Upload
ledan
View
223
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
6
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Letras
Linguística e Língua Portuguesa
Herbertz Ferreira
DIVINDADES DISCURSIVAS NEOPENTECOSTAIS:
estratégias argumentativas no discurso religioso
BELO HORIZONTE
2013
7
Herbertz Ferreira
DIVINDADES DISCURSIVAS NEOPENTECOSTAIS:
estratégias argumentativas no discurso religioso
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de
Doutor em Linguística e Língua Portuguesa.
Orientador: Prof. Dr. Hugo Mari
BELO HORIZONTE
2013
8
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Ferreira, Herbertz
F383d Divindades discursivas neopentecostais: estratégias argumentativas no
discurso religioso / Herbertz Ferreira. Belo Horizonte, 2013.
190f.: il.
Orientador: Hugo Mari
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Letras.
1. Pentecostalismo. 2. Análise do discurso. 3. Persuasão (Retórica). 4.
Religião – Linguagem e línguas. I. Mari, Hugo. II. Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras. III. Título
CDU: 261.8
9
Herbertz Ferreira
DIVINDADES DISCURSIVAS NEOPENTECOSTAIS:
estratégias argumentativas no discurso religioso
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de
Doutor em Linguística e Língua Portuguesa.
Prof. Dr. Hugo Mari (Orientador) - PUC Minas
Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar Mendes (UFOP)
Profa. Dr
a. Lílian Aparecida Arão (CEFET-BH)
Prof. Dr. Carlos Roberto Pires Campos (IFES)
Profa. Dr
a. Patrícia Rodrigues Tanuri Baptista (FNH-BH)
Profa. Dr
a. Juliana Alves Assis (PUC Minas)
Prof. Dr. Flávio Augusto Senra Ribeiro (PUC Minas)
Belo Horizonte, 26 de abril de 2013
10
Às pessoas motivadas em investigar os labirintos da linguagem no
terreno da fé e do sobrenatural, onde o significado mítico das palavras
se converte em fonte de esperança em uma vida melhor.
11
A palavra é o princípio de qualquer obra, e antes de agir é preciso
refletir. A raiz dos pensamentos é a mente, e ela produz quatro
ramos: bem e mal, vida e morte. Mas os quatro são dominados pela
língua (Eclesiástico 37:16-18)
12
Agradeço a todos aqueles que contribuíram para a viabilização dessa
pesquisa no formato de tese defensável, especialmente ao meu
orientador Hugo Mari, sempre com olhar arguto em cada linha e
entrelinha do texto-base em todos os capítulos, sobretudo, o da análise
dos atos de fala. Agradeço aos comentários dos professores presentes
na Sessão de Qualificação, Juliana Alves Assis e Flávio Augusto
Senra Ribeiro. Sem dúvida, o texto final tem um pouco de vocês. O
meu obrigado também aos professores que, apesar de um contato
menor durante o curso, plantaram boas sementes com reflexos nesse
trabalho. São eles: Paulo Henrique A. Mendes, Jane Quintiliano G.
Silva e Milton do Nascimento. O meu muito obrigado especial à
minha mãe, Francisca Barbosa Mendes, pelo apoio incondicional.
Finalmente, agradeço as vozes neopentecostais, sem as quais esse
trabalho não existiria.
13
RESUMO
Esse trabalho tem por objetivo investigar estratégias argumentativas na produção do discurso
religioso neopentecostal. Para isso, aponta para um conjunto específico de expressões
referenciais, itens lexicais e práticas discursivas recorrentes na maioria das pregações
neopentecostais. Seus dados mostram a existência de um conjunto lexical mais predisposto a
aparecer, de acordo com sete Fases Argumentativas identificadas nesse estudo que
caracterizam o arcabouço argumentativo neopentecostal. Observadas em conjunto, as práticas
neopentecostais colaboram para formar sua identidade linguística religiosa. Assim, um
conjunto de termos ou expressões religiosas de maior recorrência denuncia uma estrutura
composicional própria desse grupamento religioso. O principal corpus tomado para análise
contém aproximadamente duzentas horas de gravações da oralidade de líderes
neopentecostais em pregações. A partir dessa coleção de discursos religiosos, foi possível
identificar os principais objetos discursivos que dão sustentação ao neopentecostalismo e
compreender como os enunciados religiosos se relacionam intralinguisticamente para adquirir
força persuasiva. Além desse corpus oral, utilizo também imagens que mostram a propaganda
religiosa como mais um elemento na estratégia argumentativa neopentecostal com fins
proselitistas. Assim, a partir dos discursos orais de líderes neopentecostais em pregações, de
imagens de objetos religiosos distribuídos nas igrejas e da propaganda religiosa apresento: (i)
três referentes discursivos que fundamentam, dão identidade e sustentação aos demais
discursos neopentecostais e (ii) sete Fases Argumentativas da pregação neopentecostal que se
constituem nas estratégias discursivas de sua expressão religiosa com vistas à persuasão.
Palavras-chave: Neopentecostalismo. Referenciação. Argumentação. Persuasão. Discurso
religioso.
14
ABSTRACT
This paper aims at instigating argumentative strategies in the production of
newpentecostalism religious discourse. For this, points to a specific set of referring
expressions, lexical items and discursive practices in most repetitive newpentecostalism
preaching. The data obtained demonstrated the existence of a set lexical likely to appear, in
according with seven phases identified in this study to characterize the framework
argumentative newpentecostalism. Observed together, the newpentecostals practices
collaborate to form their religious linguistic identity. Thus, a set of terms or expressions of
religious higher recurrence betrays a compositional structure that own of a religious grouping.
The main corpus for analysis contains more than two hundred hours of recordings of oral
newpentecotal leaders in preaching. From this collection of religious discourses were
identified regarding the main language that support the newpentecostalism and understand
how these statements relate religious intralinguistic to acquire persuasive power. In this
corpus oral use also images showing religious propaganda as one more elements in the
argumentative strategy newpentecostal proselytizing purposes. So, I show from the oral
discouses of newpentecostal leaders in preaching, religious images of objects distributed in
churches, religious propaganda offer: (i) four referring linguistic that, identity and give
support to others newpentecostal discourse, and (ii) seven stages of argumentative
newpentecostal preaching that constitute the discursive practices of their religious expression
with a view to persuasion.
Keywords: Newpentecostalism. Referencing. Argumentation. Persuasion. Religious
discourse.
15
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Atos de fala e correlação com fragmentos neopentecostais.................................. 59
Quadro 02 Relação causa-efeito para as Fases Argumentativas nos DNP....................... 64
Quadro 03 Promessas – valor sacerdotal das pregações................................................. 70
Quadro 04 Associação discursiva - apoio recíproco entre pastor/fiel.............................. 72
Quadro 05 Inferência sacerdotal do neopentecostalismo................................................. 73
Quadro 06 Inferência exorcista do neopentecostalismo.................................................. 83
Quadro 07 Oração exorcista no DNP................................................................................. 90
Quadro 08 Inferência da prosperidade neopentecostal...................................................... 95
Quadro 09 Expressão da fé neopentecostal em busca da prosperidade............................ 104
Quadro 10 Demônio e a causa dos sofrimentos humanos................................................ 111
Quadro 11 Interdiscurso neopentecostal........................................................................... 118
Quadro 12 Depoimentos pós ―milagre‖............................................................................ 120
Quadro 13 Teotemas e interdiscurso neopentecostal........................................................ 124
Quadro 14 Fundamentalismo religioso............................................................................. 127
Quadro 15 Fases Argumentativas dos DNP (Quadro-resumo) ......................................... 133
Quadro 16 Locuções demonstrativas de Autoridade......................................................... 135
Quadro 17 Locuções demonstrativas de Sensibilização................................................... 141
Quadro 18 Locuções demonstrativas de Revelação.......................................................... 145
Quadro 19 Locuções demonstrativas de Promessa........................................................... 150
Quadro 20 Locuções demonstrativas de Desafio............................................................... 156
Quadro 21 Locuções demonstrativas de Intimidação....................................................... 159
Quadro 22 Dialogando com um ―Demônio‖....................................................................... 160
Quadro 23 Locuções demonstrativas de Comprovação................................................... 165
16
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 Cimento da casa própria................................................................................... 23
Figura 02 Relação inter e intradiscursiva neopentecostal................................................ 40
Figura 03 Produtores do discurso neopentecostal............................................................ 55
Figura 04 Cruzada de Milagres........................................................................................ 69
Figura 05 Explosão de Milagres...................................................................................... 69
Figura 06 O profeta Luis Claudio..................................................................................... 81
Figura 07 A Profetisa........................................................................................................ 81
Figura 08 Desencapetamento total com a prece violenta.................................................. 92
Figura 09 Desencapetamento total com banho do alívio.................................................. 92
Figura 10 Reunião exorcista............................................................................................. 92
Figura 11 Sessão do descarrego........................................................................................ 93
Figura 12 Óleo com o elemento do milagre..................................................................... 97
Figura 13 Mãos humanas................................................................................................. 98
Figura 14 Mãos sobrenaturais, como o diabo vê.............................................................. 98
Figura 15 Sabonete contra o atraso de vida...................................................................... 100
Figura 16 Sabonete para libertação e saúde..................................................................... 100
Figura 17 Fórmula da fé................................................................................................... 102
Figura 18 Milagres e avivamento..................................................................................... 103
Figura 19 Reunião da Conquista....................................................................................... 103
Figura 20 Vinho do Casamento........................................................................................ 103
Figura 21 Pórtico da IURD – Sede Mundial................................................................... 138
Figura 22 Venha Receber.................................................................................................. 139
Figura 23 Venha Participar!.............................................................................................. 140
Figura 24 Venha se Libertar.............................................................................................. 140
Figura 25 Jesus te ama...................................................................................................... 140
Figura 26 As quatro revelações......................................................................................... 144
Figura 27 Concentração de fé e milagres.......................................................................... 147
Figura 28 Jesus voltará...................................................................................................... 147
Figura 29 Resgatar o passado e garantir o futuro........................................................... 148
Figura 30 Nenhum mal chegará à tua casa....................................................................... 148
Figura 31 Clamor por justiça!.......................................................................................... 148
17
Figura 32 Disk Oração..................................................................................................... 148
Figura 33 Promessa de proteção divina............................................................................ 149
Figura 34 Escalada do sucesso.......................................................................................... 149
Figura 35 Uma carta para Deus........................................................................................ 155
Figura 36 Desafiar e Vencer!............................................................................................ 155
Figura 37 Cuidado com o lago de fogo e enxofre............................................................. 157
Figura 38 Palavras de maldição........................................................................................ 157
Figura 39 Venha receber a prece violenta........................................................................ 158
Figura 40 Dízimos ou contribuições?............................................................................ 162
Figura 41 Depoimento de um ―ressuscitado‖.................................................................... 164
18
LISTA DE SIGLAS
DNP Discurso Neopentecostal
TAF Teoria dos Atos de Fala
MOC Montes Claros - MG
RJ Rio de Janeiro - RJ
IIGD Igreja Internacional da Graça de Deus
IURD Igreja Universal do Reino de Deus
IMPD Igreja Mundial do Poder de Deus
CESNT Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra
IRC Igreja Renascer em Cristo
MIR Ministério Internacional da Restauração
INM Igreja Nova Maranata
IVN Igreja Vida Nova
COPV Casa de Oração Paz e Vida
IDRP Igreja de Deus Reavivamento Pentecostal
IEGP Igreja Evangélica Geração Profética
TCM Templo de Curas e Milagres
19
SUMÁRIO
Introdução: adentrando no labirinto da enunciação neopentecostal........................... 21
Discursos orais na pregação neopentecostal: coleta e tratamento de dados............... 25
Objeto e problemática da análise discursiva neopentecostal..................................... 30
1. Referentes do discurso neopentecostal: fundamentação teórica......................................
37
1.1 Objetos de referenciação e o esforço de etiquetar a realidade....................................... 43
2. Produtores do discurso neopentecostal: uma parceria persuasiva a serviço da fé......... 51
2.1 Aspectos fundamentais na TAF aplicados à análise dos DNP: breve esclarecimento
conceitual............................................................................................................................. 57
3. Referentes neopentecostais: elementos de uma identidade discursiva religiosa............. 66
3.1 Autoridade Sacerdotal: representantes de Deus e a promessa de milagres................... 68
3.2 Libertação dos ―Demônios‖ em nome de Jesus............................................................. 82
3.3 Prosperidade e desejos satisfeitos, se Deus quiser... e ele quer! ................................... 94
4. Princípios na teoria da argumentação aplicados à análise dos DNP............................ 105
4.1 Pluralidade conceitual sobre argumentação: alguns recortes teóricos.......................... 106
4.2 Teotemas e a sacralização espaço-temporal da enunciação neopentecostal.................. 108
4.3 Deixis e teotemas dos DNP: relações de similaridade e expansão teórica.................... 114
4.4 Dogma e neopentecostalismo fundamentalista: limites da argumentação religiosa
intradiscursiva............................................................................................................... 126
5. Análise das estratégias argumentativas na pregação religiosa: desconstrução de um
script discursivo neopentecostal................................................................................... 130
5.1 FASE DA AUTORIDADE: eu posso te ajudar!........................................................... 134
5.2 FASE DA SENSIBILIZAÇÃO: eu entendo seu sofrimento........................................ 139
5.3 FASE DA REVELAÇÃO: eu sei por que você sofre! ................................................. 144
5.4 FASE DA PROMESSA: a certeza da vitória................................................................ 146
5.5 FASE DO DESAFIO: a revolta contra a miséria!......................................................... 154
5.6 FASE DA INTIMIDAÇÃO: se eu soltar esse Demônio............................................... 157
5.7 FASE DA COMPROVAÇÃO: finalmente, a ―prova do milagre‖................................ 164
20
Diagrama discursivo-relacional dos DNP...........................................................................
167
Considerações Finais........................................................................................................... 170
Referências..........................................................................................................................
..
179
Glossário.............................................................................................................................. 184
Anexo I – Normas adaptadas do projeto NURC................................................................. 187
Anexo II – Anotações in loco.............................................................................................. 188
Anexo III – Sites utilizados................................................................................................. 190
21
Introdução: adentrando no labirinto da enunciação neopentecostal
Os principais postulados abordados nesse estudo nasceram a partir de longos
processos de observação e análise da oralidade religiosa neopentecostal, principalmente pela
escuta de discursos proferidos por seus líderes. O foco dessa análise centra-se no esforço em
identificar falas recorrentes com forte caráter persuasivo que oradores neopentecostais se
articulam em suas práticas religiosas, marcadas principalmente pela pregação – gênero
discursivo por excelência persuasivo.
Para distinguirmos melhor o âmbito de análise dessa investigação é preciso
considerar alguns atores linguísticos utilizados nesse estudo. Assim, nos deteremos ao longo
dos capítulos nas relações estabelecidas dos discursos orais produzidos inicialmente por
líderes neopentecostais com depoimentos de fiéis que aderem aos seus postulados doutrinais.
Durante os últimos 5 (cinco) anos intensifiquei meus interesses na escuta e análise
dos discursos religiosos, que mais tarde vieram a se configurar como objeto de pesquisa,
principalmente discursos originários de líderes religiosos neopentecostais e, por vezes,
depoimentos de seus fiéis através dos quais pude coletar uma diversidade de formas
discursivas ilustrativas da força persuasiva que a enunciação religiosa produz.
Assim, pude perceber, distintamente, que os discursos neopentecostais (DNP)
seguem um padrão de regularidades enunciativas, conforme exposto ao longo desse trabalho.
Essa maneira de discursivisar textos religiosos parece convergir em um consenso entre seus
enunciadores, sobretudo, ao proferir as mais diversas agruras humanas nas quais o poder de
Deus, segundo a prédica neopentecostal, opera sua transformação.
No desenvolvimento desse estudo, escrevo com letra maiúscula a palavra Deus
justamente para ressaltar o caráter sagrado, sobrenatural e soberano atribuído pelas religiões1.
A mesma regra é usada na escrita de Demônio, para designar a entidade que está no topo da
hierarquia demoníaca de uma religião. Considero como sinônimos, sem distinguir hierarquias
do mal, os seguintes termos recorrentes nas pregações neopentecostais, sobretudo durante
rituais de exorcismo: Diabo, Demônio, Demo, Exu, Lúcifer, O devorador, Satanás, Satã, O
encardido, Capeta, O coisa-ruim, O peste-braba, O valente, dentre outros.
Segundo o dicionário filosófico de Abbagnano (1997, p.289), ―são duas qualificações
fundamentais que os filósofos atribuem a Deus: a de Causa e a de Bem‖. Outro conceito
abordado pelo mesmo autor é o de Demônio, que sofreu alteração ao longo dos tempos: de um
1De igual forma recomenda o Manual da Redação: Folha de São Paulo (2006, p. 62), para o qual devemos
―escrever Deus em letra maiúscula para designar o ser transcendente, único e perfeito das religiões monoteístas‖.
22
ser de caráter sagrado ou transcendente para o de divindade inferior, anjo mau –
ressignificado no Cristianismo.
Nessa pesquisa, procurei identificar um modelo argumentativo de uso comum entre
os líderes e fiéis religiosos neopentecostais, cuja intenção oral de suas catequeses centra-se
principalmente em uma mudança de padrões mentais para realização individual e, por
extensão, de seus grupamentos congregacionais. A prédica salvacionista demonstrada na fala
comum dos enunciadores do cristianismo neopentecostalista pode ser entendida como o
motivador linguístico primário que sustenta sua argumentação. A coerência da pregação
religiosa compõe, em seu conjunto, o que podemos entender por sua identidade linguística
com características próprias.
Assim, no desenvolvimento desse estudo exponho um conjunto de itens lexicais e
expressões referenciais articuladas entre si que têm a pretensão de mostrar uma configuração
identitária do discurso neopentecostal. Sem dúvida, esse é um objetivo um tanto ambicioso,
pois a enunciação neopentecostal é quase sempre revestida por elementos semânticos que
ultrapassam a significação objetiva das palavras, mas aproxima-se do domínio subjetivo,
sagrado, religioso, mítico no qual abordo tão-somente os aspectos de seu funcionamento
argumentativo, nos limites que a linguística pode oferecer. Para ilustrar essa ressignificação
interdiscursiva, percebemos, na figura 1, como uma determinada expressão lexical adquire,
nos DNP2, uma ―vestimenta sagrada‖ que sacraliza o próprio discurso religioso àqueles que
creem.
2 Discurso Neopentecostal: abreviado nesse trabalho apenas por DNP representa um tipo específico de formação
discursiva no âmbito religioso cristão, fundado na tríade referencial: sacerdotal, próspera e exorcista. Congrega
centenas de igrejas independentes, mas podemos apontar algumas cujos discursos encontram-se transcritos nessa
tese: Igreja Mundial do Poder de Deus (Valdemiro Santiago), Igreja Universal do Reino de Deus (Edir Macedo),
Igreja Internacional da Graça de Deus (R. R. Soares), Sara Nossa Terra (Robson Rodovalho), Ministério
Internacional da Restauração (Renê Terra Nova), Igreja Nova Maranata (Manuel de Passos), Igreja Renascer em
Cristo (Estevam Hernandes), Igreja Vida Nova, Igreja Evangélica Reavivamento Pentecostal, Igreja Evangélica
Geração Profética, Casa de Oração Paz e Vida, Templo de Curas e Milagres.
23
Figura 1: Cimento da casa própria
Fonte: Elaborado pelo autor
Esse diagrama ilustra a transição semântica dos termos: de ―cimento abençoado‖,
utilizado em uma pregação neopentecostal, para o de ―casa própria‖, na vida dos fiéis. Assim,
no DNP a imagem de um saquinho contendo uma pequena quantidade de cimento ultrapassa
seu conceito objetivo, pois incorpora elementos transcendentes, mágicos, capazes de
materializar a casa própria para aqueles que crerem. Obviamente, com um saquinho de
cimento não se constrói uma casa, mas com o significado mítico que ele carrega ―tudo é
possível‖. A relação estabelecida, portanto, é de causa-efeito, isto é, a ―casa própria‖ é
consequência do uso do ―cimento abençoado‖.
Assim, são distribuídos, em uma igreja, saquinhos de cimento abençoados para que
os crentes consigam adquirir seu imóvel próprio. Ou seja, o cimento foi ressignificado:
cimento abençoado é a passagem para a casa própria. Importante perceber que o mecanismo
argumentativo se apropria do semantismo objetivo da palavra cimento (mistura de pó
fundamental à construção civil) para se estender ao de casa própria. Conforme divulgado, um
pastor distribui esse tipo de cimento aos seus féis: ―Você vai levar o cimento da benção, o
cimento da casa própia. Está aqui o cimento gente! Esse cimento eu vou entregar! É Ú::NICO
pregador do Brasil que faz esse ribuliçu‖ (PASTOR... 2012). Mas, quanto a esse domínio
religioso propriamente dito, envolto por crenças, certezas, mitos e verdades, deixemos a cargo
dos profissionais da fé. Por ora, satisfaço-me em supor uma identidade religiosa a partir de
marcas linguísticas que coletei em pregações e propagandas neopentecostais.
24
Em torno desse material investigativo destaco alguns objetivos: (i) compreender a
construção discursiva neopentecostal como um sistema dinâmico e simbólico na produção e
ressignificação de sentidos; (ii) identificar os principais referentes que fundamentam os
discursos neopentecostais compondo sua identidade discursiva religiosa; (iii) verificar como
os itens lexicais mais recorrentes nos discursos neopentecostais se articulam em uma rede de
conexões para produção de sentido; (iv) perceber o funcionamento argumentativo do discurso
religioso neopentecostal.
Atrelado a esse interesse linguístico sobre o universo religioso, especificamente de
matriz neopentecostal, duas teorias se destacaram nessa pesquisa para a compreensão do
objeto em análise: as teorias da Referenciação (MONDADA; DUBOIS, 2003, 2005; KOCH,
2009; MORATO, 2005; MARCUSCHI, 2005; MARI, 2003) e Argumentação (KOCH, 2000;
PLANTIN, 2003; DUCROT, 1990; MARI e MENDES, 2008; AMOSSY, 2005) se mostram
como principais aportes teóricos.
Para uma melhor compreensão dos principais referentes que, no meu entendimento,
dão aos DNP sua identidade linguística, recorro aos estudos de Weber (1994) e Pereira (2001)
a fim de compreender o (i) Sacerdotalismo enquanto referente discursivo precípuo da
argumentação neopentecostal a fim de ressaltar a influência predominante do sacerdote
(pastor) na produção discursiva religiosa. Com igual objetivo, também me fundamento nos
conceitos de (ii) Exorcismo segundo Pinezi e Romanelli (2003) e de (iii) Prosperidade
segundo Campos (2002), Ferreira (2008), Mendonça (2004). Essas três distinções conceituais
são fundamentais para que se perceba com profundidade a delimitação do tipo discursivo
abordado nesse trabalho.
Dessa forma, compreendida em seu conjunto, essa pesquisa busca apresentar os
textos mais recorrentes nos DNP como objetos referenciais discursivos. Tais referentes do
discurso religioso costumam se repetir na oratória de pastores neopentecostais e realizam uma
dupla função: ―explicam‖ as causas dos sofrimentos humanos ao mesmo tempo em que
―divinizam‖ seus próprios atos discursivos para promoção de curas e milagres aos fiéis.
Toda essa dinâmica intralinguística parece incitar os fiéis a aderir a alguns
pressupostos doutrinários em situações específicas na pregação neopentecostal, o que imprime
sua identidade religiosa em determinadas cenas enunciativas, cada qual, vinculada ao seu
referente correspondente. Assim, para o ―exorcismo‖, abre-se um cenário discursivo próprio
dos Cultos de Libertação, também conhecidos como sessões do descarrego, culto de
desencapetamento, exorcismo total, noite da libertação, dentre outros nomes; para a
―prosperidade‖, vislumbram-se princípios de uma Teologia da Prosperidade com a promessa
25
de riqueza material no aqui-agora, pois os defensores do neopentecostalismo dizem: ―Nosso
Deus é um Deus de riquezas, de abundância, de fartura! Somente quem não tem Deus por
perto pode ser miserável e pobre porque certamente está com o Demônio‖; e, finalmente, para
o ―sacerdotalismo‖, empregam-se elementos persuasivos próprios da autoridade sacerdotal
dos pastores, que os habilitam com poder suficiente para movimentar todas as demais etapas
da persuasão religiosa, conforme discorro ao longo desse trabalho.
Discursos orais na pregação neopentecostal: coleta e tratamento de dados
Metodologicamente, essa pesquisa está assentada em uma base de dados advinda de
pregações e propagandas de líderes religiosos neopentecostais. O registro desse corpus oral
foi realizado a partir de programas televisivos ou transmitido em rádio local e também por
anotações feitas in loco em igrejas neopentecostais, onde pude checar a maior parte de minhas
conclusões aqui relatadas. Assim, foram coletados entre os anos de 2006 a 2012
aproximadamente 200 (duzentas) horas de gravações de pregações de líderes neopentecostais
para que as respostas à investigação pudessem ser corroboradas por uma quantidade de dados
marcados pela recorrência linguística. Somente quando consegui uma quantidade de dados
suficientemente recorrente é que encerrei o registro das gravações, pois as informações se
tornaram repetitivas. Exatamente por perceber essa repetição exaustiva de determinados
termos e expressões nos DNP, presente em todo o corpus é que me habilitou a considerá-los
recorrentes. Afinal, ao longo de todos os fragmentos de cultos gravados se percebe a
existência dos conceitos aqui expostos, sobretudo aqueles representativos da tríade
neopentecostal (sacerdotal, exorcista e próspera). Assim, flagrei essa recorrência aqui
mencionada exatamente pela existência, quase que absoluta no corpus, de (i) execrações
contra entidades demoníacas – referente exorcista; (ii) promessas de uma vida na abundância
– referente prosperidade; e (iii) uma autoridade explícita de seus líderes na produção
discursiva religiosa – referente sacerdotal.
Quanto aos diversos temas, não propriamente ―religiosos‖, mas tratados sob a luz da
doutrina religiosa, há necessidade da ausculta de um volume maior de dados para aferirmos
sua recorrência. É preciso também percebê-los ao longo do tempo, pois, conforme veremos,
eles se apresentam como ilustrativos das pregações como ferramentas auxiliares, fazendo
parte em uma espécie de jogos persuasivos – diferentemente da tríade neopentecostal, objetos
referenciais que produzem uma marca identitária desse segmento religioso. P. ex: ―doenças,
desemprego, acidentes‖ aparecem aleatoriamente nas pregações, mas a causa (demoníaca)
26
para esses e outros males sempre aparece nos DNP – ref. exorcista. Ou, de outra forma, os
DNP também podem focar ―a riqueza material, o amor conjugal, compra de carros novos,
casa própria, a restauração da saúde‖ como retribuições de Deus a uma vida conforme a
pregação sacerdotal sugere ou impõe aos devotos – ref. prosperidade. Assim percebida, a
elaboração discursiva de ambos os referentes (prosperidade e exorcismo) se sustenta pela
autoridade sacerdotal que lhes imprime poder de persuasão às demais Fases no
convencimento dos fiéis.
Evidentemente que a percepção de todo esse emaranhado de produção discursiva não
se dá apenas a partir dos excertos aqui transcritos. Mas, também não caberia transcrever todas
as gravações obtidas, pois um número razoavelmente elevado inviabilizaria os limites desse
trabalho. Por isso, foram realizadas transcrições de fragmentos dos principais momentos da
prédica neopentecostal de forma a preservar a compreensão do todo, segundo normas
adaptadas do projeto NURC (Anexo I).
Importante também ressaltar que as gravações obtidas foram de cultos ou
propagandas transmitidas via rádio ou TV a partir das igrejas, mas nessa situação específica
pude perceber, em confronto com os cultos que assisti in loco (não transmitidos
exteriormente), que grande parte do enredo persuasivo era amenizado, diminuído, enfim,
enfraquecido. Podemos citar como exemplo desse enfraquecimento persuasivo alguns
anátemas lançados contra os féis por causa do não pagamento dos dízimos: quando proferidos
no interior das igrejas imprime-se uma ênfase muito maior do que quando expressos em
transmissões via rádio ou TV, onde essa mesma cobrança é atenuada.
A meu ver, nas transmissões via rádio ou televisão, a preocupação primeira é o
proselitismo religioso a fim de conquistar novos adeptos para ir às igrejas, local onde todas as
etapas persuasivas são experimentadas até a conquista (ou conversão) do fiel. Nesse sentido,
não apresento a transcrição de um culto completo exatamente porque não seria representativo,
não representaria todos os aspectos tratados nessa tese (Tríade referencial, Teotemas e Fases),
afinal, só consegui chegar a tais categorias após um exaustivo exame dos dados e, sobretudo,
em visitação às igrejas durante um período maior de tempo.
Todavia, os áudios disponíveis são de programas livres de domínio público, sem
necessidade de autorização para transcrevê-los aqui. Afinal, a gravação dentro das igrejas é
terminantemente proibida. Essa é uma regra geral adotada nas igrejas neopentecostais em que
estive presente (conf. lista de siglas). Ainda assim, registrei anotações in loco, a fim de
recompor os momentos persuasivos dos DNP não visíveis por meio das transmissões no rádio
ou TV. Nesse percurso investigativo pude ouvir pessoalmente dezenas de pastores em
27
preleção, mas nessa pesquisa, registro apenas 17 dos 109 excertos de pregação apresentados
aqui (excluindo as propagandas de faixas e cartazes) coletados em 12 igrejas neopentecostais.
Ou seja, apresento apenas um fragmento da coleta de dados disponível, mas uma parcela
representativa dos DNP.
Assim, a partir da repetição nas falas dos líderes neopentecostais, pude perceber uma
espécie de arcabouço linguístico sobre o qual o neopentecostalismo se fundamenta e
desenvolve seus postulados doutrinais. Importante ressaltar que, ao longo desse trabalho, não
me detive em qualquer análise teológica, muito menos da veracidade, de erros ou acertos
sobre conteúdos religiosos doutrinais, mas tão-somente sobre a estrutura discursiva
neopentecostal com vistas a identificar suas estratégias argumentativas por meio da oralidade
dos produtores dos DNP em pregações e suas propagandas.
Assim, para realização dessa pesquisa utilizo principalmente de um corpus
discursivo oral coletado por mim e gravado a partir de programas transmitidos em sua grande
maioria por rádios instaladas dentro das próprias igrejas neopentecostais de Montes Claros –
MG. Ocorreu que, coincidentemente, no período em que coletei a maior parte do corpus oral
analisado nesse estudo, muitas igrejas evangélicas utilizaram enormemente do mecanismo
rádio difusor, sobretudo, com finalidades proselitistas. Às vezes, conseguia captar até 5
(cinco) cultos transmitidos simultaneamente em diferentes igrejas neopentecostais, pois era
uma prática comum naqueles anos encontrar transmissões de pregações ao vivo por meio de
estações de rádio instaladas no interior das próprias igrejas. Isso facilitou sobremaneira a
coleta de dados, pois até então era necessária minha presença in loco para registro das
informações por escrito.
Após as gravações, parte dos discursos religiosos foram transcritos para posterior
análise e ilustrações desse trabalho. Assim, para as transcrições aqui utilizadas, aproveitei os
discursos gravados via transmissões de rádio e TV, juntamente com suas propagandas, uma
vez que possuem maior qualidade audível além de não necessitar autorização para utilização
nesse estudo, pois são de domínio público. A coleção completa de pregações neopentecostais
que compõe o corpus dessa pesquisa será disponibilizada para o livre acesso on-line aos
demais pesquisadores interessados em discursos religiosos após a publicação deste trabalho
no seguinte endereço: http://discursosneopentecostais.4shared.com/, local em que já ofereço
uma amostra dos discursos gravados por mim.
Como parte do corpus, existe também uma pequena porção de excertos que foram
registrados por mim durante os próprios cultos neopentecostais, no interior das igrejas. Como
as gravações de áudio e vídeo são proibidas no interior dos templos, utilizei um bloco de
28
anotações. O registro da oratória religiosa in loco foi muito importante, uma vez que alguns
termos, expressões e estratégias só são expressas em cultos reservados para uma assembleia
específica de fiéis, o que facilitou a percepção de uma espécie de cenário argumentativo3 da
pregação neopentecostal. Foi a partir da visualização desse cenário que consegui identificar as
Fases Argumentativas utilizadas pelo neopentecostalismo e, por consequência, a resposta à
problemática dessa pesquisa.
A maior parte das gravações em áudio foi realizada no período em que acompanhei o
apogeu e o declínio do número de rádios piratas no Brasil. Segundo a Agência Nacional de
Telecomunicações, em 2008 foram fechadas um número recorde de 1.252 rádios piratas no
país (ANATEL, 2009). A maior parte dos dados utilizados nesse estudo se deve às gravações
realizadas por meio de rádios locais no período de 2006 a 2008. Posteriormente as gravações
se seguiram principalmente por meio de canais abertos de TV. Assim, consegui gravar
pregações neopentecostais em diversas rádios transmitidas localmente (Montes Claros-MG),
mas em meados do segundo semestre de 2008 as transmissões se tornaram escassas. Suponho
que tais emissoras funcionavam irregularmente e tiveram que parar suas transmissões pela
intensificação da fiscalização da ANATEL, fato este comentado durante algumas pregações
religiosas como um ataque do Demônio contra a disseminação do evangelho.
Aos crentes religiosos, cabe tecer narrativas sobre o grande movimento de
transformação em suas vidas, isto é, aquele que consegue divulgar em testemunhos: a vitória
do bem sobre o mal, de Deus sobre o Demônio, da pureza divina sobre a corrupção humana,
do céu sobre o inferno, enfim, da vida sobre a morte. Toda essa saga religiosa é traduzida em
enredos de vida dos próprios fiéis, que nesse estudo se tornaram em fontes primárias da
investigação. Seus dados empíricos se consubstanciaram efetivamente em gravações de
pregações de cultos, orações e depoimentos dos fiéis, enfim um corpus emanado diretamente
daqueles que produzem o neopentecostalismo, do verbo de lideres e fiéis religiosos.
Conforme dados do último censo (IBGE, 2010), o grupamento evangélico
neopentecostal foi o que apresentou maior crescimento no Brasil nas últimas três décadas
conquistando milhões de adeptos com promessas de resolver praticamente todos os problemas
humanos, sobretudo para orientar seus adeptos como suprir carências financeiras4. De todo
esse contingente de crentes convertidos, a que se supor a existência de algo extremamente
persuasivo e coerente em seu discurso que justifique um número cada vez maior de religiosos
3 Ver Glossário ao final desse trabalho
4Segundo IBGE (2010) ―Mais de 60% dos evangélicos pentecostais recebem até 1 salário mínimo‖
29
nas igrejas. Esse fato também serviu como motivador para adentrarmos nessa pesquisa, que
trata estritamente do desvendar dessa formação discursiva religiosa (DNP).
Desde as minhas primeiras observações sobre os DNP, tenho observado que eles
tendem a se repetir em um mesmo padrão silogístico bastante simplificado, que pode ser
resumido na seguinte equação: (i) o ser humano tem um vazio, (ii) esse vazio é a ausência de
Deus. Logo, (iii) a falta de Deus dá lugar ao Demônio com todos os males que lhe são
próprios (FERREIRA, 2008). A conclusão resultante das duas primeiras proposições implica
diretamente em diversas consequências aos fiéis conforme a natureza das crenças, sentidos e
realidades que assimilam ou aceitam como verdadeiro. Assim, a crença religiosa produz
determinada realidade que se constrói pela linguagem com a qual se produzem novas crenças
e certezas, ressignificando a própria realidade.
Para responder aos questionamentos dessa pesquisa, foi dedicada uma atenção
especial na escuta de aproximadamente 200 (duzentas) horas de gravações dos discursos
neopentecostais. Ao longo dessa escuta, foi possível perceber que a formação discursiva
(PÊCHEUX, 1995; FOUCAULT, 1997) dos DNP, se apresenta por meio de expressões
referenciais recorrentes. Segundo a hipótese que defendo, essas marcas textuais têm a força de
apontar para um sentido maior, coerente, a fim de configurar certa identidade linguística na
sustentação argumentativa neopentecostal. Assim, para compreender determinado discurso, o
interlocutor ancora termos mais representativos, principalmente aqueles em que a persuasão
se debruça na defesa de algum argumento, a exemplo de ―cura e libertação‖, ―prosperidade‖,
―exorcismos‖. O discurso religioso é farto de exemplos dessa natureza e seu conjunto aponta
para um tipo específico de discursivisar o sagrado5, uma maneira particular de dizer, que,
nesse estudo, está delimitado pelo padrão de regularidades enunciativas com o rótulo
neopentecostal.
5 Nesse trabalho adoto a seguinte distinção para os termos: Sagrado: meio para se alcançar o divino,
representado por diversos objetos, vestimentas, ações, rituais, canções, pregações, homilias, dentre outras
maneiras que favorecem alguma ―conexão‖ com forças superiores; Divino: representa a própria deidade, ou seja,
algo muito superior, sublime, puro, transcendental, imortal, enfim, a quintessência das causas primordiais – à
exceção do título dessa tese ―divindades discursivas...‖ – expressão metafórica para objetos lexicais profanos,
mas ressignificados através dos DNP. Representa, a rigor, ―sacralidades discursivas‖. Profano: pertencente ao
domínio das coisas comuns, mundanas, parte intrínseca da natureza humana e dos instintos mais primitivos.
30
Objeto e problemática da análise discursiva neopentecostal
Compreendidos como partes de uma mesma formação discursiva local, os referentes
neopentecostais delimitam o objeto de pesquisa abordado ao longo desse trabalho. Tanto os
referentes fundamentais quanto os secundários criam matizes variados na semântica da
enunciação religiosa. Dessa forma, os DNP se multiplicam em diferentes temas da vida
cotidiana prometendo a solução para quaisquer males por que passa o ser humano. Essa
pesquisa, além de dissertar sobre os mecanismos argumentativos de pregações religiosas,
narra fragmentos de histórias de vida de pessoas que encontraram nas ―palavras de Deus‖,
mediada por líderes religiosos do neopentecostalismo, ―a última porta‖ para resolver seus
problemas mais difíceis.
Para atingir seu intento mágico de tirar o fiel sofredor de um estado de derrota para
proclamar vitórias em público, o neopentecostalismo coloca em prática uma espécie de script
argumentativo por meio do qual tenta convencer pelo exemplo. Para isso, se utiliza de
palavras-chave, expressões e objetos ungidos ressignificados pela oratória de seus líderes.
Assim, o que antes era apenas um objeto mundano (profano), durante os cultos, representa a
vitória em qualquer área particular na vida dos fiéis. O que antes era ―apenas‖ palavras em um
livro, na voz dos líderes religiosos, adquire vida capaz de motivar milhares de fiéis à
transformação (sagrado). Essa pesquisa se atém justamente em perceber as nuanças desse
movimento de transição – situado entre os estados de letargia e derrota dos fiéis até a
transformação dinâmica de suas vidas, evidenciada em seus próprios depoimentos à
congregação religiosa. Esse movimento transformacional na vida dos fiéis é demonstrado em
público à congregação religiosa. Por meio dos depoimentos, chamados na igreja de
Testemunhos, os fiéis narram derrotas e vitórias em suas vidas. Ao longo dos capítulos, irei
desdobrar explicações sobre as estratégias argumentativas no uso de boa parte das expressões
e objetos elevados à sacralidade pela oratória religiosa, comumente utilizada em igrejas
neopentecostais.
Como veremos, uma das marcações linguísticas fundamentais que caracteriza os
DNP situam-se na expressão de um tipo peculiar de referente discursivo fundante, pois dá aos
líderes religiosos do neopentecostalismo um caráter de profissionais da fé6 com títulos de
pastores, apóstolos, missionários, bispos ou profetas de Deus. Por isso, o sacerdotalismo é
6Utilizei essa expressão pela primeira vez em minha dissertação Vozes neopentecostais: um clamor
desenvolvimentista em nome de Deus. Ver explicação mais detalhada no glossário dessa tese.
31
entendido nesse estudo como um objeto de referenciação discursivo fundante: aquele que abre
caminho aos demais referentes para que a prédica neopentecostal se desenvolva – baseada
fundamentalmente na autoridade de seus representantes, afinal, é o humano produzindo um
espaço sagrado ou sacralizando o tempo-espaço da enunciação religiosa. Esse objeto de
referenciação investe de poder, por assim dizer, os líderes religiosos capacitando-os de
autoridade para proferir a palavra de Deus, expulsar os Demônios ou determinar qualquer
bênção na vida das pessoas. À primeira vista, parece um quanto exagerado atribuir aos líderes
neopentecostais o exercício de práticas de salvação na solução de quaisquer problemas
humanos, mas esse exagero propositivo representa justamente uma das marcas do
neopentecostalismo, conforme exemplificado nos dados aqui apresentados.
Ao objeto sacerdotal somam-se outros dois objetos de referenciação, isto é,
prosperidade e exorcismo. Juntos, tais objetos compõem a tríade referencial do
neopentecostalismo imprimindo-lhe sua identidade discursiva. Ao mesmo tempo em que
assinalam as características neopentecostais, esses objetos delimitam o núcleo da análise
discursiva religiosa. Não irei delongar mais em explicações nessa primeira parte, pois mais à
frente explanarei sobre cada elemento que compõe a tríade referencial do neopentecostalismo,
principalmente nas seções do terceiro capítulo.
Por enquanto o importante é perceber que essa pesquisa aborda o neopentecostalismo
pelo viés discursivo. Por isso, sua delimitação se faz ao longo de todo esse estudo
fundamentado em dados empíricos da linguagem religiosa e não em fatos históricos ou
proposições teológicas. Dessa forma, não pretendo apresentar um capítulo à parte sobre as
origens históricas do neopentecostalismo estadunidense e brasileiro, muito menos os
fundamentos doutrinais sobre o porquê de determinadas práticas religiosas. Para esse objetivo
existem bons trabalhos no campo da ciência da religião ou antropologia. A título de sugestão
nesse campo específico de estudos com abordagem neopentecostal recomendo os trabalhos de
Mariano (2008), Almeida (2003, 2006); Silveira (2007); Romeiro (2010); Proença (2007),
Freston (2000), Texeira e Menezes (2009) e outros. O esforço aqui desprendido resultou em
uma análise de significados que fundam as diversas oralidades nos DNP com vistas a expor
seu intrincado processo persuasivo.
Espero que essa pesquisa contribua principalmente para outros interessados na escuta
de discursos orais e na compreensão dos meandros em que a argumentação religiosa se
realiza, não apenas por seus elementos coesivos e coerentes, mas, no entendimento linguístico
que se situa no limite das crenças que fundamentam seus postulados doutrinais. Aliás, a
crença em algo transcendental é um dos grandes limites, senão o maior, que o pesquisador
32
analista dos discursos religiosos deve respeitar, pois podemos analisar o âmbito discursivo,
não a legitimidade da crença das pessoas. Quanto a esse domínio – o movediço terreno da fé e
da palavra – não temos o menor controle nem intenção objetiva nesse estudo que se limita
apenas em compreender o funcionamento argumentativo dos discursos religiosos fundados
em práticas neopentecostais.
Por mais estranho que pareça uma determinada transcrição de algum fragmento da
oralidade neopentecostal, ela sempre representa o resultado discursivo, uma maneira própria
de dizer, de verbalizar o mundo. Muito mais do que a racionalidade ou ―lógica‖ dos
enunciados me atenho ao discurso propriamente dito. Dessa forma, poderemos perceber
inúmeros efeitos perlocutórios7 (medo, esperança, promessa, autoridade, vergonha, certeza,
gratidão, etc) a partir dos enunciados religiosos. A perlocução corresponde a um efeito de
mudança na compreensão do significado convencional de uma expressão qualquer por um
sentido particular, incitado pelas circunstâncias interativas dos sujeitos envolvidos na
comunicação. As pregações religiosas são ricas em exemplos dessa natureza, pois ao dizer
algo, os pregadores da fé podem provocar diferentes compreensões nos crentes. Assim, essa
característica perlocutória sobre os textos nos obriga a extrapolar a simples análise dual
presente na linguística tradicional focada no sentido-referência, para avançar em uma
dimensão pragmática da linguagem. Ou seja, o enunciado simplesmente não explica o sentido
que a linguagem pretende reportar, pois ―aqui, perdemos a inocência, a isenção que o
enunciado oferecia como garantia‖ (MARI, 2011, p. 68).
Conforme visto ao longo desse trabalho, o efeito perlocutório nos discursos
religiosos determina diferentes níveis de classificação e análise, pois nossa habilidade de
categorizar enunciados está diretamente atrelada à nossa capacidade de perceber algum
sentido sobre o que foi dito. É com essa consciência epistemológica que dei alguns passos em
direção ao que eu chamo de Fases estratégicas da argumentação neopentecostal, conforme
apresento ao final dessa tese como uma possível resposta à investigação.
A identificação de sete Fases da argumentação neopentecostal só foi intuída porque
experimentei in loco determinados efeitos perlocutórios dos discursos religiosos. Portanto,
elas representam diretamente meu nível particular de percepção sobre os próprios discursos
religiosos pesquisados. São, em grande medida, ―efeitos perlocutórios‖ experimentados por
mim diante das pregações religiosas. Muito provavelmente outra pessoa iria categorizar
7 Termo presente na Teoria dos Atos de Fala (AUSTIN, 1990), que representa segundo Mari (2010), ―uma
reinterpretação do uso dos objetos linguísticos, presente no domínio das intenções interativas‖ (Handout, aula 3a.
24/09/10, PUC Minas).
33
diferentemente os mesmos discursos religiosos aqui analisados e isso só confirmaria a
liberdade em adentrarmos no domínio da enunciação. O enunciado puro, ―asséptico‖,
despojado de toda a intenção do locutor é uma mera ilusão, pois os sentidos variáveis que
imprimimos na relação social de enunciação determinam uma nova compreensão no
imbricado conflito enunciativo de interesses semânticos: aquilo que eu penso que digo é
apenas uma miragem que me tranquiliza de ser compreendido por outrem. Assim, ao
dizermos algo, somos tentados a carregar uma ilusão de que o outro nos entende. Quando,
finalmente, despertamos para o fato de que o outro realmente não está nos entendendo
começamos a pensar mais em termos de uma aproximação de significados do que,
simplesmente, de uma compreensão dos enunciados.
Conforme demonstrado ao longo desse estudo, defendo a existência de duas classes
de objetos de referenciação nos DNP: fundamentais e acessórios. Ambos dão força,
sustentação e coerência à argumentação neopentecostal. Compreendidos em seu conjunto, os
objetos neopentecostais se relacionam intradiscursivamente para compor um número muito
variado e criativo de estratégias argumentativas: não se restringem apenas à palavra
propriamente dita, mas abusam de elementos da semiótica da fé representada por imagens,
panfletos e simbologia de elementos materiais ―ungidos‖ com óleos considerados sagrados e
com poderes mágicos para ―colocar a fé em prática‖.
Aqui me ocupo, sobretudo, da coerência argumentativa8 dos DNP e não de termos
ou expressões isoladas, apesar de que didaticamente isolo alguns itens lexicais mais
recorrentes nas pregações neopentecostais. Mas essa aparente separação de termos
referenciais é apenas uma construção teórica com fins didáticos. De uma forma ou de outra,
uma pesquisa sempre delimita um aspecto particular da realidade, portanto, não representa
mais do que um fragmento interpretado daquilo que percebemos como real. O que
entendemos hoje representa o limite de nossa compreensão, enfim, apenas uma porção da
realidade que foi reinterpretada por nós. Há que se avaliar também os limites de nossa própria
compreensão, atrelada aos mecanismos que a linguagem consegue expressar.
No domínio discursivo podemos buscar nas pregações religiosas de líderes e
depoimentos de fiéis neopentecostais os principais objetos de referenciação utilizados em suas
doutrinações. Tais objetos discursivos constituem, em seu conjunto, no cerne da doutrina que
defendem e que aqui podem ser inicialmente tratados com as seguintes questões: o que pode
ser considerado um discurso neopentecostal? Que elementos podem configurar sua identidade
8Ver Glossário ao final desse trabalho.
34
linguística? Quais são seus itens lexicais mais recorrentes? Tais questões colocam em
destaque o objeto de pesquisa, pois busca delimitá-lo no transcurso da análise. Também
reúnem uma dupla problemática investigativa, situada primeiramente na caracterização
identitária dos DNP e, posteriormente em torno das estratégias argumentativas a que esse
padrão discursivo religioso emprega. Ou seja, no funcionamento persuasivo da pregação
religiosa. Portanto, para responder aos questionamentos sobre as estratégias argumentativas,
assumimos a priori a existência de algumas particularidades linguísticas que tornam os
enunciados neopentecostais identificáveis com certo padrão de regularidade discursiva.
Assim, na condução dessa investigação, algumas questões pontuais serviram-me de
motivação para continuar com o olhar atento nos discursos religiosos. Por isso, iniciei essa
pesquisa com a seguinte questão motivadora: que estratégias argumentativas os DNP utilizam
para sustentar sua coerência e persuasão? Para responder a esse questionamento, admitimos
primeiramente a existência de uma coerência nos DNP e que essa coerência discursiva deve,
necessariamente, produzir uma ordem na lógica da argumentação –correspondente ao
resultado harmonioso das ideias apresentadas nas pregações religiosas. Essa relação
harmoniosa de temas religiosos presente nos DNP é apresentada nesse trabalho como uma
encenação discursiva9 ordenada e que pode ser identificada durante os cultos em torno dos
três atos distintos já mencionados (tríade referencial). A representação desse três elementos
lexicais referem-se, ao conteúdo, ou seja, a sequência ordenada de pressupostos defendidos
pelos oradores neopentecostais.
O conjunto uníssono de proposições defendidas durante as pregações neopentecostais
resulta em sua coerência discursiva. Orquestradas em conjunto, ―produzem‖ a ordem do
discurso neopentecostal sob marca de alguns objetos referenciais. Tais referentes constituem-
se nas bases sobre as quais esse campo discursivo pode ser identificado, delimitando-o
enquanto objeto de investigação distinta dos demais discursos religiosos. Assim, no campo
discursivo religioso os DNP se diferem do budista, do católico ortodoxo, dos evangélicos
tradicionais, da new age, dos esotéricos, dos hinduístas, dos taoístas e muitos outros.
Esse modo peculiar de dizer o neopentecostalismo segue regras de
enunciação10
marcadas principalmente pelo predomínio de verbos no imperativo, apresenta
enunciados com alternância no tratamento dos temas: ora de intimidação, ora de promessas ou
certezas, dentre outros artifícios persuasivos na pregação religiosa, pois ―cada esfera da
utilização da língua elabora tipos estáveis de enunciados‖ (BAKTHIN 1997, p. 279).
9 Ver Glossário ao final desse trabalho.
10 Cf. Bakhtin (2003)
35
Dessa forma, procuro demonstrar que os DNP representam um modo particular de
manifestar o sagrado, cercado de regras e estratégias argumentativas para conseguir seu
intento mágico: convencer fiéis sofredores em busca de solução para seus males a aderir a
determinados postulados doutrinais expressos em regras de fé – ações que obrigatoriamente
precisam cumprir para conseguir seus objetivos na vida. Podemos citar alguns atos a título de
ilustração: pagar fielmente o dízimo, oferecer ofertas financeiras (além do dízimo
obrigatório), trabalhar voluntariamente para a igreja, seguir rigorosamente as palavras do
―homem de Deus‖, expulsar os Demônios do próprio corpo, cumprir com as demais ordens de
seus líderes. Mas, desde a Fase inicial de sensibilização do fiel até sua conversão final existe
um longo e complexo percurso argumentativo.
O modus operandi desse percurso linguístico é visto em detalhes ao longo desse
trabalho que foi dividido em cinco partes da seguinte forma:
No primeiro capítulo, inicio a abordagem do conceito de referenciação segundo
princípios expostos em Marcuschi (2005); Mondada; Dubois, (2003) e outros, com o intuito
de delimitar o objeto de investigação e caracterizar os DNP enquanto campo discursivo
próprio. A seguir, no segundo capítulo, apresento alguns fundamentos da TAF – Teoria dos
Atos de Fala (Austin e Searle) a fim de preparar o leitor à compreensão da análise sobre as
possíveis ações em que os DNP incitariam nos fiéis. No terceiro capítulo, aprofundo a
discussão sobre objetos referenciais, especificamente sobre o que julgo representar a tríade
referencial dos discursos neopentecostais. Isto é, por meio da escuta dos DNP apresento uma
construção teórica dos elementos fundamentais sobre os quais assentam suas pregações: três
objetos de referenciação basilares para a compreensão de sua identidade discursiva
(sacerdotal, próspera e exorcista). No quarto capítulo, amplio a discussão em torno da teoria
da argumentação segundo Koch, (2000), Brenton (1996), Charaudeau (1983), Ducrot (2004) e
Mendes (2010) e dêixis, segundo Benveniste (1989), Lyons (1980) Mateu (1994) e Assis
(2010) demonstrando, por meio de excertos retirados do corpus oral de pregações
neopentecostais, como os discursos religiosos proliferam seus temas, constituindo-se
basicamente em uma coleção temática de referentes secundários presentes nos DNP. Esses
referentes acessórios, juntamente com os fundamentais, formam uma rede de argumentação
inter e intradiscursiva na pregação neopentecostal. Relacionados entre si, tais referentes
facilitam aos interlocutores do neopentecostalismo interagir com a pregação religiosa pela
multiplicidade de temas adjuntos à maneira de discursivisar o sagrado. Finalmente, no quinto
capítulo, procuro responder a problemática dessa investigação ao expor algumas estratégias
argumentativas presentes nos DNP a partir da propaganda religiosa e análise de gravações em
36
áudio ou anotações feitas in loco de cultos neopentecostais. Nesse último capítulo, apresento
sete Fases Argumentativas que identifiquei ao longo dos anos de observações e análises na
escuta das vozes de líderes e fiéis neopentecostais. Portanto, a produção e ressignificação dos
discursos religiosos é o que nos interessa, sobretudo, como se articulam e se perpetuam nas
pregações. Mas, as vozes dos fiéis também são importantes na medida em que reforçam a
autoria da ―criação verbal sagrada‖ do neopentecostalismo e concorrem para entendermos a
produção discursiva religiosa como um todo uníssono.
