiu o Supremo Tribunal Federal,
por maioria, pela constitucionalidade dos arts. 6º, parágrafo único, 7º e
seus parágrafos, 41 e 42da Lei n. 9.307/96, concluindo que a manifestação de
vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e
a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante
em firmar o compromisso não ofendem o preceito inscrito no art. 5º, XXXV, da CF.
Por conseguinte, restaram vencidos os ministros que concluíram pela
inconstitucionalidade da cláusula compromissória e pela possibilidade de a outra
parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao
Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso.
Nesse panorama, apresenta-se claramente equivocado o
posicionamento consignado no voto condutor do acórdão recorrido (fls. 311/312) no
sentido de que os arts. 3º e 7ºda Lei n. 9.307/96 conferem às partes mera faculdade
de se socorrerem da cláusula compromissória, assim como a conclusão de que a
celebração dessa cláusula não importa na extinção do processo com base no
art. 267, VII, do CPC.
Outra questão que merece análise mais detida diz respeito à possibilidade de uma
sociedade de economia mista celebrar contrato de compra e venda com cláusula
compromissória.
A sociedade de economia mista é uma pessoa jurídica de direito privado,
comparticipação do Poder Público e de particulares em seu capital e em sua
administração, para a realização de atividade econômica ou serviço público
outorgado pelo Estado. Possuem a forma de empresa privada, admitem lucro e
regem-se pelas normas das sociedades mercantis, especificamente pela Lei das
Sociedades Anônimas Lei n. 6.404/76.
É certo que a Emenda Constitucional n. 19/98 previu a edição, por lei, de estatuto
jurídico para as sociedades de economia mista exploradora de atividade econômica
(CF, art. 173), com vistas a assegurar sua fiscalização pelo Estado e pela
sociedade, bem como sua sujeição aos princípios norteadores da Administração
Pública. Isso não representa, entretanto, o engessamento dessas empresas no que
246
diz respeito à possibilidade de se utilizarem dos mecanismos de gerência e
administração próprios da iniciativa privada, direcionados para o pleno
desenvolvimento de suas atividades comerciais, mormente diante do teor do
art. 173, 1º, I, da CF, que reconhece a sujeição da sociedade de economia mista e
de sua subsidiárias "ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos
direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias", e do disposto no
art. 235 da Lei das S.A.
Sob essa perspectiva, submetida a sociedade de economia mista ao regime jurídico
de direito privado e celebrando contratos situados nesta seara jurídica, não parece
haver dúvida quanto à validade de cláusula compromissória por ela convencionada,
sendo despicienda a necessidade de autorização do Poder Legislativo a referendar
tal procedimento.
Em outras palavras, pode-se afirmar que, quando os contratos celebrados pela
empresa estatal versem sobre atividade econômica em sentido estrito isto é,
serviços públicos de natureza industrial ou atividade econômica de produção ou
comercialização de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro , os direitos e as
obrigações deles decorrentes serão transacionáveis, disponíveis e, portanto, sujeitos
à arbitragem. Ressalte-se que a própria lei que dispõe acerca da arbitragem
art. 1º da Lei n. 9.307/96 estatui que "as pessoas capazes de contratar poderão
valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis".
Por outro lado, quando as atividades desenvolvidas pela empresa estatal
decorram do poder de império da Administração Pública e, consequentemente, sua
consecução esteja diretamente relacionada ao interesse público primário, estarão
envolvidos direitos indisponíveis e, portanto, não-sujeitos à arbitragem.
A propósito, vem à baila a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso
de Direito Administrativo, 4 a ed., São Paulo, Malheiros, 1993, p. 22), que define
interesse público primário como aquele "que a lei aponta como sendo o interesse da
coletividade: da observância da ordem jurídica estabelecida a título de bem curar o
interesse de todos".
247
Na espécie dos autos, há de se destacar o caráter comercial do objeto do litígio
submetido à arbitragem. Com efeito, discute-se na petição inicial (fls. 50/115) ação
condenatória com pedido de antecipação de tutela proposta pela ora recorrida
acerca do cumprimento de contrato de compra e venda de energia elétrica. Desse
modo, estando o objeto do contrato de serviço público prestado pela entidade estatal
estritamente vinculado à atividade econômica desenvolvida pela empresa estatal no
caso, venda de energia elétrica , inexiste óbice a que seja pactuada a respectiva
cláusula compromissória na hipótese de descumprimento da avença.
Note-se que, em se tratando a energia elétrica de commodity de
tamanha importância para o País, sobretudo a partir da desregulamentação do setor
promovida a partir dos anos 90, cumpre assegurar às empresas que se dedicam a
sua comercialização e o seu fornecimento, sejam elas privadas ou estatais,
mecanismos ágeis, seguros e eficientes na gestão desses negócios, que possam,
efetivamente, contribuir para o aprimoramento desses serviços, com reflexos
positivos para o consumidor. Nesse contexto, não resta dúvida de que, sob o ponto
de vista jurídico, a cláusula compromissória constitui um desses mecanismos.
Por outro lado, a alegação de que foram contrariados os preceitos inscritos
nos arts.806, I, e 808 do CPC e o alegado dissenso pretoriano não têm o condão de
ensejar o provimento do apelo na parte em que é requerida a extinção do processo
cautelar.
