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1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA VOLUME 1 P-1-5

Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

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O major Perry Rhodan, comandante da espaçonave Stardust, descobriu muito mais do que se supunha pudesse existir na Lua; ele veio a ser o primeiro homem a entrar em contato com outra raça; os arconidas. Os extraterrestres, provenientes de uma estrela distante e possuidores de um poderoso império estelar e de um elevado conhecimento científico e filosófico que, perto deles, a Humanidade ainda estava centenas de milhares de anos atrasada. Mas estes alienígenas, enormemente poderosos, recusavam-se a cooperar com os terrestres a menos que Perry Rhodan saia-se vencedor do teste mais difícil a que um ser humano jamais se submetera...

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1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA

VOLUME 1

P-1-5

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2

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Crepúsculo dos Deuses

Volume 4

Alarma Galáctico

Volume 5

A Abóbada Energética

Volume 3

A Terceira Potência

Volume 2

Missão Stardust

Volume 1

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3

Missão Stardust

A Terceira Potência

A Abóbada Energética

O Crepúsculo dos Deuses

Alarma Galáctico

1º Ciclo – A Terceira Potência

Volume 01

Episódios: 01 - 05 de 49

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Nº 01

De

K. H. Scheer

Digitalização

Vitório

Revisão e novo formato

W.Q. Moraes

O major Perry Rhodan, comandante da espaçonave Stardust, descobriu muito

mais do que se supunha pudesse existir na Lua — ele veio a ser o primeiro homem

a entrar em contato com outra raça.

Os extraterrestres, provenientes de uma estrela distante e possuidores de um nível

tão elevado de conhecimentos científicos e filosóficos que, perto deles, a

Humanidade ainda estava centenas de milhares de anos atrasada.

Mas estes alienígenas, enormemente poderosos, recusavam-se a cooperar com os

terrestres a menos que Perry Rhodan saísse vencedor do teste mais difícil a que

um ser humano jamais se submetera...

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Aconselhamos o leitor a começar o livro

pela segunda parte, onde iniciam propriamente

as aventuras espaciais de Perry Rhodan. Na

primeira parte só há uma viagem detalhada à

Lua, inteiramente fictícia.

PRIMEIRA PARTE

A Partida

I

No prédio principal da Central de Nevada Fields,

que abrigava o centro nervoso eletrônico da base espacial,

reinava a atividade febril e aparentemente inútil que

caracteriza os preparativos finais da partida de uma

espaçonave. A única finalidade de todas as operações, dos

avisos transmitidos pelos alto-falantes e dos cálculos

detalhados era controlar mais uma vez os resultados que

de há muito tinham sido apurados.

Os engenheiros que formavam a equipe responsável

pela parte eletrônica da nave verificaram os inúmeros

circuitos do computador astro-eletrônico, cuja finalidade

consistia em proceder a eventuais correções de curso.

Realizaram, também, uma revisão no dispositivo

automático B, um robô especial

incumbido do controle da

decolagem e da separação dos

estágios e, ainda, do comando

remoto.

O computador eletrônico C,

que era o robô coordenador dos ecos

de radar recebidos, e ainda a estação

de comando das câmaras especiais

teleguiadas do dispositivo de

infralocalização, apresentava, como

já se esperava, funcionamento

perfeito. Os últimos cálculos de

verificação, realizados através de

computadores eletrônicos, estavam

exatos até a décima casa decimal.

O engenheiro-chefe,

responsável pela manutenção,

comunicou que os dois dispositivos

automáticos principais —

dispositivos eletrônicos da

decolagem e do controle remoto —

estavam em perfeitas condições de

funcionamento.

Fez-se tudo aquilo que já tinha

sido feito em várias decolagens

anteriores, numa rotina altamente

especializada. Só uma pequena nuança de nervosismo

poderia ter revelado a um observador experimentado que

desta vez não se tratava do lançamento de uma

espaçonave qualquer.

Os soldados, fortemente armados, que se

encontravam na entrada norte do prédio principal,

prestaram continência com um gesto displicente. O

general Lesley Pounder, comandante da Base Aérea de

Nevada Fields e chefe do Departamento de Pesquisas

Espaciais, não fazia muita questão de que em

oportunidades como esta a etiqueta militar fosse

estritamente observada. Ficava satisfeito em saber que os

homens estavam bem atentos nos seus postos.

Como havia sido planejado, o general Pounder

entrou na sala principal do comando à meia-noite e quinze

em ponto. Estava acompanhado do chefe do Estado

Maior, o coronel Maurice e do diretor científico do

projeto, o professor F. Lehmann, que se tornara famoso

principalmente como diretor da Academia de Tecnologia

Espacial da Califórnia.

A chegada dos personagens principais não causou a

menor interrupção nas atividades que se desenvolviam no

interior da sala. O general tinha chegado; era só isso.

Lesley Pounder, um homem quadrado no aspecto e

no caráter, famoso entre os colaboradores, e difamado em

Washington pela intransigência com que insistia no

cumprimento das suas exigências, aproximou-se da

enorme tela de controle.

As imagens, que na sala de imprensa apareciam

pouco nítidas, deslizavam, aqui, em tamanho natural na

tela ligeiramente abaulada.

Pounder apoiou as mãos no encosto da poltrona

giratória e permaneceu imóvel por alguns instantes. O

professor Lehmann segurou os óculos sem aro com um

gesto nervoso. Alguma coisa parecia arder dentro dele.

Em sua opinião, havia coisas muito mais importantes para

fazer do que voltar a inspecionar, em

companhia do comandante das

operações, coisas de importância

secundária que já tinham sido

controladas. Lançou um olhar de

súplica ao chefe do Estado-Maior. O

coronel Maurice ergueu os ombros de

modo quase imperceptível. Tinham

que aguardar. Ao que parecia,

Pounder ainda tinha algumas

perguntas a fazer, embora estivesse

mais bem informado que muitos dos

membros da sua equipe de cientistas.

— Isto é belo! De uma beleza

empolgante! — disse Pounder em

voz baixa, enquanto olhava para a

tela. — Alguma coisa dentro de mim

vive perguntando se não estamos

indo longe demais. Os peritos do

Departamento de Navegação Espacial

continuam a achar que é rematado

loucura arriscar o lançamento da

Terra. Não é apenas a resistência do

ar que temos de vencer. Além disso,

devemos atingir a velocidade que

resultaria, automaticamente, de um

lançamento a partir da plataforma

espacial. São exatamente 7,08 quilômetros por segundo,

ou seja, 25.400 quilômetros por hora.

— É a velocidade em que a estação espacial

tripulada percorre sua órbita, general — apressou-se o

professor Lehmann a murmurar. — No nosso caso, essa

velocidade não representa um fator decisivo. Peço licença

para voltar a insistir nas enormes dificuldades que

Personagens Principais deste episódio:

Major Perry Rhodan — Comandante da nave

Stardust.

Capitão Reginald Bell — Engenheiro

eletrônico da Stardust.

Capitão Clark G. Fletcher — Astrônomo da

Stardust.

Tenente-médico Eric Manoli — Médico de

bordo da Stardust.

General Lesley Pounder — Chefe da Força

Espacial dos Estados Unidos.

Dr. Fleet — Médico-chefe da Força Espacial

dos Estados Unidos.

Allan D. Mercant — Chefe do Conselho

Internacional de defesa.

Crest — Cientista-chefe da expedição

organizada por uma raça desconhecida.

Thora — Comandante da nave dos arcônidas.

Professor Lehmann — Diretor da Academia

de Tecnologia Espacial da Califórnia e pai

espiritual da Stardust.

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surgiriam na montagem da nave, com peças pré-

fabricadas, realizada no espaço, fora da ação da

gravidade. Já tivemos experiências bem amargas nesse

setor. É bem mais fácil construir a nave na Terra do que a

1.730 quilômetros de altitude. E, em termos econômicos,

isto representa uma diferença, a menos, de trezentos e

cinquenta milhões de dólares por unidade.

— Esse argumento causou uma impressão

formidável em Washington — ironizou o general. —

Bem, a esta altura, não se pode alterar mais nada.

Façamos votos para que os resultados brilhantes dos voos

experimentais justifiquem o risco que, hoje, estamos

assumindo. A bordo desta nave estarão quatro dos meus

melhores homens, professor. Se alguma coisa não der

certo, o senhor terá que se explicar comigo.

Lehmann empalideceu sob o olhar gélido do general.

Mas o coronel Maurice, um estrategista hábil em manter

perfeito o equilíbrio entre os interesses conflitantes da

pesquisa científica e os do poderio militar, interveio com

o tato que lhe era peculiar, levando a conversa para outro

campo.

— General; peço licença para lembrar-lhe o pessoal

da imprensa. Os repórteres já devem estar ardendo de

curiosidade. Ainda não liberei informações mais

detalhadas.

— Não poderíamos evitar isso, coronel? —

resmungou Pounder. — No momento tenho coisas mais

importantes para fazer.

— Acho conveniente atendê-los — respondeu o

coronel de forma bem sugestiva.

O Dr. Fleet, perito em astrofísica, pigarreou. Era

também o responsável pelas questões de medicina

espacial, cabendo-lhe, ainda, cuidar da boa saúde dos

cosmonautas.

De repente, Pounder sorriu.

— Muito bem. Falarei com eles. Mas só pelo

circuito fechado de televisão.

Maurice sobressaltou-se. Os técnicos que os

rodeavam riram disfarçadamente. Era outra das atitudes

típicas do velho.

— Pelo amor de Deus, general. Essa gente conta

com a sua presença pessoal. Foi o que eu lhes prometi.

— Pois, então, retire a promessa — sugeriu Pounder

sem se mostrar impressionado.

— Mas vão dizer o diabo de nós nos editoriais —

disse o chefe do Estado-Maior em tom suplicante.

— Neste caso, mandarei prender estes rapazes até

que se tenham acalmado. Veremos. Ligue-me com eles.

Nas paredes nuas do abrigo de observação, os alto-

falantes pareciam retornar à vida. A cabeça de Pounder

apareceu numa tela. Com o seu mais cativante sorriso,

desejou a todos uma manhã bem agradável. Logo após, o

rosto do general tornou-se sério, não fazendo caso das

feições contrariadas dos repórteres.

De forma lacônica e em tom indiferente, como se

estivesse explicando algo bem irrelevante, anunciou:

— Cavalheiros, a imagem que apareceu há alguns

minutos nas telas existentes no interior do abrigo em que

se encontram corresponde a um foguete de três estágios.

Nos elementos que compõem o mesmo, foram

introduzidas modificações importantes. A decolagem terá

lugar dentro de três horas aproximadamente. Estão sendo

realizados os preparativos finais. No momento, os quatro

tripulantes ainda dormem um sono profundo que lhes

descansará os nervos. Só serão despertados cerca duas

horas antes da decolagem.

Os repórteres ainda se mostravam indiferentes. Já

havia tempo que as viagens espaciais tripuladas tinham

deixado de ser novidade. Os olhos de Pounder

estreitaram-se ligeiramente. Estava antegozando os

trunfos que surpreenderiam os homens da imprensa.

— Em virtude de experiências passadas, o Comando

de Exploração do Espaço decidiu não montar a nave

espacial na estação orbital. Ninguém ignora as

dificuldades e os fracassos das tentativas anteriores. Por

isso, a primeira espaçonave que deverá pousar na Lua,

partirá diretamente da Terra. A nave foi batizada com o

nome de Stardust. O comandante da primeira missão

lunar é o major Perry Rhodan, com trinta e cinco anos de

idade, piloto de provas da Força Espacial, cosmonauta e

físico nuclear, especializado em motores de radiação

atômica. Acho que Rhodan é uma pessoa bastante

conhecida, como sabem, foi o primeiro homem da Força

Espacial que contornou a Lua.

Pounder fez outra pausa. Com grande satisfação

registrou o barulhento e exaltado vozerio que seguiu suas

palavras. Alguém, aos berros, pediu silêncio. A calma

voltou a reinar no recinto.

— Muito obrigado — disse o general. — Os

senhores estavam um pouco agitados. Peço-lhes que não

formulem perguntas. O oficial encarregado das

informações tratará disso logo após o lançamento. Meu

tempo é muito curto de modo que devemos aproveitá-lo o

máximo possível. A Stardust será tripulada por uma

equipe de quatro homens rigorosamente selecionados.