Após dissertar sobre as Fases Argumentativas dos DNP, apresento em apenas um
diagrama um ―resumo visual‖ de toda essa pesquisa, principalmente como os assuntos
tratados aqui se relacionam entre si: (i) a tríade referencial dos DNP, (ii) seu funcionamento
argumentativo e (iii) alguns objetos referenciais utilizados na argumentação desse segmento
religioso.
Reservo às considerações finais uma análise crítica sobre as respostas encontradas
nessa pesquisa, ao teste da hipótese inicial, além de apontar outras abordagens na observação
dos discursos neopentecostais, sobretudo, a necessidade de continuar a investigação em torno
dessa formação discursiva religiosa em contínuo processo de expansão. Por fim, apresento um
glossário com expressões especificamente utilizadas no âmbito das igrejas pesquisadas.
37
1. Referentes do discurso neopentecostal: fundamentação teórica11
Nesse capítulo, apresento o conceito de referente discursivo12
para que se
compreenda, a partir do corpus analisado, como determinados conceitos religiosos subjazem
ao referencial discursivo neopentecostal tornando-se parte intrínseca deste. Após essa
primeira parte, o conceito de sacerdotalismo – entendido nessa investigação como objeto
referencial fundante dos DNP será exemplificado com a transcrição de alguns fragmentos da
oratória de líderes neopentecostais em pregação.
Primeiramente, vamos refletir um pouco sobre como o conhecimento que temos do
mundo se dá por meio da linguagem. Em termos simplificados, podemos dizer inicialmente
que a língua nos serve como instrumento potencial para representar a realidade. A partir dessa
premissa, podemos tecer diversos questionamentos sobre como um código linguístico é capaz
de dar sentido às coisas. Sem dúvida, diversas são as repostas sobre esse questionamento que
perpassam questões filosóficas, sobretudo gnosiológicas e epistemológicas. No entanto, sobre
o objeto de pesquisa que analisei – situado estritamente no âmbito do discurso neopentecostal
em si, utilizei as teorias da referenciação (MARCUSCHI, 2005; MONDADA; DUBOIS, 2003
e outros) e da argumentação (KOCH; MORATO, 2005 e outros), próprias da metodologia
linguística.
Um ponto de partida dessa investigação que me parece bastante razoável para
compreender o sentido mais profundo do objeto de pesquisa que me propus analisar situa-se
em torno das pesquisas sobre os referentes discursivos. Nesse sentido, o corpus analisado
neste trabalho se situa muito mais na forma de utilização de determinados referentes
empregados no campo religioso do que nas verdades que eles supostamente engendram.
Portanto, não me atenho no campo do verdadeiro, do correto, do certo ou errado, mas apenas
na semântica da enunciação religiosa e suas estratégias argumentativas a fim de perceber atos
linguísticos com vistas à persuasão dos adeptos do neopentecostalismo.
11
Na primeira parte desse capítulo, utilizo estudos realizados na disciplina Análise do Discurso com a professora
Juliana de Assis (PUC Minas) juntamente com as colegas Alzira e Renata, a quem agradeço pelas reflexões em
conjunto. O mérito dessa pesquisa reside no fato de o ofício sacerdotal ser entendido enquanto objeto de
referenciação fundante da identidade discursiva neopentecostal. 12
Denomino referente discursivo aos objetos de referenciação que se valem, necessariamente, de um sistema
simbólico (linguístico, semiótico) para a sua constituição e não que se valem desse mesmo sistema apenas como
forma de sua representação. Os objetos de referenciação necessitam, para sua existência, de alguma forma
estrutural, organizada de linguagem, mas não se limitam a significados dados a priori, mas, antes, são
construídos durante o uso desses mesmos sistemas simbólicos, pelos usuários da língua.
38
Os fatos aqui apresentados, por mais surreais que pareçam são, antes de tudo,
manifestações linguísticas de um segmento social que não podemos desprezar, sobretudo pelo
seu contingente de adeptos. Aliás, esse foi um dos motivos que me motivaram a adentrar cada
vez mais no interior dessa formação discursiva sui generis do campo religioso cristão. Sobre o
conceito de formação discursiva valho-me da concepção de Foucault (1997, p. 43, negritos
nossos), para o qual:
Sempre que se puder descrever, entre certo número de enunciados,
semelhante sistema de dispersão e se puder definir uma regularidade (uma
ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações) entre os
objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, teremos
uma formação discursiva.
Isso equivale compreender a formação discursiva não apenas como uma formulação
daquilo que devemos dizer, mas como algo que podemos dizer, segundo determinada área
temática, no interior de um domínio/campo discursivo. Para tal efeito de comunicação
recorremos a certos elementos lexicais mais apropriados que se interpenetram e se
multiplicam em diversos níveis no discurso para produção de sentido. É como se
construíssemos uma afirmação do óbvio quando tentamos explicar algo posto em evidência,
tal como as prédicas religiosas são apresentadas. Esse esforço semântico corresponde ao
esforço de tautologizar nossos próprios discursos em um contínuo exercício referencial de
objetos linguísticos. Em nosso caso, o objeto eleito para análise é o próprio discurso religioso
de matriz neopentecostal. Assim, podemos dizer sem exageros de que não há nada de original
naquilo que falamos, pois plagiamos o que ouvimos ou (re)apresentamos o que vimos,
incluindo até mesmo os frutos de nossa imaginação onírica.
Se existe algo de novo naquilo que falamos deve estar limitado na forma como
reproduzimos os discursos ao reinterpretá-los sob uma nova abordagem, sob um novo olhar.
Essa própria tese é um exemplo dessa natureza inter e intradiscursiva13
: a descrição aqui
ordenada reproduz os próprios discursos já existentes, tanto teórica quanto pragmaticamente,
réplica das vozes neopentecostais que ecoam nas igrejas pesquisadas e que ―dialogam‖ com
alguns teóricos de outras vozes ―científicas‖, do discurso acadêmico.
13
Amparados por Pêcheux (1988, p. 167), Mari e Mendes (handout, 2010a) explicam ―que há uma relação entre
o ‗já-dito esquecido‘ (o interdiscurso/a memória discursiva) e o que ‗se está dizendo‘ (o intradiscurso), sendo
que aquele sustenta a possibilidade deste último.
39
Como se percebe ao delimitar determinado campo linguístico naturalmente nos
apercebemos de elementos recorrentes que dão certa identidade discursiva ao que foi dito.
Tecnicamente esse fato nos remete ao conceito de formação discursiva que é bastante
maleável e só se constitui em sua alteridade, isto é, com aquilo que ele não é. Assim, para
podermos identificar determinado padrão discursivo como ―neopentecostal‖ é necessário
perceber que ele difere de outras formas de expressão religiosa. Essa discretização linguística
é possível pela ausculta criteriosa de outras formações discursivas14
.
No intradiscurso trazemos à tona o interdiscurso, pois ao expor determinado padrão
discursivo sempre o fazemos em relação a outra forma de compreensão da realidade, diferente
daquela que nos posicionamos a priori. Não fosse isso, não haveria razão para se falar em
―formação discursiva‖, muito menos em regularidade discursiva. Por isso, compreendo a
Análise do Discurso muito além do que simplesmente descrever excertos de falas, mas antes,
o exercício de compreender como o texto – em sentido lato, produz significados por meio de
seu funcionamento social.
Aqui, o intradiscurso são as próprias vozes neopentecostais expostas: panfletos,
cartazes, pregações, orações, depoimentos dos fiéis, bíblia ipisis literis, etc.
Concomitantemente, o interdiscurso pode ser representado por temas diversos que se
relacionam com a doutrina religiosa, seus principais dogmas e posicionamentos.
Eis alguns exemplos de temas tratados pelo neopentecostalismo e que não são
necessariamente ―religiosos‖, mas que se relacionam interdiscursivamente com os dogmas da
igreja: aborto, doenças, curas, amor, casamento, divórcio, conquistas materiais, saúde mental,
fome, pobreza, catástrofes naturais, e muitos outros temas. A lista é infindável, pois
interdiscursivamente podemos adentrar de diversas formas na constituição intradiscursiva
religiosa. Assim, podemos relacionar diversos campos de interesse sobre o que ‗já foi dito‘
(interdiscurso) a respeito de algo com o que ‗se está dizendo‘ (intradiscurso). Em termos mais
precisos podemos pensar inclusive a existência tanto de uma formação intra quanto
interdiscursiva, pois em ambos os casos existe um padrão de regularidade, conforme ilustrado
na figura 2.
14
Antes de pesquisar os DNP conheci diferentes igrejas e formas de expressão religiosa: Catolicismo tradicional,
Renovação Carismática, Espiritismo, Candomblé, Umbanda, Budismo, Vale do Amanhecer (Tia Neiva),
Figueira (Trigueirinho), Santo Daime, Mormonismo; Igreja Messiânica (Johrei Center) além de uma dezena de
grupos espiritualistas, esotéricos e ufológicos que também funcionam como grupos religiosos alternativos, pois
produzem um discurso mítico personalizado, próprio de seus grupamentos, a fim de responder às inquietações
existenciais de seus sócios.
40
Figura 2: Relação inter e intradiscursiva neopentecostal
Form
ação
in
terd
iscu
rsiv
a
Formação intradiscursiva
Aborto Dízimos Pecado Curas Drogas Salvação Libertação Terremotos Desemprego Casa própria Morte Economia Dor de cabeça Inveja Ciúmes Má sorte Boa sorte Etc...
Doutrina neopentecostal: 1. Sacerdotal 2. Exorcista e 3. Próspera
Fonte: Dados da pesquisa
A partir dessa figura, podemos visualizar o funcionamento inter e intradiscursivo dos
itens lexicais, que ganham sentido em uma determinada formação discursiva – em nosso caso,
neopentecostal. Assim, é que para uma ―dor de cabeça‖ tratada interdiscursivamente, o
neopentecostalismo responde como ―influência do Demônio‖. Muito diferente do mesmo
tema sendo tratado por uma formação discursiva na área médica. De igual forma os mais
diversos itens são ―ressignificados‖ pelo discurso religioso seguindo um padrão de
regularidades enunciativas. Por isso, podemos questionar, por exemplo, que sentido o aborto,
a riqueza, as doenças, a boa sorte, a inveja e tantas outras abordagens têm para os discursos
neopentecostais. Ou, em outras palavras, como a formação intradiscursiva neopentecostal se
utiliza de temas transversais para sua doutrinação? No transcurso desse trabalho essas
relações inter e intradiscursivas serão expostas à medida que o corpus for revelado.
Enfim, os temas tratados pelo neopentecostalismo se interconectam sem fugir de um
padrão semântico, o que demonstra a existência de uma formação discursiva coerente e
bastante dinâmica, pois a religião costuma abarcar os mais diversos campos do saber, busca a
posse da sabedoria, da verdade, com a promessa de respostas para quaisquer males que
afligem o ser humano. No entanto, precisamos atentar para os limites de nossa compreensão
sobre determinada formação discursiva, pois não podemos categorizar alguns de seus
elementos (itens lexicais recorrentes) como uma exclusividade de determinado grupo.
41
Conforme já mencionado, o mais importante é percebermos o uso da linguagem para
constituição de sentidos em situação real, não teórica.
Aqui é oportuno fazer uma distinção entre significado e sentido. O primeiro
corresponde a uma matriz conceitual construída a partir de elementos do sistema linguístico e
tem o caráter convencional, enquanto que o sentido se dá pela apropriação dessa matriz
conceitual, determinada pelas convenções sociais de uso e pela intenção de uso dos
interlocutores. Logo, a intenção de uso altera completamente a forma como os discursos são
produzidos e amplia enormemente as formas de utilização da linguagem que não se restringe
a análise de termos separados, conforme alertam Mari e Mendes (2010b, p. 5): ―Talvez não
fosse sensato analisar esta questão [formação discursiva] em termos de palavras isoladas, mas
de submetê-las a correlações com outras palavras dentro de um mesmo discurso‖.
Na medida em que adentrei no universo dessa linguagem religiosa compreendi um
pouco mais de sua organização direcionada à persuasão, o que reforça indícios de sua própria
regularidade enunciativa direcionada para atingir determinado fim. Assim, se o discurso tem
uma regularidade podemos suspeitar de que também tem uma intencionalidade. É justamente
por assumir a priori a existência dessa formação discursiva religiosa, nascida do ramo
pentecostal, que se tornou possível perceber suas próprias regularidades lexicais, sobretudo
suas peculiaridades no campo da argumentação.
Os discursos religiosos costumam eleger objetos de análise fora do domínio humano:
salvação, céu, inferno, espírito santo, etc. Além disso, coloca os profissionais da fé como
intérpretes desses mesmos objetos linguísticos ―materializados‖ em suas pregações religiosas.
Ou seja, a palavra humana materializa a palavra divina. Essa relação não é uma exclusividade
neopentecostal, mas uma característica geral das religiões15
. A gênese bíblica relata Moisés
descendo do monte Sinai com ―as palavras de Deus‖ (Êxodo 34). Modernamente, as
chamadas revelações do espírito santo, as intuições missionárias de líderes religiosos que se
autodenominam ―profetas‖ de Deus, a psicografia mediúnica ou as mais diversas formas de se
conectar com algo transcendental perpetua a missão de revelar palavras consideradas divinas
aos homens. É o humano produzindo o sagrado.
Assim, os discursos religiosos se assemelhariam a fragmentos monologais, pois, a
princípio, não caberia aos fiéis interpelar, contestar, muito menos dialogar, mas acatar as
15
Conforme explica Perissé (2010) a etimologia popular atribuiu equivocadamente a origem da palavra
―religião‖ a religare, do latim. A religião religaria o homem a Deus, mas tal explicação se constitui em uma
etimologia falsa. Segundo o autor, religio designava ―respeito‖, ―reverência‖. A palavra deriva de relegere, em
que re-, ―de novo‖, está associado ao verbo legere, ―ler‖, abrigando o sentido de ―tomar com atenção‖. Uma
pessoa exerce alguma religião quando cuida atenciosamente de algo muito importante, algo que deve ser
cultuado e adorado com todo respeito.
42
determinações divinas em um discurso produzido por líderes religiosos – principais autores da
enunciação. Nesse sentido, aproximar-nos-íamos da enunciação de Benveniste (1989) ao
colocar o sujeito (pastor-locutor) no centro do seu dizer. Mas, essa aparente supremacia do
locutor se desfaz com um exame mais analítico dos DNP, pois conforme percebido na análise
de dados (corpus oral), os depoimentos e interferências dos fiéis são preponderantes para
compor o ensaio argumentativo das pregações religiosas. Além dos depoimentos dos crentes,
ocorre um contínuo dialogismo (BAKHTIN, 1992) dos atores da enunciação religiosa
(pastores-e-fiéis), principalmente nas sessões exorcistas, em que se percebe uma verdadeira
conversação dos profissionais da fé com o que julgam serem espíritos malignos incorporados
no corpo dos fiéis endemoninhados. O dialogismo bakhtiniano é representado por um
confronto de vozes no enunciado, sempre considerado uma resposta a outros enunciados.
Assim, o dialogismo representa um conflito de vozes ideológicas que se misturam no
enunciado. Dessas tensões linguístico-sociais, a partir de seus diversos atores – aqueles que
produzem e ressignificam os discursos (o ―nós‖), ocorre a descentralização do sujeito (o ―eu‖)
enquanto enunciador independente, o que obviamente redunda em um contínuo processo de
tensão entre o eu e o tu. Assim, o dialogismo bakhtiniano é entendido como interação entre
locutor e destinatário (BAKHTIN, 1992), em nosso caso, entre pastores-e-fiéis ou,
metaforicamente, entre o sagrado e o profano.
A princípio poderíamos compreender a enunciação religiosa segundo Benveniste
(1989), pois, de uma forma geral, os discursos religiosos centram no locutor (pastores, padres,
etc.) a origem do sentido do texto sagrado. O líder religioso torna-se, pois, a voz do Eu
(divindade) em relação ao Tu (fiéis). No entanto, os DNP fogem a essa regra, muito comum
em segmentos religiosos mais ortodoxos, como o catolicismo tradicional.
Tais concepções nos remetem, claramente, à enunciação de Bakhtin (1992). Assim,
sob essa perspectiva bakhtiniana veremos o desenrolar de vários exemplos apresentados nessa
tese, em fragmentos transcritos a partir da coleção de discursos neopentecostais (corpus oral).
Nessa medida, os discursos representam a fala irrepetível e irretratável de líderes e fiéis
religiosos.
O conceito de formação discursiva é bastante adequado para compreendermos a
regularidade das estruturas dos enunciados religiosos, frente a aparente dispersão dos dados.
Também me parece oportuna a concepção de Pêcheux (1995, p. 160, negritos nossos) quando
esclarece que a formação discursiva representa:
43
Aquilo que, numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de classes,
determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga,
de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc)
Em nosso objeto de análise, os DNP atraem um público ávido por ouvir o que deve
ser ouvido. Em uma palavra: a solução de seus problemas. Assim, ―o que pode e deve ser
dito‖ é fundamental para constituir esse ―filtro‖ linguístico na escolha correta de itens lexicais
e ainda acrescento: ‗o que pode e deve ser dito‘ nos discursos religiosos vem sempre
acompanhado do ―como e quando é dito‖ pelos oradores da fé, a fim de corresponder aos
anseios dos crentes.
Talvez por uma explícita seleção temática e argumentativa daquilo que se deve dizer,
muito mais do que se pode dizer, os oradores do neopentecostalismo arregimentam um
número crescente de adeptos. Ainda mais claramente: nos discursos religiosos, o que se deve
dizer assume uma importância muito maior do que aquilo que se pode dizer, pois quem
produz os discursos religiosos sabe como deve fazê-los para atingir seu intento. Essa
formação discursiva aceita ―tudo‖, principalmente o impossível, imaginário e transcendental,
pois nesse campo verbal o poder de Deus deve se manifestar. Portanto, ―tudo é possível‖, tudo
é lícito sob as leis de Deus. Essa característica peculiar dos discursos religiosos se resume na
crença do milagre acima de qualquer prognóstico infeliz.
1.1 Objetos de referenciação e o esforço de etiquetar a realidade
A abordagem sobre como a língua refere tanto o mundo material quanto sua
produção cultural se constitui em uma das questões mais centrais da linguística. Aqui, o
esforço como está claro é o de analisar fragmentos textuais sobre discursos religiosos,
especificamente aqueles sob a denominação neopentecostal. Assim, nessa pesquisa, o
referente discursivo emerge a partir de duas fontes primárias: a primeira, no âmbito do gênero
da pregação religiosa e, a segunda, nos limites da propaganda religiosa.
É por meio da pregação, enquanto gênero discursivo por excelência da oratória que
todo um conjunto de crenças e valores se materializa, por assim dizer, nos discursos religiosos
tomados pelos crentes como verdades, sem as quais não haveria razão para se falar em
construção referencial do discurso religioso. Entendo também que a produção cultural
circunscrita no âmbito religioso é, antes de tudo, uma construção referencial, um modo
particular de dar sentido aos objetos presentes na discursivização religiosa. A esse respeito
44
Ricoeur (2007, p. 32) explica sobre a autoria da ação referencial: ―o sentido do texto é, por
assim dizer, atravessado pela intenção de referência do locutor.‖ Obviamente que, na
construção referencial dos textos considerados sagrados, os líderes religiosos desempenham
fundamental importância: por meio de sua oratória, o plano sagrado, imaterial, intangível faz-
se presente no mundo material. Assim, a existência de um plano sagrado pressupõe antes de
tudo, sua construção linguística recheada de significados. No entanto, esses significados não
existem a priori, mas se constroem durante a discursivização religiosa: aparecem,
desaparecem ou recontextualizam-se pelo domínio discursivo dos oradores da fé em comum-
acordo com a própria assembleia de crentes que parece aceitar as revelações divinas em uma
espécie de contrato patêmico16
. Nessa medida, os objetos religiosos adquirem significados não
em si mesmos, mas na relação que estabelecem entre pastores e fiéis, profetas e discípulos,
entre os sacerdotes e seus seguidores.
A relação que se estabelece com um objeto qualquer, seja um objeto do mundo
material, do discurso propriamente dito, da fantasia, não se adere gratuitamente na rede de
significados, mas se constrói nas relações sociais. Mais do que ser um mero rótulo que se
―cola‖ à realidade, a língua adquire significação na relação dialógica que estabelece com algo.
Assim, sabemos de que ―algo‖ se trata mais pela aproximação dos conceitos, dos sentidos que
são atribuídos pelos falantes, do que pelo significado formal que lhe é imputado nos
dicionários. Inspirado por Borges Neto (2003, p. 9) Marcuschi (2004, p. 263) afirma: ―O
significado não é uma entidade e sim uma ‗relação‘ e não propriamente uma relação entre um
item lexical e um objeto do mundo e sim uma relação entre uma expressão linguística e algo
não-linguístico.‖
Contrariando Marcuschi (2004), dificilmente poderíamos pensar esse ―algo‖ como
―não-linguístico‖, pois nosso mundo cognitivo é perpassado, antes de tudo, pela linguagem. O
que seria algo ―não-linguístico‖? Tente pensar um mundo sem linguagem. Não saberíamos do
que se trata, pois até mesmo para pensar um objeto ―não-linguístico‖ precisamos da
linguagem para negá-lo. Mas, não é difícil perceber que os objetos do mundo existem
independentemente dos rótulos que imprimimos a eles.
Mondada e Dubois (2003) explicam que ainda que as concepções teóricas sobre
como a língua refere o mundo tenham particularidades distintas, existe um consenso que
pressupõe uma relação de correspondência entre as ―palavras e as coisas‖. O próprio
16
Greimas (1994) explica que o contrato patêmico fundamenta-se na timia, que representa uma disposição afetiva
de base determinante da relação que um corpo sensível mantém com o que o cerca. Essa disposição afetiva pode
ser positiva, negativa ou neutra, ou seja, euforia, disforia ou aforia, respectivamente.
45
Marcuschi (2004, p. 281) admite que ―as palavras têm uma significação dita ‗literal‘, mas que
serve apenas como uma base mínima para outros usos‖. Marcuschi (2004) ainda nos lembra
de que a relação existente entre língua e realidade é bastante complexa e não existe uma
correlação biunívoca entre palavras e referente mundano. Ao final, ele mesmo admite que
―não conhecemos a não ser pela linguagem‖ (MARCUSCHI, 2004, p. 283). Obviamente essa
discussão é bastante complexa e nos remete a indagar sobre nossos próprios processos de
cognição, que muito provavelmente extrapolam a via da linguagem ordinária, tal como
utilizamos no cotidiano, marcada principalmente pela manifestação oral ou escrita. De
qualquer maneira me parece ponto pacífico de que a significação é fundamental para a
referenciação. Mas as condições de referenciação são maiores que uma mera significação,
conforme explicam Mari e Mendes (2005, p. 160):
A referenciação, em nosso entendimento, não pode ser vista como algo
independente da significação; esta deve funcionar como uma condição
primeira para aquela. Entretanto, como condição primeira, a significação não
pode ser vista como uma restrição operacional para a referenciação.
Admite-se de uma forma geral que o referente pode ser considerado qualquer objeto
interpelado por expressões linguísticas. O referente, portanto, está diretamente ligado à
significação linguística (BLIKSTEIN, 2004). Embora não seja a realidade, ele a representa.
Assim, o referente ou objeto do discurso é compreendido nas dimensões da percepção e
cognição que organizam o pensamento e a própria linguagem. O referente não é o discurso,
mas existe a partir deste. Portanto, poder-se-ia dizer, inspirado por Heidegger (2005), que a
linguagem convida os objetos a ser. Nesse sentido, o referente se aproxima mais de uma
representação mental. Quando apropriado pelo discurso, se distingue como objeto possível de
análise, por isso a existência do referente não depende necessariamente da verdade da
descrição em si. Dessa forma, à análise do discurso religioso não interessa saber a verdade
sobre o dito, mas sim a existência, por si só, do próprio discurso sagrado, recheado de certezas
e marcado por cadeias referenciais que o leva a existir pelo próprio ato de discursivisar
determinada porção imaginada do que seria ―a realidade‖.
Entende-se por referenciação o ato discursivo de isolar, delimitar e apontar uma
categoria de objetos por meio de recursos linguísticos nominados de dêiticos (pronomes,
nomes, proposições, etc.). Os atos de referência reforçam a compreensão sobre os sentidos
que assumem um objeto, ou seja, a referência busca aproximar-se ao equivalente do
significado do objeto. A grande questão que se coloca em torno do referente discursivo é
46
saber como a informação é transmitida ou como os estados do mundo são representados, ou
seja, como as atividades humanas, cognitivas e linguísticas se estruturam e dão sentido ao
mundo. Mondada e Dubois (2003, p. 20) tratam o processo de referenciação como advinda de
práticas simbólicas socialmente construídas. Assim, a língua não pode ser compreendida
como uma mera etiqueta da realidade na qual as palavras se ―colam‖ ao seu correspondente
material. Isso significa, segundo Marcuschi (2004, p.268), que ―não há uma língua pronta de
um lado, podendo ser usada para espelhar e representar o mundo; e o mundo já discretizado
em todos os seus elementos, de outro lado, à espera que os nomeie‖. Não existe, uma
estabilidade a priori das entidades no mundo e na língua. Por isso, Mondada e Dubois (2003,
p. 23) dão tanta importância à dimensão intersubjetiva das atividades linguísticas e cognitivas,
―responsável pela produção da ilusão de um mundo objetivo (da objetividade do mundo),
‗pronto‘ para ser preenchido cognitivamente pelos indivíduos racionais‖. Marcuschi (2005, p.
50) explica que:
O problema central não é saber se o mundo está pronto, mobiliado por
alguma divindade, cabendo-nos captá-lo conceitualmente, ou se o mundo
tem uma ordem dependente do mobiliário de nossas mentes repletas de
verdades a priori, mas sim como a ordem – seja ela qual for – é percebida,
construída, comunicada e utilizada.
Koch (1998) e Marcuschi (2002), seguindo Mondada e Dubois (2003), postulam uma
visão processual em relação à significação, considerando que a discursivização do mundo por
meio da linguagem consiste num processo de reconstrução do próprio real. Pois, ―entender é
sempre entender no contexto de uma relação com o outro situado numa cultura e num tempo
histórico e esta relação sempre se acha marcada por uma ação discursiva‖ (MARCUSCHI,
2005 p. 74). Portanto, entender é antes de tudo procurar sentindo nas relações que se
estabelecem no discurso ou ação discursiva.
Referenciar objetos do mundo corresponde, então, a perceber como a realidade é
construída, mantida ou alterada pela maneira como sócio cognitivamente interagimos com o
mundo. Ou seja, o significado é precedido pelo sentido que imprimimos aos objetos. Tais
relações cognitivas que estabelecemos com o mundo se tornam possíveis pela materialidade
linguística de nossa percepção. Então, ao invés de se privilegiar a relação entre as ―palavras e
as coisas‖, o foco do conceito de referência se amplia para compreender ―a relação
47
intersubjetiva e social no seio da qual as versões do mundo são publicamente elaboradas‖
(KOCH; MORATO; BENTES, 2005). Segundo Marcuschi (2004, p.268):
A linguagem não é um instrumento transparente, preciso e claro capaz de
etiquetar de forma universalmente igual cada elemento desse suposto mobiliário.
Portanto, não há uma relação direta entre linguagem e mundo e sim um trabalho
social designando o mundo por um sistema simbólico cuja semântica vai se
construindo situadamente.
De acordo com Marcuschi (2005, p. 69) ―o mundo de nossos discursos é
sociocognitivamente produzido, pois o discurso é o lugar privilegiado da designação desse
mundo‖. Marcuschi (ibidem) ainda explica que:
Os processos de referenciação ocupam um lugar central na construção do mundo
de nossas vivências. As referências são elaboradas e transmitidas discursiva e
interativamente. A referenciação é uma atividade criativa e não um simples ato de
designação, pois o mundo comunicado é sempre fruto de um agir intersubjetivo
(não voluntarista) diante da realidade externa e não de uma identificação de
realidades discretas (MARCUSCHI, 2005 p. 52).
Koch (2005) ressalta que a referência é, portanto, resultante da ação de representar,
através de uma situação discursiva, entidades que são vistas como objetos-de-discurso que na
constituição textual são concebidos como produtos físico, social e cultural da atividade
cognitiva e interativa dos sujeitos falantes e não como objetos-do-mundo.
Isto não significa negar a existência da realidade extra mente, nem estabelecer a
subjetividade como parâmetro do real. Nosso cérebro não opera como um sistema
fotográfico do mundo, nem como um sistema de espelhamento, ou seja, nossa
maneira de ver e dizer o real não coincide com o real. Ele reelabora os dados
sensoriais para fins de apreensão e compreensão. E essa reelaboração se dá
essencialmente no discurso. Também não se postula uma reelaboração subjetiva,
individual: a reelaboração deve obedecer a restrições impostas pelas condições
culturais, sociais, históricas e, finalmente, pelas condições de processamento
decorrentes do uso da língua (MARCUSCHI & KOCH, 1998, p.5).
Como uma entidade viva presente nas relações e práticas sociais, a língua deixa de
ser relacionada simplesmente com a capacidade apenas mental de ser equivalente à realidade.
Sobre a maleabilidade da língua de imprimir significados aos objetos Koch (2005, p. 81)
explica: ―Ao usar e manipular uma forma simbólica usamos e manipulamos tanto o conteúdo
48
como a estrutura dessa forma. E, deste modo, também manipulamos a estrutura da realidade
de maneira significativa‖.
Atualmente entre os linguistas é mais comum utilizar referenciação em substituição
ao termo referência, pois expressa melhor a ideia de processo como atividades de linguagem
realizada por sujeitos históricos e sociais na interação (MONDADA, 2001 apud KOCH,
2005, p. 34). Num certo sentido, essa é uma formulação possível, mas existem também usos
especializados desses termos: referenciação tem ao mesmo tempo uma dimensão sintática
(recuperação anafórica) e semântica (designação de objetos discursivos); referência reporta,
em geral, objetos do mundo. Portanto, a referenciação é antes de tudo uma atividade sócio-
discursiva (KOCH, 2005; MARCUSCHI e KOCH, 1998), na qual o processamento do ato
enunciativo é realizado por sujeitos ativos. Por isso, os interlocutores constantemente realizam
escolhas significativas, dentre as múltiplas possibilidades que a língua oferece e a situação de
interação social permite.
Esse processo diz respeito às operações efetuadas pelos sujeitos à medida que o
discurso se desenvolve (APOTHÉLOZ & REICHLER-BÉGUELIN, 1995). Dessa forma, o
sujeito na interação opera sobre o material linguístico que tem à sua disposição, realizando
escolhas significativas para representar diferentes estados mentais ou de coisas, com vistas à
concretização do seu projeto de dizer (KOCH, 2005). Tal compreensão pode explicar porque
a linguagem não espelha exatamente ―a realidade‖, mas aproxima-se de uma concepção de
realidade criada pela nossa percepção e produção cultural. Isso equivale a dizer que aquilo
que pensamos como realidade, na verdade, é apenas um fragmento do ―real‖ percebido por
nós.
A partir dessas concepções sobre como a realidade é fabricada17
, torna-se
compreensível porque os dogmas religiosos também são produções culturais discursivas
ressignificadas. Em relação à religião, podemos falar de ‗realidades fabricadas‘ enquanto uma
construção cultural, mas provavelmente não poderíamos dizer o mesmo se fôssemos estender
tal raciocínio sobre o mundo mineral, vegetal, animal, pois neles os objetos existem
independentemente da linguagem da qual nos valemos para representá-los. Assim, talvez
fosse importante admitir não ‗a realidade‘, mas ‗realidades‘ que teriam um comportamento
diversificado em razão da natureza dos seus objetos constitutivos. Assim, aquilo que a religião
trata como sagrado, a pesquisa linguística trata como referentes do discurso mítico. E não há
nenhuma incongruência nessa abordagem. Podemos dizer que a existência da materialidade
17
Os filmes ―O Enigma de Kaspar Hauser‖ e ―Orlando: A mulher imortal‖ apresentam como a realidade pode
ser condicionada a uma rede de estereótipos presos por nossa percepção cultural.
49
dos objetos religiosos se dá, antes de tudo, porque eles existem primeiramente em nossos
pensamentos verbalizados: nós conseguimos dar voz às divindades desde tempos imemoriais,
a exemplo dos Deuses gregos.
Podemos ainda refletir um pouco mais: se os personagens bíblicos existiram de fato
ou não, para nossos estudos, isso se torna secundário porque Jesus e seus apóstolos, Adão e
Eva, Moisés ou Noé e seus ensinamentos são objetos já referenciados pela tradição cultural
perpassada por gerações. Assim, é que por um artifício da linguagem conseguimos reviver
todos esses personagens, fazê-los tão reais no presente quanto cremos terem sido no passado,
ainda que não tenham existido de fato. Sua presença é tão real que não haveria razão para
contestar sua existência porque eles já nasceram e subsistem discursivamente há séculos. Ou
seja, eles existem em nosso universo discursivo e isso é o bastante para nossa tranquilidade.
Apesar de que esse não deve ser um pensamento pacífico para o religioso, pois a existência
―real‖, materialmente falando, dos personagens históricos presentes no texto bíblico coincide
com a própria materialidade da linguagem. A bíblia é recheada de enigmas linguísticos dessa
natureza: ―e o Verbo se fez carne e habitou entre nós‖ (João 1:14). Para o religioso cristão,
não há dúvida de que o ―Verbo‖ é o próprio Deus, materializado em Jesus que nasceu entre
nós. Mas a palavra guarda muito mais do que o óbvio. Enfim, se todos os personagens
bíblicos continuam a existir, incluindo Deus, os santos e anjos, o Demônio e sua legião
infernal, não é nossa linguagem que será capaz de destruí-los, pois apenas buscamos uma
representação do ―real‖ ou daquilo que julgamos como aceitável para organizar nossos
pensamentos frente às venturas mundanas. Tudo isso representa um contínuo processo de
referenciação, isto é, de imprimir significação aos objetos religiosos. Apothelóz e Reichler-
Béguelin (1995) afirmam que a referenciação diz respeito às operações efetuadas pelos
sujeitos à medida que o discurso se desenvolve. Nesse sentido:
O discurso constrói aquilo a que faz remissão, ao mesmo tempo em que é
tributário dessa construção. O processamento do discurso, sendo realizado
por sujeitos ativos, é estratégico, ou seja, implica, da parte dos
interlocutores, a realização de escolhas significativas entre as múltiplas
possibilidades que a língua oferece. (APOTHELÓZ e REICHLER-
BÉGUELIN, 1995 apud KOCH, 2002, p. 80).
Conforme percebido os discursos religiosos são pródigos em exemplificar processos
de referenciação, compreendido como escolhas do sujeito em função de querer transmitir
sentido ao seu discurso. Nos discursos religiosos especificamente o sentido dos discursos
50
extrapola para querer transmitir ―vida‖ aos seus personagens. Assim, os referentes são vistos
como objetos-de-discurso que se reconstroem no próprio processo de interação. As
referencias que se imprimem aos objetos relaciona a linguagem ao mundo. Segundo Ricoeur
(2007, p. 31-32), a referência ―é um outro nome para a pretensão do discurso ser verdadeiro‖
e completa: ―referir é o uso que a frase faz numa certa situação e em conformidade com um
certo uso. É, pois, o que o locutor faz quando aplica as suas palavras à realidade‖. Ora, a
palavra é o acontecimento mais real que podemos presenciar; daí o que ela é capaz de criar se
confunde com a sua própria existência material, dando-nos a impressão de uma realidade
verossímil. Essa alquimia linguística dá vida a qualquer elemento do mundo material ou
ficcional. Em ambos os casos, sua existência é tão real quanto a própria linguagem.
Tecnicamente podemos dizer que essa plasticidade na impressão de sentidos ocorre
porque os referentes são dinâmicos: uma vez introduzidos na memória discursiva, vão sendo
constantemente modificados, desativados, reativados, reconstruindo-se o sentido do texto, no
curso de uma progressão referencial em que a própria língua e os indivíduos se atualizam em
seus significados. Assim, os textos produzidos não correspondem exatamente aos objetos
descritos, mas constituem objetos do discurso passíveis de análises e reconstruções. Talvez
por essa razão existam tantas formações discursivas religiosas, representadas pelos mais
diversos segmentos cristãos (católicos, evangélicos, espíritas, carismáticos e outros): cada
qual a seu modo realiza um processo de referenciação distinto a respeito dos mesmos objetos
transcendentais.
51
2. Produtores do discurso neopentecostal: uma parceria persuasiva a serviço da fé
O envolvimento dos interlocutores da fé nas igrejas pesquisadas parece se tornar em
um dos pilares fundamentais sobre o qual os DNP se desenvolvem, pois justamente na relação
pastor/fiel que o discurso progride em elementos persuasivos. Assim, nos DNP não basta
somente aos pastores realizarem um monólogo discursivo religioso na tentativa de convencer
os fiéis sobre os argumentos doutrinais que defendem: é preciso incentivar os crentes a
produzir um cenário mítico da fé, principalmente por meio de seus depoimentos sobre os
―milagres‖ alcançados na igreja. Dessa maneira, os discursos religiosos se formam e se
perpetuam na produção conjunta (interdiscursiva) que pastores e fiéis fazem ao depositar
significado em uma espécie de enredo persuasivo no domínio da fé.
Em nossa pesquisa, as pregações religiosas foram discretizadas em sete estágios ou
Fases da argumentação. Para isso, me ative à relação causa e efeito-perlocutório como
instrumento balizador da ação discursiva. Davidson (1980) considera que uma ação é racional
se o agente do discurso dispõe de uma justificativa para sua execução. Segundo ele, qualquer
ação para ser justificável precisa compartilhar dois aspectos fundamentais: uma crença e uma
pró-atitude.
Assim, para resolver ao questionamento principal dessa pesquisa, faz-se necessário
primeiramente a delimitação e caracterização identitária dos discursos religiosos que temos
por análise. Tal objetivo se deverá se cumprir efetivamente no próximo capítulo, no qual
pretendo delimitar o que chamo de tríade identitária do neopentecostalismo (sacerdotal,
exorcista e próspera). Mas, antes de expor esses três objetos referenciais basilares dos DNP
utilizo falas recorrentes de sua pregação religiosa a fim de analisar alguns excertos a partir da
Teoria dos Atos de Fala – TAF18
, destacando as abordagens desenvolvidas especialmente por
Austin e Searle.
A escolha pela TAF se deve, sobretudo, porque as abordagens dos DNP se
direcionam para uma pragmática da linguagem com vistas à realização de determinadas ações,
isto é, a linguagem neopentecostal se mostra como uma forma de realização de atos e não
apenas de uma descrição da realidade. Tal proposição pode ser verifica ao longo dos excertos
aqui apresentados, nos quais se procura, por meio da palavra proferida na pregação religiosa,
18
Não farei uma exposição sistemática da TAF, pois sua abordagem já foi amplamente tratada por outros
teóricos, notadamente por seus fundadores Austin e Searle. Nessa pesquisa, restrinjo sua utilização às categorias
relacionadas, sobretudo, ao Ponto e Modo em que os enunciados podem ser classificados e compreendidos. Não
descarto a influência das condições preparatórias, condições de sinceridade e estado mental, para reconfiguração
na compreensão dos enunciados. Mas, para nossa análise - decorrente principalmente de efeitos perlocutórios -
sobre os DNP, não se faz necessário um desdobramento maior.
52
incitar determinadas atitudes (ações) nos fiéis, sobretudo com a finalidade de abandonar seus
estados de derrota e desânimo com a vida.
Ademais, temos grandes possibilidades de falar sobre os objetos discursivos
neopentecostais com a TAF, pois cada proposição religiosa pretende colocar em execução
uma ação, proclamada objetiva ou subjetivamente aos fiéis. Para tal demonstração, que na
verdade se estende aos demais capítulos, procuro apresentar exemplos extraídos do corpus
oral a fim de compreender o funcionamento discursivo neopentecostal, sobretudo como se
articula na promoção de estados mentais representativos das Fases Argumentativas dos DNP,
correspondentes ao ―temor‖ (Fase da intimidação), à ―esperança‖ (f. da promessa), à ―certeza‖
(f. da comprovação), ao ―respeito‖ (f. da autoridade), dentre outros que poderiam representar
geradores de persuasão religiosa.
Assim, os efeitos emocionais ou ―lógicos‖ advindos de determinadas pregações
podem ser relacionados como consequências do próprio discurso religioso. Dessa maneira,
podemos suspeitar de que as condições preparatórias, de sinceridade, de conteúdo
proposicional também representam uma maneira peculiar de percepção dos alocutários que
―compreendem‖ as causas motivadoras dos discursos. Por exemplo: diante do ―homem de
Deus‖ eu posso eliminar a força que capacita tal enunciado (homem de Deus) à Fase de
Autoridade por desconsiderar suas condições preparatórias. Ou seja, não reconhecer no
locutor um ―homem de Deus‖, um autêntico sacerdote, retira-lhe automaticamente a
autoridade. Portanto, eu posso esvaziar semanticamente a compreensão de um determinado
objeto a ponto de que sua classificação inicial seja completamente alterada ou perca o sentido,
de acordo com as Fases Argumentativas aqui apresentadas. Assim, buscamos relacionar os
efeitos de sentidos que um determinado enunciado suscitou não apenas com sua consequente
representação ilocutória, mas por meio da validação de suas proposições semânticas: se
atribuímos força, prestígio ou desprezo à determinada locução, podemos, conforme o caso,
preencher ou esvaziar sua capacidade de representar isso ou aquilo.
Nesse capítulo vamos centralizar um pouco mais da nossa atenção, para além do que
já foi proposto, na análise do intrincado enredo discursivo religioso. Para isso, explicito as
próprias vozes neopentecostais a fim de que os dados falem por si mesmos, pois as sete
categorias previamente apresentadas nesse capítulo emergiram ao longo da pesquisa; ou seja,
não me foram dadas a priori, mas se constituíram a partir de minhas próprias observações e
efeitos de sentido que suscitaram em mim. Dessa forma, esse trabalho se orientou muito mais
em identificar, analisar e (des)organizar os discursos integrantes do corpus da pesquisa do que
retomar uma discussão teórica sobre categorias da análise do discurso. De igual forma,
53
poderíamos dizer que o neopentecostalismo não reinventou o cristianismo, mas apenas lhe
proporcionou uma abordagem diferenciada, revestida de determinados elementos – conforme
vislumbramos nesse trabalho, mais próximos às demandas sociais vigentes, a fim de fornecer
uma diversidade cada vez maior de respostas às inquietações populares. Nesse sentido, os
DNP oferecem aos crentes uma multiplicidade muito criativa e pragmática sobre como
―resolver‖ os mais diversos problemas humanos.
Procurei demonstrar, assim como vejo, que a trama discursiva religiosa se faz a partir
de ideias muito bem concatenadas, com início, meio e fim. Apesar dessa lógica discursiva,
não podemos deixar de mencionar também que a fala não implica necessariamente um
compromisso com a ação e nem muito menos com a verdade. O mais importante é perceber
que o comportamento humano parece orientado a realizar determinadas interações
linguageiras que podem redundar ou não em ações reais, materialmente falando. Nessa
medida, toda a sequência expositiva apresentada nesse estudo reforça a tese de que os DNP se
estruturam com fins extremamente determinados, apesar de se mostrarem, à primeira vista,
como um aparente mosaico despretensioso de crenças bem-intencionadas, nas quais as ações
perceptíveis – representadas, sobretudo, pelos ―milagres‖ testemunhados pelos fiéis –,
parecem sobrepujar até mesmo alguma tentativa argumentativa contrária à prédica
neopentecostal.
Dessa maneira, para conseguirmos algum aprofundamento conceitual sobre os
discursos analisados, faz-se necessário observar as condições enunciativas dos locutores
(pastores/fiéis) envolvidos na enunciação religiosa. Essa afinidade dialogal nos DNP
preenche, de certa forma, a relação de causa-efeito e praticamente elimina, no intradiscurso
religioso, a possibilidade de contradições, o que reforça a formação e a manutenção das
certezas religiosas19
. Talvez por isso, os depoimentos dos fiéis sobre os milagres alcançados
são tão importantes e necessários nos DNP, pois, por meio dos testemunhos dos crentes, o
discurso religioso é validado justamente pelos seus próprios destinatários. Em outras palavras,
a relação de causa-efeito nos DNP é reiteradamente estabelecida pelos pregadores da fé. Isso
reforça a suposição de que os DNP existem principalmente na interação discursiva elaborada
conjuntamente pelos pastores/fiéis (locutores/alocutários). Essa interação discursiva entre os
agentes da pregação neopentecostal é randômica, isto é, ocorre sempre com permuta de papéis
entre locutor/alocutário, uma vez que os testemunhos dos fiéis sobre os milagres alcançados
19
Sobre as certezas religiosas e as fronteiras da argumentação dediquei uma explanação mais detalhada na seção
4.4 deste trabalho: Dogma e neopentecostalismo fundamentalista: limites da argumentação religiosa
intradiscursiva.
54
estão presentes em toda a produção narrativa religiosa dos pastores: não é raro ver líderes
religiosos realizarem ―entrevistas‖ com os fiéis na tentativa de buscar validar suas próprias
pregações diante da assembleia. De fato, o discurso é construído e mantido por ambos os
locutores (pastores-e-fiéis) que se revezam na produção discursiva religiosa. Assim, podemos
inferir uma dimensão de revezamento de papéis entre os produtores dos DNP, mas apenas
circunscrita ao âmbito persuasivo e não dialogal. Nessa medida, podemos falar em uma
dimensão de revezamento persuasivo dos atores que produzem, mantêm e reorganizam os
DNP, mas sem retirar o foco protagonista da enunciação na voz dos líderes religiosos em
preleção. Os fiéis são, portanto, vozes adjuntas, auxiliares que reforçam e ilustram a
―veracidade e eficácia‖ dos DNP: sem essas vozes secundárias, os pregadores do evangelho
realizariam extensos monólogos doutrinais, sem a participação direta dos crentes.
Conforme percebi nessa pesquisa, os temas estritamente religiosos e também os
teotemas – aqueles objetos de referenciação que são incluídos no discurso religioso, mas a
princípio não são religiosos –, seguem um padrão de recorrência em que a intencionalidade
dos oradores da fé, e, consequente confirmação dos crentes, se mostra ativamente operantes.
Mas, reforço que essa intencionalidade do discurso neopentecostal se realiza aos moldes de
uma chave discursiva de conexão que abre passagem à discursivização religiosa. Logo, o
enunciado neopentecostal parece atender prontamente as aspirações dos ouvintes e estes, num
segundo momento, realimentam as assertivas dos pastores por meio de seus testemunhos à
congregação. Assim, dessa afinidade discursiva podemos compreender que os DNP se
configuram a partir da enunciação e não apenas de pregações monologais isoladas. Não fosse
essa relação visceral entre ―o que deve ser dito‖ (pelos pastores) com ―aquilo que precisa ser
resolvido‖ (pelos fiéis), provavelmente os DNP não ecoariam tão fortemente na congregação
nem se caracterizariam por uma espécie de roteiro persuasivo para a solução de quaisquer
males. Dessa maneira, podemos considerar que os preletores da fé realizam na cena
enunciativa, ―apenas‖ o papel de disparar o gatilho argumentativo da crença, pois a conclusão
restante da obra discursivo-religiosa se faz mesmo pelos próprios fiéis, no decorrer das
celebrações, momentos nos quais confirmam os ―milagres‖ alcançados. Essa relação
estabelecida entre pastores-e-fiéis ―fecha‖ o circuito discursivo religioso, pois um
determinado postulado confirma ao mesmo tempo em que reforça outros enunciados,
conforme esquematizado na figura 3.
55
Figura 3: Produtores do discurso neopentecostal
Fonte: Elaborado pelo autor
Diante do exposto, torna-se evidente que trabalhar com análise do discurso
representa transitar na movência e no desvelamento das intencionalidades dos locutores do
próprio discurso, pois se pensarmos em termos extremos só existe produtores dos discursos já
que a recepção dos enunciados coopera simultaneamente com a produção de outros objetos
discursivos e também reafirma ou contradiz conceitos já postos.
Assim, o papel que seria atribuído ―naturalmente‖ ao alocutário (fiel) é rapidamente
desfeito por meio de seus depoimentos à congregação religiosa ou mesmo durante a produção
de seus discursos interiores, mentais, não revelados ao longo da exposição religiosa. Por isso,
considero que o papel do alocutário representaria apenas um átimo imaginário da enunciação.
O alocutário seria, nessa acepção, uma abstração dos discursos, pois a produção das falas,
tanto de locutores quanto de ―alocutários‖ existem simultaneamente, mas no caso destes
últimos, em um plano não perceptível, não explícito verbalmente, pois se realiza na
subjetividade mental do ouvinte-locutor.
Além dessa característica simultânea na produção discursiva religiosa, nomeei o fiel-
locutor de perlocutor, pois suas falas se moldam como efeitos de sentidos de acordo com a
condução dos pastores em preleção. Ou seja, muito mais do que ouvintes de uma formação
discursiva distinta (DNP), os crentes são coautores do enredo discursivo-religioso: assumem
enunciados doutrinais com os quais produzem efeitos de sentido (perlocutório) que reforçam
as premissas religiosas. Nessa medida, as conclusões com as quais os fiéis-locutores
(perlocutores) produzem a partir das pregações religiosas dos pastores revigoram a produção
dos DNP (fig. 3). Ou seja, as conclusões a que os crentes chegam a partir dos DNP
representam efeitos perlocutórios sobre seus enunciados contextualizados em um cenário
mítico.
Esse próprio texto provavelmente não será lido, tal como penso que estou
escrevendo, pois as vozes interpretativas do ―alocutário‖ (leitor-locutor) reproduzem uma
56
nova organização textual. Nesse sentido, onde estaria a caracterização do alocutário, senão em
locutores que coexistem? Nessa medida, podemos suspeitar que uma organização textual
parecida a essa proposição deve acontecer na constituição e funcionamento dos DNP. Apesar
da distinção conceitual que faço sobre locutor/alocutário, ainda me parece conveniente utilizá-
la, conforme estudos anteriores no campo da linguística, mas apenas para fins didáticos. Não
podemos nos iludir de que os discursos ocorram sequencialmente, mas simultaneamente. Eles
coexistem em produções contínuas, mas perceptível em momentos distintos. Essa forma de
compreensão me parece mais razoável de conceber as produções discursivas.
A despeito do que foi proposto nos parágrafos acima, ainda percebo que a análise do
discurso neopentecostal adquire uma dupla característica: tensional e intencional. No encontro
dessas duas forças, os DNP buscam minimizar as tensões que poderiam ser objeto de críticas
para fortalecer suas teses (Fases Argumentativas intencionais), conforme apresento no último
capítulo.
Durante as observações e análises sobre os DNP, identifiquei sete Fases
Argumentativas, a saber: Fase da autoridade, da sensibilização, da revelação, da promessa,
do desafio, da intimidação e da comprovação. No entanto, não podemos crer ingenuamente
de que só existam essas Fases nos DNP, muito menos de que tais Fases Argumentativas
possuam itens lexicais ―fixos‖, quer dizer, pertencentes apenas a uma determinada categoria
persuasiva, o que afasta a suposição de que exista uma Fase Argumentativa ―pura‖, imune às
influências polissêmicas da linguagem. De fato, o que notamos é que existem elementos de
diversas Fases que se interconectam, permutados durante a pregação religiosa. Por isso, o
mais importante é perceber os prováveis efeitos de sentido que cada postulado religioso-
doutrinal consegue provocar nos interlocutores. Assim, os elementos lexicais destacados nas
pregações religiosas que teriam o poder de representar determinada Fase Argumentativa, são,
na realidade, efeitos perlocutórios mais prováveis de ocorrer, segundo o contexto enunciativo
religioso que nos foi vislumbrado. Ou seja, nossa percepção idiossincrática influenciaria
muito mais o resultado dos atos de fala do que estes em si mesmos poderiam dizer. Tomo tal
proposição como uma possível hipótese para solucionar nossa investigação.
