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POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA O ENSINO MÉDIO: „TRABALHO‟ E
„LEITURA‟, SIGNIFICANTES EM DISPUTA
Na investigação das políticas de currículo para o ensino médio, busco analisar os
significados dado a trabalho pelas políticas do governo FHC (Fernando Henrique
Cardoso, período de 1995 a 2002) e pelo governo Lula/Dilma (Luiz Inácio Lula da
Silva, período de 2003 a 2010 e Dilma Rousseff, período de 2011 à atualidade). Com
este objetivo, tenho analisado os documentos oficiais chamados Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM como principal documento das
políticas para um projeto educacional do governo FHC e as Orientações Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio - OCNEM como principal documento do governo
Lula/Dilma. Entendo tais documentos como parte importante da produção de políticas
do projeto educacional dos referidos governos, dada a expressividade destes
documentos devido a grande circulação no país, número significativo de estudos
gerados na área da educação e como parte importante na produção de políticas de
currículo. Os documentos oficiais prescrevem como deve ser a educação básica, qual o
papel do ensino médio, sugerem conteúdos e metodologias para consecução dos
objetivos de seus projetos de nação e educação e como produções discursivas instituem
significados sobre a sociedade, o mundo do trabalho e o trabalho em si. Assumindo que
um dos objetivos do ensino médio é a preparação para o trabalho, cada projeto buscará
colocar em prática ações que dão significado à educação que por vezes se aproximam e
por vezes se antagonizam. Na produção dos documentos oficiais está incluído o
processo de significação do que vem a ser conhecimento escolar, didática, ciência,
saber, mundo do trabalho, trabalho, cultura, avaliação, conteúdo, disciplina, dentre
outros, porque não existem fundamentos que definam de uma vez por todas o que
denominamos sociedade, ou educação, ou escola. Existem significações em disputa do
que vem a ser o social, a escola, o currículo, a didática.
Palavras-Chave: Políticas de Currículo, Ensino Médio, Trabalho.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11821ISSN 2177-336X
LEITURA E ENSINO MÉDIO: PRÁTICAS DISCURSIVAS DISPONÍVEIS NA
PLATAFORMA CAPES 2004 -2014
Geniana dos Santos – SEDUC/MT e UNIVAG/MT
Denise de Souza Destro – PROPED – FMG - PJF
RESUMO
Este trabalho problematiza os sentidos para leitura e Ensino Médio nas produções
disponíveis na Plataforma Capes, no período de 2004 -2014, e como tais sentidos
projetam políticas de leitura ao jovem estudante da Educação Básica. Como estratégia
analítica utilizamos a Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe (1985), assim como a
Teoria de Currículo de Lopes e Macedo (2011). A partir do estudo foi possível
compreender que as demandas mais focalizadas para essa etapa do Ensino Básico
gravitam em torno dos significantes como Emancipação e Transformação, existindo um
deslocamento atual dessa significação para os significantes Acesso e Direito. Tais
termos sustentam uma luta discursiva sobre a crise leitora e democratização.
Interpretamos que tais demandas mobilizam um processo articulatório entre diferentes
perspectivas teóricas, quais sejam, linguística cognitiva, sócio-histórica, letramento e
sociologia da leitura. No processo articulatório em questão, parece existir um corte
antagônico que acaba por excluir a perspectiva cognitiva de leitura para fora da cadeia
de significação, confrontando assim, habilidade pessoal e processo de interação. No que
se refere à presença de um ponto nodal, interpretamos que a noção de mediação
necessária para a efetiva aprendizagem da leitura mostra-se estabilizada e hegemônica,
aludindo a ineficiente formação dos professores para a formação leitora no Ensino
Médio. Parece existir uma centralidade na noção de letramento literário como garantidor
do direito ao conhecimento, significado que se desloca para a noção de repertório
literário.
Palavras Chave: Leitura. Ensino Médio. Teoria do Discurso.
Introdução
Ao buscarmos sentidos para Leitura nos discursos que circulam e se entrecruzam
no âmbito social nos deparamos com significações relativas à possibilidade de
emancipação do sujeito, geralmente atrelada às mais diferentes ações educacionais.
Nessa perspectiva, ler é expresso como um instrumento de democratização, de
superação das adversidades socialmente postas aos indivíduos (SOARES, 2008). Tais
significados são produzidos em um cenário de falta, reiteradamente respaldado pelos
índices de fracasso escolar, e apresentados pelas avaliações nacionais, estabilizando
uma produção discursiva vazia sobre a leitura, conforme afirmam Paiva (2008), Soares
(2008), Martins e Versiani (2008).
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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Concordamos com Abreu (1998, p. 15) quando afirma que “[...] a leitura não é
prática neutra. Ela é campo de disputa, é espaço de poder”. A leitura mesmo sendo
significada como uma atividade positiva para formação do indivíduo, também é
regulada, categorizada e circunscrita aos aspectos normativos de “aquisição” e
aprendizagem de um conhecimento específico, de determinados valores culturais
considerados válidos.
Entendemos que, tanto a escola quanto a disciplina literária são marcadas por
esse intento de construir um sujeito moderno, lúcido, capaz de participar de um novo
modelo social de trabalho, o moderno. A respeito disso, Mello (2009) argumenta que o
surgimento do gênero romance foi fundamental para que a literatura pudesse transitar
pela escola como aquela que possuiria a função de humanizar os sujeitos da
escolarização. Um tipo de leitura era preconizada, a que remetia aos clássicos, a
denominada de boa literatura, a que pudesse fazer parte de um repertório ideal,
condensado pela noção de cultura (MELLO, 2009).
Argumentamos que tais práticas discursivas são reativadas nas políticas
curriculares hodiernas, e que, de certa forma, o jogo político de linguagem possibilita
que a disputa por significação esteja sempre aberta. Nesse sentido, rastros dessas
significações estão presentes nas discussões atuais sobre leitura.
Em análise acerca dos documentos que influenciam a política curricular, Lopes
(2008) destaca a forma como determinados conteúdos/conhecimentos são assumidos
enquanto capazes de expressar o sentido central da intenção formativa para o alunado
brasileiro. A autora chama atenção para o mercado de trabalho enquanto demanda que
regula sentidos para o Currículo no Ensino Médio.
Macedo (2006), em um levantamento sobre os principais discursos conectados
ao conceito de Currículo no Brasil, aponta para a centralidade do conhecimento
assumido por perspectivas críticas como capaz de assegurar a redução das assimetrias
sociais, contrastando à compreensão de um Currículo defendido por culturalistas. A
autora problematiza que em alguns casos, até mesmo a defesa por um Currículo
multicultural está associada à socialização de conhecimentos entendidos como capazes
de reduzir as desigualdades socialmente postas aos grupos minoritários.
Práticas discursivas sobre a falta de leitura têm conectado escola e conhecimento
como elementos produtores de identidades plenas, críticas e emancipadas.
Compreendemos que tal hegemonização/naturalização seja devedora de uma noção de
fundamento que o conhecimento escolar representa/metaforiza, bem como de um
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entendimento que posiciona a leitura como estratégia privilegiada para aquisição de
conhecimento.
Assumindo que a tematização do conhecimento tem sido algo central para o
campo curricular, bem como para o entendimento de uma projeção de identidade leitora,
problematizamos tais concatenações, especialmente no tocante ao conteúdo disciplinar
literário. O mesmo, entendido como fundamento para a identidade leitora no Ensino
Médio, significado que provoca um tensionamento entre a identidade do jovem
trabalhador e do futuro acadêmico.
Neste trabalho, problematizamos a política de leitura como projeção do
complexo discursivo. Optamos por considerar a estrutura discursiva acerca da crise de
leitura permeada pela falta como algo que projeta e endereça políticas de leitura,
bloqueando alguns sentidos sobre o jovem leitor e oportunizando outros.
Desse modo, objetivamos discutir o processo articulatório que essencializa a
identidade leitora para o aluno do Ensino Médio a partir de elementos como literatura,
livro, letramento. Apoiamo-nos nas reflexões que assumem uma compreensão
descentrada de política e entendem o currículo como luta por significação (LOPES e
MACEDO, 2011).
Teoria do discurso – estratégia analítica
A partir da Teoria Política do Discurso de Ernesto Laclau (1985), inscrita em
uma perspectiva pós-estrutural, que assinala para toda identidade política a constituição
por meio de uma negatividade, de um antagonismo, procuramos desestabilizar as
práticas discursivas que tendem a essencializar o aluno leitor. Entendemos que em
resposta ao discurso de falta de leitura, de falta de habilidade para a leitura, os sentidos
para a identidade leitora são contingencialmente negociados e estabilizados (CUNHA,
2015).
A Teoria do Discurso problematiza o processo de significação a partir da
relação entre necessidade e contingência. Nesta teoria, três níveis se destacam, quais
sejam: significantes flutuantes; ambiguidade e radicalização da contingência. No
primeiro nível, os significantes flutuantes permitem uma significação imprecisa acerca
de um dado objeto, possibilitando a articulação entre diferentes práticas discursivas. No
segundo nível, a ambiguidade não possibilita que nenhum sistema hegemônico possa
impor-se de forma definitiva. No terceiro nível, percebemos a impossibilidade de
completude e o sentido da contingência para uma significação contextualmente situada.