Com efeito, entendo, na mesma linha da orientação advinda da Segunda
Seção desta Corte, que a intempestividade no ajuizamento da ação principal não
ocasiona a extinção do processo cautelar, mas sim a perda da eficácia da liminar
concedida. Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente:
"Processual civil. Medida cautelar. Liminar. Efeitos. Perda. Ação principal. Não
ajuizamento no prazo. C.P.C., art. 806. I - Interpretando o artigo 806 do CPC, a Eg.
Segunda Seção do STJ firmou orientação no sentido de que o prazo de trinta dias
para o ajuizamento da ação principal é contado a partir da data da efetivação da
medida liminar e não da sua ciência ao requerente da cautelar.
248
II - A extemporaneidade no ajuizamento da ação principal não acarreta a extinção do
processo cautelar, mas sim a perda da eficácia da liminar concedida.
III - Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (Segunda Seção, REsp n.
327.380/RS, relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 4/5/2005.)
Não obstante, é certo que extinção do processo principal sem julgamento de mérito
conduz, consequentemente, à perda do objeto da medida cautelar a ele vinculada,
motivo pelo qual há de ser extinta a ação cautelar.
Diante dessas considerações, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento para, com fundamento no art. 267, VII, do CPC, extinguir o processo sem exame de
mérito, julgando também extinta a medida cautelar em razão da perda de seu
objeto.
É como voto.
249
ANEXO – DOUTRINA
ANEXO 1
“No Brasil, onde a arbitragem, até o advento da Lei de 1996, não foi bem
aproveitada, poucos órgãos arbitrais floresceram. Três, porém, destacaram-se numa
época em que pouco se falava em arbitragem: Comissão de Arbitragem da Câmara
de Comércio Brasil-Canadá (hoje denominado Centro de Arbitragem da Câmara de
Comércio Brasil-Canadá), Comissão de Arbitragem da Câmara Internacional de
Comércio do Brasil e Centro Brasileiro de Arbitragem.
Em 1979, em São Paulo, foi criada a primeira comissão de arbitragem tipicamente
brasileira - como afirmou Guido Fernando Silva Soares - instalada junto à Câmara
de Comércio Brasil-Canadá, aberta a todos os interessados na solução de litígios
comerciais ou não, nacionais ou internacionais, independentemente de qualquer
vinculação ao Canadá ou seus nacionais.
O Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá é constituído por um
órgão diretivo (do qual fazem parte o presidente, o vice-presidente e o secretário-
geral) e por um corpo de árbitros, composto por profissionais de ilibada reputação e
reconhecida capacitação técnica, dentre os quais poderão ser indicados os árbitros
que atuarão no caso concreto (pelas regras da entidade, o presidente do painel será
em princípio indicado entre os membros do corpo de árbitro; os demais árbitros
podem ser indicados livremente, devendo ser aprovados pelo Centro).
O regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá foi
adaptado à Lei de Arbitragem, e está em vigor desde 15.7.98. Em apertada síntese,
a parte interessada em instituir o juízo arbitral deverá notificar o Centro de sua
intenção, indicando o objeto do litígio, valor e qualificação completa da parte
contrária, anexando desde logo o contrato que contenha a cláusula arbitral. O
Centro, assim provocado, enviará ao demandado cópia da notificação, juntamente
com a relação dos nomes que integram a lista de árbitros, para que, em quinze dias,
manifeste o demandado sua concordância com a instauração do juízo arbitral,
indicando, neste caso, o árbitro que integrará o painel e seu eventual substituto. Os
árbitros indicados pelas partes escolherão o terceiro árbitro (que presidirá o painel)
250
dentre os membros integrantes do corpo de árbitros. Aprovados os árbitros pelo
presidente do Centro, firmarão termo de independência, dando-se por instituída a
arbitragem. Ato contínuo, será celebrado o termo de arbitragem, em conjunto com as
partes (art. 19, parágrafo único da Lei de Arbitragem), iniciando-se o procedimento
arbitral propriamente dito, com a realização de audiência preliminar, apresentação
de alegações escritas, audiência de instrução (se for necessário) e decisão. O
procedimento apontado no regulamento é suficientemente flexível para permitir
adaptações e dilações, na medida da necessidade das partes e do caso concreto.
Importa deixar claro que o regulamento - e isto vale, de modo geral, para as
câmaras arbitrais - pode ser (rectius, deve ser!) adaptado às necessidades do caso
tratado pelos árbitros. E evidente que não podem os árbitros - sem a concordância
das partes (e vice e versa, as partes, sem o acordo dos árbitros) - fazer qualquer
alteração no procedimento regulado (a cujas regras aderiram previamente as
partes); mas a prática indica que no termo de arbitragem é bastante frequente serem
feitas algumas adaptações, mormente no que diz respeito aos prazos, à ordem na
produção das provas e à possibilidade de proferirem os árbitros sentenças parciais.
