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POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA O ENSINO MÉDIO: „TRABALHO‟ E „LEITURA‟, SIGNIFICANTES EM DISPUTA Na investigação das políticas de currículo para o ensino médio, busco analisar os significados dado a trabalho pelas políticas do governo FHC (Fernando Henrique Cardoso, período de 1995 a 2002) e pelo governo Lula/Dilma (Luiz Inácio Lula da Silva, período de 2003 a 2010 e Dilma Rousseff, período de 2011 à atualidade). Com este objetivo, tenho analisado os documentos oficiais chamados Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM como principal documento das políticas para um projeto educacional do governo FHC e as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - OCNEM como principal documento do governo Lula/Dilma. Entendo tais documentos como parte importante da produção de políticas do projeto educacional dos referidos governos, dada a expressividade destes documentos devido a grande circulação no país, número significativo de estudos gerados na área da educação e como parte importante na produção de políticas de currículo. Os documentos oficiais prescrevem como deve ser a educação básica, qual o papel do ensino médio, sugerem conteúdos e metodologias para consecução dos objetivos de seus projetos de nação e educação e como produções discursivas instituem significados sobre a sociedade, o mundo do trabalho e o trabalho em si. Assumindo que um dos objetivos do ensino médio é a preparação para o trabalho, cada projeto buscará colocar em prática ações que dão significado à educação que por vezes se aproximam e por vezes se antagonizam. Na produção dos documentos oficiais está incluído o processo de significação do que vem a ser conhecimento escolar, didática, ciência, saber, mundo do trabalho, trabalho, cultura, avaliação, conteúdo, disciplina, dentre outros, porque não existem fundamentos que definam de uma vez por todas o que denominamos sociedade, ou educação, ou escola. Existem significações em disputa do que vem a ser o social, a escola, o currículo, a didática. Palavras-Chave: Políticas de Currículo, Ensino Médio, Trabalho. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 11821 ISSN 2177-336X

POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA O ENSINO MÉDIO: „TRABALHO‟ … · 2018. 3. 24. · enquanto capazes de expressar o sentido central da intenção formativa para o alunado brasileiro

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POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA O ENSINO MÉDIO: „TRABALHO‟ E

„LEITURA‟, SIGNIFICANTES EM DISPUTA

Na investigação das políticas de currículo para o ensino médio, busco analisar os

significados dado a trabalho pelas políticas do governo FHC (Fernando Henrique

Cardoso, período de 1995 a 2002) e pelo governo Lula/Dilma (Luiz Inácio Lula da

Silva, período de 2003 a 2010 e Dilma Rousseff, período de 2011 à atualidade). Com

este objetivo, tenho analisado os documentos oficiais chamados Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM como principal documento das

políticas para um projeto educacional do governo FHC e as Orientações Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio - OCNEM como principal documento do governo

Lula/Dilma. Entendo tais documentos como parte importante da produção de políticas

do projeto educacional dos referidos governos, dada a expressividade destes

documentos devido a grande circulação no país, número significativo de estudos

gerados na área da educação e como parte importante na produção de políticas de

currículo. Os documentos oficiais prescrevem como deve ser a educação básica, qual o

papel do ensino médio, sugerem conteúdos e metodologias para consecução dos

objetivos de seus projetos de nação e educação e como produções discursivas instituem

significados sobre a sociedade, o mundo do trabalho e o trabalho em si. Assumindo que

um dos objetivos do ensino médio é a preparação para o trabalho, cada projeto buscará

colocar em prática ações que dão significado à educação que por vezes se aproximam e

por vezes se antagonizam. Na produção dos documentos oficiais está incluído o

processo de significação do que vem a ser conhecimento escolar, didática, ciência,

saber, mundo do trabalho, trabalho, cultura, avaliação, conteúdo, disciplina, dentre

outros, porque não existem fundamentos que definam de uma vez por todas o que

denominamos sociedade, ou educação, ou escola. Existem significações em disputa do

que vem a ser o social, a escola, o currículo, a didática.

Palavras-Chave: Políticas de Currículo, Ensino Médio, Trabalho.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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LEITURA E ENSINO MÉDIO: PRÁTICAS DISCURSIVAS DISPONÍVEIS NA

PLATAFORMA CAPES 2004 -2014

Geniana dos Santos – SEDUC/MT e UNIVAG/MT

Denise de Souza Destro – PROPED – FMG - PJF

RESUMO

Este trabalho problematiza os sentidos para leitura e Ensino Médio nas produções

disponíveis na Plataforma Capes, no período de 2004 -2014, e como tais sentidos

projetam políticas de leitura ao jovem estudante da Educação Básica. Como estratégia

analítica utilizamos a Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe (1985), assim como a

Teoria de Currículo de Lopes e Macedo (2011). A partir do estudo foi possível

compreender que as demandas mais focalizadas para essa etapa do Ensino Básico

gravitam em torno dos significantes como Emancipação e Transformação, existindo um

deslocamento atual dessa significação para os significantes Acesso e Direito. Tais

termos sustentam uma luta discursiva sobre a crise leitora e democratização.

Interpretamos que tais demandas mobilizam um processo articulatório entre diferentes

perspectivas teóricas, quais sejam, linguística cognitiva, sócio-histórica, letramento e

sociologia da leitura. No processo articulatório em questão, parece existir um corte

antagônico que acaba por excluir a perspectiva cognitiva de leitura para fora da cadeia

de significação, confrontando assim, habilidade pessoal e processo de interação. No que

se refere à presença de um ponto nodal, interpretamos que a noção de mediação

necessária para a efetiva aprendizagem da leitura mostra-se estabilizada e hegemônica,

aludindo a ineficiente formação dos professores para a formação leitora no Ensino

Médio. Parece existir uma centralidade na noção de letramento literário como garantidor

do direito ao conhecimento, significado que se desloca para a noção de repertório

literário.

Palavras Chave: Leitura. Ensino Médio. Teoria do Discurso.

Introdução

Ao buscarmos sentidos para Leitura nos discursos que circulam e se entrecruzam

no âmbito social nos deparamos com significações relativas à possibilidade de

emancipação do sujeito, geralmente atrelada às mais diferentes ações educacionais.

Nessa perspectiva, ler é expresso como um instrumento de democratização, de

superação das adversidades socialmente postas aos indivíduos (SOARES, 2008). Tais

significados são produzidos em um cenário de falta, reiteradamente respaldado pelos

índices de fracasso escolar, e apresentados pelas avaliações nacionais, estabilizando

uma produção discursiva vazia sobre a leitura, conforme afirmam Paiva (2008), Soares

(2008), Martins e Versiani (2008).

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Concordamos com Abreu (1998, p. 15) quando afirma que “[...] a leitura não é

prática neutra. Ela é campo de disputa, é espaço de poder”. A leitura mesmo sendo

significada como uma atividade positiva para formação do indivíduo, também é

regulada, categorizada e circunscrita aos aspectos normativos de “aquisição” e

aprendizagem de um conhecimento específico, de determinados valores culturais

considerados válidos.

Entendemos que, tanto a escola quanto a disciplina literária são marcadas por

esse intento de construir um sujeito moderno, lúcido, capaz de participar de um novo

modelo social de trabalho, o moderno. A respeito disso, Mello (2009) argumenta que o

surgimento do gênero romance foi fundamental para que a literatura pudesse transitar

pela escola como aquela que possuiria a função de humanizar os sujeitos da

escolarização. Um tipo de leitura era preconizada, a que remetia aos clássicos, a

denominada de boa literatura, a que pudesse fazer parte de um repertório ideal,

condensado pela noção de cultura (MELLO, 2009).

Argumentamos que tais práticas discursivas são reativadas nas políticas

curriculares hodiernas, e que, de certa forma, o jogo político de linguagem possibilita

que a disputa por significação esteja sempre aberta. Nesse sentido, rastros dessas

significações estão presentes nas discussões atuais sobre leitura.

Em análise acerca dos documentos que influenciam a política curricular, Lopes

(2008) destaca a forma como determinados conteúdos/conhecimentos são assumidos

enquanto capazes de expressar o sentido central da intenção formativa para o alunado

brasileiro. A autora chama atenção para o mercado de trabalho enquanto demanda que

regula sentidos para o Currículo no Ensino Médio.

Macedo (2006), em um levantamento sobre os principais discursos conectados

ao conceito de Currículo no Brasil, aponta para a centralidade do conhecimento

assumido por perspectivas críticas como capaz de assegurar a redução das assimetrias

sociais, contrastando à compreensão de um Currículo defendido por culturalistas. A

autora problematiza que em alguns casos, até mesmo a defesa por um Currículo

multicultural está associada à socialização de conhecimentos entendidos como capazes

de reduzir as desigualdades socialmente postas aos grupos minoritários.

Práticas discursivas sobre a falta de leitura têm conectado escola e conhecimento

como elementos produtores de identidades plenas, críticas e emancipadas.

Compreendemos que tal hegemonização/naturalização seja devedora de uma noção de

fundamento que o conhecimento escolar representa/metaforiza, bem como de um

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entendimento que posiciona a leitura como estratégia privilegiada para aquisição de

conhecimento.

Assumindo que a tematização do conhecimento tem sido algo central para o

campo curricular, bem como para o entendimento de uma projeção de identidade leitora,

problematizamos tais concatenações, especialmente no tocante ao conteúdo disciplinar

literário. O mesmo, entendido como fundamento para a identidade leitora no Ensino

Médio, significado que provoca um tensionamento entre a identidade do jovem

trabalhador e do futuro acadêmico.

Neste trabalho, problematizamos a política de leitura como projeção do

complexo discursivo. Optamos por considerar a estrutura discursiva acerca da crise de

leitura permeada pela falta como algo que projeta e endereça políticas de leitura,

bloqueando alguns sentidos sobre o jovem leitor e oportunizando outros.