No entanto, apesar das incertezas que geram esse campo nos estudos da linguagem
(TAF), podemos, ainda que esquematicamente, distinguir algumas características prováveis
atuantes em determinadas etapas na arte do convencimento doutrinal religioso. Obviamente, a
distinção aqui apresentada não nega subfases presentes ou coexistentes nos discursos, pois a
argumentação é dinâmica e revela uma profusão de efeitos perlocutórios àqueles que se
arriscam analisá-la.
57
2.1 Aspectos fundamentais na TAF aplicados à análise dos DNP: breve esclarecimento
conceitual
Antes de introduzirmos propriamente a análise dos DNP e categorizar suas pregações
segundo cada Fase Argumentativa, faz-se necessário identificarmos, ainda que brevemente,
alguns conceitos fundamentais na TAF para uma melhor compreensão pragmática dos
fragmentos orais e propagandas. Afinal, as pesquisas de Austin (1990) romperam com uma
longa tradição na concepção de estudos linguísticos focado, até então, principalmente em
pesquisas descritivas da linguagem.
Assim, inaugurada pelo filósofo inglês John Langshaw Austin (1911-1960), a TAF é
posteriormente ampliada por John Roger Searle (1932-?) que incorpora uma concepção
performativa no uso da linguagem. Inicialmente a TAF proposta por Austin foi concebida a
partir de enunciados considerados por ele como performativos que, segundo sua teoria,
estariam representados por expressões que não se submetem ao critério de verificabilidade, se
são falsos ou verdadeiros, e também não descrevem nem relatam algo específico, mas que, ao
serem proferidos, realizam uma ação ou, pelo menos, deveriam realizá-la.
Disso se presume a utilização do termo ―performativo‖, do inglês to perform
(realizar). Como exemplos, podemos citar: Eu expulso esse mal... Ordeno que saia desse
corpo... Eu te abençoo e te livro do Demônio! No exato momento em que tais enunciados são
proferidos, a ação denotada pelo verbo é realizada ou pelo menos pretendida sua execução,
pois o simples proferimento de tais verbos não garante realmente seu cumprimento: ―o fato de
um locutor usar ordeno não implica diretamente que ele esteja produzindo uma ordem, já que
tal objeto implica muitos outros detalhes para a sua existência e não apenas o proferimento de
um verbo‖ (MARI, Handout, p. 2, aula 2A, versão 2010). Conforme vimos anteriormente
para que seja usado tal verbo com sucesso performativo, os pastores precisam demonstrar
autoridade sacerdotal como emissários de um poder superior capaz de, ao comando de sua
ordem, expulsar supostos espíritos malignos incorporados em alguns fiéis. Mas, se a ação
esperada não é realizada, o ato performativo não é satisfeito e se torna sem efeito prático.
Além dos performativos, Austin (1990) descreve a existência dos enunciados
constatativos que, segundo ele, descrevem um estado de coisas, ou seja, constatam a
existência de algo, passível ao critério de verificabilidade. Para esse exemplo, os depoimentos
dos fiéis costumam utilizar verbos que reafirmam algum acontecimento milagroso em suas
vidas, normalmente conjugados no passado simples: ―Deus me abençoou! Consegui me
libertar de todo o mal‖, ―Deus me honrou‖ ou advérbios de tempo/espaço: ―Hoje sou uma
58
pessoa transformada‖, ―Aqui [na igreja] minha vida foi transformada‖. Em ambos os casos, o
fiel constata que sua vida fora transformada por meio de uma intervenção divina. Os
constatativos também são fartamente utilizados pelos profissionais da fé ao utilizarem de
discursos diretos e indiretos, sobretudo na exemplificação de milagres de outrem: ―Tá vendo
gente? Essa mulher foi transformada... A vida dela era só derrota, hoje só vitórias‖. Uma
melhor exemplificação tanto dos atos performativos quanto dos constatativos será realizada
mais à frente, na apresentação de cada Fase Argumentativa dos discursos religiosos. No
entanto, conforme uma análise mais detalhada dos atos de fala nos DNP, os conceitos de
performativos/constatativos não explicam definitivamente nem confirmam uma construção
teórica sobre tais atos, nem dá conta de organizar uma explicação que abarque todos os atos
de fala, pois, as circunstâncias de enunciação, o contexto ou cenário discursivo são
primordiais para atribuirmos algum valor sobre os enunciados.
Austin (1990) inicia a TAF a partir da categorização dos atos
performativos/constatativos, mas logo percebe que estes por si sós não dariam conta de
explicar a complexa organização polissêmica da língua. Dessa forma, amplia a teoria
identificando, segundo ele, três atos simultâneos, presentes em cada enunciado: o locutório, o
ilocutório e o perlocutório. Cada um deles pode ser brevemente exemplificado da seguinte
forma:
(i) Ato Locutório: quando se enuncia p. ex: “Deus estará com você para resolver
todos os seus problemas”, há o ato de enunciar cada elemento linguístico que
compõe a proposição, constituindo-se, assim no ato locutório, isto é, aquilo que
foi enunciado, manifesto por meio de um conjunto de estruturas verbais.
(ii) Ato Ilocutório: Concomitantemente, no momento em que se enuncia tal
asserção (Deus estará com você...), realiza-se o ato de promessa, representada
pela esperança de que Deus decidirá, favoravelmente, sobre nossos problemas.
Esse conteúdo proposicional, extraído diretamente do enunciado, representa a
força ilocutória, que segundo Austin (1990), simboliza aquilo que faz com que
um enunciado realize um ato. Em nosso exemplo, o ato de promessa.
(iii) Ato Perlocutório: Assim, quando se enunciou a frase ―Deus estará com
você...”, o resultado pode ser de dúvida (será verdade que Deus cuidará de
mim?), de contentamento (fico feliz porque Deus presta atenção em mim), de
desconfiança (Deus nunca resolveu nada para mim, por que ele o fará agora?),
de negação (não creio que Deus se importe comigo). Tais conclusões e muitas
outras a que os alocutários podem chegar representam o ato perlocutório que,
apesar das dificuldades em categorizá-lo, dado seu subjetivismo intrínseco e
59
ainda de poder ser admitido, conforme o contexto, como um ato ilocutório,
influenciará grande parte de nossas análises.
Além desses atos de fala propostos por Austin, toda essa abordagem conceitual é
retomada e sistematizada por Searle, em Speech actos (1969) e posteriormente em Expression
and meaning (1979). Assim, ele distingue cinco grandes categorias de atos de linguagem: (i)
assertivos, (ii) diretivos, (iii) comissivo, (iv) expressivo e (v) declarativo, explicitados
conforme o seguinte Quadro exemplificativo:
Quadro 1: Atos de fala e correlação com fragmentos neopentecostais
(continua)
Tipos de atos Conceito Discurso oral a partir das
pregações
Probabilidade
verbal
ASSERTIVO
Asserções que relacionam com o
locutor, demonstram sua crença
quanto à verdade de uma
proposição. Podem expressar:
opiniões, argumentos, declarações,
reclamações, afirmações,
suposições ou negações.
Acredito em Deus!;
Aceito os milagres;
[Admito] sem Deus não sou
ninguém; Tenho certeza
que sem perseverar você
não vai chegar a lugar
nenhum!
acreditar
afirmar,
asseverar,
dizer,
aceitar,
admitir,
ter
DIRETIVO20
Proposição verbal cuja pretensão é
fazer com que o alocutário realize
alguma ação no futuro. Intenciona
levar o ouvinte a fazer (ou deixar de
fazer) algo a partir de ordens,
conselhos, pedidos, proibições ou
sugestões.
Determino que o mal saia
desse corpo!; Deixe sua
vida miserável para trás e
venha para a luz; Proíbo
que o mal volte nesse
corpo; Ordeno que o diabo
bata em retirada!
ordenar,
pedir,
mandar,
aconselhar
exigir
pedir
proibir
COMISSIVO
Frases que envolvem o locutor com
uma ação futura. Assim, o
enunciador se compromete a
realizar (ou deixar de fazer), no
futuro, uma ação referida no
próprio enunciado.
Eu vou colocar a mão na
cabeça de todos os
dizimistas;
Eu vou abençoar sua vida!
jurar
intencionar
prometer
garantir
[...]
20
Os atos diretivos nos DNP adquirem muitas vezes uma realização indireta, pois normalmente os discursos
religiosos são dirigidos às entidades demoníacas, intangíveis e não exatamente aos fiéis. De qualquer forma,
intenciona-se proceder à realização de atos diretivos: fazer com que o alocutário (Demônio) ou mesmo os fiéis
cumpram determinadas ordens, ainda que em tom de sugestão (aconselho que...).
60
EXPRESSIVO
Expressam sentimentos, estados
psicológicos do locutor em relação
ao enunciado: alegria, esperança,
irritação, tristeza, etc.
Ah!... com Deus somos
mais!; Agradeço pelos dons
da cura!; Sinto paz
interior...
desculpar,
agradecer,
sentir
[...]
DECLARATIVO
Enunciados que alteram a
realidade pelo simples
proferimento, criando novos
estados de coisas. Para serem bem
sucedidos ou ―felizes‖ só podem ser
praticados por locutores investidos
de autoridade aceita pelos
interlocutores e a partir de um lugar
específico de enunciação.
Determino que esse mal
saia desse corpo;
Exerço o dom da cura!
Receba sua vitória!
expulsar,
demitir,
condenar,
exercer
[...]
Além dessa classificação, existem outros elementos na TAF que procuram explicar
algumas estruturas contextuais presentes no cenário enunciativo e que influenciariam a
determinação de um ato de fala como modo, condições preparatórias, condições de sinceridade,
etc. Assim, a TAF colocou como protagonistas da enunciação quem fala (locutor); com quem se
fala (interlocutor); para quem se fala (auditório, público-alvo); para que se fala (objetivos
persuasivos do discurso); de onde se fala (lugares da enunciação: igreja, academia, hospitais,
clubes, etc); o que se fala (discursos políticos, religiosos, ético-filosóficos, artísticos); como se
fala (calmamente, entusiasticamente), etc. Como se percebe, todos esses elementos modificam
consideravelmente o conteúdo proposicional de um determinado enunciado. Além do ponto,
para compreensão dos enunciados, a TAF relaciona também o modo que regulamenta a relação
locutor/alocutário com o mundo além de outras categorias (condições preparatórias, de
conteúdo proposicional e de sinceridade).
Enfim, a TAF coloca em cena não apenas a descrição feita pela linguagem, mas sua
execução prática no cotidiano das relações intra e interpessoais, em que sujeitos reais utilizam a
fala em sua plenitude. Mas, sua importância não está propriamente nas respostas que
descobrimos, mas em destacar as pistas que fornecem ao entendimento de como a linguagem
se manifesta, sobretudo, na multiplicidade de sentidos. Dessa forma, a compreensão dos
enunciados seria apenas uma pré-condição para adentrarmos no labirinto multifuncional da
linguagem. Por isso, não iremos nos deter nos pormenores da TAF, pois tal classificação
demandaria um novo trabalho e também extrapolaria aos objetivos dessa pesquisa, que se atém,
conforme reiterado, na classificação analítica das Fases Argumentativas dos discursos
neopentecostais.
61
Conforme pretendi deixar claro, o ato perlocutório assume uma função central em
nossa análise para categorização do script persuasivo neopentecostal, pois se realiza a partir
da perspectiva do alocutário – público-alvo para o qual se dirige toda a argumentação
religiosa. No caso particular dessa pesquisa, os efeitos perlocutórios dos DNP foram
percebidos por mim ao longo desses últimos cinco anos de observação e análise, conforme
esclarecido na introdução. Tal fato deve ser levado em consideração dada a natureza das
conclusões que apresento em razão das dificuldades de categorizar sete estratégias persuasivas
nos DNP. Ao que parece, para chegarmos a determinadas conclusões sobre algo, precisamos,
antes de qualquer elaboração teórica, ―ler‖ nossa própria organização perceptiva em nosso
derredor.
Segundo Merleau-Ponty (1999, p.286): ―o objeto só se determina como um ser
identificável através de uma série aberta de experiências possíveis e só existe para um sujeito
que opera esta identificação‖. Tal afirmação reforça a tese de que nossa percepção é
construída intimamente (idiossincraticamente) sobre aquilo que julgamos aceitável de se
compreender, reorganizando nossa a realidade em um incessante movimento cognitivo, a fim
de oferecermos uma explicação mais convincente à razão.
Diante da fundamentação teórica exposta acima, é possível mostrar como certos
excertos de DNP que exponho podem ter aspectos do seu funcionamento explicado através de
parâmetros da TAF, conforme análise desenvolvida no último capítulo. Assim, a partir da
percepção perlocutória nos atos de fala das pregações religiosas, tornou-se mais fácil
compreender de que forma as sete Fases de sua argumentação puderam ser articuladas.
Por exemplo, quando registro uma locução proferida por fiéis ou pastores como
vinculada ao ―ato diretivo‖, na verdade, estou tomando por base muito mais os efeitos de
sentido (perlocução) que o enunciado (locução) suscitou em mim do que uma análise
ilocutória da expressão. Nessa medida, podemos refletir sobre as pregações religiosas nos
seguintes termos: tal enunciado provoca algo no alocutário na tentativa de fazê-lo(la) realizar
uma determinada ação? Ou, algum objeto da discursivização religiosa desperta no alocutário,
ainda que subliminarmente, alguma emoção? Afinal, o que os discursos religiosos
―intencionam‖ atingir? Por meio desses questionamentos-guia, categorizei a maior parte dos
enunciados.
Conforme esclarece Mari (handout, aula7b, 2010, p.10), ―seria inviável produzir um
efeito-perlocucional, sem que tivesse ocorrido antes uma força-ilocucional, já que aquele é
apenas uma modalização possível para esta, ou uma sequela dela como apontou Austin‖.
62
Também não descarto a sequência locutiva > ilocutiva > perlocutiva na compreensão
dos enunciados religiosos, mas reconheço que as análises aqui realizadas focalizaram,
sobretudo, a relação entre o ilocutivo e o perlocutivo para categorização das sete Fases
Argumentativas dos DNP, pois essas categorias acionais e persuasivas surgiram a partir de
efeitos de sentidos diferenciados ao longo da observação dos discursos religiosos. Não seria
coerente, pois, analisá-las sob a ótica de valores ilocutórios, uma vez que não foram
discretizadas a priori apenas a partir de tais valores, mas, pelo contrário, as próprias Fases
emergiram como efeitos perlocutórios resultantes do meu contato pessoal com os discursos
religiosos. Assim, eu não poderia ―concluí-las‖ sem os efeitos de sentido (perlocução) delas
decorrentes. Dessa forma, não poderia realizar análises apenas a partir das forças ilocutórias já
que as categorias persuasivas, na dimensão perlocucional, foram decisivas para a formulação
dessa análise. Ou seja, esse posicionamento conceitual indica que as próprias Fases
Argumentativas são efeitos de sentidos resultantes da minha aproximação com os DNP. Mas,
sabemos que a linha divisória entre atos ilocutórios/perlocutórios é muito tênue: ―um efeito é
uma forma de modalização do ilocucional, ou antes, é uma forma de os interlocutores se
posicionarem diante de uma conduta que lhes é prescrita ou que foi realizada‖ (MARI, op. cit,
p. 11).
Temos que considerar que os efeitos perlocucionais não se vinculam apenas à análise
dos enunciados. Por consequência, podemos admitir que os significados característicos das
Fases Argumentativas dos DNP são gerados também a partir da percepção sobre as condutas
de seus interlocutores e de elementos coadjuvantes, preservados, sobretudo, no âmbito do
cenário enunciativo21
. A esse conjunto de elementos – que ultrapassa a uma simples análise
locucional das pregações religiosas – poderíamos associar uma dimensão perlocucional e não
simplesmente dizer algo sobre efeitos perlocucionais derivados diretamente das pregações
religiosas. Nesse sentido, uma dimensão perlocucional abarcaria, além das proposições
verbais inscritas a partir do enunciado, elementos não verbais que cooperam para que um ato
adquira certo efeito de sentido (perlocução). Portanto, como ―é questionável se devemos
derivar um efeito perlocucional diretamente do significado de uma proposição‖ (MARI, op
cit, p. 11), possivelmente faltar-nos-iam outros elementos para uma conclusão apropriada,
pois estaríamos fundamentados somente em proposições enunciadas. Por isso, a
contextualização dos atos de fala é tão importante para a compreensão dos enunciados, afinal,
a compreensão da linguagem não se realiza descolada da realidade que a engendra. Os atos
21
Ver também a expressão sinonímia cenário argumentativo, no glossário, ao final desse trabalho.
63
perlocutórios, são, portanto, efeitos de sentido complexos advindos de uma leitura
particularizada da realidade em função da nossa própria capacidade de traduzir o ―real‖ ou
fazê-lo coerente, segundo nossa percepção. Precisamos, pois, recuperar no cenário
enunciativo (dimensão contextual da mensagem) aquilo que nos motivou a concluir sobre
determinada proposição, pois de pouca valia nos serviriam efeitos decorrentes somente a
partir do significado de enunciados isolados.
Em tempo, registro essa nota metodológica para que não restem dúvidas de que, tal
como um efeito perlocutório, outras respostas também poderiam ser apresentadas nessa
pesquisa à maneira de uma representação idiossincrática. Apresento também nesse capítulo
um Quadro-resumo ilustrativo de forma a erigir, ao final desse trabalho, uma possível síntese
analítica, mas aberta a novas classificações.
Exemplificando: para o enunciado [proferido por um pastor em tom de exaltação]:
“Eu vim trazer um recado de Deus para vocês!”, foi compreendido ―perlocutoriamente‖ por
mim como característico da Fase da Autoridade (o pastor se mostra investido de poder capaz
de anunciar palavras de Deus, como um legítimo sacerdote deve se portar frente aos seus
discípulos). Mas, isso não impede que a mesma locução seja compreendida por outrem como
Fase da Sensibilização (o pastor se mostra próximo, amigo de Deus, logo, eu também posso
ser...); entendida como Fase da Revelação (o pastor tem algo interessante para anunciar
diretamente de Deus). Ou, percebida sutilmente como Fase da Promessa (ora, se o pastor diz
que veio trazer um recado de Deus é porque ele vai revelar – promessa subentendida).
A partir dessas inferências, podemos justificar os efeitos diversificados delas
decorrentes da seguinte maneira: a Fase da Autoridade evidenciaria a partir de um efeito de
sentido extraído das condições preparatórias do locutor (eu = representante de Deus); a Fase
da Sensibilização, de um efeito extraído das condições de sinceridade do locutor
(supostamente, o locutor quer ajudar o alocutário com um recado de Deus); a Fase da
Revelação representaria efeitos extraídos das condições de conteúdo proposicional (Eu vim
trazer... para vocês); a Fase da Promessa representaria as condições de sinceridade do locutor:
―Eu vim trazer um recado de Deus‖ e, portanto, deverá revelar algo, para ser leal a Deus
(promessa subentendida) e também das condições preparatórias, pois o locutor se coloca
como ―representante de Deus‖ e, como tal, tem autoridade para realizar a Promessa de revelar
―um recado de Deus‖.
Podemos também encontrar justificativas hipotéticas para as demais Fases da
seguinte forma: a Fase do Desafio e Fase de Intimidação podem ser promovidas a partir do
efeito das condições de conteúdo proposicional, afinal ―um recado de Deus‖ pressupõe
64
também uma ordem a ser cumprida (desafio) pelos alocutários, ou uma advertência
(intimidação). Finalmente, a declaração ―Eu vim trazer... de Deus‖ poderia representar a Fase
da Comprovação pelas condições preparatórias do Locutor (representante de Deus) e pelo
conteúdo proposicional expresso na própria declaração. Para melhor visualização dessas
relações de efeito de sentidos e com suas prováveis justificativas, apresento o Quadro 2. Nele
podemos visualizar que as sete Fases estão vinculadas tanto aos efeitos de sentidos quanto aos
efeitos de argumentação – próprios da estrutura persuasiva religiosa, também atrelada às
condições causais, nessa sequência: [efeitos > condições (causas) > Fases].
Quadro 2: Relação causa-efeito para as Fases Argumentativas nos DNP
Enunciado: “Eu vim trazer um recado de Deus para vocês!”
Locutor: Pastor
FASES Efeitos (ações que corroboram as Fases) Causas prováveis para os
efeitos
Autoridade O pastor se mostra investido de poder capaz
de anunciar ―um recado de Deus‖, como
representante sacerdotal.
Condições preparatórias do
locutor na qualidade de
representante de Deus
Sensibilização O pastor se mostra próximo, amigo de Deus,
logo, eu também posso ser...
Condições de sinceridade
do locutor
Revelação O pastor tem algo interessante para dizer,
―um recado de Deus‖
Condições de conteúdo
proposicional
Promessa Ora, se o pastor diz que veio trazer ―um
recado de Deus‖ é porque ele vai revelar –
promessa subentendida.
Condições de sinceridade
do locutor
Condições preparatórias
(representante de Deus)
Desafio ―Um recado de Deus‖ pressupõe também
uma ordem/sugestão a ser cumprida
(desafio/conselho)
Condições de conteúdo
proposicional
Intimidação ―Um recado de Deus‖ pressupõe também
uma advertência (intimidação)
Condições de conteúdo
proposicional
Comprovação Se o pastor declara que tem ―um recado de
Deus‖ é porque ele está próximo do Criador.
Condições preparatórias do
Locutor (representante de
Deus)
65
Esses posicionamentos são importantes para que se compreenda que os fragmentos
de pregações aqui apresentados estão intrinsecamente relacionados aos efeitos de sentido
suscitados em mim durante sua categorização. Essa foi uma resposta que eu mesmo procurei
encontrar ao longo da pesquisa para as Fases Argumentativas dos DNP que identifiquei, pois,
a cada nova análise da discursivização religiosa que fazia, eu acabava assumindo novas
perspectivas em ângulos de observação diferenciados, o que, obviamente, alterava
constantemente a classificação original. No entanto, tal angústia teórica foi apaziguada com o
uso metodológico da TAF. Assim, desse experimento cognitivo que se tornou a elaboração
dessa pesquisa, podemos depreender que o significado de um objeto é estritamente vinculado
à ―posição‖ que o observador se coloca diante desse mesmo objeto. E essa posição pode
variar de acordo com as disposições internas, mentais, cognitivas de cada observador, de seus
interesses pessoais de satisfação, da acomodação mental, de suas experiências de vida ou de
suas idiossincrasias, dentre outros fatores.
Dito isso, agora caberá ao leitor reconstruir novas perspectivas de compreensão e
categorização dos discursos religiosos apresentados. Até aqui, vislumbramos um percurso
investigativo um tanto demorado, pois começamos a adentrar na investigação de uma
formação discursiva (DNP) e não apenas em um objeto de pesquisa previamente circunscrito
sob a forma de algum documento mais delimitado. Uma formação discursiva, apesar de
possuir características semânticas, estruturais, recorrentes mais ou menos delimitadas ainda
representa um vasto campo de objetos discursivos. Por isso, a fim de aproveitarmos melhor
essa investigação, torna-se necessário estender explicações teóricas sobre determinados
aspectos do funcionamento discursivo para que não restem dúvidas sobre sua própria
movência semântica, com a qual podemos confirmar, negar, construir ou destruir, por meio da
linguagem, quase tudo de nosso universo cultural e imaginativo.
66
3. Referentes neopentecostais: elementos de uma identidade discursiva religiosa
Além dos discursos orais, exponho, nesse terceiro capítulo, imagens que ilustram, no
meu entendimento, os três principais objetos referenciais do neopentecostalismo, a saber: o
sacerdotalismo, o exorcismo e a prosperidade. O destaque se dá para a publicidade sacerdotal
em que o poder de seus discursos doutrinais tenta eleger os líderes religiosos à categoria de
líderes carismáticos ―aptos‖ a resolver os problemas de suas comunidades de fé.
Utilizo o conceito de referente discursivo, conforme fundamentado nos autores do
capítulo anterior para explicitar o objeto de pesquisa, qual seja: o discurso neopentecostal,
sobretudo aquele produzido oralmente e proferido por líderes religiosos no momento de suas
preleções à igreja, ou, utilizando-me de um termo mais familiar no terreno da fé, discursos
provenientes de pregações ou homilias.
Defendo que os DNP apresentam uma maneira específica de discursivisar o sagrado
e em algum momento de sua projeção ao público, pelo menos, três referentes principais lhe
dão sustentação e perpetuam o seu modo de dizer. É por meio da identificação e
funcionamento de seu tríplice aspecto referencial indissociável que posso dizer que tal
discurso situa-se na esfera ou campo discursivo neopentecostal. A importância desses
referentes é tamanha, que se pensarmos na ausência de qualquer um deles, redundaria na
descaracterização identitária-discursiva do neopentecostalismo.
Assim, durante essa pesquisa, dedicada, sobretudo na escuta da oratória religiosa
identifiquei alguns referentes discursivos que, por assim dizer, marcam a prédica
neopentecostal. Com menor ou maior força e proporções no uso de um referente em
detrimento de outro, eles estão presentes em todas as práticas desse campo religioso dando o
tom do neopentecostalismo, de acordo com cada orador da fé.
Dessa forma, os referentes apresentados nessa primeira parte são de extrema
importância para se compreender a formação discursiva neopentecostal, principalmente a
partir de sua pragmática linguística. Conforme vimos, esses referentes religiosos basilares
seguem uma ordem hierárquica (sacerdotalismo > exorcismo > prosperidade) e aparecem
destacados em algum momento da pregação ou publicidade religiosa. No entanto, os
referentes secundários (teotemas) não seguem essa mesma ordem de apresentação nos DNP.
Ao longo das observações e análises, identifiquei o que chamo de tríade referencial
dos DNP, o que marca, ao mesmo tempo, sua identidade discursiva religiosa. Essa tríade
discursiva, que compõem os principais referentes do neopentecostalismo pode ser decomposta
67
com os seguintes elementos: (i) o sacerdotalismo; (ii) o exorcismo e (iii) a prosperidade. No
desenvolvimento desse capítulo, exponho cada um desses referentes neopentecostais a fim de
esclarecer, ao final do trabalho, como essa formação discursiva se articula com vistas ao
intento persuasivo. Esses referentes são, no meu entendimento, as bases que caracterizam a
maioria dos DNP pesquisados. Juntos, eles fundam as diversas narrativas neopentecostais
dando suporte para que surjam, a partir deles, novos referentes secundários, mas não menos
importantes pela força persuasiva em que se articulam. A esses referentes secundários
(abordados no próximo capítulo) nomeei por teotemas22
dos DNP por representar um
grupamento lexical mais amplo no sentido de ser mais generalista e suscetível de utilização
em outros campos semânticos distintos, mas que são utilizados com certa frequência nos
discursos religiosos.
Tanto os referentes basilares quanto os acessórios dos DNP, ora problematizam ora
divinizam o espaço e o tempo religioso da enunciação. É a partir de toda uma rede lexical
ressignificada que percebemos que a identidade discursiva neopentecostal não se limita a um
conjunto determinado de elementos. Assim, não podemos demarcar completamente sua
identidade religiosa segundo um número limitado de termos, mas apenas apontar pistas de sua
existência e funcionamento.
Não convém, pois, limitar um conjunto de itens lexicais como uma exclusividade do
domínio religioso em questão, mas apresentar alguns termos mais recorrentes e sua relação na
produção de sentidos. Conforme explicitado, a identidade do objeto aqui analisado, isto é, o
discurso neopentecostal em si assemelha-se à identidade do próprio sujeito. Segundo Coracini
(2009, p. 243):
A identidade permanece sempre incompleta, sempre em processo, sempre
em formação. Assim, em vez de falar de identidade como algo acabado,
deveríamos vê-la como um processo em andamento [...], pois só é possível
capturar momentos de identificação do sujeito com outros sujeitos, fatos e
objetos. Convém lembrar que toda identificação com algo ou alguém ocorre
na medida em que essa voz encontra eco, de modo positivo ou negativo, no
interior do sujeito.
22
Apresento uma exposição mais detalhada sobre esse termo na seção 4.2 desse trabalho: Teotemas e a
sacralização espaço-temporal da enunciação neopentecostal
68
Na minha compreensão, os diversos temas tratados nos DNP adquirem força de
convencimento justamente porque estão assentados nos três referentes principais – a começar
pelo referente sacerdotal. Já os referentes secundários (teotemas) funcionam, como veremos
mais à frente, como um ―acabamento‖ argumentativo interdiscursivo em que se desenvolvem
a partir da tríade referencial fundante (próspera, sacerdotal e exorcista). No meu
entendimento, esses três elementos formam o alicerce sobre o qual os teotemas se multiplicam
em nuanças argumentativas, o que torna os DNP muito criativos e sedutores para fins
proselitistas. Mas, deixemos o aprofundamento dessas questões para seu devido momento.
Por ora, vamos nos ater aos três referentes que, como já expus, produzem a marca identitária
da pregação neopentecostal.
3.1 Autoridade Sacerdotal: representantes de Deus e a promessa de milagres
Ao analisar a produção discursiva neopentecostal, percebi que a ação dos líderes
religiosos adquire uma importância central na condução do enredo persuasivo. Assim, trato a
função exercida pelos pastores, sobretudo quando da manifestação de sua autoridade
profética, como referente sacerdotal. Tal categoria é focalizada nesse capítulo enquanto
objeto referencial fundante para que o discurso religioso se desenvolva em outros níveis e
expressões persuasivas, conforme veremos ao longo dessa pesquisa.
Assim, o sacerdotalismo exerce um papel ainda mais preponderante, sobretudo na
identificação discursiva desse segmento religioso ao imprimir uma influência preponderante
aos sacerdotes. Essa identificação, conforme pretendi esclarecer nos capítulos anteriores
assume o formato de uma formação discursiva local. Segundo Weber (2009, p. 294):
―denominam-se sacerdotes os funcionários de uma empresa permanente, regular e organizada,
visando à influência sobre os deuses‖. Nesse sentido, os sacerdotes neopentecostais exibem
uma diversidade muito grande de estratégias com vistas ao relacionamento com as divindades,
conforme exemplos aqui demonstrados.
Assim, para que se compreenda a influência sacerdotal enquanto objeto referencial
dos DNP, é preciso atentar para o fato de que esse padrão discurso-religioso coloca como foco
central a própria figura missionária de seus líderes, com promessas de milagres e bênçãos para
a solução de supostos males a que os crentes são acometidos, conforme exemplificado nas
figuras 4 e 5. Essas ilustrações mostram o milagre como principal ingrediente ofertado
69
pelos sacerdotes: ―grande cruzada de milagres‖ (fig.4) e ―explosão de milagres‖ (fig.5). Nessa
última, com a promessa explícita de bênçãos: ―... estarão abençoando as famílias‖.
Assim, como profeta de Deus, o líder religioso busca oferecer a cura para diversas
doenças, se apresenta como uma revelação à maneira de um artista aguardado ansiosamente
pelo público. Por isso, a propaganda é carregada de valor diretivo seguido de comissivo
pressuposto, isto é, procura levar o alocutário a agir em prol de sua própria cura indo à igreja
para receber (promessa) a solução daquilo que precisam (―venha receber‖, fig.4). Poderíamos
destacar também falas em termos de interpelações que expressam convite e expectativas:
―Depois da África e Japão, chegou a vez de Montes Claros!‖
Figura 4 – Cruzada de Milagres
Fonte: Fotos do autor (IRC, 2006, MOC)
Figura 5 – Explosão de Milagres
Fonte: Fotos do autor (MIR, 2006, MOC)
Conforme ilustrado também em outros exemplos nos DNP, o referente sacerdotal
caracteriza-se principalmente por não poupar elogios a seus líderes, considerados intérpretes
de Deus entre os homens conforme exemplo em questão (fig.5), onde o pastor é nomeado por
―conferencista internacional‖. Dessa forma, essa condição preparatória do líder religioso
reforça sua autoridade profética. Assim, a propaganda sacerdotal, tal como ilustrado nas
figuras acima, inicia-se de uma maneira geral realçando o potencial milagroso centrado na
figura de um líder religioso que demonstra possuir as ―chaves‖, os códigos para decifrar as
FIG.2
Fonte: arquivo do pesquisador, 2007.
70
palavras sagradas e materializá-las sob a forma de bênçãos, curas e revelações às pessoas.
(―palavras de revelação, oração pelos enfermos‖, fig. 5).
Esse tipo de propaganda com forte valoração sacerdotal se converte em promessas
[atos comissivos dos pastores] na medida em que podem contribuir para modificar a vida
humana. Evidentemente, além da autoridade sacerdotal das asserções existem elementos
persuasivos marcados, sobretudo, por promessas, pois a própria estrutura persuasiva
sacerdotal dos atos de fala neopentecostais assim exige: um sacerdote não pode vir desprovido
de promessas à sua comunidade de fé (Quadro 3).
Quadro 3: Promessas – valor sacerdotal das pregações
Loc.
Excertos do corpus Inferências sacerdotais
(relação Ponto/Modo)
Pas
tor
1
Nós estaremos indo à Terra Santa [Israel] e
iremos apresentar seu pedido... seu maior
sonho, seu desejo no Poço de Jacó... Nesse
lugar foi onde inúmeros resultados na vida
financeira, sentimental aconteceram na vida
dos heróis da fé... E o que aconteceu na vida
deles vai acontecer na sua vida também! Por
que não? Você vai escrever seu maior sonho e
maior desejo sentimental... Nós [os pastores]
vamos lá para um único objetivo: a sua
realização! (IIGD, 2009)
P:comissivos/M:promessas
(estaremos/iremos/vamos lá)
P:assertivo/M:predição
(vai acontecer)
P:diretivo/M:sugestão
(vai escrever)
Pas
tor
2
Eu não só quero como posso te ajudar! Deus
me chamou para isso! (IMPD, 2010)
P:comissivos/M:desejo/possibilidade
Comissivos marcados pelas condições
preparatórias (posso) e de sinceridade
(quero).
Obviamente para que tais asserções sejam aceitas como verdadeiras, isto é, passíveis
de alguma mudança positiva na vida dos fiéis, é preciso que se deposite confiança
primeiramente nas palavras do próprio líder religioso, cuja tarefa se propõe levar
determinados pedidos para que Deus os realize (IIGD, 2009). Sem o reconhecimento dessa
autoridade, que se estabelece nas bases da propaganda religiosa e na oratória dos profissionais
71
da fé, não haveria razão para se falar em poder de persuasão dos discursos religiosos, muito
menos se daria crédito aos milagres que prometem realizar sob a intercessão de Deus. O
―único objetivo‖ a que o pastor 1 arremata ao final do enunciado confirma seu caráter
sacerdotal de se servir de ―ponte‖ entre o humano e o sagrado. Outro fragmento persuasivo a
ser destacado é que ao final o pastor 1 realiza sequencialmente dois atos (assertivo/predição e
diretivo/sugestão): ―vai acontecer‖ [o milagre]; ―vai escrever‖ [o desejo, o sonho]. Essa
relação discursiva predição/sugestão, é bastante recorrente nos DNP, pois, à pregação
religiosa, não basta predizer o milagre, é preciso fazer com que os crentes realizem ações.
Os desdobramentos da relação promessa/realização serão melhor visualizados no
último capítulo, no qual apresento detalhadamente as Fases persuasivas dos DNP. Por
enquanto, nosso objetivo aqui se restringe em ilustrar o referente sacerdotal como
característica constitutiva dos discursos religiosos.
Quanto a asserção do pastor 2, este também intenta realizar atos de promessas gerais,
pois não especifica um objeto de realização, tal como faz o pastor 1. Mas, no caso da
representação sacerdotal, o segundo pastor elabora um argumento preparatório que o habilita
ao caráter profético (―ele pode ajudar‖). Tudo isso serve para ratificar a análise dos
proferimentos (loc. 1 e 2) com promessas sustentadas por sacerdotes que demonstram uma
explícita autoridade ao executar suas falas.
A solidariedade do grupo religioso (pastores e fiéis) é forçosamente vigorosa,
baseada que está na estreita dependência recíproca grupo-indivíduo. Essa solidariedade é
ainda mais perceptível quando esquematizada por uma espécie de encenação discursiva
neopentecostal, ilustrada principalmente no último capítulo dessa tese, onde esquematizo sete
Fases da argumentação neopentecostal, sem a pretensão de esgotar ou cercar os limites da
persuasão religiosa, mas mostrar certa racionalidade na elaboração desse campo discursivo.
O apoio recíproco do grupo (pastores-fiéis) parece convergir para um consenso nos
referentes doutrinais da pregação neopentecostal. Essa troca recíproca e simbólica sobre o
sentido a que os referentes religiosos falam, como falam, porque falam e, sobretudo, para
onde tentam levar os fiéis à ―compreensão‖ sobre as resoluções divinas que os orientam a
respeito de uma determinada situação. Para ilustrar tal posicionamento, destaco, no Quadro 4
(IURD, 2011), duas cenas na intenção de exemplificar uma forma de associação discursiva
muito comum nos DNP, estabelecida entre pastores e fiéis. Pois, muitas vezes, suas falas se
misturam, sobretudo quando o pastor se projeta na condição dos fiéis e estes confirmam,
posteriormente, por meio de testemunhos em público, suas conquistas miraculosas.
72
Quadro 4: Associação discursiva - apoio recíproco entre pastor/fiel
L
oc.
Enunciados – excerto do corpus
Inferências
Pas
tor
Se você diz: eu quero mudar de vida... eu
quero ser pai.... eu quero receber do
Senhor a vitória e através dessa atitude de
fé o milagre vai acontecer! VAI
PORQUE VOCÊ CRÊ... E quem não
crer? Quem não crer não recebe... A
pessoa que crê é aquela que vem... Por
isso... os testemunhos PROVAM a
grandeza e o poder de Deus.
Inversão dos papéis enunciativos: é o pastor
que assume a função locutiva do fiel e
estabelece uma sequência de atos
comissivos/desejo, conforme sublinhados.
Essa comissividade é ratificada pelo ato
assertivo/predição -...vai acontecer, vai
porque você crê...
Há também um ato diretivo/provocação que
testa o interlocutor sobre a sua crença.
E, por fim, um conjunto de atos assertivos
que confirmam a necessidade da crença em
Deus.
Fie
l
Só de meu filho estar aqui já é o maior
milagre porque ele tentou suicídio 3
vezes... no primeiro ele tomou
comprimido... no segundo ele quebrou
uma garrafa e enfiou no pescoço né...
levou 70 pontos! (...) e o terceiro ele
bebeu soda com coca-cola, (...) falta sete
órgãos no corpo dele (...) ele não tem
estômago... não tem esôfago... não tem
traquéia... não tem laringe... não tem
faringe... ele só tem o pulmão... Agora
teve que tirar a vesícula também... Ele
pesava 37 quilos... Os médicos falaram:
―eu quero conhecer esse Deus do Cleber‖
(...) Meu filho tá aqui gente! Forte!
Saudável porque nosso Deus não falha!
O testemunho da mãe complementa a
explicação inicial do pastor. Nele podemos
destacar diversas asserções sobre fatos da
vida do filho.
Ocorre a simulação de um ato comissivo
para os médicos (quero conhecer esse Deus
do Cleber...), que representa uma tentativa
de dar credibilidade aos fatos narrados. Por
fim, poderíamos destacar a emoção da mãe
presente no relato, através de atos
expressivos (meu filho tá aqui, gente / Forte
/ Saudável), que se confirmam pela ação
causal de Deus (porque nosso Deus não
falha).
Como se percebe pela sequência apresentada nos excertos acima e em grande parte
de outros fragmentos discursivos apresentados nesse trabalho, os DNP são marcados por uma
espécie de complemento explicativo da autoridade sacerdotal, à semelhança de uma parceria
argumentativa continuamente evidenciada em enunciados de pastores-e-fiéis.
73
Para compreensão de alguns aspectos da religião instituída Weber (1994, p.370)
formula a expressão ―religiosidade sistematicamente teologizada‖. Para ele, tal categoria faz
com que nasça em seu meio uma aristocracia dos ―dogmaticamente instruídos e cientes, os
quais então, em grau e com êxito diversos, fazem questão de ser os verdadeiros portadores
dessa religiosidade‖. Tal crença cria um ambiente favorável ao surgimento de sacerdotes. No
caso neopentecostal em foco nessa pesquisa, um novo dado vem corroborar a autoridade
sacerdotal: ela nunca vem separada do apoio dos seguidores do líder religioso. Assim,
conforme percebi nos discursos analisados, o referente sacerdotal só se sustenta pelo apoio
explícito dos seguidores daqueles que se autodenominam ―profeta de Deus‖, ―homem de
Deus‖, ―apóstolo de Deus‖, etc. Sem essa validação por parte dos fiéis, sobretudo expressos
em depoimentos sobre milagres alcançados aos demais crentes da igreja, provavelmente, os
sacerdotes da atualidade não subsistiriam por muito tempo.
Oportuno explicar a distinção entre os termos ―sacerdote e messias‖. Conforme nos
esclarece Pereira (2001, p. 26), ―o messias é um personagem concebido como um guia divino
que deve levar o povo eleito à vitória sobre algum estado de opressão em que vive‖. WEBER
(2009, p.378) ainda explica que:
O messias é alguém enviado por uma divindade para trazer a vitória do Bem
sobre o Mal, ou para corrigir a imperfeição do mundo, permitindo o advento
do Paraíso Terrestre, tratando-se, pois de um líder religioso e social. O líder
tem tal status não porque possui uma posição dentro da ordem estabelecida,
e sim porque suas qualidades pessoais extraordinárias, provadas por meio de
faculdades mágicas ou estáticas, lhe dão autoridade; trata-se, pois, de um
líder essencialmente carismático. Assim, age graças ao seu dom pessoal
apenas, colocando-se fora ou acima da hierarquia eclesiástica ou civil
existente, desautorizando-a ou subvertendo-a, a ruptura de ordem
estabelecida podendo ser breve ou de longa duração.
Nesse sentido, observa-se o surgimento de novos messias em todos os tempos da
humanidade. Nas figuras 4 e 5, percebemos propagandas que beiram ao messianismo, mas
que de fato superlativam a figura sacerdotal em duas igrejas em Montes Claros – MG: a
chegada de um líder religioso foi tratada praticamente como a chegada de um messias, isto é,
de um líder respeitado e admirado por seus fiéis. Na realidade, essa falsa impressão
messiânica se dá justamente por um excesso propagandístico das qualidades sacerdotais,
conforme explicitado em Weber (2009) e Pereira (2001) sobre as funções de ―um líder
essencialmente carismático‖. Afinal, um messias ―é alguém enviado por uma divindade...‖
74
(Conf. WEBER, 2009). Mas, no caso dos sacerdotes em questão, não podemos assegurar que
alguma ―divindade‖ os tenha enviado à pregação do evangelho e distribuição de milagres aos
aflitos, mas, antes disso, sabemos que tais pastores passam por alguma imersão nos discursos
religiosos até a profissionalização no sagrado. Tornam-se, pois, profissionais da fé com
perspicácia argumentativa suficientemente eficaz no convencimento (ou conversão) de
grandes massas. Enfim, adquirem um prestígio social de sacerdotes e não de messias23
.
Rigorosamente, um pastor não torna algo divino, mas sagrado.
Apesar dessa distinção (sacerdotes/messias) o messianismo ainda subsiste como
força propulsora das esperanças daqueles que buscam por uma solução miraculosa em suas
vidas. Afinal, a promessa por uma vida melhor é um dos grandes, senão o maior, estandarte
dos DNP em particular e das religiões por extensão. Sem as promessas de solução para os
problemas humanos não haveria razão para se falar de esperança que os discursos religiosos
de uma maneira geral, tanto incitam entre os fiéis.
Assim, o messianismo implícito busca se firmar como uma força prática na oratória
religiosa e não como um enunciado passivo e inerte de significação: ―diante do espetáculo das
injustiças, o dever do homem é trabalhar para saná-las, pois sua é a responsabilidade pelas
condições do mundo‖ (PEREIRA, 2001, p. 76). E, desde que a crença se inicia, dá, então,
lugar ao movimento messiânico, que se destina a consertar aquilo que existe de errado, pelo
menos na opinião daqueles que parecem aceitar serem guiados pelas qualidades
transcendentais dos líderes religiosos, sob o manto de sacerdotes imbuídos de valores
messiânicos, sem precisarmos considerá-los ―messias‖.
Pereira (2001 apud FERREIRA, 2008) explica que o messias tem diversos objetivos:
políticos, sociais, econômicos (conforme se localizem os erros neste ou naquele setor) –
religiosamente alcançáveis, isto é, por meio de rituais especiais um enviado imaculado é
revelado aos homens a fim de ―resolver‖ as demandas cotidianas de uma sociedade.
Normalmente, os movimentos messiânicos registram a figura masculina, conforme a
cosmogonia bíblica apresenta multiforme: o próprio Deus é representado por homens que se
autodenominam ―profetas‖. Talvez por isso, os movimentos messiânicos apresentam-se
sempre a mesma forma: um indivíduo religioso é levado a profetizar; apresenta-se como a
encarnação do Verbo, anuncia os últimos tempos, agrupa discípulos e investe-os de poder,
23
Sobre essa profissionalização dos pastores neopentecostais podemos citar R.R Soares (Igreja Internacional da
Graça de Deus) e Valdemiro Santiago (Igreja Mundial do Poder de Deus): dois pastores de grande expressão
neopentecostal, ambos tiveram sua formação inicial na IURD para posteriormente se tornarem proprietários e
principais sacerdotes de suas próprias igrejas. Aliás, esse é um caminho bastante comum que funciona como
mecanismo multiplicador de novos sacerdotes – a partir do surgimento de novas igrejas dissidentes.
75
coloca-se, dessa maneira, acima da hierarquia eclesiástica (ALPHANDÉRY, 1905 apud
PEREIRA, 2001).
Dessa maneira, os DNP parecem acalentar os corações de um grande contingente
populacional, pois prometem a solução para praticamente todos os males por que passa o ser
humano. Segundo Pereira (2001), nesse movimento religioso, a crença produz uma etapa
de espera messiânica, em que tudo é aspiração, desejo, promessa de tempos melhores; os
indivíduos se contentam, então, em sonhar com um mundo perfeito e em espreitar a vinda do
enviado celeste. Os DNP explicam que esse enviado nunca deixou os sofredores à mercê
porque a solução para todos os problemas humanos ―não está na religião‖, mas diretamente
na palavra de Deus, inscrita na bíblia – reinterpretada pelos oradores da fé, sacerdotes da
atualidade, cuja expressão de seus discursos, às vezes, se aproximam muito de valores
messiânicos.
Conforme vimos sobre os objetos referenciais, uma formação discursiva pode
comportar múltiplas formas interdiscursivas, isto é, muitas maneiras de abordar um mesmo
tema. No entanto, para cada abordagem, elas apresentam um arcervo lexical mais ou menos
limitado, no rol de possibilidades de seu uso. Para ilustrar esse fato, basta atentarmos para a
recorrência lexical que se estabelece ao longo do corpus aqui analisado. Obviamente não
poderíamos transcrevê-lo na íntegra, pois ocuparia um conjunto numeroso de páginas. Mas, a
maneira como suas propagandas incitam características discursivas com forte apelo sacerdotal
pode ser ilustrada a seguir:
Quadro 5: Inferência sacerdotal do neopentecostalismo
(continua)
Loc.
Enunciados – excerto do corpus
Inferências
Pas
tor
1
Você... que só tem conhecido sofrimento...
dor... tristeza... abandono... maldade...
pobreza... injustiça e doença... se sente
oprimido pelas forças do mal... cumprindo
obrigações intermináveis... vivendo na aflição
e no medo. Você... que foi vítima de um
trabalho [feitiçaria], da inveja, venha em
nossa igreja... pois nós temos a solução!
(IURD, 2010)
Há aqui uma promessa (indireta)-
temos a solução - que foi
condicionada por uma descrição
negativa do estado físico, mental das
pessoas. A estratégia do pastor é fazer
valer a sua promessa, supondo
diversos infortúnios dos fiéis como
condição para a sua adesão à
promessa (solução dos problemas).
76
Pas
tor
2
O nosso intuito é ajudar você e tirar você da
escravidão e ver você e sua família feliz...
longe do vício... livre do vício... livre das
contendas... das brigas. [...] Você me procura
e diz: olha pastor... a coisa ta tão difícil pra
mim... que eu tenho até vontade de ligar...
mas cortaram meu telefone... porque não
sobra nem pra pagar a conta... não tenho
dinheiro nem pra comprar um cartão
telefônico. [...] O mal investiu de forma tão
pesada na sua vida que olha pra você ver
minha amiga... Você precisa de ajuda! Nós
vamos ajudar você! Eu vou resolver o seu
problema nessa terça-feira na igreja [...]. Nós
vamos colocar fogo nesse encosto maldito...
desgraçado que tem atormentado sua vida
(IMPD, 2012).
Embora formulada de maneira
assertiva, a intervenção inicial do
pastor valida uma promessa indireta–
ajudar você; tirar você da escravidão
- como fator principal do enredo
sacerdotal.
Com a promessa de solução (Eu vou
resolver o seu problema; nós vamos
colocar fogo...), o pastor ratifica a sua
posição de fazer do discurso
messiânico um instrumento para
soluções de problemas do cotidiano
das pessoas.
Pas
tor
3
O que Deus prometeu para Abraão... o que
prometeu para Isaac... e prometeu para
Israel... e prometeu para Moisés... e prometeu
para Josué, e prometeu para todos os
profetas... para todos os homens que O
SERVIRAM... Hoje, Deus promete... para
nós... As promessas Dele se mantêm... O que
Ele falou no passado é para nós hoje... Porque
no tempo de Moisés... Deus usou quem? Usou
a Moiséis! No tempo de Josué... Deus usou a
quem? Josué! No tempo de David... Deus
usou a quem? David! E cada um foi usado no
seu devido tempo! (IURD, 2008)
Nada mais ilustrativo para as
promessas bíblicas, do que o relato de
promessas sagradas (um comissivo
reportado): é o que predomina na
argumentação do pastor – que precisa
prometer os milagres de Deus para
justificar seu próprio ofício de
sacerdote. Todo o fragmento aciona
uma cadeia referencial de profetas
(Abrão, Isaac, Moisés, Josué...) para
que o fiel ―conclua‖ que também está
diante de um sacerdote (profeta) apto
a intermediar os desejos humanos
com promessas sagradas.
77
Apre
senta
do
ra
[sobre a igreja]: Um lugar onde a sua vida
VAI mudar!... Uma reunião onde os
enfermos são curados..., um encontro que
liberta milhares de pessoas do sofrimento e da
opressão..., uma oportunidade de ter um
verdadeiro encontro com Deus! Acredite!
Chegou a sua hora de mudar de vida na
concentração de fé e milagres. Todos os
domingos, ministrada pelo bispo [...] a
concentração de fé e milagres recebe mais de
cinco mil pessoas que chegam em busca de
uma transformação de vida e de um
verdadeiro encontro com Deus! As inúmeras
histórias de superação de vida mostram que
para quem crê... a vitória é garantida. (IURD,
2012)
O ato assertivo/predição inicial (sua
vida vai mudar) centraliza os demais
atos subsequentes: todos eles projetam
a ideia de mudança.
Essa mudança aparece também
ratificada no ato diretivo /imposição
(chegou a sua hora de mudar de vida)
e é retomada, na sequência pelas
expressões – transformação de vida,
superação de vida.
Há um destaque especial da função
messiânica: todos os prodígios
anunciados deverão passar por suas
mãos.
Fie
l
Este cartaz (fig. 6) deixou-me sem palavras....
Matosinhos recebe a dignificante visita do
Profeta Luiz Claudio, nos dias 24, 25 e 26 de
novembro. Este homem com ―H‖ grande
conseguiu, ao longo da sua vida, o
inimaginável, como é possível ler no cartaz.
Não é qualquer um que sendo ex-travesti e
ex-presidiário continua vivo, mas o profeta
vai mais longe no desafio que lança à morte;
ele contrai o vírus da SIDA e nem esta doença
incurável o consegue levar para junto do
Senhor. Mas mais do que desafiar morte, o
profeta Luiz Claudio, trata por tu os mistérios
da vida e consegue engravidar uma mulher
seca, ainda por cima duas vezes!! Ele, sem
dúvidas, é o Messias!!! Não percam a
oportunidade de conhecê-lo e receber o
milagre das mãos de Deus!! (IFRANCISCA,
2012, negritos nossos)
A fiel e admiradora do ―profeta‖
apresenta asserções sobre seu histórico
de vida, de um homem ―comum‖ à
transformação miraculosa como
profeta de Deus.
Realiza ao final, um (i)declarativo /
proclamação – Ele, sem dúvida, é o
Messias!!! - seguido da preparação
para um (ii) diretivo/conselho - ―Não
percam a oportunidade de conhecê-
lo... – para a realização do milagre.
78
Sín
tese
anal
ític
a Nesses exemplos percebe-se que os locutores (pastores, fiel e apresentadora) ativam
uma progressão referencial elencando termos supostamente próximos às suas
realidades de vidas, para finalmente apresentar uma esperança com o término dos
sofrimentos mediante a intervenção sacerdotal: ―nós temos a solução‖ (IURD, 2010);
―eu vou resolver o seu problema‖ (IMPD, 2012); ―sua vida vai mudar!‖ (IURD, 2012).