O órgão arbitral em questão já administrou, desde sua fundação até junho de 2008,
mais de uma centena de causas. Dados estatísticos colhidos em novembro de 2007
revelam que o prazo médio de duração dos processos é de 14 (quatorze) meses e
que, no tocante a valores, o menor caso administrado pela entidade envolvia cifra
equivalente a R$ 170.000,00 e o maior lidava com a quantia de R$ 120.000.000,00.
A Comissão de Arbitragem da Câmara Internacional de Comércio do Brasil (antiga
Câmara de Comércio de Minas Gerais) foi fundada em outubro de 1985 e instalada
em setembro de 1988, tendo sede em Belo Horizonte, MG.
Seu regulamento disciplina tanto a conciliação como a arbitragem, estabelecendo
procedimento simples, ainda não adaptado à nova Lei. O corpo de árbitros é
composto por eminentes advogados de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro,
além de renomados auditores e engenheiros especializados. A Câmara Internacional
de Comércio do Brasil é filiada à Câmara de Comércio Internacional de Paris,
mantendo estreito relacionamento com seu Comité Nacional.
Ao que se sabe - já que é precária a divulgação de dados estatísticos a respeito - a
Comissão de Arbitragem mineira teve a oportunidade de funcionar em vários casos
submetidos previamente ao Poder Judiciário (foram celebrados, portanto
251
compromissos arbitrais judiciais), sendo o laudo proferido, em média, no prazo de
cinco meses; em outras oportunidades, foram submetidas à Comissão questões
ligadas à interpretação de cláusulas contratuais e à escolha de índices de
atualização monetária.
No Estado de Minas Gerais funcionam hoje pelo menos duas pujantes entidades
arbitrais. A primeira delas é a Câmara de Arbitragem Empresarial - Brasil
(CAMARB), fundada em 2000, em Belo Horizonte, sob a denominação de Câmara
de Arbitragem de Minas Gerais. A Câmara é apoiada por diversas entidades locais
de peso, como a Associação Comercial de Minas, os Conselhos Regionais de
Economia (CORECON) e de Contabilidade (CRC) do Estado e o Sindicato da
Indústria da Construção Civil, entre outros. A segunda entidade é a Câmara Mineira
de Mediação e Arbitragem (CAMINAS), mantida pela Federação das Associações
Comerciais, Industriais, Agropecuárias e de Serviços do Estado de Minas Gerais
(FEDERAMINAS). A Câmara foi criada em 2002 e tem sede em Belo Horizonte.
O Centro Brasileiro de Arbitragem foi fundado em 1967 sob os auspícios da
Associação Comercial do Rio de Janeiro, instalando-se em 1975 sua seção de São
Paulo. Trata-se de sociedade civil sem fins lucrativos e que funciona como a seção
nacional da Conferência Interamericana de Arbitragem Comercial (cuja finalidade é a
de estabelecer e manter um sistema interamericano de conciliação e arbitragem
para solução de controvérsias comerciais, nos termos da Resolução XLI da Sétima
Conferência Internacional dos Estados Americanos). Não se têm notícias de
atividades institucionais recentes do órgão em questão.
(...)
No plano internacional, pelo menos dois órgãos arbitrais destacaram-se: o tribunal
arbitral da Câmara de Comércio Internacional (CCI) e a Associação Americana de
Arbitragem (Triple A).
A Coite Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, nome
oficial - desde 14.6.89 - do órgão arbitral ligado à Câmara de Comércio
Internacional, foi criada em Paris, França, em 1923, com o objetivo de solucionar
disputas comerciais de caráter internacional. A Corte Arbitral já lidou, nestes 85 anos
de existência, com cerca de 15.000 casos, em praticamente todas as esferas de
atividades comerciais e financeiras, envolvendo litigantes de diversos países, sejam
eles Estados, autarquias, empresas públicas, sociedades privadas ou pessoas
252
físicas. A Corte não tem ligações especiais com qualquer país ou governo,
inobstante manter sua sede em Paris, sendo certo que mais de 60 (sessenta) países
mantêm comitês nacionais. Em consequência, os árbitros podem ser de qualquer
nacionalidade; o processo arbitral pode desenvolver-se em qualquer lugar do mundo
(a tendência é escolher um local neutro para a realização da arbitragem, levando-se
em conta a lei nacional e os tratados que facilitem o cumprimento do laudo); e as
partes podem escolher a língua que pretendem utilizar (as mais empregadas são o
inglês, o francês e o alemão). O procedimento para a instauração do juízo arbitral é
simples: a parte interessada em dar início à arbitragem envia solicitação neste
sentido à Secretaria da Corte, que remete cópia do pedido ao demandado, para que
se manifeste sobre a composição do tribunal (um ou três árbitros); se as partes não
chegam a um acordo sobre os árbitros ou se alguma das partes não indica árbitro,
cabe ao órgão arbitral institucional decidir a respeito, constituindo então o tribunal,
que proferirá decisão. A Corte ressalta, na maior parte de suas publicações
institucionais, que, entre outras funções, é responsável pela designação de árbitros,
pela confirmação - dependendo da hipótese - de árbitros nomeados pelas partes,
pela decisão a respeito da suspeição ou impedimento dos árbitros, pela fixação da
remuneração dos árbitros e pelo exame detalhado - e final aprovação - do laudo
arbitral. Esta última atividade, qual seja, a de rever formalmente o laudo antes de
sua publicação, parece-me essencial e poderá vir a ser adotada, no futuro, por
órgãos arbitrais institucionais nacionais. De fato, a Corte, ao divulgar suas
atividades, aponta, como um dos mais importantes elementos da supervisão e
administração que leva a efeito, o exame minucioso de cada minuta de laudo arbitral
antes de tornar-se ele definitivo, de forma que a Corte pode aconselhar o tribunal
arbitral acerca de mudanças na forma do laudo necessárias para assegurar sua
validade e chamar a atenção dos julgadores para pontos relevantes que poderiam
enfraquecer a validade ou execução do laudo. O tribunal arbitral, evidentemente,
detém total responsabilidade e liberdade para decidir quanto ao mérito. Convém
notar que o crescimento das atividades da CCI (inclusive no que se refere a
processos arbitrais envolvendo partes brasileiras) revela que a entidade mostra
alguma dificuldade em fazer com rapidez o exame formal dos laudos (escrutínio), o
que importa, naturalmente, em maior duração do processo arbitral.