Desse modo, objetivamos discutir o processo articulatório que essencializa a

identidade leitora para o aluno do Ensino Médio a partir de elementos como literatura,

livro, letramento. Apoiamo-nos nas reflexões que assumem uma compreensão

descentrada de política e entendem o currículo como luta por significação (LOPES e

MACEDO, 2011).

Teoria do discurso – estratégia analítica

A partir da Teoria Política do Discurso de Ernesto Laclau (1985), inscrita em

uma perspectiva pós-estrutural, que assinala para toda identidade política a constituição

por meio de uma negatividade, de um antagonismo, procuramos desestabilizar as

práticas discursivas que tendem a essencializar o aluno leitor. Entendemos que em

resposta ao discurso de falta de leitura, de falta de habilidade para a leitura, os sentidos

para a identidade leitora são contingencialmente negociados e estabilizados (CUNHA,

2015).

A Teoria do Discurso problematiza o processo de significação a partir da

relação entre necessidade e contingência. Nesta teoria, três níveis se destacam, quais

sejam: significantes flutuantes; ambiguidade e radicalização da contingência. No

primeiro nível, os significantes flutuantes permitem uma significação imprecisa acerca

de um dado objeto, possibilitando a articulação entre diferentes práticas discursivas. No

segundo nível, a ambiguidade não possibilita que nenhum sistema hegemônico possa

impor-se de forma definitiva. No terceiro nível, percebemos a impossibilidade de

completude e o sentido da contingência para uma significação contextualmente situada.

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O significante vazio, conforme define Laclau (2011, p. 68), surge da

impossibilidade de fechamento da significação, caracterizado como uma interrupção,

subversão na estrutura do signo. Cada significante vazio, desprovido de um conteúdo

fechado, definido, será um nome capaz de articular diferentes demandas, de representá-

las. Para Laclau (2013), o vazio surge logo após a constituição de cadeias de

equivalência, como uma imprecisão característica da própria natureza do político. Um

ponto nodal, posicionado por uma particularidade privilegiada na cadeia de significação,

consegue transcender suas particularidades e, no processo de negociação, projeta uma

significação potente para o enfrentamento do Antagônico.

No entendimento de Laclau (2013), são as demandas que possibilitam os

processos de identificação, os mesmos serão estruturados pela relação de diferença e

equivalência em que há uma oposição à algo ou alguém. A identificação está pautada

em uma lógica do laço social, em que um determinado indivíduo abre mão de suas

particularidades na tentativa de assumir um ideal maior. Na cadeia significante, e

pensando nas particularidades, esse ideal poderia ser representado pela noção de

Universal.

Conforme Laclau (2011, p. 97), “[...] os discursos que tentam fechar um

contexto em torno de certos princípios e valores serão confrontados e limitados por

discursos de direitos, que tentam limitar o fechamento de qualquer contexto. Pensar o

contexto é pensar a identidade diferencial, retirando o foco da essência de cada

identidade e dando ênfase a relação diferencial estabelecida entre as identidades.

Nesse entender, a categoria Discurso tem como centralidade a relação. Esta, não

pode ser significada por dimensões da fala e da escrita, mas sim, como “território” de

construção da objetividade, como conjuntos de elementos em que as relações assumem

um papel constitutivo (LACLAU, 2013, p. 116).

Procedimentos de organização do material empírico

Este estudo foi desenvolvido entre janeiro e setembro de 2015 a partir de

levantamento na Plataforma de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (Capes) e Biblioteca Digital Brasileira de Dissertações e Teses (BDTD) em um

período que compreende 2004 até 2014. Para tal, utilizou-se como meio de busca o

mote Leitura e Ensino Médio.

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A estratégia de busca visava a estabelecer um panorama dos estudos sobre

leitura capaz de delinear os campos de inserção, sua orientação teórica e as concepções

de leitura que sustentavam. Após tal exercício, foi possível compreender que os estudos

que tematizavam leitura e ensino médio estavam circunscritos à áreas específicas do

contexto educacional, quais sejam, Pedagogia e Letras.

Após o trabalho de construção do corpus, optou-se pela separação do material de

análise. Neste estudo, constam as reflexões acerca do material advindo do levantamento

na Plataforma Capes. O material ora analisado é composto por quatorze textos, sendo os

mesmos, artigos, dissertações e tese. Tais trabalhos foram desenvolvidos em programas

de pós-graduação localizados no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do

Sul.

A análise do material empírico se deu a partir de duas questões que partem de

nossa intepretação sobre as políticas de leitura para o Ensino Básico brasileiro. A

primeira delas procura refletir sobre a ampla discussão dessa temática no Ensino

Fundamental a partir de condensações ligadas ao prazer e à ludicidade. A segunda,

procura entender a relação Leitura e Ensino Médio, problematizando a hegemonia de

algumas significações ligadas ao mercado de trabalho.

No tocante à segunda questão, argumentamos que as expectativas de

aprendizagem no Ensino Médio estejam sustentadas por significações diversas das

construídas para a primeira fase do Ensino Básico e tendem a destacar uma dualidade

em que ou o aluno se prepara para o mercado de trabalho, necessitando de um

letramento baseado especialmente nas mídias e na tecnologia, ou o aluno se prepara

para o vestibular, precisando assim, de um repertório cultural condensado pelo

significante „letramento literário‟.

As problemáticas decorrentes dessa condensação são aglutinadas pelas noções

de Acesso e Direito ao conhecimento, seja para superação da exclusão social, mediante

o emprego, seja a inclusão ao contexto universitário. Esta proposta de trabalho visa

discutir tais significantes como significantes que se esvaziam para ocupar um lugar

privilegiado na cadeia de significação.

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Discussão e Resultados

A partir das práticas discursivas sobre Leitura e Ensino Médio, torna-se possível

entender que existem suportes privilegiados para que a aprendizagem da leitura ocorra.

A noção de gêneros textuais mostra-se central para a construção do conhecimento do

aluno/leitor. Tal noção hibridiza-se com elementos da sociologia da leitura e resguarda a

possibilidade de interação e mediação.

A figura do docente enquanto aquele que não possui formação para exercer a

mediação torna-se recorrente nos estudos ora analisados. Tais considerações dizem

respeito ao desconhecimento de um repertório literário por parte do professor, o que nas

práticas discursivas estudadas, torna a mediação uma atividade necessária, contudo,

impossível.

A ideia de que o letramento literário, de forma gradativa e cumulativa,

oportuniza a ampliação dos horizontes e, por conseguinte, a emancipação, mostra-se

algo bastante frequente nos textos analisados. O princípio da autoria, que, em uma

perspectiva textual, consistiria em preencher os sentidos nos espaços vazios do texto,

aparece como uma demanda a ser defendida para o leitor do Ensino Médio. Tal

posicionamento aparece em contraposição à compreensão de extração de significados

do texto, algo sustentado por correntes tradicionais da teoria literária.

A leitura passa a ser significada enquanto meio de aquisição de conhecimentos

básicos, enquanto forma ideal para a ampliação de conhecimentos já existentes,

especialmente no sentido de construir competências necessárias para responder às

demandas do mundo do trabalho. Para isso, faz-se referência ao artigo 35 da LDB

9.394/96 que diz sobre as finalidades do Ensino Médio.

A ideia de um campo literário, bem como o lugar do sujeito leitor como produtor

de sentidos são defendidos em uma perspectiva cultural. As experiências de leitura

realizadas na França assumem um lugar legitimado para o sentido de intervenção na

formação leitora. Nesse entender, a centralidade no leitor é assumida em detrimento à

compreensão mais formal e técnica de leitura, indicando que texto e leitor estão

relacionados de forma singular.

As práticas escolares são revisitadas na tentativa de uma mensuração da

efetividade da escola em formar leitores. A literatura passa a ser considerada como

potencialmente transformadora do universo social do aluno, que, por meio da literatura,

passa a apropriar-se de bens culturais. A base da recepção, nas práticas discursivas

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analisadas, se dá de forma cumulativa e com vistas à participação no contexto de trocas

simbólicas.

A noção de letramento mostra-se um significante capaz de coadunar as noções

de gêneros textuais, mediação e repertório. Assim, a leitura, manifesta-se como uma

atividade de acesso restrito pelas condições econômicas e culturais, cabendo ao

professor e à escola mediar o acesso aos bens simbólicos, garantindo o letramento

literário. A discussão sobre letramento é realizada em uma dimensão cronológica, tendo

Magda Soares como principal referência.

As mudanças de paradigma e a diversidade de material instrucional disponível

no contexto brasileiro também são problematizações presentes nos textos ora discutidos.

A inclusão da mídia no Currículo passa a ser uma demanda defendida centralmente. A

partir de tal suporte, a leitura passa a ser significada como um processo não restrito ao

texto escrito.

O ensino de literatura como meio de formação de leitores críticos, mesmo

presente em diferentes estudos, destaca-se como algo fundamentado a partir de matrizes

teóricas diferentes. A teoria da aprendizagem mediada de Reuven Feuerstein, associada

aos pressupostos teóricos de Piaget e Vygotsky são os mais recorrentes, elementos

como mediação/interação mostram-se hegemonizados.

A defesa da leitura como um direito do leitor parece ser uma significação

privilegiada em estudos desde 2004, entretanto, torna-se mais recorrente a partir de

2012. Em certa medida, nos estudos ora analisados, tais sentidos se relacionam à

necessidade de planejamento/mediação no processo da construção da “caminhada

interpretativa do leitor”, aumentando, assim, a responsabilidade do professor em

permitir o acesso ao direito de ler/aprender.

Os gêneros discursivos, as tipologias textuais, a sequência didática na produção

de leitura e escrita dos alunos do Ensino Médio são vistos como formas de superação de

todas as problemáticas educacionais atuais. Nessa fase do ensino, parece existir a

preferência pelo trabalho com o texto argumentativo, que passa a condensar sentidos

para a formação do senso crítico, bem como da cidadania. O processo de mediação,

embora evidenciado como de pouca qualidade é tido como fundamento para a

aprendizagem dos alunos no espaço da sala de aula.