Todas essas locuções desencadeiam novos referentes discursivos, opostos àquilo que os
fiéis provavelmente enfrentam em suas vidas. Ou seja, apesar dos DNP anunciarem
―catástrofes‖ pessoais e coletivas, o que se espera é justamente seu oposto: a promessa
de milagres (sequência de atos comissivos) e a salvação, tal como um juramento
messiânico motivador para que os fiéis continuem imbuídos pelo discurso religioso. As
assertivas peremptórias de depoimentos/opiniões de fiéis também reforçam a certeza de
que os líderes religiosos são emissários encarregados com alguma missão sagrada: ―Ele
é o Messias‖ (fig. 6 conf. IFRANCISCA, 2012).
Esse encadeamento lógico de referentes discursivos (sofrimento > busca de solução
> mudança) converge para a efetivação do referente sacerdotal. Em certo sentido, poderíamos
considerá-los objetos referenciais em si mesmos, pois, de uma maneira geral, essa sequência
lógica parece ser buscada por qualquer pessoa e não apenas por fiéis neopentecostais: não é
raro vermos alguém diante do sofrimento procurar por uma solução, para que a mudança
ocorra em suas vidas. Por isso, enfatizo a importância de se considerar a autoridade sacerdotal
enquanto objeto referencial de destaque nos DNP: o enredo na busca pela solução e mudança
pode até ser o mesmo (sofrimento > busca de solução > mudança) de outras pessoas ―não
religiosas‖, mas no caso dos fiéis religiosos, toda essa construção lógica está fundamentada
por parâmetros míticos que marcam o terreno da fé, dentre eles, o sacerdotalismo, exposto
nessa seção da pesquisa, logo, poderíamos reescrever o esquema acima de forma mais
específica: (sofrimento > busca de solução sacerdotal > mudança)24
.
Assim, a utilização dos referentes empregados pelos pastores se torna possível
porque faz referência à memória discursiva dos alocutários para ancorar a realidade, fazê-la
parecer ―real‖, ou seja, as categorias referenciais se tornam a partir de uma mesma coleção de
informações sobre o mesmo objeto. Nessa medida, os fiéis buscariam as igrejas para
solucionar seus sofrimentos exatamente por admitirem, a priori, a autoridade imanente de
seus líderes religiosos. Dessa forma, o sacerdotalismo funcionaria como uma dêixis implícita
dos DNP, pois apontaria para os fiéis a solução de seus problemas na presença do ―Deus
vivo‖, representado pelos profetas da atualidade. Assim é que podemos entender a declaração:
24
Além da autoridade sacerdotal, trato o exorcismo e a prosperidade como objetos referenciais fundantes dos
DNP. Mas podemos atribuir à influência sacerdotal a propulsão inicial para que os demais referentes discursivos
neopentecostais se desenvolvam.
79
―Não percam a oportunidade de conhecê-lo e receber o milagre das mãos de Deus”. O
prestígio sacerdotal explícito em tal afirmação remete ao próprio Deus, como fonte de solução
para quaisquer problemas humanos. Assim, nesse exemplo, teremos a seguinte representação
dêitica implícita: [solução Deus sacerdotes], que poderíamos ler: se solução, então
Deus; se Deus, então sacerdotes. Dessa forma, só o sacerdote, como legítimo representante de
Deus, pode apontar a solução. Além do caráter sacerdotal, alguns líderes religiosos vão um
pouco mais além e se declaram messias25
.
Tais exemplos representativos de alguns grupamentos religiosos servem, no entanto,
apenas para apontar que as qualidades dos referentes são próprias do tipo discursivo que os
representa, ou seja, o que se quer imprimir no sentido discursivo religioso acontece também,
de forma parecida, com o discurso político, com o discurso midiático ou outras formações
discursivas. Por exemplo, é comum atribuir aos candidatos políticos os seguintes predicativos:
―ele é a solução para seus problemas... nele você pode confiar!‖.
A característica salvacionista subentendida na maioria dos discursos políticos, de que
uma pessoa eleita vai ―salvar‖ a população de seu estado de miséria alimenta ainda hoje
muitas campanhas políticas. A opção por esses objetos-de-discurso não é aleatória, mas sim
em consonância com as escolhas lexicais do autor para referir-se (e convencer) com seu
objeto discursivo. Inúmeros são os exemplos de referentes salvacionistas extraídos dos DNP.
Pretendi aqui me ater apenas em exemplicar algumas de suas falas para não extrapolar os
limites desse texto, conforme apresentado no Quadro 5.
Apesar das contradições que limitam a compreensão da dogmática religiosa cristã, os
DNP funcionam, quase sempre, marcados por referentes salvacionistas, materializados na
figura de alguém que tem o poder de resolver as mazelas de seus fiéis, libertá-los da
escravidão do mal, enfim de salvar suas vidas, seja no âmbito financeiro, amoroso, familiar ou
da saúde física. O fim é claro: atingir seu intento ―mágico‖ de retirar o fiel sofredor de seu
posto de vítima do Demônio para desfrutar das bonanças terrenas aprovadas por Deus no
aqui-agora.
Assim, os pastores, os depoimentos de pessoas ―libertas‖ e a igreja em si se mostram
como elementos centrais da narrativa religiosa, pois, antes de proferir doutrinações, curas
espirituais ou físicas, o discurso religioso precisa carregar-se de autoridade sagrada como
25
Apesar da discrição ―messiânica‖ da maioria dos líderes religiosos, existem outros que fazem questão de
exteriorizar essa qualidade transcendental e se autodenominam encarnações de Jesus Cristo. Só para citar alguns
exemplos emblemáticos atualmente de repercussão internacional: Inri Cristo (brasileiro) e Miranda (porto-
riquenho). Na Austrália, os casais Alan John Miller e Mary Suzanne Luck, se autodenominam reencarnações de
Jesus Cristo e Maria Madalena, respectivamente. Todos esses ―messias‖ (sacerdotes) congregam em torno de suas
produções discursivas milhares de seguidores.
80
representante de um poder supremo. Por isso, entendo que o referente sacerdotal se constitui
em objeto precípuo nos DNP, pois sem este as demais construções discursivas elaboradas a
posteriori, careceriam de força persuasiva: como expulsar ―Demônios‖ ou determinar a
prosperidade, sem autoridade profética como representante de Deus? Afinal, quem estaria à
frente do altar falando tudo aquilo, prometendo a cura de todos os males, a solução para todos
os problemas? É preciso que haja, antes de tudo, autoridade para que os demais conceitos
religiosos se desenvolvam e sejam aceitos pela comunidade de fé.
Para finalizar essa representação sacerdotal, normalmente os discursos
neopentecostais são elaborados a partir de histórias de vida dos pastores, que se tornam, eles
próprios, no ―milagre vivo‖ de seus discursos (conf. fig. 41). Assim, é muito comum os
pastores narrarem sua vida pregressa, antes da conversão à igreja na presença do ―Demônio‖,
mas após o ―encontro pessoal com Jesus e o Espírito Santo‖, se promovem como fonte de
vida e salvação. Dessa forma, os sacerdotes neopentecostais se afastam do modelo imaculado,
de um salvador social, de um ―messias‖, conforme apresentado por Weber (1994) e Pereira
(2004). Mas, isso não ofusca o brilho de seus trabalhos sacerdotais, pelo contrário, eles
próprios se apresentam como ―provas do milagre de Deus‖. A mensagem é clara: se eles
tiveram conserto, todos os demais crentes terão [comissivo/aspiração].
Amplamente difundida na internet (fig. 06), podemos ver itens bastante
representativos da atividade sacerdotal sob diversos ângulos, mas aqui quero destacar apenas
o fato de o pastor Luis Claudio aparecer como uma ―revelação de Deus‖. O caráter
salvacionista é evidenciado, sobretudo ao final da propaganda: “venha ver e receber o
milagre das mãos de Deus” [dois diretivos – venha ver,... venha receber -, sendo que o
segundo, pelas condições proposicionais – verbo receber – funciona, indiretamente, como um
comissivo: alguma ação será desenvolvida em favor do alocutário]: venha ver e receber –
promessa do milagre.
Além da representação sacerdotal do líder religioso, explícita na propaganda,
acrescentei o depoimento (Quadro 5) de uma fiel admiradora do profeta, concluindo o caráter
salvacionista explícito no cartaz. Interessante perceber também, conforme mencionei, que os
sacerdotes neopentecostais utilizam-se de suas histórias pessoais de vida, normalmente
desestruturadas pelo ―pecado‖, para se servirem, eles mesmos, como provas do milagre de
Deus, com sua vida modificada e ―salva‖ (fig. 6).
81
Figura 6: O profeta Luis Claudio
Fonte: PROFETA... 2012
Oportuno observar que o neopentecostalismo apresenta características de um
movimento religioso sincrético e adota diversos rituais de outros segmentos. Mas, não irei me
deter aqui nessa discretização neopentecostal pelo viés doutrinal, mas discursivo. Apenas a
título de ilustração, apresento a figura 7 que retrata a similaridade dos DNP com outra forma
de propaganda que ressalta atributos sacerdotais, sobretudo o de predisposição para atender às
pessoas que sofrem com algum mal: ―pare agora de sofrer!‖ (fig7).
Figura 7: A Profetisa
Fonte: PROFETISA... 2010
82
Alguns itens dignos de destaque nesse anúncio representativo do referente
sacerdotal: revelação do que está oculto (ela vai revelar quais são as forças ocultas que estão
amarrando sua vida e destruindo sua felicidade); se autodenomina ―profetiza‖; se coloca apta
a resolver diversos problemas (trabalhos fortes desatadores de nós, contra: inveja, feitiço e
amarrações espirituais); promete a solução urgente dos problemas (pare agora de sofrer!);
enfatiza o próprio nome – repete em destaque o nome com sua ―titulação‖: Profetiza Doralice
Costa e, finalmente, apresenta um convite no rodapé do panfleto, sugerindo familiaridade e
segurança (entre, sinta-se bem você é nosso irmão).
3.2 Libertação dos “Demônios” em nome de Jesus
O referente exorcista ocupa grande parte dos DNP, principalmente em reuniões
específicas para esse fim. Normalmente, nas igrejas pesquisadas, essas reuniões ocorrem
todas as terças e sextas-feiras, com ênfase nas pregações principalmente à noite a fim de
exorcizar ―Demônios‖.
Nos DNP o exorcismo ocupa papel central nas pregações de seus líderes religiosos.
Ora, o exorcismo só se justifica porque existe ―algo‖ para ser exorcizado. No caso dos DNP, a
causa primeira de todos os males está no Demônio – representado por um ser, um ―ente‖ que
está sempre presente, de forma implícita ou explícita, na vida das pessoas que sofrem e,
portanto, necessita ser ―expulso‖ por meio da palavra profética.
Enquanto, no referente sacerdotal, o discurso religioso busca firmar uma autoridade
subentendida, centrada na figura do líder religioso, no exorcismo, as práticas discursivas
explicitam o mal diretamente no outrem. Ou seja, se para os sacerdotes o discurso é
teocêntrico (o pastor é porta-voz dos atributos de Deus); para o exorcismo, é antropocêntrico
(o fiel é receptáculo de forças demoníacas que corrompem sua vida).
Assim, a primeira etapa para o fiel se libertar de algum ou de todos os seus
problemas é passar pelos rituais de exorcismo oferecidos durante os cultos, pois, acredita-se
que o mal tenha ―entrado‖ no corpo e na vida dos crentes de alguma maneira26
e, por isso,
necessita uma ―intervenção espiritual‖ para ser expulso a fim de ―curar‖ os fiéis, conforme
exemplificam os seguintes fragmentos apresentados no Quadro 6:
26
Normalmente o neopentecostalismo atribui, como fonte dos sofrimentos humanos, o mal – corporificado na
figura de algum Demônio que ―entrou‖ no corpo do fiel-sofredor, vítima de ―alguma praga rogada, olho-gordo,
obras de macumbaria, bruxaria, feitiçaria, inveja, prostituições, desrespeito às leis de Deus, vícios, ingestão de
alimento amaldiçoado‖, dentre uma coleção de outras ―causas‖.
83
Quadro 6: Inferência exorcista do neopentecostalismo
(continua)
Loc.
Enunciados – excerto do corpus
Inferências
Pas
tor
1
Esse homem... essa mulher... precisam de
uma intervenção espiritual para se libertar
das brigas... das intrigas e das
desavenças... mas o que vai permanecer
nessa família é a benção e a
prosperidade! Oh Deus eu lhe peço para
essa pessoa que está com sua vida
financeira amarrada... vida profissional e
tudo o que ela faz não dá certo... Mas o
Senhor é um Deus que desamarra... então
enviai a provisão divina para que essa
pessoa receba o milagre em sua vida...
para o sustento da sua casa... Pai...
REPREENDEI as obras de encostos... de
feitiçaria... de vudu e de magia negra...
Nós repreendemos em nome de Jesus!
(IMPD, 2008)
Locutor, através de um ato
assertivo/necessidade, mostra que o
alocutário precisa ―desamarrar‖ os
problemas que lhe atormentam por meio de
uma intervenção espiritual, isto é, o ato
diretivo/súplica – enviai a provisão
divina...- em favor do fiel, da mesma forma
que roga – ato diretivo/súplica – Pai,
repreendei as obras de encostos – pela
eliminação dos efeitos maléficos que
afligem o fiel. Por fim, a expectativa de que
tudo se resolva, o que se vê no ato
assertivo/hábito – Nós repreendemos em
nome de Jesus!
Pas
tor
2
Pai, onde estiver uma pessoa sofrendo eu
levanto minha voz como MINISTRO DO
EVANGELHO para repreender e
paralisar todo o mal... Onde quer que
esteja agindo... espírito imundo e sujo...
Demônio que causa enfermidade... que
faz com que essa mulher e esse homem
venham se prostituir... SUMA daí agora
pomba-gira maldita! Tudo o que você
colocou DESAPAREÇA AGORA!
SUMA com seu câncer... com sua
AIDS... saia agora essa inflamação... da
mente... do corpo e da alma... SUMA
com seu desemprego... SUMA com sua
contenda! SUMA com o peso do corpo
agora! Você que ouve vozes... SUMA...
DESAPARE::ÇA AGO::RA!!! Eu to
MANDANDO! EU TO EXIGINDO!...
Toda maldição... VAI embora! SU::MA...
em nome de Jesus! (IIGD, 2010)
Locutor, através de um ato
assertivo/afirmação – levanto minha voz...-
(mas com uma realização indireta de um ato
comissivo/promessa para situações
futuras)coloca-se como sacerdote apto a
expulsar o mal. Esse fragmento representa
grande parte dos DNP exorcistas, pois a
voz, a palavra oral é ferramenta essencial
para a expulsão demoníaca, o que se nota na
realização reiterada de atos diretivos/ordem,
com um conteúdo proposicional de
expulsão – suma, desapareça, vai embora -
reforçados por atos finais (diretivos/ordem)
com um conteúdo proposicional de
intransigência – eu to mandando, eu to
exigindo - A pretensão é atingir um ato
declarativo ―perfeito‖ ou ―feliz‖ (Searle).
Isto é, por meio do simples proferimento
verbal, o ato de expulsão do mal deve se
realizar.
84
Pas
tor
3
Oh meu Deus essas pessoas querem sair
da condenação... e EM NOME DE
JESUS EU VOU ABENÇOÁ-LAS
AGORA... Ô::: espírito da condenação,
do fracasso... agora que estou lhe dando
uma ORDEM ... ESPÍRITO DA
ALERGIA...DA SENSIBILIDADE
ALIMENTAR que entrou na vida dessa
pessoa... EU ESTOU MANDANDO...
PEGA TUDO O QUE É SEU! PEGA
AGORA E VAI EMBORA! EU ESTOU
EXIGINDO! EU ESTOU
DETERMINANDO! EU ESTOU
FALANDO EM NOME DE JESUS
CRISTO! [...] Eu estou falando agora
contigo! CHEGOU A HORA DE SAIR,
DE BATER EM RETIRADA.. EU
DETERMINOSA:::IA AGORA! (IRC,
2008)
O comissivo/promessa (vou abençoá-las)
prepara o alocutário para receber a
libertação do mal, serve, pois, para
sensibilizá-lo a fim de receber a oração
exorcista, pois logo no início o Loc. Insinua
o pecado (condenação) e demonstra desejo
de libertação (essas pessoas querem sair da
condenação). Posteriormente o locutor
imprime diretivos implícitos, valendo-se de
sua condição preparatória (Eu determino... é
hora de sair...estou mandando... vai
embora... estou exigindo/determinando.),
para exercer o seu papel de legítimo
expulsador de ―espírito da condenação, do
fracasso‖. Ressaltam-se as condições
preparatórias, que marcam a fala do pastor
como autoridade de Deus para expulsar
Demônios. Portanto, sem essa autoridade
sacerdotal do locutor, os rituais de
exorcismo não se sustentariam.
Fie
l
Eu fui liberta aqui na igreja... me afastei
um pouco daqui da igreja e a dor voltou...
Mas NO MOMENTO da oração a dor
sumiu! (COPV, 2011)
Locutor, através de atos assertivos /
constatação declara a eficácia da oração na
igreja, porque fora dela (me afastei) o mal
havia retornado. Ênfase para o tempo
presente (no momento) instante em que o
milagre se realizou.
Sín
tese
anal
ític
a
Pela mediação do pastor nos cultos de cura e exorcismo, os fiéis esperam ser libertos de
suas ―condenações‖ aos infortúnios da vida, fruto de forças espirituais exteriores a eles;
conforme podemos depreender das orações exorcistas e depoimento do fiel, em que o
―mal‖, corporificado na presença de um ente maligno (“encostos”, “espírito da
condenação” ou “pomba-gira” – em negritos acima) seria expulso do corpo dos fiéis
(“a dor sumiu‖).
Segundo Pinezi e Romanelli (2003, p. 65), o exorcismo ―é parte integrante de
diversas religiões que compõem o acervo cultural da sociedade brasileira e tem se ampliado
consideravelmente nos últimos anos, sobretudo entre as denominações neopentecostais‖.
Conforme podemos perceber por meio das orações exorcistas (Quadro 6), para que os
pastores consigam expulsar o mal das pessoas, primeiramente, eles mesmos devem tomar para
si a autoridade sacerdotal, vista em detalhes na seção anterior. Dessa forma, as práticas
exorcistas se apresentam como uma primeira consequência dessa disposição apostólica
85
neopentecostal: possui a marca da exterioridade impregnada de emocionalismo religioso, que
chega ao limite da catarse27
, conforme exposto nas transcrições, sobretudo quando os
locutores expõem as dificuldades e sofrimentos por que passavam, antes de receberem a
―oração libertadora‖.
Podemos também entender as práticas exorcistas neopentecostais como uma
transição para o terceiro objeto referencial que compõe sua identidade discursivo-religiosa: a
prosperidade. Pois, sem uma ―limpeza‖ espiritual, com expulsão do(s) ―Demônio(s)‖ e de
tudo o que faz o crente ―andar para trás‖, nenhuma riqueza duradoura poderia acontecer em
suas vidas.
Importante recordar que rituais exorcistas não são uma exclusividade do
neopentecostalismo, mas a forma como são apresentados, conduzidos e, sobretudo,
popularizados sim. Conforme nos lembra Sagan (2006, p. 148):
O exorcismo de Demônios ainda é praticado pela Igreja católica romana e
outras religiões. [...] Foi somente no século XVIII que a doença mental
deixou de ser em geral atribuída a causas sobrenaturais; até a insônia tinha
sido considerada um castigo infligido por Demônios.
Ainda hoje, a insônia continua sendo considerada, pelos DNP, uma influência de
algum Demônio: ―vamos retirar esse encosto maldito da insônia... que não deixa essa pobre
mulher dormir em paz‖ (IIGD, 2008).
Mas, se os rituais de exorcismo não são uma exclusividade dos DNP, o que os
diferencia de outras formações discursivas religiosas? A resposta pode ser encontrada na
forma como o neopentecostalismo aborda esse tema específico de ―expulsão demoníaca‖
como solução primeira para todos os males por que passa o ser humano28
. O Demônio ou os
Demônios – porque os DNP sempre fazem referência a uma legião de espíritos do mal seriam
os responsáveis por cada problema humano (de uma dor de dente ao câncer), como se cada
espírito maligno tivesse se especializado em produzir alguma desordem natural.
27
Segundo Vicária e Mansur (2011), foi Carl Jung quem se dedicou a teorizar de onde vêm os ―maus espíritos‖
que atormentam as pessoas. Essas figuras aterrorizantes são imagens gravadas coletivamente na mente humana.
Batizados de arquétipos acompanham a humanidade há milhares de anos. O diabo, que os crentes acreditam
incorporar, seria uma dessas imagens e representaria forças destrutivas dentro da própria pessoa. 28
Muito recentemente alguns DNP têm alternado explicações sobre as desventuras humanas, ora atribuindo-as
aos Demônios, ora à própria incapacidade do fiel em responder aos seus problemas com trabalho, determinação e
planejamento estratégico, enfim com sua iniciativa pessoal. Nesse caso, a inércia do fiel abriria espaço para que
o Demônio se manifestasse em uma vida de derrotas.
86
Para os DNP, sempre existirá alguma interferência de Deus ou do Demônio agindo
na natureza. Muitas vezes com a ―presença‖ de algum tipo de Demônio especializado em
produzir um problema mais específico (separação conjugal, vícios, desemprego, etc) que
interfere diretamente na natureza humana e, portanto, precisa ser extirpado pelo poder do
Espírito Santo e da palavra de Deus intermediada pelos líderes da fé. Mas, rigorosamente,
essa abordagem sobrenatural da natureza não é uma exclusividade da pregação
neopentecostal. Segundo Eliade (2001 p. 86): ―para o homem religioso, a natureza nunca é
exclusivamente ‗natural‘: está carregada de um valor religioso. Pois o Cosmos é uma criação
divina: saindo das mãos dos deuses, o mundo fica impregnado de sacralidade‖.
Nenhum outro segmento cristão em que estive presente trata os rituais de exorcismo
de forma tão popular, com reuniões abertas para o grande público em geral. Nessa medida, a
aceitação do Demônio como fonte de nossos sofrimentos parece um fato tão óbvio para os
DNP que o que soa estranho é negá-lo frente às desventuras humanas. Considero, pois, que o
neopentecostalismo ―naturalizou‖ a figura do Demônio na atualidade. Além de naturalizar,
também generalizou os efeitos ―dele‖ decorrentes: pelos exemplos acima, qualquer problema
é consequência de uma interpelação demoníaca. É um Demônio pouco seletivo, com vistas a
justificar o papel da autoridade. Para o grande público, esse tema estava adormecido desde o
final do período medieval, mas ressurgiu com muita força na atualidade29
.
A ―popularidade‖ do Demônio era tão grande na Idade Média que, segundo Alves
(2006), a simples confissão de ateísmo era compreendida como loucura e esta como possessão
demoníaca, sendo o ateu submetido aos rituais de exorcismo. Assim, a religião era
considerada uma tese verdadeira e como tal deveria ser aceita por todos sem questionamentos.
Conforme Hryniewicz (2001, p. 64), ―as polêmicas que existiam giravam em torno de certas
verdades religiosas, mas não quanto à validade da crença religiosa em si‖.
Nas igrejas pesquisadas, também pude observar práticas exorcistas ―ao pé do
ouvido‖: pastores e obreiros, conjuntamente, realizam uma espécie de oração hipnótica muito
próxima aos fiéis, literalmente ―ao pé do ouvido‖. Ao que parece, pretendem que suas
palavras ―despertem‖ algum Demônio adormecido na pessoa. Obviamente, não me aprofundei
nessa manifestação discursiva pelas limitações que ela impunha ao registro.
Conforme podemos depreender dos excertos (Quadro 7), as reuniões exorcistas
apresentam sempre uma ―oração forte‖, marcada pela ―prece violenta‖ (fig. 8) que promete a
29
Interessante seria aprofundar sobre os motivos desse ―ressurgimento‖ da figura do Demônio, sobretudo em
tempos de avanço científico-tecnólogico. Um estudo histórico e sociolinguístico poderia enriquecer essa
investigação e esclarecer melhor como o Demônio ainda consegue subsistir tão forte em uma sociedade do
conhecimento.
87
solução para diversos males. Essa promessa corresponde à própria mensagem transmitida nas
pregações. Portanto, nas reuniões exorcistas, em especial em orações para o
―desencapetamento‖ dos crentes (fig. 8 e 9), os pastores realizam atos comissivos. Afinal, um
sacerdote comprometido com sua missão apostólica não deve desamparar seu povo carente de
promessas libertadoras, sobretudo aquelas em que os devotos se veem livres das influências
do Demônio, com seus infortúnios agregados a uma vida desequilibrada e em dissonância
com Deus. Assim, os sacerdotes neopentecostais prometem resolver esse problema libertando
seus discípulos em rituais de exorcismo.
Mas, aqui temos que considerar uma particularidade dos discursos exorcistas, pois
apesar de ele se dirigir ao ―Demônio‖, é para o fiel-sofredor que as promessas de libertação
devem se realizar. Mas, se, para o fiel, o discurso libertador exorcista aparece como uma
promessa, para o ―Demônio‖, mostra-se como uma ameaça. Afinal, no exorcismo o
―Demônio‖, através de um ato diretivo ou declarativo, será executado, destruído, queimado,
enfim, exterminado, sob as ordens dos profetas de Deus. Esses mesmos atos, portanto, têm
orientação dupla, dependendo do alocutário a ser considerado: ―Chegou a hora de sair, de
bater em retirada‖ – pode ser visto pelo fiel-sofredor como uma promessa para si mesmo e
como uma ameaça para o Demônio, mas é visto também como um diretivo/declarativo na
relação locutor, como representante de Deus, afinal o ato deverá se realizar com o próprio
pronunciamento dos pastores. Há, portanto, muitas promessas e muitos comandos orientados
diretamente para os fiéis, assim como muitas ameaças e muitas ordens dirigidas diretamente
aos ―Demônios‖.
Seria contraproducente, pois, aos DNP, apenas prometer a solução dos males – o
fim do Demônio e a consequente libertação dos fiéis, mas é preciso ir além: é preciso realizar
tal promessa específica para os fiéis (―seja liberto!‖); ou cumprir suas ameaças também
específicas aos ―Demônios‖ (queima! queima!). E isso, se faz mediante atos exclusivos com
funções específicas, ou atos únicos com funções diversas, conforme apresento no Quadro 7,
mostrando uma transição que culmina sempre com a realização de uma promessa para o
alocutário, pois o discurso religioso intenciona sempre realizar algum milagre e não apenas
prometê-lo. Logo, é importante, ao analisar as promessas dentro de um exorcismo, considerar
alguns detalhes:
(i) existe um alocutário invisível – o Demônio –, nesse caso, o ato comissivo para o
exorcismo deve ser analisado como uma ameaça (e não promessa);
88
(ii) concomitantemente, existe um alocutário visível (beneficiário – o fiel), quando,
então, o ato assume o valor de promessa.
Outra sutil diferenciação que ainda podemos explicitar na modalização da força
ilocutória dos discursos exorcistas é distinguir se os atos diretivos representam “ordem ou
comando”. Ao que parece, o modo ―comando” faz parte de atos diretivos que integram um
determinado ritual, um determinado procedimento já fixado por certas convenções na
congregação religiosa, a exemplo da naturalização que os fiéis demonstram no pagamento de
dízimos ou ofertas à igreja, quando incitados por líderes religiosos: ―Vem aqui
[diretivo/comando] no altar... vou fazer [comissivo/promessa] uma oração para você...
aproveita e traz [diretivo/comando] seu dízimo‖. Ou, na forma como os fiéis se comportam
em momentos específicos ao responderem naturalmente à sequência de acontecimentos
durante uma celebração religiosa: início > aclamação > cânticos > orações > homilias >
dízimos > ofertas > testemunhos > curas > exorcismos > bênçãos > convites >
agradecimentos > encerramento. Todos esses momentos específicos que compõem o culto
religioso acontecem porque são incitados por atos diretivos a partir de comandos (modo) e
dirigidos à assembleia.
Assim, a relação estabelecida entre locutor/alocutário nos cultos religiosos lembra a
conhecida relação behaviorista30
expressa na equação E=R, estímulo-resposta: DNP >
diretivos/comando, ou, DNP > diretivos/ordem, conforme o caso, a quem o discurso se dirige
– se para o fiel ou para o ―Demônio‖, respectivamente. Dessa forma, o modo comando
―suaviza‖ o diretivo ordem, sem lhe retirar força para que o ato diretivo se realize e, ao
mesmo tempo, sugere etapas a serem seguidas com alguma explicação complementar lógica:
―Vem aqui... [porque] vou fazer uma oração para você... aproveita [já que você veio] e traz
seu dízimo‖.
Contudo, o diretivo/ordem implica um alocutário ainda mais assujeitado, obrigado a
fazer algo, sem necessariamente dispor de uma explicação prévia ou justificativa para
executar o ato, pois parte de um locutor suficientemente investido de autoridade para não
prestar contas, ou explicar o porquê do alocutário ter que executar suas ordens. A ordem,
30
Para nossos objetivos não se faz necessário distinguir qual corrente behaviorista (skinneriania, watsoniana,
pavloviana, e outras) melhor explica as reações comportamentais dos fiéis a partir de estímulos dos pastores.
Temos que considerar as limitações dessa teoria do comportamento, pois ela não dá conta dos significados -
fortemente valorizados na TAF, mas apenas do comportamento visível como respostas a determinados estímulos.
O principal pressuposto dessa teoria é que o comportamento humano acontece através da repetição a estímulos
(comandos e ordens?) e reforços positivos e negativos (milagres de Deus e ameaças do Demônio?). Deixemos
esses questionamentos no ar, somente para evocar tal teoria do comportamento relacionada, possivelmente, ao
―comando e ordem‖ como modalizadores de atos diretivos para o exorcismo neopentecostal.
89
portanto, é inexorável, sem direito a questionamentos: cumpra-se! (―Demônio... saia desse
corpo... eu ordeno... SAIA!‖). Nesse sentido, uma ordem para o exorcismo religioso adquire
um status declarativo, pois, ao enunciá-la, o locutor realiza a própria ação, pelo menos
àqueles que creem. Interessante observar que, invariavelmente, em todas as sessões exorcistas
em que estive presente, o ―Demônio‖ sempre obedeceu a ordem dos pastores de ―bater em
retirada‖, afinal na encenação discursiva exorcista não existe outra alternativa.
Assim, executam-se diretivos/ordem quando os fiéis ―endemoninhados‖, subjugados
por ―entidades malignas‖ são libertos no altar da igreja com o término instantâneo de seus
sofrimentos, à maneira de um pronto-socorro da fé. Obviamente que aqui, os diretivos/ordem
são para um alocutário invisível (o Demônio), ―manifestado‖ fisicamente em posturas
corporais contorcidas dos fiéis-sofredores supostamente incorporados com o ―espírito
maligno‖, pois assim demonstram, com expressões faciais de grande aflição e voz distorcida.
Dessa forma, o diretivo/comando, nessa etapa exorcista, pode ser executado pelos
fiéis que agem de acordo com os ditames de seus líderes, enquanto que o diretivo/ordem deve
ser cumprido pelo “Demônio”. Por isso, é mais adequado – considerando a natureza desse
alocutário invisível, classificar o exorcismo religioso em diretivo/ordem: o ―Demônio‖ deve
seguir muito mais do que os comandos dos pastores, ele tem que obedecer as ordens dos
sacerdotes de Deus, pois não existe nada mais poderoso do que o próprio Deus e,
consequentemente, do que seus representantes na Terra. Na encenação discursiva religiosa, o
―Demônio‖ precisa se render ao poder supremo do Criador. Então, poderíamos entender que,
seguindo as ordens do pastor (―ajoelha Demônio... diga qual o seu nome exu desgraçado...
coloca as mãos para trás... abaixa a cabeça... saia desse corpo capeta dos infernos!‖), os fiéis-
sofredores apenas executariam comandos (não ordens) – de ajoelhar, dizer, colocar mãos para
trás, abaixar a cabeça, etc. Esses movimentos corporais seriam, na acepção doutrinal,
representações do próprio Demônio incorporado, ―dentro‖ do corpo das vítimas.
Assim, nos ―bastidores do invisível‖, o Demônio seria obrigado a executar ordens,
enquanto que os fiéis-sofredores seriam suscitados, simultaneamente, a executar comandos.
Afinal, temos que lembrar que o pastor trabalha com dois alocutários simultâneos (fiel e
Demônio), pois a crença religiosa aponta uma entidade maligna ―dentro‖ do corpo do fiel-
sofredor. Dessa maneira, o modo ordem, para a o diretivo exorcista, seria executado a fim de
resolver algo de natureza emergencial (expulsão demoníaca), surgida em função das
condições preparatórias que a possibilita – cura urgente e libertação instantânea dos infelizes,
tal como apresentado em reuniões exorcistas de cultos neopentecostais.
90
Dada essa natureza urgente, instantânea de ―cura‖ exorcista, em que as palavras do
pastor buscam traduzir as palavras sagradas de libertação e bonanças, podemos considerar que
não basta aos DNP simplesmente incitar atos diretivos/ordem aos Demônios, pois o que se
espera é alterar a realidade sofredora dos fiéis: libertá-los, no instante do proferimento verbal
exorcista, do jugo do Demônio. Assim, os diretivos (ordem ou comando) nos discursos
religiosos têm sempre uma aspiração declarativa para consecução dos ―milagres‖.
Tais discursos exorcistas podem ser observados com riqueza de detalhes nos
fragmentos de dois pastores em oração (Quadro 7). Importante observar o quanto a
linguagem, nas orações exorcistas, se mostra circular e uniforme, com termos que se repetem
quase em tom hipnótico. Para facilitar a compreensão, em que o referente ―exorcista‖ se
destaca nessa recorrência verbal sublinhei alguns de seus elementos. Observe que também
aqui o referente sacerdotal se destaca em profusão, pois, conforme expliquei anteriormente,
sem ele, não existiria força ilocucional para realizar os demais atos persuasivos
neopentecostais. Aquele que exorciza não fala sozinho: sua voz vem, antes de tudo, de uma
voz suprema que sempre vence quaisquer obstáculos, inclusive o ―Demônio‖.
Quadro 7: Oração exorcista no DNP
(continua)
Loc
. Enunciados – excerto do corpus Inferências
Pas
tor
1
Ah! Meu Deus, vai passando sobre esse lar
perturbado... atribula::do onde as BRIGAS... as
DISCUSSÕES tem imperado... tem
domina::do... mas o teu poder...Vai passan::do
por essa casa onde o vício das drogas tem
prevalecido... onde o vício da bebida... da
jogatina... onde o Demônio do
homossexuaLIS::MO... meu Deus... tem
prevalecido... pois... onde houver um mal... ele
cai por terra A::GORA! Em nome do Senhor
Jesus! [...] É você Demônio maldito que colocou
o vício da bebida... o vício das drogas... É você
Demônio maldito que colocou o adultério dentro
dessa casa! É você que separa casais! EM
NO:::ME DO SENHOR::: JESU:::S! [...] Ôh:::
DEMÔNIO!!! PU::LA PRA FORA AGORA!
(IIGD, 2008)
Oração é marcada, dentre outros
aspectos, de atos diretivos/sugestão –
vai passando. Neste caso, a sugestão é
dirigida ao próprio Deus (alocutário)
que deverá executar as ordens do
pastor. Assim, esses atos podem ter
força comissiva/promessa, pois
prenunciam para o fiel a solução dos
distúrbios humanos por meio de
intervenção divina. Seguem-se atos
assertivos/acusação - é você
Demônio..., é você que separa casais.
Essa oração também encerra com a
pretensão de um ato
declarativo/expulsão – pula pra fora
agora! – evocado pela condição
preparatória do seu locutor – em nome
de Jesus Cristo.
91
Pas
tor
2
Eu vou usar a autoridade que o Senhor tem me
dado em o nome do Senhor Jesus Cristo... eu
paraliso toda a ação de satanás nessa vida... Eu
digo a você Diabo... TIRA a sua mão desse
homem... PEGA sua dor... PEGA seu
embaçamento na visão... sua cegueira... PEGA
agora Demônio a sua surdez... vai
desaparecendo... eu estou EXIGINDO em nome
do Senhor Jesus Cristo! EU ESTOU
MANDANDO: SAIA COM TODA DOR! Saia
com toda perturbação, saia com todo
sofrimento. EU MANDO EM NOME DE
JESUS CRISTO. Vai ter que sair agora! Sai
infecção! Sai inflamação! Sai defeito físico! Sai
sequela de acidente! Sai agora o mal que tá
causando o sofrimento nessas pessoas! Eu exijo!
EM NOME DO SENHOR JESUS CRISTO.. Eu
digo... Demônio SAI dessa pessoa! SAI agora
com todo esse seu sofrimento... com toda sua
perturbação... SAI agora com tudo o que é seu...
Vai embora! EM NO:::ME DE JESU:::S
CRI:::STO! (IMPD, 2008)
O locutor inicia com um ato
comissivo/promessa – vou usar -
fundamentado por sua condição
preparatória suposta: sua autoridade
sacerdotal de poder realizar tal ação
em favor do fiel.
O restante do fragmento é repleto de
atos diretivos/comando – pega...,
tira..., sai... vai embora -, pois impõe
ações para um alocutário
transcendental (Demônio). Essa
oração também encerra com a
pretensão de um ato declarativo
/expulsão - vai embora! – evocado
pela condição preparatória do seu
locutor – em nome de Jesus Cristo.
Sín
tese
anal
ític
a
O teor de autoridade do locutor ocorre pelo fato de ele falar em nome de Deus.
Assim, o que se espera desse locutor investido de autoridade sagrada é que realize atos
declarativos ainda que com aparência diretiva (“sai, vai embora, pula pra fora agora”).
Ou seja, que sua fala estabeleça a libertação do fiel-sofredor ―das amarras do diabo‖. Pois,
a expectativa principal da oração exorcista é a libertação miraculosa, instantânea dos
discípulos pelo proferimento verbal dos líderes da fé, cujas palavras ―sagradas‖ ordenam
(diretivo com pretensão declarativa) o fim do mal na vida dos crentes. Assim, o ato
declarativo (aquele que altera a realidade pelo simples proferimento) representaria a
culminância objetiva do exorcismo: pretende fazer com que o crente seja liberto no exato
momento em que as palavras do pastor, consideradas sagradas, forem proferidas.
Observa-se, nos proferimentos do pastor 1, que os diretivos são para Deus, enquanto
que, no pastor 2, os diretivos são para o Demônio. No entanto, de acordo com a natureza
desses alocutários transcendentais (Deus ou Demônio), o modo do diretivo altera
significativamente para condizer com a força ilocutória da mensagem religiosa, sob a
forma de súplicas e pedidos (a Deus) ou ordens e proibições (ao Demônio). Mas, essa não
é uma lei exclusiva do Exorcismo. Conforme veremos, para o objeto referencial
Prosperidade (Quadro 8, pastor 1), o diretivo para Deus também pode aparecer
modalizado sob a forma de obrigação (―Deus tem que...‖) e não apenas ―pedidos ou
súplicas‖ – que pressupõe um locutor humilde, carente, subserviente, como condições
preparatórias. Assim, ―Deus e o Demônio‖ são figuras retóricas, entidades operárias com
as quais os DNP se servem para persuadir.
92
Apesar de o neopentecostalismo apresentar elementos sincréticos com outras
religiões, sobretudo de matriz afro-brasileira, ele rejeita tal aproximação. Nega esse vínculo
abertamente, conforme podemos observar nas figuras 8, 9 e 10. No entanto, não é difícil
perceber tais semelhanças sincréticas existentes em suas práticas religiosas, presentes tanto
em rituais de exorcismo, quanto de prosperidade financeira, advindas de outros segmentos
religiosos31
. Nesse caso, além da demonização das doenças, da infelicidade, do desemprego...,
ocorre também a demonização de expressões indígenas de matriz africana.
Figura 8: Desencapetamento total com a prece violenta
Fonte: DESENCAPETAMENTO... 2012 (IIGD)
Figura 9: Desencapetamento total com banho do alívio
Fonte: DESENCAPETAMENTO... 2009
Figura 10: Reunião exorcista
Fonte: Fotos do autor (IMPD, 2010, MOC)
31
Somente esse fenômeno sincrético dos discursos neopentecostais mereceria um estudo à parte, devido ao
grande volume de dados existentes. Possivelmente, um estudo comparativo com outras formações discursivas
religiosas nos daria respostas pontuais no campo da Sociolinguística, Antropologia, História, Ciências da
Religião, dentre outras ciências.
93
Conforme pude observar, as reuniões do ―descarrego‖ costumam tratar de
praticamente todos os problemas por que passa o ser humano. Apresenta diversos rituais: um
número tão variado que não caberia expor nesse trabalho, pois nos interessam somente suas
práticas discursivas. Mas a linguagem não ocorre no vácuo, no vazio, mas integrada a uma
determinada situação. Por isso, torna-se inevitável citar uma ou outra prática ritualista, mas
somente para exemplificar falas recorrentes cuja intencionalidade, neste caso, situa-se em
torno do que considerei o referente exorcista.
Assim, tratado como referente discursivo, o exorcismo neopentecostal passa pelos
mesmos princípios de reforço e significação, conforme vimos no capítulo anterior. Para
finalizar os exemplos desse referente ―exorcista‖, ilustro com a figura 11 uma prática muito
difundida nas igrejas pesquisadas em 2010. Trata-se de um receituário para ―quebra de
maldição‖. Como se pode observar pelo roteiro com seis etapas, para que o fiel participe
ativamente do culto:
Figura 11: Sessão do descarrego
Fonte: DESCARREGO... 2011
Aos moldes desse ―receituário milagroso‖, os DNP incitam constantemente a
assembleia de crentes a aderir a seu intento persuasivo, pois promovem jogos interativos de
linguagem: aos DNP, não basta que o fiel ouça a mensagem, ele precisa participar da
construção discursiva religiosa. Para isso, não se poupam o uso de verbos no imperativo
(pegue, vire, deixe, traga) e uma promessa conclusiva ao final da mensagem: ―toda
94
amarração da sua vida será desfeita‖. Essa característica foi bem marcada ao longo de toda
essa pesquisa.
3.3 Prosperidade e desejos satisfeitos, se Deus quiser... e ele quer!
Se considerarmos a exterioridade dos DNP, podemos admitir a ―prosperidade‖ como
o objeto referencial mais visível, pois perpassa praticamente todos os atos da pregação
religiosa. Enquanto o referente sacerdotal subsiste como efeito perlocutório do fiel, que
―entende‖ a autoridade profética dos líderes religiosos e o exorcismo como uma prática
discursiva que corrobora a doutrina evangélica de ―livrar-se do mal‖, é na prosperidade que o
crente espera ―ver‖ os milagres tão desejados. Por isso, não basta ao fiel saber que está diante
do homem de Deus (referente sacerdotal) ou ser liberto dos Demônios (referente exorcista). É
preciso mais! E esse ―mais‖ deve se materializar em uma vida repleta de Prosperidade.
Afinal, o fim último por que passa todo o enredo da narrativa religiosa aponta apenas
para um caminho: o de bem-aventuranças no aqui-agora, na certeza de ―projetos de felicidade
e não de sofrimento‖ (Jeremias 29:11). Assim, a construção argumentativa neopentecostal
deve oferecer elementos suficientes para solucionar conflitos internos (questões mentais,
emocionais) e externos (riqueza material e saúde física).
Para atingir o ―milagre‖ tão esperado, os DNP reforçam que a prosperidade deve ser
a meta do crente. E, para isso, não precisam poupar esforços para alcançá-la, inclusive
participando ativamente como sócios da igreja, sob a forma de dízimos e ofertas, pois,
conforme explica uma pregação neopentecostal, se Deus prometeu, ele tem que cumprir: dar
ao crente tudo o que foi pedido. Para isso, ―basta‖ o fiel colocar em prática sua fé, o que
significa o mesmo que realizar doações financeiras à igreja, conforme exponho no Quadro 8
esta e outras citações representativas da prosperidade pregada em cultos neopentecostais.
95
Quadro 8: Inferência da prosperidade neopentecostal
(continua)
Loc.
Enunciados – excerto do corpus
Inferências
Pas
tor
1
O livro de Deus que são os pensamentos
de Deus que conduzem à vitória total
em todos os aspectos... abrange a tudo!
[...] Quando você toma uma atitude de
fé... Então... Deus... POR QUESTÃO
DE OBRIGAÇÃO... não é nem por
questão de graça ou misericórdia...
MAS por questão de O::BRIGAÇÃO...
É OBRIGA:::DO a lhe dar tudo o que
você quer (IURD, 2008)
As condições preparatórias do pastor, como
representante de Deus, se destacam, pois sem
elas a exegese bíblica não representaria uma
explicação ―convincente‖. Assim, a palavra
humana – do pregador, apóstolo, profeta,
sacerdote – reforça e valida o conteúdo
proposicional do texto bíblico, pois dá ao
texto escrito vida na versão oral (pregação).
A alusão assertiva inicial ao texto bíblico
(“que são os pensamentos de Deus”) prepara
e sensibiliza o fiel através do ato
assertivo/suposição(“conduzem à vitória
total”), que indiretamente representa uma
promessa implícita. A crença do locutor a
respeito da obrigação de Deus para com os
fiéis está atrelada ao assertivo/condição
(“quando você tomar uma atitude de fé...”)
Pas
tor
2
É ASSIM QUE ACONTECE! Não se
trata de sorte... de conhecimento... de
sabedoria... se trata sim... da fé. Isso
aqui é para quem crê... Jesus disse... os
sinais [prosperidade] seguem aos que
creem... Os sinais seguem aos que
CREEM. E a crença... a crença... a fé
está intimamente ligada à oferta... Não
existe fé sem oferta... Não existe oferta
sem fé... Não existe.... Fé sem oferta é
como um corpo sem espírito... É a
oferta que apresentamos a Deus que
MOSTRA nossa fé em Deus. (IURD,
2010)
Os assertivos demonstram a relação
intrínseca estabelecida entre a aquisição de
algo desejado (sinais) e o binômio fé-oferta,
com a sugestão indireta de diretivos/sugestão
para que o fiel doe ofertas [financeiras] à
igreja. Destaca-se, a repetição de um
assertivo/condicional, que funciona como um
ato indireto: diretivo/sugestão: trata-se de
uma mensagem subliminar para que o fiel
contribua com a igreja, pois ―É a oferta que
apresentamos a Deus...”. Assim, o locutor
estabelece relação da oferta (objeto material)
com a fé (objeto imaterial): “os sinais
[conquistas materiais atreladas às ofertas]
seguem aos que creem [fé em ofertar]‖. Fé
implica, portanto, em ofertar como uma
espécie de contrato que se estabelece entre
―Deus‖ e discípulos a fim conseguir
conquistas visíveis, materiais.
96
Pas
tor
3
Você tá disposto a agir sua fe? Eu vou
pedir sua oferta! Você vai vim aqui e
colocar a sua oferta [dinheiro] em cima
da palavra de Deus [bíblia] e quando
você colocar sua oferta eu vou dobrar
meus joelhos e vou clamar com você
AGO::RA pela fé que você SE DISPÔS
A MANIFESTAR A FÉ... Pode ter
certeza que esse mar de problema vai
passar. Meu Deus... levanta aqui três
pessoas que vão dispor sua fé pra fazer
um desafio [oferta] de mil reais! Então
sobe aqui no altar... pode por o que
você tem! (IIGD, 2007)
O fiel é provocado pelo ato diretivo/desafio –
você está disposto...-, seguido de um ato
(indireto) diretivo/pedido – eu vou
pedir...dinheiro‖ para a igreja. O efeito
perlocutório de persuasão, para tornar factível
o desafio, se faz representar por uma pedido
dirigido à Deus (diretivo/pedido: Meu Deus...
levanta), de forma direta até mesmo por
especificar a quantia a ser doada. Assim, o
que qualifica o desafio não é o simples ato de
doar, mas de doar a quantia fixada.
Sín
tese
anal
ític
a
Os fiéis são instigados a aderir ao intento da prosperidade, primeiramente, exercitando
sua fé pessoal que corresponde a doar recursos financeiros à igreja. Esse ato seria um
―desafio‖ a Deus, uma prova de que o crente ―tem fé‖. Para isso é fundamental, segundo
os DNP, doar quantias financeiras à igreja no extremo limite das condições de cada fiel.
Isso representaria definitivamente ―a prova na fé em Deus‖, cuja consequência mais
visível é a prosperidade na vida dos crentes.
Segundo Campos (2002, p. 363), a teologia da prosperidade pode ser compreendida
como ―um conjunto de crenças e afirmações, surgidas nos Estados Unidos, que afirma ser
legítimo ao crente buscar resultados, ter fortuna favorável, enriquecer, obter o favorecimento
divino para sua vida material ou simplesmente progredir‖. Dessa forma, os DNP legitimam
aos fiéis a vida em prosperidade financeira, material, espiritual, emocional, enfim, uma vida
repleta de bonanças nos mais diferentes setores da vida. Deixa claro, que tais conquistas
devem ser buscadas mediante um ―pacto‖ com Deus. Assim, o próprio Deus não teria
condições de negar os pedidos dos fiéis, pois ―ele é obrigado a dar tudo que o crente quiser‖
(IRC, 2008). Segundo Macedo (2008, p. 44-49), ―a palavra de Deus garante a prosperidade32
para seus filhos‖.
32
Para Macedo (2008), Deus demonstra legitimidade de uma vida próspera predestinada ao homem nas seguintes
passagens bíblicas: João 10:10; Eclesiastes 5: 19; Salmos 112:1,3; Salmos 35: 27;Salmos 4:11; Provérbios 8:21;
Josué 1:7; Deuteronômio 29:9; 1 Reis 2:3; Provérbios 10: 22; Salmos 23:1; Salmos; 34:10; Salmos 68: 19;
Mateus 6:33; Mateus 6:33; Josué 1:5-8; Joel 26; Salmos 36:9; 1 Samuel 2:7; 1 Crônicas 29: 12; Salmos 104:24;
2 Crônicas 20:20; Provérbios 8:17,18; Êxodo 19:5; Levíticos 25:23; Salmos 50: 10; Deuteronômio 8:10,13;
Deuteronômio: 17; Deuteronômio 8:18; Provérbios 3:9,10; Malaquias 3: 10.
97
Muitas vezes, para conseguir seu intento mágico e fazer com que a prosperidade se
materialize na vida, os crentes são incentivados a se relacionar com objetos ou substâncias
consideradas abençoadas, ―ungidas‖. A mais comum de todas constitui-se de ―óleos
abençoados‖ para serem usados na cura de alguma enfermidade ou para serem administrados
em um lugar, no corpo ou objeto para receberem alguma benção. Tal artifício funcionaria para
abrir caminho à prosperidade. Assim compreendido, a unção – prática religiosa muito
difundida nas igrejas neopentecostais – representaria um instrumento facilitador de
transformações, pois guardaria um ―elemento do milagre‖ em sua composição, conforme
propagado por um pastor (fig.12).
Figura 12:―Óleo com o elemento do milagre‖
Fonte: Fotos do autor (IURD, TV Record, 2012)
Aqui também, assim como o exorcismo não é uma exclusividade do
neopentecostalismo, a prosperidade representada por meio de objetos abençoados também não
o é. Sagan (2006, p.170) explica como alguns adeptos do catolicismo romano se
comportavam para produzirem alguma fórmula mágica ungida: ―não era incomum que raspas
de pedra ou poeira do altar fossem misturadas com água e tomadas como remédio‖. Assim, no
meu entendimento, o fenômeno da unção representaria mais um artifício estratégico da
prosperidade do que um objeto referencial distinto. A unção seria, portanto, um símbolo
material com poderes transcendentais, um amuleto abençoado, para que a prosperidade se
manifestasse na vida dos crentes. Afinal, de fato, a prosperidade requer muito mais do que
oração, requer atitudes dos crentes com ações reais, pragmáticas para que o fiel consiga
98
―vencer‖ em alguma situação. No entanto, a unção neopentecostal promete ―proteção divina‖,
o que facilitaria a vida dos fiéis, conforme exemplificado nas figuras 13 e 14.
Figura 13: Mãos humanas
Fonte: Fotos do autor (IURD, TV Record, 2012)
Figura 14: Mãos sobrenaturais, como o diabo vê
Fonte: Fotos do autor (IURD, TV Record, 2012)
Observa-se, pelas figuras acima, que, após a ―unção‖ com o óleo consagrado com o
―elemento do milagre‖ (fig. 12), as mãos dos fiéis ficariam imunes à presença do diabo. Ora,
segundo a crença religiosa, se o diabo não pode tocar no ser humano, a prosperidade é certa. É
preciso, pois, ―amarrar o valente‖ [diabo] e cumprir com certas obrigações financeiras para
com a igreja para que a vida prospere, conforme exemplificado no seguinte excerto:
[pastor após dispor envelopes sobre o altar da igreja]: Em nome do Senhor Jesus, NÓS
ESTAMOS COM O SENHOR MEU PAI. E O SENHOR DISSE QUE PARA ENTRAR NA
CASA [de Deus] TEM QUE AMARRAR O VALENTE [Demônio] E NÓS ESTAMOS
COM O SENHOR PRA AMARRAR O VALENTE MEU PAI... COM O DIABO NÃO
TEM PAZ... NÃO TEM ACORDO NÃ:::O!... É GUE:::RRA... ENTÃO SENHOR JESUS...