253
A American Arbitration Association (Triple A) é uma organização independente,
privada, sem fins lucrativos, que oferece serviços e facilidades para a arbitragem.
Trata-se de entidade que mantém um quadro de árbitros - de que se podem valer os
litigantes para escolher os julgadores que pretendem nomear para integrar o painel
arbitral - e pode fornecer pessoal qualificado para o suporte administrativo da
arbitragem. Para além deste suporte material, a Triple A propõe ainda um conjunto
consistente de regras (regulamento) para o procedimento arbitral. Segundo resume
seu próprio estatuto, os objetivos da associação são estudar, pesquisar, promover,
instaurar e administrar procedimentos para a solução de disputas através do uso da
arbitragem, da conciliação e da mediação, entre outros mecanismos.
Nas arbitragens comerciais, a principal função da Triple A é indicar o árbitro único ou
o terceiro árbitro (também designado árbitro desempatador ou árbitro neutro - em
oposição ao árbitro indicado pelas partes) e organizar o procedimento arbitral
administrativamente do início ao fim. As novas regras de arbitragem internacional do
órgão são bastante flexíveis e privilegiam a vontade das partes.
Assim, podem adotar os contratantes o procedimento que quiserem para indicar
árbitros, sendo viável nomearem desde logo árbitros de sua confiança, antes ou
depois de surgido o litígio. A flexibilidade das regras da Triple A permite que as
partes optem por árbitro único, ou por um tribunal composto de três ou mais
julgadores, deleguem à entidade a indicação dos árbitros ou determinem que cada
um aponte o seu e o terceiro seja indicado por estes (ou pela Triple A, se não houver
consenso), estabeleçam que a American Arbitration Association submeta a eles uma
lista de árbitros, com a possibilidade de cada parte rejeitar os nomes que julgar
inaceitáveis, entre tantos outros métodos.” Carlos Alberto Carmona – Arbitragem e
Processo um comentário à Lei nº 9.307/96 – 3ª edição – Editora Atlas – São Paulo –
2009 – págs. 127/135
254
ANEXO 2
“Bem a propósito do assunto, CARLOS ALBERTO CARMONA, referindo-se a
Mauro Rubino, observa que: "(...) o verdadeiro motivo pelo qual não se pode aceitar
a nomeação de uma pessoa jurídica como árbitro repousa no fato de exercer este
uma verdadeira função jurisdicional, personalíssima portanto: o julgamento é uma
atividade que só pode ser exercida por uma pessoa física." Postas essas
considerações, temos que a prescrição pode e deve ser arguida na arbitragem,
porquanto evidente o exercício da jurisdição pelo árbitro. Aliás, vale asseverar que o
próprio CARMONA trilha a linha de raciocínio no sentido de ser possível a arguição
da prescrição em sede arbitral, quando afirma: "(...) Conhecidos os "embargos",
pode seu provimento acarretar modificação do laudo. Basta pensar na hipótese de
uma preliminar de mérito não decidida (prescrição, por exemplo), cujo acolhimento
importaria na inversão do julgamento.(...)". Prescrição e Decadência – Estudos em
homenagem ao Professor Agnelo Amorim Filho – Organizadores Daniel Gomes de
Miranda, Leonardo Carneiro da Cunha e Roberto Paulino de Albuquerque Júnior –
Editora JusPodivum – Bahia – 2013 – págs. 170/171
255
ANEXO 3
The importance of commercial Law in a globalized economy
Importância do direito comercial na economia globalizada.
ARMANDO LUIZ ROVAI
An economically strong country is settled in industries, commerce, services and
mainly, in technology, and these activities just flourish on a firm institutional ground.
Um país economicamente forte está assentado em indústrias, comércio, serviços e,
principalmente, em tecnologia, e essas atividades só florescem em terreno
institucional firme.
This means that the business community, in general terms, need legal security,
stability and a clear path to invest on.
Isso quer dizer que o empresariado, de maneira geral, precisa de segurança
jurídica, de estabilidade e de norte claro para investir.
Predictability is a progress factor and it must qualify the environment of the
investment achievement, as the eventual dispute solutions that it may give rise.