Além do major Rhodan, participam da expedição o

capitão Reginald Bell, o capitão Clark G. Fletcher e o

tenente-médico Eric Manoli. Um grupo de pessoas

altamente especializadas tanto no terreno militar quanto

no científico. Cada um deles é possuidor de pelo menos

duas especializações distintas. Uma tripulação cujos

membros se completam com uma perfeição que poucas

vezes é alcançada. Os senhores receberão, depois,

fotografias e dados adicionais sobre eles.

Ao que parecia, o general Pounder não estava

disposto a brindar o auditório, que se mantinha cativo às

suas palavras, com um discurso mais prolongado. Então,

silenciando as vozes que começavam a se levantar, ao

mesmo tempo em que olhava para o relógio, exclamou:

— Por obséquio, cavalheiros, as perguntas que estão

formulando são em vão. Tudo o que lhes posso fornecer

são dados genéricos. A Stardust está preparada para uma

permanência de quatro semanas na Lua. O programa de

exploração a ser cumprido pelos tripulantes está

perfeitamente determinado. Depois da alunissagem bem

sucedida de naves não tripuladas, resolvemos assumir o

risco de enviar uma expedição de quatro homens à Lua e,

queira Deus, não cometeremos qualquer equívoco. Como

os senhores sabem, a partida da Terra consome uma

quantidade enorme de energia, ainda mais que o último

estágio da nave terá que descer na Lua e voltar com os

seus próprios recursos, o que não seria possível com os

engenhos convencionais de propulsão, ainda mais numa

nave de apenas três estágios de dimensões relativamente

reduzidas.

— Queremos dados técnicos! — gritou alguém,

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exaltado.

— Serão fornecidos — resmungou o general em

resposta. — O comprimento total da nave é de 91,6

metros. O primeiro estágio tem 36,5 metros; o segundo,

24,7 e o terceiro, que constitui o módulo que descerá na

Lua, 30,4. O peso máximo de decolagem, com os tanques

de combustível completos e a carga útil, são de 6.850

toneladas, sendo a carga útil de 64,2 toneladas. Assim

mesmo, o módulo lunar não parece muito maior que a

maioria das naves de transporte. Isto acontece porque só o

primeiro estágio é dotado de propelentes químicos. O

segundo e o terceiro estágios conterão os primeiros

mecanismos de propulsão nuclear.

Esta declaração foi à segunda bomba de Pounder.

Ele a soltara de surpresa. Impassível, prosseguiu:

— O primeiro estágio usará como combustível, a

melhor composição química de que dispomos para esse

fim: o N-trietil-borazan, cujo elemento combustível é o

hidrogênio-boro. O oxigênio é fornecido pelo tradicional

ácido nítrico, que desencadeia a reação de autoignição

quando misturado na proporção de 1 para 4,9. A potência

de empuxo é superior em 180% à da velha hidrazina, em

idênticas condições estequiométricas. Os reatores do

primeiro estágio são desligados a uma velocidade final de

10.115 quilômetros por hora e a uma altitude de 88

quilômetros. Nesse ponto, esse estágio se desprende. O

segundo estágio já está equipado com os novos

propulsores nucleares, cujo reator funciona a uma

temperatura de 3.920 graus centígrados utilizando ligas

especiais obtidas por condensação molecular. Os novos

micros reatores foram instalados em condições bastante

favoráveis. Funcionam à base de plutônio. A energia

puramente térmica por eles gerada é transmitida para as

câmaras de compensação térmica ou de expansão, através

de um elemento ativo intermediário. Como elemento de

transmissão das radiações, utilizamos o para hidrogênio

líquido em estado de pureza quase absoluta, que é

aquecido e eliminado pelos propulsores. Depois que

conseguimos eliminar as perdas através da evaporação, o

hidrogênio líquido passou a ser excelente elemento

transmissor de radiação. Tivemos que solucionar

problemas bastante difíceis, especialmente aqueles

ligados ao ponto de ebulição extremamente baixo do

hidrogênio líquido, que começa a ferver a uma

temperatura de 252,78 graus centígrados abaixo de zero.

O mecanismo de propulsão nuclear funciona a uma

velocidade de escapamento de 10.102 metros por

segundo, velocidade que, em hipótese alguma, poderia ser

atingida através de uma reação química. Posteriormente,

lhes serão fornecidos outros dados a respeito.

“A Stardust será lançada às três horas e dois

minutos. Vai descer junto à cratera Newcomb, perto do

pólo sul lunar. Estamos interessados em descobertas

relativas à face oculta da Lua, mas, devido às limitações

da comunicação pelo rádio, deveremos manter um homem

na face visível. Como é do conhecimento de todos; as

ondas de rádio se propagam em linha reta. Os tripulantes

farão, também, extensos passeios no solo lunar com um

novo tipo de veículo exploratório. Por ora, isso é tudo,

senhores. Transmiti-lhes todas as informações essenciais.

Outros pormenores detalhados, inclusive técnicos lhes

serão fornecidos pelo oficial encarregado pelo setor.”

À uma hora em ponto, o Dr. Fleet encontrava-se

diante dos quatro homens adormecidos. Estavam

descansando, havia quatorze horas, sob o efeito da

psiconarcotina.

O Dr. Fleet hesitou por alguns segundos antes da

aplicação do elemento neutralizador dos efeitos narcóticos

do soporífero. Teve um indefinível sentimento de

compaixão. Com o despertar, retornariam os

pensamentos, o espírito voltaria à lucidez e tudo aquilo,

que com tanto esforço se procurou afastar dos quatro

homens, voltaria a assaltá-los.

Um tripulante nervoso, sonolento, física e

psiquicamente esgotado era um parceiro pouco adequado

às máquinas de calcular insensíveis e aos mecanismos

solicitados até o limite extremo da sua capacidade. Era

indispensável que o espírito humano se mantivesse lúcido,

pois só a ele caberia, em última instância, a decisão.

Evidentemente, ainda seriam realizados outros

exames médicos de rotina, que demandariam cerca de

uma hora. Outra hora seria despendida pelos engenheiros

encarregados do equipamento. Os homens subiriam a

bordo da nave dez minutos antes da partida. E ficariam

deitadas em suas macias camas metálicas, abstendo-se de

qualquer esforço mental.

Com a partida da espaçonave, o período de repouso

chegaria ao fim. Dali em diante, teria início uma luta

encarniçada que forçaria o corpo e a mente até o extremo

da resistência. Os homens enfrentariam um verdadeiro

martírio no ventre de um monstro furioso feito de aço-

molibdênio e fibras sintéticas.

As quatro camas baixas, com seus colchões de

espuma que respiravam ativamente através de poros,

estavam cercadas de uma luminosidade suave e

acariciante. Parecia ser o máximo de conforto dispensado

a homens que dali a pouco teriam que suportar tremendas

provações.

O major Perry Rhodan, ás da Força Espacial, abriu

os olhos. Praticamente sem a menor transição, passou do

sono para um estado de perfeita lucidez.

— Cuidou de mim em primeiro lugar? — perguntou.

Parecia antes uma constatação que uma indagação. Com

grande satisfação o Dr. Fleet registrou a reação lúcida do

comandante. Não havia dúvida, Rhodan estava de volta.

— Exatamente como tínhamos planejado —

confirmou com voz abafada.

Rhodan ergueu-se num gesto comedido, respirando

profundamente. Alguém afastou a coberta fina dotada de

ventilação ativa. Ele trajava uma vestimenta ampla, cujo

formato lembrava uma camisa que não exercia qualquer

pressão sobre o corpo. Enquanto levantava, proferiu, em

voz baixa, uma maldição que fez aflorar um sorriso aos

lábios dos homens que o rodeavam. O gesto parecia

provocar uma sensação de alívio nessa situação um tanto

irreal.

— Doutor, se eu tivesse pernas tão lindas como as

suas teria, pelo menos, um motivo para me conformar —

observou Rhodan com um humor seco. Nos seus olhos

havia uma luminosidade faiscante. Em compensação, o

rosto estreito e magro permaneceu impassível.

Um ronco cavernoso fê-lo voltar à cabeça. Bastante

interessado, observou o procedimento que faria despertar

seu companheiro dileto, o capitão Clark G. Fletcher que,

como ele, já tinha contornado a Lua. Rhodan ainda não

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sabia como aquele gigante bochechudo de pele delicada

como um bebê e mãos maltratadas como uma faxineira

poderia ser acomodada no espaço exíguo de uma nave

espacial. Com o ronco que faria um mamute ao se

levantar, Fletcher, especialista em astronomia e

matemática e futuro doutor em física, levantou-se.

— Meu filho já chegou? — ressoou sua voz.

Ao que parecia, a partida iminente só lhe despertava

um interesse secundário.

— Então, doutor, cuidou bem de minha esposa?

O Dr. Fleet soltou um suspiro abafado.

— Escute aqui, meu jovem, se o amigo acha que sua

esposa é um milagre anatômico, suponho que está um

pouco enganado. Ainda faltam três meses. Acalme-se, a

natureza não tem pressa.

— Muito bem! — disse o gigante. — Vou sentar e

esperar.

O terceiro membro da tripulação deu mostras do

despertar por meio de um riso baixo e agradável. O

tenente-médico Eric Manoli, também geólogo, era o

homem mais calmo e retraído da tripulação. E,

provavelmente, o dotado de melhor autodomínio.

Cumprimentou os presentes com um gesto e lançou um

rápido olhar ao relógio. Evidentemente, o Doutor Manoli

observava estritamente a lei não escrita dos cosmonautas

que, em termos claros e objetivos, dizia: “Nunca fale na

partida da nave, a não ser que seja absolutamente

necessário; você dormiu para revigorar o corpo e o

espírito; não reduza os efeitos favoráveis do sono com a

ideia de que é necessário encarar imediatamente toda a

seriedade da situação.” Era uma fórmula simples,

consagrada pela experiência.

— Tudo bem, Eric? — indagou Rhodan.

— Tudo bem — confirmou. E, voltando-se para

Fletcher, continuou: — O que há com Bell? Parece que

ele dorme o sono das montanhas?

O capitão Fletcher virou-se na cama. Sua mão direita

deu um estalo no ombro rechonchudo daquele baixote que

revelava uma tendência evidente para a obesidade.

Quem conhecesse bem o capitão Reginald Bell iria

compará-lo a uma elástica bola de borracha. A gordura

que apresentava era um meio excelente para iludir os

incautos. A verdade é que, na centrífuga gigante, ele

suportou melhor a força exigida de 18 G — ou seja,

dezoito vezes a aceleração da gravidade — que o Dr.

Manoli, pequeno e ossudo.

— Não amole! — veio o resmungo que parecia sair

de dentro do travesseiro de espuma. Um rosto largo, todo

coberto de sardas saiu de dentro da massa de lençóis. Os

olhos azuis, que pareciam descorados piscaram para

Fletcher: — Estou acordado há uma hora — afirmou Bell,

com a voz indolente. — A dose de soporífero foi muito

fraca para um homem do meu tamanho.

— É claro que foi — concordou Rhodan com toda

seriedade. — Admiro a sua paciência. Você deve ter

respirado bem baixinho para não incomodar os outros.

— Por isso, você vai ser condecorado — disse

Fletcher descendo de sua cama. — Mas, primeiro, são os

pais em perspectiva e os sofredores. Aliás, gostaria de

saber o que ainda falta examinar no nosso organismo.

Subitamente, Fletcher ficou em silêncio, olhando,

embaraçado, para o comandante. Por pouco, ele teria

violado a lei. Rhodan fez que não escutara. E, bocejando,

disse com analisada indiferença:

— Comecemos por ele, doutor, já que ele vai ser pai

logo. É de se supor que nossa circulação esteja em ordem.

Ainda assim, convém deixar as injeções neutralizadoras à

mão.

Perry Rhodan começou a analisar suas próprias

reações. Sentiu uma angústia martirizante no canto mais

recôndito do subconsciente. A tagarelice dos homens nada

mais era senão um ardil psicológico através do qual

pretendiam se acalmar.

Eles sabiam que não deviam falar na partida

iminente. Faziam de conta que aquilo era perfeitamente

normal, uma viagem como todas as anteriores. Mas

Rhodan sabia, e eles também, que cedo as coisas seriam

bem mais sérias do que eles pensavam.