ESTAMOS JUNTOS COM O SENHOR. AMÉM! Pega seu envelope aqui no altar... Pode
pegar... Tá consagrado, abençoado... Pega o envelope aqui e volta pro seu lugar... Terça-
feira você traz... [com a oferta financeira] (IURD, 2011, MOC)
99
Pelo que se depreende dos DNP, a prosperidade se realiza segundo uma expressão
que requer, antes de tudo, a obediência dos fiéis em seguir um método que pode ser
―ensinado‖, como uma ―fórmula da riqueza‖ abençoada por Deus. Nessa medida e de acordo
com o que foi apresentado sobre os referentes dos discursos religiosos, a prosperidade precisa
ser referenciada, pois a seu respeito podemos ter uma noção geral do que se trata, própria do
senso-comum, mas no caso em questão, o conceito está carregado de intencionalidade
discursiva, própria dos DNP. Assim, a prosperidade aqui não se obtém somente pelas vias
―humanas‖, mas, antes disso, por ação sobrenatural. E a consciência dessa origem divina a
que a prosperidade proporciona na vida dos fiéis deve fazer toda a diferença, conforme Weber
(1994, p. 314) exprime sobre a prosperidade financeira de um religioso:
Os afortunados raramente se contentam com o fato de serem afortunados.
Além disso, necessitam saber que têm o direito à sua boa sorte. Desejam
ser convencidos de que a ―merecem‖ e, acima de tudo, que a merecem em
comparação com outros. Desejam acreditar que os menos afortunados
também estão recebendo o que merecem. A boa fortuna deseja, assim,
“legitimar-se”. [...] Em suma, a religião proporciona a teodicéia da boa
fortuna para os que são afortunados (negritos nossos).
Assim, por intermédio do conceito de prosperidade interiorizado nas pregações
religiosas, o cristão neopentecostal parece modificar suas concepções acerca da riqueza
material de que tem direito no aqui-agora e não no post-mortem. A aceitação de que tem
direito a todas as riquezas materiais é confirmada à medida que os fiéis se apropriam de um
novo conceito de prosperidade, isto é, ressignificado pela prática discursiva oral dos líderes
religiosos em pregação. Assim, fundamentado pela crença nessa teologia da prosperidade, o
cristão neopentecostal entende que é herdeiro de toda riqueza, pois ―é filho do rei dos reis‖.
Silveira (2007, p. 19) também observou esse fenômeno de apropriação da concepção de
prosperidade, na abundância de bens e riquezas pelos fiéis da seguinte forma: ―Saúde perfeita,
riqueza material, poder para subjugar Satanás, uma vida plena de felicidade e sem problemas.
Em contrapartida, do próprio cristão é esperado que não duvide minimamente do recebimento
da bênção, pois isto acarretaria sua perda, bem como o triunfo do Diabo‖.
100
Diversos são os artifícios para que o fiel se ―limpe‖ das influências maléficas do
Demônio e garanta a vitória na prosperidade. Um delas é o uso de ―sabonetes especiais‖,
conforme podemos ver nas figuras 15 e 16.
Figura 15: Sabonete contra o atraso de vida
Fonte: SABONETE... 2011
Figura 16: Sabonete para libertação e saúde
Fonte: SABONETE...2012
Mas para que o fiel consiga a prosperidade, não basta simplesmente de um banho
com o ―sabonete contra o atraso de vida‖ (fig. 15), é preciso que ele siga rigorosamente as
diretrizes do pregador. Com isso, percebemos, conforme explanado no primeiro capítulo, que
o objeto referencial tratado aqui por ―prosperidade‖ passa por contínuos processos de
ativação: reclassificam-se conceitualmente a tal ponto que ―o impossível sobrenatural‖,
torna-se ―o possível natural‖. Nesse sentido, dentro da coerência semântica a que os DNP
estão inseridos, os fiéis devem perceber certa lógica nos argumentos defendidos por seus
líderes, conforme os excertos apresentados no Quadro 8.
101
Esse receituário sobre a prosperidade confirma o que Mendonça (2007) chama de
―fórmula de fé‖. Assim, para que o crente consiga prosperar, deve cumprir o seguinte roteiro:
o fiel deve ―dizer a coisa‖, positiva ou negativamente, pois tudo depende de como o indivíduo
se expressa para conseguir suas realizações. Conforme explica Mendonça (2007), essa é a
essência da ―confissão positiva‖. Portanto, ―o discurso como força em potencial de realização,
representa o elemento central por onde passa a narrativa religiosa para aquisição de
mudanças‖ (FERREIRA, 2008, p. 84). Assim, a observação dos rumos que a pregação
religiosa assume nos capacita a compreender como os objetos religiosos, ressignificados pela
oratória mítica, traduzem as intencionalidades objetivas de seus produtores.
O segundo passo na confissão positiva (MENDONÇA, 2007) representa ―fazer a
coisa‖, uma vez que a ação, isto é, as atitudes frente aos desafios da vida cotidiana
proporcionam a vitória, representam o motor principal do discurso neopentecostal. Sem ação,
não se pode esperar por mudanças, ainda que mínimas, na vida dos fiéis religiosos
(FERREIRA, 2008). Nesse sentido, poderíamos supor que os DNP representam uma
atualização dos discursos religiosos com as atuais demandas sociais, incluindo estratégias de
marketing à maneira de recursos em motivação empresarial. Creio que o forte crescimento
desse campo discursivo religioso se deve, inclusive, por conseguir conjugar fé com
argumentos fortemente persuasivos no acelerado compasso da economia global.
O terceiro passo representa o elemento espiritual, pois compete aos crentes ―receber
a coisa‖ almejada ―de‖ Deus. E, por fim, o quarto elemento da confissão positiva, que também
poderia ser considerado, aqui, como ―o método neopentecostal para perpetuar o discurso da
prosperidade‖ (FERREIRA, 2008, p. 84): ―divulgar a coisa‖ recebida a fim de que outros fiéis
possam crer e realimentar todo o processo iniciado na promessa dos pastores. Mendonça
(2007, p 67) ainda lembra que, para fazer a confissão positiva, ―o cristão dever usar as
expressões: exijo, decreto, declaro, determino, reivindico, em lugar de dizer: peço, rogo,
suplico; jamais dizer: "se for da tua vontade", pois isso destrói a fé. Inspirado por Mendonça
(2007) esquematizo na figura 17 o fluxo discursivo desse método neopentecostal que
realimenta a ―fórmula da fé‖ a fim de atingir a prosperidade do próprio crente ao mesmo
tempo em que incentiva os demais fiéis a aderir (perceber) esse modelo discursivo religioso.
A percepção aqui, subentende uma concordância, antes de tudo, sobre a autoridade sacerdotal
do pastor e a aceitação tácita sobre as verdades que o textos religiosos supostamente
engendram.
102
Figura 17: ―Fórmula da fé‖
Fonte: Elaborado pelo autor
Conforme vimos anteriormente, antes de o fiel ―dizer algo‖ (positiva ou
negativamente), ele deve tomar consciência da sua posição de sofredor frente aos desafios da
vida. Assim, ele deverá primeiramente perceber sua realidade. Nessa etapa inicial, o fiel
encontra-se diante não apenas da sua realidade pessoal, mas de uma realidade fabricada
discursivamente (oral e escrita), moldada por líderes religiosos que parecem conduzir os
crentes à ―compreensão‖ do que podem fazer para abandonar suas vidas derrotadas.
Obviamente o referente sacerdotal, conforme explicitado nas seções anteriores, subjaz esse
fluxo discursivo-persuasivo.
Ao ―perceber‖ o mote inicial que promove os DNP, os crentes são incentivados a
adotar as demais etapas: todas apontam para uma ação que devem desempenhar na
congregação com vistas à prosperidade. Por isso, acrescento às ideias de Mendonça (2007), o
nível de percepção como elemento que antecede o dizer: ora, para dizer algo, é preciso, antes,
perceber esse algo. Não podemos dizer algo sobre aquilo que nossa percepção não contrasta
com a realidade, sobretudo, em sua estranheza. E quanto mais estranha for essa realidade,
alheia à nossa percepção intrínseca – e, portanto, heterogênea em nós mesmos, mais chances
temos de ―enxergar‖ aquilo que ainda nos toma com espanto. Sem essa indignação necessária,
talvez os objetos de pesquisa esconder-se-iam na visão do senso-comum: sob a aparência
perene de que os discursos nos fazem acreditar, na ―eterna‖ existência daquilo que outrora
inocentemente nos fizeram crer que algo sempre foi assim e sempre será assim, pois, romper
com a crença na certeza que os discursos tentam nos imputar provavelmente é um dos maiores
desafios porque passa o ser humano. Não é fácil abrir mão das ―verdades‖ – certezas que nos
tranquilizam, que nos confortam –, justamente porque organizam nosso pensamento,
sobretudo, no terreno da fé. Se por si só, já é difícil desfazer com uma aparente permanência
de ―verdades‖ que os discursos apresentam, dirá com argumentos que, no terreno da fé,
103
prometem a solução para ―todos os males‖, a riqueza no aqui-agora com oferta de ―milagres,
curas, sinais e maravilhas‖, conforme vemos nas figuras 18, 19 e 20.
Figura 18: Milagres e avivamento
Fonte: Fotos do autor (IVN, 2010)
Figura 19: Reunião da Conquista
Fonte: CRISE..., 2011
Figura 20: Vinho do Casamento
Fonte: VINHO... 2011
Conforme visto, as figuras acima representam exemplos de como a prosperidade é
prometida nos discursos religiosos. Essa promessa, de acordo com o que relatei no início
desse trabalho pretende abarcar todas as áreas na vida do fiel: de finanças à vida sentimental e
de saúde física. Mas a ―prosperidade‖ não é somente prometida: para que o discurso religioso
104
adquira força de convencimento, é preciso ser demonstrada aos demais crentes da
congregação por meio de exemplo dos próprios fiéis que já alcançaram suas graças, conforme
exemplificado no excerto abaixo e analisado no Quadro 9.
[Depoimento de uma mulher]: Eu tinha tanta sede de uma mudança dentro de
mim... Foi ai que veio a resposta: meu esposo não só largou a amante como veio pra
igreja [...] Foi ai que chegou a Campanha da Fogueira Santa de Israel e eu fiz meu
sacrifício... [...] Deus ouviu meu clamor... minha revolta...meu sacrifício que eu
fiz e não demorou nada... Em pouco tempo... um amigo do meu esposo convidou ele
para ser sócio com ele no escritório e aí as coisas foram mudando... Recentemente eu
conquistei a casa dos meus sonhos... uma casa de campo... [...] A minha casa em São
Paulo também é muito boa [...]. Esse Deus é grande! Ele não para... ele faz
maravilhas! Porque eu sei que muito mais coisas Ele vai me dar! (IURD, 2010)
Quadro 9: Expressão da fé neopentecostal em busca da prosperidade
Etapas Fragmentos comprobatórios
Perceber ―sede de mudança‖ (...) ―Foi aí que veio a resposta‖
Dizer ―Deus ouviu meu clamor... minha revolta...‖
Fazer ―eu fiz meu sacrifício...‖
Receber ―eu conquistei (...) Ele vai me dar‖
Divulgar [todo o depoimento se constitui em um ato de divulgação]
Síntese analítica A conquista da prosperidade parece ser marcada por alguns elementos
essenciais à vitória, esquematizada no fluxo discursivo neopentecostal
(fig. 17) e destacada nos fragmentos acima. Conforme apresentarei no
quinto capítulo da tese, a etapa que expressa a fé neopentecostal
representada por Divulgar o ―milagre‖, coincide com a sétima e última
Fase estratégica da argumentação neopentecostal, chamada por mim de
Fase da Comprovação.
105
4. Princípios na teoria da argumentação aplicados à análise dos discursos
neopentecostais
Nessa primeira parte do capítulo, apresento alguns conceitos sobre argumentação a
fim de mostrar um recorte conceitual sobre suas diferentes compreensões e aplicações na
análise dos discursos religiosos de matriz neopentecostal. Temos, então, um objetivo mais
teórico que é delimitar os conceitos da teoria da argumentação e outro de ordem mais
pragmática, situado na análise propriamente dita de alguns argumentos presentes nos DNP
que teriam o poder de convencimento ao confrontar com determinados postulados
aparentemente lógicos e causais na enunciação religiosa.
Assim, essa exposição visa compreender alguns argumentos fundantes dessa
formação discursiva religiosa que se apresenta, conforme discorro, entrelaçada sob a forma de
diversos temas, principalmente aqueles representativos sobre a origem das tribulações por que
normalmente passam os seres humanos, ávidos por respostas prontas e definitivas sobre os
dissabores sofridos em suas vidas.
Para ilustrar tais posicionamentos, realizei recortes da manifestação oral de líderes e
fiéis religiosos em momentos específicos de suas homilias. Assim, creio que, à medida que os
fragmentos de transcrições orais forem apresentados ao longo desse e do próximo capítulo, o
leitor perceberá a existência de miríades temáticas em que os DNP se articulam. Ao conjunto
dos diversos temas recorrentes nos discursos religiosos, nomeei genericamente por teotemas,
também considerados como objetos de referenciação acessórios nos discursos neopentecostais
– explanados em detalhes mais à frente, em seção própria ainda neste capítulo.
Os conceitos sobre a teoria da argumentação são vistos tomando como base os textos
de Perelman; Tyteca (1970), Plantin (1996), Koch, (2000), Brenton (1996), Charaudeau
(1983), Ducrot (2004) e anotações de aulas do professor Paulo Henrique A. Mendes (Puc
Minas, 2010). Para o conceito de dêixis33
, recorro a Benveniste (1989), Lyons (1980); Mateu
(1994) e anotações de aulas com a professora Juliana Alves Assis (Puc Minas, 2010) e
finalmente o conceito de silogismo, a partir da escola filosófica de Aristóteles. Tais
considerações são importantes para que se compreenda a posteriori a articulação
argumentativa dos DNP em si mesmos, recortados como ilustrações de elementos
33
O conceito de dêixis foi importante para que eu pudesse chegar ao de teotema do discurso religioso, conforme
explicarei mais à frente. Assim, os teotemas são uma adaptação e ampliação do conceito de dêixis, no sentido
lato do termo, mas aplicado exclusivamente à formação discursiva religiosa.
106
persuasivos, tanto em sua face silogística, a que fundamenta o script da cena enunciativa,
quanto teotemática dêitica, aquela que aponta para o elemento sagrado no discurso religioso.
Para preservar um maior número de elementos do cenário argumentativo, optei por
transcrever aqui uma sequência maior de pregações e depoimentos religiosos a fim de que a
dimensão interacional da argumentação pudesse ser melhor visualizada, sobretudo, na
exemplificação da fórmula canônica da argumentação (Se P então Q). Disso se presume a
utilização do conceito de encadeamentos discursivos em Ducrot34
(2004) ao verificarmos a
coerência argumentativa dos postulados defendidos nas pregações religiosas.
4.1 Pluralidade conceitual sobre argumentação: alguns recortes teóricos
O estudo da linguagem envolve a percepção de uma grande diversidade de
estratégias para a comunicação, considerada a função precípua da própria linguagem. Pelo
viés da argumentação, podemos convergir essa função comunicativa, conforme afirma Koch
(2000) para a qual o ato linguístico fundamental é o de argumentar.
Assim, a argumentação pode ser entendida como uma das operações linguísticas
mais frequentes, pois, a todo momento, estamos trazendo o outro para nosso ponto de vista.
Assim, podemos dizer que a argumentação é constitutiva do uso da linguagem. Dessa forma,
poderíamos considerar que qualquer uso da linguagem é argumentativo (PLANTIN, 1996
apud AMOSSY, 2000). Segundo Charaudeau (2009, p. 112), ―argumentar consiste em efetuar
operações abstratas de ordem lógica, destinadas a explicar ligações de causa e efeito entre
fatos ou acontecimentos‖.
Apesar de a teoria da argumentação apresentar algumas abordagens quanto à
compreensão do percurso argumentativo da língua, entende-se que a argumentação é parte
intrínseca do seu funcionamento. A argumentação, portanto, parece estar na própria
significação linguística do ato de comunicar-se que, aparentemente, sob diversos matizes,
apresenta uma orientação argumentativa. Para Plantin (1996 apud AMOSSY, 2000, p. 25):
34
As diferentes denominações associadas aos seus trabalhos – semântica argumentativa, teoria da argumentação
na língua, teoria dos topoï e, mais recentemente, teoria dos blocos semânticos – apontam para o desenvolvimento
de versões de um modelo sempre renovado em função de revisões críticas formuladas pelo(s) próprio(s)
autor(es) ao longo de seu percurso teórico (Prof. Paulo Henrique A. Mendes, Handout, 3ª aula, 12/11/2010)
107
Toda fala é necessariamente argumentativa. Ela é um resultado concreto de
um enunciado em situação. Todo enunciado visa agir sobre seu destinatário,
sobre o outro, e a transformar o seu sistema de pensamento. Todo enunciado
obriga ou incita o outro a crer, a ver, a fazer, de maneira diferente.
Ducrot (1988, p. 18) explica que ―a significação de certas frases contém instruções
que determinam a intenção argumentativa a ser atribuída a seus enunciados: a frase indica
como se pode, e como não se pode argumentar a partir de seus enunciados‖. Isso implica
compreender que o valor argumentativo do enunciado inscrito na frase é o que determina o
sentido argumentativo do discurso e não o simples encadeamento silogístico dos referentes,
ainda que fundamentados por razões psicológicas, sociais, matemáticas ou qualquer outro
encadeamento lógico, considerada por Ducrot (1988) como uma concepção tradicional de
argumentação. De acordo com essa visão tradicional, para se chegar a uma conclusão, a razão
realiza dois processos mentais complementares: um argumento que representa um fato sobre
algo fundamentado em uma lei compreendida como um princípio geral aceito em uma
comunidade, sendo que esta última seria a responsável para se chegar a uma conclusão.
No caso do discurso religioso, o convencimento ainda possui um trunfo para facilitar
ainda mais seu intento persuasivo: àqueles que creem, o ato persuasivo é reforçado pelo
conceito de dogma, utilizado entre os integrantes de uma congregação. Assim, o dogma
religioso poderia ser considerado uma instância ―privilegiada‖ do discurso, pois não participa
das mesmas leis na argumentação, que fundamentalmente versam sobre o que é refutável.
Convém expor a distinção feita por Perelman e Olbrecht-Tyteca (1996, p. 29) com
relação à sutil diferença entre convencer e persuadir, duas ações em que a argumentação se
debruça em conquistar: ―Convencer é da alçada da razão, do entendimento, por argumentos
lógicos. Persuadir é do nível da vontade, do irracional, da emoção‖. Nessa medida, conforme
visto no transcurso desse trabalho, os DNP estão muito mais próximos da persuasão do que do
convencimento, segundo a distinção elaborada por Perelman e Olbrecht-Tyteca (1996). No
entanto, no âmbito prático para análise dos discursos religiosos, tal distinção não se faz
necessária. Assim, se alguém lhe pergunta: ―você foi à igreja?‖ isso implica necessariamente
em uma argumentação? Se se responde sim ou não, que diferença isso faz? Como enunciado
isolado, dificilmente perceberíamos alguma força argumentativa, mas, se estiver associado
a um contexto onde o interlocutor questiona o discípulo religioso, altera completamente o
poder do enunciado, transformando-o em forma argumentativa para justificar possíveis
108
fracassos ou benesses, por que passa o crente. De igual forma, os exemplos acima não teriam
a força argumentativa se estivessem descontextualizados.
Ao que parece, a argumentação se realiza de diversas formas em expressões
linguageiras do cotidiano e dependerá muito da intencionalidade do locutor no momento da
enunciação para poder ser percebida pelo interlocutor como uma expressão potencialmente
argumentativa. Mas também aqui encontramos limitações porque podemos ―ouvir‖ somente o
que nossa percepção conseguir captar ou onde se concentra nossos interesses específicos.
Afinal, o que sai de nossas bocas não são apenas palavras, mas vestígios de pensamentos
muitas vezes ―truncados‖ com os quais temos a pretensão de convencer outrem.
4.2 Teotemas e a sacralização espaço-temporal da enunciação neopentecostal
No sentido lato do termo, os teotemas35
buscam fundamentar um texto com alguma
explicação mítica sobre algo. Ou seja, os teotemas se apresentam nessa pesquisa como
assuntos diversos tratados nos discursos religiosos que exprimem algum significado
sobrenatural, fantástico, milagroso, surreal, imanente e transcendente. Os teotemas
neopentecostais estão representados, conforme exponho, por uma variedade muito grande de
objetos de referenciação adjuntos, que auxiliam na pregação religiosa. Nesse sentido, se
incorporam ao discurso religioso por força de uma ressignificação intencional dos pastores.
São considerados aqui como objetos referenciais acessórios, pois complementam de alguma
forma, a tríade referencial vista no capítulo anterior (sacerdotal, exorcista e próspera).
Mas, conforme percebido, não seria possível cercar os limites teotemáticos utilizados
nos DNP, pois a princípio poderia representar qualquer assunto tratado sob a luz da doutrina
religiosa. Assim, por meio desses elementos, a pregação neopentecostal diversifica-se
interdiscursivamente e adquire força de convencimento pela coerência na união de seus
elementos, encadeados um a um, à maneira de um roteiro persuasivo. Os teotemas
representam, portanto, um conjunto de itens lexicais relacionados entre si que assinalam a
sacralização espaço-temporal da enunciação religiosa. Por meio deles, as tragédias ou
venturas humanas são ―explicadas‖ aos crentes, conforme podemos verificar a partir dos
excertos transcritos de pregações neopentecostais.
35
Palavra híbrida formada pela união do radical grego teo (Deus, divindade) com o substantivo latim thema,
correspondente ao assunto, a tese defendida por um texto.
109
Os teotemas são normalmente ilustrados ―didaticamente‖ nas igrejas pesquisadas por
algum objeto material ressignificado na pregação religiosa. Dessa forma, são utilizados
objetos materiais de uso comum que, inseridos na pregação mítica, transforma-os em
instrumentos coadjuvantes da argumentação: canetas abençoadas para passar em concursos;
cimento da casa própria; toalhinha ungida para limpar os problemas; martelinho que
―desamarra as causas pendentes na justiça‖; sacolinha do dízimo para multiplicação
financeira; terno branco do pastor que protege contra inveja; capa protetora ―fecha-corpo‖
contra as influências do maligno; fronha abençoada para livrar-se dos pesadelos e ter um bom
sono, além de uma infinidade de outros objetos.
Ou, ainda, assuntos mais afeitos a outros campos semânticos: doenças (medicina),
crise financeira (economia), perturbações emocionais (psicologia/psiquiatria), terremotos
(geofísica), desemprego, fome, pobreza, miséria (social), eleições (política), alimentação
(nutrição), riqueza (laboral) e muitos outros termos e expressões que, articulados nos DNP
representam alguns temas utilizados em sua preleção teotematizada. Segundo a crença
neopentecostal poderíamos expor as seguintes explicações hipotéticas para esses respectivos
termos: doenças (exu-da-morte), crise financeira, desemprego, fome, pobreza, miséria (exu
tranca-rua), perturbações emocionais (exu pomba-gira), eleições (revelação sagrada),
alimentação (comidas amaldiçoadas em rituais de macumbaria, feitiçaria e similares), riqueza
(intervenção divina). Fato é que dificilmente conseguiríamos expor todos os objetos e
respectivos teotemas presentes nos DNP, mas apenas fazer referência sobre a existência de tal
categoria discursiva na pregação religiosa, sempre atrelada a uma ressignificação mítica36
.
Além de funcionar, conforme disse, como elemento auxiliar na condução das
pregações com vistas a estruturar um enredo persuasivo aos crentes, os teotemas servem como
uma possível resposta às inquietações dos fiéis, a exemplo de hipóteses ainda não
confirmadas, mas que, nos discursos religioso, são utilizadas como vislumbre de suas
certezas.
Ao que parece, a fim de conquistar o maior número de adeptos, a utilização de
objetos materiais busca simplificar ao máximo aquilo que se diz na pregação religiosa com
alguma representação tangível ressignificada, a exemplo da clássica relação estabelecida
sobre o signo linguístico situado entre (significante) e (significado) Se/So, proposto por
Saussure (2006). Por exemplo, o senso comum pode depreender a seguinte relação: para o
significante (Se): ―vela‖ (forma verbal de representação do objeto), o significado (So):
36
Sobre o conceito de Mito, apóio em Eliade (1992), conforme exponho na seção 4.3 desse capítulo.
110
―cordão revestido de parafina‖. Mas, para o religioso, o mesmo objeto pode ser
ressignificado, como um elemento transcendente que nos liga a um plano imaterial, pois,
dificilmente, um religioso irá enxergar à sua frente um ―cordão revestido de parafina‖, mas
um instrumento de conexão com o sagrado. De igual forma, os mais diversos significados
―comuns‖ parecem ser alterados na concepção dos crentes. No entanto, essa questão da
ressignificação é um fenômeno geral afeito a qualquer falante e não apenas os crentes em
questão. São apresentados dessa forma aqui para uma compreensão analítica sobre as
variações de significados utilizados como ferramenta persuasiva nos DNP, sob a marca de
uma semântica da enunciação religiosa.
Outro exemplo: [Se:caneta /So: objeto cilíndrico com tinta] pode representar também
um amuleto abençoado para conseguir aprovação em alguma prova, conforme apresentado
por uma igreja37
. Dessa maneira, podemos dizer que os significados não são únicos, mas
coexistem com uma infinidade de outras concepções. Assim, apesar da relativa estabilidade
no sistema (Se/So) também percebemos uma relativa instabilidade em seu uso, dada a
polissemia instaurada na relação significante/significado.
Pelo exposto percebemos, evidentemente, que os teotemas também não são uma
exclusividade dos DNP, mas aparecem em diversos outros segmentos religiosos, cada qual
com suas teses e antíteses próprias. Em si mesmos não caracterizam uma identidade
discursiva neopentecostal, mas articulados intradiscursivamente concorrem para a
manutenção dessa formação discursiva. Então, o que nos levaria a caracterizar tais itens
lexicais como pertencentes ao domínio discursivo neopentecostal? Exatamente, a forma de
discursivisar o mundo a partir dos teotemas.
Por exemplo, o ―mal‖ (tratado aqui como um teotema) é visto nos DNP como
―Demônio‖, origem para todos os problemas humanos: da negligência técnica ao desemprego;
da discussão familiar à separação conjugal; da alopecia ao câncer; da poluição urbana à
insuficiência respiratória; da dor de cabeça a um AVC. Enfim, tudo, absolutamente tudo o que
é considerado de ruim tem, segundo a prédica neopentecostal, origem em um ente maligno
representado pelo Demônio e seus auxiliares infernais. A pregação religiosa chega a nomear
em uma lista interminável cada problema humano ao seu Demônio correspondente, conforme
podemos depreender de uma oração exorcista proferida na IIGD (2012) – Quadro 10.
37
A exemplo da caneta ungida, as igrejas neopentecostais costumam apresentar aos seus fiéis a rosa ungida, o
celular ungido, o sabonete ungido, o sal ungido, o cimento ungido, o óleo ungido, a arruda ungida, a camisa
ungida e recentemente a caneta ungida para aprovação em concursos públicos. Para maiores detalhes, acessar:
http://noticias.gospelmais.com.br/igreja-universal-pastores-ungem-canetas-passar-concurso-29752.html
111
Para facilitar a visualização da relação ―demoníaca‖ como causa dos sofrimentos
humanos, sublinhei seus elementos no Quadro 10, no qual apresento a estrutura discursiva de
uma única oração exorcista (mesmo pastor), marcada por três cenas: a primeira exibe
elementos preparatórios e gerais da persuasão religiosa a fim de apresentar, na segunda cena,
declarativo/afirmativo [isso é Demônio...] sobre a origem do mal humano – corporificado na
presença do ―Demônio‖, isto é, o Demônio é tido como a causa dos sofrimentos e, finalmente,
a terceira cena, a exorcista propriamente dita, na qual o pastor abusa de atos diretivos [SAIA
DAÍ AGORA!... VAI EMBORA... SAI... SOLTA... FORA...] que expressam ordem para que
o suposto Demônio obedeça a voz do pastor [Eu LEVANTO MINHA VOZ para abençoar...],
na esperança de que o mal ―bata em retirada‖ e liberte o crente dos sofrimentos.
Quadro 10: Demônio e a causa dos sofrimentos humanos
(continua)
1ª
cena
(pre
par
atóri
a)
[pastor em oração exorcista]: Coloca a mão no seu coração... fecha seus olhos... Jesus...
eu só tenho que te louvar... ajuda essa pessoa a ter discernimento... agora há
adversários... meu Deus o medo é um adversário... a pessoa tem medo do mal... tem que
mandar esse medo embora... outras é cheia de dúvidas... tem que mandar a dúvida
embora... outros oh... Deus estão com a personalidade deformada... é uma agitação na
mente... uma inquietação... a pessoa vive muito nervosa... e ela tem que ser sincera com
ela mesma e dizer... (continua)
2ª
cena
(cau
sal)
...Isso é Demônio... tem que sair da minha vida... Ela [a pessoa] é pavio curto... explode
facilmente... isso é Demônio... tem que mandar embora.... PA:::I... ela é cheia de não me
toques... qualquer coisa ela se magoa... se fere... se deprime.... ISSO É DEMÔNIO...
tem que mandar embora... Ela é orgulhosa... ela retém no coração o sentimento... ―ele
me feriu... ela me feriu.. meu pai me machucou... meu filho me ofendeu... fulano foi
ruim comigo... ‖ Pai... isso é orgulho... ISSO É DEMÔNIO TAMBÉM e a pessoa tem
que mandar embora... LIBERAR O PERDÃO E DÁ UM TAPA NA CARA DO
DIABO... (continua)
112
3ª
cena
exorc
ista
(co
nse
quen
te)
...Meu irmão eu hoje estou orando por você agora... oh::: minha irmã... minha fé está
unida com a sua fé... e não há Demônio que possa te prender mais... EM O NOME DE
JESUS... Eu te abençoo... eu digo... ESPÍRITO DE ENFERMIDADE sai da vida deste
homem... SAI DA VIDA DESSA MULHER AGORA... espírito do câncer... é uma
herança genética.... você tem aí ficado... de gerações em gerações... oh:::: ninguém te
expulsa... EU TÔ TE EXPULSANDO HOJE!.... SAIA DAÍ AGORA!... Demônio da
diabetes... da pressão alta... é aquela doença que persegue a família.... oh:::: SAIA DAÍ
AGORA DEPRESSAO MALDI:::TA:::!Vai embora essa dor do INFERNO! Sai dessa
pessoa.... toda amarração que tá na vida financeira.... Prosperidade é dom de DEUS! [...]
Eu LEVANTO MINHA VOZ para abençoar o teu filho... para abençoar a tua filha... e
dizer.... DEMÔNIO!.... SOLTA O FILHO DELA... solte o filho... SAIA!.... Demônio do
vício do álcool... do vício das drogas... da prostituição... da anormalidade... Ah:::
Demônio que faz o filho ser rebelde... a filha ser rebelde... [causal] VAI EMBORA EM
O NOME DO SENHOR JESUS... Espírito do diabo que tem atrapalhado essa pessoa...
FORA... EM O NOME DO SENHOR JESUS... (IIGD, 2012)
Conforme visto nessa oração exorcista neopentecostal, o Demônio adquire uma
expressão central como a causa dos problemas humanos. Outros desdobramentos analíticos de
pregações com caráter exorcista serão feitos no próximo capítulo, expostos, sobretudo, na
Fase de Intimidação dos DNP. Justifico a extensão do excerto acima para que o leitor tenha
uma noção mais detalhada de como uma oração exorcista é marcada pela relação causa-efeito
(Demônio-doença, tratamento-cura).
Além dessa relação causal, nota-se o uso enfático de atos diretivos [sai, solta, fora,
vai embora, solte] em que o pastor procura, por meio de sua oração exorcista, ordenar que o
―Demônio‖ abandone a vida do crente. No entanto, os DNP ambicionam muito mais do que
esses atos diretivos: sua intenção é que eles sejam validados como declarativos, pois a palavra
proferida pelos líderes religiosos deveria realizar, no instante do seu proferimento, a
libertação completa do fiel. Assim, os DNP atingiriam o cume persuasivo por essa força
ilocucional que realiza o ―milagre‖.
Mas, essas características exorcistas isoladas ainda não traduzem uma identidade
discursiva religiosa. Na caracterização do enredo neopentecostal, é preciso perceber se a
pregação religiosa relaciona-se com os outros objetos de referenciação basilares, conforme
113
vistos anteriormente (sacerdotal, próspero, além do exorcista, de acordo com o explicitado na
oração supra).
Como se percebe, os sentidos dos objetos religiosos são ressignificados, de acordo
com a concepção doutrinal que carregam. Assim é que ocorre uma espécie de permuta lexical,
comparável à ―importação‖ de termos costumeiramente mais relacionados a outras formações
discursivas. Por exemplo, ―doenças‖ como efeitos de certos agentes infecciosos para a
medicina transformam-se em ―ações de encostos ou do próprio Demônio‖; ―desemprego‖
(social) é visto como ação direta de um encosto conhecido pelos pastores como ―tranca-rua‖;
terremoto com causas geofísicas sequer passa por essa compreensão, mas como uma
―advertência de Deus‖ ou um prodígio do próprio Demônio38
.
Dessa forma, na prática, a relação Se/So reforça a arbitrariedade do signo como valor
intersistêmico, isto é, um valor de uso. Mas, quando determinado termo se incorpora à
estrutura da língua adquire valor intrassistêmico, isto é, um valor de estrutura, já aceita pelo
grupamento de uso linguageiro. Talvez, por isso, ocorra uma espécie de naturalização do
significado dos termos e expressões entre os falantes de determinado campo discursivo. Pois,
normalmente o que se destaca como exótico representa aquilo que faz pouco sentido a mim.
Por outro lado, o uso de determinados termos ressignificados pela comunidade de fé são tão
naturais para eles mesmos que estranho seria esvaziar o conteúdo mítico dos objetos
considerados como sagrados.
Ao que parece, pela via da significação religiosa, o enredo discursivo neopentecostal
adquire força persuasiva, pois a relação Se/So se estabelece na mente dos interlocutores da fé
à maneira de neologismos criados para fins específicos. Mas, de fato, não há neologismo no
sentido restrito do termo, mas sim uma profusão polissêmica de termos utilizados conforme o
intento e conveniência argumentativa que se quer imprimir no discurso. No decorrer dessa
pesquisa, pretendo ilustrar essa polissemia de termos ressignificados pelos discursos
religiosos.
38
No primeiro semestre de 2012 foram registrados diversos abalos sísmicos em Montes Claros-MG, cidade onde
escrevo esse trabalho. De acordo com o Observatório Sismológico da Universidade de Brasília, o tremor mais
forte foi registrado dia 19 de maio, às 10h50min, com duração de três segundos e intensidade entre 4,0 e 4,5
graus na escala Richter. Naquele dia e durante algumas semanas o fenômeno foi tema central na pregação de
algumas igrejas: ora tratado como feitos do Demônio, ora do poder soberano de Deus.
114
4.3 Dêixis e teotemas dos discursos neopentecostais: relações de similaridade e expansão
teórica
Do grego, dêixis pode ser entendida como ato de mostrar algo em algum contexto
situacional no discurso. Normalmente os dêiticos são entendidos como aqueles elementos
presentes em diversas categorias gramaticais (pronomes pessoais, advérbios de lugar,
pronomes demonstrativos) e são compreendidos apenas quando existe uma relação contextual
entre os termos do enunciado e a situação, isto é, o contexto da enunciação. Nesse sentido, as
palavras e expressões dependem absolutamente do contexto em que foram proferidas. Os
dêiticos, normalmente são apontados no texto com expressões e palavras que se referem ao
pessoal, temporal ou espacial, a exemplo de ―agora, hoje, amanhã, aqui, lá, este, esse, aquele,
eu, tu, ele‖ e demais pronomes e advérbios. Segundo Benveniste (1989), a dêixis comporta a
categoria de pessoa, de espaço e de tempo.
Nesse trabalho, amplio o conceito de dêixis para aproximá-lo com o de teotemas do
discurso religioso. Assim, a dêixis passaria a representar também elementos da pragmática da
enunciação voltados para uma referenciação constante do discurso, apontando-lhe o foco de
sua intencionalidade, pois falar é sempre ―falar de‖. Saímos, então, de uma dêixis mais afeita
aos elementos gramaticais – pronominal, adverbial de tempo ou lugar – representada por
elementos objetivos que apontam e indiciam o sentido do texto, para uma dêixis pragmática
da enunciação, em que nomes comuns são reconfigurados conceitualmente a fim de apontar
uma nova identidade textual, como no caso dos DNP e de outras formações discursivas39
.
Dessa forma, para constituir um determinado texto sagrado, os elementos dêiticos passariam a
representar mais do que algumas expressões gramaticais que apontam para o enunciado, mas
todo um conjunto de itens lexicais e expressões afins na cadeia referencial a que se liga o
texto apontando para a sacralidade enunciativa do discurso religioso, uma vez que o conjunto
de termos indiciaria uma intencionalidade argumentativa40
no terreno da fé – palco do
simbólico e sobrenatural.
Essa profusão semântica nos levaria a crer muito mais na existência de uma
constelação semântica randômica do que em uma cadeia referencial sequencial, pois os
termos linguísticos carregam mais do que um conjunto de definições fixas, prontas e
39
Nesse sentido, a dêixis não é apenas suirreferencial (Benveniste), mas suprarreferencial, pois é indiciada por
elementos que estão além da compreensão vulgar ou ordinária dos termos, amplificados conforme a direção e
sentido que se quer atribuir aos conceitos a fim de sustentar o discurso. 40
No fundo, pode-se tomar qualquer termo genérico (nomes comuns) como um dêitico, ficando por conta da
enunciação a especificação do objeto que ele aponta. O mesmo se pode dizer também dos nomes próprios que
teriam uma função dêitica, regulado por instâncias enunciativas específicas (MARI, 2012, orientação).
115
acabadas, mas uma abstração conceitual que se realiza na mente dos interlocutores. Nessa
medida, os usuários da língua ―produzem‖ sentidos diversos ao dominar uma maneira própria
de imprimir sentido às palavras, compartilhadas por inúmeros mecanismos mentais de difícil
mensuração.
Parece simples perceber que os objetos referenciais não estão presos a significados
estáticos e nem poderíamos supor a exclusividade de um deles em determinada categoria ou
formação discursiva em detrimento de outra. Mas, o que podemos verificar nos excertos
apresentados ao longo dessa tese é que existe alguma regularidade semântica com termos
recorrentes e, portanto, o conjunto de itens lexicais evocados pelos interlocutores aponta para
determinado tema constitutivo do discurso no qual se vincula, como é o caso dos DNP, em
que gravitam termos recorrentes no âmbito dos três principais objetos referenciais
apresentados anteriormente (sacerdotal, próspero e exorcista).
À vinculação de determinados itens lexicais reiteradamente evocados na
argumentação religiosa, podemos considerar a existência de uma composicionalidade
temática do discurso, em nosso caso, uma composicionalidade teotemática.
Tal composicionalidade temática ―preenche‖, no meu entendimento, os gêneros
discursivos, dando-lhe condições argumentativas para que um texto se configure e possa ser
entendido em sua especificidade, seja em uma homilia, em um julgamento, em uma consulta
médica ou simplesmente quando se entra em uma loja e inicia uma negociação. Em todos
esses casos já existem elementos lexicais predispostos a se constituir no gênero a que pertence
o texto (oral, escrito ou visual). Não entraríamos em uma igreja para comprar uma calça jeans
– a não ser, talvez, para pedir inspiração divina sobre a melhor compra; muito menos iríamos
a uma loja para ―confessar os pecados‖ ao vendedor. Ou seja, o próprio conjunto de situações
sociais interativas suscitam determinados referentes discursivos próprios.
A composicionalidade temática dos discursos assume, portanto, simultaneamente,
uma função híbrida à estrutura argumentativa da linguagem. Pois, ao mesmo tempo em que
mostra elementos lexicais apriorísticos – aqueles que o senso comum aceita como
―pertencentes‖ à determinada categoria referencial –, direciona-se para a constituição dos
gêneros textuais, como no caso de uma pregação, da narração de uma partida de futebol, na
elaboração de propaganda, na confecção de uma receita, na escrita de um bilhete e outros
exemplos.
Assim, os gêneros textuais podem assumir diversas formas de expressão, tanto em
textos escritos, quanto em textos orais ou visuais. Assim, os textos se manifestam em diversos
gêneros para atender aos diversos públicos e finalidades. Materializam-se em homilias,
116
discursos políticos, legislação, manuais, comédias, bulas, avaliações, convites, atlas, avisos,
programas televisivos, jornalisticos, catequéticos, e-mail, cartas, cartazes, mitos, crônicas,
artigos científicos, editoriais, ensaios, entrevistas, contratos, decretos, músicas, poemas; só
para citar alguns exemplos de manifestação dos gêneros textuais. Não se pode confundir,
portanto, gênero textual com composicionalidade temática dos discursos, pois creio que esta
situa-se na base da orientação discursiva e antecede a manifestação dos gêneros. Poder-se-ia
dizer que os teotemas apontam para a finalidade discursiva-comum do texto, por onde se
percebe uma recorrência de objetos referenciais e para onde direcionam seus elementos
dêiticos. Isolados, são difíceis de serem percebidos, juntos, apontam para a finalidade
argumentativa do discurso religioso. Nesse sentido, o conceito de dêixis amplia-se
enormemente para incluir nomes comuns (caneta, doença, libertação, cimento, sorte, etc),
considerados ―signos linguísticos plenos‖, pois exatamente sobre estes a dêixis pragmática da
enunciação religiosa aponta ou reafirma novos significados. Mas, essa concepção não se
afasta totalmente do que Benveniste (1989) define como dêiticos – signos vazios que só
adquirem completude significativa quando assumidos por indivíduos em situação real de
comunicação.
A diferença aqui está exatamente no fato de que esses dêiticos que compõem a
estrutura enunciativa dos DNP não se restringem à forma de pronomes, advérbios, etc –
explicitamente declarados no texto, mas aparecem como nomes comuns ressignificados a fim
de referenciar continuamente as características subjetivas do discurso religioso. Nessa
medida, os dêiticos vistos sob essa ótica conceitual também não possuem uma referência
estável, pois cada enunciação é única: perturbações mentais, terremotos, riqueza financeira,
saúde, dentre outros termos podem assumir diferentes matizes na significação sagrada. Assim,
conduzidos pela perícia argumentativa dos enunciadores do evangelho, os dêiticos religiosos
apontam uma nova estrutura conceitual com uma significação diversa e, às vezes, não usual,
mas que reafirmam uma identidade e funcionamento discursivo próprios, sobretudo,
mostrando uma clara intencionalidade dos discursos sobre os quais se articulam temas
específicos.
No entanto, pode-se antecipar aqui uma ressalva, pois o que chamo de categoria
temática não aponta necessariamente para a formação discursiva religiosa neopentecostal:
para ser considerada assim, a pregação religiosa precisa passar por extensos processos de
ressignificação – próprios do campo religioso, em torno de uma atmosfera conceitual a que
pertence o domínio simbólico. Sobre mito, Eliade (2001, p. 84-86, negritos nossos) nos dá
importantes pistas para a compreensão da linguagem sagrada:
117
O mito conta uma história sagrada. Mas contar uma história sagrada equivale
a revelar um mistério, pois os personagens do mito não são seres humanos:
são deuses ou Heróis civilizadores. Por essa razão sua gesta constitui
mistérios. O homem não poderia conhecê-los se não fossem revelados. [...]
cada mito mostra como uma realidade veio à existência, seja ela a realidade
total, o Cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal,
uma instituição humana.
Nesse sentido, podemos dizer que os DNP inauguram diversas explicações míticas,
pois ―revelam mistérios‖, sobretudo, por meio da autoridade sacerdotal. Tais revelações
preenchem uma variedade muito grande de explicações a ponto de pretender responder
praticamente todas as inquietações existenciais de seus discípulos. Dessa forma, os sacerdotes
se põem na condição de revelar alguma ―história sagrada‖, investidos que estão da autoridade
profética que a função missionária lhes confere. Assim, os discursos religiosos se tornam
bastante sedutores, sobretudo, quando dirigidos a um público ávido por encontrar respostas
rápidas para solucionar quaisquer problemas.
Para atingir seu intento persuasivo, os DNP se fundamentam, sobretudo, em uma
autoridade sacerdotal que também imprime significação a múltiplos assuntos teotematizados
nos DNP. Assim, por exemplo, termos que poderiam ser entendidos a priori de outros campos
discursivos (jurídico, médico, acadêmico, político, empresarial e outros) podem e são
utilizados reiteradamente nas pregações religiosas, conforme podemos perceber em profusão
nas transcrições que ilustram esse trabalho. A seguir, apresento, no Quadro11, alguns
elementos sublinhados de campos discursivos diversos para delinear essa formulação
interdiscursiva. Conforme exponho neste Quadro, os itens lexicais foram utilizados nos DNP,
mas obviamente que, interdiscursivamente, não são exclusivos das pregações religiosas, pois,
de fato, a palavra em si não pertence a nenhum campo discursivo, mas apenas os sentidos
(intenções de uso) que nela imprimimos criam essa ilusão de pertencimento à determinada
esfera de conhecimento.
118
Quadro 11 – Interdiscurso neopentecostal
Campo
discursivo
Itens lexicais
mais afeitos Aplicação teotemática nos DNP - excertos do corpus
Jurídico Justiça Clamor por justiça (fig. 31) [justiça divina]
Acadêmico Conhecimento,
orientação
acadêmica,
diploma.
[pastor]: De que adianta ter diploma superior se você tá
fracassado? Sem orientação de Deus o conhecimento do
homem não é nada!
Político Votar Vote nos homens de Deus41
! [pessoa confiável]
Empresarial Congresso
Sucesso
Vitória
1. Venha participar do Congresso Empresarial na Nação
dos Vencedores42
toda segunda-feira. 2. Escalada do
Sucesso (fig. 34) [orientação divina para a vitória
profissional]
Médico Cura
Tratamento
Doenças
1. Jesus cura (fig. 26). 2. Venha participar do tratamento
espiritual. 3. Você que sofre com doenças incuráveis para
a medicina... já foi desenganado pelos médicos... nós
temos a solução!
Hermenêutico Argumentar [pastor]: ―Tá vendo gente? O milagre tá aqui! E contra
fatos não existem argumentos‖ [relação causa-efeito
defendida pela ciência cartesiana]
Narrativo Carta Uma carta para Deus (fig. 35)
Afetivo Amor Jesus te ama (fig. 25)
Arquitetônico Edificar A casa que edificarei há de ser grande, porque o nosso
Deus é maior do que todos os Deuses (fig. 21)
Telemarketing Disque Disk oração (fig.32)
Econômico Contribuir
renda
Contribua de acordo com tua renda para que Deus não
torne tua renda segundo a tua contribuição (fig. 39).
Esportivo Exercitar
Praticar
O dízimo é o maior exercício espiritual que se pode
praticar.
41
Para outros exemplos relacionados à política ver dissertação: Um voto pelo amor de Deus (ALMEIDA, 2006) 42
Chamada da IURD amplamente divulgada na TV Record para o Estado de Minas Gerais. Consiste de uma
reunião voltada especificamente para a riqueza material dos fiéis. Nesse culto à prosperidade os pastores
normalmente se utilizam de expressões mais próximas ao campo empresarial. A própria congregação de fiéis
(igreja) é nominada de ―Nação dos Vencedores‖ e o culto religioso de ―Congresso Empresarial‖. Todas as IURD
de Minas Gerais são orientadas a realizar esse culto às segundas-feiras, mas somente na sede do Estado, no
―Templo Maior‖, localizado na Avenida Olegário Maciel, 1329, Lourdes, Belo Horizonte é que pude presenciar
uma especialização extrema dos DNP com vistas à prosperidade e captação de recursos financeiros à instituição,
sob a forma de dízimos, campanhas, ofertas e desafios.
119
Tal concepção poderia ser utilizada para compreensão de outros campos semânticos
e suas diversas nuanças argumentativas. Como exemplo, a formação jurídica pode não
apontar para a legalidade das ações humanas no sentido de que a justiça prevaleça, mas
exatamente para o seu oposto, conforme a utilização de artifícios persuasivos presentes na
habilidade do advogado. Ainda assim, existe a tendência de que o conjunto de itens lexicais
do acervo jurisdicional esteja presente em sua composicionalidade temática, embora isso não
aconteça por conta de uma necessidade. Dessa forma, o orador da lei poderá ou não se valer
da utilização de algum conjunto lexical, próprio da oratória jurídica. Mas, ele pode, inclusive,
se apropriar de termos religiosos ou morais para defender seu cliente.
Segundo esse mesmo entendimento, poderíamos estender essa análise para outros
campos discursivos, uma vez que a composicionalidade temática dos discursos instaura-se
como hipótese constitutiva da própria enunciação em determinado campo de utilização da
linguagem. Nesse trabalho, a composicionalidade temática religiosa ensaia de forma genérica
apenas para que se consiga estabelecer uma delimitação na análise dos elementos dêiticos
para o discurso mítico, especificamente aquele fundado em parâmetros discursivos
neopentecostais. Na prática, a língua não se restringe nem se prende a compartimentos
argumentativos, como nos lembra Ducrot (1999, p. 1):
Pensávamos encontrar nas palavras da língua a causa ou o sinal do caráter
fundamentalmente retórico, ou, como dizíamos ―argumentativo‖ do discurso.
Mas agora somos levados a dizer muito mais. Não somente as palavras não
permitem a demonstração, como tampouco permitem essa forma degradada da
demonstração que seria a argumentação. Esta também é tão somente um sonho
do discurso, e nossa teoria deveria antes se chamar ―teoria da não-
argumentação‖
Ao que parece, os elementos lexicais aqui reunidos sob um mesmo grupamento,
formando o que convencionei chamar de composicionalidade temática do discurso tendem a
permanecer aglutinados por afinidade referencial, apontando para determinado tipo discursivo
que fala com alguma intenção enunciativa. Afinal, os itens lexicais são escolhidos de acordo
com o intento discursivo que se pretende persuadir. Em outras palavras, para que um texto,
em sentido lato, seja compreensível e passível de persuasão, é preciso produzir uma
diversidade referencial utilizando-se da intencionalidade de determinados itens lexicais em
prejuízo de outros, com menor poder de representatividade sobre determinado tema. No caso
dos DNP, alguns termos são continuamente reforçados com a promessa de transformação
milagrosa na vida dos fiéis no aqui-agora. É o que depreendemos dos depoimentos da maioria
120
dos crentes ao recorrer a marcações como ―hoje‖, ―agora‖, ―antes‖, ―aqui‖, ―depois‖, ―está‖ e
outros elementos anafóricos ou referenciais que apontam para um estado de superação dos
sofrimentos, explícito em seus depoimentos.
Para ilustrar esse posicionamento, apresento fragmentos de depoimentos em uma
igreja neopentecostal, cuja intencionalidade dos argumentos parece gravitar em torno da
tentativa de persuasão sobre a prosperidade financeira, alcançada por alguns fiéis que
seguiram as ―palavras de Deus‖, conforme apresentado no Quadro12 a partir de excertos
retirados do corpus (IURD, 2010). Para facilitar e diversificar nossa análise, apresento
depoimentos que marcam dois momentos fundamentais na narrativa de diferentes fiéis: um
ANTES – marcado pelo desprovimento de X (objeto de desejo) e um DEPOIS – marcado
pelo provimento de X.
Quadro 12: Depoimentos pós ―milagre‖
(continua)
Depoimento de fiéis (excertos) X Antes Depois
Hoje nós temos uma loja aqui em Lourdes... com
quase 500 metros... nós temos estoque e uma
credibilidade nacional com os fornecedores que eu
nunca tive na minha vida...
Loja
Estoque
Credibilidade
Ausência
de X
Presença
de X
Depois dessa reunião... eu passei a comprar o meu
maquinário... no começo eu comprei poucos... mas
comecei a ver que as dificuldades eu poderia
vencer... foi aí que eu comecei a comprar os
maquinários e montar uma fábrica... hoje eu tenho
uma fábrica...
Maquinário
Fábrica
Comprar
Ausência
de X
Presença
de X
Deus me restituiu aquela empresa que um dia eu
reclamei.... hoje Deus me restituiu dez vezes
mais.... uma empresa que tenho no sul de Minas que
industrializa seis milhões de litros por mês...
Empresa Ausência
de X
Presença
de X
Depois que eu comecei a participar do congresso
empresarial dos 318... aí minha mente abriu... eu vi
que eu tinha condições de conquistar uma coisa de
ser patrão... aí eu montei minha padaria.
Ser patrão
Padaria
Ausência
de X
Presença
de X
121
E tudo aquilo que eu estava ouvindo eu coloquei em
prática...e... resultado foram coisas maravilhosas...
hoje tenho.... duas lojas... o que eu havia perdido
Deus restituiu tudo.
Coisas
maravilhosas
Duas lojas
Ausência
de X
Presença
de X
Nós montamos a nossa empresa... e graças a Deus
a empresa está arrebentando... e estamos indo...
consegui pagar todas as dívidas... conquistamos
nossos carros... casas... as máquinas novas... e...
graças a Deus estamos arrebentando.