A interação, nos estudos levantados, é tematizada quando a relação leitura e

literatura passa a ser focalizada. Pautados na perspectiva crítica, discute-se o processo

de mediação em consonância com sentidos dispostos nas diretrizes educacionais para

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Língua Portuguesa e Literatura. Tendo como principal demanda o acesso ao texto, a luta

por significação nesse contexto discursivo, a saber, o ensino médio, parece não focalizar

sentidos como prazer e ludicidade, comumente presentes nas práticas discursivas sobre

a leitura e ensino fundamental.

Embora fique implícito que os processos de leitura não se restrinjam ao livro, a

identidade do leitor jovem ainda aparece atrelada ao conceito de letramento literário e à

obra literária. Nesse sentido, propostas de transposição didática são destacadas. O foco,

nesse processo, parece ser uma tentativa em retirar do livro o fundamento/ essência da

identidade leitora, passando-a para diferentes suportes, como filme e teatro.

Como estratégia, a aproximação do aluno ao enredo do livro passa a ser

realizada. Posteriormente, é efetuada a apresentação da biografia do autor e, por fim, do

livro/obra. Nesse sentido, a aproximação leitor/livro passa a ser o fim último da

atividade de adaptação das obras literárias. Analisamos que, a adaptação, mediante

transposição didática, assumiria em tal complexo discursivo, o sentido da

democratização da leitura.

A formação leitora visando a Emancipação e Transformação Social mobiliza

modos de significar os processos de leitura, direcionando ações em determinados

contextos de escolarização. Tal demanda mostra-se mais recorrente entre o período de

2004 a 2008, em que a preocupação com a formação dos professores (a

responsabilização pela falta de leitura) e uma alusão ao campo literário (atividades de

letramento) como meio propício ao exercício da leitura são elementos mais destacados

nas práticas discursivas levantadas.

A partir de 2009, as discussões sobre leitura parecem ser mais direcionadas,

sustentadas e respaldadas pela sociologia da leitura e pela perspectiva do letramento.

Nesse sentido, embora a compreensão linguística continue operando de forma a

delimitar as práticas de leitura, outras demandas parecem assumir centralidade nas

discussões sobre leitura. Noções como análise linguística (em confronto com o ensino

gramatical fora do texto) gêneros textuais, tipologias textuais, sinalizam de forma mais

hegemônica para os sentidos da mediação e dos suportes “legitimados” para a prática de

leitura.

Uma compreensão sociológica da leitura articulada a sentidos do letramento

literário parece sustentar a significação hegemônica que conecta leitura e conhecimento.

Essa junção busca estruturar um fundamento para a identidade leitora em formação no

Ensino Médio. Assim, enquanto a ideia de letramento resguardaria um caráter mais

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11829ISSN 2177-336X

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pragmático à leitura, o letramento literário afastaria a noção de decodificação,

aproximando leitor de um dado repertório cultural.

Considerações finais

Os sentidos ora levantados viabilizaram a compreensão de que letramento

literário bloqueia a significação ordinária da leitura, representada pela experiência de

leitura centrada na mídia e na tecnologia. Operando na ambivalência da noção de

inclusão, tais sentidos condensam e tentam contemplar a formação crítica e cidadã do

jovem leitor.

A compreensão interacionista da linguagem norteia significados em processos de

mediação específicos. Tal negociação passa a definir operadores por meio dos quais

uma leitura pode ser considerada ou não emancipadora/transformadora. Os suportes

privilegiados para a leitura são indexados por esse entendimento teórico. Assim,

Sociologia da Leitura, Letramento e Abordagem Linguística/Interacionista parecem

sustentar e regular práticas articulatórias sobre leitura de forma a antagonizar a ideia de

leitura como ato cognitivo, privilegiando a significação de leitura como construção de

sentido.

Parece existir em um primeiro momento, um deslocamento na significação. A

formação dos professores e processos de mediação mostram-se elementos capazes de

garantir a formação leitora que emancipa e transforma, assumindo, assim o nome da

democratização do conhecimento. Posteriormente, as ideias de emancipação e

transformação são menos enfatizadas. Significantes como acesso e direito à leitura

assumem a centralidade nos estudos, mantendo-se ainda, a mediação e a formação dos

professores como meios de articular diferentes posições teóricas sobre leitura.

Cabe ressaltar que, no período de dez anos, além de escassas, as pesquisas que

problematizavam o Ensino Médio e a Leitura mantiveram alguns elementos

hegemônicos.

A leitura é eminentemente pensada em um contexto disciplinar (literário)

como forma de se chegar a algo (conhecimento) e mobilizar assim

sentidos para a cidadania.

Outras disciplinas parecem não assumir para si a demanda de formação

leitora, cabendo a disciplina de língua portuguesa o projeto de formar

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11830ISSN 2177-336X

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uma identidade para o jovem leitor brasileiro. Em outros termos, a

atividade leitora parece ser anulada no contexto de outras disciplinas.

Elementos mediadores são importantes para essa construção discursiva,

sendo os principais suportes de aprendizagem, o livro, textos literários

(fragmentados ou na íntegra), bem como o professor.

A leitura como instrumento de aprendizagem, sentido bastante comum no

contexto do ensino fundamental, parece não ser central no ensino médio.

Nesse âmbito, tal sentido desloca-se para a ideia de instrumento de

inclusão social a partir, especialmente, da noção de leitura como direito.

Trabalhos Analisados

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http://www.periodicos.capes.gov.br/ Acesso 20/01/2015 12h15min

BARBOSA, Norma Lúcia. A leitura no currículo do ensino médio como meio de

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Mestre pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2007.

BORTOLON, D. De Sherlock Holmes a Shakespeare: um caminho a ser descoberto

projeto de ensino de literatura: o leitor como foco, o professor como mediador.

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre, pelo

Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica

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BULGARELLI; Marcello. A aprendizagem mediada de literatura pelos direitos do

leitor. São Paulo: 2010

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NAGAMINI, Eliana. Mediações no Contexto Escolar: didatização de adaptações

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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FORMAÇÃO PARA O TRABALHO: DIDÁTICA, CURRÍCULO E PRÁTICAS

DISCURSIVAS NO ENSINO MÉDIO NOTURNO DIFERENCIADO/RN

Marcia Betania de Oliveira - UERN/UERJ

RESUMO: Neste trabalho abordo a proposta curricular do/para o ensino médio noturno

no estado do Rio Grande do Norte, apresentada pela Secretaria de Estado da Educação

(SEEC/RN), a qual se encontra em desenvolvimento em escolas estaduais desse

nível/turno de ensino desde 2005 com vistas a reduzir índices de repetência e de

abandono escolar. O discurso curricular do diferencial/diferenciado dessa proposta está

marcado pela tentativa de projeção de uma identidade do aluno como trabalhador que

estuda de noite. Problematizo a centralidade dada à disciplina Formação para o trabalho

(acrescida à referida proposta curricular, em 2015) como conhecimento legitimado para

o aluno. Aposto na abordagem pós-estrutural, especificamente na Teoria do Discurso

(TD) de Laclau e Mouffe (2011) como produtiva na análise do discurso das políticas e

como potencial para a compreensão de políticas de currículo. Discuto sentidos de

didática e de currículo, compreendendo tais significantes como práticas discursivas, de

poder, de significação, de atribuição de sentidos. Discursos que, por vezes, constroem a

ideia de realidade, projetando identidades, produzindo sentidos outros. Considero que

didática e currículo se entrecruzam o tempo todo, em buscas constantes de definição de

espaço, de fronteiras. Suas concepções se modificam em função das diferentes

finalidades educacionais pretendidas e dos contextos sociais nos quais são produzidos.

Considero, ainda, a disciplina Formação para o Trabalho, em pauta, como simplesmente

um texto a ser lido no contexto escolar, por professores, coordenadores pedagógicos e

alunos que vivenciam a experiência curricular Ensino Médio Noturno Diferenciado/RN.

Destaco, por fim, a necessidade de pensarmos em um currículo instituinte, aproximando

currículo de cultura e definindo-o como enunciação.

Palavras-chave: Didática/currículo/práticas discursivas. Ensino Médio Noturno/RN.

Formação para o Trabalho.

Introdução

Quando se discute sobre o papel da escola, propostas curriculares, práticas

pedagógicas, desempenho docente/discente ou demais assuntos relacionados ao

contexto escolar, tradicionalmente o conhecimento escolar ganha centralidade. Lopes e

Macedo (2011) afirmam que o debate em torno do conhecimento talvez seja o de maior

destaque ao longo da história do currículo, ocupando parte significativa da teorização

curricular. No campo da didática, a organização do conhecimento escolar acarreta a

pedagogização para fins de ensino.

Nunca o “ensinar tudo a todos” foi tão discutido como nas últimas décadas.

Conferir conhecimentos e competências a todas as crianças e jovens que façam deles

“os cidadãos e profissionais do futuro”, na intenção de que tal formação atenda às

exigências do mundo globalizado, tem se configurado como um dos principais desafios

da/para a escola e os professores. Nessa perspectiva, Rodrigues (2007) destaca três

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exigências postas a esse desafio: o desenvolvimento de novas competências na

formação dos alunos; a aprendizagem ao longo da vida; a formação desses alunos para a

participação social e política.

Destaco o fato de que o conteúdo escolar passa a ser apontado como elemento

indispensável nesse processo. Basta atentar para a centralidade dada no Plano Nacional

de Educação - PNE 2014-2024 - (BRASIL, 2014) aos definidos “direitos e objetivos de

aprendizagem”, os quais se configuram e se desdobram na tão propagada difusão da

Base Nacional Comum Curriculari (BNCC) em conhecimentos disciplinares a serem

trabalhados pelos professores a partir de um currículo nacional.

Mediações/intervenções pedagógicas, práticas educativas, propostas

curriculares, conhecimentos/conteúdos/objetivos de aprendizagem, formação de

professores são temáticas discutidas na perspectiva de questionar/compreender/explicar

como a escola dá conta desses desafios, por meio de quais projetos/propostas

curriculares o faz, como formar professores para tanto. Em meio a esses e a tantos

outros significantes, é comum que haja sentidos diversos quanto às especificidades das

questões curriculares e das questões relativas à didática.

