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BIBLIOTECA ESCOLAR Escola Básica 2, 3 D.Miguel de Almeida Abrantes DIA DE S. VALENTIM

Poemas de amor

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Page 1: Poemas de amor

BIBLIOTECA ESCOLAR

Escola Básica 2, 3

D.Miguel de Almeida

Abrantes

DIA DE S. VALENTIM

Page 2: Poemas de amor

António Nobre

O TEU RETRATO

Deus fez a noite com o teu olhar,Deus fez as ondas com os teus cabelos;Com a tua coragem fez castelosQue pôs, como defesa, à beira-mar.

Com um sorriso teu, fez o luar(Que é sorriso de noite, ao viandante)E eu que andava pelo mundo, errante,Já não ando perdido em alto-mar!

Do céu de Portugal fez a tua alma!E ao ver-te sempre assim, tão pura e calma,Da minha Noite, eu fiz a Claridade!

Ó meu anjo de luz e de esperança,Será em ti afinal que descansaO triste fim da minha mocidade!

Page 3: Poemas de amor

Florbela Espanca

FANATISMO

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdidaMeus olhos andam cegos de te ver!Não és sequer a razão do meu viver,Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...Passo no mundo, meu Amor, a lerNo misterioso livro do teu serA mesma história tantas vezes lida!

«Tudo no mundo é frágil, tudo passa...»Quando me dizem isto, toda a graçaDuma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:«Ah! Podem voar mundos, morrer astros,Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...»

Page 4: Poemas de amor

António Botto

Quanto, quanto me queres? — perguntasteNuma voz de lamento diluída;E quando nos meus olhos demorasteA luz dos teus senti a luz da vida.

Nas tuas mãos as minhas apertaste;Lá fora da luz do Sol já combalidaEra um sorriso aberto num contrasteCom a sombra da posse proibida...

Beijámo-nos, então, a latejarNo infinito e pálido vaivémDos corpos que se entregam sem pensar...

Não perguntes, não sei — não sei dizer:Um grande amor só se avalia bemDepois de se perder.

Page 5: Poemas de amor

António Gedeão

Soneto

Não pode Amor por mais que as falas mudeexprimir quanto pesa ou quanto mede.Se acaso a comoção falar concedeé tão mesquinho o tom que o desilude.

Busca no rosto a cor que mais o ajude,magoado parecer aos olhos pede,pois quando a fala a tudo o mais excedenão pode ser Amor com tal virtude.

Também eu das palavras me arreceio,também sofro do mal sem saber ondebusque a expressão maior do meu anseio.

E acaso perde, o Amor que a fala esconde,em verdade, em beleza, em doce enleio?Olha bem os meus olhos, e responde.

Page 6: Poemas de amor

Carlos Queiroz

CANÇÃO GRATA

Por tudo o que me deste: — Inquietação, cuidado,(Um pouco de ternura? E certo, mas tão pouco!)Noites de insónia, pelas ruas, como um louco...Obrigado, obrigado!

Por aquela tão doce e tão breve ilusão.(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceitaA minha gratidão!

Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!— Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado...Sem ironia, amor: — Obrigado, obrigadoPor tudo o que me deste!

Page 7: Poemas de amor

Jorge de Sena

Amo-te muito, meu amor, e tantoque, ao ter-te, amo-te mais, e mais aindadepois de ter-te, meu amor. Não findacom o próprio amor o amor do teu encanto.

Que encanto é o teu? Se continua enquantosofro a traição dos que, viscosos, prendem,por uma paz da guerra a que se vendem,a pura liberdade do meu canto,

um cântico da terra e do seu povo,nesta invenção da humanidade inteiraque a cada instante há que inventar de novo,

tão quase é coisa ou sucessão que passa...Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.

Page 8: Poemas de amor

Pedro Tamen

Não sei, amor, sequer, se te consintoou se te inventas, brilhas, adormecesnas palavras sem carne em que te mintoa verdade intemida em que me esqueces.

Não sei, amor, se as lavas do vulcãonos lavam, veras, ou se trocam tintasdos olhos ao cabelo ou coraçãode tudo e de ti mesma. Não que sintas

outra coisa de mais que nos feneça;mas só não sei, amor, se tu não sabesque sei de certo a malha que nos teça,

o vento que nos leve ou nos trave,a mão que te nos dê ou te nos peça,o princípio de sol que nos acabe.

Page 9: Poemas de amor

Manuel Alegre

AS FACAS

Quatro letras nos matam quatro facasque no corpo me gravam o teu nome.Quatro facas amor com que me matassem que eu mate esta sede e esta fome.

Este amor é de guerra. (De arma branca).Amando ataco amando contra-atacaseste amor é de sangue que não estanca.Quatro letras nos matam quatro facas.

Armado estou de amor. E desarmado.Morro assaltando morro se me assaltas.E em cada assalto sou assassinado.

Quatro letras amor com que me matas.E as facas ferem mais quando me faltas.Quatro letras nos matam quatro facas.