No que dizia respeito à força da inércia, a situação

do homem que era impulsionado por um foguete de

propulsão nuclear era muito diferente daquela que se

experimentava quando do lançamento de uma nave

comum. As pressões eram muito maiores e, maiores

ainda, as que nasciam nas incontroláveis profundezas do

espírito humano. Sentia-se medo. Era natural e ninguém

jamais negou isso. Apenas, esses homens foram treinados,

também, para controlar o medo e não se deixar dominar

por ele, acontecesse o que acontecesse.

Rhodan observou, disfarçadamente, os homens de

sua tripulação. Todos pareciam estar bem. Talvez Fletcher

estivesse um pouco inquieto. Pensava demais no filho que

estava por nascer. Se fosse por ele, desta vez Fletcher

teria ficado em casa. Todavia, não era aconselhável

desfalcar um grupo, cujos membros já se haviam

adaptado tão perfeitamente uns aos outros. Um novo

elemento admitido em cima da hora não se ajustaria bem

ao conjunto. Por isso, Rhodan conformou-se com o fato

consumado. De resto, não encontrou qualquer outro fator

negativo.

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II

Os assentos-leitos eram obras-primas de engenharia.

Dotados de controle hidropneumáticos e controladores de

nível que adaptavam o equilíbrio à mais leve mudança de

peso, eram o máximo que se podia conceber em termos de

conforto.

Desde as primeiras naves espaciais que se fazia

questão, absoluta, de que os tripulantes se acomodassem

sobre leitos especiais, enquanto estivessem usando os

pesados trajes espaciais. As normas de segurança

obrigavam os tripulantes a usar, inclusive, os capacetes

pressurizados durante o lançamento.

É evidente que pequenas lesões ocorriam por vezes,

como resultado das tremendas pressões causadas pela

aceleração. O caso mais trágico e lamentável ocorreu

quando da construção da primeira estação espacial. Um

capacete mal ajustado provocou fratura da base do crânio

de um dos tripulantes quando a aceleração chegou a

Perry Rhodan nunca usara o traje espacial durante a

partida e este privilégio especial ele estendera aos demais

membros de sua tripulação. Os técnicos, porém, achavam

que isso era um risco desnecessário. A mais leve ruptura

da parede externa da nave provocaria uma descompressão

explosiva, isto é, uma violenta perda de pressão. E todos

sabiam com que facilidade o sangue humano tendia, numa

situação dessas, a entrar em ebulição.

Acontece que Rhodan sempre tivera uma boa

estrela. As naves que ele tripulara nunca haviam sido

atingidas por meteoros e nem sofreram qualquer dano em

virtude das tremendas forças desencadeadas por ocasião

da decolagem.

Os quatro homens estavam estendidos nos leitos,

trajando seus uniformes azuis. Os pesados e

desconfortáveis trajes espaciais estavam pendurados em

suportes, colocados ao alcance da mão. Com isso, Rhodan

livraria seus companheiros de uma provocação

martirizante, evitando, também, pequenas contusões e

escoriações que poderiam vir a ser dolorosas e, o que é

pior, um problema a mais.

A última verificação geral havia sido concluída.

Bem abaixo deles, a mais de oitenta metros, os técnicos

iam se afastando. Acabavam de verificar a regulagem dos

estabilizadores do primeiro estágio.

O capitão Bell, especialista em eletrônica e em

motores de propulsão nuclear, precisara de mais algum

tempo para a verificação dos instrumentos que lhe

estavam afetos, enquanto que Rhodan já terminara de

checar o mecanismo de autoignição e o sistema de direção

por controle remoto.

Fletcher e o Dr. Manoli, que no momento nada

tinham a fazer, estavam deitados atrás dos dois assentos

principais. A cabine era muito apertada. Estava rodeada

de inúmeros feixes de cabos, tubulações plásticas e

painéis de instrumentos. Logo abaixo da sala de comando.

Havia uma minúscula sala para repouso com uma

minicozinha e instalação sanitária. Não era possível mais

espaço do que o que haviam conseguido. Estes dois

compartimentos ficavam logo abaixo do nariz do foguete.

Abaixo da cabine de comando e da de repouso,

vinha o depósito de carga útil, no qual se guardava as

provisões. O espaço abaixo do piso do depósito era região

proibida para os tripulantes. Lá, ficavam os tanques

isolados que continham hidrogênio líquido. Logo abaixo,

estavam as instalações de bombeamento e os geradores de

força. A espessa parede construída com uma liga especial

indicava o fim da zona de segurança. Atrás dela abrigava-

se o reator de plutônio, trabalhando num ritmo

vertiginoso, e as monstruosas câmaras de combustão com

seus condutos térmicos e válvulas de pressão.

A Stardust possuía um único reator principal e

quatro reatores menores que pertenciam ao mecanismo de

direção. A capacidade de empuxo do mecanismo de

propulsão chegava a 1.120 toneladas a uma velocidade de

radiação de 10.102 metros por segundo.

O ponteiro de minutos do relógio saltou para o

mecanismo seguinte. Eram três horas e um minuto.

Faltavam, pois, sessenta segundos para o lançamento.

Rhodan voltou a cabeça. O movimento tornou-se um

pouco difícil uma vez que ele estava literalmente

afundado na camada de espuma de borracha que revestia

os assentos-leitos.

— Tudo bem com vocês? — perguntou.

A resposta resumiu-se a um sorriso. Todos ouviam a

voz monótona do encarregado pela contagem regressiva.

O último minuto havia chegado. E, embora todos eles já

tivessem inúmeras vezes ironizados aquele paulificante

desfilar de números, desta vez até isso tinha mudado. A

lembrança do reator atômico logo abaixo deles era como

um pesadelo.

— ...dezoito, dezessete, dezesseis, quinze...

Rhodan aproximou o microfone dos lábios.

— Mensagem final da Stardust à Central —

irrompeu sua voz pelos alto-falantes. Era ouvida em toda

parte, inclusive no abrigo isolado para a imprensa. —

Tudo bem a bordo. Voltaremos a chamar após a ejeção do

primeiro estágio. Câmbio final.

— ...três, dois, um, zero, sequencia de ignição

iniciada.

Era a mesma coisa de sempre. Eles sabiam que,

apesar de todo o cuidado concernente ao isolamento

acústico, o corpo do foguete constituía-se em um

excelente corpo de ressonância. E nem mesmo a divisão

por estágios podia alterar isso.

Ouviram o borbulhar e o chiado das turbobombas

instaladas embaixo, no interior do primeiro estágio.

Depois, teve início o ribombar, ainda hesitante, da pré-

ignição, seguido imediatamente pelo barulho infernal das

substâncias químicas que reagiam entre si. O N-trietil-

borazan, que servia de combustível, misturou-se com o

ácido nítrico que desprendia o oxigênio. O processo

químico teve início, com monstruosa potência nas 42

câmaras de combustão do primeiro estágio.

As línguas de fogo que reluziam numa

incandescência branca, romperam a escuridão da noite. O

uivo da onda de compressão desencadeado pelo processo

de ignição tomou conta do espaço até se perder no

trovejar ensurdecedor do gigantesco mecanismo de

propulsão.

A Stardust ergueu-se lentamente. À ascensão

tranquila, seguiu-se uma série de movimentos laterais

inquietantes no terço superior da nave. Era o instante mais

crítico do lançamento. Travava-se, naquele segundo, a

luta entre os dispositivos de estabilização e o mecanismo

de propulsão que parecia querer desequilibrar o

gigantesco foguete que mal iniciara sua arrancada rumo

Page 10: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

10

ao espaço. Mas os dados fornecidos pelo computador de

bordo indicavam que a perigosa inclinação já havia sido

corrigida.

As exclamações de entusiasmo dos repórteres

submergiram no barulho ensurdecedor. Parecia o fim do

mundo. Era um barulho enorme e indescritível que só

poderia ser superado pelo produzido pela explosão de um

artefato nuclear. Nem mesmo no interior dos abrigos era

possível compreender as palavras proferidas. Quem não

usasse isoladores no ouvido, via-se condenado

temporariamente a uma surdez absoluta. Os lábios se

moviam e as mãos transmitiam sinais breves, mas, não se

ouvia uma única palavra. E os gestos pareciam revelar um

esforço intenso e uma grande tensão nervosa.

Afinal, a nave começou a ganhar velocidade e

iniciou sua trajetória, como se estivesse ávida para entrar

no seu elemento. O ruído parecia aumentar aos poucos. A

torrente ígnea que escapava das câmaras de combustão

chicoteava a plataforma com tremenda fúria que o céu

tornou-se de um rubro sanguíneo. Instantes depois, em

perfeito equilíbrio, o gigante subia verticalmente até que a

esteira luminosa que o seguia fosse vista como um débil

ponto de luz que aos poucos desaparecia no céu estrelado.

Ouviu-se um estalo vindo dos alto-falantes e o rosto

do general Pounder surgiu na tela.

— A nave espacial Stardust foi lançada exatamente

às três horas e dois minutos, conforme as previsões —

comunicou com voz calma. — Não houve qualquer

ocorrência extraordinária, tudo correu bem. Os senhores

poderão ouvir os comunicados radiofônicos dos pilotos.

Falta pouco para a separação do primeiro estágio. A

aceleração máxima final é de 9,3G. Dentro de três

minutos aproximadamente a nave Stardust deverá

penetrar no campo alcançado pela estação orbital. Dali em

diante os senhores voltarão a vê-la nitidamente, podendo

acompanhar a separação do segundo estágio. Quero

salientar mais uma vez que só deverão deixar o campo de

Nevada Fields depois que a Stardust tiver pousado na

Lua. Estamos guardando uma surpresa. É só.

O general Pounder concluiu com um sorriso.

Vinda do sistema de alto-falantes ressoou outra voz,

esta, de um dos técnicos.

— Cinco segundos para a separação do número um.

Funcionamento perfeito, nenhum desvio de rumo... dois...

um... contato!

O dispositivo eletrônico realizou a operação com

incrível precisão. Não houve movimento de mãos ou de

um dedo sequer. Apenas olhos febris que espreitavam

nervosos na sala de comando e, contrastando com esta

ansiedade, a estoica paciência dos repórteres.

Nos alto-falantes, soou o sinal acústico que indicava

o final da operação. E, de repente, surgiram dois corpos

distintos na tela do radar. Neste instante, o sistema de

aterrissagem por controle remoto assumiu o comando do

primeiro estágio, trazendo-o de volta ao chão.

A tripulação dispunha de um intervalo de oito

segundos. O computador de bordo já preparava a ignição

do segundo estágio.

A voz de Rhodan soou tranquila.

— Rhodan falando. Nenhum desvio de curso.

Indicações normais, vibrações dentro dos limites normais.

Tripulação pronta para ignição do segundo estágio.

Câmbio final.

Era tudo o que tinha a dizer e o bastante para os

cientistas e supervisores da estação situada na Terra.

Prosseguindo sem qualquer força propulsora, a Stardust

precipitava-se em direção ao vazio do espaço. Rhodan

lançou um rápido olhar ao redor de si. Tudo parecia em

ordem para o capitão Bell; Fletcher e Manoli também

tinham suportado muito bem a força de 9,3G.

Agora era a vez do mecanismo de propulsão atômica

do segundo estágio. Rhodan sentiu a palma das mãos

úmidas, mas seus sentidos experimentados não

registraram qualquer ruído anormal. Reinava o mais

absoluto silêncio.

Subitamente veio um arranque violento

acompanhado de um uivo estridente que parecia invadir

todas as moléculas do material de que era feito a nave.

Mais uma vez, o corpo do foguete funcionou como

câmara de ressonância.

Depois de alguns instantes, a aceleração subiu para 8

G. Com isso, teve início a tremenda sobrecarga imposta

ao organismo dos tripulantes mal refeitos do primeiro

esforço.

Rhodan sentiu o efeito do poderoso medicamento

destinado a regular a circulação. Por enquanto o

organismo estava suportando a provação, apenas a

respiração transformara-se em verdadeiro martírio.

Incapaz de mover um dedo fitou, com os olhos

embaçados, os painéis de controle situados em sua frente.

Os sete segundos decorridos até o momento em que a

tremenda pressão fosse reduzida ao valor normal de 1 G

pareceram uma eternidade. Tratava-se de uma pausa para

recuperação, fixada com base em cálculos exatos, nos

quais se considerava a enorme potência do sistema de

propulsão.