Currículo e didática disputam espaços, por vezes conflituosos e antagônicos.

Para Ferraço (2012, p.5) escrever as relações da didática com o currículo pressupõe “um

permanente exercício de problematização [...]. Implica, sobretudo, urgência em

responder: que sentidos de currículo, conhecimento e didática temos tecido e partilhado

em nossas redes de saberes, fazeres e poderes?”. No contexto escolar, discussões sobre

quais espaços de cada um nesse processo são usuais, transversalizando tentativas de

elaboração de projetos para o “futuro da humanidade”, em uma expectativa de que a

escola mude para mudar a sociedade.

Com este texto discuto, portanto, sentidos de didática e de currículo. Abordo a

proposta curricular do/para o ensino médio noturno no estado do Rio Grande do Norte

(RIO GRANDE DO NORTE, 2009), na qual a disciplina Formação para o trabalho

ganha centralidade. Assumo a ideia de discurso para pensar relações entre didática e

currículo tendo o conhecimento como eixo central. Aposto no pós-estruturalismo como

perspectiva teórica para a leitura do texto que constitui a referida proposta curricular.

Especifico a Teoria do Discurso (TD), de Laclau e Mouffe (2011), como produtiva na

análise do discurso das políticas, e como potencial para a compreensão de políticas de

currículo. Para tanto, utilizo como referenciais básicos estudos de Lopes e Macedo

(2011, 2012), Lopes (2008, 2012, 2015a, 2015b), por meio dos quais compreendo o

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currículo como produção cultural. Destaco, por fim, a necessidade de pensarmos em um

currículo instituinte, aproximando currículo de cultura e definindo-o como enunciação.

Didática e teorias curriculares em sentidos: do ensino como núcleo ao currículo

como cultura

A história da didática está ligada ao aparecimento do ensino como atividade

planejada e intencional dedicada à instrução (LIBÂNEO, 1994). Dentre

questionamentos feitos em torno do seu papel destaco um, feito por Castro (1992), que

interroga ser a didática apenas uma orientação para a prática, uma espécie de receituário

do bom ensino. Essa autora busca esclarecimentos sobre o objeto de estudos e a

delimitação do campo; aponta que como qualquer disciplina que comporta aplicações

práticas, a didática se aproxima de outras teorias, em sua necessidade de explicar as

relações entre os eventos que estuda.

Em decorrência de seu conceito nuclear, de ser ENSINO, várias são as

inquietações da Didática. A sua inter-relação com outras áreas do conhecimento

(Psicologia, Filosofia da Educação, Sociologia, Política) é intensa e constante, gerando

controvérsias teóricas, as quais levam a disputas diversas, dentre elas, com o campo

interdisciplinar do "currículo", “como que exigindo da Didática que proceda a sua

invasão, já que o conteúdo do ensino - o "o quê" se ensina - tanto pode ser problema

didático quanto curricular” (grifos da autora, CASTRO, 1992, p. 21).

Ao discutir a “Didática” Libâneo (1994) apresenta várias tendências pedagógicas

(Tradicional, Renovada, Tecnicista, Libertadora e Crítico-social dos conteúdos)

associadas à correntes da educação brasileira. Cada uma delas, por si só, em

determinados contextos (nem sempre diferentes, mas geralmente paralelos e

concomitantes) tentam explicar a função da didática e do ensino. Assumem ideias de

verdade, de poder, atribuem significados aos processos que lhes são inerentes.

Nessa perspectiva é possível perceber uma aproximação entre didática e

currículo, em um movimento de pedagogização na organização do conhecimento

escolar. Ao discutirem sobre conhecimento escolar e discurso pedagógico (também

denominado matéria escolar ou conteúdo de ensino), Lopes e Macedo (2011) apontam

que “algumas teorias com impacto na discussão curricular se desenvolveram procurando

entender centralmente mudanças que a pedagogização para fins de ensino acarreta na

organização do conhecimento escolar” (p. 94), e destacam as concepções de

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transposição didática (Yves Chevallard) e de recontextualização (Basil Bernstein) nesse

processo. Para essas teorias, a organização curricular é entendida como a organização

do conhecimento mediado pedagogicamente, cujos argumentos por elas apresentados

permitem sustentar a tese de que “[...] a escola não é apenas um receptáculo de saberes

produzidos em outras instâncias, mas participa de uma esfera mais ampla que

reinterpreta diferentes saberes sociais para fins de ensino.” (LOPES; MACEDO, 2011,

p. 105)

Quanto ao que é currículo, Lopes e Macedo (2011) destacam que a primeira

menção ao termo dizia respeito a organizar a experiência escolar de sujeitos agrupados

(p. 20). Na busca pela/para a resolução dos problemas sociais gerados pelas mudanças

econômicas da sociedade, em especial no contexto da industrialização, fazia-se (e ainda

há quem defenda que se faça) necessário definir a “utilidade” (o porquê e o para quê)

dos conteúdos ou das experiências escolares. Diferentes teorias curricularesii, como o

eficientismo social (taylorismo), o progressivismo (comportamentalismo) e a

racionalidade tyleriana têm se constituído na perspectiva de responder a tais questões;

embora que com fragilidades, visto que elas não conseguem dar conta da realidade

vivida nas escolas (embora que marcadas por preocupações de natureza eminentemente

prática).

As teorias marxistas (da correspondência ou da reprodução), por sua vez,

incluindo trabalhos variados do campo da sociologia, criticam tais abordagens técnicas,

problematizando o currículo escolar. Com o movimento da Nova Sociologia da

Educação (NSE) a elaboração curricular passa a ser pensada como um processo social;

o currículo torna-se um espaço de reprodução simbólica e/ou material. Mas é a matriz

fenomenológica (Paulo Freire) que defende um currículo aberto à experiência dos

sujeitos, para além do saber socialmente prescrito a ser dominado pelos estudantes;

propõe procedimentos para a elaboração curricular capazes de tentar integrar o mundo-

da-vida dos sujeitos às decisões curriculares. Ainda nessa perspectiva, o conceito de

currere (William Pinar) amplia a discussão do campo, compreendendo currículo como

“um processo mais do que uma coisa, como uma ação, como um sentido particular e

uma esperança pública; [...] uma conversa complicada de cada indivíduo com o mundo

e consigo mesmo” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 36).

Em meio a tais “categorizações” assumo neste escopo a ideia de currículo como

texto (à qual acrescento a de didática), conforme defendido por Lopes e Macedo (idem),

de conceito multifacetado, a partir dos estudos trazidos pelo pós- estruturalismo. Em

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que nem tudo pode ser dito, não podendo ser tomado como espelho da realidade

educacional, e cuja “criação de sentidos só é possível tendo em vista a estrutura do texto

ou a estrutura cognitiva do leitor” (p.38).

A abordagem pós-estrutural, especificamente a Teoria do Discurso (TD) de

Laclau e Mouffe (2011) apresenta-se produtiva na análise do discurso das políticas

como potencial para a compreensão de políticas de currículo. Na perspectiva desses

teóricos, a linguagem é apenas um dos componentes da estrutura discursiva. Enquanto

sistema, o discurso possui a sua evidente dimensão linguística, mas não se restringe aos

atos de fala ou ao que está estritamente escrito, englobando também as ações e relações

que possuem significado social, sendo resultado de uma prática articulatória que

constitui e organiza as relações sociais.

O significante currículo, assim como didática, e demais significantes a eles

associados (conteúdos, conhecimento, cultura, avaliação, professor, aluno, dentre

muitos outros) passa a ser compreendido em um enfoque discursivo “[...] são

significados de determinada maneira por estarem inseridos em uma formação discursiva

decorrente de lutas políticas pela significação” (LOPES, 2012, p. 9). Remetem sempre a

outros significantes, indefinidamente, “sendo impossível determinar-lhe um significado;

este é sempre adiado.” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 40).

Assim considerando, compreendo por meio dessa abordagem teórica o currículo

e a didática como práticas discursivas, de poder, de significação, de atribuição/produção

de sentidos. Enquanto tais, não devem ser vistos como verdades, fixas, a serem

assumidas a priori, mas como discursos que, por vezes, constroem a ideia de realidade,

projetando identidades, produzindo sentidos outros.

Formação para o Trabalho no ensino médio noturno/RN: centralidade definida,

currículo instituído

Tenho pesquisado sobre o processo de constituição da política curricular do/para

o ensino médio noturno no estado do Rio Grande do Norte (OLIVEIRA, 2015). Nessa

pesquisa específica, abordo demandas curriculares e contingências políticas do processo

de discussões/elaboração do documento Orientações Curriculares Ensino Médio

Noturno (RIO GRANDE DO NORTE, 2009). Trata-se de uma proposta apresentada

pela Secretaria de Estado da Educação (SEEC/RN), conhecida publicamente como

Ensino Médio Noturno Diferenciado (EMND), a qual se encontra em desenvolvimento

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em escolas estaduais desse nível/turno de ensino desde 2005 com vistas a reduzir

índices de repetência e de abandono escolar. O discurso curricular do

diferencial/diferenciado está marcado pela tentativa de projeção de uma identidade do

aluno como trabalhador que estuda de noite.

Em 2015, a SEEC publica uma cartilha (RIO GRANDE DO NORTE, 2015),

(aqui entendida como parte da proposta curricular) considerada como referência da

proposta contida nas supracitadas Orientações Curriculares, a qual se configura como

“um guia prático (que) visa simplificar o que está posto” (idem, p. 3). O componente

curricular “Formação para o Trabalho” (nomeada pelos professores como FpT), até

então inexistente na proposta curricular em pauta, passa a ser ofertado em duas aulas

semanais, presente em dois blocosiii

de aulas, devendo ser ministrada, a priori, por

professores licenciados em Filosofia e em Sociologia.

