Peso 3

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Peso 3

Citation preview

  • Imaginrios

    A histria da humanidade est cheia de mistrios embrulhados na atmosfera sagrada

    do religioso, do mtico, do mstico e do profano.

    No Peso essas histrias existiram, foram passando de gerao em gerao, algumas

    delas oralmente, quando ouvamos referncias a factos que alguns dos nossos antepassados

    nos revelaram que nas noites frias de Inverno, quando a famlia estava aconchegada ao lume e

    depois de se ter regrado o tero, o meu av contava-nos histrias.

    As lendas so histrias de vidas, de milagres ou atos heroicos, algumas delas com

    fundamentos em factos reais. So histrias annimas, passadas de boca em boca, cujo autor se

    desconhece, mas que nos relatos se adicionam ou retiram pontos. Quem conta um conto,

    acrescenta-lhe, ou retira-lhe, um ponto, diz o ditado popular.

    A lenda da Moura encantada uma histria que est profundamente enraizada no

    imaginrio popular devido ao fascnio exercido pela civilizao rabe sobre as populaes. Na

    Odisseia de Homero ou nos Lusadas de Cames encontramos a figura feminina sedutora, por

    vezes perigosa, pertencente a esse mundo de magia e de sonho.

    No caso da Lenda da Moura Encantada do Peso1, j passada a livro, para que o seu

    relato se no perca, poderemos ver na sua essncia uma bonita histria de amor, com

    fundamento em possvel caso verdadeiro.

    A existncia de mouros est historicamente comprovada na nossa regio, at pelos

    nomes de algumas localidades cujos nomes comeam por AL.

    A moura encantada perdeu todos os seus familiares num desastre, quando o barco,

    que atravessava o rio Zzere entre as localidades do Peso e Pesinho; depois, a p, seguiu o rio

    at Constncia, aonde desagua no rio Tejo procura dos seus familiares.

    Um jovem desta regio que ficou ferido na conquista de Lisboa, e depois regressou a

    sua casa, de cavalo, seguindo o rio Tejo e depois o Zzere pela margem direita, tendo

    encontrado no caminho, a moura.

    A fonte de gua pura, a que se refere o livro, e que existe no Peso conhecida como

    a Fonte dos Namorados.

    O Social na Comunidade do Peso

    Lavoura

    O rio que faz a diviso geogrfica entre as serras da Estrela e da Gardunha

    aperfeioou as terras, enriquecendo-as com o aluvio. Destas terras proveem a maioria dos

    produtos que so a base da alimentao dos seus habitantes.

    Na direo da Estrela, ao longo das diversas ribeiras existentes, nos socalcos das

    encostas, a fora do brao humano recuperava terrenos para aumentarem as zonas de cultivo.

    Estes pequenos pedaos de terreno, habitualmente destinados s rvores de fruta, e

    vinhas, denominados ches, eram construdos de modo a que as guas das chuvas fossem

    1 BAPTISTA, Jos dos Santos, Belos Campos em Flor, pp.75 a 86.

  • O Social na Comunidade do Peso

    2

    2

    aproveitadas para a poca de Vero, e simultaneamente no lhes levasse as terras; a jusante do

    curso de gua, normalmente construam minibarragens, conhecidas por represas, que apesar

    de relativamente pequenas, com pouca capacidade de armazenamento, mas que se tornavam

    valiosas no Vero, para a rega.

    O trabalho destes leires, tambm assim conhecidos, era feito com a ajuda dos

    vizinhos, familiares ou amigos, que se entreajudavam uns aos outros. Isto sucedia assim

    porque havia dificuldades generalizadas de pagamento em dinheiro, e ento a forma de

    resolverem este problema financeiro era precisamente pagarem-se uns aos outros, em iguais

    dias de trabalho.

    A atividade agrcola era predominante, embora houvesse tambm a pastorcia, a

    construo de habitao prpria, ou para guardar o gado e os utenslios agrcolas.

    Populao

    Por volta de meados do sculo passado, a populao residente nessa poca deveria

    rondar as 1800 pessoas, (1919 em 1940, conforme quadro j apresentado), prevendo-se que

    10% da mesma era relativa populao escolar. As mulheres com mais de 30 anos no

    sabiam ler nem escrever, e os poucos homens que sabiam ler e escrever tinham aprendido em

    casa do meu av materno.