Previsibilidade é fator de progresso e deve qualificar tanto o ambiente da realização
do investimento quanto o de solução de eventuais disputas que ele venha a ensejar.
On this flow, it is not an exageration to consider that the lack of legal security is the
main complicating factor of negotiating activity, notedly in the scope of business law.
256
Nesta toada, não é exagero considerar que a falta de segurança jurídica é o principal
complicador da atividade negocial, notadamente na esfera do direito empresarial.
Unfortunately, countries as Brazil, still carry an excess of bureucratic barriers,
provoked by the legislation, that accounts for an increasing scale of a series of
doubts, which hovers on a diversity of multiple and successive court decisions, its
repercussions and consequences.
Infelizmente, países como o Brasil, ainda carregam um excesso de entraves
burocráticos, provocados pela legislação que contabiliza em escala crescente uma
série de dúvidas que pairam sobre a diversidade das múltiplas e sucessivas
decisões judiciais, suas repercussões e consequências
Specifically, at Brazilian courts, due to legislative duality and mainly to its
anachronism, it is common pronouncing different decisions and many times
conflicting ones, even on colliding situations, against social and economic yearnings.
Especificamente, nos tribunais brasileiros, em razão da dualidade legislativa e
principalmente de seu anacronismo, é comum proferir decisões diferentes e muitas
vezes conflitantes, mesmo em situações colidentes, na contramão dos anseios
sociais e econômicos.
Thus, it defines, the most overpowering and cruel symptoms of the nefarious " Brazil
cost" - expression that synthesizes the various difficulties of the business community.
Define-se, destarte, o mais avassalador e cruel dos sintomas do nefasto "custo
Brasil" - expressão que sintetiza as várias dificuldades do empresariado
As a reflection exercise, nothing more natural than questioning and identifying the
reasons that lead to this state of insecurity to contracts, businesses and relations
257
between companies and entrepreneurs, to the loss of economy development and
attraction of investments.
Como exercício de reflexão, nada mais natural que perquerir e identificar os motivos
que levam a este estado de insegurança aos contratos, negócios e relações entre
empresas e empresários, em prejuízo ao desenvolvimento da economia e à atração
de investimentos.
The present corporate law in Brazil is lamentably confusing.
No Brasil, o atual ordenamento jurídico empresarial é lamentavelmente confuso.
On this table, it is necessary to the development of the national economy and for
attracting investments, that the business law be object of reform, in the sense of
elaborating a new Code of Business Activity,
Diante deste quadro, é necessário ao desenvolvimento da economia nacional e à
atração de investimentos, que a legislação de direito empresarial seja objeto de
reforma, no sentido da elaboração de um novo Código da Atividade Negocial,
which, replacing and systematizing the dispositions about this matter, nowadays
scattered, enhance the law security of relationships between entrepreneurs.
que, substituindo e sistematizando as disposições hoje dispersas sobre a matéria,
amplie a segurança jurídica das relações entre os empresários
To have an idea of the problem, according to the newspaper "Jornal Valor
Econômico", in an article published in 04/02/2014 “ – (four February two thousand fourteen) Brazilian companies are in 83% (eighty-three percent) of lawsuits that are
moved in the country and spend a lot to defend,
258
Para se ter uma ideia do problema, segundo o Jornal Valor Econômico, em matéria
publicada em 04/02/2014 “As empresas brasileiras estão presentes em 83% das
ações judiciais que tramitam no país e gastam muito para se defender,
enter or maintain processes running in the Judiciary.
entrar ou manter processos no Judiciário.
The implication of their finances reaches almost 2% (two percent) of a year turnover.
Percentage that, in 2012 (two thousand twelve), represented R$110 billion...(One
hundred and ten billion Reais)
O comprometimento de suas finanças chega a quase 2% do que faturam em um
ano. Percentual que, em 2012, representou R$ 110,96 bilhões…”.
These data, inedit, are in the study " Cost of companies to litigate in court" which
searches, as the name suggests, qualifying and quantifying and how much Brazilian
companies annually spend on matters taken to the Judiciary.
Os dados, inéditos, estão no estudo “Custo das empresas para litigar judicialmente”
que busca, como o nome indica, qualificar e quantificar e o quanto as companhias
brasileiras despendem anualmente em questões levadas ao Judiciário
This survey was developed by the analysis of lawsuits, according to report - (CNJ) -
"Justice in Figures of The National Justice Council.”
O levantamento foi desenvolvido a partir da análise de processos judiciais, conforme
relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Yet, according to the same matter, " In 2012 (two thousand twelve), according to the
survey, there were 74, 38 million (seventy four billion and thirty eight million) of
259
lawsuits in court in which companies took part of - as plaintiffs or defendants. The big
corporations were present in 53.4% (fifty three point four percent) in there and the
cost of having them running these processes, corresponded to 1.67% (one point sixty
seven percent) of their turnover.
Ainda, segundo a mesma matéria, “Em 2012, conforme a pesquisa, existiam 74, 38
milhões de ações na Justiça das quais as empresas faziam parte – como autoras ou
rés. As grandes companhias estavam presentes em 53,4% delas e o gasto de
manutenção desses processos correspondeu a 1,67% do faturamento.