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) (BRASIL,

2012), o trabalho é tido como “Princípio Educativo e atividade intelectual, bem como,

um processo histórico de produção científica e tecnológica”. Ao ser assim classificado,

conforme previsto também na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e na Constituição

Federal (CF), o “trabalho” ganha espaço de “disciplina”, na perspectiva de propiciar

formação específica para o aluno do ensino médio noturno, identificado pela proposta

da SEEC/RN como trabalhador. Ao entendermos a proposta curricular em pauta como

centrada no currículo, e por sua vez, no conhecimento escolar, a referida disciplina

assume centralidade na proposta curricular. Em uma proposta que se pretende

diferenciada, a inserção da Formação para o Trabalho torna o caráter híbrido da

propostaiv

.

Esse componente é visto na organização do currículo como capaz de “se

articular com os demais (ciência, cultura e tecnologia, definidos nas DCNEM) que são

constitutivos” da estrutura curricular desse nível de ensino (RIO GRANDE DO

NORTE, 2015, p. 4). Com a inserção desse componente curricular, o significante

Trabalho passa a ter articulação com temáticas/eixos como “ética e cidadania”,

“empreendedorismo”, “sustentabilidade”, “consumo”, “comunicação e tecnologia”,

“mercado” na perspectiva de que tais temáticas “busquem envolver o estudante

trabalhador não somente no mundo do trabalho, mas também no universo da cidadania”

(idem, idem, 2015, p. 10).

Para cada temática/eixo são definidos conteúdos, dentre outros: ética empresarial

e ética profissional; cidadania: origem e relação com o mundo do trabalho; formas de

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atuação de um empreendedor; o empreendedorismo na escola; concepção do trabalho

articulada aos conceitos de preservação e conservação; a influência do consumismo para

o crescimento econômico; tendências relacionadas à tecnologia atual: o antes e o agora,

a era do computador; internet na sociedade contemporânea e na escola; as exigências do

mundo do trabalho e a escola; a globalização: emprego e desemprego.

Espera-se, com isso, propiciar ações desenvolvidas socialmente (previamente

definido nas DCNEM) com vista a “[...] transformação das condições naturais da vida e

a ampliação das habilidades gerais e competências básicas que tributem para a formação

integral dos estudantes e o seu desenvolvimento, de forma que possa atuar na sociedade

com êxito” (idem, idem, p. 9).

A cartilha então publicada aponta (RIO GRANDE DO NORTE, 2015, p.25)

orientações para o planejamento articulado entre o Plano de Metas e Plano de Ensino na

escola do EMN, organizadas em quatro fases. Para o cumprimento da primeira delas, a

escola deverá fazer um diagnóstico do perfil do trabalhador estudante no Ensino Médio

Noturno em cada contexto; na segunda fase deverá elaborar e discutir um Plano de

Metas ou Plano de Ação Anual, junto à comunidade escolar, com definições de

estratégias de intervenções a partir do diagnóstico então feito.

No planejamento de Ensino Anual, que se apresenta como terceira fase, a equipe

pedagógica tem o papel de elaborar junto com os professores o diagnóstico das

necessidades de aprendizagens dos alunos por meio do levantamento do desempenho do

trabalhador estudante por área do conhecimento, disciplina, série, semestre. Nessa fase,

a análise do desempenho acadêmico e do contexto dos estudantes (perfil do aluno)

define o currículo orientador anual. Isso se dá a partir de eixos temáticos integradores

organizados no projeto interdisciplinar propostos em estratégias metodológicas por

áreas do conhecimento/disciplinas presenciais e vivenciais.

Por fim, para a concretização da última fase a escola deverá revisar e reelaborar

o seu Projeto Pedagógico com base nas metas propostas no Plano de Ação a fim de

favorecer o desenvolvimento e a organização do Plano de Trabalho Anual. Tal processo

se dá a partir da identificação das fragilidades e potencialidades do Ensino Noturno

atento às especificidades do aluno que chega à escola (idem, idem , p. 26).

Nessa proposta curricular, a qual pode ser identificada como uma perspectiva

instrumental do conhecimento (LOPES; MACEDO, 2011), é possível perceber a

formação de competências e habilidades articulada às mudanças tecnológicas no mundo

global, bastante valorizada no âmbito do debate sobre organização curricular (Lopes,

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2008). Acredita-se, ou espera-se, que a disciplina em questão garanta tal formação na

perspectiva de uma educação de qualidade para a formação de trabalhadores que atenda

as necessidades do mercado de trabalho.

É possível perceber que nas orientações contidas na cartilha opera-se com os

significantes “formação para o trabalho e aluno trabalhador” como sendo absolutos e

universais. O “currículo” tende a resumir-se a essa disciplina (e em seus conteúdos/suas

temáticas, naturalizando-os), parecendo pressupor um consenso de que é a única válida

e legítima de ser ensinada para a pretensa formação de alunos do ensino médio noturno,

então considerados trabalhadores.

Concordo com Lopes (2015a, p. 134) que “a razão para a escolha de um

conhecimento como melhor depende dos efeitos performativos desses conhecimentos e

está conectada ao poder”. Para essa autora, somente podemos falar de melhores razões,

melhores conhecimentos, melhores decisões ou escolhas, a partir de um conjunto de

critérios contextuais que sustentem o que se entende como melhor, levando em

consideração as subjetivações capazes “de construir um nós (a comunidade) que

sustenta, ainda que precariamente, a validade/veracidade dos critérios estabelecidos”

(LOPES, 2015a, p. 134, grifos da autora).

Compreendidas discursivamente, a opção por essa organização curricular e essa

tentativa de identidade do aluno desse nível/turno de ensino são inseridas na esfera da

política, definidas em certas relações de poder. “E a escolha por certa opção será

sempre a exclusão de outras tantas opções negadas, algumas vezes sequer passíveis de

serem enunciadas” (LOPES, 2015b, p.450).

Por um currículo instituinte: em bases discursivas, o papel do Outro

A forma como a referida cartilha (RIO GRANDE DO NORTE, 2015) orienta o

planejamento articulado entre o Plano de Metas da escola e Plano de Ensino do

professor parece, frente ao conjunto de determinações da SEEC/RN, “[...] uma tentativa

de homogeneizar as práticas curriculares, a cultura escolar, simplificando o que as

diversas ordens escolares significam” (LOPES, 2008, p. 12). Homogeneizar tais práticas

torna-se perigoso visto que tende a fixar identidades (nesse caso as docentes), tolher a

capacidade de criação dos professores do Ensino Médio Noturno Diferenciado/RN (não

apenas) para com a disciplina Formação para o trabalho, como se a escola não fosse

também um território de produção de cultura.

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11841ISSN 2177-336X

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Ao discutirem sobre identidades e diferenças no campo do currículo, Lopes e

Macedo (2011) apontam que a fixação das identidades pode ser lida como uma

pretensão realista, que essencializa, via marcadores simbólicos. Ser aluno trabalhador,

professor tradicional ou construtivista, formação para o trabalho, dentre outras formas

de nomear (e de ser nomeado) e de pensar o aluno, o professor, a proposta curricular, as

práticas pedagógicas, dentre outros elementos do contexto educacional/escolar acabam

por regular, controlar e/ou negar outras possibilidades de identificação e, por

consequente, de subjetivação. Aceitar simplesmente tais definições e termos os

hierarquiza, por vezes, naturaliza, para além de criar binários.

Essas autoras destacam que os sujeitos constroem suas identidades e diferenças

no interior de sistemas de representação. Em se tratando do currículo, estar aberto à

diferença implica “recusar a perspectiva de identidade” (p. 227), considerando-se que

“[...] nenhum projeto educacional acontece sem o reconhecimento do Outro

(identificação)”, e que “tal reconhecimento não pode sufocar a singularidade do outro”

(LOPES; MACEDO, 2011, p. 231), eliminando a própria possibilidade de educar.

Nessa perspectiva, as autoras destacam a contribuição de Laclau e Mouffe

quanto à ideia de que existem processos de identificação em que os sujeitos se

aproximam e se constituem como grupos „identitários‟ politicamente ativos. Tal leitura

possibilita “pensar lutas políticas baseadas numa identificação provisória entre os

sujeitos, cuja diferença é que ela não tem fundamento de nenhuma espécie” (LOPES;

MACEDO, 2011, p. 228). Isso porque, para esses teóricos do discurso “só há sujeito

quando há decisão, de modo que a possibilidade de surgimento do Outro no currículo

está ligada à sua transformação em espaço em que os indivíduos se tornem sujeitos por

meios dos atos de criação” (idem, 232).

Destaco ainda, para a discussão em pauta, a defesa de Lopes e Macedo (2011, p.

232) quanto à necessidade de pensarmos em “um currículo instituinte, em contraposição

à ideia de currículo como expressão do instituído, [...] aproximando currículo de cultura

e definindo-o como enunciação”, na perspectiva da desconstrução da hegemonia, de

desconstruir discursos, como os de identidades esteriotipadas e fixadas e da própria

teoria curricular que se apresenta como horizonte. Tais discursos visam a controlar a

proliferação de sentidos e por vezes se fortalecem de tal maneira que se tornam

impossível de questioná-las. Tal movimento implica uma ação política, com bases

discursivas.

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Algumas considerações

É possível perceber que as “concepções do que vem a ser currículo (e do que

vem a ser didática) se modificam em função das diferentes finalidades educacionais

pretendidas e dos contextos sociais nos quais são produzidos” (LOPES; MACEDO,

2011, p. 70). Didática e currículo se entrecruzam o tempo todo, em buscas constantes de

definição de espaço, de fronteiras. Ao abordarem o conhecimento, de uma forma ou de

outra, acabam por “escolherem” o que/por que/para que deve ser ensinado determinado

conteúdo na escola, quais os conhecimentos (in) válidos, definindo regras, tomando

decisões quanto ao processo de inclusão/exclusão de saberes. Com isso, planejam

projetos futuros para a educação os quais, em sua grande maioria, fixam identidades

(como é o caso da proposta curricular Ensino Médio Noturno Diferenciado/RN), minam

lutas políticas. Nesses espaços de disputas constantes, a compreensão da existência de

fronteiras entre ambos (e deles consigo mesmos) potencializa o debate entre saberes,

poderes, fazeres.