Com a voz rouca, Rhodan gritou um tudo bem! E a

resposta que se seguiu foi, para ele, ininteligível. Após

isso, veio o segundo intervalo de aceleração do estágio

número dois. Ainda não estava esgotada a reserva de

combustível.

Três segundos depois da segunda ignição foi

ultrapassada a velocidade de deslocamento da Terra. Os

indicadores dos velocímetros indicavam 11,5 quilômetros

por segundo.

Os reatores do segundo estágio se extinguiram a

uma velocidade de 20 quilômetros por segundo.

Novamente a separação se realizou de modo súbito, sem a

menor transição de tal modo que a ausência de gravidade

que se seguiu produziu o efeito de uma tremenda

martelada. Os tripulantes sentiram-se impelidos para

cima. Uma força selvagem parecia comprimir seus corpos

contra os cintos que os prendiam nos leitos.

Por alguns instantes, Rhodan perdeu a consciência.

Quando voltou a abrir os olhos, viu, através da

vermelhidão que parecia envolvê-lo, que já se

encontravam no espaço exterior.

A correção de rumo já tinha sido levada a efeito.

Bem atrás deles, o segundo estágio, que já podia ser visto

nas telas, estava sendo conduzido para o curso de retorno

pelo controle de Terra. A essa altura, a Stardust já

ultrapassara a órbita da estação espacial. Prosseguindo em

velocidade constante, encontrava-se a 3.250 quilômetros

acima da superfície da Terra.

Agora dispunham de alguns minutos de descanso.

Teoricamente a velocidade da nave, no momento, devia

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11

ser suficiente para liberá-la em definitivo da ação da

gravidade terrestre. Ainda segundo a teoria, estaria em

condição de atingir qualquer ponto do universo

independentemente de qualquer propulsão.

Todavia, um enorme abismo separa a teoria da

prática. A gravidade da Terra tinha sido superada, mas a

Terra ainda se fazia sentir, influenciando o voo da

espaçonave. Além disso, o simples prosseguimento da

viagem não bastava. Ainda tinham que ser realizadas

inúmeras manobras, para as quais a essa altura não se

dispunha de dados precisos. Os desvios de rota, por

ínfimos que fossem, tinham sido calculados e corrigidos.

E também era necessário corrigir diferenças ainda

menores nos valores-limites teóricos da velocidade, que,

ultimamente, tinham causado dificuldades por ocasião das

manobras de aproximação.

O leito de Rhodan dobrou-se, formando uma macia

poltrona. O painel de instrumentos acompanhou o

movimento, ficando, agora, em frente a ele, e não acima.

Foi uma sensação de alívio.

Reginald Bell recuperou-se com expressões menos

sociáveis. O capitão Fletcher fez ouvir uma tosse áspera e

seca. Nos cantos da sua boca havia sangue coagulado.

— Foi duro, muito mais duro que das outras vezes

— disse Rhodan com voz grave. — Nos últimos

segundos, levaram-nos a 15,4 G. Com isso, atravessamos

o perigoso cinturão de radiação. O que houve com você,

Fletcher?

Fletcher estava pálido. Seu rosto bochechudo

perdera as cores sadias. Apenas o brilho do seu cabelo

continuava inalterado. E, torcendo os lábios num gesto

triste, gemeu:

— É o diabo. Seria bom que eu descesse antes de

fazer mais tolices. Com 7 G ainda estava com a ponta da

língua entre os dentes. Foi uma estupidez. A primeira

coisa que se ensina a qualquer aluno da academia é que

deve abster-se de gestos dessa espécie. Logo eu...

Ao concluir, encolheu os ombros. Seu rosto

contorcia-se de dor. Rhodan lançou-lhe um olhar

perscrutador. E disfarçou a expressão indagadora com um

sorriso frio.

As solas magnéticas das botas de Bell estavam na

chapa metálica do piso. Cambaleando, lutava para

equilibrar-se. Enquanto o sistema de propulsão da

Stardust estivesse parado, não tinham peso. Sem dizer

uma palavra, venceu os poucos passos que o separavam

de Manoli, erguendo e voltando a colocar no piso as solas

magnéticas com movimentos pesados. Depois de segurar

ligeiramente o pulso de Manoli, fez um sinal de alívio.

— Está bem — disse laconicamente. — Logo estará

de volta. O pulso trabalha que nem um mecanismo de

relógio. Mostre a língua, Fletcher. Vamos logo! Abra a

boca!

Um filete de sangue escorreu-lhe por entre os lábios.

Era problema para o Dr. Manoli.

O comandante girou para a direita o regulador de

volume e os sons confusos do rádio tornaram-se audíveis.

Enquanto isso, o Dr. Manoli se recuperava. Rhodan ouviu

o leve chiado do mecanismo hidropneumático. O leito de

Manoli transformou-se em poltrona e alguns instantes

depois, ele estava de pé ao lado de Fletcher.

— Que sorte! — disse o médico. — Não chegou a

cortar a língua, foi apenas um ferimento quase superficial.

Preciso de uns dez minutos. É possível?

— É. Pode começar doutor Bell, registre na fita

magnética os últimos valores do computador central.

Quero um cálculo de controle. Vamos adiar as etapas

seguintes por doze minutos. Avise-me logo que terminar.

Poderemos compensar a perda de tempo com quatro

segundos de potência total.

Alguns instantes depois, o rosto de Rhodan apareceu

na tela da estação da Terra. Pounder, que estava de pé

diante do microfone, nervoso e inquieto, respirou

suavizado.

— Stardust para Nevada Fields — soou a voz forte e

clara na sala da Central de Comando. — O capitão

Fletcher sofreu um ferimento leve. Mordeu a língua.

Manoli está estancando o sangue. O ferimento poderá ser

tratado com extrato de plasma. Preciso de um adiamento

de doze minutos. Câmbio.

Pounder ergueu-se. Seu olhar lançado em direção ao

professor Lehmann disse tudo. O cientista confirmou com

ligeiro aceno de cabeça. Era perfeitamente possível.

Havia uma margem de segurança prevenindo contra

incidentes inesperados como esse.

O computador começou a trabalhar. Alguns

segundos depois, os valores corrigidos estavam

disponíveis. Foram transmitidos automaticamente para a

Stardust por meio de uma antena direcional especial. O

painel iluminou-se diante do capitão Bell. As calculadoras

automáticas da nave, pequenas, mas eficientes, acusaram

o recebimento. Para todos os efeitos, num instante foram

inutilizados os resultados de uma série enorme de

cálculos. Novas cifras cruzaram o espaço e, em poucos

segundos, um plano de voo foi inutilizado e convertido

em valores inteiramente novos.

Os dedos de Bell martelaram o teclado para registrar

os dados recebidos. Rhodan transmitiu as informações de

rotina relativas a radiações, resultados das mediações,

temperatura, pressão da cabine e estado de saúde dos

tripulantes.

Manoli não gastou mais que onze minutos para

colocar Fletcher em condições. Os pequenos pontos

estavam praticamente invisíveis.

Fletcher olhou encabulado, para os companheiros.

— Da próxima vez, use o dedo, neném — disse

Rhodan. — Ele aguenta mais que a língua.

Os encostos das poltronas voltaram a inclinar-se

para trás. Logo após teve início a música assombrosa

daquele mecanismo, cujo funcionamento ainda encarava

com receio e expectativa.

Era o mecanismo de propulsão nuclear que, no

segundo estágio, revelara um funcionamento excelente

em idênticas condições.

Voltou-se a ouvir o ronco selvagem e sentiu-se o

solavanco pesado. A aceleração, porém, só subiu para

2,1G. Isso não causou qualquer dificuldade para Rhodan e

sua tripulação.

Seguida por um raio chamejante de hidrogênio

aquecido a uma temperatura elevadíssima, a nave foi

impulsionada numa velocidade vertiginosa para as

profundezas do espaço.

Uma vez superados totalmente os problemas da

decolagem, surgiram às dificuldades mais sérias de uma

viagem espacial.

Rhodan ouviu o barulho retumbante, agora

Page 12: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

12

uniforme, emitido pelo mecanismo de propulsão atômica.

A chama branco-azulada, suspensa no espaço vazio,

seguia de perto a nave. Resultava da combustão do

hidrogênio líquido, submetido a um processo de expansão

forçada na câmara aquecida pela energia atômica.

O abastecimento do reator seria suficiente para mais

de um ano. Todavia, era necessário ter cautela com o

elemento irradiante. A reserva dele era limitada. Uma vez

esgotados os tanques, não havia mais nenhum elemento

que pudesse ser expelido da câmara de combustão. Dessa

forma, até mesmo o mais eficiente dos reatores se tornaria

inútil.

Respirando pesadamente no seu leito, enquanto

transmitia a intervalos regulares seus breves comunicados

para os receptores da estação espacial, Rhodan pensava

nesse mecanismo propulsor, maravilhoso, mas ainda

primitivo.

Por enquanto, o empuxo só podia ser obtido

indiretamente através do elemento intermediário formador

do jato de propulsão. Será que um dia o homem

conseguiria construir um mecanismo propulsor atômico

puro? Seria um motor superpotente, cujo limite de

velocidade ficaria situado perto da velocidade da luz.

Com grande esforço, Rhodan torceu os lábios. Sentia

vontade de rir. Ao que parecia, Reginald Bell entretinha

pensamentos semelhantes. Subitamente, gemeu:

— Juro que para os heróis de romance tudo é mais

simples. Eles não têm o problema da compressão

provocada pelo impulso da nave, e nunca mordem a

própria língua. Como vai, Fletcher? Será que você

aguenta? Vai demorar mais alguns minutos. Daqui a cinco

segundos subimos para 8,4G. Tudo bem?

— Tudo bem — fungou o gigante pelo

intercomunicador. Nos fones de ouvido percebia-se a sua

respiração ruidosa. — Tudo bem. Santo Deus, estamos a

caminho. Um dia contarei a meu filho. Seus olhos serão

redondos e brilhantes que nem bolinhas de mármore

polido.

Fletcher ficou calado. Sentia um cansaço profundo.

Só mesmo uma pessoa de organismo resistente, bem

treinada, conseguiria falar claramente a um nível de

compressão ligeiramente superior a 2 G. E, embora todos

os tripulantes fossem capazes disso, o Dr. Manoli abriu

mão da oportunidade. Em compensação, deu mostras dos

seus sentimentos através da sombra de um sorriso suave.

Estavam a caminho. A decolagem ficara para trás. O

que estava por vir dependeria da capacidade de raciocínio

e de reações extremamente rápidas. As forças de

compressão, horríveis, mas inevitáveis, estavam

praticamente superadas. Haviam deixado para trás a

Terra, aquela gigantesca bola verde-azulada que se

afastava lentamente. Podiam sentir-se superiores à vida,

ligada a Terra; no momento essa sensação ainda os

dominava.

Só a mente cristalina de Rhodan não acompanhou

esse sentimento. Ninguém percebeu o brilho desconfiado

dos seus olhos. Ainda não tinham chegado. Ainda não

tinham pousado na Lua. E ainda não estavam preparados

para a volta à Terra. Desta vez, o programa não previa

apenas um contorno relativamente seguro da Lua, mas um

pouso extremamente difícil no satélite da Terra.

III

Até Perry Rhodan mostrou-se cauteloso. Logo após

os pesados intervalos de compressão resultante da

manobra de desaceleração mandou que os membros da

tripulação colocassem os trajes espaciais. A essa altura, a

Stardust já entrara em órbita lunar preestabelecida a uma

velocidade de cerca de 3,5 quilômetros por segundo, que

poderia ser facilmente neutralizada.

Os homens obedeceram em silêncio. Enquanto o

controle remoto exercido pelo computador da estação

espacial impelia a espaçonave para órbitas cada vez mais

reduzidas em torno da Lua, os quatro colocaram a

vestimenta que, apesar de leve, apresentava um aspecto

monstruoso. Eram trajes de proteção supermodernos.

Hermeticamente fechados, resistiam perfeitamente a

pressões imensas. Dispunha de suprimento próprio de

energia, controle de temperatura, abastecimento de

oxigênio e capacetes circulares feitos de plástico

transparente, cuja resistência igualava a do aço.