The average number of suits per companies of this size was 186 (one hundred eighty
six). While midsized ones responded for 23.8% (twenty three point eight percent) of
suits and compromised 1.89% (one point eighty nine percent) of their turnovers,
while small sized companies took part in 22.80%( twenty two point eighty percent) of
the suits and spent the equivalent of 1.43% (one point forty three percent) of their
gains in 2012 (two thousand twelve).
O número médio de ações por empresas desse porte foi de 186. Já as médias
responderam por 23,8% dos processos e comprometeram 1,89% de seu
faturamento e as pequenas participaram de 22,80% das ações e gastaram o
equivalente a 1,43% do que ganharam em 2012.
The costs (judicial and extrajudicial) represented R$ 23 (twenty three billion Reais).
Yet costs with lawyers reached almost R$ 17 (seventeen billion Reais). Expertise (R$
2.1 bi Two point one billion Reais) , travels and lodgings (R$ 529 million - five
hundred twenty nine million), values spent on staff also got into this account.
As custas [judiciais e extrajudiciais] representaram R$ 23 bilhões. Já os gastos com
advogados chegou a quase R$ 17 bilhões. Perícias (R$ 2,1 bi), viagens e
hospedagens (R$ 529 milhões), valores usados com pessoal e sistemas de controle
(R$ 2 bilhões) também entraram nessa conta.
260
The biggest amount, though, was paid by companies condemned in ended lawsuits
in 2012 (two thousand twelve). The bill with fines, legal charges and indemnities
(such as moral damages), corresponded to R$ 65 (sixty five billion) in that year,“
O maior montante, porém, foi pago pelas empresas condenadas em processos
finalizados em 2012. A conta com multas, encargos legais e indenizações (como
danos morais) correspondeu a R$ 65 bilhões naquele ano.
For worsening this table, in the whole country, the number of new cases destined to
courts represent a growing percentage of the total suits that get into courts.
Para piorar este quadro, em todo o país, o número de casos novos destinados aos
juizados representa um percentual cada vez mais alto do total de processos que
entram nos tribunais.
The disproportion between the load of new processes and the number of magistrates
repeat in almost all Brazil.
A desproporção entre a carga de processos novos e o número de magistrados se
repete em quase todo o Brasil.
It means: the discrepancy between new cases and the quantity of public servants is
even bigger.
Quer dizer: a discrepância entre os casos novos e a quantidade de servidores é
ainda maior.
This way, for solving this structural problem of Brazilian judiciary, a possible way out
would be, for instance, the search of an alternative conflict solution, as the arbitration,
261
Deste modo, para sanar este problema estrutural do judiciário brasileiro, uma
possível saída seria, por exemplo, a busca de uma solução alternativa de conflito,
como a arbitragem
that, has usually shown itself as an efficient via to the slow and costly legal
proceeding.
que, via de regra tem se mostrado como uma eficiente via ao lento e custoso
processo judicial.
The "Consultor Jurídico", magazine specialized in Law, wrote in 10 April, 2014 (ten
April two thousand fourteen) that " the number of arbitrations started in the biggest
Brazilian chambers, raised 47% (forty seven percent) between 2010 (two thousand
ten) and 2013 (two thousand thirteen), being the majority about business matters.
Tadeu Rover, jornalista do Consultor Jurídico, revista especializada em direito, em
10 de abril de 2014, escreveu que “o número de arbitragens iniciadas nas maiores
câmaras brasileiras cresceu 47% entre 2010 e 2013, sendo a maioria sobre
questões societárias.
Cases raised from128 (hundred twenty eight) to 188 (hundred eighty eight) in four
years. Altogether, 603 (six hundred and three) procedures were started, involving
almost R$ 16 billion (sixteen billion Reais). An average of 150 (one hundred fifty) new
cases per year. This data are from Selma Lemes, lawyer, who has made the data
collection Research Analysis of arbitration figures.
Os casos aumentaram de 128 para 188 em quatro anos. Ao todo, foram iniciados
603 procedimentos, envolvendo quase R$ 16 bilhões. Uma média de 150 casos
novos por ano. Os dados são da advogada Selma Lemes, que há nove anos faz o
levantamento Análise da Pesquisa Arbitragem em Números.
262
The study shows that the arbitration acceptability in Brazil has been increasing”.
Companies have been noticing that in many cases, it is preferable solving the matter
through arbitration, than providing in its financial statements, contractual values
which will take years either decades for being solved in the Judiciary.
“O estudo mostra que é cada vez maior a aceitabilidade da arbitragem no Brasil”,
explica a autora. Segundo ela, as empresas estão percebendo que em muitos casos
é preferível solucionar a questão por arbitragem, do que provisionar em suas
demonstrações financeiras valores contratuais que levarão anos ou décadas para
serem solucionados no Judiciário. Outro benefício apontado pela advogada é a
possibilidade de novos negócios entre as partes.
“Por ser um método de solução de conflitos consensual, a arbitragem permite que as
empresas façam novos negócios. Enquanto no Judiciário, devido ao desgaste maior,
as partes saem quase como inimigas”, afirma.