Page 10: Poemas de amor

Mário Dionísio

UMA MULHER QUASE NOVA

Uma mulher quase novacom um vestido quase branconuma tarde quase claracom os olhos quase secos

vem e quase estende os dedosao sonho quase possívelquase fresca se libertado desespero quase morto

quase harmónica corridaenche o espaço quase alegrede cabelos quase soltostransparente quase solta

o riso quase bastantequase músculo floridodeste instante quase novoquase vivo quase agora

Page 11: Poemas de amor

David Mourão-Ferreira

SONETO DO CATIVO

Se é sem dúvida Amor esta explosãode tantas sensações contraditórias;a sórdida mistura das memórias,tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante; a profusãode frases insensatas, incensórias;a cúmplice partilha nas históriasdo que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardiade buscar nos lençóis a mais sombriarazão de encantamento e de desprezo;

não há dúvida, Amor, que te não fujoe que, por ti, tão cego, surdo e sujo,tenho vivido eternamente preso!

Page 12: Poemas de amor

José Gomes Ferreira

Dá-me a tua mão.

Deixa que a minha solidãoprolongue mais a tua— para aqui os dois de mãos dadasnas noites estreladas,a ver os fantasmas a dançar na lua.

Dá-me a tua mão, companheira,até o Abismo da Ternura Derradeira.

Page 13: Poemas de amor

Luís de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver;É ferida que dói e não se sente;É um contentamento descontente;É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;É um andar solitário entre a gente;É nunca contentar-se de contente;É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontadeÉ servir a quem vence o vencedor,É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favorNos corações humanos amizade;Se tão contrário a si é o mesmo amor?

Page 14: Poemas de amor

Fernando Pessoa

O Amor

O AMOR, quando se revela,Não se sabe revelar.Sabe bem olhar p'ra ela,Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que senteNão sabe o que há de dizer.Fala: parece que mente...Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,Se pudesse ouvir o olhar, E se um olhar lhe bastasseP'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;Quem quer dizer quanto senteFica sem alma nem fala,Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lheO que não lhe ouso contar,Já não terei que falar-lhePorque lhe estou a falar...

Page 15: Poemas de amor

Florbela Espanca

Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!Amar só por amar: Aqui... além...Mais Este e Aquele, o Outro e toda a genteAmar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...Prender ou desprender? É mal? É bem?Quem disser que se pode amar alguémDurante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:É preciso cantá-la assim florida,Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nadaQue seja a minha noite uma alvorada,Que me saiba perder... pra me encontrar...

Page 16: Poemas de amor

Almeida Garrett

Este inferno de amar 

Este inferno de amar – como eu amo!Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?Esta chama que alenta e consome,Que é vida – e que a vida destrói.Como é que se veio atear,Quando – ai se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,A outra vida que dantes viviEra um sonho talvez… foi um sonho.Em que a paz tão serena a dormi!Oh! Que doce era aquele olhar…Quem me veio, ai de mim! Despertar?

Só me lembra que um dia formosoEu passei… Dava o Sol tanta luz!E os meus olhos que vagos giravam, Em seus olhos ardentes os pus.Que fez ela? Eu que fiz? Não o sei;Mas nessa hora a viver comecei…Por instinto se revela,Eu no teu seio divinoVim cumprir o meu destino...Vim, que em ti só sei viver,Só por ti posso morrer.

Page 17: Poemas de amor

Ruy Cinatti

Quando o amor morrer dentro de ti,

Caminha para o alto onde haja espaço,

E com o silêncio outrora pressentido

Molda em duas colunas os teus braços.

Relembra a confusão dos pensamentos,

E neles ateia o fogo adormecido

Que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido

Espalhou generoso aos quatro ventos.

Aos que passarem dá-lhes o abrigo

E o nocturno calor que se debruça

Sobre as faces brilhantes de soluços.

E se ninguém vier, ergue o sudário

Que mil saudosas lágrimas velaram;

Desfralda na tua alma o inventário

Do templo onde a vida ora de bruços,

A Deus e aos sonhos que gelaram.

Page 18: Poemas de amor

Sebastião Alba

Ninguém meu amor

ninguém como nós conhece o sol

Podem utilizá-lo nos espelhos

apagar com ele

os barcos de papel dos nossos lagos

podem obrigá-lo a parar

à entrada das casas mais baixas

podem ainda fazer

com que a noite gravite

hoje do mesmo lado

Mas ninguém meu amor

ninguém como nós conhece o sol

Até que o sol degole

o horizonte em que um a um

nos deitam

vendando-nos os olhos

Page 19: Poemas de amor

Bocage

Soneto do amor maior

Amar dentro do peito uma donzella; Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura; Fallar-lhe, conseguindo alta ventura, Depois da meia-noite na janella:

Fazê-la vir abaixo, e com cautela

Sentir abrir a porta, que murmura; Entrar pé ante pé, e com ternura

Apertá-la nos braços casta e bella:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,

E a boca, com prazer o mais jucundo, Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;

Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;

É este o maior gosto que há no mundo.