Rhodan chegara a ordenar que os capacetes

transparentes fossem fechados. Só as válvulas situadas do

lado esquerdo e direito do círculo de engate permaneciam

abertas, para que os homens pudessem continuar a

respirar o ar da cabine. O dispositivo automático

embutido fecharia essas válvulas tão logo a pressão

exterior baixasse além do normal. Com isso, Rhodan

fizera tudo que estava ao seu alcance para reduzir ao

mínimo as possibilidades de um acidente.

A Stardust prosseguia seu caminho com a popa para

a frente de modo que os reatores de propulsão pudessem

funcionar em sentido contrário ao seu deslocamento. A

trajetória estendia-se de um polo a outro. Dessa forma, a

nave ficava fora do alcance do controle remoto toda vez

que mergulhava atrás da Lua, penetrando na área

inatingível para os sinais de rádio emitidos pela estação

espacial. Nessas oportunidades, a direção ficava a cargo

do dispositivo automático de bordo. Depois de percorridas

cinco órbitas elípticas completas, a desaceleração seria

suficiente para permitir o pouso na superfície lunar.

A quinta órbita fora iniciada. O Sol se erguera do

lado visível do satélite, dando início a um dos longos dias

lunares. Sessenta por cento do hemisfério visível já

estavam mergulhados na escuridão.

Somente os aparelhos de radar proporcionavam um

quadro nítido da superfície lunar. Esta, pouco se

diferençava da superfície visível, fato já perfeitamente

conhecido. Nesse ponto, a Lua já não se constituía um

mistério.

Depois de algum tempo, voltaram a emergir da

sombra lunar. A altitude em que se encontravam não

ultrapassava noventa quilômetros e a velocidade fora

reduzida para 2,3 quilômetros por segundo.

O piloto automático emitiu um silvo agudo. A nave

estava sendo atingida novamente pelos poderosos raios

direcionais da estação espacial. O computador central da

Stardust recebeu novas instruções e o capitão Bell

estabeleceu contato para a interpretação.

Na tela, a nave era representada por um ponto verde.

Deslizava exatamente pela linha previamente traçada, que

correspondia à trajetória de aproximação. O final da linha

situava-se junto ao polo sul lunar, perto da cratera

Newcomb. A área de alunissagem estava representada por

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13

um círculo vermelho. Era um terreno relativamente plano,

rochoso, que devia proporcionar apoio firme à nave.

Os tripulantes podiam ouvir claramente a voz do

chefe do programa com a mesma clareza com que ouviam

o piloto automático registrar os impulsos direcionais.

Havia pausas de alguns segundos entre um comunicado e

outro devido a grande distância que separava a nave da

Central de Controle.

A Stardust chegou à margem ocidental do Mare

Nubium em velocidade ainda elevada. Imediatamente à

frente, estava a cratera Walter. Estavam perto da área de

pouso.

— Controle de terra. General Pounder falando —

ouviu-se a voz pelo alto-falante em meio a algumas

interferências. — A nave atingirá o ponto de inversão do

curso dentro de 72 segundos. Na emissão do impulso será

considerada a distância a ser vencida pelas ondas de rádio.

Por ora desligaremos para evitar perturbações. A imagem

da nave na tela de radar está bem nítida. Recepção boa,

quase sem interferências. Piloto automático em

funcionamento.

Vamos colocá-los no solo lunar são e salvos.

Comecem a estender os suportes de alunissagem. Peço

comunicar a execução desta instrução. Entraremos em

contato após o pouso. Boa sorte. Câmbio final.

Rhodan empurrou uma pequena alavanca. Os quatro

suportes telescópicos da nave estenderam-se, separando-

se do corpo da nave num ângulo de quase quarenta e

cinco graus. O mecanismo hidráulico afastava, cada vez

mais, as longas pernas e nas extremidades inferiores

destas, desdobraram-se placas, cuja superfície de contato

era de quatro metros quadrados.

Pouco depois, a Stardust atingiu o ponto de pouso,

seguindo, ainda, a linha de deslocamento traçada no

mapa. Alguns desvios ligeiros tinham sido prontamente

corrigidos.

— Tudo pronto. Aguardamos contato — disse Bell

com voz arrastada. Era o momento decisivo, do qual

dependia o sucesso do pouso.

Subitamente, sem qualquer outro preparativo, ouviu-

se o ruído estridente do piloto automático. O impulso

havia chegado com exatidão infinitesimal.

O mecanismo de propulsão do foguete emitiu um

ruído ensurdecedor. Era um empuxo de desaceleração

breve, mas extremamente violento, que, com seus 12 G,

eliminou cerca de cinquenta por cento da velocidade da

nave.

Passado o choque e iniciada a pausa para correção

de descida, os homens respiraram fundo, mais refeitos do

novo golpe. No próximo empuxo de frenagem teria que

ser realizada a correção de curso de sessenta graus e, logo

depois, o posicionamento vertical dos reatores de popa em

relação à superfície lunar. Nessa oportunidade, a nave

teria que se encontrar exatamente acima da área de pouso.

Devia descer sobre o jato por ela expelido com valor de

empuxo perfeitamente dosado. A velocidade final da

queda não poderia ultrapassar quatro metros por segundo.

Os dados passavam como relâmpagos pelo cérebro

de Rhodan. Tudo parecera extremamente simples e fácil.

Agora, deitado no interior daquele mecanismo sensível e

frágil, pôde visualizar as imensas dificuldades que ainda

estavam por vir.

A Stardust começou a cair numa trajetória

parabólica que formava um ângulo bem aberto com a

superfície lunar. A gravidade da Lua fazia-se sentir mais

intensamente. Estava na hora de modificar o curso. Os

reatores da câmara de combustão não podiam permanecer

em posição horizontal; tinham que ser dirigidos para

baixo. A nave caía de lado, como uma tábua, e por si só

não poderia efetuar a correção necessária, colocando o

mecanismo de propulsão na posição exata.

— Menos três segundos... dois... um... contato —

exclamou a voz cansada de Bell.

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14

SEGUNDA PARTE

A Interferência

I

O contato veio. Os ruídos que o seguiram

irromperam pelos amplificadores como uma torrente de

água. Os silvos extremamente agudos pareciam arrebentar

os ouvidos dos tripulantes sobressaltados. Por uma fração

de segundo, Bell olhou para frente sem nada

compreender. Depois, seu rosto largo contorceu-se numa

careta de pânico.

Rhodan enrijeceu os músculos e permaneceu

absolutamente imóvel. Uma vez superado o tremendo

golpe, ele reagiu com a rapidez do raio. Com um estalo,

sua mão direita ligou a chave reservada para situações de

acidente. As fitas magnetizadas prenderam os homens aos

assentos que se dobraram para trás.

Todos os membros da tripulação ouviram o

estridente sinal de alarme emitido pelo dispositivo

automático. O computador da nave informava de forte

interferência. As lâmpadas que se acendiam

demonstravam que o impulso de inversão de curso,

emitido pela estação de controle da Terra, não havia

chegado à nave. E o computador acusara de imediato, os

graves riscos que a missão corria.

As luzes dos diagramas se acenderam

automaticamente e sem a menor incorreção.

— Desvio — gritou Bell fora de si. — Não chegou

nenhum impulso de ignição. Estamos caindo para além do

ponto de alunissagem. As interferências estão impedindo

a recepção dos impulsos de controle central. São

transmitidos exatamente na nossa frequência! De onde

virão?

Rhodan não perdeu tempo para pensar. A superfície

lunar, iluminada pelo sol nascente, aproximava-se em

velocidade vertiginosa. Rapidamente, ele desligou a chave

geral, interrompendo todos os contatos com a Terra. O

uivo demoníaco dos instrumentos terminou. Cessou

repentinamente, como se nunca tivesse existido. Uma

campainha começou a emitir um som estridente. Uma voz

gravada em fita do dispositivo central de direção faz-se

ouvir:

— Computador eletrônico central assume

procedimentos automáticos para pouso. Cálculos sendo

executados. Completos. Iniciaremos a alunissagem.

Impulso de emergência QQRXQ sendo conduzidos com

intensidade máxima para canal 16. Iniciando alunissagem.

Era o que algum técnico tinha gravado na fita antes

do lançamento. Contudo, a intenção que todos tinham de

pousar, diferia completamente da situação que estava

ocorrendo.

Em um gesto desesperado, tratavam de fazer a nave

descer de qualquer maneira. Naquela altura, já não era

mais possível arremeter e iniciar o caminho de retorno. A

superfície lunar estava muito próxima e a velocidade da

queda voltaria a subir para mais dois quilômetros por

segundo. Nessas condições, a indispensável mudança de

direção teria consumido tempo demais. Tratava-se de um

pouso de emergência que teria que ser realizado fosse

quais fossem as circunstâncias. Pouco importava que

abaixo da popa flamejante se estendesse uma planície ou

se erguesse a encosta de uma cratera de rochas agudas e

paredões íngremes.

O mecanismo de propulsão entrou em

funcionamento. Os dispositivos fizeram a nave girar com

tamanha rapidez que ela assumiu imediatamente a posição

vertical. A proa pontuda apontava para o céu

absolutamente escuro que na Lua, desprovido de

atmosfera, se identificava com o espaço sideral. Alguém

gritou alguma coisa. Ninguém sabia quem.

Rhodan não deu ordens à tripulação. Não faria

nenhum sentido. Numa situação como aquela; nenhum

homem poderia fazer qualquer coisa, nem mesmo ele, que

reagira imediatamente. Os cálculos e as manobras

necessárias só podiam ser feitos pelos computadores. O

cérebro humano não funcionaria com tamanha

velocidade, mais ainda numa situação angustiante como

aquela.

A encosta recortada de uma cratera surgiu na tela

que estava acoplada ao dispositivo que captava as

imagens do exterior da nave. As paredes da cratera

estavam iluminadas pelo jato incandescente expelido pela

câmara de combustão.

Bell gritou alguma coisa. E era de admirar que com

16 G de pressão ainda conseguisse emitir algum som.

Ouviram-se, então, fortes ruídos abafados. Um novo

solavanco afundou-os nas camas pneumáticas. A estrutura

da nave rangeu como se fosse partir ao meio e algumas

conexões e instrumentos se quebraram. Logo, seguiram-se

vibrações e sacudidelas intensas. Mas, antes que as

oscilações da nave cessassem, fez-se um silêncio tão

profundo e repentino que os sentidos puseram-se em

alerta. O barulho feito pelos suportes de alunissagem

também havia cessado e o indicador pendular indicava

que a nave estava em posição vertical. Uma lâmpada

verde, acima de Rhodan, brilhava sem cintilações,

emitindo uma luz tranquila e constante. Em meio ao

silêncio, ouviu-se uma estridente e histérica gargalhada.

— Capitão Fletcher!

Rhodan não falou alto, mas sua voz tinha algo de

cortante. Os sons agudos cessaram. Quando Fletcher se

calou, as linhas duras do rosto de Rhodan se

descontraíram. Nos olhos do comandante surgiu uma

expressão calma.

— Está bem, Fletcher, esqueça!

A lâmpada verde brilhava e por meio dela o

computador central transmitia um sinal silencioso. A nave

estava de pé e, aparentemente, sem maiores avarias.

Bell exibia um sorriso de espanto. Parecia recusar-se

a crer no que acontecia. O Dr. Manoli ficou, como

sempre, calado. Os olhos negros davam vida ao rosto

pálido. Pareciam indagar.

Rhodan causaria, ainda, um choque aos tripulantes.

Naturalmente, eles esperavam alguma observação sobre o

pouso de emergência bem sucedido. Seria um

procedimento óbvio. Qualquer homem normal teria

reagido dessa forma, nem que fosse apenas por meio de

um breve suspiro de alívio. Era de se esperar que surgisse

alguma atitude relacionada com a angústia terrível dos

últimos instantes. Mas Rhodan reagiu de outra forma:

— Fletcher, você vai fazer o favor de verificar

imediatamente a localização da emissora desconhecida

que provocou a interferência. Os dados estão gravados

Page 15: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

15

nas fitas magnéticas do computador central. Quero ver se

você é bom mesmo em matemática!

E nada mais disse.