    Aqui salta logo vista que o destino das mulheres estava traado para serem donas

    de casa e mes, por isso, na mentalidade na altura, no precisavam para nada de saber ler e

    escrever. Aos homens convinha saber ler, escrever e fazer contas, at porque teriam de ir para

    a tropa.

    Vida pessoal

    A vida individual ajustava-se por regras prescritas tradicionalmente pelos usos e

    costumes.

    No poderia haver relaes sexuais fora do casamento. Condutas extraviadas ou

    outras formas sexuais eram repudiadas. Uma mulher, ou rapariga, mal comportada seria

    irremediavelmente marginalizada, ficando assinalada para a vida inteira, como uma ndoa da

    sociedade.

    O casamento era feito entre pessoas da terra, que se conheciam desde crianas; havia

    tambm, com alguma frequncia, casamentos com outras pessoas de outras localidades, mas

    normalmente eram pessoas de localidades vizinhas. A mulher ideal para casar deveria saber

    ser boa dona de casa, saudvel, poupada, que no fosse peneirenta, isto , que no fosse

    vaidosa, bem comportada, e acima de tudo que fosse filha de pessoas que tivessem ches2

    para cultivar.

    Dos casamentos nasciam em mdia 4 a 6 filhos, porque dizia-se que ter apenas um,

    como no ter nenhum. As relaes sexuais eram naturalmente desejadas, mas

    simultaneamente consideradas um pouco vergonhosas, devido mentalidade da poca.

    Quando nascia algum filho, e se o casal tivesse filhos mais velhos, estes eram

    afastados de permanecerem em casa, junto dos pais. Normalmente iam para casa dos avs, ou

    de outro familiar mais prximo, e s apareciam ao p da me quando o irmo recm-nascido

    2 Era assim o nome dado palavra chos, ou seja, propriedades agrcolas.

  • O Social na Comunidade do Peso

    3

    3

    j pudesse ser visto; desta forma se demonstrava a preocupao que havia relativamente s

    actividades sexuais existentes anteriormente.

    O nascimento de um filho normalmente sucedia espontaneamente, sem grandes

    complicaes; a mulher estava habituada a fazer muitos exerccios fsicos, no de ginstica

    propriamente dita, mas porque trabalhava no campo, executava trabalhos agrcolas como um

    homem, para alm de ter a lide de casa. Deste modo a bacia e a configurao do corpo

    feminino ia-se adaptando a um nascimento perfeito, sem grandes complicaes. Curiosamente

    era muito raro haver um nado-morto, em comparao daquilo que se tem conhecimento de

    haver no resto do pas.

    A parteira era sempre uma mulher na casa dos 50 anos de idade, pois tinha a

    experincia e a prtica necessria para solucionar qualquer dificuldade que surgisse. S a

    partir de meados da dcada dos anos 60 que este trabalho de parto comeou a ser executado

    por uma enfermeira do Instituto Maternal da Covilh, a D. Laura, e cujo motorista ainda hoje

    vivo, o Sr. Joo Carrio, que foi chefe dos motoristas no Centro de Sade da Covilh, e que

    ficou conhecido nas aldeias do concelho, pelo Sr. Joo dos meninos.

    Nos primeiros momentos de vida do beb, e se a parturiente, por algum motivo,

    ainda no tinha leite materno, chamava-se algum que tivesse criana a amamentar, para lhe

    dar do seu prprio leite. Normalmente a escolha desta amamentadeira provisria recaia em

    algum que possusse boas virtudes morais e boa sade fsica, porque havia a ideia

    generalizada que o primeiro leite que os bebs sugassem, levaria com eles as virtudes da

    pessoa que o amamentou.

    A amamentao prolongava-se at aos dois anos de idade.

    J havia beros, que eram de madeira, cuja parte inferior era de forma oval, para se

    poder embalar a criana. Contava-me o meu av materno, que quando as crianas choravam

    muito de noite, para evitar que um dos progenitores tivesse de se levantar muitas vezes,

    durante a noite, atavam um cordel a uma argola aparafusada cabeceira do bero, e depois

    puxavam o cordel de modo a fazer baloiar o bero, at que a criana se deixasse dormir.

    Tambm nesta fase da vida beb, e na fase seguinte at aos 3-4 anos, para aqueles

    que tinham pais alcolicos, que lhes era dada sopas de cavalo cansado; estas sopas eram

    feitas base de po ensopado em vinho tinto e acar, e depois dadas s crianas, para os

    adormecerem!