Considero que na referida proposta que se define diferenciadav as decisões

curriculares são norteadas pela tentativa de fixação da identidade do aluno que cursa o

ensino médio noturno como trabalhador a qual se pretende no horizonte da formação

desse aluno para o mundo do trabalho. Assim, essa proposta curricular tende a regular

os alunos/sujeitos (e por sua vez as práticas pedagógicas) definindo-lhes um lugar no

mundo simbólico; negando a pluralidade das identidades, renunciando a outras

possibilidades de ser desses sujeitos (LOPES; MACEDO, 2011).

Apontar uma única proposta como possibilidade de formação dos alunos do

ensino médio noturno do RN, e por sua vez, apostar na centralidade de uma disciplina

como capaz de dotar esses alunos para o atendimento às necessidades do mundo do

trabalho cria a ilusão de que há algo positivo na definição dessas identidades. Nessa

perspectiva, considero a disciplina Formação para o Trabalho, em pauta, como

simplesmente um texto a ser lido no contexto escolar, por professores, coordenadores

pedagógicos e alunos que vivenciam a experiência curricular Ensino Médio Noturno

Diferenciado/RN. Compreendidas discursivamente, a opção por essa organização

curricular e essa tentativa de identidade do aluno desse nível/turno de ensino são

inseridas na esfera da política, definidas em certas relações de poder, excluindo outras

tantas opções passíveis de serem enunciadas.

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11843ISSN 2177-336X

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O TRABALHO NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA O ENSINO MÉDIO:

PROJETO FHC X PROJETO LULA/DILMA.

Priscila Campos Ribeirovi

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ

RESUMO: Na investigação das políticas de currículo para o ensino médio, busco

analisar os significados dado a trabalho pelas políticas do governo FHC (Fernando

Henrique Cardoso, período de 1995 a 2002) e pelo governo Lula/Dilma (Luiz Inácio

Lula da Silva, período de 2003 a 2010 e Dilma Rousseff, período de 2011 à atualidade).

Com este objetivo, tenho analisado os documentos oficiais chamados Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM como principal documento das

políticas para um projeto educacional do governo FHC e as Orientações Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio - OCNEM como principal documento do governo

Lula/Dilma. Entendo tais documentos como parte importante da produção de políticas

do projeto educacional dos referidos governos, dada a expressividade destes

documentos devido a grande circulação no país, número significativo de estudos

gerados na área da educação e como parte importante na produção de políticas de

currículo. Os documentos oficiais prescrevem como deve ser a educação básica, qual o

papel do ensino médio, sugerem conteúdos e metodologias para consecução dos

objetivos de seus projetos de nação e educação e como produções discursivas instituem

significados sobre a sociedade, o mundo do trabalho e o trabalho em si. Assumindo que

um dos objetivos do ensino médio é a preparação para o trabalho, cada projeto buscará

colocar em prática ações que dão significado à educação que por vezes se aproximam e

por vezes se antagonizam. Na produção dos documentos oficiais está incluído o

processo de significação do que vem a ser conhecimento escolar, didática, ciência,

saber, mundo do trabalho, trabalho, cultura, avaliação, conteúdo, disciplina, dentre

outros, porque não existem fundamentos que definam de uma vez por todas o que

denominamos sociedade, ou educação, ou escola. Existem significações em disputa do

que vem a ser o social, a escola, o currículo, a didática.

Palavras chave: Políticas de Currículo. Ensino Médio. Trabalho.

Introdução

Na investigação das políticas de currículo para o ensino médio, busco analisar os

significados dado a trabalho por tais políticas, num recorte temporal que chamarei de

governo FHC (Fernando Henrique Cardoso, período de 1995 a 2002) e governo

Lula/Dilma (Luiz Inácio Lula da Silva, período de 2003 a 2010 e Dilma Rousseff,

período de 2011 à atualidade). Para este objetivo, tenho analisado os documentos

oficiais chamados Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – PCNEM

(BRASIL, 1999a, 1999b, 1999c, 1999d) como principal documento das políticas para

um projeto educacional do governo FHC e as Orientações Curriculares Nacionais para o

Ensino Médio – OCNEM (BRASIL, 2006a, 2006b, 2006c) como principal documento

do governo Lula/Dilma.

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Entendo tais documentos como parte importante da produção de políticas do

projeto educacional dos referidos governos. Isto, dada a expressividade destes

documentos devido a grande circulação no país, número significativo de estudos

gerados na área da educação e sua grande influência na produção de políticas de

currículo, sendo o próprio documento também uma produção discursiva (sendo ele

mesmo produção de políticas de currículo), digo, instituído da política. Isto é, entendido

como “linguagem, práticas, instituições, entendidos como formas de ordenar dimensões

capazes de subverter e refundar o social de outras maneiras, reconhecidamente

antagônicas e conflituosas” (LOPES, 2014, p. 44).

Os projetos de educação instituídos, em parte, nestes documentos trazem

releituras da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (BRASIL, 1996), que se

diferenciam e se aproximam. Em suas produções de currículo, prescrevem como deve

ser a educação básica, qual o papel do ensino médio na educação básica, sugerem

conteúdos e metodologias para consecução do objetivo do ensino médio e trazem

entendimentos diversos sobre a sociedade, o mundo do trabalho e o trabalho em si.

Entendendo que um dos objetivos do ensino médio é a preparação para o trabalho, cada

projeto buscará colocar em prática ações que traduzem e constituem significado aos

professores, à didática, ao currículo, aos professores, alunos que por vezes se

aproximam e por vezes se distanciam e até se antagonizam.

Nesta análise, observamos a produção de políticas do projeto Lula/Dilma

semelhante ao projeto FHC quando prescreve os conteúdos a serem ensinados e as

competências e habilidades a serem aprendidas, assim como a didática (metodologias

pedagógicas) que ajudaram no alcance dos objetivos de ensino. Ambos projetos

enfatizam a centralidade do papel do professor no desenvolvimento do currículo em sala

de aula, na busca por metodologias que despertem o interesse do aluno e na avaliação da

aquisição de competências e na avaliação como controle de qualidade do trabalho do

professor.

Os projetos buscam à sua maneira realizar uma releitura da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação (BRASIL, 1996) e antagonizam-se em outras questões. O projeto

FHC apresenta um contexto que chama de mundo de trabalho de grande mutabilidade,

com volume grande de informações e que se supera rapidamente, e regras mais austeras

de competição do aluno em formação para inserção no trabalho. A formação em

competências é o centro do projeto FHC. Essas competências são colocadas como a

chave do sucesso para competir num ambiente cada vez mais difícil de acompanhar

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(devido ao avanço tecnológico veloz). Ainda que a educação seja colocada como

primordial para a aquisição de competências para que se possa concorrer a boas

colocações no mundo do trabalho, esta não é garantia, pois o mundo do trabalho em sua

dinâmica requer do aluno a capacidade de estar em constante aprendizagem e gestão da

profissão para superação de contextos de desemprego, subemprego e miséria.

O projeto Lula/Dilma amplia e complexifica o contexto que o aluno está inserido

desde já na educação básica, sem focar o trabalho como algo futuro a ser adquirido após

a aquisição de competências. Há uma grande ênfase na formação política do aluno,

inclusive reconhecendo-se que a própria produção de currículo já é uma ação política. O

avanço tecnológico e a necessidade de adquirir competências para lidar com este avanço

está colocado, porém tais competências não devem ser limitadas às questões de

aplicabilidade no mundo do trabalho e na solução de problemas da comunidade, visto

que variados conteúdos e disciplinas são importantes para a construção de uma noção de

humano como produção cultural, artística, linguística, etc. que não necessariamente

atendem às demandas urgentes de formação para o trabalho, mas que formam o aluno

para atuar na vida, considerando-se diversos espaços sociais que não nomeamos espaços

de trabalho.

Aqui pensaremos a política de currículo numa perspectiva discursiva. Portanto a

ideia não será pensar políticas de currículo defendendo uma agenda política crítica

centrada em fundamentos econômicos e estrutura de classe para então pensar a

educação e o currículo como luta contra o capitalismo por meio da formação de agentes

que transformarão o social (LOPES, 2014, p.45). Também não se trata de um abandono

das lutas históricas das políticas de currículo por adotar um pensamento

desconstrucionista e questionador da possibilidade de uma política contra-hegemônica,

cujo fundamento seja capaz de formar um coletivo “nós, os seres humanos”, “nós, os

trabalhadores” e criticar os processos de exclusão e lutar pela justiça social (LOPES,

2014, p. 47).

Adotaremos então, para entender políticas de currículo, a posição de contestar a

ideia de um conhecimento que esteja desvinculado do poder e construído de um lugar

privilegiado, que não faz parte das relações sociais que o comprometem com diferentes

interesses e marcos culturais. De acordo com Lopes (2014) concebemos “os projetos

curriculares como híbridos e identitariamente descentrados, enunciados sempre a partir

de uma simultânea negociação com o outro” (p. 48), sem determinações econômicas ou

culturais. Para Lopes (2014), sem a predefinição dos horizontes e dos fundamentos

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podemos ampliar as possibilidades de um currículo político. Esta perspectiva entende as

decisões políticas como contingentes, e não adota um fundamento como a “razão

correta e definitiva para organizarmos o currículo de uma determinada maneira” (idem,

p. 48-49).

Políticas de currículo em discussão

A política de currículo não está restrita às instituições constituídas na tentativa

de regular a atividade curricular, mas é todo processo de significação do currículo.