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O significante vazio, conforme define Laclau (2011, p. 68), surge da
impossibilidade de fechamento da significação, caracterizado como uma interrupção,
subversão na estrutura do signo. Cada significante vazio, desprovido de um conteúdo
fechado, definido, será um nome capaz de articular diferentes demandas, de representá-
las. Para Laclau (2013), o vazio surge logo após a constituição de cadeias de
equivalência, como uma imprecisão característica da própria natureza do político. Um
ponto nodal, posicionado por uma particularidade privilegiada na cadeia de significação,
consegue transcender suas particularidades e, no processo de negociação, projeta uma
significação potente para o enfrentamento do Antagônico.
No entendimento de Laclau (2013), são as demandas que possibilitam os
processos de identificação, os mesmos serão estruturados pela relação de diferença e
equivalência em que há uma oposição à algo ou alguém. A identificação está pautada
em uma lógica do laço social, em que um determinado indivíduo abre mão de suas
particularidades na tentativa de assumir um ideal maior. Na cadeia significante, e
pensando nas particularidades, esse ideal poderia ser representado pela noção de
Universal.
Conforme Laclau (2011, p. 97), “[...] os discursos que tentam fechar um
contexto em torno de certos princípios e valores serão confrontados e limitados por
discursos de direitos, que tentam limitar o fechamento de qualquer contexto. Pensar o
contexto é pensar a identidade diferencial, retirando o foco da essência de cada
identidade e dando ênfase a relação diferencial estabelecida entre as identidades.
Nesse entender, a categoria Discurso tem como centralidade a relação. Esta, não
pode ser significada por dimensões da fala e da escrita, mas sim, como “território” de
construção da objetividade, como conjuntos de elementos em que as relações assumem
um papel constitutivo (LACLAU, 2013, p. 116).
Procedimentos de organização do material empírico
Este estudo foi desenvolvido entre janeiro e setembro de 2015 a partir de
levantamento na Plataforma de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) e Biblioteca Digital Brasileira de Dissertações e Teses (BDTD) em um
período que compreende 2004 até 2014. Para tal, utilizou-se como meio de busca o
mote Leitura e Ensino Médio.
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A estratégia de busca visava a estabelecer um panorama dos estudos sobre
leitura capaz de delinear os campos de inserção, sua orientação teórica e as concepções
de leitura que sustentavam. Após tal exercício, foi possível compreender que os estudos
que tematizavam leitura e ensino médio estavam circunscritos à áreas específicas do
contexto educacional, quais sejam, Pedagogia e Letras.
Após o trabalho de construção do corpus, optou-se pela separação do material de
análise. Neste estudo, constam as reflexões acerca do material advindo do levantamento
na Plataforma Capes. O material ora analisado é composto por quatorze textos, sendo os
mesmos, artigos, dissertações e tese. Tais trabalhos foram desenvolvidos em programas
de pós-graduação localizados no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do
Sul.
A análise do material empírico se deu a partir de duas questões que partem de
nossa intepretação sobre as políticas de leitura para o Ensino Básico brasileiro. A
primeira delas procura refletir sobre a ampla discussão dessa temática no Ensino
Fundamental a partir de condensações ligadas ao prazer e à ludicidade. A segunda,
procura entender a relação Leitura e Ensino Médio, problematizando a hegemonia de
algumas significações ligadas ao mercado de trabalho.
No tocante à segunda questão, argumentamos que as expectativas de
aprendizagem no Ensino Médio estejam sustentadas por significações diversas das
construídas para a primeira fase do Ensino Básico e tendem a destacar uma dualidade
em que ou o aluno se prepara para o mercado de trabalho, necessitando de um
letramento baseado especialmente nas mídias e na tecnologia, ou o aluno se prepara
para o vestibular, precisando assim, de um repertório cultural condensado pelo
significante „letramento literário‟.
As problemáticas decorrentes dessa condensação são aglutinadas pelas noções
de Acesso e Direito ao conhecimento, seja para superação da exclusão social, mediante
o emprego, seja a inclusão ao contexto universitário. Esta proposta de trabalho visa
discutir tais significantes como significantes que se esvaziam para ocupar um lugar
privilegiado na cadeia de significação.
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Discussão e Resultados
A partir das práticas discursivas sobre Leitura e Ensino Médio, torna-se possível
entender que existem suportes privilegiados para que a aprendizagem da leitura ocorra.
A noção de gêneros textuais mostra-se central para a construção do conhecimento do
aluno/leitor. Tal noção hibridiza-se com elementos da sociologia da leitura e resguarda a
possibilidade de interação e mediação.
A figura do docente enquanto aquele que não possui formação para exercer a
mediação torna-se recorrente nos estudos ora analisados. Tais considerações dizem
respeito ao desconhecimento de um repertório literário por parte do professor, o que nas
práticas discursivas estudadas, torna a mediação uma atividade necessária, contudo,
impossível.
A ideia de que o letramento literário, de forma gradativa e cumulativa,
oportuniza a ampliação dos horizontes e, por conseguinte, a emancipação, mostra-se
algo bastante frequente nos textos analisados. O princípio da autoria, que, em uma
perspectiva textual, consistiria em preencher os sentidos nos espaços vazios do texto,
aparece como uma demanda a ser defendida para o leitor do Ensino Médio. Tal
posicionamento aparece em contraposição à compreensão de extração de significados
do texto, algo sustentado por correntes tradicionais da teoria literária.
A leitura passa a ser significada enquanto meio de aquisição de conhecimentos
básicos, enquanto forma ideal para a ampliação de conhecimentos já existentes,
especialmente no sentido de construir competências necessárias para responder às
demandas do mundo do trabalho. Para isso, faz-se referência ao artigo 35 da LDB
9.394/96 que diz sobre as finalidades do Ensino Médio.
A ideia de um campo literário, bem como o lugar do sujeito leitor como produtor
de sentidos são defendidos em uma perspectiva cultural. As experiências de leitura
realizadas na França assumem um lugar legitimado para o sentido de intervenção na
formação leitora. Nesse entender, a centralidade no leitor é assumida em detrimento à
compreensão mais formal e técnica de leitura, indicando que texto e leitor estão
relacionados de forma singular.
As práticas escolares são revisitadas na tentativa de uma mensuração da
efetividade da escola em formar leitores. A literatura passa a ser considerada como
potencialmente transformadora do universo social do aluno, que, por meio da literatura,
passa a apropriar-se de bens culturais. A base da recepção, nas práticas discursivas
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analisadas, se dá de forma cumulativa e com vistas à participação no contexto de trocas
simbólicas.
A noção de letramento mostra-se um significante capaz de coadunar as noções
de gêneros textuais, mediação e repertório. Assim, a leitura, manifesta-se como uma
atividade de acesso restrito pelas condições econômicas e culturais, cabendo ao
professor e à escola mediar o acesso aos bens simbólicos, garantindo o letramento
literário. A discussão sobre letramento é realizada em uma dimensão cronológica, tendo
Magda Soares como principal referência.
As mudanças de paradigma e a diversidade de material instrucional disponível
no contexto brasileiro também são problematizações presentes nos textos ora discutidos.
A inclusão da mídia no Currículo passa a ser uma demanda defendida centralmente. A
partir de tal suporte, a leitura passa a ser significada como um processo não restrito ao
texto escrito.
O ensino de literatura como meio de formação de leitores críticos, mesmo
presente em diferentes estudos, destaca-se como algo fundamentado a partir de matrizes
teóricas diferentes. A teoria da aprendizagem mediada de Reuven Feuerstein, associada
aos pressupostos teóricos de Piaget e Vygotsky são os mais recorrentes, elementos
como mediação/interação mostram-se hegemonizados.
A defesa da leitura como um direito do leitor parece ser uma significação
privilegiada em estudos desde 2004, entretanto, torna-se mais recorrente a partir de
2012. Em certa medida, nos estudos ora analisados, tais sentidos se relacionam à
necessidade de planejamento/mediação no processo da construção da “caminhada
interpretativa do leitor”, aumentando, assim, a responsabilidade do professor em
permitir o acesso ao direito de ler/aprender.
Os gêneros discursivos, as tipologias textuais, a sequência didática na produção
de leitura e escrita dos alunos do Ensino Médio são vistos como formas de superação de
todas as problemáticas educacionais atuais. Nessa fase do ensino, parece existir a
preferência pelo trabalho com o texto argumentativo, que passa a condensar sentidos
para a formação do senso crítico, bem como da cidadania. O processo de mediação,
embora evidenciado como de pouca qualidade é tido como fundamento para a
aprendizagem dos alunos no espaço da sala de aula.
A interação, nos estudos levantados, é tematizada quando a relação leitura e
literatura passa a ser focalizada. Pautados na perspectiva crítica, discute-se o processo
de mediação em consonância com sentidos dispostos nas diretrizes educacionais para
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Língua Portuguesa e Literatura. Tendo como principal demanda o acesso ao texto, a luta
por significação nesse contexto discursivo, a saber, o ensino médio, parece não focalizar
sentidos como prazer e ludicidade, comumente presentes nas práticas discursivas sobre
a leitura e ensino fundamental.
Embora fique implícito que os processos de leitura não se restrinjam ao livro, a
identidade do leitor jovem ainda aparece atrelada ao conceito de letramento literário e à
obra literária. Nesse sentido, propostas de transposição didática são destacadas. O foco,
nesse processo, parece ser uma tentativa em retirar do livro o fundamento/ essência da
identidade leitora, passando-a para diferentes suportes, como filme e teatro.