Another benefit is the possibility of new businesses between parts. " To be a solution
of consensual conflict method, the arbitration permits companies making new
businesses. While on the judiciary, due to its increased wear, parts turn to be as
enemies.
Xx
In this study it is gathered for the first time data from the biggest Brazilian chambers :
Arbitration Centre of Amcham-Brazil; Arbitration Centre of Commerce, Chamber
Brazil-Canada (CCBC); São Paulo´s Chamber of mediation, conciliation and
arbitration (CIESP/FIESP); Arbitration marketplace chamber (CAM); Arbitration
Chamber of Fundação Getúlio Vargas (CAM/FGV); and Chamber of Business
Arbitration-Brazil (Camarb).
Nesse estudo, a advogada reuniu pela primeira vez dados das seis maiores câmaras
brasileiras: Centro de Arbitragem da Amcham–Brasil; Centro de Arbitragem da
263
Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC); Câmara de Mediação, Conciliação e
Arbitragem de São Paulo (Ciesp/Fiesp); Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM);
Câmara de Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas (CAM/FGV); e Câmara de
Arbitragem Empresarial- Brasil (Camarb).
The two Chambers with more arbitrations are in São Paulo : The CCBC and
Ciesp/Fiesp. Both ones, concentrate 69% (sixty nine percent) of initiated procedures.
The values involved in these Chambers (10 billion) show that, for them, are analyzed
more complex and higher value contracts.
As duas câmaras com mais arbitragens ficam em São Paulo: A CCBC e a
Ciesp/Fiesp. Juntas, concentram 69% dos procedimentos iniciados. De acordo com
Selma, os valores envolvidos nessas câmaras (R$ 10 bilhões) demonstram que, por
elas, são analisados contratos mais complexos e de valores elevados. Entretanto,
ela observa que todas câmaras analisadas possuem estrutura para esse tipo de
litígio.
However all chambers analyzed have gotten structure for this type of litigation.
Xx
Despite the growth of processes, it does not represent the universe of Brazilian
cases. This is because there are other national chambers, which were not
researched, and the fact that many cases are taken directly to the International
arbitration Court of International Chamber of Commerce.
Apesar do crescimento de processos, o levantamento não representa o universo de
casos brasileiros. Isso porque há outras câmaras nacionais que não foram
pesquisadas e o fato de que muitos casos são levados diretamente à Corte
Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional.
264
Xx
" Brazil is the fourth country with the highest number of arbitrations at CCI, ahead of
The United States, Germany and France”, and it is based on 2012 (two thousand
twelve) data. In that year, the number of cases involving Brazilian parts at CCI,
represent almost 52% (fifty two percent) of the total figure of arbitrations initiated at
the six chambers researched.
“O Brasil é o 4º país com maior número de arbitragens na CCI, à frente dos Estados
Unidos, Alemanha e França”, explica a advogada, com base em dados 2012. Nesse
ano, o número de casos envolvendo partes brasileiras na CCI (82) representa quase
52% do número total de arbitragens iniciadas nas seis câmaras pesquisadas (158)."
The number of cases at CCI is due to the fact that it is an institution almost centenary
in the administration of arbitrations in a global level, with extensive capillary,
experience and adapted to cultural diversity, being able to handle with ease
international disputes in legal systems of civil law and common law, besides
possessing knowledge in generalized regulation and of easy application.
O número de casos na CCI se deve ao fato de ser uma instituição quase centenária
na administração de arbitragens em nível global, com ampla capilaridade,
experiência e adaptada à diversidade cultural, podendo manejar com facilidade
disputas internacionais em sistemas jurídicos do civil law e comom law, além de
possuir regulamento de conhecimento generalizado e de fácil aplicação.
The equity issues represent the biggest volume of arbitrations processed. In these
issues , matters binded to shareholders agreements and other pendencies among
partners, linked to the administration of the partnership.
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As questões societárias representam o maior volume de arbitragens processadas.
Nessas questões abordam-se matérias vinculadas aos acordos de acionistas e
outras pendências entre sócios vinculadas à administração da sociedade.
At Amcham and at CAM, the equity issues represent almost 40% (forty percent) of
cases initiated in 2013 (two thousand thirteen). At Amcham, in 2012 (two thousand
twelve), this subject represented 59% (fifty nine percent) of the new cases.
Na Amcham e na CAM, as questões societárias representam quase 40% dos casos
iniciados em 2013. Na Amcham, em 2012, essa matéria representou 59% dos novos
casos.
The second matter with more conflicts taken to arbitration deals with subjects of
building and energy.
O segundo tema com mais conflitos levados à arbitragem trata de matérias de
construção civil e energia..
By making the matters analysis, it is alluded that cases involving franchising and
intellectual property may increase due to the World Cup.
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To corroborate what now sustains itself, demonstrating that alternative solutions of
conflicts might be a good gimmick for showing that the incidence of legal security in
Brazilian business relationships, one can cite a new published in one of the biggest
Spanish journals (El País, 21/05/2012) (twenty first may two thousand twelve), in
which Brazil is highlighted by negotiating security and an excellent receptor of foreign
capital in Latin America.