II

O nome do homenzinho vivaz que exibia um rosto

jovial sob a calva enorme era Allan D. Mercant. Era

sempre fácil reconhecê-lo graças à faixa de cabelos que

lhe circundava a cabeça e cujo tom castanho-dourado era

interrompido por algumas mechas grisalhas nas têmporas.

Allan D. Mercant era uma criatura pacata; uma

dessas almas piedosas que retiram minhocas e insetos das

alamedas de um jardim para evitar que sejam pisados.

Mas essa fragilidade aparente era apenas no que dizia

respeito à sua vida íntima. No que concernia ao aspecto

funcional, ele era o homem-forte, a eminência parda do

Conselho Internacional de Defesa, que trabalhava em

estreita colaboração com os organismos de defesa e

serviços secretos do Ocidente. A OTAN supervisionara a

criação do Conselho Internacional de Defesa dando-lhe a

denominação oficial de Agência de Informação e

Segurança. Assim, Mercant estava subordinado

diretamente ao alto-comando da OTAN.

Quando ele entrou no salão de conferências em

companhia de um homem de meia-idade, o ruído abafado

das conversas parou.

O general Pounder, chefe da Força Espacial, fez as

apresentações. Tratava-se de uma reunião secreta que

estava sendo realizada no prédio da Administração

Nacional de Aeronáutica e Espaço — NASA — em

Washington.

Allan D. Mercant não tomou o tempo dos presentes

com rodeios. O rosto juvenil e moreno, encimado pela

testa larga, era amável e muito simpático. Apontou para

uma pilha de jornais que se via numa das extremidades da

mesa.

— Cavalheiros, acho que não há mais necessidade

de conversarmos a respeito da causa destas notícias.

Compreendo general, que lhe tenha sido impossível

manter os repórteres indefinidamente em Nevada Fields.

De qualquer maneira, recebemos um número considerável

de críticas, algumas em termos bastante enérgicos, mas

creio que o coronel Kaats tenha conseguido contornar as

mesmas, solucionando-as a contento.

O homem de meia-idade que estava ao seu lado

confirmou com um aceno de cabeça. O coronel Kaats era

da Polícia Federal e exercia as funções de chefe da

Divisão Especial de Defesa Interna.

— Algumas notícias veiculadas pelos jornais e pela

televisão são bastante inquietantes. Segundo estas fontes,

a Stardust não desapareceu, apenas, mas caiu sobre a

superfície da Lua. Às vezes, as notícias são tão ricas em

pormenores que não podemos deixar de nos perguntar até

onde elas são verdadeiras. As fontes destas informações

nos parecem o ponto de maior importância. Faço estas

considerações apenas para situá-los com maior perfeição

dentro de todo o problema. E posso adiantar que já

começamos a investigar com o maior cuidado.

Mercant olhou pensativo seu relógio, antes de

prosseguir.

— O fato é que a nave Stardust está desaparecida há

mais de vinte e quatro horas. Por enquanto, preferimos

considerar a ideia de simples desaparecimento, o que nos

deixa, ainda, com uma pontinha de esperanças. O ponto

que me interessa é a opinião dos senhores sobre os

editoriais de alguns dos jornais de maior circulação, nos

quais se afirma, clara e expressamente, que teria sido

recebida uma mensagem de socorro procedente da nave

espacial. Teria sido o sinal QQRXQ que, no código da

Força Espacial, designa um ataque, uma perturbação

proposital do controle remoto e a iminência de uma

queda. Caso isto tenha ocorrido, peço que me sejam

fornecidos dados completos.

Allan D. Mercant cumprimentou os presentes com

um gesto amável e sentou-se.

Com um movimento cansado, o rosto marcado por

rugas de preocupação, o general Pounder levantou-se. Sua

voz parecia fraca e era indisfarçável um tom de

desapontamento.

— O senhor tem razão. O sinal QQRXQ designa

esses conceitos. Não sabemos, ainda, como certos

repórteres conseguiram o código. Pedi providências ao

nosso setor de segurança, mas, até agora, não tivemos

qualquer resposta. A recepção do sinal, porém, não tem

nada de misterioso. Algumas das maiores estações de

rastreamento estavam com suas antenas apontadas para o

polo sul lunar e tínhamos pedido, também, o auxílio dos

maiores observatórios do mundo. É bastante viável que

algo tenha transpirado o que, evidentemente, não explica

o conhecimento do código por parte de alguns dos

jornalistas presentes à base. É tudo o que tenho para

informar.

— Esqueçamos, por enquanto, estes fatos.

Gostaríamos de saber o que aconteceu, realmente, com a

nave. Admite a possibilidade de uma interferência

consciente e proposital nas mensagens do controle

central? Pelo que eu soube, por intermédio de peritos no

assunto, isso só seria possível por meio de um emissor

colocado na Lua.

Pounder inclinou a cabeça. Nos seus olhos cintilou

um reflexo de raiva impotente.

— Por mais absurdo que possa parecer, é isso

mesmo. Não há qualquer outra possibilidade. Fizemos,

nas últimas vinte e quatro horas, uma verificação

detalhada e completa de toda a nossa aparelhagem. E

excluímos completamente a eventualidade de uma falha

em nossos equipamentos. Segundo, também, uma análise

acurada dos fatos, chegamos a duas conclusões.

Pounder tirou um lenço e enxugou o suor da testa.

Respirando pesadamente, prosseguiu:

— O major Rhodan pode ter dado um sinal

codificado errôneo, ou então os receptores da nave foram

danificados com a forte interferência. No que diz respeito

ao major Rhodan, achamos impossível que um homem

com as qualificações do major possa ter cometido um erro

tão absurdo. O senhor sabe que ele é considerado o mais

experimentado piloto de provas e cosmonauta de nosso

país. Além disso, os cálculos efetuados provam que no

momento decisivo, o foguete escapou ao controle de terra.

Considerando o ângulo da queda, a gravidade lunar e o

peso da nave, esta deve ter tocado o solo a cerca de

sessenta ou setenta quilômetros da região polar. É

bastante provável que tenha realizado um pouso de

emergência sem maiores danos. Embora não possamos

Page 16: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

16

deixar de admitir a possibilidade de ter havido perda total.

Quem sabe?

Os olhos de Mercant, antes límpidos, tornaram-se

sombrios. O coronel Kaats pigarreou discretamente. Os

dados conferiam com aqueles coletados pelo serviço de

defesa.

— Admitamos, general apenas admita; que o

equipamento de bordo tenha sido avariado por força de

uma interferência muito forte. Qual a conclusão que

devemos tirar disso? — disse Mercant, falando devagar.

Pounder pareceu perturbar-se com a pergunta. Seu

rosto pálido tornou-se quase rubro.

— Pelas informações recebidas, senhor, um foguete

da Federação Asiática teria subido ao espaço juntamente

com a Stardust.

Se esta nave atingiu a Lua antes da nossa, e se

pousou no mesmo local previsto para a alunissagem desta

última, pode ter realizado uma interferência bem sucedida

na mesma frequência por nós, utilizada.

— O senhor acha que uma operação como esta

pressupõe conhecimentos muito detalhados por parte

dessa gente? — perguntou Kaats incrédulo.

— É claro que sim! — exclamou Pounder irritado.

— Acho que cabe ao serviço secreto esclarecer este

ponto. Sou especialista em naves espaciais, coronel,

todavia quero ressaltar que uma interferência como a que

foi feita nas nossas emissões só pode ter sido realizada

por um transmissor colocado na Lua, se é que a nave

recebeu um ataque deste tipo. E há bastante razão para se

crer nesta possibilidade. Nós operamos o transmissor mais

potente do mundo. Se alguém tentasse uma interferência

partindo da Terra, ainda assim nossos sinais teriam

chegado à Stardust. Só mesmo um transmissor colocado

na superfície lunar poderia conseguir interferir com

sucesso nas nossas transmissões.

Pounder sentou-se com um movimento brusco.

Parecia esgotado.

Mercant fitou-o sem proferir uma palavra. Estava

com a testa franzida.

— A Defesa Internacional cuidará do caso —

decidiu. — Não demoraremos, a saber, se o comandante

da Stardust cometeu algum engano lamentável ou se

houve interferência de interesses estranhos. Não seria

viável admitir a idéia de, por exemplo, uma falha no

equipamento de bordo da nave?

O professor Lehmann ergueu a cabeça estreita.

Parecia procurar as palavras mais adequadas. Depois,

disse, indignado:

— A Stardust não apresentou qualquer defeito. Seu

mecanismo funcionou perfeitamente. No momento não

posso apresentar os dados que disponho para comprovar o

que digo. Só esperamos que a tripulação entre em contato

conosco. Se os homens chegaram ao solo lunar, sãos e

salvos, Rhodan encontrará um meio. Os receptores da

nossa estação espacial estão ligados. Caso Rhodan

consiga chegar à face visível, poderá transmitir sinais de

rádio. Até então, só nos resta esperar. Não há alternativa.

— Dentro de quanto tempo estará pronta para

lançamento a nave gêmea da Stardust? — perguntou o

chefe do serviço secreto.

— A demora será de cerca de dois meses, no

mínimo — respondeu Pounder. — Até lá, meus homens

morrerão asfixiados, se é que ainda estão vivos. Seu

suprimento de oxigênio é suficiente para cinco semanas

no máximo e, se economizarem de modo extremo, seis

semanas. Mais do que isso é impossível. Se for

necessário, podemos fazer pousar uma sonda não

tripulada perto do polo sul lunar. Mas é muito duvidoso

que esta operação de abastecimento seja bem sucedida.

Afinal, nossos homens teriam que encontrar a sonda.

Estamos numa situação desesperadora.

Allan D. Mercant deu a sessão por encerrada com

uma rapidez extraordinária. No momento, nada mais

havia para dizer. A nave Stardust continuava

desaparecida. Uma série enorme de problemas

amontoava-se diante dos presentes.

Antes de sair da sala, o chefe do serviço secreto

disse, com um sorriso misterioso:

— Lamento informar-lhes, cavalheiros, mas a nave

asiática a que se referiram, explodiu no ar após o

lançamento.

Pounder ergueu-se de um salto. Incapaz de abrir a

boca fitou Mercant.

O homenzinho passou a mão pelos olhos.

— Sinto muito, mas os senhores terão que procurar

outra causa. Não houve qualquer outra nave que subisse

ao espaço ao mesmo tempo em que a Stardust. De onde

teria vindo então, o transmissor colocado na Lua? Há

coisas que não me parecem bem claras. Apesar de tudo,

os senhores receberão, logo, notícias minhas.

E, em voz baixa, acrescentou:

— O fato é que nós também acreditamos que não

houve falha por parte do comandante da nave. Caso lhes

seja possível provar que todo o equipamento de bordo

funcionou com perfeição, estaremos então às voltas com

um problema que se me afigura extremamente difícil.

Peço que todos os dados disponíveis sejam fornecidos o

quanto antes à equipe de cientistas da Defesa

Internacional. O senhor há de compreender que teremos

que chegar a um resultado convincente.

— Rhodan não falhou — afirmou Pounder. — E

poderemos provar que todo o mecanismo de controle da

nave funcionou com perfeição. A mudança repentina do

ângulo de queda é uma prova. Ela foi constatada no

último instante. Poderemos apresentar-lhes todas as

provas possíveis...

Allan D. Mercant cumprimentou-os com um gesto e

saiu. Subiu ao terraço do prédio e entrou pensativo, no seu

helicóptero. Um céu límpido cobria a cidade naquele dia

ameno de junho.

— Vamos enfrentar tempos difíceis, Kaats —

murmurou. — Tenho fama de possuir um sexto sentido e

ele já se manifestou há alguns minutos.

Kaats estreitou os olhos. Era verdade, Mercant

possuía uma estranha intuição. Farejava o perigo e as

dificuldades com a mesma eficácia de um cão de caça.

Segundo os boatos, ele era dotado de um cérebro

superdotado, além de todos os limites da capacidade

mental conhecida. Esta e outras qualidades levaram-no,

em pouco tempo, à chefia da Defesa Internacional.

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17

III

Os membros da tripulação tiveram que esperar vinte

e quatro horas até que a radioatividade do solo lunar se

reduzisse por ação das substâncias pulverizadas no local.

Perry Rhodan saiu da nave em primeiro lugar,

quando o contador só registrava poucas incidências com

um valor ligeiramente inferior a 35 miliroentgens. Todos

permaneceram em silêncio. Não houve qualquer

manifestação de júbilo.