Como estratégia, a aproximação do aluno ao enredo do livro passa a ser
realizada. Posteriormente, é efetuada a apresentação da biografia do autor e, por fim, do
livro/obra. Nesse sentido, a aproximação leitor/livro passa a ser o fim último da
atividade de adaptação das obras literárias. Analisamos que, a adaptação, mediante
transposição didática, assumiria em tal complexo discursivo, o sentido da
democratização da leitura.
A formação leitora visando a Emancipação e Transformação Social mobiliza
modos de significar os processos de leitura, direcionando ações em determinados
contextos de escolarização. Tal demanda mostra-se mais recorrente entre o período de
2004 a 2008, em que a preocupação com a formação dos professores (a
responsabilização pela falta de leitura) e uma alusão ao campo literário (atividades de
letramento) como meio propício ao exercício da leitura são elementos mais destacados
nas práticas discursivas levantadas.
A partir de 2009, as discussões sobre leitura parecem ser mais direcionadas,
sustentadas e respaldadas pela sociologia da leitura e pela perspectiva do letramento.
Nesse sentido, embora a compreensão linguística continue operando de forma a
delimitar as práticas de leitura, outras demandas parecem assumir centralidade nas
discussões sobre leitura. Noções como análise linguística (em confronto com o ensino
gramatical fora do texto) gêneros textuais, tipologias textuais, sinalizam de forma mais
hegemônica para os sentidos da mediação e dos suportes “legitimados” para a prática de
leitura.
Uma compreensão sociológica da leitura articulada a sentidos do letramento
literário parece sustentar a significação hegemônica que conecta leitura e conhecimento.
Essa junção busca estruturar um fundamento para a identidade leitora em formação no
Ensino Médio. Assim, enquanto a ideia de letramento resguardaria um caráter mais
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pragmático à leitura, o letramento literário afastaria a noção de decodificação,
aproximando leitor de um dado repertório cultural.
Considerações finais
Os sentidos ora levantados viabilizaram a compreensão de que letramento
literário bloqueia a significação ordinária da leitura, representada pela experiência de
leitura centrada na mídia e na tecnologia. Operando na ambivalência da noção de
inclusão, tais sentidos condensam e tentam contemplar a formação crítica e cidadã do
jovem leitor.
A compreensão interacionista da linguagem norteia significados em processos de
mediação específicos. Tal negociação passa a definir operadores por meio dos quais
uma leitura pode ser considerada ou não emancipadora/transformadora. Os suportes
privilegiados para a leitura são indexados por esse entendimento teórico. Assim,
Sociologia da Leitura, Letramento e Abordagem Linguística/Interacionista parecem
sustentar e regular práticas articulatórias sobre leitura de forma a antagonizar a ideia de
leitura como ato cognitivo, privilegiando a significação de leitura como construção de
sentido.
Parece existir em um primeiro momento, um deslocamento na significação. A
formação dos professores e processos de mediação mostram-se elementos capazes de
garantir a formação leitora que emancipa e transforma, assumindo, assim o nome da
democratização do conhecimento. Posteriormente, as ideias de emancipação e
transformação são menos enfatizadas. Significantes como acesso e direito à leitura
assumem a centralidade nos estudos, mantendo-se ainda, a mediação e a formação dos
professores como meios de articular diferentes posições teóricas sobre leitura.
Cabe ressaltar que, no período de dez anos, além de escassas, as pesquisas que
problematizavam o Ensino Médio e a Leitura mantiveram alguns elementos
hegemônicos.
A leitura é eminentemente pensada em um contexto disciplinar (literário)
como forma de se chegar a algo (conhecimento) e mobilizar assim
sentidos para a cidadania.
Outras disciplinas parecem não assumir para si a demanda de formação
leitora, cabendo a disciplina de língua portuguesa o projeto de formar
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uma identidade para o jovem leitor brasileiro. Em outros termos, a
atividade leitora parece ser anulada no contexto de outras disciplinas.
Elementos mediadores são importantes para essa construção discursiva,
sendo os principais suportes de aprendizagem, o livro, textos literários
(fragmentados ou na íntegra), bem como o professor.
A leitura como instrumento de aprendizagem, sentido bastante comum no
contexto do ensino fundamental, parece não ser central no ensino médio.
Nesse âmbito, tal sentido desloca-se para a ideia de instrumento de
inclusão social a partir, especialmente, da noção de leitura como direito.
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FORMAÇÃO PARA O TRABALHO: DIDÁTICA, CURRÍCULO E PRÁTICAS
DISCURSIVAS NO ENSINO MÉDIO NOTURNO DIFERENCIADO/RN
Marcia Betania de Oliveira - UERN/UERJ
RESUMO: Neste trabalho abordo a proposta curricular do/para o ensino médio noturno
no estado do Rio Grande do Norte, apresentada pela Secretaria de Estado da Educação
(SEEC/RN), a qual se encontra em desenvolvimento em escolas estaduais desse
nível/turno de ensino desde 2005 com vistas a reduzir índices de repetência e de
abandono escolar. O discurso curricular do diferencial/diferenciado dessa proposta está
marcado pela tentativa de projeção de uma identidade do aluno como trabalhador que
estuda de noite. Problematizo a centralidade dada à disciplina Formação para o trabalho
(acrescida à referida proposta curricular, em 2015) como conhecimento legitimado para
o aluno. Aposto na abordagem pós-estrutural, especificamente na Teoria do Discurso
(TD) de Laclau e Mouffe (2011) como produtiva na análise do discurso das políticas e
como potencial para a compreensão de políticas de currículo. Discuto sentidos de
didática e de currículo, compreendendo tais significantes como práticas discursivas, de
poder, de significação, de atribuição de sentidos. Discursos que, por vezes, constroem a
ideia de realidade, projetando identidades, produzindo sentidos outros. Considero que
didática e currículo se entrecruzam o tempo todo, em buscas constantes de definição de
espaço, de fronteiras. Suas concepções se modificam em função das diferentes
finalidades educacionais pretendidas e dos contextos sociais nos quais são produzidos.
Considero, ainda, a disciplina Formação para o Trabalho, em pauta, como simplesmente
um texto a ser lido no contexto escolar, por professores, coordenadores pedagógicos e
alunos que vivenciam a experiência curricular Ensino Médio Noturno Diferenciado/RN.
Destaco, por fim, a necessidade de pensarmos em um currículo instituinte, aproximando
currículo de cultura e definindo-o como enunciação.
Palavras-chave: Didática/currículo/práticas discursivas. Ensino Médio Noturno/RN.
Formação para o Trabalho.
Introdução
Quando se discute sobre o papel da escola, propostas curriculares, práticas
pedagógicas, desempenho docente/discente ou demais assuntos relacionados ao
contexto escolar, tradicionalmente o conhecimento escolar ganha centralidade. Lopes e
Macedo (2011) afirmam que o debate em torno do conhecimento talvez seja o de maior
destaque ao longo da história do currículo, ocupando parte significativa da teorização
curricular. No campo da didática, a organização do conhecimento escolar acarreta a
pedagogização para fins de ensino.
Nunca o “ensinar tudo a todos” foi tão discutido como nas últimas décadas.
Conferir conhecimentos e competências a todas as crianças e jovens que façam deles
“os cidadãos e profissionais do futuro”, na intenção de que tal formação atenda às
exigências do mundo globalizado, tem se configurado como um dos principais desafios
da/para a escola e os professores. Nessa perspectiva, Rodrigues (2007) destaca três
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11834ISSN 2177-336X
exigências postas a esse desafio: o desenvolvimento de novas competências na
formação dos alunos; a aprendizagem ao longo da vida; a formação desses alunos para a
participação social e política.
Destaco o fato de que o conteúdo escolar passa a ser apontado como elemento
indispensável nesse processo. Basta atentar para a centralidade dada no Plano Nacional
de Educação - PNE 2014-2024 - (BRASIL, 2014) aos definidos “direitos e objetivos de
aprendizagem”, os quais se configuram e se desdobram na tão propagada difusão da
Base Nacional Comum Curriculari (BNCC) em conhecimentos disciplinares a serem
trabalhados pelos professores a partir de um currículo nacional.
Mediações/intervenções pedagógicas, práticas educativas, propostas
curriculares, conhecimentos/conteúdos/objetivos de aprendizagem, formação de
professores são temáticas discutidas na perspectiva de questionar/compreender/explicar
como a escola dá conta desses desafios, por meio de quais projetos/propostas
curriculares o faz, como formar professores para tanto. Em meio a esses e a tantos
outros significantes, é comum que haja sentidos diversos quanto às especificidades das
questões curriculares e das questões relativas à didática.
Currículo e didática disputam espaços, por vezes conflituosos e antagônicos.
Para Ferraço (2012, p.5) escrever as relações da didática com o currículo pressupõe “um
permanente exercício de problematização [...]. Implica, sobretudo, urgência em
responder: que sentidos de currículo, conhecimento e didática temos tecido e partilhado
em nossas redes de saberes, fazeres e poderes?”. No contexto escolar, discussões sobre
quais espaços de cada um nesse processo são usuais, transversalizando tentativas de
elaboração de projetos para o “futuro da humanidade”, em uma expectativa de que a
escola mude para mudar a sociedade.
Com este texto discuto, portanto, sentidos de didática e de currículo. Abordo a
proposta curricular do/para o ensino médio noturno no estado do Rio Grande do Norte
(RIO GRANDE DO NORTE, 2009), na qual a disciplina Formação para o trabalho
ganha centralidade. Assumo a ideia de discurso para pensar relações entre didática e
currículo tendo o conhecimento como eixo central. Aposto no pós-estruturalismo como
perspectiva teórica para a leitura do texto que constitui a referida proposta curricular.