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Para corroborar com o que ora se sustenta, demonstrando que soluções alternativas
de conflitos podem ser um bom chamariz para demonstrar incidência de segurança
jurídica nas relações negociais brasileiras, pode-se citar a notícia publicada num dos
maiores periódicos espanhóis (El País, 21/5/2012) onde o Brasil é destaque pela
segurança negocial e um excelente receptor de capital estrangeiro na América
Latina.
Based on it, I shall affirm that arbitration leads to legal security.
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Due to this fact, Brazil exceeded Chile, Colombia and Peru in investments.
Segundo a referida reportagem, o Brasil superou o Chile, Colômbia e Peru em
investimentos.
So it is perceived the extension of the importance of commercial law in a globalized
economy, building up real basis to sediment and marking out concepts of legal
security and progress, having in sight that these are factors that do not go unnoticed
to the international business community eyes.
Percebe-se, assim, o tamanho da importância do direito comercial na economia
globalizada, construindo verdadeiros suportes para sedimentar e abalizar conceitos
de segurança jurídica e progresso, tendo em vista que esses são fatores que não
passam despercebidos aos olhos da comunidade empresarial internacional.
In sum, the globalization is a process characterized by international economy
integration of relevant importance for commercial law, which enables a wider
dialogue between parts.
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Em suma, a globalização é um processo caracterizado pela integração econômica
internacional de relevante importância para o direito comercial, o que possibilita um
maior diálogo para o desenvolvimentos das atividades empresariais.
Nevertheless, considering the importance of commercial law in a globalized
economy, from the reforms as the end of monopolies, price control and commercial
opening, to guarantee the efficiency and to attract businesses,
Mesmo assim, considerando a importância do direito comercial na economia
globalizada, a partir de reformas como fim dos monopólios, controle dos preços e
abertura comercial, para garantir a eficiência e atração de negócios.
It is necessary to have a good judiciary support, as it is the biggest responsible for
the guarantee of rights as property and contracts compliance, so, law security.
É necessário ter o apoio de um bom judiciário, já que ele é o maior responsável pela
garantia de direitos como o de propriedade e o cumprimento de contratos – enfim,
segurança jurídica.
Before, in a more state controlled economy, to ensure rights from private sphere was
not that essential for the economy, but with the decline and structural problems of
this model, we must make that the judiciary follows the economy, ensuring the rights
of companies and investors.
Antes, em uma economia mais estatizada, assegurar direitos da esfera privada não
era tão essencial para a economia, mas com o declínio e problemas estruturais
deste modelo, temos que fazer com que judiciário acompanhe a economia
garantindo os direitos das empresas e investidores.
We cannot rule out that in globalization, even more, there must be a better
connection between the economy and, law, including a reform in the judiciary, which
268
is a primary subject for any nation that wishes to be competitive in a worldwide
scenario.
Não se pode descartar que na globalização cada vez mais, tem de haver uma
melhor conexão entre a economia e o direito, para inclusive uma reforma no
judiciário que é assunto primordial para qualquer nação que queira ser competitiva
no cenário mundial.
It is not enough affirming that for the good working of commercial law, in a globalized
world, it is just needed the organization of conflicts solutions system by arbitration,
Não basta afirmar que para o bom funcionamento do direito comercial, na economia
globalizada, apenas necessita da organização de um sistema de solução de conflitos
por arbitragem,
because, without an active judiciary, mainly in economic sphere, one cannot
guarantee law and justice for all. It is needed, so, defining criteria that enable the
evaluation of the judiciary quality.
pois, sem um judiciário atuante, principalmente na esfera econômica, não se garante
direito e justiça para todos. É preciso enfim definir critérios que possibilitem a
avaliação da qualidade do judiciário.
In this sense, the World Bank adopts a view that three elements should characterize
a good judiciary: independence (able to make decisions without the interference of
the other powers),
Neste sentido, o Banco Mundial adota a visão de que três elementos devem
caracterizar um bom Judiciário: independência (capaz de tomar decisões sem a
interferência dos outros Poderes),
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strength (coercion power and police for making its decisions enforced) and
managerial efficiency (resources and structure to avoid slowness).
força (poder de coerção e de polícia para fazer valer as suas decisões) e eficiência
gerencial (recursos e estrutura para evitar a morosidade).
An efficient judiciary contributes in many diverse ways for the economic growth.
Protecting the property and the contractual rights and providing a safe environment
for development and progress.
Um judiciário eficiente contribui das mais diversas maneiras para o crescimento
econômico. Protegendo a propriedade e os direitos contratuais e fornecendo um
ambiente seguro para o desenvolvimento e o progresso.
Values that guide the law are essential to grant law security, making the process
faster, considering the cost of a slow law, which is paid by all society.
Valores que norteiam o direito são essenciais para conceder segurança jurídica,
tornando o processo mais célere, considerando o custo do direito moroso que é
pago por toda a sociedade.
The importance and valuation of commercial law in a globalized economy is mainly in
the implementation an in the incentive of the business activity, in the attraction of
investments in an environment of total legal security.
A importância e valoração do direito comercial na economia globalizada está
principalmente no implemento e no incentivo da atividade negocial, na atração de
investimentos num ambiente de total segurança jurídica.