Apertaram-se as mãos e fitaram-se nos olhos sem

dizer uma palavra. Tinham certeza de serem os primeiros

homens a pisarem no solo lunar.

Um dos suportes de pouso fora danificado no

choque violento contra o chão. De resto, a Stardust não

sofrerá qualquer avaria séria. Em virtude da radiação, que

ainda era intensa, não era possível verificar o mecanismo

propulsor. Todavia, um teste rápido mostrara que ele

estava em perfeitas condições.

O grande gerador de força também funcionava com

perfeição absoluta e, o estado dos dispositivos de

renovação do ar e controle da temperatura, não podia ser

melhor.

Havia pequenas avarias que poderiam ser reparadas,

mas o que inspirava maior preocupação era a deformação

do suporte de pouso. Segundo as estimativas do capitão

Bell; seriam necessários pelo menos seis dias para pô-lo

em ordem. O aço-molibdênio era um material difícil de

ser trabalhado.

Cerca de trinta e seis horas após o pouso forçado,

retirou do compartimento de carga a tenda pneumática —

uma enorme esfera de fibra sintética.

O conteúdo de um pequeno tubo de ar comprimido

foi suficiente para inflar a tenda dando ao material a

consistência do aço. A ausência de pressão externa tinha,

também, as suas vantagens.

O longo recinto estava firmemente ancorado no solo

rochoso. A face externa bem polida refletia a luz do Sol

num brilho intenso. Os membros da tripulação estavam

instalando o mecanismo regulador da temperatura e o

conduto do ar. Por enquanto, só havia ar no espaço entre

as duas paredes da tenda. A construção tinha sido testada

na Terra sob as condições, que simulavam as existentes na

Lua. Só mesmo um meteoro poderia representar perigo.

A determinação exata da sua posição revelara-se

bem simples. As numerosas viagens ao redor da Lua

haviam permitido a confecção de mapas excelentes, de

modo que puderam determinar sem a menor sombra de

dúvida o local em que se encontravam.

A Stardust havia pousado a cerca de 82 quilômetros

além do polo sul lunar, já na face oculta do satélite. O Sol

aparecia com o formato de uma foice. Mal e mal surgia

acima do horizonte lunar que se encontrava bem próximo.

As crateras que rodeavam o local de pouso eram

conhecidas e estavam registradas no mapa. O mesmo

acontecia com o pequeno planalto que se erguia entre

duas encostas. Só mesmo por um acaso a nave tocara o

solo justamente neste ponto. Caso tivesse descido entre as

rochas pontiagudas da cadeia circular de montanhas, teria

sido quase que infalivelmente, o fim.

A Terra não era visível. Ficava muito além do

horizonte visual. Isso impossibilitava o envio de

mensagens de rádio. A única manifestação de Rhodan

face às dificuldades com que se defrontavam foi uma

contorção juvenil nos lábios. Nenhum dos tripulantes da

nave revelava sinais de desespero ou desânimo. Apenas

Fletcher estava mais quieto do que o costume.

Rhodan observou este fato sem fazer comentários.

Fletcher pensava com demasiada frequência no lar, na

esposa e no filho que estava para nascer. Mesmo que isso

não constituísse motivo de uma preocupação maior,

justificava certo grau de inquietação. Rhodan decidiu

dedicar atenção especial ao gigante.

Com um lento movimento de cabeça, o major olhou

em redor. O gesto foi lento e cuidadoso. Ele estava de pé

sobre um dos numerosos cumes da cadeia de montanhas.

Do lado interno, a encosta descaía, abruptamente, para o

fundo da cratera. Algumas crateras menores eram

testemunhas da queda de meteoros, contra os quais o

satélite, desprovido de atmosfera, estava exposto sem a

menor proteção.

Cerca de 400 metros abaixo, o nariz pontudo da

Stardust apontava para o espaço. No horizonte, o Sol

emitia uma luz ofuscante e implacável. As rochas da

encosta exposta aos raios diretos já começavam a

absorver calor. Porém, perto da zona de penumbra, a

temperatura ainda era suportável.

Rhodan não estava preocupado com estas coisas. Ele

estava bem consciente dos problemas e perigos e tinha um

excelente preparo psicológico para enfrentá-los. Além do

mais, ele sabia que o avanço da tecnologia capacitava-os a

realizar tarefas que, há vinte ou trinta anos, seriam

consideradas impossíveis.

Seu traje espacial, por exemplo, era uma verdadeira

maravilha em termos de mecânica de precisão. Sua

construção ocupara centenas de homens. Cada peça tinha

que se ajustar às outras com perfeição milimétrica. O

traje, por si só, já era uma demonstração da elevada

capacidade técnica desenvolvida pela espécie humana.

Rhodan contemplou a paisagem imensa e

desoladora. A região era menos montanhosa e acidentada

que outras áreas da Lua. Assim mesmo, também aqui não

havia o menor vestígio de vida. O contraste tremendo

entre a luz violentamente ofuscante do Sol e a escuridão

mais profunda dava um aspecto de pesadelo aos traços da

paisagem. Não havia sombra, no verdadeiro sentido da

palavra; não existia nenhuma transição confortável entre a

luz do Sol e um suave crepúsculo.

As regiões não atingidas pelos raios solares

mergulhavam na escuridão absoluta. Também nesse ponto

se fazia sentir o envoltório absorvedor da atmosfera. As

temperaturas chegavam a extremos bastante acentuados.

Tudo isso produzia, no espírito humano, um efeito

estranho.

Longe, ficavam os contornos bem conhecidos da

região polar, tornados invisíveis pela proximidade do

horizonte. Perry Rhodan tivera motivos de sobra para

escalar a cadeia de montanhas. Não se percebia qualquer

objeto que destoasse da paisagem. Era verdade que a

Stardust e a tenda reluzente formavam corpos estranhos.

Mas eram seus velhos conhecidos. A essa altura,

inclusive, já faziam parte da paisagem.

Um sorriso quase imperceptível aflorou-lhe aos

lábios. Num ceticismo que condizia bem com o

autodomínio que o caracterizava, perguntou-se com que

direito fazia essa constatação. Chegou à conclusão de que

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a mesma devia resultar de certa arrogância resultante de

sua concepção humana. O homem costumava conservar e

considerar como objeto de sua propriedade tudo aquilo

que havia conquistado com trabalho e sacrifício. Por isso,

a nave Stardust fazia parte da paisagem.

Ao surpreender-se com essas reflexões, Rhodan deu

uma risada. Imediatamente, o pequeno amplificador

embutido no seu capacete começou a estalar. Ouviu-se

uma voz ligeiramente preocupada.

— O que houve Perry? — disse a voz. — Alguma

dificuldade? Aconteceu alguma coisa?

Rhodan sorriu para si mesmo. Seus olhos se

estreitaram como se estivesse absorto com algum

pensamento.

— Perry! Responda! O que houve? — gritou Bell

com mais força. Ele tinha certeza que ouvira a risada de

Rhodan pelo seu amplificador.

— Tomei a liberdade de rir — disse Rhodan. — O

amigo se opõe?

Ouviu-se uma praga.

— Este sujeito está em cima de uma cratera lunar, só

e abandonado e acha motivos para ficar rindo — disse

Bell indignado. — Você ouviu Fletcher? O sujeito está lá

em cima e ainda ri!

— Já é alguma coisa — disse a voz mal-humorada

no alto-falante. — Estou me esforçando há meia hora para

cocar as costas e não consigo. É bem onde estão os tubos

de oxigênio.

Bell tornou a chamar Rhodan. A voz daquele parecia

uma explosão. O major teve que reduzir o volume.

— Perry, como está o ar aí em cima? — soou sua

voz.

— Teremos uma trovoada — respondeu Rhodan em

tom seco.

Bell ficou calado. O humor de Rhodan era

invencível.

— Digo isso, porque na Lua o ar é muito carregado

— acrescentou com voz suave.

— Compreendi comandante. Mas qual a vantagem

em saber disso?

— É exatamente o que penso! Mas eu estava me

esforçando para tornar a informação o mais exata

possível. De agora em diante, não dependeremos mais do

som, mas da visão. Certo? Então, meu caro, a que

distância eu estou daí?

— Cerca de 850 metros — soou a voz divertida do

Dr. Manoli. — Para ser mais preciso 852 metros. Estou

junto ao radar e ele me deu sua posição exata. Eficiente,

não é?

— Muito mais que isso! — disse Rhodan, rindo. —

Bell; tenho uma tarefa para você. Pegue a pistola

automática, regule a luneta para um aumento de dez vezes

e a alça de mira para 850 metros. Depois, descarregue

metade de um pente de balas naquele bloco de pedra que

se parece com a cabeça de um gigante. Fica cerca de 50

metros a minha esquerda. Está vendo?

— Estou — confirmou Bell. — Posso saber apenas

para que é a brincadeira.

— Não estou brincando. Quero saber os efeitos de

um projétil-foguete em miniatura. Estou interessado,

principalmente, na força de impacto e na energia da

explosão. Comece. Preste atenção para sentir a natureza

do recuo sob as condições de gravidade daqui.

— Não vai haver recuo — disse Bell. — Cada

projétil tem sua própria carga propulsora e funciona nos

moldes de um foguete. Não há cápsulas. O projétil e a

espoleta saem ao mesmo tempo. A velocidade de saída é

de 2.480 quilômetros por segundo. A pontaria é exata e

segura e, positivamente, não há força de recuo. Caso o

senhor não saiba, colhi informações bem detalhadas a

esse respeito.

— Bom menino! — disse Rhodan com ironia. —

Agora, atire, mas, por favor, não me confunda com as

rochas.

Bell soltou uma risada trovejante. Fletcher observou-

o em silêncio, enquanto ele levantava a arma pesada e

enorme, com a coronha muito curta e o cano de grande

diâmetro. Segundo determinações de segurança, os

tripulantes só deviam sair da nave com a arma na mão.

O capitão Bell estava parado diante da tenda

pressurizada, cuja montagem ainda não havia sido

concluída. Mais adiante, a menos de trinta metros, o

foguete erguia-se no céu lunar.

Bell ajustou a luneta do visor para um aumento de

dez vezes, e a distância para 850 metros.

A luz vermelha da ignição elétrica começou a brilhar

e o primeiro projétil deslizou para dentro da câmara de

ignição. O calibre dos projéteis era reduzido. Não passava

de seis milímetros e tinham o comprimento de um dedo.

Sua potência explosiva, no entanto, era enorme.

Bell hesitou por uns momentos. O alvo ficava muito

longe, embora o visor o trouxesse para muito perto.

— Vamos — soou uma voz enérgica. — O que está

esperando? Faça de contas que foi esse bloco de pedra

que perturbou o nosso sistema de controle remoto. Então?

Bell soltou uma praga. Finalmente compreendia

aonde Rhodan pretendia chegar. A experiência adquiriu

um novo sentido. A ideia de uma brincadeira inútil

desvaneceu-se.

— Se você concordar eu ajustarei a arma para dez

tiros, fogo espaçado — disse com um tom seco na voz. —

Preciso ver até onde consigo chegar com esta arma.

— Certo! Pode começar.

Bell encostou a coronha da arma no ombro.

O bloco de pedra surgiu no visor bastante

aumentado. Ele lembrou-se que a distância a ser vencida

não representava nada para esses projéteis, cuja

velocidade era tremenda. Não havia necessidade de

levantar o cano da arma acima do alvo. Com a reduzida

força de gravidade do satélite da Terra e a ausência de

atrito do ar, o projétil descreveria uma trajetória quase

retilínea. O visor tinha sido ajustado para tais condições,

de maneira que o atirador pudesse visar alvos colocados a

quilômetros de distância. E as probabilidades de acertar o

alvo eram muito grandes.

Quando Bell acionou o contato de ignição, Fletcher

conteve a respiração. Mas não houve o mais leve ruído.

Na terra, ouvir-se-ia o assobio estridente e a chicotada

produzida pela saída do projétil. Aqui, o disparo foi

cercado de um silêncio fantasmagórico.

O único sinal visível foi à saída de chamas

luminosas pela abertura para escapamento de gases,

existente no cano da arma.

Bell estava estupefato.