Especifico a Teoria do Discurso (TD), de Laclau e Mouffe (2011), como produtiva na
análise do discurso das políticas, e como potencial para a compreensão de políticas de
currículo. Para tanto, utilizo como referenciais básicos estudos de Lopes e Macedo
(2011, 2012), Lopes (2008, 2012, 2015a, 2015b), por meio dos quais compreendo o
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11835ISSN 2177-336X
currículo como produção cultural. Destaco, por fim, a necessidade de pensarmos em um
currículo instituinte, aproximando currículo de cultura e definindo-o como enunciação.
Didática e teorias curriculares em sentidos: do ensino como núcleo ao currículo
como cultura
A história da didática está ligada ao aparecimento do ensino como atividade
planejada e intencional dedicada à instrução (LIBÂNEO, 1994). Dentre
questionamentos feitos em torno do seu papel destaco um, feito por Castro (1992), que
interroga ser a didática apenas uma orientação para a prática, uma espécie de receituário
do bom ensino. Essa autora busca esclarecimentos sobre o objeto de estudos e a
delimitação do campo; aponta que como qualquer disciplina que comporta aplicações
práticas, a didática se aproxima de outras teorias, em sua necessidade de explicar as
relações entre os eventos que estuda.
Em decorrência de seu conceito nuclear, de ser ENSINO, várias são as
inquietações da Didática. A sua inter-relação com outras áreas do conhecimento
(Psicologia, Filosofia da Educação, Sociologia, Política) é intensa e constante, gerando
controvérsias teóricas, as quais levam a disputas diversas, dentre elas, com o campo
interdisciplinar do "currículo", “como que exigindo da Didática que proceda a sua
invasão, já que o conteúdo do ensino - o "o quê" se ensina - tanto pode ser problema
didático quanto curricular” (grifos da autora, CASTRO, 1992, p. 21).
Ao discutir a “Didática” Libâneo (1994) apresenta várias tendências pedagógicas
(Tradicional, Renovada, Tecnicista, Libertadora e Crítico-social dos conteúdos)
associadas à correntes da educação brasileira. Cada uma delas, por si só, em
determinados contextos (nem sempre diferentes, mas geralmente paralelos e
concomitantes) tentam explicar a função da didática e do ensino. Assumem ideias de
verdade, de poder, atribuem significados aos processos que lhes são inerentes.
Nessa perspectiva é possível perceber uma aproximação entre didática e
currículo, em um movimento de pedagogização na organização do conhecimento
escolar. Ao discutirem sobre conhecimento escolar e discurso pedagógico (também
denominado matéria escolar ou conteúdo de ensino), Lopes e Macedo (2011) apontam
que “algumas teorias com impacto na discussão curricular se desenvolveram procurando
entender centralmente mudanças que a pedagogização para fins de ensino acarreta na
organização do conhecimento escolar” (p. 94), e destacam as concepções de
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11836ISSN 2177-336X
transposição didática (Yves Chevallard) e de recontextualização (Basil Bernstein) nesse
processo. Para essas teorias, a organização curricular é entendida como a organização
do conhecimento mediado pedagogicamente, cujos argumentos por elas apresentados
permitem sustentar a tese de que “[...] a escola não é apenas um receptáculo de saberes
produzidos em outras instâncias, mas participa de uma esfera mais ampla que
reinterpreta diferentes saberes sociais para fins de ensino.” (LOPES; MACEDO, 2011,
p. 105)
Quanto ao que é currículo, Lopes e Macedo (2011) destacam que a primeira
menção ao termo dizia respeito a organizar a experiência escolar de sujeitos agrupados
(p. 20). Na busca pela/para a resolução dos problemas sociais gerados pelas mudanças
econômicas da sociedade, em especial no contexto da industrialização, fazia-se (e ainda
há quem defenda que se faça) necessário definir a “utilidade” (o porquê e o para quê)
dos conteúdos ou das experiências escolares. Diferentes teorias curricularesii, como o
eficientismo social (taylorismo), o progressivismo (comportamentalismo) e a
racionalidade tyleriana têm se constituído na perspectiva de responder a tais questões;
embora que com fragilidades, visto que elas não conseguem dar conta da realidade
vivida nas escolas (embora que marcadas por preocupações de natureza eminentemente
prática).
As teorias marxistas (da correspondência ou da reprodução), por sua vez,
incluindo trabalhos variados do campo da sociologia, criticam tais abordagens técnicas,
problematizando o currículo escolar. Com o movimento da Nova Sociologia da
Educação (NSE) a elaboração curricular passa a ser pensada como um processo social;
o currículo torna-se um espaço de reprodução simbólica e/ou material. Mas é a matriz
fenomenológica (Paulo Freire) que defende um currículo aberto à experiência dos
sujeitos, para além do saber socialmente prescrito a ser dominado pelos estudantes;
propõe procedimentos para a elaboração curricular capazes de tentar integrar o mundo-
da-vida dos sujeitos às decisões curriculares. Ainda nessa perspectiva, o conceito de
currere (William Pinar) amplia a discussão do campo, compreendendo currículo como
“um processo mais do que uma coisa, como uma ação, como um sentido particular e
uma esperança pública; [...] uma conversa complicada de cada indivíduo com o mundo
e consigo mesmo” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 36).
Em meio a tais “categorizações” assumo neste escopo a ideia de currículo como
texto (à qual acrescento a de didática), conforme defendido por Lopes e Macedo (idem),
de conceito multifacetado, a partir dos estudos trazidos pelo pós- estruturalismo. Em
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11837ISSN 2177-336X
que nem tudo pode ser dito, não podendo ser tomado como espelho da realidade
educacional, e cuja “criação de sentidos só é possível tendo em vista a estrutura do texto
ou a estrutura cognitiva do leitor” (p.38).
A abordagem pós-estrutural, especificamente a Teoria do Discurso (TD) de
Laclau e Mouffe (2011) apresenta-se produtiva na análise do discurso das políticas
como potencial para a compreensão de políticas de currículo. Na perspectiva desses
teóricos, a linguagem é apenas um dos componentes da estrutura discursiva. Enquanto
sistema, o discurso possui a sua evidente dimensão linguística, mas não se restringe aos
atos de fala ou ao que está estritamente escrito, englobando também as ações e relações
que possuem significado social, sendo resultado de uma prática articulatória que
constitui e organiza as relações sociais.
O significante currículo, assim como didática, e demais significantes a eles
associados (conteúdos, conhecimento, cultura, avaliação, professor, aluno, dentre
muitos outros) passa a ser compreendido em um enfoque discursivo “[...] são
significados de determinada maneira por estarem inseridos em uma formação discursiva
decorrente de lutas políticas pela significação” (LOPES, 2012, p. 9). Remetem sempre a
outros significantes, indefinidamente, “sendo impossível determinar-lhe um significado;
este é sempre adiado.” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 40).
Assim considerando, compreendo por meio dessa abordagem teórica o currículo
e a didática como práticas discursivas, de poder, de significação, de atribuição/produção
de sentidos. Enquanto tais, não devem ser vistos como verdades, fixas, a serem
assumidas a priori, mas como discursos que, por vezes, constroem a ideia de realidade,
projetando identidades, produzindo sentidos outros.
Formação para o Trabalho no ensino médio noturno/RN: centralidade definida,
currículo instituído
Tenho pesquisado sobre o processo de constituição da política curricular do/para
o ensino médio noturno no estado do Rio Grande do Norte (OLIVEIRA, 2015). Nessa
pesquisa específica, abordo demandas curriculares e contingências políticas do processo
de discussões/elaboração do documento Orientações Curriculares Ensino Médio
Noturno (RIO GRANDE DO NORTE, 2009). Trata-se de uma proposta apresentada
pela Secretaria de Estado da Educação (SEEC/RN), conhecida publicamente como
Ensino Médio Noturno Diferenciado (EMND), a qual se encontra em desenvolvimento
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11838ISSN 2177-336X
em escolas estaduais desse nível/turno de ensino desde 2005 com vistas a reduzir
índices de repetência e de abandono escolar. O discurso curricular do
diferencial/diferenciado está marcado pela tentativa de projeção de uma identidade do
aluno como trabalhador que estuda de noite.
Em 2015, a SEEC publica uma cartilha (RIO GRANDE DO NORTE, 2015),
(aqui entendida como parte da proposta curricular) considerada como referência da
proposta contida nas supracitadas Orientações Curriculares, a qual se configura como
“um guia prático (que) visa simplificar o que está posto” (idem, p. 3). O componente
curricular “Formação para o Trabalho” (nomeada pelos professores como FpT), até
então inexistente na proposta curricular em pauta, passa a ser ofertado em duas aulas
semanais, presente em dois blocosiii
de aulas, devendo ser ministrada, a priori, por
professores licenciados em Filosofia e em Sociologia.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) (BRASIL,
2012), o trabalho é tido como “Princípio Educativo e atividade intelectual, bem como,
um processo histórico de produção científica e tecnológica”. Ao ser assim classificado,
conforme previsto também na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e na Constituição
Federal (CF), o “trabalho” ganha espaço de “disciplina”, na perspectiva de propiciar
formação específica para o aluno do ensino médio noturno, identificado pela proposta
da SEEC/RN como trabalhador. Ao entendermos a proposta curricular em pauta como
centrada no currículo, e por sua vez, no conhecimento escolar, a referida disciplina
assume centralidade na proposta curricular. Em uma proposta que se pretende
diferenciada, a inserção da Formação para o Trabalho torna o caráter híbrido da
propostaiv
.