Todo processo de significação de o que vem a ser conhecimento

escolar, ciência, saber, mercado, trabalho, cultura, avaliação,

conteúdo, disciplina, escola, dentre outros tantos significantes, institui

sentidos para a política, ao mesmo tempo que todos esses significantes

estão abertos à possibilidade de serem traduzidos, suplementados.

Escrever textos acadêmicos, produzir documentos curriculares,

produzir projetos político-pedagógicos nas escolas, dar aulas em todos

os níveis, realizar práticas curriculares são momentos dessa política de

significação detida por pontos nodais capazes de assegurar a

articulação discursiva (LOPES, 2014, p. 53).

Desta forma não existem fundamentos que definam de uma vez o que

denominamos sociedade, existem significações em disputa do que vem a ser o social, a

escola, o currículo (LOPES, 2014, p. 54). Entendemos a política de currículo como luta

pela significação do que vem a ser currículo. As propostas curriculares do governo FHC

e do governo Lula/Dilma buscam uma identidade para o currículo da educação básica.

São propostas que se supõem nacionais, a partir da estabilização do conceito de nação –

território, espaço simbólico, cultural (LOPES, 2015, p. 448).

Além disso, a política é construída por articulações de demandas. Há demandas

que são tornadas equivalentes frente a um exterior que as ameaça e no caso das políticas

de currículo,

é possível afirmar que são decorrentes de diferentes articulações entre

demandas representadas como advindas de comunidades disciplinares,

equipes técnicas de governo, empresariado, partidos políticos,

associações, instituições e grupos/movimentos sociais os mais

diversos. Por intermédio das articulações entre essas demandas

diferenciais, grupos políticos são organizados, significações de

currículo são instituídas. Um dos possíveis exemplos dessas lutas é a

que se organiza em torno dos sentidos de qualidade da educação

(MATHEUS & LOPES, 2014 apud LOPES, 2015, p. 449).

Os significados dados a currículo estão perpassados também pelas articulações

de demandas, vide o caso das avaliações nacionais presentes em ambos projetos

analisados na busca pelo controle do trabalho do professor em sala de aula. Tais não

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dependem de uma essência objetiva, tal qual “planejamento, lista de conteúdos, saberes

legitimados ou luta pela significação da cultura, [pois] isso também depende de

articulações discursivas, não de uma propriedade intrínseca a um objeto” (idem).

A compreensão de currículo a ser adotada nesta análise é discursiva e numa

perspectiva discursiva, não nos limitamos a entender discurso como aquilo que se fala

ou se escreve, mas também enquanto prática de significação. Significar no sentido de

defender a realidade compreendida discursivamente. Por exemplo, considerar a floresta

amazônica como

o pulmão do mundo ou o empecilho ao desenvolvimento regional ou

mera fonte de madeira a ser convertida em dinheiro depende de

articulações discursivas que produzem tal significação e com isso

também produzem práticas e efeitos sociais, produzem sujeitos e

contextos políticos: o defensor e a defesa do meio ambiente; o político

desenvolvimentista e a concepção desenvolvimentista; a extração de

madeira e o explorador do extrativismo da madeira, dentre outros.

(LOPES, 2015, p. 449).

Para Lopes (2015) apostar no enfoque discursivo para entendermos políticas de

currículo significa negociar com uma série de tradições e registros estruturados com e

pelos quais somos e fomos formados e que são incorporados à educação.

Na produção dos documentos oficiais, na produção de políticas de currículo

precisamos considerar que demandas diversas estão sendo articuladas. Portanto, é

importante entender que a referência feita a FHC e Lula/Dilma não pode ser restrita aos

nomes das pessoas e dos governos porque, como já colocamos acima, ambos os

governos são contextos em que políticas foram produzidas. Portanto compreendem

articulações políticas, que inclusive antagonizam entre si (FHC verso Lula/Dilma) e são

resultado de um conjunto de práticas articulatórias que constituem projetos de poder que

se possibilitam e se impossibilitam mutuamente (CRAVEIRO & LOPES, 2015).

Projeto FHC X Projeto Lula/Dilma: sentidos para trabalho no ensino médio

brasileiro.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999a, 1999b, 1999c, 1999d)

são apresentados como produção que partiu da leitura da Lei de Diretrizes e Bases

(BRASIL, 1996) feita em conjunto com educadores de todo o Brasil e resultando

portanto no que o Ministério da Educação chamou de “novo perfil para o currículo” que

associa a educação básica do ensino médio à aquisição de “competências básicas para a

inserção de nossos jovens na vida adulta” (BRASIL, 1999a, p.5).

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O novo ensino médio faz parte de uma política mais geral apresentada como

“uma política de desenvolvimento social que prioriza ações na área da educação” para

“superar o quadro de extrema desvantagem em relação aos índices de escolarização e

conhecimento” em comparação aos países desenvolvidos (BRASIL, 1999a, p. 5).

A reforma faz parte de um movimento mais amplo pelo qual também passam

outros países da América Latina e é justificada pela ruptura tecnológica, chamada de

terceira revolução técnico-industrial, com avanços na microeletrônica que coloca o

conhecimento como algo primordial ao acompanhamento da revolução informática e

consequente incorporação das novas tecnologias. De modo que “não se trata de

acumular conhecimentos” (BRASIL, 1999a, p. 5), mas que a formação do aluno deve

ter como alvo a aquisição de conhecimentos básicos, isto é, “o desenvolvimento de

capacidades de pesquisar, buscar informações, analisa-las e seleciona-las; a capacidade

de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de memorização” (idem).

Tal reforma também é justificada neste documento pelo crescimento do número

de matrículas, inclusive, sugerindo que essa procura se deva “a compreensão sobre a

importância da escolaridade, em função das novas exigências do mundo do trabalho”

(BRASIL, 1999a, p. 6).

O ensino médio deve consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no

ensino fundamental, garantindo a preparação básica para o trabalho e a cidadania e dotar

o educando de instrumentos que permitam continuar aprendendo “tendo em vista o

desenvolvimento da compreensão dos „fundamentos científicos e tecnológicos dos

processos produtivos‟” (BRASIL, 1999a, p. 9-10). O ensino médio seria então uma

preparação básica para integração ao mundo do trabalho, para a aquisição de

competências que garantam o aprimoramento profissional e que permitam acompanhar

as mudanças características do mundo do trabalho (idem). Admite-se uma

correspondência direta entre as competências exigidas para o exercício da cidadania e

para as atividades produtivas.

Mas a aquisição das competências desejáveis não garante a homogeneização das

oportunidades sociais pois deve se levar em consideração a desigualdade estrutural entre

os que trabalham em atividades simbólicas cujo conhecimento é colocado como o

principal instrumento, os que trabalham em atividades tradicionais e os que estão

excluídos (em situação de desemprego). Essa desigualdade estrutural é justificada pela

expansão da economia pautada no conhecimento. Em linhas gerais são a

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capacidade de abstração, do desenvolvimento do pensamento

sistêmico, ao contrário da compreensão parcial e fragmentada dos

fenômenos, da criatividade, da curiosidade, da capacidade de pensar

múltiplas alternativas para a solução de um problema, ou seja, do

desenvolvimento do pensamento divergente, da capacidade de

trabalhar em equipe, da disposição para procurar e aceitar críticas, da

disposição para o risco, do desenvolvimento do pensamento crítico, do

saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimento”

(BRASIL, 1999a, p. 11-12).

Os PCN sugerem que a escola acompanhe os avanços tecnológicos, que esteja

atenta à rapidez com que as informações são geradas e superadas, o que exige uma

atualização contínua e atenção às novas exigências para a formação (BRASIL, 1999a, p.

12-13).

A nova organização curricular do ensino médio também é justificada devido ao

novo significado do trabalho no contexto da globalização. Os estudantes devem ser

capazes de continuar aprendendo e para isso, a educação deve ter como estrutura as

seguintes competências: aprender a conhecer (a aquisição de saberes pressupõe

compreender o real e tornar-se autônomo na capacidade de discernir. O aprender a

conhecer é colocado como a garantia do aprender a aprender, como um passaporte para

a educação permanente), aprender a fazer, aprender a viver (desenvolver a habilidade de

viver junto e conhecer o outro, realizar projetos comuns e gestão de conflitos) e

aprender a ser (BRASIL, 1999a, p. 14-16).

As discussões sobre conteúdo e competências a serem alcançadas estão

organizadas nas áreas de conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,

Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas

Tecnologias (BRASIL, 1999a, 1999b, 1999c, 1999d). Assim, segue o documento

apresentando separadamente por disciplina, as habilidades e competências a serem

adquiridas, listadas como objetivos a serem alcançados. Antes de cada lista de

competências e habilidades de cada disciplina há um texto que explica que

determinados assuntos e conteúdos são necessários e devem ser abordados no ensino de

tal disciplina. Alem disso, sugere-se que este ou aquele conteúdo seja desenvolvido por

um método específico (por exemplo, a diversidade de seres vivos – seja na zoologia,

seja na botânica – o enfoque adequado seria o evolutivo-ecológico) e que alguns

destaques devem ser dados quando um determinado assunto for abordado (BRASIL,

1999a, 1999b, 1999c, 1999d).

As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006a, 2006b,

2006c) são apresentadas como produto de ampla discussão com equipes dos Sistemas

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Estaduais de Educação, professores e alunos da rede pública e representantes da

comunidade acadêmica que têm o objetivo de contribuir para o diálogo entre professor e

escola sobre prática docente (idem, p. 6). O documento preconiza a questão da

qualidade da escola como tarefa de todos e condição essencial para inclusão e

democratização das oportunidades no Brasil. Para garantir a democratização do acesso e

da permanência na educação básica o documento diz que o governo federal criou o

FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação) como ação política que prioriza o interesse

pela educação publica de qualidade.

Outra proposta apresentada pelo documento como ação política para a criação de

uma nova identidade ao ensino médio foi a instituição do PRODEB (Programa de

Equalização das Oportunidades de Acesso à Educação Básica) e implementação do

PNLEM (Programa Nacional do Livro do Ensino Médio) e publicação de livros para os

professores pela Secretaria de Educação Básica do MEC como o fim de apoiar o

trabalho científico e pedagógico em sala de aula (BRASIL, 2006a, 2006b, 2006c, p. 5).