Carros
Casas
Máquinas
Ausência
de X
Presença
de X
Conforme visto nesses depoimentos, os termos negritados reforçam a compreensão
de que, antes da conversão, os fiéis passaram por sofrimentos que foram superados. Talvez
por isso, o uso tão enfático de termos recorrentes como ―hoje‖ (porque antes não tinham);
―depois‖ (porque antes não era possível); ―agora‖ (porque antes não existia) corroboram a tese
de que os DNP apontam para o aqui-agora da enunciação. A rigor, não podemos desprezar
outros depoimentos presentes nos DNP e que serão melhor analisados no próximo capítulo,
sobretudo na seção referente à Fase da Comprovação – última etapa argumentativa dos DNP,
conforme veremos com o aprofundamento analítico dos dados.
No entanto, apesar das limitações analíticas sobre os enunciados religiosos, é mais
coerente conceber o léxico e seus significados intrincados em uma grande teia cognitiva do
que fragmentado em unidades referenciais isoladas. De outra forma, nossa compreensão
estaria condicionada a uma suposta relação biunívoca significante/significado e não a uma
rede de significados que pode girar em torno de um significante, ou a uma rede de sentidos
que se estende a partir de um significado, pois os signos ainda estão longe de expressar o real
sentido daquilo que queremos dizer, no entanto, não temos outra alternativa senão nos mover
metalinguisticamente nessa espécie de labirinto de aproximações semânticas.
Pelo exposto, chamo teotemas ao conjunto de expressões discursivas reiteradamente
usadas no meio religioso que indiciam a sacralização do espaço e do tempo na enunciação
religiosa. Essa sacralização espaço-temporal da enunciação cria, por meio da proclamação da
palavra, uma distinção entre o mundo material e o imaterial ou entre o sagrado e o profano.
Os teotemas representam, portanto, termos mais afeitos a outros campos discursivos (alheios
aos discursos religiosos), mas, quando utilizados no contexto religioso, são ressignificados, à
maneira de uma figura de linguagem capaz de transformar termos ordinários em ―divindades
122
discursivas‖. Adquirem, pois, um valor mítico revestido de elementos considerados sagrados,
conforme esbocei no Quadro 11.
Para que essa distinção se perpetue, é preciso que o mundo sagrado e material seja
muito bem diferenciado discursivamente, pois sua separação se realiza, antes de tudo,
semanticamente. Assim, abro um parêntese para explicitar ―sacramento‖, termo amplamente
usado pelo cristianismo, notadamente pela igreja católica, para referir-se a momentos
específicos de sua liturgia em que, por meio de atos solenes, com uso da palavra oral, se
declara a conquista de alguma benesse sagrada (batismo, eucaristia, penitência, unção dos
enfermos, ordem religiosa, matrimônio). O Catecismo da Igreja Católica (2011, p.166, excerto
1122, versão digitalizada, negritos nossos) explica que: ―o povo de Deus congrega-se antes de
mais nada pela Palavra do Deus vivo. A proclamação da Palavra é indispensável ao
ministério sacramental, pois se trata dos sacramentos da fé, e esta nasce e se alimenta da
Palavra‖.
Aqui, utilizo o conceito de sacramento para ressaltar a importância que a
proclamação da Palavra (com ―p‖ maiúsculo para reafirmar o caráter sagrado que carrega em
seus significados) tem ao anunciar algum efeito sobre a vida dos fiéis. A palavra, pois,
ressignificada a serviço da oratória religiosa aponta para um espaço distinto da enunciação: o
espaço sagrado onde ―tudo é possível‖, segundo o intento neopentecostal.
Até o momento, vimos que a noção de composicionalidade teotemática está
intimamente ligada à recorrência lexical de determinados termos: pecado (considerados erros
pessoais em dissonância com a doutrina religiosa), caridade, realização (teologia da
prosperidade), salvação, exus, demônios (problemas ―expulsos‖ em rituais de exorcismos)
dentre outros, para o discurso religioso. De maneira análoga, a própria conversação segue
regras já definidas. Compartilho de igual forma com Assis (2002, p.54-65) quando explica
que ―embora haja espaço para alguma espontaneidade no curso das falas, estas são limitadas
por regras institucionais definidas a priori‖.
Agora vamos nos deter especificamente no que chamo de composicionalidade
teotemática dos DNP, que também poderia ser entendida, em sentido ampliado, ao de ―dêixis
sacramental‖. Esta se dirige para oficializar o intento discursivo religioso, que no caso do
neopentecostalismo tem sido demonstrado pelo fomento de expressões discursivas que
apontam para duas instâncias específicas. A saber: o espaço e o tempo da enunciação
religiosa. O primeiro promove a construção de um lugar de transformação pessoal e coletivo
de suas comunidades de fé. O segundo se dirige para a inserção das comunidades de fé no
momento presente, tempo em que se realizam, no agora, todas as benesses sagradas. Pois, de
123
fato, os sacerdotes não tornam as coisas ―divinas‖, mas sagradas por meio da proclamação da
palavra fundamentada por objetos transcendentais (pecado, salvação, inferno, etc).
Assim, os discursos religiosos ampliam a organização discursiva dos crentes na
medida em que são incentivados a sair de seus espaços de penúria e carências (materiais,
emocionais, financeiras, familiares, de doenças, entre outras) para a transformação do seu
entorno pela inserção em um mundo de abundância das benesses terrenas e divinas no aqui-
agora. Dessa forma, o discurso neopentecostal coloca ao ―alcance‖ dos fiéis as soluções de
seus distúrbios no tempo presente. Ou seja, a enunciação religiosa inaugura, simultaneamente,
um espaço e um tempo discursivos onde tudo é possível; uma ―janela‖ onde os milagres se
tornam a meta, segundo a crença neopentecostal.
Como se percebe, o fenômeno da composicionalidade teotemática, tanto em sua
variante espacial quanto temporal, indissociadas, subjaz os DNP e pode ser percebida nos
mais diversos matizes do enunciado religioso. A fim de exemplificar como os teotemas
adquirem uma ressignificação religiosa, apresento mais alguns fragmentos orais conforme
Quadro 13, no qual procuro mostrar que, mesmo termos menos afeitos ao campo religioso
(crise financeira, doenças, libertação, perfume, água e outros) reforçam discursivamente as
pregações religiosas.
Essa exposição teórica representa aqui apenas uma preparação para uma
compreensão mais aprofunda sobre a pragmática da enunciação religiosa, exposta ao longo
das sete Fases Argumentativas dos DNP. Assim, reservo o aprofundamento dessa questão ao
próximo capítulo analítico, fundamentado, principalmente, pela Teoria dos Atos de Fala de
Austin e Searle.
124
Quadro 13: Teotemas e interdiscurso neopentecostal
Item
lexical (x) Fragmentos aplicados nos DNP
Teotemas (inferência
interdiscursiva de “x”)
Água Neste domingo, ministraremos a água que
sacia a sede do vazio da alma, no Templo
Maior, avenida...
(x) santificada ―lava‖ os
problemas humanos, ministrada
no lugar “santo” (igreja).
Perfume Nesta sexta-feira estaremos ungindo com
esse perfume que chama o amor...
(x) representa uma fragrância
milagrosa que atrai a pessoa
amada.
Libertação Lá no Sinai onde o Senhor [Deus] falou com
Moisés também vamos buscar a libertação
completa e total de uma vida mesquinha e
miserável...
(x) é uma promessa divina, feita
a Moisés. Atualmente os homens
podem conseguir (x)
Cabelo Nós vamos levar um fio de cabelo seu para o
monte Sinai como prova de que você deu sua
vida para Deus...
(x) representa um fragmento do
sujeito, amostra de seu corpo
levado ao altar para ser entregue
à Deus.
Terremoto A Terra treme porque Deus quer nos dizer
algo... o quanto somos pecadores! Isso é um
aviso para nos voltarmos a Ele...
(x) representa um ―instrumento‖
de evangelização de Deus.
Crise
financeira
Dívidas... existe uma saída! (x) pode ser resolvida com
orientação divina. Alocutário
recebe solução para (x)
Crise
conjugal
Separação é obra de satanás, o que Deus uniu
o homem não separa!
(x) é causado pelo diabo, mas
pode ser resolvido com
orientação divina.
Doenças Essa doença é o Demônio e ele vai sair! (x) pode sumir milagrosamente
por intervenção divina.
Muitos outros exemplos poderiam ser dados, no entanto, a materialidade objetiva dos
dêiticos sacramentais aqui expressos não se restringe apenas em isolar termos, mas se refere a
um conjunto lexical recorrente na semântica da enunciação religiosa. Por isso é sempre
deficitária a exemplificação pontual de determinados termos, uma vez que a
composicionalidade teotemática sugere um conjunto de itens lexicais que apontam para um
125
sentido da enunciação mítica. Sua compreensão, portanto, ultrapassa simplesmente a
marcação de elementos gramaticais como a identificação das funções pronominais, adverbiais
ou qualquer item lexical isolado, ainda que notadamente majoritário entre os referentes
religiosos, como é o caso de ―Deus, fé, padre, caridade, esperança, salvação, tentação,
dízimos, céu, inferno‖ e muitos outros. Isso se observa porque normalmente o discurso
religioso aponta para elementos subentendidos no enunciado, a exemplo do pedido de dízimos
sem referir-se diretamente ao dinheiro ou ao trabalho voluntário dos crentes, mas doá-los à
igreja como condição sine qua non para a salvação, pois esse é ―o desafio à salvação do fiel:
dar o seu tudo para Deus, pois Ele merece receber tudo de você‖, como normalmente os
pastores referem-se aos bens materiais e imateriais dos fiéis.
Para compreensão da composicionalidade teotemática nos DNP, é requerido do
analista de discursos religiosos o entendimento de termos, situações e objetos complementares
ao que foi enunciado, preservados no domínio do cenário enunciativo, pois, nem sempre é
fácil isolar um elemento que julgamos peculiar ao discurso religioso justamente por estar
subentendido no enredo enunciativo. Assim é que poderíamos supor a existência de duas
classes de teotemas nos DNP pela ausculta profunda de diversos elementos que compõem a
cena enunciativa. De uma maneira geral, podemos apontar como elementos principais da
composicionalidade teotemática ou dêixis sacramental os itens mais recorrentes que
concorrem para a constituição do cenário enunciativo do discurso religioso, conforme já
discretizados na tríade referencial fundante. O segundo nível seria o que chamo de teotemas
propriamente ditos ou objetos referenciais acessórios dos DNP, pois complementam a síntese
persuasiva nos discursos religiosos. O conjunto desses elementos concorre para a estruturação
de uma espécie de cenário mítico-discursivo, no qual se busca promover o sobrenatural, lugar
no discurso religioso onde ―tudo é possível‖, instância onde os milagres se realizam no plano
verbal.
O sobrenatural precisa, obviamente, nascer na crença dos expectadores (fiéis
religiosos) como uma alternativa às mazelas por que passam no mundo material. Aqui, a
própria dicotomia instaurada no discurso religioso, quando se refere à distinção dos planos
sobrenatural versus natural e humano incita a utilização de determinados termos próprios dos
discursos religiosos, pois, sem o caráter mítico, a subjetividade das práticas religiosas estaria
restrita à mera especulação racionalista. Para sua existência, a composicionalidade
teotemática precisa do subjetivismo mítico religioso.
126
4.4 Dogma e neopentecostalismo fundamentalista: limites da argumentação religiosa
intradiscursiva
Pretendo complementar brevemente a discussão até aqui apresentada sobre uma
característica muito peculiar existente nos discursos religiosos: o dogma. Conforme me
dediquei na escuta e análise dos DNP percebi uma estreita relação existe entre
fundamentalismo e dogma religioso, pois o fundamentalismo religioso condiciona a
argumentação e tenta se fechar no diálogo intradiscursivo.
Compreendo que a estreita relação existente entre fundamentalismo e dogma
religioso pode ser demonstrada na fórmula: ―X vê Y como Z‖, em que o significado da
palavra se aproxima de uma significação literal do enunciado. Sendo que X representa o
interlocutor que entende Z representado por qualquer objeto discursivo visto de múltiplas
formas a partir de Y. Segundo Gerard e Andre (1993, p. 141):
O dogma consiste em afirmar sem espírito crítico ―verdades‖ para as quais
não se admitem discussões. É a doutrina que, opondo-se às várias formas de
ceticismo ou de agnosticismo, afirma a capacidade do homem de atingir
verdades certas e absolutas. O dogma designa a opinião professada por uma
escola e recebida como verdadeira e, sobretudo, o elemento de doutrina
religiosa baseada na verdade revelada por um livro sagrado.
Ocorre que, nos discursos fundamentalistas, a polissemia de Y vista em ―X vê Y
como Z‖ parece ser restringida pela compreensão literal de Y. Dessa maneira, na fórmula ―X
vê Y como Z‖ o que foi compreendido (Z) passa a incorporar as características de Y. Nessa
medida, o que foi compreendido (Z) busca, em um segundo momento inferencial, conviver
nos estreitos limites do óbvio, polarizando os sentidos da enunciação numa única direção (―Z
Y‖).
Para compreendermos tal característica fundamentalista dos discursos religiosos
podemos observar algumas falas recorrentes nas homilias de alguns líderes da fé em que
parecem restringir o uso da palavra ao seu significado mais literal, conforme analisadas no
Quadro14. Assim, as pregações sugerem que quanto maior a literalidade do texto bíblico,
mais fidedigna serão suas exegeses.
127
Quadro 14: Fundamentalismo religioso
X (pastor)
[excerto]: Nós oramos a um DEUS que tudo vê... a um DEUS que tudo pode... a um
DEUS que opera sinais e maravilhas... a um DEUS que está assentado no mais alto do
céus e intercede por nós... a um DEUS que é poderoso... a um DEUS que é temível... um
DEUS que é grande... um DEUS que AN::DA... um DEUS que FA:::LA... um DEUS que
APAL:::PA... um DEUS... que tem todo o PODER nas suas mãos... [...] para que
possamos saquear o inferno e povoar o céu... Nós oramos para um DEUS que está sentado
no mais alto céu e a Terra é estrato dos seus pés... um DEUS que É::: Um DEUSQUE
SEM:::PRE SERÁ...imbatí::vel... um DEUS que nos ajuda... um DEUS que nos
fortalece... Um DEUS que pode fazer o milagre acontecer... em nossas vidas...
Y (objeto discursivo) Deus
―X vê Y como Z‖ (Z): ...que tudo vê, que tudo pode, que opera sinais e maravilhas,
que está sentado, que é poderoso, que é temível, que é grande,
que anda, que fala, que apalpa, que tem todo o poder nas mãos,
que está sentado, que nos ajuda, que nos fortalece, que pode
fazer o milagre.
―Z Y‖ Os atributos vistos em Z são ―colados‖ em Y. Assim, existe uma
correspondência biunívoca entre o significado literal de Z para
com a natureza de Y. Na representação fundamentalista, ―Z‖ é
―Y‖ e não apenas visto como Y.
Os fragmentos apresentados no Quadro 14 demonstram um modelo de formulação
discursiva em que o fundamentalismo religioso busca comprovação na crença pessoal do
pastor, ao apresentar as ―características‖ de Deus. A fórmula inicial (X vê Y com Z)
transforma-se, em sua forma final, em (Z Y) e ilustra a dimensão literal da interpretação
religiosa. Mas, tal equação somente representará o aspecto fundamentalista dos discursos
religiosos se os interlocutores dispuserem a compreender a literalidade de seus enunciados.
Isto é, essa ―fórmula fundamentalista‖ só será bem sucedida se representar uma disposição
interna dos interlocutores dos discursos em se apegar ao sentido literal das palavras que
referenciam ―Y‖ (Deus), objeto discursivo. Caso contrário, representará apenas uma
redundância do próprio enunciado.
128
Oportuno observar aqui também, conforme demonstrado em outros excertos
apresentados nessa tese, a repetição, quase que involuntária e hipnótica, de determinados
termos nas pregações religiosas – característica bastante comum já apontada nos discursos
neopentecostais: ―um Deus que...‖, repetido 17 vezes e de outras expressões similares
igualmente recorrentes: ―olha o que a bíblia diz...‖, observado em profusão em visitação às
igrejas pesquisadas. Ainda sobre o fundamentalismo, Boff (2002, p.25 apud FERREIRA,
2008) esclarece:
Não é uma doutrina, mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É
assumir a letra das doutrinas e normas sem cuidar de seu espírito e de sua
inserção no processo sempre cambiante da história, que obriga a contínuas
interpretações e atualizações, exatamente para manter sua verdade essencial.
Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto
ao seu ponto de vista.
Como vimos, a argumentação trata dos enunciados, mas sobretudo de suas
possibilidades de refutação porque a princípio para que o movimento argumentativo possa
progredir esperamos por outro ponto de vista. No entanto, o discurso religioso, assentado
fundamentalmente em dogmas, busca fugir da refutação, pois esta desconstruiria o próprio
semantismo presente nos dogmas que fundam as diversas ―verdades‖ religiosas.
Assim, percebo que o dogma strito sensu, isto é, aquilo que não pode ser questionado
no domínio religioso, pertence a uma classe discursiva que estaria preservada, imune de uma
visada argumentativa (AMOSSY, 2006) no sentido restrito do termo, pois de outra forma a
dinâmica da argumentação quebraria com a própria lógica semântica imputada aos dogmas
religiosos.
Há também que considerar que as bases doutrinais do discurso religioso se
confundem com o próprio conceito de dogma, entendido como uma questão fundamental,
inquestionável, enfim, uma verdade absoluta de uma doutrina religiosa e que, portanto, não
pode ser refutado. Assim, diante do impasse existente entre a impossibilidade argumentativa
dos dogmas religiosos, poderíamos entender que os argumentos utilizados pelos oradores da
fé, baseados em dogmas, não podem ser questionados, pois isso feriria a lógica da própria
argumentação doutrinária intradiscursiva.
Podemos falar em certa liberdade dos exegetas sobre a interpretação do dogma,
sempre limitados pela doutrina religiosa a qual pertencem. Isso não implica obviamente em
nenhuma maneira de refutar o dogma, o que coloca a liberdade da ―argumentação‖ do dogma
129
condicionada nos limites de sua interpretação a partir de parâmetros doutrinários, nunca de
sua refutação, pois, conforme mencionei, se fosse possível refutar um dogma, isso quebraria
com o seu próprio semantismo.
Assim, os limites da ―argumentação‖ de um dogma estariam mais associados à sua
interpretação, não à sua refutação. Nesse sentido e por essa característica, fechada em si
mesma, os dogmas no discurso religioso condicionam seus interlocutores a uma espécie de
monólogo sobre as divindades. Disso se depreende um empecilho para o pleno
desenvolvimento de um movimento argumentativo aplicado no discurso religioso, conforme
entendemos em Perelman (1970).
Importante ressaltar que essa impossibilidade de refutação do dogma refere-se
somente ao próprio conceito de dogma, quando pertencente ao contexto de uma determinada
doutrina conforme apresentado neste estudo – delimitado por um corpus neopentecostal
(intradiscursivo), pois de outra forma os dogmas são constantemente rediscutidos e até
mesmo refutados por extensos processos argumentativos exegéticos, quando se trata de
segmentos religiosos distintos. Nesse caso, podemos citar como caso emblemático de
argumentação religiosa interdiscursiva a refutação dos dogmas católicos pela Reforma
Protestante, que incluiu a contestação de antigos dogmas católicos, como a virgindade de
Maria, dentre outros.
130
5. Análise das estratégias argumentativas na pregação religiosa: desconstrução de
um script discursivo neopentecostal
Finalmente, nesse último capítulo, busco apresentar uma resposta à problemática de
nossa pesquisa, circunscrita em torno das estratégias argumentativas em que os DNP se
articulam. Conforme vimos, os discursos religiosos ilustrados como exemplares da
representação identitária do neopentecostalismo parecem estruturados aos moldes de um
padrão de regularidades semânticas explicitados na forma de alguns objetos de referenciação
recursivos. Fato também demonstrado é que tais objetos de referenciação não estão ―soltos‖
no discurso e, portanto, não aparecem a esmo na pregação religiosa. Muito pelo contrário, eles
demonstram uma explícita intencionalidade discursiva ao sugerir uma espécie de roteiro, à
maneira de um script teatral que parece agradar a plateia, partícipe entusiástica das cenas que
compõem a narrativa religiosa.
Assim, podemos delimitar o objetivo específico desse capítulo que se propõe a dar
mais um passo em direção ao desvelamento das estratégias persuasivas nos DNP. Por isso,
nessa parte da investigação, apresento ao leitor sete seções representativas da pragmática
discursiva religiosa, principalmente na identificação de cada Fase estratégica da argumentação
neopentecostal. Assim, para que pudéssemos chegar a esse momento de construção analítica,
foi necessária uma exaustiva escuta in loco de grande parte das pregações religiosas aqui
registradas.
Nos capítulos anteriores, procurei identificar a estrutura constitutiva dos DNP
embasado por fragmentos de pregações neopentecostais e teoricamente respaldado pelas
teorias da referenciação, argumentação e TAF. Dessa forma, utilizei da metodologia dedutiva
para construir a maior parte das conclusões expostas. Por isso, percorremos até aqui um
caminho analítico-descritivo dos discursos religiosos ao realizar um esforço teórico, sobretudo
na circunscrição dos DNP a partir de suas próprias falas recorrentes.
Nesse capítulo, amplio o esforço dedutivo na compreensão e análise dos discursos
religiosos ao procurar desconstruir partes dos DNP de forma a responder nossa indagação
inicial. Ou seja, procuro demonstrar práticas discursivas que exemplifiquem a racionalidade
da ação argumentativa nas pregações religiosas. Ao nos aproximarmos desse objetivo,
pretendemos também visualizar, nos próprios discursos, o desvelamento de suas possíveis
intencionalidades. Segundo Mari (2003, p. 103-104):
131
O padrão mais evidente que concebemos para admitir um fato como racional
traduz-se, muitas vezes, como a possibilidade de prover-lhe uma explicação
causal. [...] Operamos com essa visão tradicional [causa-efeito], quando
reunimos um conjunto de informações, de dados que consideramos o
antecedente e criamos, a partir de um nexo qualquer, um consequente, de tal
forma que, conhecidas as condições impostas aos primeiros, estaremos sempre
aptos a derivar os consequentes.
A partir desse pressuposto, podemos realizar uma análise da percepção sobre alguns
aspectos que os enunciados religiosos incitam em nós, agindo como promotores de estados
mentais, a exemplo de reações de intimidação sobre possíveis ―pecados‖ cometidos;
esperanças na realização de promessas de uma vida melhor; respeito sobre a autoridade
daqueles que proclamam a ―palavra de Deus‖; sensibilização sobre princípios morais ou
éticos ―corretos‖ para se viver; certezas ―comprovadas‖ de milagres alcançados por meio de
depoimentos de fiéis abençoados; tranquilidade ou apreensão por revelações anunciadas
diretamente pelo homem de Deus; ou, esforço na superação de novos desafios na vida para o
fim dos sofrimentos.
A partir dessa compreensão, podemos deduzir que existe alguma racionalidade nos
enunciados religiosos a ponto de intuirmos certa compreensão sobre prováveis efeitos de
sentido que as pregações religiosas promovem. Dessa forma, podemos estabelecer alguma
lógica sobre as proposições religiosas a fim de erigir uma possível forma de categorizá-las.
Oportuno perceber que os itens destacados em itálico (intimidação, promessas, autoridade,
sensibilização, comprovadas, revelações, desafios) reportam às sete Fases Argumentativas
dos DNP aqui apresentadas.
Para poupar espaço e enriquecer com uma diversidade de exemplos, optei por
apresentar falas de diferentes pastores com suas respectivas classificações quanto ao Ponto (P)
e Modo (M). A fim de não avolumar a apresentação dos dados – o que dificultaria o exercício
analítico – dividi cada Quadro, correspondente às Fases Argumentativas, em alguns
grupamentos de excertos, seguidos de uma breve síntese. Há que se considerar que os blocos
de trechos para análise nem sempre são compostos a partir do mesmo material, de um mesmo
locutor, mas de anotações, gravações, vídeos, placas e cartazes. Apesar dessas variações na
fonte dos enunciados, seleciono trechos que julgo serem mais representativos para cada Fase
Argumentativa discretizada. Apesar de criarem entre os enunciados, relações de natureza
diversa na análise, ainda preservam, na semântica da enunciação religiosa, a força ilocutória
que sustenta cada Fase. Nesse sentido, a exposição de locuções diversificadas com origens
132
diversas (diferentes locutores e suporte – panfletos, fotos, cartazes, etc) ajudam na
compreensão de uma Formação Discursiva Local (DNP) em convivência com uma FD geral
(discurso religioso) – objeto hiperonímico das religiões.
A classificação inicial dos atos, coluna à direita dos esquemas (Ponto/Modo), seguiu
uma classificação canônica, fundamentada em propriedades estruturais dos atos e na parte
discursiva da análise. Avalio outros valores pragmáticos que os atos podem assumir, em
função do conjunto em análise e das condições enunciativas (Deus/pastor > fiéis) emergentes
em cada fragmento destacado.
Dessa forma, apresento um mesmo padrão analítico para todas as Fases
Argumentativas desse capítulo, e lembrando que essa e demais análises não assumem um
compromisso exclusivo com atos ilocutórios nem um aprofundamento sobre estados
emocionais, condições preparatórias, de sinceridade, mas, sobretudo, ao que foi percebido
(perlocução) a partir das pregações. Assim, os efeitos perlocutórios fundamentam grande
parte dos excertos apresentados. No entanto, não menciono nas sínteses analíticas o efeito
perlocutório de cada ato, exatamente para não particularizar a importância de apenas um ato,
pois considero o conjunto de atos de cada bloco analisado (e não apenas uma expressão
isolada) ilustrativos da Fase Argumentativa correspondente. Assim, se podemos apontar os
efeitos perlocutórios, estes devem estar subentendidos nas próprias Fases que os representam.
Em outras palavras, a Fase da Sensibilização advém de um efeito de sensibilizar o alocutário,
mediante um conjunto de elementos preservados não apenas em locuções verbais (pregações
religiosas), mas resguardados também no cenário enunciativo. A Fase da Autoridade
fundamenta-se por elementos suscitados a partir de um sentido de respeito e admiração do
alocutário (fiel-sofredor) em relação ao locutor (―homem de Deus‖). A Fase da Intimidação,
por elementos que provocam (perlocução) medo e apreensão nos alocutários. Enfim, o mesmo
raciocínio segue-se para as demais Fases. Afinal, o sentido da perlocução não se realiza
apenas a partir dos enunciados inscritos na pregação religiosa.
Assim, os ―micros atos‖ analisados em cada Fase cooperam para que um efeito maior
faça sentido na enunciação religiosa e determine a sua Fase correspondente. Logo, esse efeito
maior representa a própria Fase Argumentativa dos DNP. Portanto, trato as próprias Fases
Argumentativas dos DNP, já como resultados de efeitos de sentido advindos de uma
intrincada rede persuasiva – analisada ao longo dos excertos, sob a forma de inúmeros atos de
fala. Nesse sentido, podemos visualizar as Fases Argumentativas como as pontas de um
iceberg – o que as sustentam faz parte de nossas análises. Ou seja, analisamos aquilo que está
submerso, que dá sustentação às categorias persuasivas nos DNP.
133
A seguir, antecipo um resumo das Fases Argumentativas dos DNP que serão
discretizadas em detalhes ao longo desse capítulo. A partir do Quadro 15 o leitor poderá se
familiarizar com as etapas que compõem o enredo persuasivo religioso, tal como foram
suscitadas em mim.
Quadro 15: Fases Argumentativas dos DNP – Quadro-resumo
Fases Argumentativas
(efeitos de argumentação) Ação esperada no discurso
43
1. Autoridade
Manifestar o poder sacerdotal dos profissionais da fé a fim
de imprimir prestígio à pregação religiosa, validando, assim,
as demais Fases persuasivas nos DNP.
2. Sensibilização
Suscitar a emoção dos fiéis a fim de prepará-los à recepção
das demais Fases persuasivas nos DNP.
3. Revelação
Revelar benesses ou infortúnios na vida dos fiéis, bem como
suas soluções.
4. Promessa
Prometer a prosperidade em sentido amplo a todos os
crentes que cumprirem com suas obrigações, sobretudo,
financeiras (dízimos e ofertas) à igreja.
5. Desafio Instigar a superação de problemas pessoais ou familiares dos
fiéis para solução de seus conflitos.
6. Intimidação
Provocar medo, apreensão, receio nos fiéis para que reajam
frente a uma situação de perigo.
7. Comprovação
Divulgar milagres alcançados por fiéis aos demais membros
da congregação religiosa.
43
Os verbos utilizados representam elementos objetivos com força ilocutória suficiente para que a Fase
Argumentativa dos DNP se realize com sucesso, ou seja, atinja seu intento de representar Autoridade,
Sensibilizar, Revelar, Prometer, Desafiar, Intimidar ou Comprovar.
134
5.1. FASE DA AUTORIDADE: eu posso te ajudar!
A ―autoridade‖ se constitui em argumento ligado ao prestígio do orador em relação
ao auditório, cujas palavras não devem ser facilmente contestadas, nem descartadas como
irrelevantes. A importância do orador no proferimento dos discursos deve inspirar, acima de
tudo, confiança sobre as ―verdades‖ anunciadas. No caso dos líderes religiosos, essa prática
discursiva parte de sua própria conversão: de pecador de outrora para fiel representante de
Deus no presente. Essa transformação pessoal constitui nessa Fase Argumentativa dos DNP
no cerne de sua fundamentação, pois dá condições para que seus líderes religiosos falem a
partir de sua própria experiência de vida.
Conforme percebido, essa Fase está diretamente relacionada ao referente sacerdotal,
objeto exposto no terceiro capítulo dessa pesquisa. Poderíamos dizer que todos os atos
advindos dessa Fase Argumentativa dependem do caráter sacerdotal dos pastores, sem o qual
suas próprias falas esvaziariam de poder persuasivo.
Segundo Silveira (2007), há pelo menos três autoridades a se considerar nessa
análise: a Trindade (composta de Deus, Jesus Cristo e Espírito Santo), a Bíblia (considerada
palavra de Deus) e o orador (pastor, missionário, bispo, apóstolo). Nessa Fase, destaco o
terceiro elemento como sacerdote, nomeando a si mesmo como representante de Deus, o que
pode ser facilmente depreendido nos seguintes enunciados proferidos por pastores: "Eu vim
trazer um recado de Deus para Vocês" [abertura de um culto]; ―Vamos exercer a autoridade
que o Senhor Jesus nos concedeu‖ [pastor se prepara para expulsar os Demônios em uma
reunião de exorcismo]; ―Eu quero te ajudar... Não só quero como eu posso te ajudar‖.
Essa Fase Argumentativa é marcada por expressões que marcam poder e autoridade a
que o líder religioso chama para si. Ele, como detentor de boa oratória e investido dos títulos
de pastor, bispo, apóstolo ou profeta busca realizar o trabalho de unir os desejos dos fiéis com
o poder de Deus. No meu entendimento, essa Fase Argumentativa precede todas as demais na
persuasão neopentecostal, pois, é preciso que a autoridade do líder religioso seja posta em
evidência para que as demais etapas argumentativas se desenvolvam pela comunidade de fé,
até chegarmos à última Fase Argumentativa, que coroa o circuito persuasivo neopentecostal,
chamada por mim de Fase da Comprovação, exposta ao final dessa análise.
Até onde pude perceber, diversos estudiosos que também se dedicaram à oratória
neopentecostal (MARIANO, 2005; PRANDI, 2000; ALMEIDA, 2002; ORO, 1999;
PIERUCCI, 2008) não mostraram, com o devido realce que damos aqui, o caráter sacerdotal
que os líderes religiosos expõem, provavelmente por estar subentendido nas demais Fases
135
discursivas de suas pregações. No entanto, creio ser importante reafirmar o sacerdotalismo
enquanto objeto de referenciação na constituição dos DNP, pois grande parte das
verbalizações confere aos líderes neopentecostais, uma autoridade sobrenatural, o que impõe
aos fiéis determinado controle a partir dos pregadores do evangelho; na obrigação de seguir
regras de conduta social e principalmente na quitação de suas ―dívidas‖ para com a igreja sob
a forma de dízimos, doações, votos, campanhas, ofertas ou desafios44
.
Do ponto de vista da argumentação, o atributo sacerdotal dos líderes religiosos
representaria, em última análise, ―Deus‖ – simulacro de um poder supremo do universo, com
o qual ―tudo é possível de se resolver‖. Logo, imprimiria força persuasiva suficiente para
movimentar as demais Fases Argumentativas dirigidas à assembleia de crentes.
A seguir apresento um Quadro analítico de alguns fragmentos retirados do corpus da
pesquisa. Tais excertos teriam, como atributos principais, o poder de explicitar a Autoridade
que os líderes religiosos tentam transmitir aos fiéis.
Quadro 16: Locuções demonstrativas de Autoridade
(continua)
Sequência aleatória de excertos retirados do corpus.
Pastores em pregação na CESNT, 2008; MIR, 2009,
IURD, 2008, 2011.
Relação Ponto/Modo
1. As pessoas têm que olhar para mim
2. e ver que de fato eu sou um profeta!
3. O Exu está de joelho aqui porque o que está
dentro de mim é mais forte!
4. Vocês estão vendo algum Demônio comigo?
5. NÃ::O!
6. E sabe por quê?
7. Porque dentro de mim tem o ESPÍRITO SANTO::
O Espírito de DE::US!.
8. Deus me deu autoridade para apregoar...
P:assertivo/M:obrigação
P:declarativo/M:proclamação
P:assertivo/M:constatação/justificativa
P:diretivo/M:pergunta
P:assertivo/M:refutação
P:diretivo/M:pergunta
P:assertivo/M:justificativa
P:assertivo/M:afirmação
44
Nessa pesquisa expliquei as formas discursivas de como as igrejas neopentecostais se utilizam para auferir
dinheiro dos fiéis. Assim, para cada investida financeira na economia dos crentes existe uma maneira apropriada que
os DNP se utilizam na modalização do ato diretivo para esse fim específico: ofertas, contribuições, campanhas e
votos (sugestão), dízimos (comandos), desafios (desafios/sugestão intensificada com forte apelo emocional).
Normalmente todas essas categorias são utilizadas durante um mesmo culto, em diferentes momentos. Dessa forma,
a coleta financeira se realiza do início ao fim do culto.
136
Sín
tese
Anal
ític
a O ato 1 representa um assertivo, mas nos DNP assume características de
diretivo/comando, pois mobiliza os alocutários a expressar respeito pelas condições
preparatórias (sacerdote) do ato 2. Ainda podemos analisar o ato 2 diretamente como
P:assertivo/M:afirmação e considerar em razão das condições preparatórias do locutor
(pastor = suposto representante de Deus) o seu valor declarativo (conforme análise): no
fundo, ‗eu‘ sou profeta, ao proferir a sentença. A sequência dos atos 4, 5, 6 e 7 merece
ser destacada: o ato 4 é um diretivo, mas indiretamente, ele é um ato assertivo. O locutor
não está perguntando sobre esse conteúdo proposicional: ele está afirmando, mas
discretamente, faz com que o alocutário antecipe a resposta à indagação. Isso pode ser
comprovado pelo ato seguinte em que o próprio locutor responde NÃO. Da mesma
forma, o ato 6 é um diretivo/pergunta, com efeito retórico, pois a pergunta é uma
estratégia para o locutor afirmar quem ele é (ato 7). O ato 8 demonstra a crença do
locutor a fim de se posicionar conscientemente aos demais membros da congregação sua
capacitação de falar como representante de um poder superior. As condições
preparatórias (ser representante de Deus) desse ato dão suporte à execução dos demais
atos persuasivos da pregação religiosa.
1. Eu ordeno que esse Demônio saia desse corpo!
2. Eu determino que todo mal bata em retirada!
P:declarativo/M:excomunhão
P:declarativo/M:excomunhão
Sín
tese
Anal
ític
a
Tanto o ato 1, quanto o 2 deveriam, a princípio, ser analisados como [P:diretivo
/M:comando]. Entretanto, pelas condições enunciativas desse discurso, a análise como
declarativo é apropriada pelas seguintes razões: (a) embora se tenha um performativo
associado a uma forma alocutiva (saia... bata) não existe um alocutário explícito que
supostamente realizaria a ação futura (sair e bater em retirada). O alocutário presente é
próprio fiel (e nesse caso o ato assume também de forma indireta um valor comissivo) e
o Demônio é, no fundo, o objeto da referenciação desse ato; (b) o ato em questão é o
próprio exorcismo, pois tem esse valor declarativo na interação em questão.
1. Eu vou abençoar sua vida!
2. Eu vou colocar a mão na cabeça de todos os
dizimistas
3. e eu estarei determinando a graça.
4. Senhor [Deus] eu vou usar a autoridade que tu tens
me concedido para curar...
5. Em nome de Jesus eu vou ARRANCAR esse exu
maldito desse corpo
P:comissivo/M:proteção
P:comissivo/M:proteção
P:declarativo/M:proclamação
P:comissivo/M:proteção
P: comissivo/M:proteção
Sín
tese
Anal
ític
a
Todos esses atos podem ser tratados como comissivos (vou abençoar, vou colocar,
vou usar, vou arrancar), à exceção do ato 3 em que adquirem uma função
declarativa/preditiva (M:proclamação) pela condições preparatórias do locutor – para
um sacerdote apto a determinar a graça (3) na vida dos crentes, o ato se torna mais
do que uma promessa de realização, mas na própria determinação de realização.
137
1. Você que teve resultados positivos, vem aqui...
2. que eu quero fazer uma unção para você!
3. Aproveita a viagem e traz seu dízimo.
P:diretivo/M:comando
P:comissivo/M:promessa
P:diretivo/M:comando
Sín
tese
Anal
ític
a
O ato 1 [diretivo/comando] justifica-se porque a princípio todos os fiéis que
conseguiram alguma vitória (resultados positivos) são orientados [M:comando] a
divulgar suas conquistas, frutos de alguma intervenção divina. Note que o ato é
precedido por uma condição preparatória (“você que teve resultados positivos...”). Ou
seja, se não houve resultados positivos não há que se realizar o modo comando [de ir até
o altar]. Caso confirme positivamente o ato 1, o fiel receberá (―eu quero fazer‖, ato 2)
uma unção, marcada também pelas condições de sinceridade do locutor. Aparentemente
sem coerência com a proposição anterior, o locutor aproveita para realizar no ato 3 um
diretivo/ordem (conf. diferenças entre dízimos/ofertas a partir da fig. 40). O locutor usa,
portanto, autoridade para distribuir comandos ou promessas aos alocutários.
Assim, os fragmentos acima demonstram que para serem consideradas válidas ou
surtirem algum efeito, as locuções destacadas requerem autoridade manifesta de seus
oradores. Logo, se o pastor declara a si mesmo como possuidor de autoridade profética, ele
deverá se posicionar como tal: ―o que está dentro de mim [Deus] é mais forte... porque dentro
de mim tem o ESPÍRITO SANTO:: O Espírito de DE::US!‖. Assim, podem simular uma luta
contra as forças do mal cujo resultado final será sempre a vitória de Deus, demonstrada pela
libertação dos fiéis ―endemoninhados‖, ação confirmada verbalmente na Fase da
Comprovação (última etapa argumentativa aqui apresentada), por meio dos depoimentos dos
próprios féis convertidos.
Além das verbalizações orais proferidas por líderes religiosos em pregação, existem
diversas referências bíblicas expostas nas paredes das igrejas pesquisadas. Normalmente cada
citação remete os fiéis ou observadores a uma determinada lição evangélica. Na Catedral
Mundial da Fé45
, existem diferentes passagens bíblicas afixas em relevo nas paredes do
prédio principal: ora suscitando um convite proselitista, ora recordando aos crentes sobre o
seu destino ou, simplesmente, justificando o porquê de uma construção tão imponente aos
olhos humanos, conforme podemos perceber na citação bíblica (II Crônicas 2:5) inscrita no
45
Templo considerado a sede mundial da IURD – Igreja Universal do Reino de Deus – ícone máximo do
neopentecostalismo. Localiza-se na Avenida Dom Hélder Câmara,bairro de Del Castilho, Rio de Janeiro.
Comporta aproximadamente 15 mil fiéis sentados e tem aproximadamente 45 mil m2, que somados às
construções externas chega a 72 mil m2. Atualmente é o maior templo evangélico já construído na América
Latina e só será superado pelo ―Templo de Salomão‖, obra também da IURD em fase de construção na cidade de
São Paulo – ao custo inicial, segundo a Arca Universal (2012), de 300 (trezentos) milhões de reais.
138
pórtico da sede da IURD (fig. 21): ―A casa que edificarei há de ser grande, porque o nosso
Deus é maior do que todos os Deuses46
‖.
Pondero que não apenas as palavras, isto é, o discurso oral ou escrito, suscita
autoridade nas pregações, mas a própria arquitetura das igrejas inspira certo poder imanente
aos devotos. Podemos supor que as formas que marcam o desenho arquitetônico dos templos
deve favorecer aos fiéis a assumirem uma atitude naturalmente receptiva sobre a importância
das mensagens que se poderia anunciar dentro daquele ambiente, considerado sagrado e
notoriamente imponente, conforme pode ser visto na figura abaixo.
Figura 21: Pórtico da IURD – Sede Mundial
Fonte: Fotos do autor (IURD, 2011, RJ)
Os artifícios da arquitetura dos templos, utilizados com fins persuasivos e sua relação
com a Fase da Autoridade e demais Fases Argumentativas (sensibilização, intimidação, dentre
outras) merecem um aprofundamento maior, em outro trabalho, pois aqui me atenho apenas
nas formas de enunciação explícitas da discursivização religiosa.
46
Nessa citação podemos exemplificar a relação fundamentalista dos DNP com a fórmula apresentada no
capítulo anterior, seção 4.4 desse trabalho em que ―Z ≡ Y‖. Ou seja, o sujeito (X) justifica a grandiosidade física
da igreja, casa de Deus (Y) e a constrói conforme descreve o texto bíblico – fisicamente grandiosa (Z). Dessa
forma, existe uma correspondência biunívoca entre o que está escrito e o que é compreendido, o que suscita a
tese fundamentalista na linguagem religiosa.
139
5.2 FASE DA SENSIBILIZAÇÃO: eu entendo seu sofrimento...
Essa Fase recorre a objetos propagandísticos e também a um discurso que busca
―tocar‖ a emoção dos fiéis a fim de sensibilizá-los a aceitar a doutrinação religiosa, a aderir
aos seus postulados. Nessa Fase, tanto pastores quanto fiéis buscam proclamar seus
sentimentos, aos moldes de um ato expressivo (TAF). Temos dois aspectos identificáveis
nessa etapa: um vinculado diretamente à propaganda religiosa e outro relacionado aos
discursos orais propriamente ditos.
Na identificação dessas características que também podemos considerar como
estratégias persuasivas dos DNP, as pregações religiosas tendem a se tornar ainda mais
extraordinárias, pois procuram despertar as esperanças dos fiéis para solução de seus
problemas. Dessa forma, com a devida sensibilização dos crentes por meio de frases que
simulam convites que ofertam algum tipo de ajuda pessoal (Venha receber... Venha
participar... Venha se libertar... Jesus te ama! – conforme figuras abaixo), procuram reforçar
a argumentação na conquista de novos adeptos e manutenção daqueles já conquistados.
Dessa forma, o proselitismo religioso neopentecostal ganha ainda mais força por
executar um tipo discursivo que tende a sensibilizar em ―uma das formações discursivas mais
explicitamente persuasivas‖, conforme Citelli (1999, p. 48) compartilha conosco.
A seguir apresento quatro figuras (22 a 25) ilustrativas dessa Fase de Sensibilização,
e logo após insiro suas locuções em um Quadro analítico, juntamente com alguns excertos
retirados do corpus oral.
Figura 22: Venha Receber
Fonte: Fotos do autor (IVN, 2008, MOC)
140
Figura 23: Venha Participar!
Fonte: CAMPANHA... 2011
Figura 24: Venha se Libertar
Fonte: Fotos do autor (IURD, 2008, MOC)
Figura 25: Jesus te ama
Fonte: Fotos do autor (2006, MOC)
141
Quadro 17: Locuções demonstrativas de Sensibilização
(continua)
Sequência aleatória de excertos retirados do corpus.
Pastores em pregação e propaganda nas IDRP,
2009; IURD, 2011, COPV, 2012.
Relação Ponto/Modo
1. Eu sei quanta dor existe aí nesse coraçãozinho...
2. Eu não quero convencer ninguém
3. Eu quero dar para vocês o que vocês não têm...
4. Eu só estou falando para pessoas com fé
P:assertivo/M:afirmação
P:comissivo/M:desejo
P:comissivo/M:desejo
P:assertivo/M:declaração
Sín
tese
Anal
ític
a
Todos os atos desse excerto podem ser considerados assertivos, pois demonstram a
opinião (afirmativa ou negativa) do locutor. No entanto, a intencionalidade preservada
nos DNP nos permite fazer as seguintes considerações: todos esses atos resguardam
uma significação emotiva com intenções subentendidas: o ato 1 é modalizado para
“compaixão” ao associar a dor dos crentes com a ciência do pastor (que deveria se
compadecer). No ato 2, pelas condições preparatórias do locutor (sacerdote) o ―não
quero‖ gera um modo ―sinceridade‖, mas representa na realidade um diretivo oculto,
pois o locutor convence o alocutário de que ―não quer convencê-lo‖. O ato 2 também
representa um assertivo oculto no modo afirmação, pois, de fato, o locutor quer
convencer. A expressão ―não quero convencer‖ é mais um modo/humildade para
disfarçar suas intenções diretivas (de convencer). No ato 3, ―quero dar‖ gera um modo
promessa (―vou dar‖ – pois as condições preparatórias capacita um sacerdote a isso).
Assim, o ato 3 deve se realizar no ato 4 (conforme análise): às ―pessoas com fé‖,
modalizado pelo advérbio restritivo ―só‖.
1. Quem vai te convencer é o Espírito Santo
2. Venha para o corredor de milagres
3. Venham aqui pessoas desenganadas pelos médicos
P:assertivo/M:afirmação
P:diretivo/M:convite
P:diretivo/M:seleção
Sín
tese
Anal
ític
a
O ato 1 abre com um assertivo/afirmação, ao demonstrar a crença de ―quem vai te
convencer‖ é validado pela sentença complementar – ―é o Espírito Santo‖. Tal ato
deve ser entendido, todavia, como denegação (e não afirmação, conforme análise), pois,
quem ―vai convencer‖ realmente é o próprio pastor e não o ―Espírito Santo‖. Os atos 2
e 3, ambos diretivos representam convites com efeitos perlocutórios de milagres. A
sutil diferença recai para o ato 3, com o dêitico ―aqui‖, acrescido da qualificação de
pessoas ―desenganadas pelos médicos‖ que condiciona o ato ao tipo de pessoa que deve
ir receber a cura (comissivo pressuposto), pois o locutor chama pessoas doentes
(desenganadas pelos médicos). Todos esses atos servem para sensibilizar os alocutários
do valor da pregação.
142
1.Venham aqui no altar...
2. Venha receber a chave que abre todas as
portas de sua vida (fig. 22).
3. Venha se libertar! (fig. 24)
4. Vamos todos levantar...
5. Levanta daí da sua cadeira e pisa!
6. Amarra o cordão várias vezes, com muitos nós
e coloca só R$ 10,00 (dez reais) no envelope
junto como cordão amarrado e traz aqui,
7. vamos orar e desatar todos os nós da sua vida
8.Amarra uma fitinha no braço para não esquecer
da reunião de domingo.
9. Venha Participar (fig. 23)
P:diretivo/M:comando
P:diretivo/M:sugestão
P:diretivo/M:sugestão
P:diretivo/comissivo/M:comando/convite
P:diretivo/M:comando
P:diretivo/M:comando
P:comissivo/diretivo/M:convite/comando
P:diretivo/M:comando
P:diretivo/M:convite
Sín
tese
Anal
ític
a
A sequência de atos diretivos (conforme análise), à exceção do ato 7 que representa um
ato híbrido (comissivo/diretivo//modo:convite/comando), pois ao dizer ―vamos orar‖ o
locutor conclama o alocutário para a oração. Ou seja, é o pastor que ora (comissivo),
mas espera que o alocutário também o faça (diretivo) e tem ele, pastor, por suas
condições preparatórias de sacerdote, o poder de ―desatar todos os nós‖, enfim, a
realização do ato comissivo. Nos atos 1,4,5,6,8,9 o locutor dá comandos (conforme
análise). No entanto, apenas sugere nos atos 2 e 3, pois se tratam de propagandas
escritas (painéis), como concomitantemente convida nos atos 4 e 7. O ato 9, apesar de
também ser uma propaganda, considero mais adequando o modo ―convite‖, pois a
expressão diretiva ―venha participar‖ subentende um modo/convite em razão da
natureza semântica do verbo participar que orienta uma ação para o alocutário.
1. Jesus te ama! (fig. 25)
2. Oh... Pai,
3. nós não aguentamos mais tanto sofrimento...
4. Quem senão Deus para ajudá-lo agora? (fig. 22)
5. Jesus breve vem! (fig. 28)
P:assertivo/M:afirmação
P:expressivo/M:reconhecimento
P:assertivo/M:reclamação
P:diretivo/M:provocação
P:assertivo/M:predição
Sín
tese
Anal
ític
a
O ato 1 representa, conforme análise, um assertivo, pois busca sensibilizar os devotos
pelo conteúdo proposicional (o amor de Jesus ao fiel). O ato 2 expressa sentimentos do
locutor (Oh...) de reconhecimento de um ente que lhe é superior (Pai), a quem cabe
dirigir a reclamação contida no ato 3 – ―nós não aguentamos mais tanto sofrimento‖ -
que, certamente, produz o efeito perlocutório de lamúria. O ato 4 se realiza sob a forma
de um diretivo (conforme análise), pois instiga os fiéis a buscar em Deus (Quem senão
Deus...?). Funciona como um valor indireto de convite com forte conteúdo emotivo:
―agora‖ imprime um efeito perlocutório salvífico urgente ao ato em questão. O ato 5,
embora analisado como um assertivo/predição pode gerar o efeito de uma promessa,
em razão das condições preparatórias dos alocutários a quem o ato se dirige. O ato-
―Jesus breve vem!‖- não tem, assim, a função simplesmente de dizer sobre a vinda do
messias, mas de provocar uma reflexão que pode redundar ou não em ações.
143
Conforme podemos depreender na análise do Quadro 17, a pregação religiosa sugere
uma tentativa de sensibilizar o fiel, buscando ―entender‖, ―solidarizar-se‖ com a dor dos
crentes. Mais alguns exemplos que reforçam essa característica emotiva: ―Eu sei quanta dor
existe aí nesse coraçãozinho... eu mesmo já sofri tanto...‖; ―Venham aqui no altar: pessoas
desenganadas pelos médicos... pessoas que sofrem com algum mal... dores de cabeça... vida
destruída... viciados... alcoólatras... dependentes químicos‖. Com tais asserções, o pastor
parece incitar os fiéis a aderirem ao plano de ―tratamento‖ proposto pela Igreja. Em outro
momento das pregações, parece utilizar-se de jogos de interação grupal para que toda a
assembleia de fiéis participe ativamente do culto: ―Vamos todos levantar, bater os pés e pisar
no diabo! Levanta daí da sua cadeira e pisa! PISA! PISA... PISA... PI:::SA nesse DIABO
MALDITO!‖. Essa é a Fase em que o desabafo, da oração lamuriosa, chorosa, desesperada é
mais incentivada, a exemplo da seguinte rogativa, apresentada como ato expressivo na
pregação religiosa: ―Oh!!! Pa:::i, nós não aguentamos mais tan:::to sofrimento...‖ Sobre o
sucesso da argumentação, nos orienta Abreu (2005, p. 17):
Ao iniciar um processo argumentativo visando ao convencimento, não devemos
propor de imediato nossa tese principal, a ideia que queremos ―vender‖ ao
nosso auditório. Devemos, antes, preparar o terreno para ela, propondo alguma
outra tese, com a qual nosso auditório possa antes concordar.
A partir de tal afirmação, poderíamos deduzir que a Fase da Sensibilização nos DNP
cumpre uma importante função ao suscitar nos fiéis o ―toque de suas emoções‖,
provavelmente para receberem, num segundo momento, as demais proposições desenvolvidas
na pregação religiosa. Assim, a tese principal que seria a de persuadir completamente o fiel é
desviada pela negação de formas comissivas como ―Eu não quero convencer ninguém...‖, ou
como ―Eu não quero o seu dinheiro...‖, que apenas disfarçam um ethos de interesse, mas que
no fundo reforçam as ações de querer convencer e de querer o dinheiro, como se pode
comprovar em diversos outros momentos dos DNP.