Esse componente é visto na organização do currículo como capaz de “se
articular com os demais (ciência, cultura e tecnologia, definidos nas DCNEM) que são
constitutivos” da estrutura curricular desse nível de ensino (RIO GRANDE DO
NORTE, 2015, p. 4). Com a inserção desse componente curricular, o significante
Trabalho passa a ter articulação com temáticas/eixos como “ética e cidadania”,
“empreendedorismo”, “sustentabilidade”, “consumo”, “comunicação e tecnologia”,
“mercado” na perspectiva de que tais temáticas “busquem envolver o estudante
trabalhador não somente no mundo do trabalho, mas também no universo da cidadania”
(idem, idem, 2015, p. 10).
Para cada temática/eixo são definidos conteúdos, dentre outros: ética empresarial
e ética profissional; cidadania: origem e relação com o mundo do trabalho; formas de
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11839ISSN 2177-336X
atuação de um empreendedor; o empreendedorismo na escola; concepção do trabalho
articulada aos conceitos de preservação e conservação; a influência do consumismo para
o crescimento econômico; tendências relacionadas à tecnologia atual: o antes e o agora,
a era do computador; internet na sociedade contemporânea e na escola; as exigências do
mundo do trabalho e a escola; a globalização: emprego e desemprego.
Espera-se, com isso, propiciar ações desenvolvidas socialmente (previamente
definido nas DCNEM) com vista a “[...] transformação das condições naturais da vida e
a ampliação das habilidades gerais e competências básicas que tributem para a formação
integral dos estudantes e o seu desenvolvimento, de forma que possa atuar na sociedade
com êxito” (idem, idem, p. 9).
A cartilha então publicada aponta (RIO GRANDE DO NORTE, 2015, p.25)
orientações para o planejamento articulado entre o Plano de Metas e Plano de Ensino na
escola do EMN, organizadas em quatro fases. Para o cumprimento da primeira delas, a
escola deverá fazer um diagnóstico do perfil do trabalhador estudante no Ensino Médio
Noturno em cada contexto; na segunda fase deverá elaborar e discutir um Plano de
Metas ou Plano de Ação Anual, junto à comunidade escolar, com definições de
estratégias de intervenções a partir do diagnóstico então feito.
No planejamento de Ensino Anual, que se apresenta como terceira fase, a equipe
pedagógica tem o papel de elaborar junto com os professores o diagnóstico das
necessidades de aprendizagens dos alunos por meio do levantamento do desempenho do
trabalhador estudante por área do conhecimento, disciplina, série, semestre. Nessa fase,
a análise do desempenho acadêmico e do contexto dos estudantes (perfil do aluno)
define o currículo orientador anual. Isso se dá a partir de eixos temáticos integradores
organizados no projeto interdisciplinar propostos em estratégias metodológicas por
áreas do conhecimento/disciplinas presenciais e vivenciais.
Por fim, para a concretização da última fase a escola deverá revisar e reelaborar
o seu Projeto Pedagógico com base nas metas propostas no Plano de Ação a fim de
favorecer o desenvolvimento e a organização do Plano de Trabalho Anual. Tal processo
se dá a partir da identificação das fragilidades e potencialidades do Ensino Noturno
atento às especificidades do aluno que chega à escola (idem, idem , p. 26).
Nessa proposta curricular, a qual pode ser identificada como uma perspectiva
instrumental do conhecimento (LOPES; MACEDO, 2011), é possível perceber a
formação de competências e habilidades articulada às mudanças tecnológicas no mundo
global, bastante valorizada no âmbito do debate sobre organização curricular (Lopes,
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11840ISSN 2177-336X
2008). Acredita-se, ou espera-se, que a disciplina em questão garanta tal formação na
perspectiva de uma educação de qualidade para a formação de trabalhadores que atenda
as necessidades do mercado de trabalho.
É possível perceber que nas orientações contidas na cartilha opera-se com os
significantes “formação para o trabalho e aluno trabalhador” como sendo absolutos e
universais. O “currículo” tende a resumir-se a essa disciplina (e em seus conteúdos/suas
temáticas, naturalizando-os), parecendo pressupor um consenso de que é a única válida
e legítima de ser ensinada para a pretensa formação de alunos do ensino médio noturno,
então considerados trabalhadores.
Concordo com Lopes (2015a, p. 134) que “a razão para a escolha de um
conhecimento como melhor depende dos efeitos performativos desses conhecimentos e
está conectada ao poder”. Para essa autora, somente podemos falar de melhores razões,
melhores conhecimentos, melhores decisões ou escolhas, a partir de um conjunto de
critérios contextuais que sustentem o que se entende como melhor, levando em
consideração as subjetivações capazes “de construir um nós (a comunidade) que
sustenta, ainda que precariamente, a validade/veracidade dos critérios estabelecidos”
(LOPES, 2015a, p. 134, grifos da autora).
Compreendidas discursivamente, a opção por essa organização curricular e essa
tentativa de identidade do aluno desse nível/turno de ensino são inseridas na esfera da
política, definidas em certas relações de poder. “E a escolha por certa opção será
sempre a exclusão de outras tantas opções negadas, algumas vezes sequer passíveis de
serem enunciadas” (LOPES, 2015b, p.450).
Por um currículo instituinte: em bases discursivas, o papel do Outro
A forma como a referida cartilha (RIO GRANDE DO NORTE, 2015) orienta o
planejamento articulado entre o Plano de Metas da escola e Plano de Ensino do
professor parece, frente ao conjunto de determinações da SEEC/RN, “[...] uma tentativa
de homogeneizar as práticas curriculares, a cultura escolar, simplificando o que as
diversas ordens escolares significam” (LOPES, 2008, p. 12). Homogeneizar tais práticas
torna-se perigoso visto que tende a fixar identidades (nesse caso as docentes), tolher a
capacidade de criação dos professores do Ensino Médio Noturno Diferenciado/RN (não
apenas) para com a disciplina Formação para o trabalho, como se a escola não fosse
também um território de produção de cultura.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11841ISSN 2177-336X
Ao discutirem sobre identidades e diferenças no campo do currículo, Lopes e
Macedo (2011) apontam que a fixação das identidades pode ser lida como uma
pretensão realista, que essencializa, via marcadores simbólicos. Ser aluno trabalhador,
professor tradicional ou construtivista, formação para o trabalho, dentre outras formas
de nomear (e de ser nomeado) e de pensar o aluno, o professor, a proposta curricular, as
práticas pedagógicas, dentre outros elementos do contexto educacional/escolar acabam
por regular, controlar e/ou negar outras possibilidades de identificação e, por
consequente, de subjetivação. Aceitar simplesmente tais definições e termos os
hierarquiza, por vezes, naturaliza, para além de criar binários.
Essas autoras destacam que os sujeitos constroem suas identidades e diferenças
no interior de sistemas de representação. Em se tratando do currículo, estar aberto à
diferença implica “recusar a perspectiva de identidade” (p. 227), considerando-se que
“[...] nenhum projeto educacional acontece sem o reconhecimento do Outro
(identificação)”, e que “tal reconhecimento não pode sufocar a singularidade do outro”
(LOPES; MACEDO, 2011, p. 231), eliminando a própria possibilidade de educar.
Nessa perspectiva, as autoras destacam a contribuição de Laclau e Mouffe
quanto à ideia de que existem processos de identificação em que os sujeitos se
aproximam e se constituem como grupos „identitários‟ politicamente ativos. Tal leitura
possibilita “pensar lutas políticas baseadas numa identificação provisória entre os
sujeitos, cuja diferença é que ela não tem fundamento de nenhuma espécie” (LOPES;
MACEDO, 2011, p. 228). Isso porque, para esses teóricos do discurso “só há sujeito
quando há decisão, de modo que a possibilidade de surgimento do Outro no currículo
está ligada à sua transformação em espaço em que os indivíduos se tornem sujeitos por
meios dos atos de criação” (idem, 232).
Destaco ainda, para a discussão em pauta, a defesa de Lopes e Macedo (2011, p.
232) quanto à necessidade de pensarmos em “um currículo instituinte, em contraposição
à ideia de currículo como expressão do instituído, [...] aproximando currículo de cultura
e definindo-o como enunciação”, na perspectiva da desconstrução da hegemonia, de
desconstruir discursos, como os de identidades esteriotipadas e fixadas e da própria
teoria curricular que se apresenta como horizonte. Tais discursos visam a controlar a
proliferação de sentidos e por vezes se fortalecem de tal maneira que se tornam
impossível de questioná-las. Tal movimento implica uma ação política, com bases
discursivas.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11842ISSN 2177-336X
Algumas considerações
É possível perceber que as “concepções do que vem a ser currículo (e do que
vem a ser didática) se modificam em função das diferentes finalidades educacionais
pretendidas e dos contextos sociais nos quais são produzidos” (LOPES; MACEDO,
2011, p. 70). Didática e currículo se entrecruzam o tempo todo, em buscas constantes de
definição de espaço, de fronteiras. Ao abordarem o conhecimento, de uma forma ou de
outra, acabam por “escolherem” o que/por que/para que deve ser ensinado determinado
conteúdo na escola, quais os conhecimentos (in) válidos, definindo regras, tomando
decisões quanto ao processo de inclusão/exclusão de saberes. Com isso, planejam
projetos futuros para a educação os quais, em sua grande maioria, fixam identidades
(como é o caso da proposta curricular Ensino Médio Noturno Diferenciado/RN), minam
lutas políticas. Nesses espaços de disputas constantes, a compreensão da existência de
fronteiras entre ambos (e deles consigo mesmos) potencializa o debate entre saberes,
poderes, fazeres.