Acrescenta-se nesta apresentação das Orientações Curriculares a oferta da formação

inicial e continuada pelas Secretarias de Educação e instituições de ensino superior para

a formação de professores com a implantação do Pró-Licenciatura, ProUni (Programa

Universidade para Todos) e da Universidade Aberta do Brasil.

Por fim entende-se a sociedade atual como complexa visto que requer

aprendizagem autônoma e contínua e que o documento não se caracteriza como um

manual ou cartilha final mas um apoio à reflexão docente como estimulo à revisão das

práticas pedagógicas para a melhoria do ensino (idem, p. 5-6).

O documento diz que

a política curricular deve ser entendida como expressão de uma

política cultural, na medida em que seleciona conteúdos e práticas de

uma dada cultura para serem trabalhados no interior da instituição

escolar. Trata-se de uma ação de fôlego: envolve crenças, valores e, às

vezes, o rompimento com práticas arraigadas (BRASIL, 2006a,

2006b, 2006c, p. 8).

As Orientações Curriculares foram produzidas a partir da necessidade expressa

de debates com gestores de Secretarias Estaduais de Educação, pesquisadores (nas

universidades) que discutem o ensino de disciplinas e como demanda para discussão

dos PCNEM em questões que precisavam ser aprofundadas e na oferta de alternativas

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didático-pedagógicas para a organização do trabalho pedagógico e estrutura ao do

currículo do ensino médio. No documento, o texto diz que o currículo é

a expressão dinâmica do conceito que a escola e o sistema de ensino

têm sobre o desenvolvimento dos seus alunos e que se propõe a

realizar com e para eles. Portanto, qualquer orientação que se

apresente não pode chegar à equipe docente como prescrição quanto

ao trabalho a ser feito (BRASIL, 2006a, 2006b, 2006c, p. 8).

Cada disciplina traz uma discussão introdutória justificando a importância de sua

existência no currículo do ensino médio. Em geral, os textos dão uma breve noção da

construção histórica da disciplina e alguns contextos da atualidade em que os conteúdos

estão presentes. São discutidas questões relativas à preparação para o trabalho, ao

enfrentamento do cotidiano, a apropriação de determinadas linguagens para a vida em

sociedade, de maneira que a discussão é feita (em grande parte) estabelecendo diálogo

com os PCN (apontando falhas como o papel dado à disciplina (um caráter restrito à

preparação para exames vestibulares, aplicabilidade no mercado de trabalho e na

soluções e problemas), a falta de orientação (como fazer, exemplos), propostas e

sugestões norteadores de didática aos professores e ausência de debates da atualidade

sobre questões relativas à própria disciplina). Sugerem, por exemplo, repensar a

importância das disciplinas no quesito aplicabilidade para a formação para o trabalho e

o exercício da cidadania. Discutem que é preciso pensar sobre a tal aplicabilidade visto

que criações poéticas, por exemplo, são criações também artísticas sem caráter de

aplicabilidade imediata para o trabalho, porém, ainda assim são importantes no

letramento literário do aluno do ensino médio pois fazem parte da produção cultural da

sociedade. As disciplinas e seus conteúdos seriam instrumentos de aprendizagem que

fornecem ao aluno recursos intelectuais para a vida pública (BRASIL, 2006a, 2006b,

2006c).

As competências a serem adquiridas não aparecem listadas como nos PCN mas

são explicadas e discutidas ao longo do texto que as apresenta discutindo-se a

metodologia, o contexto (sociedade, mundo do trabalho, produção cultural) em que se

inserem e sugerindo que as disciplinas podem ser pensadas num grande número de

espaços e contextos sociais. O trabalho é uma delas.

O aluno deve ser pensado como ator político, para que não esteja limitado à

aquisição da competência de saber ler e escrever, por exemplo, mas de entender as

construções políticas da própria língua e seus usos diversos e trajetórias de construção

(BRASIL, 2006a, 2006b, 2006c).

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Considerações finais

Ambos os projetos identificam a educação como instrumento importante para

construção de uma ideia de Nação. Na produção de políticas de currículo buscam

atender a demandas sociais de educação, emprego, formação profissional para indústria,

serviços, etc. Além disso, entendem que a identidade do ensino médio está também

definida pelos objetivos e prescrições feitas nos documentos curriculares. O trabalho é

significado como parte do contexto social, importante para a inserção do aluno na

sociedade. A educação no ensino médio em ambos os projetos deve ser controlada por

avaliações nacionais e o professor é peça central no desenvolvimento do currículo em

sala de aula.

O projeto FHC caracteristicamente neoliberal responsabiliza os professores e os

alunos pela aquisição de competências para o enfrentamento do mundo do trabalho,

qualificado como austero e difícil de superar mesmo com a aquisição das habilidades e

competências sugeridas nos documentos oficiais. O trabalho está localizado em um

contexto apresentado como algo futuro a ser alcançado pelos alunos em formação na

ultima etapa do ensino médio. A formação de um bom trabalhador diz respeito a um

sujeito que aprende a aprender e coloca-se em contínua aprendizagem para lidar com o

constante mutável mundo do trabalho cuja quantidade de informações é enorme e que se

superam facilmente e rapidamente. A conclusão do ensino médio não é garantia de bons

empregos e a empregabilidade está relacionada à habilidade do aluno em lidar com a

flexibilidade e demandas de formação contínua e especializada do mundo do trabalho.

O projeto Lula/Dilma assume que a formação educacional é ser capaz de atuar

em amplos e diversos espaços sociais. O trabalho é significado como parte importante

na construção social e a formação para o trabalho como parte da educação, um objetivo

colocado para este nível de ensino sem que haja centralidade do aluno na

responsabilização pela gestão de sua empregabilidade. A ênfase é dada na formação de

um sujeito para agir politicamente que pense a sociedade em sua complexidade. O

trabalho também aparece como responsabilidade do governo federal e não como algo da

estrutura social em que os alunos competirão passivamente para se inserirem, mas que

pode ser construído com ações políticas (do próprio governo federal) como programas

para oportunizar a entrada dos jovens no mundo do trabalho e na continuação dos

estudos para especialização em níveis mais elevados de educação.

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Os projetos curriculares de ambos os governos defendem a formação de

identidades para o estudante do ensino médio brasileiro. Os sentidos buscam fixar

(provisoriamente) um perfil de estudante e um contexto social em que o trabalho é

significado. Os significados dados a trabalho estão perpassados por discursos cujas

políticas de currículo de ambos projetos significam em suas práticas. Para tanto não

basta estarmos limitados ao que diz as linhas gerais dos documentos oficiais, mas os

discursos pelos quais estão perpassados e que dão significado a escola, a currículo, a

educação, a professor, aluno, trabalho e mundo do trabalho.

Referências

BRASIL, Lei 9304/96. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília,

1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso

em: 02 de Março de 2015.

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Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Bases Legais. Brasília: MEC, 1999a.

Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. Acesso em: 02

de março de 2015.

_______. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. PCNEM: Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Linguagens, Códigos e suas

Tecnologias. Brasília: MEC, 1999b. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. Acesso em: 02 de março de

2015.

_______. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. PCNEM: Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Ciências da Natureza, Matemática e

suas Tecnologias. Brasília: MEC, 1999c. Disponível em:

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2015.

_______. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. PCNEM: Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Ciências Humanas e suas

Tecnologias. Brasília: MEC, 1999d. Disponível em:

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2015.

_______. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares Nacionais para o

Ensino Médio. Linguagem, Códigos e suas Tecnologias. Brasília: MEC, 2006a.

Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/>. Acesso em: 02 de março de 2015.

_______. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares Nacionais para o

Ensino Médio. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília:

MEC, 2006b. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/>. Acesso em: 02 de março de

2015.

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CRAVEIRO, C.; LOPES, Alice Casimiro. Sentidos de Docência nos projetos

curriculares FHC e Lula. Revista e-Curriculum (PUCSP), v. 13, p. 452-474, 2015.

LOPES, Alice Casimiro. Ainda é possível um currículo político? In: LOPES, Alice

Casimiro; ALBA, Alicia de. Diálogos curriculares entre Brasil e México. Rio de

Janeiro: EdUERJ, 2014.

_______. Por um currículo sem fundamentos. Linhas Críticas (UnB), v. 21, p. 445-

466, 2015.

i Documento em versão inicial lançado pelo MEC, em setembro de 2015, para debate pela sociedade civil

“[...] do que poderá vir a ser a Base Nacional Comum” (BRASIL, 2014). Disponível em

http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio Acesso em: 02.fev.16. ii Quanto a essa discussão, ver Lopes e Macedo (2011), capítulo 1 – Currículo.

iii Na organização curricular do EMND/RN, a distribuição da carga horária do professor é a seguinte: 30

horas / semanais, sendo 20 horas em sala de aula; 04 horas de aulas com atividades complementares (para

projetos interdisciplinares planejados e desenvolvidos durante as aulas presenciais) e 06 horas –

atividades; aulas de 90 minutos (que equivalem a 02 aulas de 45 minutos) sem intervalo totalizando 03

horas diárias. iv Sobre o hibridismo/recontextualização , ver Lopes (2008).

v Disponível em: http://www.rn.gov.br/imprensa/noticias/programa-estadual-vai-orientar-politica-

nacional-do-mec-para-o-ensino-medio-noturno/13304/ (Programa Estadual vai orientar política

nacional do MEC para o Ensino Médio noturno) 28 de novembro de 2012. vi Pedagoga, mestre em educação (UERJ, ProPEd), doutoranda em educação (Universidade do Estado do

Rio de Janeiro – UERJ; Programa de Pós-Graduação em Educação – ProPEd); Integrante da linha de

pesquisa: Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura (ver em: <http://www.proped.pro.br/> e em:

<http://www.curriculo-uerj.pro.br/>).

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