144
5.3 FASE DA REVELAÇÃO: eu sei por que você sofre!
Nessa Fase persuasiva dos DNP, os pastores procuram revelar a fonte dos
sofrimentos por que passam os crentes, pois o mal individual que existe na vida das pessoas
deverá, segundo a prédica religiosa, igualmente expor a fonte dos demais sofrimentos
humanos. Assim, nessa Fase, os líderes da fé ―desvendam‖ os porquês de tantos distúrbios
pessoais e sociais que afligem grande parte das pessoas, enfim, revelam a causa das
perturbações humanas. Denunciam que o mal existente na vida das pessoas é corporificado
na figura de uma entidade demoníaca composta por uma legião de espíritos malignos e ―é por
isso que as pessoas sofrem‖: por sua ligação com as forças do mal, resumem categoricamente.
Mas, para resolver os graves problemas humanos, sobretudo aqueles cujas causas
enraízam-se em algum ente demoníaco, a igreja também revela um antídoto para curar ―tanto
mal solto no mundo‖. Oferece ajuda, conforme podemos depreender das ―Quatro Revelações‖
mostradas na figura 26 e analisadas no Quadro 18. Com tal abordagem persuasiva, nota-se
que os líderes da fé não revelam nessa Fase apenas o porquê dos sofrimentos, mas também a
sua cura. Desconfio que é justamente por apresentarem uma alternativa para se livrar dos
sofrimentos humanos que a igreja encontra grande ressonância entre os féis e não para de
crescer em número de adeptos.
Figura 26: As quatro revelações
Fonte: Fotos do autor (COPV, 2006, MOC)
145
Quadro 18: Locuções demonstrativas de Revelação
Sequência aleatória de excertos retirados do corpus. Pastores
em pregação e propaganda na IURD, 2012; IIGD, 2009,
IMPD, 2009
Relação Ponto/Modo
1.Nem sei porque eu estou falando isso...
2. é o próprio Deus que está me usando
3. O meu crescimento vem da inspiração que vem de Deus
4.Atrás de todos esses males, existem esses Demônios
5. Jesus Salva, Jesus cura (fig. 26)
6.Jesus voltará (cont... fig. 26)
P:assertivo/M:dúvida
P:assertivo/M:revelação
P:assertivo/M:revelação
P:assertivo/M:constatação
P:assertivo/M:afirmação
P:assertivo/M:predição
Sín
tese
Anal
ític
a
O ato 1 representa um assertivo que simula uma dúvida (―nem sei porque...‖). Mas essa
é apenas uma dúvida retórica, já que o pastor se considera representante de Deus.
Assim, desloca sua fala original de locutor (pastor, humano) para uma fala
sobrenatural, confirmada no ato 2:―é o próprio Deus que está me usando‖. Esses dois
atos reunidos têm função preparatória de sustentar os demais atos que se seguem,
mostrando não apenas a sua proximidade com Deus (ato 3), mas também sobre aquilo
que ele se julga como autoridade para falar de Deus (atos 5 e 6). Os atos 3 e 4 são
assertivos com função de revelar algumas causas sobrenaturais: aquelas que ―vem de
Deus‖ (ato 3) e outras, advindas do ―Demônio‖ (ato 4). O ato 5 tem um valor canônico
de assertivo, mas pode representar, indiretamente, um declarativo, supondo que só
Jesus é capaz de salvar e curar pelo dizer. As formas verbais (presente indicativo –
salva e cura) ajudam a preservar a revelação como um fato constante e habitual da
vida. O ato 6 deve ser analisado assertivo/predição, pois contém a certeza messiânica,
amplamente aguardada pelos crentes da vinda do salvador.
1. Você sofre com essa dor na garganta, com essa coluna
torta, com o desemprego, com a família destruída, com esse
vício do capeta...
2. por trás do seu problema está o próprio diabo!
3. Recebi hoje uma revelação de Deus
4. A palavra profética é de Deus!
5. O mal é origem de um Demônio
P:assertivo/M:constatação
P:assertivo/M:revelação
P:assertivo/M:revelação
P:assertivo/M:revelação
P: assertivo/M: revelação
Sín
tese
Anal
ític
a
Todos os atos representam assertivos/constatação/revelação (conforme análise), pois
reforçam a crença em explicações sobre a causa-efeito dos sofrimentos humanos, sob a
forma de constatações ou de revelações. A sutil diferença que se estabelece entre
constatação (ato 1) ou revelação (demais atos) é que a primeira refere-se, sobretudo, à
tomada de consciência pessoal sobre os problemas humanos que precisam ser
resolvidos, enquanto que a revelação representa o conhecimento relacionado
diretamente com as próprias divindades (Deus ou Demônio). Assim, eu posso
constatar meus pecados, mas apenas os pastores, investidos de autoridade, podem
revelá-los.
146
Nessa Fase, o pastor procura demonstrar que ―sabe‖ o porquê dos sofrimentos dos
fiéis, por isso seus tormentos estão ―com os dias contados para acabar‖. Assim, o pastor
revela a fonte do mal na vida das pessoas, mas não apenas revela: ―mostra‖ que a causa de
todos os sofrimentos humanos está no Demônio – ente corporificado inclusive com nomes
próprios: Lúcifer, Capeta, Satanás, Satã, Tranca-rua, Exu-caveira, Pomba-gira, Exu-miséria,
Exú-da-morte, Exu-pimenta, O tinhoso, O encardido, O Rabudo, O pai da mentira, O coisa-
ruim, O cão, Demo, Diabo, dentre outros que presenciei durante cultos exorcistas.
Normalmente essa Fase está articulada com o exorcismo e com a prosperidade
neopentecostal, objetos referenciais amplamente abordados no capítulo 3 dessa pesquisa.
Conforme se perceberá, essa Fase também se mostra muito próxima à Fase da Promessa, pois
ao mesmo tempo em que o pastor revela as causas do mal na vida dos fiéis, ele promete, em
nome de Jesus, sua solução. Enfim, a Fase da Revelação é marcada, sobretudo por
explicações fundamentadas principalmente em passagens bíblicas, consideradas ―a palavra do
Deus vivo‖. Mas, além dessa fonte de revelação, os líderes religiosos também atribuem a si
próprios alguma revelação divina, como ―canais‖ mediadores da voz de Deus: ―Nem sei
porque eu estou falando isso... é o próprio Deus que está me usando‖.
5.4 FASE DA PROMESSA: a certeza da vitória.
Aqui, o pastor promete a solução para todos os problemas apresentados pelos
devotos. Para isso, busca fundamentação em passagens bíblicas, nas ―palavras de Deus‖,
como costumam dizer – sempre amparados por citações retiradas do próprio texto bíblico.
Nessa medida, a promessa do pastor se confunde com a promessa de Deus, conforme
apresentado em um painel no interior da IURD/MOC: “Aquele que Me servir Vencerá47
‖
(promessa de vitória). Infelizmente não pude apresentar aqui a imagem desse painel, pois é
proibido o registro de imagens ou áudio no interior das igrejas pesquisadas. Por isso, grande
parte do corpus aqui apresentado advém de gravações digitais de cultos neopentecostais
transmitidos via rádio, TV ou por anotações escritas por mim in loco em diversas igrejas
neopentecostais de Montes Claros-MG, Belo Horizonte-MG e Rio de Janeiro-RJ, além de
fotografias de áreas externas das igrejas. A única imagem interna de uma igreja aqui
apresentada foi coletada da web (fig.40).
47
Citação indireta provavelmente retirada de João 12:26 (E, se alguém Me servir o Pai honrará).
147
Essa é a Fase onde os desejos humanos não alcançados são dirigidos a Deus para o
milagre da realização. Mas os desejos humanos devem coincidir antes de tudo com as
promessas divinas. Assim, nessa Fase da discursivização religiosa, o pastor incentiva os fiéis
a pedir o que quiserem, pois ―nosso Deus é um Deus da prosperidade e Ele nos prometeu
viver como filhos do rei‖. Assim, segundo a crença religiosa, as promessas de Deus não
falham. A seguir, apresento uma coleção de oito figuras (27 a 34) ilustrativas dessa Fase
Argumentativa, analisadas posteriormente no Quadro19 juntamente com alguns excertos
retirados do corpus oral.
Percebo que as promessas realizadas por meio das propagandas buscam atingir o
maior número de pessoas, pois normalmente as igrejas localizam-se em regiões estratégicas
da cidade: onde transitam grandes massas populacionais. Dessa forma, o proselitismo
neopentecostal tem realizado a tarefa de conquistar o maior número de fiéis, sobretudo com a
promessa de curas instantâneas, riquezas materiais e soluções simplificadas para quaisquer
males humanos, conforme podemos deduzir a seguir. Nessa Fase podemos observar uma
profusão de exemplos ilustrativos, pois as igrejas costumam se utilizar, principalmente, de
promessas a fim de chamar atenção sobre si.
Figura 27: Concentração de fé e milagres
Fonte: Fotos do autor (IMPD, 2012, MOC)
Figura 28: Jesus voltará
Fonte: Fotos do autor (2006, MOC)
148
Figura 29: Resgatar o passado e garantir o futuro
Fonte: Fotos do autor (MIR, 2006, MOC)
Figura 30: Nenhum mal chegará à tua casa
Fonte: Fotos do autor (IVN, 2006, MOC)
Figura 31: Clamor por justiça!
Fonte: Fotos do autor (IDRP, 2004, MOC)
Figura 32: Disk Oração
Fonte: Fotos do autor (TCM, 2012, MOC)
149
Figura 33 Promessa de proteção divina
Fonte: PROTEÇÃO... 2010
Figura 34: Escalada do sucesso
Fonte: Fotos do autor (IURD, 2012, MOC)
150
Quadro 19: Locuções demonstrativas de Promessa
(continua)
Sequência aleatória de excertos retirados do corpus.
Pastores em pregação ou propagandas das igrejas TCM
(2012), CESNT (2006), IURD (2012).
Relação Ponto/Modo
1. Templo de curas e milagres (fig. 32)
2. Disk Oração – Você não está só (cont... fig. 32)
3. Proteção divina contra a dengue (fig. 33)
P:assertivo/M:descrição
P:diretivo/M:sugestão
P:comissivo/M:proteção
Sín
tese
Anal
ític
a
Para o ato 1,temos assertivo/descrição, na sua forma direta, por se tratar de um
sintagma nominal caracterizado pelos adjuntos –“de curas e de milagres”. Entretanto,
por ter a função de uma propaganda (fig. 32), indiretamente, podemos admiti-lo como
diretivo/sugestão, por orientar o fiel para o lugar onde acontecem ―curas e milagres‖.
Além do mais, na perspectiva do próprio fiel, o ato pode ser também interpretado como
um comissivo/promessa: espera-se que o locutor possa fazer algo para curar através de
milagres. Todas essas possibilidades de especificação pragmática do ato decorrem das
condições preparatórias que validam o Templo como um lugar de ―curas de milagres‖.
Consideramos o ato 2, um diretivo/sugestão (conforme análise), como complemento
acional do ato anterior: se somos capazes de curar e fazer milagres, então ‗disk para
nós‘. O ato 3 é um comissivo/proteção, pois o panfleto (fig. 33) de outra igreja
neopentecostal (condições preparatórias) promete explicitamente a ―proteção divina
contra a dengue‖. Todavia, do ponto de vista do alocutário, o ato pode, indiretamente,
ser visto como diretivo/sugestão, já que o primeiro valor pragmático depende do
segundo para ser realizado. Isto é, para que o fiel seja resguardado das forças do mal
(promessa de proteção) ele precisa ir até a igreja buscar tal proteção, isto é, realizar um
ato diretivo, sugerido no panfleto.
1. Vamos honrar a Deus com sua oferta e
2. sua vida vai mudar!
3. Na sua reação você vai ter a ação de Deus
4. Você vai colocar sua oferta em cima da palavra de Deus
5. e o milagre tem que acontecer!
P:diretivo/M:sugestão
P:comissivo/M:promessa
P:comissivo/M:promessa
P:diretivo/M:sugestão
P:assertivo/M:certeza
151
Sín
tese
Anal
ític
a No ato 1, o locutor incentiva os alocutários a ―honrar a Deus‖, portanto, utiliza-se
através do diretivo ―vamos...‖ modalizado sob a forma de sugestão, pois se trata de
fazer com que os alocutários doem financeiramente suas ofertas (e não dízimos).
Mesmo considerando a forma verbal ‗vamos‘, a orientação é alocutiva em razão da
expressão ‗sua oferta‘. Essa sugestão explícita no ato 1 é recompensada com uma
promessa no ato 2 (conforme análise). No ato 3, a expressão ―vai ter‖ marca o
comissivo/promessa (conforme análise) com um efeito perlocucional de ‗certeza de
realização‘. A expressão do ato 3, portanto, demonstra uma lógica causal: ação-reação,
causa-efeito (ofertas-milagres). Assim, ―na reação‖ [do fiel] vemos ―a ação‖ [de Deus].
A análise do ato 3 pode se estender aos atos 4 e 5 pois representam a mesma relação
causa-efeito, com a certeza da promessa divina, afinal ―o milagre tem que acontecer!‖
1. Você está disposto a agir na fé?
2. Jesus voltará!
3. No dia 25 estarei na igreja para buscar o
meu sabonete contra o atraso de vida (fig. 15)
4. Você vai sair daqui com seu bolso vazio,
mas é só aparente...
5. Deus vai preencher sua vida.
P:diretivo/M:desafio
P:assertivo/M:predição
P:comissivo/M:desejo
P:assertivo/M:predição
P:assertivo/M:predição
Sín
tese
Anal
ític
a
O ato 1 representa um diretivo/desafio, que testa a fidelidade do fiel em termos de
“agir na fé” – expressão que busca congregar uma ampla diversidade de atos em que o
fiel seria instigado a agir (diretivos) em prol da sua mudança pessoal. Esse ato 1 não
cria a expectativa de uma resposta verbal do fiel, mas leva-o a praticar alguma ação
(―agir na fé‖). O ato 2 tem o valor direto de assertivo/predição (conforme análise), mas,
implicitamente, pode assumir uma função diretiva/comissivo, reforçando as ações do
pastor em termos da persuasão dos fiéis, sobretudo como subsídio para atos a realizar-
se no futuro (comissivo/promessa). Portanto, a declaração não tem função apenas de
informar a ―volta do messias‖, mas recordar uma promessa bíblica, de amplo
conhecimento popular. O ato 3, comissivo/desejo, funciona como um lembrete aos fiéis
sobre um desejo pressuposto (estar na igreja no dia 25), pois trata-se de uma
propaganda com finalidade diretiva (levar os fiéis à igreja). O ato 4 representa um
assertivo/predição, cuja realização parece estar assegurada pelo ato subsequente (5)
também um assertivo/predição, mas que pode assumir um valor indireto de
comissivo/promessa e ser lido, do ponto de visto do locutor, como: prometo que Deus
vai preencher sua vida.
1. Como ganhar 16 mil reais com apenas dois reais48
?
2. E restituir-vos-ei os anos consumidos pelos
gafanhotos (fig. 29)
3. Nenhum mal chegará à tua casa (fig. 30)
4. Venham todos! (fig. 35)
5. Jesus garante a libertação (cont...fig. 35)
P:diretivo/M:desafio
P:comissivo/M:promessa
P:assertivo/M:predição
P:diretivo/M:convite
P:assertivo/M:certeza
48
Pastor ensina aos fiéis como é ―fácil‖ negociar a revenda de garrafinhas de água mineral comprada no atacado
a R$ 0,47 (quarenta e sete centavos) iniciando o ―negócio‖ com apenas dois reais, até atingir o faturamento
mensal de 16 mil reais. Para essa demonstração o próprio pastor vende aos fiéis ao preço de 1 (um) real, 20
garrafinhas em poucos minutos e conclui: ―Tá vendo gente! como é fácil multiplicar o dinheiro?‖
152
Sín
tese
Anal
ític
a O ato 1 representa um diretivo/desafio em razão da forma linguística que o estrutura
(interrogação). Entretanto, ele comporta duas outras leituras: (a) um
comissivo/promessa (eu prometo que você pode ganhar 16 mil reais), (b) um
diretivo/sugestão (vou sugerir como você pode ganhar...); afinal os alocutários
precisam realizar algo para ―ganhar 16 mil reais‖ (vender garrafinhas de água mineral).
Os atos 2 e 3, respectivamente, representam comissivos/promessa e assertivo/predição.
A dificuldade em classificar esses atos 2 e 3 está no fato de que a voz do locutor-pastor
se confunde com a voz do locutor-Deus. Pois, quando se tem como locutor Deus (ou o
seu representante) seria possível supor que uma predição passe a ser uma promessa (de
Deus) como forma indireta ou, simplesmente, uma predição (do pastor) como forma
direta, levando em conta as condições enunciativas do ato - Locutor: Deus (ou
Pastor)/Alocutário: fiel. Dessa maneira, dependendo da forma como o fiel recebe a
pregação religiosa poderá entendê-la como uma promessa divina (de Deus) ou
constatação profética (dos sacerdotes).
O ato 4 é um diretivo/convite (conforme análise) seguido, no ato 5, de um
assertivo/certeza, o que reforça o ato 4, pois a ação dos alocutários de irem à igreja é
recompensada no ato 5. Esse último ato representa, portanto, a certeza de sua
libertação.
Além desses exemplos, apresento três propagandas neopentecostais em que a
promessa se destaca como fator preponderante no proselitismo religioso. Conforme
podemos perceber nos três exemplos a seguir o uso de atos assertivos, diretivos e comissivos
se alternam: ora objetivando o marketing religioso (assertivo), ora realizando declarações
prescritivas para que o fiel-alocutário realize ou deixe de realizar, uma ação no futuro
(diretivo), ora prometendo algo (comissivo). Apresento, pois, na própria sequência do texto,
alguns atos entre colchetes, sem a pretensão de abranger nem desdobrar as análises dessas
propagandas, mas tão-somente servir como ilustrações de atos comissivos ao final de cada
fragmento, ainda que de forma subliminar. Afinal, uma propaganda deve sempre prometer
alguma gratificação, sem a qual ela se torna estéril de sedução.
[propaganda 1, IURD, 2009]:
A fogueira santa de Israel é para os que creem... [assertivo/constatação] afinal todos
temos sonhos... [assertivo/conclusão] alguns sonham com conquistas financeiras...
outros... querem realizar o sonho de um casamento feliz... Saúde... família...
prosperidade são as principais áreas motivadoras de sonhos... e independentemente
de crença... raça... condição social... grau de estudo... ou nacionalidade... TODOS
podem entender [assertivo/suposição] que o sacrifício é o menor caminho para a
153
conquista do seu sonho... [assertivo/justificativa] a partir daí abraçar essa
convicção... [diretivo/sugestão] e colocar em prática a sua FÉ::: conquistando...
assim... o IMPOSSÍVEL...[comissivo/expectativa]
[propaganda 2, MIR, 2008]:
Ah!... Não consegue PROSPERAR? [diretivo/pergunta, com uma extensão para um
expressivo pela presença de ―Ah!‖] SEJA qual for o seu problema... venha receber a
oração da vitória... [diretivo/sugestão] na oportunidade estaremos distribuindo
gratuitamente... o símbolo da vitória... [comissivo/promessa]
[propaganda 3, IIGD, 2010]:
Nessa sexta-feira... nós estaremos DETERMINANDO que você venha se ver livre de
TODO O MAL... [comissivo/promessa] dentro do tratamento espiritual que essas
pessoas falaram que foram vítimas de um ritual... de uma inveja... Nós estaremos
fazendo [comissivo/promessa] a unção de proteção contra a inveja... e a unção para
a quebra da inveja... estaremos ungindo a sua fronte e a sua nuca para que DEUS
venha quebrar a inveja [comissivo/promessa]
Breve comentário: conforme podemos perceber, nos exemplos acima, após realizar diversos
atos (assertivos, diretivos, expressivos) as propagandas sempre terminam com alguma
promessa de gratificação. Como se trata de propagandas religiosas, podemos esperar alguma
gratificação miraculosa. Assim, na propaganda 1, a gratificação representa ―a conquista do
impossível‖; na 2, ―o símbolo da vitória‖ e, na 3, ―a quebra da inveja‖.
154
5.5 FASE DO DESAFIO: a revolta contra a miséria!
Nessa etapa de elaboração persuasiva dos DNP, os pastores buscam desafiar
constantemente a assembleia a doar ―o seu tudo‖ a Jesus e a provocar o próprio Deus para que
sua vida de miséria chegue ao fim. Assim, um pastor declara: ―Se sua vida não melhorar Deus
pode me levar, [então] Ele pode me MATA:::R! Porque eu não aceito essa vida de miséria, de
pobreza....‖ Ou: ―Se sua vida não mudar para melhor, [então] o Deus que eu sirvo não é um
Deus verdadeiro e eu saio da igreja... porque eu não tô aqui pra brincadeira!‖. Os argumentos
dessa Fase podem ser expressos pela fórmula canônica da argumentação (Se X, então Y).
Nessa Fase também é bastante frequente o uso de expressões ―ou isso ou aquilo‖:
―Ou Deus cura essa doença maldita, ou ele não é Deus verdadeiro!‖. Nessa medida, o desafio
se estende a uma mudança de vida em diversas áreas: emocional, amorosa, financeira,
familiar, profissional, de saúde física e espiritual.
Na prática essa Fase caracteriza-se, principalmente, pelo despertar da “revolta” do
fiel contra seus próprios sofrimentos, pois, conforme ensinam os pastores, para que ocorra
qualquer mudança na vida, as pessoas precisam antes de tudo se revoltar contra o Demônio –
manifesto por meio de qualquer mal impregnado em suas vidas infortunadas.
A incitação dos fiéis a se revoltarem contra suas vidas miseráveis é uma constante
discursiva nessa Fase Argumentativa e perpassa praticamente todas as pregações conforme se
pode perceber nos excertos abaixo. Assim, os desafios podem ser dirigidos aos diferentes
atores da cena enunciativa, mas em todos os casos sempre regidos pela voz dos líderes
religiosos, que conduzem os argumentos de forma a incitar diferentes provocações para
diferentes atores:
(i) desafios dirigidos aos crentes;
(ii) desafios dirigidos aos próprios pastores (auto-desafio);
(iii) desafios dirigidos a Deus e aos seus anjos e,
(iv) desafios dirigidos ao Demônio e seus subordinados, principalmente nomeados
por uma legião de exus ―adjetivados‖, devidamente qualificados: exu-caveira, exu
pomba-gira, exu tranca-rua, exu malandrinho, exu quebra-perna, exu-da-gastrite, da
morte, da coceira, da dor de cabeça, da insônia, da traição, do suicídio, dos pesadelos,
da inveja, do ciúme, da cachaça, do fumo, do câncer, do HIV. Enfim, a relação é
interminável, pois representa a particularidade de cada infortúnio humano.
155
Na prática discursiva neopentecostal, exu é um termo amplamente usado para
nomear qualquer tipo de Demônio menor na escala hierárquica do mal. Representa uma
entidade satânica de menor valor e subordinada a um chefe. Na doutrina neopentecostal,
existem tantos exus quanto o número de problemas humanos. Ou seja, para cada desventura
por que passa o ser humano, existe um exu como causa principal. Assim, o homem é sempre
visto como uma vítima do mal e toda sua vida se arrasta em uma eterna luta entre o bem e o
mal, entre Deus e o Demônio.
Mas, segundo as orientações neopentecostais, se os crentes seguirem a ―palavra de
Deus‖, proferida por seus representantes, terá total imunidade contra as ações dos Demônios.
Assim, estarão a salvo de todos os males, pois se algum problema lhes acontecer ―é porque
deram brecha aos Demônios, não foram fiéis à palavra de Deus, não tiveram fé suficiente para
aceitar Jesus‖ (ato assertivo/constatação também com função de revelação e intimidação,
correspondente às Fases Argumentativas 3 e 6 nesse trabalho). As figuras abaixo ilustram
duas propagandas que incitam desafios: a primeira (fig. 35) dirige-se à Deus – ―uma carta
para Deus‖ e a segunda (fig. 36) ao Demônio [problemas] – ―venha nesta sexta-feira desafiar
seus problemas...‖ que poderia ser lido assim: venha nesta sexta-feira desafiar seus Demônios.
Figura 35: Uma carta para Deus
Fonte: Fotos do autor (IDRP, 2006, MOC)
Figura 36: Desafiar e Vencer!
Fonte: Fotos do autor (IMDP, 2012, MOC)
156
Quadro 20: Locuções demonstrativas de Desafio
Sequência aleatória de excertos retirados do corpus. Pastores
em pregação na IURD, 2008, 2009, 2012; IIGD 2011 Relação Ponto/Modo
1. Você pode mudar de vida,
2. basta tomar uma atitude!
3. Você quer acordo com o diabo?
4. então se prepare para a guerra!
P:assertivo/M:constatação
P:assertivo/M:confirmação
P:diretivo/M:desafio
P:diretivo/M:desafio
Sín
tese
Anal
ític
a
O ato 1 deve ser analisado como assertivo/constatação, seguido, pelo ato 2 que pode ser
analisado, em sua forma direta, como assertivo/confirmação, mas que indiretamente
pode assumir o valor de um diretivo/desafio, supondo uma ação do alocutário para
‗mudar de vida‘. O ato 3 não pode ser considerado uma simples pergunta, mas um
diretivo/desafio, pois ele tem a função de provocar o fiel para mudança. Afinal, o locutor
não está querendo saber uma resposta, mas preparando o alocutário para enfrentar a
situação, conforme descrito no ato 4.
1. Você vai fazer um desafio49
para Deus
2. Essa campanha50
é só para sua vida econômica,
3. se você quer melhorar... você vai contribuir no envelope
‗oferta do abre-caminhos‘
4. Alguém me diz: pastor eu só tenho essas moedas,
5. eu digo: traz aqui no altar!
P:diretivo/M:sugestão
P:assertivo/M:afirmação
P:diretivo/M:provocação
P:assertivo/M:depoimento
P:diretivo/M:desafio
Sín
tese
Anal
ític
a
O ato 1, já apresenta em seu conteúdo proposicional o termo desafio. Logo, o locutor
deixa explícito que propõe algo mais difícil para o alocutário realizar (diretivos), daí o
termo ―desafio‖. Mas como se trata de algo que deve ser praticado ―livremente‖ – e não
uma obrigação, tal como nos dízimos, o fiel é incentivado por sugestões (e não dirigido
por comandos), por isso, o ato representa diretivo/sugestão. O ato 2, assertivo/afirmação
restringe quem deve participar e pegar (ato 3) o envelope para contribuir
financeiramente - termo recuperado a partir das condições preparatória constantes em
―campanha‖ (ver glossário). Assim, no ato 3, realiza-se um diretivo/provocação (―se
você quer‖) confirmado por ―você vai contribuir...‖, que mantém o teor de desafio do ato
1. Os atos 4 e 5 são marcados por um processo meta enunciativo – alguém me diz; eu
digo -, simulando um diálogo real. O ato 4, o assertivo/depoimento, a partir do conteúdo
reportado, prepara o alocutário para um diretivo/desafio (dar as poucas moedas que lhe
restam), conforme o ato 5. Apesar da pouca quantia financeira (―só essas moedas‖)
representa aqui um diretivo/sugestão intensificada (conf. nota de rodapé) pois representa
muito àqueles que tem pouco ou quase nada, à maneira de ―o óbolo da viúva‖ (Marcos,
12:41-44 – Lucas, 21:1-4) passagem bíblica bastante conhecida.
49
Nas igrejas pesquisadas, o ―desafio‖ é uma modalização frequente para atos diretivos, que alterna com outras
modalizações como ordem ou sugestão e representa, materialmente falando, doações financeiras à igreja além do
limite das capacidades dos fiéis, já que no limite financeiro, praticam-se dízimos e ofertas e, além do limite,
desafios. Assim, o diretivo/desafio representa nos DNP uma hiperonímia para os dízimos (o mínimo que se pode
dar, pois é um valor devido, uma dívida já consumada do fiel). Podemos representar os modos usados para as igrejas
auferirem dinheiro assim: dízimos > ofertas > desafios. Respectivamente: diretivo/comando, diretivo/sugestão,
diretivo/desafio. 50
Ver glossário ao final da tese.
157
5.6 FASE DA INTIMIDAÇÃO: se eu soltar esse Demônio...
Nessa Fase Argumentativa, os DNP utilizam-se de locuções que inspiram medo e
apreensão de forma que os crentes entendam que devem seguir as orientações dos líderes
religiosos a fim de se livrarem definitivamente de seus sofrimentos. Assim como nas demais
Fases Argumentativas que marcam a prédica religiosa, os exemplos ilustrativos nessa etapa
persuasiva se multiplicam no enredo de convencimento doutrinal.
Apresento na figura 37 um clássico exemplo de como uma menção bíblica pode
suscitar medo: retirada de apocalipse 21:8, decora a arquitetura de uma das principais paredes
externas da IURD, na Catedral Mundial da Fé, Rio de Janeiro. Uma citação que não deixa os
membros da congregação religiosa se esquecer do seu destino, caso não sigam (intimidação)
as leis de Deus.
Figura 37: Cuidado com o lago de fogo e enxofre...
Fonte: Fotos do autor (IURD, 2011, RJ)
[Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros,
aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos a parte que lhe cabe será no lago que arde
com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte]
Figura 38: Palavras de maldição
Fonte: Fotos do autor (IURD, 2006, MOC)
158
Figura 39: Venha receber a prece violenta
Fonte: DESENCAPETAMENTO..., 2009
O pastor coage a plateia com execrações caso alguém não seja rigorosamente
obediente ao que a palavra de Deus diz, que no caso se confunde com as palavras do próprio
líder religioso, sabedor das escrituras sagradas e pretensamente representante de Deus na
igreja. Essa Fase é marcada por argumentos que incitam o medo nos fiéis. Por exemplo, ao
dialogar com um ―espírito maligno‖, em uma Sessão do Descarrego51
, o pastor desafia um
―Demônio‖ supostamente incorporado na pessoa intimidando os demais membros da
congregação, conforme apresentado no Quadro 22.
51
Durante a sessão do descarrego ou noite do desencapetamento total são realizados rituais para expulsar o que
julgam serem espíritos malignos ou Demônios dominando a mente e a vida das pessoas. Os crentes parecem
entrar em uma espécie de estado de transe hipnótico – o que mereceria um estudo aprofundado somente sobre
essa Fase no complexo esquema persuasivo neopentecostal.
159
Quadro 21: Locuções demonstrativas de Intimidação
(continua)
Sequência aleatória de excertos retirados do corpus.
Pastores em pregação na IMDP, 2008; MIC, 2006; IIGD,
2009.
Relação Ponto/Modo
1. Não é devolver ao Senhor o que é Seu que torna o homem
pobre,
2. reter é que leva à pobreza.
3. Se você é vítima de: olho gordo, inveja... venha receber...
( fig. 39)
4. Você vai pagar o seu dízimo sem esconder nada de Deus!
P:assertivo/M:afirmação
P:assertivo/M:intimidação
P:diretivo/M:sugestão
P:diretivo/M:comando
Sín
tese
Anal
ític
a
O conteúdo proposicional do ato 1, simples informação, transforma-se no ato 2, em uma
intimidação, caso o fiel não siga as informações do ato 1. Ou seja, o ato 1 e 2, em
conjunto, podem assumir o valor indireto de um diretivo/sugestão ou até mesmo numa
ordem pois, suscitam nos fiéis (alocutários) o pagamento de dízimos, contribuições à
igreja. O ato 3 tem uma realização diretivo/sugestão, condicionada por fatos atribuídos
ao alocutário, que podem ser ‗curados‘ pelo teor da sugestão apresentada. O ato 4
representa, em sua forma direta, um diretivo/comando que ilustra um dos padrões mais
comuns de interação entre pastor e fiel: aquele voltado para o compromisso do fiel com
a instituição, isto é, o pagamento do dízimo.
1. Contribua de acordo com tua renda, para que Deus não torne
tua renda segundo a tua contribuição (fig. 40)
2. Não adianta mentirinha nem mentirona...
3. Deus vai jogar todos no lago que arde com fogo e enxofre
4. Se você pensa que já conheceu sofrimento, desiste de Jesus
então...
5. aí que você vai conhecer o que é inferno
P:diretivo/M:sugestão
P:assertivo/M:afirmação
P:comissivo/M:ameaça
P:diretivo/M:sugestão
P:assertivo/M:predição
Sín
tese
Anal
ític
a
O ato 1 representa um diretivo/sugestão por usar o termo ―contribua‖ próprio das
ofertas, o que ameniza uma imposição direta de pagamento, próprio dos dízimos (conf.
explicação após fig. 40). Segue-se (ato 2) um assertivo/afirmação com certo valor de
descaracterização do alocutário (possível falsidade), o que já antecipa o teor do ato
seguinte: ameaça. O ato 3 (comissivo/ameaça) apregoa uma punição para o alocutário,
certamente, uma punição – ‗arder com fogo e enxofre‘ que culmina com aquilo que o
locutor descreve no ato 4. Esse ato (diretivo/sugestão), indiretamente, pode ter o efeito
perlocutório de uma vingança: ‗desiste de Jesus, que você verá o que é sofrimento...’,
que se consolida no ato 5, do qual também, a partir de sua descrição, se pode inferir o
efeito perlocutório de vingança.
160
1. Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos
abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos
idólatras e a todos os mentirosos a parte que lhe cabe será no
lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte
(fig.37)
2. Se o fiel da igreja que foi liberto de um Demônio não volta
para a igreja, esquecer de Jesus...
3. volta sete espíritos piores... antes um espírito... AGORA sete!
P:assertivo/M:predição
P:assertivo/M:constatação
P:assertivo/M:predição
Sín
tese
Anal
ític
a
A princípio, o ato 1 pode ser analisado como assertivo/predição, mas dele podemos
extrair um efeito perlocucional de intimidação ―que arde como fogo e enxofre‖. Mas, o
inicio é marcado por condições preparatórias restritivas para os alocutários, pois nem
todos serão lançados no lago com enxofre (somente os discriminados na citação, fig. 37).
Tal predição inspira medo, intimidação por um futuro tenebroso e inexorável. Há que se
considerar também que a citação está afixada em uma das paredes externas centrais da
IURD (sede mundial, Rio de Janeiro). E, por essa condição preparatória (autoridade da
igreja), o significado intimidador é ainda mais reforçado.
O ato 2 representa um assertivo/constatação, marcando esse caráter de ingratidão do
alocutário, e logo ajustado, na sequência, ao significado de uma predição macabra (volta
sete espíritos piores). Portanto, o excerto finaliza pelo assertivo/predição (ato 3).
Essa Fase é notoriamente explícita no script discursivo neopentecostal, presente
principalmente nos rituais de exorcismo em sessões de ―descarrego‖. A seguir apresento um
fragmento de uma sessão exorcista em que o pastor aproveita uma suposta manifestação de
um fiel ―endemoninhado‖ para alimentar o enredo atemorizador dos DNP ao manter o
seguinte ―diálogo‖, representado por pastor (1) e fiel (2) – IURD/2012/MOC:
Quadro 22: Dialogando com um “Demônio”
(continua)
Loc.
Cena
enunciativa Pastor (1) versus “Demônio” (2) Inferências
1 Segura o fiel
subjugado e
aponta para a
plateia:
Demônio, se eu te soltar aqui... o
que você faria com 20 pessoas
presentes aqui dentro que duvidam
da palavra de Deus?
P:diretivo/M:questionamento
Efeito:provocação ao medo
161
2 De joelhos no
altar com forte
expressão de
sofrimento o
―Demônio‖ dirige
o ato à
assembleia:
MATAR! P: comissivo/M:ameaça
Ef.:ameaça recebida pelos demais
fiéis, afinal o ato de ―MATAR‖ se
dirige aos crentes. O ―Demônio‖
se expressa em tom de desespero,
mas o efeito é de ameaça recebida
pelos fiéis.
1 Segura o fiel
pelos cabelos e
aponta para a
assembleia:
E se essas pessoas NÃO tivessem
aqui na igreja sob a proteção do
homem de branco52
, se elas
desistissem de vir até a igreja, o que
você faria com elas?
P:diretivo/M:questionamento
Ef.:causação de pânico,
amedrontamento pela resposta
previsível
2 Com expressão de
sofrimento:
Eu mato elas! Mato tudo! P:comissivo/M:ameaça
Ef.: temor/desespero/insegurança
(sobre os demais fiéis)
1 Interpela
novamente o
―Demônio‖:
Mas, se elas seguirem a palavra de
Deus, forem dizimistas fiéis... o que
você pode fazer contra elas
DEMÔNIO dos INFE:::RNOS?
P:diretivo/M:questionamento
Ef.: desafio
2 Responde com
voz trêmula:
Na:::da!! P:assertivo/M:negação.
Ef.: desânimo
1 Incita uma
resposta
definitiva:
E por que você não pode fazer
NA:::DA?
P:diretivo/M: pergunta
Ef.: desafio
2 Conclui com a
resposta almejada
pelo pastor
1. Porque o homem de branco não
de::i::xa
2. DESGRA:::ÇA!
P:assertivo/M:justificativa
P:expressivo/M:revolta
Ef.: Desespero do ―Demônio‖ por
sua incapacidade em vencer Deus.
52
Segundo o líder religioso, uma referencia a Jesus Cristo, salvador e libertador do homem contra todos os
Demônios. Ele explica que Jesus é o homem de branco a quem os Demônios temem. Interessante observar que nas
reuniões em que se praticam rituais de exorcismo, os pastores vestem-se totalmente de branco, uma provável
referência ao sincretismo religioso dos pais-de-santo da umbanda, quimbanda e outras religiões de matriz afro-
brasileira que o próprio neopentecostalismo tenta negar em suas práticas.
162
Figura 40: Dízimos ou contribuições?
[―Contribua de acordo com
tua renda para que Deus não
torne tua renda segundo a tua
contribuição‖]
Fonte: CONTRIBUA... 2010
Sobre a figura acima faço uma distinção entre dízimos e ofertas – essas últimas
também consideradas ―contribuições‖, ―votos‖ ou ―campanhas‖. Todos esses termos
representam doações financeiras às igrejas, mas com diferenças na abordagem conceitual e
pragmática nos cultos religiosos:
(i) o dízimo é considerado uma dívida que a religião tenta incutir e naturalizar entre
os fiéis, devedores natos de Deus só quitam seus ―débitos‖ com o pagamento exato –
calculado sobre 10% de toda a renda que o fiel consegue adquirir. Essa renda financeira pode
provir tanto do trabalho pessoal, quanto advir de heranças ou prêmios lotéricos, rifas, bingos,
etc. Ou seja, para qualquer receita do crente deve-se retirar 10% à igreja;
(ii) as ofertas, contribuições, campanhas e votos, correspondem à liberalidade do fiel
em doar muito mais do que 10% de suas rendas. Assim, usa-se diretivo/comando53
para
conseguir dízimos – dívida que deve ser quitada pelos fiéis; e, diretivos/sugestão quando é
―aconselhável‖ que o fiel doe financeiramente valores ainda maiores – além do dízimo
obrigatório (conforme análise, notas de rodapé n.44, 49 e 53). Além dessas quatro maneiras
de incitar a doação financeira dos fiéis (ofertas, contribuições, campanhas e votos), ainda
existe uma quinta estratégia, bem mais incisiva, a fim de captar recursos econômicos dos
crentes, chamada de “desafios”, conforme descrita a partir do Quadro 20.
53
Conforme esclareci anteriormente reservo aos fiéis o diretivo/comando – que na realidade se constitui em uma
ordem ―suavizada‖, pois uma ordem propriamente dita é dirigida ao ―Demônio‖ ou para ―Deus‖, conforme o
caso, a ―quem‖ o discurso se dirige, em que se subentende um alocutário transcendental, obrigado a fazer algo,
a cumprir as ordens dos sacerdotes ou fiéis, principalmente em função de promessas bíblicas. Para esses
alocutários transcendentais, o discurso religioso se torna ainda mais impositivo: tem que se cumprir! Enquanto
que para os crentes (alocutário material) existe alguma possibilidade do ato não se realizar, de não executar a
arenga sacerdotal, afinal um comando pode deixar de ser executado, mas uma ordem tem que ser cumprida!
163
Conforme podemos fartamente perceber, essa Fase é marcada por um ―dialogismo‖
contínuo com ―entidades demoníacas‖: conforme a crença religiosa, com alguns fiéis
incorporados por Demônios, os pastores mostram à igreja como podem subjugar o poder do
mal, em nome de Jesus. Assim, naquele momento de ―desobsessão‖ é comum o líder religioso
se dirigir à assembleia de crentes intimidando-os: ―desiste [da igreja] pra você ver...! O diabo
te pega! Ele te pega e te arrasta pra mais fundo...‖ [assertivo/consecutivo que gera o efeito
perlocucional de incitação ao medo].
Assim, ao que parece, vale de tudo para que o medo, nessa Fase de intimidação, seja
disseminado em escala geral, pois uma população com medo, temerosa do que pode vir a lhe
acontecer de ruim, favorece, na proporção direta aos discursos terroristas, a busca pelas
soluções, conforme vimos na Fase 4, sobre as estratégias persuasivas que insuflam promessas
entre os devotos54
. Dessa relação, na qual coexistem diversas Fases Argumentativas, além da
Fase da intimidação, podemos perceber a própria Fase da promessa [receber a prece
violenta] por meio de uma ordem explícita: Venha receber conforme podemos depreender da
figura 39. Além dessas relações alusivas às Fases Argumentativas, podemos apontar o
elemento que completa a síntese representativa dessa Fase de intimidação: ―se você é vítima
de:..‖ (fig. 39) – assertivo/suposição macabra.
Essa Fase persuasiva dos DNP também é pródiga no uso de propagandas que
ultrapassam o simples proselitismo religioso: parecem, antes de tudo, atemorizar os
expectadores com o uso variado de expressões que suscitam medo e apreensão, conforme
exemplifico a seguir (IURD, 2008):
Você pode está sendo vítima de uma dessas situações...
[assertivo/suposição] Doenças imperceptíveis aos exames médicos...
alucinações... traumas... noites mal dormidas... relacionamentos
amorosos frustrados... distúrbios bipolares... sensitivismos... caminhos
fechados para os negócios... crises de enxaquecas... fobias...
pensamentos de morte... dependência química... [assertivo/suposição]
SEXTA-FEIRA... REUNIÃO ESPECIAL PARA O LIVRAMENTO
DE SITUAÇÕES SOBRENATURAIS... [assertivo/anúncio, com um
efeito de superação de problema]
54
Deve existir alguma uma relação entre o oferecimento de promessas com a existência de igrejas
neopentecostais, localizadas em regiões mais carentes da cidade, pois não observei nenhuma igreja
neopentecostal nos bairros mais ricos da cidade de Montes Claros - MG. Tal fato demandaria um estudo
sociolinguístico mais aprofundado.
164
5.7 FASE DA COMPROVAÇÃO: finalmente, a “prova do milagre”
No meu entendimento, essa etapa representa a última Fase Argumentativa do enredo
discursivo neopentecostal, pois, por meio dela toda a ―obra‖ persuasiva dos pastores é
laureada por dezenas de depoimentos dos próprios fiéis que confirmam a ―veracidade‖ das
palavras sagradas dos profissionais da fé.
Assim, por meio dessa sétima Fase Argumentativa dos DNP, os pastores são
representados, por assim dizer, pelas próprias testemunhas oculares que relatam ―a eficácia de
seus discursos‖. Por isso, os pregadores da fé costumam chamar à frente da igreja, no altar, os
fiéis que conseguiram suas vitórias para um depoimento público à congregação religiosa.
A intenção nessa Fase parece objetivar-se nos depoimentos daquelas pessoas que
foram ―transformadas‖ por meio de alguma intervenção divina, intercedida pelos homens de
Deus – profissionais da fé especializados na persuasão religiosa. Dessa forma,
suficientemente motivados por seus recentes ―milagres‖, os fiéis-transformados apresentam-se
diretamente aos demais membros do grupamento religioso anunciando que ―existe sim
solução para o mal‖; que os espíritos demoníacos são expulsos sob a ordem do homem de
Deus; que as doenças são eliminadas com o poder das palavras de libertação do profeta de
Deus, pois, o representante de Deus, em nome do próprio Deus, anuncia ao fiel sofredor o fim
de seus sofrimentos com a promessa de cura para todos os seus males, o que determinaria a
vitória pessoal e familiar em qualquer área defasada na vida dos crentes sofredores. Nessa
Fase, até mesmo a vitória da vida sobre a morte pode ser vista, conforme figura 41, marcada
por elementos assertivos, analisados posteriormente no Quadro 23.
Figura 41 – Depoimento de um ―ressuscitado‖
Fonte: PASTOR... 2012
Pessoalmente pude presenciar muitas ―curas instantâneas‖, supostamente atribuídas a
efeitos de ―milagres pela oração forte do pastor‖, sobretudo o que eles chamam de ―expulsão
demoníaca‖. No entanto, também percebi que muitas pessoas ―curadas‖ em uma reunião
165
voltavam nas semanas seguintes a apresentar os mesmos sintomas, anteriormente ―tratados‖
na sessão de descarrego (exorcista). O estranho é que essas pessoas, mesmo apresentando os
mesmos sintomas, não eram mais postas em evidência no altar, não serviam como exemplo de
pessoas libertas do mal e também não eram mais ―tratadas‖ pelo líder principal da igreja; mas
recebiam ajuda de algum voluntário coadjuvante fora do altar principal – onde as atenções da
assembleia se concentravam para a ―cura‖ de novos casos55
.
A seguir, apresento alguns fragmentos de depoimentos sobre os supostos milagres
alcançados por fiéis. Interessante observar que essa Fase é bastante marcada por ―duas‖ cenas,
à maneira de uma representação teatral56
: a primeira, quando o fiel relata sua vida antes de
conhecer a igreja e o ―verdadeiro‖ Cristo e, a segunda, depois de ter sido ―liberto‖ do mal pelo
poder de Deus, intermediado pelos líderes religiosos. Para representar essas duas cenas
discursivas, os fiéis se utilizam de marcadores dêiticos de tempo (hoje) e espaço (aqui): uma
referência ao tempo passado em que viviam ―na miséria e desordens‖ e espaço atual,
contraposto ao ―lá‖, lugar de sofrimento em que residiam. Vejamos como alguns exemplos se
apresentam na discursivização religiosa a partir da análise do seguinte Quadro:
Quadro 23: Locuções demonstrativas de Comprovação
(continua)
Sequência aleatória de excertos retirados do corpus
[depoimento de fiéis] na COPV, 2010; IVN, 2011; MIR,
2008; IURD, 2011
Relação Ponto/Modo
1. Hoje tenho paz...
2. a minha vida era desgraçada... era só chorar e sofrer...
3. Após o tratamento espiritual eu sou uma nova mulher.
4. Desde que eu estou na igreja minha vida transformou!
5. Hoje eu fechei um contrato com empresa de sucos no valor
de trinta milhões de reais nos próximos cinco anos.
6. Eu usei minha fé... Hoje eu tenho crédito em todo lugar...
hoje eu tenho duas lojas... hoje eu tenho casa própria... hoje eu
P:assertivo/M:constatação
P:assertivo/M:constatação
P:assertivo/M:constatação
P:assertivo/M:constatação
P:assertivo/M:constatação
P:assertivo/M:testemunho
55
É bastante grande o fluxo de adeptos nas igrejas pesquisadas. Em conversa com um pastor neopentecostal, ele
mesmo admitiu a existência de um segmento de ―crentes turistas‖ que, em sua opinião, mostra a ―fraqueza das
pessoas em perseverar, pois às vezes o milagre demora acontecer e a pessoa desiste da igreja‖. 56
Segundo Alves (2012), a organização de uma peça teatral é feita por atos e cenas. Um ato significa o momento
de uma obra que corresponde a tudo o que acontece em um mesmo período. Este, por sua vez, pode se dividir em
cenas que são indicadas pelas entradas e saídas dos personagens. A aparição ou desaparição de outros atores no
palco, marca o princípio de uma dada cena ou o final de outra. Em nossa pesquisa, o ―ato‖ corresponderia ao culto
religioso em si, com temática determinada (exorcista, libertadora, matrimonial, financeira, curativa, etc). Esse
grande ato estaria subdivido por cenas. No caso específico dessa Fase, por cenas demonstrativas dos milagres
alcançados pelos fiéis. E, em outras Fases, de cenas libertadoras, intimidadoras, emotivas, preditivas,
comprobatórias, etc.
166
tenho salões de alugueis... estou abrindo dois centro
automotivos... propriedades no nordeste... hoje eu posso fazer
tudo que eu quero... hoje Deus tem me dado condições. Hoje
eu não sou mais louca... Hoje eu sou uma nova criatura... Aqui
na igreja encontrei libertação!
Sín
tese
Anal
ític
a
Todos os atos dessa Fase são assertivos/constatação//testemunho, mas requerem
algumas considerações: os atos são marcados por dêiticos de tempo (hoje, após, desde
que) e lugar (aqui), o que reforça a crença em uma relação espaço-temporal da
enunciação religiosa. Esse espaço e tempo privilegiados da enunciação representam a
instância de atos comissivos/desejo que são reportados no conjunto das proposições que
compõem, sobretudo, o ato 6, já que por trás de cada um desses testemunhos está um
desejo que os motivou. Ou seja, a existência comissiva ocorreu em algum momento do
tempo/espaço, por intervenção divina que tornou possível a realização de cada desses
desejos.
1. O pastor Lúcio Hermano que morreu após uma facada
no coração estará contando seu testemunho e agradecendo
a Deus pelo milagre! (fig. 41)
2. Venha! (cont... fig.41)
3. Participe! (cont... fig. 41)
P:assertivo/M:predição
P:diretivo/M:convite
P:diretivo/M:incentivo
Sín
tese
Anal
ític
a
A faixa (fig. 41) apresenta um primeiro ato como assertivo/predição, mas aqui também
podemos considerar sua natureza indireta como diretiva/convite, pois se trata de uma
propaganda a fim de atrair devotos. A forma indireta desse ato é confirmada por meio
dos atos seguintes (2 e 3), que reforçam o convite, incentivando a adesão de fiéis.
Afinal, a faixa não está apenas comunicando, ela está convidando (venha! Participe!).
O ato 1 também representa um comissivo reportado (estará contando...). No exato
momento do testemunho do pastor, o ato se transformará em declarativo/depoimento.
167
Diagrama discursivo-relacional dos DNP
Fonte: Dados da pesquisa
Nesse diagrama procuro demonstrar como os diversos assuntos tratados nessa tese se
entrelaçam tanto inter quanto intradiscursivamente. Primeiramente, podemos observar dois
grandes movimentos: um externo ao triângulo e outro interno. O primeiro, à esquerda do
triângulo, representa o movimento intradiscursivo dos DNP, no qual a força persuasiva se
origina na base da produção verbal dos sacerdotes – principais atores, de onde se inicia a
persuasão religiosa (sacerdotalismo). Assim, esse movimento inicia-se pelos sacerdotes, que
exercem sua autoridade sobre o ―Demônio‖ a fim de que o mal seja ―exorcizado‖ (movimento
ascendente da tríade persuasiva). Logo, esse movimento abre caminho à prosperidade – o
nível mais alto da tríade. Dessa forma, podemos considerar que o exorcismo sempre antecede
a prosperidade nesse movimento ascendente, afinal, não há prosperidade na presença do
―Demônio‖. A partir do alcance da prosperidade, o crente pode executar a Fase da
comprovação – dizer aos demais discípulos sobre os milagres alcançados na presença de
Prosperidade
Sacerdotalismo
TEMAS: Amor conjugal (separação ou união) Dinheiro/riqueza material Casa Própria Desemprego/empreendedorismo Saúde/doença Tristezas/alegrias Vida/morte Perturbações mentais Catástrofes/epidemias... Insônia Etc...
TEOTEMAS: Cimento abençoado da casa própria Proteção divina contra a dengue Banho do descarrego com águas bentas Fronha ungida para um sono tranquilo Caneta ungida para aprovação em concursos Rosa da esperança para amor e paz Martelinho da justiça divina “Desobsessão demoníaca” Capa protetora abençoada contra o “maligno” Óleos protetores contra ação do Demônio Certificado de dizimistas contra pobreza Etc...
Fase da autoridade
Fase da sensibilização
Fase da revelação
Fase da promessa
Fase da
comprovação
Fase da intimidação
Fase do desafio
Exorcismo
168
―Deus‖ e livre do ―Demônio‖ conforme mostra a seta em vermelho, apontada para a Fase da
comprovação – topo do triângulo.
Ao realizar esse ato de testemunhar os milagres, os crentes dão início ao segundo
movimento discursivo da persuasão neopentecostal, representado pelas setas pontilhadas em
azul (movimento interdiscursivo – parte interna do triângulo). Nesse movimento, o fiel está
envolvido por uma multiplicidade de temas acessórios (teotemas) a fim de resolver suas
inquietações existenciais. Assim, a confirmação dos ―milagres‖ realimenta diretamente a Fase
da autoridade (sacerdotal), de onde se inicia todas as demais etapas persuasivas dos DNP
(setas em vermelho em movimento ascendente). Como se percebe todas as demais Fases,
apontam para um movimento interdiscursivo ascendente a fim de cooperar para que o
―milagre‖ se realize, isto é, para que o crente possa testemunhar, na Fase da comprovação, a
eficácia dos DNP.