Considero que na referida proposta que se define diferenciadav as decisões
curriculares são norteadas pela tentativa de fixação da identidade do aluno que cursa o
ensino médio noturno como trabalhador a qual se pretende no horizonte da formação
desse aluno para o mundo do trabalho. Assim, essa proposta curricular tende a regular
os alunos/sujeitos (e por sua vez as práticas pedagógicas) definindo-lhes um lugar no
mundo simbólico; negando a pluralidade das identidades, renunciando a outras
possibilidades de ser desses sujeitos (LOPES; MACEDO, 2011).
Apontar uma única proposta como possibilidade de formação dos alunos do
ensino médio noturno do RN, e por sua vez, apostar na centralidade de uma disciplina
como capaz de dotar esses alunos para o atendimento às necessidades do mundo do
trabalho cria a ilusão de que há algo positivo na definição dessas identidades. Nessa
perspectiva, considero a disciplina Formação para o Trabalho, em pauta, como
simplesmente um texto a ser lido no contexto escolar, por professores, coordenadores
pedagógicos e alunos que vivenciam a experiência curricular Ensino Médio Noturno
Diferenciado/RN. Compreendidas discursivamente, a opção por essa organização
curricular e essa tentativa de identidade do aluno desse nível/turno de ensino são
inseridas na esfera da política, definidas em certas relações de poder, excluindo outras
tantas opções passíveis de serem enunciadas.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11843ISSN 2177-336X
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O TRABALHO NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA O ENSINO MÉDIO:
PROJETO FHC X PROJETO LULA/DILMA.
Priscila Campos Ribeirovi
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ
RESUMO: Na investigação das políticas de currículo para o ensino médio, busco
analisar os significados dado a trabalho pelas políticas do governo FHC (Fernando
Henrique Cardoso, período de 1995 a 2002) e pelo governo Lula/Dilma (Luiz Inácio
Lula da Silva, período de 2003 a 2010 e Dilma Rousseff, período de 2011 à atualidade).
Com este objetivo, tenho analisado os documentos oficiais chamados Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM como principal documento das
políticas para um projeto educacional do governo FHC e as Orientações Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio - OCNEM como principal documento do governo
Lula/Dilma. Entendo tais documentos como parte importante da produção de políticas
do projeto educacional dos referidos governos, dada a expressividade destes
documentos devido a grande circulação no país, número significativo de estudos
gerados na área da educação e como parte importante na produção de políticas de
currículo. Os documentos oficiais prescrevem como deve ser a educação básica, qual o
papel do ensino médio, sugerem conteúdos e metodologias para consecução dos
objetivos de seus projetos de nação e educação e como produções discursivas instituem
significados sobre a sociedade, o mundo do trabalho e o trabalho em si. Assumindo que
um dos objetivos do ensino médio é a preparação para o trabalho, cada projeto buscará
colocar em prática ações que dão significado à educação que por vezes se aproximam e
por vezes se antagonizam. Na produção dos documentos oficiais está incluído o
processo de significação do que vem a ser conhecimento escolar, didática, ciência,
saber, mundo do trabalho, trabalho, cultura, avaliação, conteúdo, disciplina, dentre
outros, porque não existem fundamentos que definam de uma vez por todas o que
denominamos sociedade, ou educação, ou escola. Existem significações em disputa do
que vem a ser o social, a escola, o currículo, a didática.
Palavras chave: Políticas de Currículo. Ensino Médio. Trabalho.
Introdução
Na investigação das políticas de currículo para o ensino médio, busco analisar os
significados dado a trabalho por tais políticas, num recorte temporal que chamarei de
governo FHC (Fernando Henrique Cardoso, período de 1995 a 2002) e governo
Lula/Dilma (Luiz Inácio Lula da Silva, período de 2003 a 2010 e Dilma Rousseff,
período de 2011 à atualidade). Para este objetivo, tenho analisado os documentos
oficiais chamados Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – PCNEM
(BRASIL, 1999a, 1999b, 1999c, 1999d) como principal documento das políticas para
um projeto educacional do governo FHC e as Orientações Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio – OCNEM (BRASIL, 2006a, 2006b, 2006c) como principal documento
do governo Lula/Dilma.
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Entendo tais documentos como parte importante da produção de políticas do
projeto educacional dos referidos governos. Isto, dada a expressividade destes
documentos devido a grande circulação no país, número significativo de estudos
gerados na área da educação e sua grande influência na produção de políticas de
currículo, sendo o próprio documento também uma produção discursiva (sendo ele
mesmo produção de políticas de currículo), digo, instituído da política. Isto é, entendido
como “linguagem, práticas, instituições, entendidos como formas de ordenar dimensões
capazes de subverter e refundar o social de outras maneiras, reconhecidamente
antagônicas e conflituosas” (LOPES, 2014, p. 44).
Os projetos de educação instituídos, em parte, nestes documentos trazem
releituras da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (BRASIL, 1996), que se
diferenciam e se aproximam. Em suas produções de currículo, prescrevem como deve
ser a educação básica, qual o papel do ensino médio na educação básica, sugerem
conteúdos e metodologias para consecução do objetivo do ensino médio e trazem
entendimentos diversos sobre a sociedade, o mundo do trabalho e o trabalho em si.
Entendendo que um dos objetivos do ensino médio é a preparação para o trabalho, cada
projeto buscará colocar em prática ações que traduzem e constituem significado aos
professores, à didática, ao currículo, aos professores, alunos que por vezes se
aproximam e por vezes se distanciam e até se antagonizam.
Nesta análise, observamos a produção de políticas do projeto Lula/Dilma
semelhante ao projeto FHC quando prescreve os conteúdos a serem ensinados e as
competências e habilidades a serem aprendidas, assim como a didática (metodologias
pedagógicas) que ajudaram no alcance dos objetivos de ensino. Ambos projetos
enfatizam a centralidade do papel do professor no desenvolvimento do currículo em sala
de aula, na busca por metodologias que despertem o interesse do aluno e na avaliação da
aquisição de competências e na avaliação como controle de qualidade do trabalho do
professor.
Os projetos buscam à sua maneira realizar uma releitura da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (BRASIL, 1996) e antagonizam-se em outras questões. O projeto
FHC apresenta um contexto que chama de mundo de trabalho de grande mutabilidade,
com volume grande de informações e que se supera rapidamente, e regras mais austeras
de competição do aluno em formação para inserção no trabalho. A formação em
competências é o centro do projeto FHC. Essas competências são colocadas como a
chave do sucesso para competir num ambiente cada vez mais difícil de acompanhar
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(devido ao avanço tecnológico veloz). Ainda que a educação seja colocada como
primordial para a aquisição de competências para que se possa concorrer a boas
colocações no mundo do trabalho, esta não é garantia, pois o mundo do trabalho em sua
dinâmica requer do aluno a capacidade de estar em constante aprendizagem e gestão da
profissão para superação de contextos de desemprego, subemprego e miséria.
O projeto Lula/Dilma amplia e complexifica o contexto que o aluno está inserido
desde já na educação básica, sem focar o trabalho como algo futuro a ser adquirido após
a aquisição de competências. Há uma grande ênfase na formação política do aluno,
inclusive reconhecendo-se que a própria produção de currículo já é uma ação política. O
avanço tecnológico e a necessidade de adquirir competências para lidar com este avanço
está colocado, porém tais competências não devem ser limitadas às questões de
aplicabilidade no mundo do trabalho e na solução de problemas da comunidade, visto
que variados conteúdos e disciplinas são importantes para a construção de uma noção de
humano como produção cultural, artística, linguística, etc. que não necessariamente
atendem às demandas urgentes de formação para o trabalho, mas que formam o aluno
para atuar na vida, considerando-se diversos espaços sociais que não nomeamos espaços
de trabalho.
Aqui pensaremos a política de currículo numa perspectiva discursiva. Portanto a
ideia não será pensar políticas de currículo defendendo uma agenda política crítica
centrada em fundamentos econômicos e estrutura de classe para então pensar a
educação e o currículo como luta contra o capitalismo por meio da formação de agentes
que transformarão o social (LOPES, 2014, p.45). Também não se trata de um abandono
das lutas históricas das políticas de currículo por adotar um pensamento
desconstrucionista e questionador da possibilidade de uma política contra-hegemônica,
cujo fundamento seja capaz de formar um coletivo “nós, os seres humanos”, “nós, os
trabalhadores” e criticar os processos de exclusão e lutar pela justiça social (LOPES,
2014, p. 47).
Adotaremos então, para entender políticas de currículo, a posição de contestar a
ideia de um conhecimento que esteja desvinculado do poder e construído de um lugar
privilegiado, que não faz parte das relações sociais que o comprometem com diferentes
interesses e marcos culturais. De acordo com Lopes (2014) concebemos “os projetos
curriculares como híbridos e identitariamente descentrados, enunciados sempre a partir
de uma simultânea negociação com o outro” (p. 48), sem determinações econômicas ou
culturais. Para Lopes (2014), sem a predefinição dos horizontes e dos fundamentos
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podemos ampliar as possibilidades de um currículo político. Esta perspectiva entende as
decisões políticas como contingentes, e não adota um fundamento como a “razão
correta e definitiva para organizarmos o currículo de uma determinada maneira” (idem,
p. 48-49).
Políticas de currículo em discussão
A política de currículo não está restrita às instituições constituídas na tentativa
de regular a atividade curricular, mas é todo processo de significação do currículo.
Todo processo de significação de o que vem a ser conhecimento
escolar, ciência, saber, mercado, trabalho, cultura, avaliação,
conteúdo, disciplina, escola, dentre outros tantos significantes, institui
sentidos para a política, ao mesmo tempo que todos esses significantes
estão abertos à possibilidade de serem traduzidos, suplementados.
Escrever textos acadêmicos, produzir documentos curriculares,
produzir projetos político-pedagógicos nas escolas, dar aulas em todos
os níveis, realizar práticas curriculares são momentos dessa política de
significação detida por pontos nodais capazes de assegurar a
articulação discursiva (LOPES, 2014, p. 53).
Desta forma não existem fundamentos que definam de uma vez o que
denominamos sociedade, existem significações em disputa do que vem a ser o social, a
escola, o currículo (LOPES, 2014, p. 54). Entendemos a política de currículo como luta
pela significação do que vem a ser currículo. As propostas curriculares do governo FHC
e do governo Lula/Dilma buscam uma identidade para o currículo da educação básica.
São propostas que se supõem nacionais, a partir da estabilização do conceito de nação –
território, espaço simbólico, cultural (LOPES, 2015, p. 448).
Além disso, a política é construída por articulações de demandas. Há demandas
que são tornadas equivalentes frente a um exterior que as ameaça e no caso das políticas
de currículo,
é possível afirmar que são decorrentes de diferentes articulações entre
demandas representadas como advindas de comunidades disciplinares,
equipes técnicas de governo, empresariado, partidos políticos,
associações, instituições e grupos/movimentos sociais os mais
diversos. Por intermédio das articulações entre essas demandas
diferenciais, grupos políticos são organizados, significações de
currículo são instituídas. Um dos possíveis exemplos dessas lutas é a
que se organiza em torno dos sentidos de qualidade da educação
(MATHEUS & LOPES, 2014 apud LOPES, 2015, p. 449).
Os significados dados a currículo estão perpassados também pelas articulações
de demandas, vide o caso das avaliações nacionais presentes em ambos projetos
analisados na busca pelo controle do trabalho do professor em sala de aula. Tais não
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dependem de uma essência objetiva, tal qual “planejamento, lista de conteúdos, saberes
legitimados ou luta pela significação da cultura, [pois] isso também depende de
articulações discursivas, não de uma propriedade intrínseca a um objeto” (idem).
A compreensão de currículo a ser adotada nesta análise é discursiva e numa
perspectiva discursiva, não nos limitamos a entender discurso como aquilo que se fala
ou se escreve, mas também enquanto prática de significação. Significar no sentido de
defender a realidade compreendida discursivamente. Por exemplo, considerar a floresta
amazônica como
o pulmão do mundo ou o empecilho ao desenvolvimento regional ou
mera fonte de madeira a ser convertida em dinheiro depende de
articulações discursivas que produzem tal significação e com isso
também produzem práticas e efeitos sociais, produzem sujeitos e
contextos políticos: o defensor e a defesa do meio ambiente; o político
desenvolvimentista e a concepção desenvolvimentista; a extração de
madeira e o explorador do extrativismo da madeira, dentre outros.
(LOPES, 2015, p. 449).
Para Lopes (2015) apostar no enfoque discursivo para entendermos políticas de
currículo significa negociar com uma série de tradições e registros estruturados com e
pelos quais somos e fomos formados e que são incorporados à educação.
Na produção dos documentos oficiais, na produção de políticas de currículo
precisamos considerar que demandas diversas estão sendo articuladas. Portanto, é
importante entender que a referência feita a FHC e Lula/Dilma não pode ser restrita aos
nomes das pessoas e dos governos porque, como já colocamos acima, ambos os
governos são contextos em que políticas foram produzidas. Portanto compreendem
articulações políticas, que inclusive antagonizam entre si (FHC verso Lula/Dilma) e são
resultado de um conjunto de práticas articulatórias que constituem projetos de poder que
se possibilitam e se impossibilitam mutuamente (CRAVEIRO & LOPES, 2015).
Projeto FHC X Projeto Lula/Dilma: sentidos para trabalho no ensino médio
brasileiro.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999a, 1999b, 1999c, 1999d)
são apresentados como produção que partiu da leitura da Lei de Diretrizes e Bases
(BRASIL, 1996) feita em conjunto com educadores de todo o Brasil e resultando
portanto no que o Ministério da Educação chamou de “novo perfil para o currículo” que
associa a educação básica do ensino médio à aquisição de “competências básicas para a
inserção de nossos jovens na vida adulta” (BRASIL, 1999a, p.5).
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O novo ensino médio faz parte de uma política mais geral apresentada como
“uma política de desenvolvimento social que prioriza ações na área da educação” para
“superar o quadro de extrema desvantagem em relação aos índices de escolarização e
conhecimento” em comparação aos países desenvolvidos (BRASIL, 1999a, p. 5).
A reforma faz parte de um movimento mais amplo pelo qual também passam
outros países da América Latina e é justificada pela ruptura tecnológica, chamada de
terceira revolução técnico-industrial, com avanços na microeletrônica que coloca o
conhecimento como algo primordial ao acompanhamento da revolução informática e
consequente incorporação das novas tecnologias. De modo que “não se trata de
acumular conhecimentos” (BRASIL, 1999a, p. 5), mas que a formação do aluno deve
ter como alvo a aquisição de conhecimentos básicos, isto é, “o desenvolvimento de
capacidades de pesquisar, buscar informações, analisa-las e seleciona-las; a capacidade
de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de memorização” (idem).
Tal reforma também é justificada neste documento pelo crescimento do número
de matrículas, inclusive, sugerindo que essa procura se deva “a compreensão sobre a
importância da escolaridade, em função das novas exigências do mundo do trabalho”
(BRASIL, 1999a, p. 6).
O ensino médio deve consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no
ensino fundamental, garantindo a preparação básica para o trabalho e a cidadania e dotar
o educando de instrumentos que permitam continuar aprendendo “tendo em vista o
desenvolvimento da compreensão dos „fundamentos científicos e tecnológicos dos
processos produtivos‟” (BRASIL, 1999a, p. 9-10). O ensino médio seria então uma
preparação básica para integração ao mundo do trabalho, para a aquisição de
competências que garantam o aprimoramento profissional e que permitam acompanhar
as mudanças características do mundo do trabalho (idem). Admite-se uma
correspondência direta entre as competências exigidas para o exercício da cidadania e
para as atividades produtivas.
Mas a aquisição das competências desejáveis não garante a homogeneização das
oportunidades sociais pois deve se levar em consideração a desigualdade estrutural entre
os que trabalham em atividades simbólicas cujo conhecimento é colocado como o
principal instrumento, os que trabalham em atividades tradicionais e os que estão
excluídos (em situação de desemprego). Essa desigualdade estrutural é justificada pela
expansão da economia pautada no conhecimento. Em linhas gerais são a
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capacidade de abstração, do desenvolvimento do pensamento
sistêmico, ao contrário da compreensão parcial e fragmentada dos
fenômenos, da criatividade, da curiosidade, da capacidade de pensar
múltiplas alternativas para a solução de um problema, ou seja, do
desenvolvimento do pensamento divergente, da capacidade de
trabalhar em equipe, da disposição para procurar e aceitar críticas, da
disposição para o risco, do desenvolvimento do pensamento crítico, do
saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimento”
(BRASIL, 1999a, p. 11-12).
Os PCN sugerem que a escola acompanhe os avanços tecnológicos, que esteja
atenta à rapidez com que as informações são geradas e superadas, o que exige uma
atualização contínua e atenção às novas exigências para a formação (BRASIL, 1999a, p.
12-13).
A nova organização curricular do ensino médio também é justificada devido ao
novo significado do trabalho no contexto da globalização. Os estudantes devem ser
capazes de continuar aprendendo e para isso, a educação deve ter como estrutura as
seguintes competências: aprender a conhecer (a aquisição de saberes pressupõe
compreender o real e tornar-se autônomo na capacidade de discernir. O aprender a
conhecer é colocado como a garantia do aprender a aprender, como um passaporte para
a educação permanente), aprender a fazer, aprender a viver (desenvolver a habilidade de
viver junto e conhecer o outro, realizar projetos comuns e gestão de conflitos) e
aprender a ser (BRASIL, 1999a, p. 14-16).
As discussões sobre conteúdo e competências a serem alcançadas estão
organizadas nas áreas de conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,
Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas
Tecnologias (BRASIL, 1999a, 1999b, 1999c, 1999d). Assim, segue o documento
apresentando separadamente por disciplina, as habilidades e competências a serem
adquiridas, listadas como objetivos a serem alcançados. Antes de cada lista de
competências e habilidades de cada disciplina há um texto que explica que
determinados assuntos e conteúdos são necessários e devem ser abordados no ensino de
tal disciplina. Alem disso, sugere-se que este ou aquele conteúdo seja desenvolvido por
um método específico (por exemplo, a diversidade de seres vivos – seja na zoologia,
seja na botânica – o enfoque adequado seria o evolutivo-ecológico) e que alguns
destaques devem ser dados quando um determinado assunto for abordado (BRASIL,
1999a, 1999b, 1999c, 1999d).