Assim, podemos compreender o triângulo em si como a movimentação
interdiscursiva do neopentecostalismo, recheado de Fases persuasivas que movem a transição
semântica dos termos ―comuns‖ – correspondente ao mundo profano, em categorias
teotematizadas (no mundo sagrado). Afinal, o mundo profano precisa ser sacralizado nesse
discurso religioso, isto é, precisa ser verbalizado de forma mítica e ―revelar‖ as influências
―sobrenaturais‖ em nosso derredor. Dessa forma, a prosperidade – típica do mundo material é
―sacralizada‖, isto é, teotematizada a partir da perícia discursiva da autoridade sacerdotal que
valida o direito do crente à prosperidade, à bem-aventurança, entendida em sentido amplo
(riqueza material, saúde, amor, satisfações pessoais, etc). Essa validação se dá tanto por
citações bíblicas quanto por uma ―atitude profética‖ dos pastores que revelam, no ofício de
sacerdotes, as causas das agruras humanas, invariavelmente centradas na figura de um
Demônio.
Mas, a prédica neopentecostal não se limita somente a anunciar o mal, promete
também as benesses de Deus. Dessa forma, as Fases da Argumentação religiosa se realizam
com vistas tanto à promoção de estados mentais positivos (ânimo, paz, amor, alegria, vida,
confiança, certeza na vitória, etc), quanto na geração do medo entre os discípulos (tristeza,
vergonha pelos ―pecados‖, apreensão sobre um futuro tenebroso na presença do ―Demônio‖,
desânimo, morte, etc). Assim, dependendo de suas intenções, os pastores podem escolher
movimentar uma ou outra Fase durante o culto, ou todas em uma mesma sessão, a fim de
conseguir seu intento persuasivo – convencer os fiéis sobre a veracidade de seus discursos.
169
Esse diagrama também ilustra a não linearidade das Fases, pois o funcionamento de
uma ou outra dependerá da perícia argumentativa dos líderes da fé que acionam aquela Fase
de seu interesse específico em momentos do culto, também específicos. Apesar da não
linearidade das Fases, podemos considerar a primeira Fase (autoridade sacerdotal) e última
(comprovação dos fiéis) como momentos persuasivos extremos da argumentação religiosa –
intercalados pelas demais Fases argumentativas. No entanto, o pastor pode, a seu critério e
criatividade, reconfigurar determinadas expressões utilizadas na pregação religiosa a fim de
atender suas conveniências persuasivas como é o caso, muito utilizado atualmente, dos
depoimentos (fase da comprovação) utilizados para sensibilizar novos adeptos (fase da
sensibilização). Ou seja, o pastor reconfigura uma determinada Fase, fazendo-a funcionar
conforme sua conveniência.
O mundo divino – lugar das deidades – não é objeto específico de análise nessa
pesquisa, que se atém apenas na relação discursiva estabelecida a partir da sacralização de
objetos discursivos situado entre os temas e teotemas.
Enfim, esse diagrama ilustra brevemente (i) os principais objetos referenciais que
compõem a identidade discursiva nos DNP, (ii) suas Fases Argumentativas e, finalmente, (iii)
alguns teotemas – itens lexicais que, quando utilizados na pregação religiosa, adquirem uma
carga semântica própria desse segmento cristão. Transformam-se, portanto, em assuntos
sagrados por meio de um tratamento discursivo adequado.
170
Considerações finais
As Fases Argumentativas dos DNP (autoridade, sensibilização, revelação,
promessa, desafio, intimidação, comprovação) foram apresentadas separadamente apenas
como ilustração didática para facilitar nossa percepção sobre alguns artifícios da persuasão
neopentecostal – elaborada à maneira de um script, com Fases que se interconectam em um
contínuo e exuberante movimento intra e interdiscursivo.
Dessa maneira, os excertos apresentados não são uma exclusividade de determinada
Fase Argumentativa, mas apresentam-se mesclados, às vezes, alternando sentidos
diferenciados entre as Fases de intimidação, revelação ou promessa. Por exemplo, o que
poderíamos deduzir da seguinte locução proferida em uma pregação religiosa: “Se você não
seguir as palavras de Deus, sua vida não vai melhorar”. Quais os limites para
compreendermos tal enunciado como uma (i) intimidação? (Deus pode me ameaçar...); como
uma (ii) promessa? (então, se eu mudar minha vida, Deus vai me ajudar), como uma (iii)
comprovação? (então é por isso que minha vida não melhora!); como uma (iv) revelação? (do
jeito que estou levando minha vida, Deus não vai me ajudar); ou, como uma (v)
sensibilização? (vou ouvir os pastores, homens de Deus, porque quero melhorar de vida, vou
ser obediente...).
Além desses exemplos, diversos outros poderiam ser apresentados, cujos efeitos de
sentido, provenientes de ―simples‖ locuções verbais, estariam predispostos a preencherem de
significação um enunciado que, em última instância, é (re)construído pelos próprios
alocutários, fiéis discípulos. Conforme visto, são eles que ―fecham o circuito‖ na produção
discursiva neopentecostal. Por isso, não é difícil perceber que, ao mesmo tempo em que o
pastor coage, também revela um provável futuro aos crentes. Estes, por sua vez, na Fase de
Comprovação, confirmam as palavras iniciais dos pastores, seja de coação, revelação ou
promessa.
A multiplicidade de sentidos sobre uma realidade implica, necessariamente,
compreendê-la sobre determinados aspectos. A verdade religiosa também não foge a essa
regra: como realidade objetiva dos fiéis, é referenciada a favor da compreensão doutrinal que
se constitui nos parâmetros com os quais suas realidades se constroem. Dessa maneira, os
depoimentos dos fiéis reforçam e ―fecham‖ o circuito argumentativo neopentecostal ao
apresentar elementos ―comprobatórios‖ por que passa o enredo persuasivo religioso.
171
Do exposto, presume-se que essa realidade experienciada pelos fiéis a partir do DNP
é construída, não está pronta e muitos menos não nasce por geração espontânea, mas se
constitui na relação que se estabelece com a experiência daquilo que vemos, ou cremos como
real, em confronto com nossa linguagem, limitada, ainda pela capacidade de compreender
esse mesmo real. Entre um plano e outro, isto é, entre a linguagem utilizada para expressar
uma realidade e outras realidades, podemos imaginar o abismo semântico existente nas
possibilidades de se conceber alguns objetos referenciais no discurso religioso. Talvez por
isso, os sentidos que muitos termos religiosos assumem também oscilem tão frequentemente:
de Deus, ora como justo-juiz, que cobra e pune o que é devido pela displicência dos atos
humanos, ora como pai-misericordioso que perdoa e compreende a tudo e a todos. De ―exus‖
responsáveis pelas mais diversas tribulações em nossas vidas, a elementos mágicos capazes de
nos imunizar contra as ações do ―maligno‖. Os exemplos dessas oscilações de sentido são
grandes e variados nos discursos religiosos. Aqui, foram postos em evidência apenas como
exemplos das possibilidades e abrangência semântico-discursivas em que os DNP se
estruturam.
Outra questão importante a ser explicitada diz respeito ao teste da hipótese sobre as
sete Fases Argumentativas. De fato, o que garantiria a existência dessas categorias
argumentativas nos DNP? Como ajuizar com determinada segurança e margem de erro
reduzida de que a argumentação neopentecostal é arquitetada sobre tais Fases persuasivas?
Esses questionamentos foram respondidos no transcurso da ausculta minuciosa dos
cultos religiosos, in loco. Como observador dos discursos religiosos, passei inicialmente pela
etapa de descoberta das Fases Argumentativas que compõem seu enredo persuasivo. Assim,
após ter categorizado as primeiras Fases (autoridade, comprovação e sensibilização) percebi
que elas não eram suficientes para responder a uma análise mais detalhada da cena
enunciativa dos DNP, pois faltavam outras categorias que pudessem abranger diferentes
estratégias persuasivas. Dessa forma, foquei ainda mais a atenção nos DNP e percebi as
demais Fases aqui apresentadas, pois as próprias vozes neopentecostais se manifestaram no
nível semântico. Nessa medida, quanto mais atenção dediquei na análise das pregações, mais
o aspecto religioso dos enunciados diminuía e em proporção inversa o aspecto significativo
das construções discursivas se destacava.
Assim, após ter categorizado as sete Fases, ainda continuei assistindo aos cultos de
forma a testar os enunciados da pregação religiosa a fim de confrontá-los com as Fases
persuasivas aqui expostas. Tal foi minha surpresa, pois a maioria do enredo discursivo
neopentecostal se ―encaixava‖ em alguma das sete Fases Argumentativas. Ainda assim,
172
conforme mencionei, não descarto a existência de outras Fases e subfases não analisadas aqui.
Obviamente, que a essa altura de nossas reflexões seria difícil pensar em cercar os limites da
argumentação.
A descoberta das Fases estratégicas na argumentação neopentecostal representou um
primeiro momento de conclusão à problemática da pesquisa a partir de seus efeitos
perlocutórios, assumidos como hipótese. Até aqui, creio razoável a compreensão para as
respostas que encontramos. Mas, a partir dessas respostas, as coisas começam a se complicar,
sobretudo, quando submetemos o conteúdo proposicional dos discursos religiosos –
correspondente às Fases encontradas à análise do ponto e modo (TAF), pois as respostas não
se tornam tão simples, quando comparadas à compreensão perlocutória das pregações
religiosas.
Conforme vimos, cada fragmento discursivo retirado do corpus gera uma diversidade
muito grande de atos de fala. Assim, dificilmente teríamos respostas suficientes para esgotá-
los, pois cada observador pode, de acordo com sua percepção analítica, gerar uma nova
classificação, incluindo novas e diferentes Fases Argumentativas para os DNP. Nessa
medida, os atos de fala (assertivo, diretivo, comissivo, expressivo e declarativo) estão
presentes em diversas Fases Argumentativas, juntamente com suas variações (modo) que se
diversificam enormemente conforme motivos já explicitados. Dessa forma, podemos
encontrar o mesmo ponto (comissivo, assertivo, diretivo...) e modo (dúvida, apreensão,
comando, ordem...) em diferentes Fases Argumentativas, a partir de uma leitura que nos levou
a um ajustamento melhor da classificação inicial dos atos, possibilitando explorar outras
forças indiretas como também efeitos perlocutórios, conforme apresentei nas sínteses
analíticas dos Quadros 16 a 23. Tal fato aponta para uma dimensão bastante complexa da
enunciação que poderia ser tratada observando as nuanças semânticas de um determinado
modo. Portanto, é legítimo questionar como um ―mesmo‖ ato pode representar diferentes
Fases Argumentativas nos DNP?
Para encontrar uma possível resposta a essa indagação, temos que recuperar o fato de
que as sete Fases foram discretizadas a posteriori e dentro do escopo da análise, a partir de
um contato direto e prolongado com os próprios discursos religiosos. Assim, essas Fases, no
fundo, representam efeitos perlocutórios, extraídos da própria discursivização da prática
religiosa.
Afinal, compreendemos os significados dos enunciados, muito mais intuitivamente,
em contato direto com a linguagem funcionando em contexto real do que quando os retiramos
―assepticamente‖ e separamos em categorias. Ao que parece, um ―mesmo‖ modo assume
173
matizes semânticas diversificadas, às vezes mais robustas outras vezes mais tênues na
significação de um objeto discursivo, a ponto de intuirmos essa ou aquela Fase Argumentativa
a que ele ―pertence‖ ou, pelo menos, ficaria melhor representado57
.
Aqui, percebemos mais uma vez o quão sutil pode representar as respostas para a
indagação que tenta ―comprovar‖ se os enunciados apresentados nos Quadros acima estão
classificados ―corretamente‖. Isto é, se, de fato, o conteúdo proposicional das pregações são
suficientemente representativos para a Fase discretizada. Ora, a certeza para tal questão deve
se arrastar por extensos processos exegéticos e render bons debates no campo da semântica e
filosofia da linguagem.
Deixemos as respostas definitivas para o campo da religião e seus profetas. Ao
contrário das certezas míticas, necessitamos da refutação para avançarmos na compreensão da
ciência e de nós mesmos. Afinal, as respostas que aqui apresentamos não são os objetos mais
importantes da análise, mas sim o percurso por onde os meandros discursivos nos levam: o
estreito caminho limítrofe entre o dizível e o compreensível.
Há também que se considerar que os atos analisados principalmente sobre os modos,
correspondem a fragmentos de enunciados dentro de um conjunto maior que os caracteriza,
representado pela própria Fase Argumentativa, conforme um conjunto e subconjunto. Assim,
cada Fase (autoridade, sensibilização, comprovação...) congrega um conjunto maior e
diversificado de microatos possíveis de serem analisados com vistas à representação das
próprias Fases Argumentativas (macroatos). Nessa acepção, o macroato – a Fase
Argumentativa propriamente dita – estaria preservada, sob as influências dos demais atos que
lhe compõem a fim de sustentar e validar as características intencionais da própria Fase
Argumentativa: para convencer sobre algo, não basta apresentar um único argumento, é
preciso dispor de estratégias modalizadoras de diversas formas, desde que garantam-se
atributos próprios (representativos para cada Fase) a fim de realizar as intenções persuasivas
do discurso.
A importância de ter realizado essa pesquisa certamente não foi a de encontrar
alguma ―verdade‖ sobre os DNP, mas vislumbrar uma forma logicamente aceitável (dentre
muitas outras possíveis) de organizar nosso pensamento a respeito de um fragmento da
57
Na realidade, ponto e modo podem até se apresentar, na classificação de um enunciado, com o mesmo item
lexical (assertivo/predição, diretivo/ordem, expressivo/constatação), mas semanticamente pode diferir em
―comissivo/promessa, assertivo/medo, diretivo/sugestão‖. Afinal, ponto e modo não se restringem simplesmente
aos conceitos lexicais, mas, representam, sobretudo, uma forma de compreensão da realidade, um pequeno efeito
de sentido suscitado em um fragmento enunciativo. Por isso, utilizo o entre aspas para me referir às dificuldades
de expressar um ―mesmo‖ modo, pois, ao que parece, não existe um mesmo modo, mas sim, nuanças semânticas
por detrás das mesmas palavras.
174
produção discursiva religiosa. Creio que todas essas conjecturas aqui expostas denotam a
plasticidade de uma construção analítica que nos direciona a compreender determinado objeto
discursivo em diversos níveis e expressões. Pois, ler um texto – em sentido amplo, ouvir
alguém, deliciar-se com uma música, sentir uma fragrância qualquer, apreciar uma obra de
arte ou ver uma paisagem são ações que produzem, simultaneamente, uma coleção de outros
discursos.
Assim, não apenas recebemos os enunciados, segundo a visão tradicional que rege a
relação locutor/alocutário, mas cocriamos, a todo momento, uma nova forma de significação
de algum objeto eleito como foco do discurso. Essa maneira de compreender a linguagem
poderia ser tratada em termos de uma semântica probabilística da enunciação: podemos
prever que, em torno de uma palavra, exista uma diversidade incalculável de significados
fornecidos, em última análise, a partir da interação dos produtores dos discursos (loc-aloc).
Logo, o papel atribuído ao ―alocutário‖ se mostra tão ativo na produção discursiva quanto aos
locutores dos mesmos enunciados. Ambos são, portanto, competentes produtores de
discursos. Nessa perspectiva ―quântica‖ da linguagem, a probabilidade dos significados
influenciaria sobremaneira o resultado da comunicação, pois não se restringiria à
materialidade de elementos lexicais fixos ou gramaticalmente determinados, mas gravitaria
em torno de inúmeras variáveis (sociais, ideológicas, cognitivas, idiossincráticas, ambientais,
situacionais, e outras) para se chegar a um resultado significativo para o indivíduo. De forma
análoga, Capra (1982, p. 14) explica:
Vivemos hoje num mundo globalmente interligado, no qual os fenômenos
biológicos, psicológicos, sociais e ambientais são todos interdependentes.
Para descrever esse mundo apropriadamente, necessitamos de uma
perspectiva ecológica que a visão de mundo cartesiana não nos oferece.
Precisamos, pois, de um novo ―paradigma‖ — uma nova visão da realidade,
uma mudança fundamental em nossos pensamentos, percepções e valores.
Assim, até mesmo uma simples menção na interação com outros discursos (um
gesto, um olhar, uma interjeição, um bocejo, etc58
) por parte dos ―alocutários‖ transformaria o
rumo da preleção: as falas dos locutores modificar-se-iam ao longo da interação verbal com
58
De acordo com as pesquisas em física quântica (CAPRA, 1982; 1996) deduzo que não podemos descartar nem
mesmo a influência dos pensamentos de outrem na produção e reconfiguração dos discursos. Do ponto de vista
adaptativo e semântico-probabilístico tanto a produção discursiva quanto a compreensão dos discursos parecem
fundir-se em um mesmo ato de fala. A influência mental na produção discursiva, portanto, instaura-se como uma
hipótese provável, mas de difícil mensuração.
175
outros enunciadores (―alocutários‖). Nessa medida, podemos conjecturar que os preletores
dos discursos alteram continuamente seus enunciados, adaptam suas falas para se chegar a
uma nova compreensão daquilo que se espera carregar de significação determinado objeto do
discurso. Dessa forma, termos como ―Deus, Demônio, exus, pecado, libertação, prosperidade,
dentre outros‖ representam muito mais do que itens lexicais, mas objetos de referenciação
sobre os quais os DNP projetam seus significados.
Os ―atos‖ pressupõem objetivamente alguma intenção persuasiva (conscientemente
planejada), mas, no terreno sinuoso e movediço da linguagem, não podemos garantir que os
efeitos de sentidos sobre algo atinjam seu intento, isto é, promovam algum controle sobre a
produção dos sentidos, mas apenas esperar por algum resultado na consecução dos
significados; às vezes, conseguido nem sempre de forma objetiva e sob controle dos
enunciadores do evangelho.
Assim, não se pode concluir, conforme antecipei, que os excertos apresentados nos
Quadros 16-23 sejam uma exclusividade de cada Fase Argumentativa, pois os sentidos dos
enunciados se alteram de acordo com as situações de enunciação. Por isso, não caberia
estender uma análise das locuções ali presentes, mas apenas perceber algum sentido sobre
elas que as capacitariam a representar determinada Fase nos DNP. Mas, sem nos fixar em
significados estacionários, afinal, podemos encontrar elementos da Fase da comprovação
utilizados para sensibilizar e estes para intimidar. Dessa maneira, seria mais apropriado
considerar o conteúdo proposicional das locuções apresentadas como uma ―probabilidade
lexical observável‖, em função das variações de significados decorrentes de cada enunciado.
Assim, o mais importante na classificação que fizemos é determinar a semântica da
enunciação e os efeitos de sentido que dela decorrem – muito mais do que compreendê-la
como categoria estanque na enunciação religiosa. Nesse sentido, determinadas expressões
tendem (não absolutamente), a produzir atos característicos de cada Fase Argumentativa. P.
Ex: ―trazer um recado de Deus‖ imprime autoridade ao locutor, mas também pode servir para
sensibilizar seus discípulos; ―Sei o quanto vocês sofrem...‖ produz ação de sensibilizar o
alocutário, mas também pode preparar uma provável revelação ou promessa a ser proferida
pelos ―homens de Deus‖ a fim de acabar com os sofrimentos dos fiéis; ―Se eu soltar o Diabo‖
tende a intimidar os devotos, dentre outros exemplos. Assim, esses efeitos representam Fases
Argumentativas – produzidas a partir de um conjunto de enunciados circunstanciados por
um enredo discursivo maior e alimentado por certos objetos de referenciação religiosos
(sacerdotes, messias, exus, Deus, Demônio, libertação, promessas, milagres, ameaças,
revelações, pecados, dentre outros), usados para fomentar cada uma das Fases.
176
Ainda é preciso atentar para o fato de que as Fases Argumentativas não são lineares,
isto é, não se apresentam no cenário discursivo neopentecostal, na produção dos enredos
religiosos, exatamente na mesma ordem em que foram apresentadas, mas aparecem em
grande parte dos discursos, ao longo de sua pragmática persuasiva doutrinal. Essa não-
linearidade das Fases pode ser facilmente observada. Recentemente os DNP têm utilizado
cada vez mais de elementos ―comprobatórios‖, presentes nos depoimentos dos fiéis,
justamente para sensibilizar os demais crentes. Ou seja, aquilo que seria próprio da Fase da
comprovação, considerada aqui o ápice do enredo persuasivo tem sido utilizado para dar
início a uma nova reunião ou para ilustrar alguma propaganda, a fim de sensibilizar novos
discípulos.
Assim, os líderes da fé se comportam muitas vezes com regentes simplesmente
―orquestrando‖ o enredo persuasivo religioso. Afinal, os fiéis-discípulos parecem escolher os
melhores significados, aqueles mais convenientes da pregação, a fim de organizar seus
pensamentos e, consequentemente, suas vidas. Dessa forma, a persuasão religiosa se efetiva
da melhor forma: sem muito esforço (mas com muita perícia) dos pastores, e com muito
entusiasmo e predisposição dos próprios fiéis em receber ―a solução‖ imediata de seus males.
Essa predisposição ―autopersuasiva‖ dos fiéis parece satisfazer uma necessidade intrínseca,
constitutiva daqueles que buscam crer no invisível. Assim, os fiéis cooperam constantemente
com o intento persuasivo religioso. Dessa forma, o trabalho dos pregadores da fé se torna
bastante facilitado, a ponto de uma simples expressão inicial ―Deus está aqui‖ ser
compreendida pelos crentes: ―minha cura está próxima‖.
Além dessa ressignificação perlocutória, tipicamente conclusiva nos discursos
religiosos, há que se considerar também os teotemas aqui apresentados, pois estes se
constituíram apenas em uma amostra interdiscursiva abordada nos DNP. Não podemos
ignorar que, a partir das próprias características conceituais e pragmáticas que definem a
coleção teotemática, qualquer expressão mundana – revestida de sacralidade –, pode
constituir-se em um teotema dos DNP.
Compreendido em seu conjunto, todo esse esforço analítico sobre os DNP é
suficiente para afirmarmos a existência de um complexo esquema argumentativo na
elaboração e manutenção desse campo discursivo. Conforme vimos, as Fases da
Argumentação neopentecostal se relacionam intrinsecamente a diversos itens e expressões
lexicais, o que reforça sua própria capacidade persuasiva. Assim, poderemos falar em
elementos que compõem o argumento da autoridade; em elementos que compõem o
177
argumento da sensibilização, enfim, e cada elemento que sustenta as demais Fases (revelação,
promessa, desafio, intimidação e comprovação).
Conforme visto, os referentes diversificam-se ao longo do discurso religioso:
adaptam-se conforme a característica e conveniências que se quer imprimir à fala e ao intento
persuasivo. Iniciam com o referente sacerdotal (autoridade dos enunciadores do evangelho)
para culminar na comprovação das promessas, materializadas em depoimentos sobre os
―milagres‖ alcançados pelos fiéis, sobretudo de transformação abençoada em qualquer área
defasada de suas vidas.
Nessa medida, o ofício de produzir discursos religiosos não se restringe ao trabalho
de verbalizar preceitos doutrinais, não se limita simplesmente a proferir palavras de algum
livro considerado sagrado, mas em elaborar estrategicamente uma construção discursiva
mítica para provocar algo no outrem. Essa ressignificação verbal, em que termos de uso
corrente assumem uma significação mítica, é carregada de ideologia, signos retextualizados
em ―divindades discursivas‖ que expressam uma maneira extremamente particular de
compreender o mundo a partir das crenças que movem os fiéis neopentecostais.
Assim, esse discurso religioso não se constitui apenas de uma sequência aleatória de
palavras e frases retiradas da bíblia. Pelo contrário, as formas de referenciação religiosa se
dão por um entraleçamento sistemático daquilo que se pretende dizer a fim de que se consiga
imprimir nas palavras significação, isto é, significado-para-ação. Desse modo, a referência
sacerdotal a que o discurso neopentecostal chama para si não pode ser vista apenas como uma
técnica na oratória doutrinal, mas como parte intrínseca do complexo processo de interação
entre os sujeitos envolvidos nas atividades enunciativas.
Esse estudo deu ênfase à forma de teorizar a argumentação que alguns oradores
religiosos usam baseados na concepção neopentecostal. A fim de compreender os elementos
da persuasão religiosa, também foram utilizados os conceitos de script silogístico e
teotemática sacramental. Suas conclusões merecem um rastreamento exaustivo de outros
expedientes argumentativos nos DNP, pois a identificação de sete Fases estratégicas da
persuasão neopentecostal não esgota as explicações sobre os intrincados mecanismos
persuasivos dos discursos religiosos.
Esse trabalho também aponta para a existência de uma complexa rede discursiva
teotemática presente na oratória religiosa e manifesta por elementos lexicais recorrentes ou
por expressões normalmente estrangeiras aos discursos religiosos, mas que quando inseridas
na pregação mítica, despertam subliminarmente categoriais referenciais adjacentes, como no
178
caso das Fases Argumentativas dos DNP, com nuanças de intimidação, promessas ou
simplesmente sensibilizações.
Se existe crença maior que pude observar nesse breve percurso linguístico, esta se
radica no poder que imprimimos aos significados das palavras, à crença no poder de uma
semântica da enunciação religiosa. Pela crença no significado que transmitimos às coisas
convertemos as dúvidas em certezas, as palavras humanas em revelações divinas. E quanto a
essa metamorfose semântica da enunciação – em que palavras ―comuns‖ (temas)
transformam-se em ―divindades discursivas‖ (teotemas) –, não temos o menor controle: está
muito além de qualquer compreensão ou análise definitiva, pois beira o incognoscível. Ainda
assim, insistimos em continuar nessa seara linguística, quiçá excêntrica de dissecar
fragmentos de enunciados ou relações de enunciação para entender o emaranhado de
significados que damos às coisas, quais cegos tentando compreender um ―elefante branco‖
criado por nós mesmos!
O aprofundamento desse trabalho com o consequente exame de dados possibilitará
elencar um maior número de itens nos DNP em torno dos quais podemos prever a
constituição de uma constelação lexical representativa da identidade discursiva
neopentecostal. Assim, com desdobramentos posteriores desse trabalho, outros pesquisadores
poderão identificar diferentes objetos referenciais nos DNP, bem como seu funcionamento
argumentativo, pois, já encontrei evidências suficientes de que a pregação religiosa está em
contínua readaptação e ampliação.
Diante da (des)ordem da enunciação, existe sempre o elemento surpresa, aquilo que
não é convencional, portanto, não se pode pensar em argumentar de uma única maneira.
Apenas por isso se conclui que não temos como cercar os limites da argumentação, nem
muito menos estabelecer regras únicas para sua execução e sucesso, mas podemos observar
seu fluxo na linguagem, suas intenções subjetivas, seu caminho em direção ao outro: para
onde a palavra nos leva.
179
Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007
ABREU, Antônio Suárez. A arte de Argumentar: Gerenciando razão e emoção. 8. ed. Cotia:
Ateliê Editorial, 2005.
ALMEIDA, R. de. A guerra das possessões. In: DOZON, J. P.; CORTEN, A.; ORO, A. P.
(Org.). Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da fé. São Paulo: Paulinas,
2003. p. 321-343.
ALVES, R. O enigma da religião. 5. ed. Campinas: Papirus, 2006
AMOSSY, R. O ethos na intersecção das disciplinas: retórica, pragmática e sociologia dos
campos. In: AMOSSY, R. (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 119-144.
ASSIS, Juliana Alves. Explicitação/implicitação no e-mail e na mensagem em secretária
eletrônica: contribuições para o estudo das relações oralidade/escrita (Tese). Belo Horizonte:
UFMG/FALE, p.54-65, 2002.
ASSIS, Juliana Alves. Teoria da referenciação (Hand out) Doutorado. PUC Minas, (2010)
AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer; palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral II. Trad. Eduardo Guimarães
et. al.. Campinas, São Paulo: Pontes, 1989.
BLIKSTEIN, I. KasparHauser ou a fabricação da realidade. 9 ed. São Paulo: Editora Cultrix,
2003.
CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um
empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Simpósio; São Bernardo do
Campo: Umesp, 2002.
CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix,, 1982
CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo:
Cultrix, 1996.
CAREL, Marion; DUCROT, Oswald. Le problème du paradoxedansunesémantique
argumentative. Langue Française. Paris: Larousse, 1999.
CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Anáfora e dêixis: quando as retas se encontram.In:
KOCH, I.V.; MORATO, E. M.; BENTES, A. C. (Org.). Referenciação e Discurso. São Paulo:
Contexto, 2005. p.125-150.
CHABROL, Claude; SOUZA, Wander Emediato. A problemática da argumentação na língua, a
teoria dos topoi e as representações intrínsecas e extrínsecas. In: MACHADO, I. L. et al.
Ensaios em análise do discurso. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2002.
180
CHARAUDEAU, Patrick e MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso.
2. ed. São Paulo, Contexto, 2006.
CHARAUDEAU, Patrick Grammaire du sens et de l'expression. Paris: Hachette, 1992
CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 1999.
CORACINI, Maria José. Subjetividade e identidade do(a) professor(a) de português. In:
Identidade e discurso: (des)construindo subjetividades. Campinas: Unicamp, 2009, p. 329-254
DAVIDSON, Donald, ―Actions, Reasons and Causes‖. In:Essays on Actions and Events,
Oxford, Oxford University Press, 1980
DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987.
DUCROT, Oswald. Polifonia y argumentación. Conferencias del seminário teoria de La
argumentacion y analisisdel discurso. Cali: Universidaddel Valle, 1990.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes,
1996.
DUROZOI, Gerard; ROUSSEL, André. Dicionário de filosofia. Campinas: Papirus. 5. ed. 1993.
ELIADE, MIRCEA. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
FERREIRA, Herbertz. Vozes cristãs e a sedução do discurso religioso: domínios das certezas
religiosas e as bases de um catecismo da intolerância. 1º. CIELLI, Colóquio de estudos
linguísticos e literários.Universidade Estadual de Maringá – UEM. Maringá-PR, 9, 10 e 11 de
junho de 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350
FERREIRA, Herbertz. Vozes neopentecostais: um clamor desenvolvimentista em nome de
Deus. (Dissertação, Mestrado em Desenvolvimento Social). Unimontes: Montes Claros, 2008.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 1997.
FIORIN, José Luiz.(1996). As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e
tempo. São Paulo: Ática.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
FREGE, G. Sobre o Sentido e a Referência. In: _____. Lógica e filosofia da linguagem. São
Paulo: Cultrix/Edusp, 1978 p. 61-86.
FRESTON, P. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, Alberto ET ali.
Nem Anjos nem Demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes,
2000.
GARCIA, Nelson Jahr. O que é propaganda ideológica. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
GREIMAS, A. J. ; HERNANDEZ AGUILAR, Gabriel. Figuras y estrategias: en torno a una
semiotica de lo visual. Mexico: SigloVeintiuno, 1994
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 14. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
181
KOCH, I. G. V. Ler e Escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.
KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2005. p. 77-81.
KOCH, I. G. V. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo:
Martins Fontes, 2004.
KOCH, I. V.; MORATO, M. E.; BENTES, A. C. (org.). Referenciação e Discurso. São Paulo:
Contexto, p. 8-10, 2005.
KOCH, Ingedore G. Villaça & ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto.
São Paulo: Contexto, 2006. p. 123-131
KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2000.
KOELLING, Sandra Beatriz. Os dêiticos e a enunciação. Revista Virtual de Estudos da
Linguagem – ReVEL. V. 1, n. 1, agosto de 2003. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].
LOPES, I. V., PIETROFORTE, A. V. C. A semântica lexical. In: FIORIN, J. L. (org.).
Introdução à linguística. v. II. São Paulo: Contexto, p. 111-135, 2003.
LYONS, John. Semântica Vol. I. São Paulo: Martins Fontes. 1980.
MACEDO, Carmen Cinira. Imagem do eterno: religiões no Brasil. São Paulo: Moderna, 1989.
MACEDO, Edir. Vida com abundância. Rio de Janeiro: Universal, 2008.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. 3.ed. Trad:
FredaIndursky. Campinas: Pontes, 1997.
MARCUSCHI, L. A. O léxico: lista, rede ou cognição social? In: NEGRI, L; FOLTRAN,
Maria José; OLIVEIRA, Roberta Pires de (orgs). Sentido e Significação: em torno da obra de
Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004.
MARCUSCHI, L. A.; KOCH, I. G. V. Estratégias de referenciação e progressão referencial na
língua falada. In: Maria Bernadete M. Abaurre; Ângela C. S. Rodrigues. (Org.). Gramática do
Português Falado. Vol. VIII: Novos estudos descritivos. 1. ed. Campinas: Editora da
UNICAMP/FAPESP, 2002, v. VIII, p. 31-56.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. A construção do mobiliário do mundo e da mente: linguagem,
cultura e categorização. In: MIRANDA, Neusa Salim; NAME, Maria Cristina. Linguística e
cognição (Orgs.) Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2005.
MARI, Hugo. Gláuks v. 11 n. 1 Atos Expressivos: Seu Teor Difuso na Teoria. 2011, p. 67-91
MARI, H. Aspectos da teoria da referência. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2003.
MARI, H. Atos de fala: notas sobre origens, fundamentos e estrutura. In: MARI, H. et al.
(Orgs.). Análise do discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2001, p.
93-132.
MARI, H. Discurso e ação. In: MARI, H. et al. (Org). Análise do discurso em perspectiva. Belo
Horizonte: FALE/UFMG, 2003, p. 101-131.
MARI, H.; MENDES, P.H.A. Processos de leitura: fator textual.In: MARI, H. WALTY, I.
182
VERSIANI, Z (org). Ensaios sobre leitura. Belo Horizonte: Ed. Puc Minas, 2005 (145-182)
MARI, H.; MENDES, Paulo H. Aguiar. Argumentação na teoria dos atos de fala. Scripta: Belo
Horizonte: PUC Minas, v.12, n. 22, p. 84-113, 2008.
MARI, Hugo. Entre o conhecer e o representar: para uma fundamentação das práticas
semióticas e linguísticas (Tese). Belo Horizonte, UFMG, 1998.
MARIANO, R. A Igreja Universal no Brasil. In: DOZON, J. P.; CORTEN, A.; ORO, A. P.
(Org.). Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da fé. São Paulo: Paulinas,
2008.
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. 2 ed. São
Paulo: Edições Loyola, 2005
MATEU, Juan Antonio Vicente. La dêixis: egocentrismo y subjetividaden El lenguaje.
Universidade de Murcia, 1994, p. 19-26
MENDES, P.H.A. Teoria da argumentação (Hand out) Doutorado PUC Minas (2010)
MENDONÇA, A. G. & VELASQUES, Filho, P. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São
Paulo: Edições Loyola, 2007.
MENDONÇA, Antônio Durães. Pentecostais e pentecostalismo. In: SOUZA, Beatriz Muniz de;
MARTINS, Luis Mauro Sá (orgs). Sociologia da religião e dos movimentos sociais. São Paulo:
Paulus, 2004.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
MONDADA, Lorenza; DUBOIS, Daniele. Construção de objetos de discurso e categorização:
uma abordagem dos processos de referenciação. In: CAVALCANTE, M. M. et al (Orgs.).
Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003, p. 17-52.
ORLANDI, Eni. A linguagem e seu funcionamento. São Paulo: Brasiliense, 1983.
OREIRO, José Luís da Costa; BASILIO, Flávio Augusto Correa. A crise financeira de 2008.
Revista de Economia Política, vol. 29, nº 1 (113), pp. 133-149, janeiro-março/2009
OREIRO, J. L.; BASILIO, F. A gestão da crise financeira e os equívocos do Banco Central do
Brasil. Reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Brasília, jan 2009
PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora da
Unicamp, 1995.
PEREIRA, Maria Isaura. O messianismo no Brasil e no mundo. 2. ed. São Paulo: Alfa-Omega,
2001.
PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. O tratado da argumentação: a nova retórica.
São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PERISSÉ, Gabriel. Palavras e origens. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010
PIERUCCI, Antônio Flávio & PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil:
183
religião, sociedade e política. São Paulo: Hucitec, 2008.
PINEZI, Ana Keila; ROMANELLI, Geraldo. O mal exorcizado: cura divina entre os
neopentecostais da Igreja Internacional da Graça de Deus. Impulso, piracicaba, 14(34): 65-74,
2003
PLANTIN, Christian. Ad quietem, o el rechazo del debate. In: MARI, H. et al. Análise do
discurso em perspectivas. Belo Horizonte: FALE/UFM, 2003.
PRANDI, Reginaldo. Religião, biografia e convenção: escolhas e mudanças. In: Revista Tempo
e presença, Brasil mostra a sua cara. Rio de Janeiro, Koinonia, Ano 22, Nº 310, Março – Abril.
2000
PROENÇA, W. L. Magia, Prosperidade e Messianismo: O ―Sagrado Selvagem‖ nas
Representações e Práticas da Leitura do Neopentecostalismo Brasileiro. Curitiba: Aos Quatro
Ventos, 2007.
RICOEUR, Paul. Teoria da interpretação. Biblioteca de Filosofia Contemporânea. São Paulo:
Edições 70, 2007, p. 13-56
ROMEIRO, P. R. Decepcionados com a Graça. Esperanças e Frustrações no Brasil
Neopentecostal. São Paulo: Mundo Cristão, 2010.
SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos Demônios. São Paulo: Companhia do Bolso, 2006.
SANTANA, Luther King de Andrade. Religião e Mercado: A Mídia Empresarial-Religiosa.
Revista de Estudos da Religião. Nº 1, 2005, p. 54-67
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006
SEARLE, John R. Os actos de fala. Trad. Carlos Vogt (Coord.). Coimbra.Portugal: Livraria
Almedina, 1981.
SILVEIRA, M. O discurso da Teologia da Prosperidade em Igrejas Evangélicas Pentecostais.
Estudo da Retórica e da Argumentação no culto religioso.São Paulo: Vozes, 2007
SOUZA, Wander Emediato de. Retórica, argumentação e discurso. In: Análise do discurso:
fundamentos e práticas. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2001.
TEXEIRA, F.; MENEZES, R. Religiões do Brasil: continuidades e rupturas. São Paulo: Vozes,
2009.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 3. ed. Trad.
Regis Barbosa e Karen Elsabe, Brasília: UNB, 2009.
184
GLOSSÁRIO
Argumentação neopentecostal: Estratégias persuasivas utilizadas nas pregações e
propagandas religiosas. Essas estratégias estão fundadas em objetos referenciais
representativos da identidade neopentecostal (sacerdotal, exorcista e próspera). Assim, para
que uma argumentação seja caracterizada como neopentecostal a pregação religiosa precisa
apresentar esses três referentes basilares do neopentecostalismo, relacionados a temas
coadjuvantes (curas físicas e emocionais, libertação, riqueza material, cataclismos naturais,
epidemias, desemprego, doenças, etc), nos quais Deus e o Demônio revezam-se como causas
principais do bem e do mal, respectivamente.
Campanha: Termo muito utilizado nas igrejas evangélicas, sobretudo do ramo pentecostal.
Refere-se a um período determinado de tempo, normalmente algumas semanas, em que os
fiéis devem orar e realizar doações financeiras à igreja com vistas a atingir uma meta
específica em suas vidas com um objetivo claramente definido, como conquistar um emprego,
recuperar o amor, a saúde, a prosperidade, livrar-se dos Demônios ou vencer alguma causa na
justiça. Assim, as igrejas costumam utilizar envelopes diferenciados para recolher doações
financeiras durante algumas semanas. É bastante variado o formato que cada igreja atribui a
uma ―campanha‖, mas existe consenso de que uma campanha representa uma meta
declaradamente definida e perseguida pela congregação religiosa. Para alcançá-la é necessário
não medir esforços com a certeza na vitória. No meu entendimento as ―campanhas‖ servem
como motivadores de ciclos persuasivos, pois como se trata de um propósito de vida que
perpassa algumas semanas, os fiéis são instigados a não faltar à igreja na semana seguinte
para não ―quebrar a corrente‖, conforme apregoam, além de focar as atenções das pessoas na
solução de um problema específico. Assim, ao dar maior atenção para alguma área debilitada
de nossas vidas temos maiores chances de vencer.
Cenário argumentativo: Todo o conjunto de ações ou omissões, pregações, silêncios,
músicas, luzes e sombras, frases de efeito, objetos ungidos, disposição da assembleia, postura
dos oradores, arquitetura dos templos, movimentação dos obreiros e pastores, enfim, tudo
aquilo que contribui para que a argumentação atinja seu intento persuasivo: convencer os fiéis
de que há solução para seus males, a um passo de se resolver.
185
Coerência argumentativa neopentecostal: Representa a relação lógica, coerente e factual
das propostas de realização, de mudanças na forma de encarar os problemas humanos a fim de
resolvê-los. A coerência discursiva resulta da não contradição entre as Fases da
Argumentação – desenvolvida pelos oradores do neopentecostalismo. A coerência do
neopentecostalismo atinge seu ápice na última Fase da estratégia argumentativa, aqui
nomeada por Fase da Comprovação, na qual alguns fiéis anunciam aos demais crentes a
transformação pessoal em suas vidas, enfim, o ―milagre‖ alcançado.
Encenação discursiva: Conjunto de elementos lexicais, prosódicos, semióticos e
argumentativos que, juntos, produzem uma maneira particular de dizer os enunciados
neopentecostais. Assim, para que a encenação discursiva ocorra, diversos itens precisam
aparecer no cenário da enunciação: expressões recorrentes baseadas nos três referentes
fundamentais do neopentecostalismo (tríade referencial), conforme apresentado nessa tese;
volume de voz fortemente marcada por altos e baixos com entonação emotiva; objetos,
símbolos e imagens ressignificadas por elementos transcendentes com poderes milagrosos e
uma pregação centrada nos conceitos de Deus, dos pecados e dos Demônios.
Fases da argumentação neopentecostal: Sete etapas que exemplificam as estratégias
argumentativas do neopentecostalismo: (i) autoridade; (ii) sensibilização; (iii) revelação; (iv)
promessa; (v) desafio; (vi) intimidação e (vii) comprovação. Essas sete Fases compõem o
script argumentativo do neopentecostalismo.
Obreiro(a): Pessoa que exerce voluntariamente algum trabalho na igreja. Os obreiros são os
responsáveis por desenvolver e auxiliar os pastores e bispos em diversos trabalhos: entrega de
envelopes de dízimos e ofertas à congregação, auxilio em orações para os fiéis
endemoninhados, distribuição de algum objeto utilizado nos cultos, limpeza geral do templo,
captação de recursos financeiros, entrega de jornais e revistas publicados pela igreja, registro
fotográfico de crentes, auxilio com áudio, vídeo, gravações de testemunhos dos fiéis. Algum
obreiro pode até mesmo receber dízimos e doações dos fiéis que não levaram dinheiro em
espécie à igreja por meio de máquina de cartões de crédito ou débito em conta bancária.
Profissional da fé: Refere-se à pessoa que aufere lucros financeiros por meio de seus
discursos religiosos doutrinais. A expressão busca abranger diversos profissionais da religião
e não apenas pastores. Identifica determinada pessoa que profissionalizou algum discurso
186
religioso doutrinal e exerce o ofício de convencer pessoas na crença de algo transcendental.
Por extensão, essa expressão pode abranger também padres, freiras, missionários, bispos,
cardeais, papa, diretores ou docentes de institutos teológicos doutrinais como seminários,
conventos e similares, enfim toda uma hierarquia clerical.
Tríade referencial: Conjunto de três referentes fundamentais. São objetos referenciais
basilares do neopentecostalismo: sacerdotal, exorcista e próspero. Juntos, identificam o
neopentecostalismo enquanto um discurso religioso com características próprias, imprimindo-
lhe peculiaridades de uma Formação Discursiva Local (DNP).
Script argumentativo religioso: Conjunto de Fases (momentos) e maneira de dizer em que
são apresentados os argumentos da oratória religiosa. Representa um roteiro estruturado e
recorrente no qual se desenvolve determinados argumentos no culto religioso. Assim, os
profissionais da fé seguem um padrão de apresentação em suas pregações: durante as
pregações à assembleia sempre reafirmam (i) as ameaças dos Demônios, (ii) a autoridade
sacerdotal que possuem, e (iii) o destino próspero daqueles que seguirem as palavras dos
―homens de Deus‖. A partir dessa regularidade enunciativa foi possível identificar sete Fases
da argumentação neopentecostal.
187
ANEXO I – Normas adaptadas do projeto NURC
Ocorrências Sinais Exemplificação*
Entoação enfática maiúscula Vamos expulsar o DeMÔNIO do
homossexuaLISMO...
da prostituiÇÃO... da beBIDA
Prolongamento de
vogal e consoante
(como s, r)
::: Exu da mo:::rte volta pros infer:::nos
Exclamação ! Prosperidade é dom de Deus!
Nós temos a solução!
Interrogação ? Demônio... o que você faz com pessoas
que duvidam?
Qualquer pausa ... Demônio do vício do álcool... do vício das
drogas... da prostituição... da anormalidade...
Comentários
explicativos do
transcritor
[minúsculas] Demônio que faz a filha ser rebelde [causal]
Se sua vida não melhorar... [então] Ele pode
me MATA:::R!
Estaremos ungindo a sua fronte e a sua nuca
para que DEUS venha quebrar a inveja
[comissivo/promessa]
Confirmação da forma
utilizada
Itálico O cimento da casa própia... ribuliçu
* Exemplos retirados do corpus neopentecostal (2006-2012). Disponível em:
http://discursosneopentecostais.4shared.com/
188
ANEXOII- Anotações in loco
(locuções de pastores e fiéis)
1. A palavra de Deus revela maravilhas em sua vida, experimente!
2. A religião não salva ninguém, a igreja não salva ninguém... só Jesus salva!
3. A verdade é essa... Aquele mal vinha do diabo!
4. Aqui eu sou apenas um operário de Deus!
5. Chega de sofrimentos! Faça a coisa certa! Siga Jesus.
6. Coloquei tudono altar de Deus e hoje sou uma pessoa totalmente transformada.
7. Determino que esse mal saia desse corpo em Nome de Jesus!
8. Deus estará com você para resolver todos os seus problemas.
9. Deus me abençoou! Consegui me libertar de todo o mal. Hoje estou curada!
10. Deus me deu a mão e me tirou da criminalidade, das drogas, da prostituição para pregar em
Seu nome e ajudar vocês.
11. Deus me revelou... A vitória é promessa de Cristo!
12. É Jesus quem cura! Aqui... Ele só está me usando...
13. Enquanto você não brigar com o Diabo, você não vai ser ninguém!
14. Entendo suas dores, mas hoje Deus tem curas para vocês!
15. Essa dor de cabeça... essa coluna torta... é influência do capeta.
16. Estou aqui é doando minha vida por Jesus somente para ajudar vocês...
17. Eu afirmo: Deus não pode falhar nunca! Só os fracos e sem fé desistem da vitória!
18. Eu não só quero, mas eu posso te ajudar!
19. Exerço o dom da cura! Hoje você vai sair daqui curado!
20. Fracassa na vida aquele que esconde o dízimo do próprio Deus!
21. Gente!!! Atrás de todos esses males, existem esses Demônios...Contra fatos não existem
argumentos! Será que tanta gente subiu aqui no altar para mentir?
22. Hoje recebi uma revelação de Deus! Sei o quanto vocês sofrem...
23. Não quero convencer ninguém, só a palavra de Deus pode te transformar!
24. Nós não estamos querendo que você mude de religião, mas oferecendo o fim dos
sofrimentos.
25. Nosso Deus é um Deus de riquezas, de abundância, de fartura! Somente quem não tem Deus
por perto pode ser miserável e pobre porque certamente está com o Demônio.
189
26. O Diabo está esperando você fraquejar... incute na sua cabeça que só queremos seu
dinheiro.
27. O Diabo também mostra maravilhas para depois te derrotar!
28. O maior milagre que Deus fez em mim foi me tirar da cova da morte... Por isso... minha
palavra é a palavra de Deus [bíblia] e qual o Demônio que pode ir contra a palavra de Deus?
29. Oh! Pai...Nós não aguentamos mais tanto sofrimento...
30. Olha gente... Deus me enviou aqui só para ajudar vocês. Ou vocês aceitam as palavras de
Deus ou aceitam o mal do Diabo. Não temos escolha... é um ou outro.
31. Ouçam o que Deus tem para vocês... Receba sua libertação total!
32. Quem persistir vencerá. Confia que tudo dará certo!
33. Quem rouba [dízimos] a Deus está entregue ao devorador [Demônio].
34. Receba em nome de Jesus toda riqueza que quiser.
35. Se Deus não me quisesse aqui pregando para vocês, Ele já tinha tirado minha vida!
36. Se eu soltar o Diabo aqui ele vai matar muitos de vocês!
37. Se sua vida não melhorar, então Deus pode me matar!
38. Vem aqui, você que está precisando de ajuda...
39. Venham todos! Vamos fazer uma festa para Jesus!
40. Vim trazer um recado de Deus para vocês!
41. Você continua humilhado numa vida de miséria? Então é porque você não conhece Deus.
42. Você tem que se revoltar contra essa situação de miséria ou Deus não vai mudar sua vida!
43. Vocês não fazem ideia de como eu vivia antes de me tornar um apóstolo de Deus...
190
ANEXO III – Sites utilizados
ALMEIDA, Alessandro. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=3
1818. Acesso em: 17/04/2011
ALVES, Marcos. A estrutura de uma peça de teatro. Disponível em:
http://marcosalves.arteblog.com.br/4439/A-Estrutura-de-Uma-peca-de-Teatro/ Acesso em:
12/04/2012
ANATEL – Agência Nacional de Telecomuicações. Rádios piratas.Disponível em:
http://www.anatel.gov.br/ Acesso em: 12/04/2009.
ARCA, Universal. Igreja presente em mais de 180 países. Disponível
em:http://www.arcauniversal.com/iurd/historia/mundo.html Acesso em: 23/06/2012
CANETA... ungida. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=_YQ52GQ98G4 Acesso em:
07/05/2012
CONSELHO... cimento da prosperidade: o cimento da casa própria, do negócio próprio.
Disponível em: http://www.conselhodepastor.com.br /noticias/voce-ja-comprou-o-cimento-
da-prosperidade/ Acesso em: 10/03/2012
CONTRIBUA... de acordo com a tua renda... Disponível em:
http://marcelonathanson.blogspot.com.br/2008/10/bereianos.html/ Acesso em: 12/07/2010
DESCARREGO, Pedras do. Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI37034-15223,00.html/ Acesso em:
16/03/2011
DESENCAPETAMENTO... Total com a prece violenta. Disponível em: http://vozesdareforma-
mep.blogspot.com.br/2011/05/desencapetamento-total.htmlAcesso em: 04/08/2012
DESENCAPETAMENTO... Total com o banho do alívio. Disponível em:
http://blogdopcamaral.blogspot.com.br/2009/07/desencapetamento-total.html Acesso em:
10/12/2009
GUARACY. Macdonnad e IURD. Disponível em: http://noticias.gospelprime.com.br/iurd-ega-
que-dono-do-carro-abandonado-com-r100-mil-seja-um-de-seus-pastores/ Acesso em: 06/08/2011
IBGE (Brasil). Recenseamento 2012. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2170&id_p
agina=1 Acesso em: 10/09/2012
IFRANCISCA. Profeta LuisClaudioDisponível em::
http://ifrancisca.blogspot.com.br/2007/09/luiz-claudio-profetiza-em-matosinhos.html Acesso
em: 28/04/2012
MENDONÇA, Mauricio. Teologia da prosperidade. Disponível em:
http://www.espirito.org.br/portal/artigos/diversos/religiao/teologia-da-prosperidade.html Acesso
191
em: 12/06/2009.
PASTOR... que morreu após uma facada no coração... Disponível em:
http://www.iplay.com.br/Imagens/Divertidas/049M/Pastor_Morto_Com_Uma_Facada_No_Cor
acao_Ressurge_Para_Dar_Seu_Testemunho_Em_Uma_Igreja Acesso em: 19/06/2012
PASTOR... Cimento da casa própria. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=scMbwiQNXu8 Acesso em: 21/11/2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de
Graduação. Sistema de Bibliotecas. Padrão PUC Minas de normalização: normas da ABNT
para apresentação de teses, dissertações, monografias e trabalhos acadêmicos. 9. ed. rev.
ampl. atual. Belo Horizonte: PUC Minas, 2011. Disponível em:
<http://www.pucminas.br/biblioteca>. Acesso em: 09/maio/2012
PROFETA Luis Claudio. Uma revelação de Deus. Disponível em:
http://scienceblogs.com.br/100nexos/2007/06/profeta-luis-claudio-revelao-de-Deus/ Acesso
em: 17/08/2012
PROFETISA. Disponível em: http://www.flickr.com/photos/36929504@N03/3401840131/
Acesso em: 21/06/2010
PROSPERIDADE sessão do descarrego. Disponível em:
http://gracaplena.blogspot.com.br/2009/01/macumbaria-gospel-invade-os-templos-neo.html
Acesso em: 14/03/2010
PROTEÇÃO contra dengue. Disponível em:
http://cirozibordi.blogspot.com.br/2008/05/igrejas-evanglicas-que-no-pregam-o.html Acesso
em: 18/09/2011
SABONETE consagrado. Disponível em:
http://napec.files.wordpress.com/2010/05/p91601.jpg?w=300&h=225 Acesso em: 22/08/2011
VINHO profético. Disponível em:
http://www.pulpitocristao.com/wpcontent/uploads/2011/10/vinho.jpg Acesso em: 12/05/2011