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006a, 2006b,
2006c) são apresentadas como produto de ampla discussão com equipes dos Sistemas
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Estaduais de Educação, professores e alunos da rede pública e representantes da
comunidade acadêmica que têm o objetivo de contribuir para o diálogo entre professor e
escola sobre prática docente (idem, p. 6). O documento preconiza a questão da
qualidade da escola como tarefa de todos e condição essencial para inclusão e
democratização das oportunidades no Brasil. Para garantir a democratização do acesso e
da permanência na educação básica o documento diz que o governo federal criou o
FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação) como ação política que prioriza o interesse
pela educação publica de qualidade.
Outra proposta apresentada pelo documento como ação política para a criação de
uma nova identidade ao ensino médio foi a instituição do PRODEB (Programa de
Equalização das Oportunidades de Acesso à Educação Básica) e implementação do
PNLEM (Programa Nacional do Livro do Ensino Médio) e publicação de livros para os
professores pela Secretaria de Educação Básica do MEC como o fim de apoiar o
trabalho científico e pedagógico em sala de aula (BRASIL, 2006a, 2006b, 2006c, p. 5).
Acrescenta-se nesta apresentação das Orientações Curriculares a oferta da formação
inicial e continuada pelas Secretarias de Educação e instituições de ensino superior para
a formação de professores com a implantação do Pró-Licenciatura, ProUni (Programa
Universidade para Todos) e da Universidade Aberta do Brasil.
Por fim entende-se a sociedade atual como complexa visto que requer
aprendizagem autônoma e contínua e que o documento não se caracteriza como um
manual ou cartilha final mas um apoio à reflexão docente como estimulo à revisão das
práticas pedagógicas para a melhoria do ensino (idem, p. 5-6).
O documento diz que
a política curricular deve ser entendida como expressão de uma
política cultural, na medida em que seleciona conteúdos e práticas de
uma dada cultura para serem trabalhados no interior da instituição
escolar. Trata-se de uma ação de fôlego: envolve crenças, valores e, às
vezes, o rompimento com práticas arraigadas (BRASIL, 2006a,
2006b, 2006c, p. 8).
As Orientações Curriculares foram produzidas a partir da necessidade expressa
de debates com gestores de Secretarias Estaduais de Educação, pesquisadores (nas
universidades) que discutem o ensino de disciplinas e como demanda para discussão
dos PCNEM em questões que precisavam ser aprofundadas e na oferta de alternativas
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didático-pedagógicas para a organização do trabalho pedagógico e estrutura ao do
currículo do ensino médio. No documento, o texto diz que o currículo é
a expressão dinâmica do conceito que a escola e o sistema de ensino
têm sobre o desenvolvimento dos seus alunos e que se propõe a
realizar com e para eles. Portanto, qualquer orientação que se
apresente não pode chegar à equipe docente como prescrição quanto
ao trabalho a ser feito (BRASIL, 2006a, 2006b, 2006c, p. 8).
Cada disciplina traz uma discussão introdutória justificando a importância de sua
existência no currículo do ensino médio. Em geral, os textos dão uma breve noção da
construção histórica da disciplina e alguns contextos da atualidade em que os conteúdos
estão presentes. São discutidas questões relativas à preparação para o trabalho, ao
enfrentamento do cotidiano, a apropriação de determinadas linguagens para a vida em
sociedade, de maneira que a discussão é feita (em grande parte) estabelecendo diálogo
com os PCN (apontando falhas como o papel dado à disciplina (um caráter restrito à
preparação para exames vestibulares, aplicabilidade no mercado de trabalho e na
soluções e problemas), a falta de orientação (como fazer, exemplos), propostas e
sugestões norteadores de didática aos professores e ausência de debates da atualidade
sobre questões relativas à própria disciplina). Sugerem, por exemplo, repensar a
importância das disciplinas no quesito aplicabilidade para a formação para o trabalho e
o exercício da cidadania. Discutem que é preciso pensar sobre a tal aplicabilidade visto
que criações poéticas, por exemplo, são criações também artísticas sem caráter de
aplicabilidade imediata para o trabalho, porém, ainda assim são importantes no
letramento literário do aluno do ensino médio pois fazem parte da produção cultural da
sociedade. As disciplinas e seus conteúdos seriam instrumentos de aprendizagem que
fornecem ao aluno recursos intelectuais para a vida pública (BRASIL, 2006a, 2006b,
2006c).
As competências a serem adquiridas não aparecem listadas como nos PCN mas
são explicadas e discutidas ao longo do texto que as apresenta discutindo-se a
metodologia, o contexto (sociedade, mundo do trabalho, produção cultural) em que se
inserem e sugerindo que as disciplinas podem ser pensadas num grande número de
espaços e contextos sociais. O trabalho é uma delas.
O aluno deve ser pensado como ator político, para que não esteja limitado à
aquisição da competência de saber ler e escrever, por exemplo, mas de entender as
construções políticas da própria língua e seus usos diversos e trajetórias de construção
(BRASIL, 2006a, 2006b, 2006c).
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Considerações finais
Ambos os projetos identificam a educação como instrumento importante para
construção de uma ideia de Nação. Na produção de políticas de currículo buscam
atender a demandas sociais de educação, emprego, formação profissional para indústria,
serviços, etc. Além disso, entendem que a identidade do ensino médio está também
definida pelos objetivos e prescrições feitas nos documentos curriculares. O trabalho é
significado como parte do contexto social, importante para a inserção do aluno na
sociedade. A educação no ensino médio em ambos os projetos deve ser controlada por
avaliações nacionais e o professor é peça central no desenvolvimento do currículo em
sala de aula.
O projeto FHC caracteristicamente neoliberal responsabiliza os professores e os
alunos pela aquisição de competências para o enfrentamento do mundo do trabalho,
qualificado como austero e difícil de superar mesmo com a aquisição das habilidades e
competências sugeridas nos documentos oficiais. O trabalho está localizado em um
contexto apresentado como algo futuro a ser alcançado pelos alunos em formação na
ultima etapa do ensino médio. A formação de um bom trabalhador diz respeito a um
sujeito que aprende a aprender e coloca-se em contínua aprendizagem para lidar com o
constante mutável mundo do trabalho cuja quantidade de informações é enorme e que se
superam facilmente e rapidamente. A conclusão do ensino médio não é garantia de bons
empregos e a empregabilidade está relacionada à habilidade do aluno em lidar com a
flexibilidade e demandas de formação contínua e especializada do mundo do trabalho.
O projeto Lula/Dilma assume que a formação educacional é ser capaz de atuar
em amplos e diversos espaços sociais. O trabalho é significado como parte importante
na construção social e a formação para o trabalho como parte da educação, um objetivo
colocado para este nível de ensino sem que haja centralidade do aluno na
responsabilização pela gestão de sua empregabilidade. A ênfase é dada na formação de
um sujeito para agir politicamente que pense a sociedade em sua complexidade. O
trabalho também aparece como responsabilidade do governo federal e não como algo da
estrutura social em que os alunos competirão passivamente para se inserirem, mas que
pode ser construído com ações políticas (do próprio governo federal) como programas
para oportunizar a entrada dos jovens no mundo do trabalho e na continuação dos
estudos para especialização em níveis mais elevados de educação.
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Os projetos curriculares de ambos os governos defendem a formação de
identidades para o estudante do ensino médio brasileiro. Os sentidos buscam fixar
(provisoriamente) um perfil de estudante e um contexto social em que o trabalho é
significado. Os significados dados a trabalho estão perpassados por discursos cujas
políticas de currículo de ambos projetos significam em suas práticas. Para tanto não
basta estarmos limitados ao que diz as linhas gerais dos documentos oficiais, mas os
discursos pelos quais estão perpassados e que dão significado a escola, a currículo, a
educação, a professor, aluno, trabalho e mundo do trabalho.
Referências
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1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso
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“[...] do que poderá vir a ser a Base Nacional Comum” (BRASIL, 2014). Disponível em
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio Acesso em: 02.fev.16. ii Quanto a essa discussão, ver Lopes e Macedo (2011), capítulo 1 – Currículo.
iii Na organização curricular do EMND/RN, a distribuição da carga horária do professor é a seguinte: 30
horas / semanais, sendo 20 horas em sala de aula; 04 horas de aulas com atividades complementares (para
projetos interdisciplinares planejados e desenvolvidos durante as aulas presenciais) e 06 horas –
atividades; aulas de 90 minutos (que equivalem a 02 aulas de 45 minutos) sem intervalo totalizando 03
horas diárias. iv Sobre o hibridismo/recontextualização , ver Lopes (2008).
v Disponível em: http://www.rn.gov.br/imprensa/noticias/programa-estadual-vai-orientar-politica-
nacional-do-mec-para-o-ensino-medio-noturno/13304/ (Programa Estadual vai orientar política
nacional do MEC para o Ensino Médio noturno) 28 de novembro de 2012. vi Pedagoga, mestre em educação (UERJ, ProPEd), doutoranda em educação (Universidade do Estado do
Rio de Janeiro – UERJ; Programa de Pós-Graduação em Educação – ProPEd); Integrante da linha de
pesquisa: Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura (ver em: <http://www.proped.pro.br/> e em:
<http://www.curriculo-uerj.pro.br/>).
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11857ISSN 2177-336X