— Percebeu alguma coisa? — perguntou. — Que

diabo! Terei que me acostumar a esta maneira de disparar

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uma arma. Não senti o mais leve recuo.

— É, mas as lascas de pedra foram atiradas até o

lugar onde me encontro — ouviu-se uma voz rápida. —

Acho que antes de você diminuir a pressão no gatilho o

projétil já tinha atingido o alvo. A rapidez é incrível. O

bloco de pedra apresenta um furo de uns 30 centímetros

de diâmetro e mais ou menos o mesmo de profundidade.

E olhe que é granito. Tente uma rajada mais longa. A

arma é de uma precisão fantástica.

Bell puxou o gatilho. As chamas luminosas dos

projéteis lhe fustigavam os olhos. Do ponto onde estava

Rhodan viu a trajetória luminosa dos projéteis,

representada pela queima do combustível sólido que os

impelia. Quando penetraram na escuridão que se formara

na encosta, surgiu um traço incandescente e antes que

Bell compreendesse o que se passava, o carregador da

arma estava vazio.

Do bloco de granito restavam apenas lascas que,

atiradas para o ar, voltavam ao solo com enervante

lentidão.

Rhodan acompanhara atentamente a série numerosa

de explosões. Realizaram-se em silêncio e sem a menor

vibração. Revelavam-se, apenas, através da chuva de

pedras e dos relâmpagos chamejantes.

— Pode parar Bell — disse com voz abafada. —

Temos que reconhecer que a seção de armamento nos deu

um brinquedo mais que eficiente. Por quanto tempo você

apertou o gatilho?

— Uns dois minutos — respondeu Bell. E o

carregador está vazio! Disparei noventa tiros em um

instante!

— Está certo. A cadência de tiros é de cerca de

cinquenta por minuto. Muito bem! A experiência

terminou. Vou descer. Eric, a comida está pronta?

— Está. Pelo menos, fiz o que pude. Rhodan

começou a descer. Era fácil vencer as fendas e outros

obstáculos do solo. A leveza proporcionada pela ausência

de gravidade facilitava muitas coisas.

Após alguns minutos, estava diante da tenda

pressurizada. A montagem da conexão de ar estava

concluída e a aparelhagem reguladora da temperatura

tinha sido ligada às instalações da nave.

— O enchimento consumiu alguns litros de oxigênio

líquido — explicou Fletcher. — Será que vale a pena

desperdiçar um gás tão precioso? Quem sabe se não

precisaremos dele, um dia, para abastecer o interior da

Stardust? Nossa reserva é limitada.

Rhodan postou-se diante dele, ereto. Ainda assim,

Fletcher o ultrapassava em altura por alguns centímetros.

— Ora, Fletcher, você está se preocupando por nada.

O reparo de suporte de pouso exige habilidade e liberdade

de movimentos. Não quero ter os movimentos

embaraçados por um traje espacial quando tivermos que

trabalhar com o aço-molibdênio. E também não quero

ficar parado neste vazio

Fletcher piscou os olhos em direção ao céu estrelado

que se apresentava de uma limpidez incrível.

— Foi só uma ideia — murmurou. Nos seus lábios

surgiu, por instantes, um sorriso de desânimo.

— Você estava pensando em sua volta à Terra, não

é? Quem sabe, no bebê? — perguntou Rhodan,

calmamente.

Fletcher ficou calado. Seu rosto transformou-se.

— Não há problema. Compreendemos

perfeitamente. Mas convém que você não pense demais

nisso. Nosso plano foi estabelecido e nós tivemos bastante

tempo para discuti-lo em detalhes. Só partiremos para

uma viagem de exploração quando a Stardust estiver

completamente reparada. Não podemos arriscar uma

partida imediata seguida de uma alunissagem além do

polo, pois o suporte danificado não aguentaria o choque.

É lógico que poderemos subir alguns quilômetros e entrar

em contato visual direto com a Terra através de uma

manobra adequada. Mas, como já disse, teríamos que

pousar novamente. Com isso, a nave seria danificada de

tal maneira que não conseguiríamos repará-la com os

recursos de que dispomos. Se chegássemos a uma

situação dessas, eu também duvidaria da conveniência de

desperdiçar oxigênio com a tenda pressurizada. Mas,

agora, estamos em condições de fazê-lo, não é?

Um sorriso indiferente surgiu no rosto de Rhodan.

Enquanto que Fletcher continuava a olhar para o espaço.

— É claro que sim — respondeu. — Acontece que

me ocorreu mais uma pergunta. Não seria conveniente

iniciar imediatamente a viagem de retorno? Conseguimos

realizar um pouso de emergência, certo? Então, por que

devemos nos preocupar com o conserto do suporte? O

pouso na Terra é realizado por meio de asas de

sustentação e tocaremos o solo com os trens de pouso.

Não importa que o suporte esteja danificado, ainda assim,

desceríamos normalmente.

Baixou a cabeça e seus olhos cintilaram.

Rhodan não perdeu a paciência nem a capacidade de

raciocinar. Apenas o tom de sua voz tornou-se mais

enérgico.

— Fletcher, é óbvio que o que você propõe é viável.

Acontece que isso seria uma falta total de iniciativa e

responsabilidade de nossa parte. Temos uma missão a

cumprir e não será um suporte de alunissagem com

defeito que nos fará sair daqui antes da hora. E, além do

mais, tenho a vaga impressão que não conseguiremos

alcançar o espaço sem problemas. Há algo para ser

esclarecido aqui antes de partirmos.

Fletcher dominou-se imediatamente. Num gesto

silencioso, seus olhos azuis pediam perdão. Bell começou

a rir. O incidente estava encerrado.

— Está bem! Esqueça minhas palavras — disse

Fletcher, pigarreando. — Foi um ligeiro instante de

fragilidade humana. Vamos comer e depois saberemos

onde procurar o transmissor de onde partiu a

interferência. Já apurei os dados fundamentais, depois vou

pedir ajuda ao computador.

— Estou bastante curioso — disse Rhodan. — Bem!

Veremos o que o nosso médico conseguiu fazer.

Pelos amplificadores dos capacetes, ouviram um

suspiro de indignação. O Dr. Manoli explicou, então,

longamente, como e por que a arte de cozinhar, tão

enaltecida, se resumia a uma simples identidade com os

processos químicos mais conhecidos. O discurso soou

bem, mas havia, nele, algo que não estava muito certo.

Rhodan parou junto à área de pouso situada logo

abaixo do mecanismo propulsor da nave, onde o solo

ainda desprendia um pouco de radioatividade. Diante dele

estava a cesta transportadora pendurada no braço do

guindaste que saía da comporta principal do

compartimento de carga. Este ficava logo abaixo da

Page 20: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

20

cabine dos tripulantes. Rhodan preferira não utilizar os

degraus dobráveis presos à parte externa da nave.

Passando por baixo dos suportes de alunissagem,

chegavam perto demais do mecanismo propulsor que

ainda emitia radioatividade em excesso.

— Um de nós terá que desistir, por hora, das delícias

que tão avidamente esperamos — anunciou Rhodan com

um sorriso. Seus olhos se voltaram para os companheiros.

— Bell, quer fazer o favor de ficar de guarda aqui

fora? Dentro de meia hora eu o substituirei. Há um ótimo

lugar ali em cima do morro. Fique de olhos bem abertos.

Manteremos contato pelo rádio.

Reginald Bell não disse uma só palavra. A voz

profunda de Rhodan bastou-lhe para fazê-lo compreender.

Por mais calma que fosse a aparência do comandante, a

inquietação o consumia por dentro. Antes de se afastar,

com a arma carregada, voltou-se para Rhodan.

— Perry, só uma pergunta. Você está lembrado da

informação segundo a qual uma nave tripulada da

Federação Asiática teria sido lançada antes de nós?

— Vejo que você compreendeu meu temor, Bell —

confirmou Rhodan. Seu rosto tornou-se sério e sombrio.

— Pode ser que haja alguém interessado em certificar-se

pessoalmente da nossa queda. Em minha opinião, o

transmissor deve estar localizado perto da região polar.

Portanto, preste bastante atenção! Nosso radiogoniômetro

está testando todas as frequências possíveis. Logo que

ouçamos algum ruído estranho, teremos modificações por

aqui.

No interior da cabine, o Dr. Manoli começou a ter

calafrios e em poucos instantes estava indisposto. Ele era

um homem que estava sempre pronto a enfrentar qualquer

perigo ou qualquer sofrimento desde que fosse por amor à

ciência e à pesquisa. No entanto, quando surgiam

complicações inesperadas e que cheiravam a violência, as

coisas mudavam de figura. Manoli não era homem de

enfrentá-las com calma. Martirizado por pensamentos

sombrios, ouviu o ruído do motor do guindaste. Rhodan e

Fletcher subiram no cesto, enquanto que, na tela, a figura

de Bell tornava-se cada vez menor até desaparecer na

região escura de uma sombra projetada por uma saliência

do solo.

Alguns instantes após, ouviu-se o assobio da

comporta de despressurização e, quando eles entraram,

Manoli exibiu um sorriso forçado.

— Alô! — disse com voz débil. — Não ouvi nada

no radiogoniômetro. Só a conversa de vocês.

Rhodan saiu do traje espacial. O rosto de Fletcher

estava banhado de suor.

— Puxa — disse este, suspirando. — Até parece que

estou chegando ao paraíso.

— Acho que, na Terra, já nos consideram

desaparecidos — observou Manoli em voz baixa.

O sorriso de Fletcher desvaneceu-se.

— É. Deve ser — confirmou Rhodan em tom

indiferente, olhando-os com firmeza.

— Mas não será por muito tempo, dou-lhes minha

palavra. Assim que terminarmos de comer iniciaremos os

reparos no suporte de alunissagem.

Manoli estava pensando na esposa. Fletcher, no

bebê. Nenhuma palavra foi trocada, mas todos sabiam. Só

mesmo mãos fortes e vontade férrea poderiam dominar

esse tipo de situação. E Rhodan as tinha de sobra.

IV

Estavam sós em um mundo estranho e cheio de

mistérios; sem ar, sem água, sem vida...

A fina liga especial que revestia o veículo blindado,

de forma achatada, podia resistir a tiros de um canhão de

calibre médio; assim mesmo, não conferia aos seus

ocupantes total sensação de segurança, pois além das

chapas de aço começava o vazio — o Vácuo absoluto

com seus perigos conhecidos e desconhecidos. Não era

tanto o risco de vida que martirizava estes homens. Era o

ambiente desolador, tão estranho; era o semicírculo

incandescente do Sol que emitia um brilho ofuscante; as

crateras que surgiam em meio a planícies vastas, rasgadas,

por fendas no solo; eram as cordilheiras recortadas de

forma bizarra, que nunca foram corroídas pelas

intempéries.

Diante de todo aquele panorama, o mais árido dos

desertos da Terra transmitia uma mensagem de vida e

felicidade.

Estes fatos constituíam uma carga psicológica de

primeira grandeza. Eram os riscos para a mente que

tinham que ser combatidos em primeiro lugar. E vencidos

de qualquer maneira. Quem não aceitasse e superasse

estes fatos com uma impassibilidade total, sucumbiria sob

o peso dos mesmos. Não havia qualquer medicamento

contra as influências corrosivas que o ambiente cósmico

exerce sobre o espírito dos homens.

Rhodan levou tudo isso em consideração quando

resolveu partir no veículo lunar e deixar Fletcher e o Dr.

Manoli a bordo da nave. Não só porque dois tripulantes

deviam ficar a bordo da Stardust como também, porque os

nervos de ambos não suportariam aos efeitos da

expedição.

Fletcher recebeu ordens terminantes, por escrito,

para decolar de volta para a Terra assim que julgasse

conveniente, colocando-se sob a ação do controle da

estação orbital caso ele — Rhodan — não voltasse dentro

de dezoito dias do calendário da Terra.

Fletcher confirmou com um movimento de cabeça.

Ele estava perfeitamente habilitado para conduzir a nave

ao espaço levando-a aonde fosse necessário.

Apenas cinco dias foram gastos para o reparo do

suporte de alunissagem e um dia para a montagem e o

preparo do veículo lunar.

Depois de terem dormido por um período

prolongado, sob os efeitos da psiconarcotina, Rhodan e

Bell partiram no veículo lunar. Ele fora testado sob as

condições mais adversas e não poderia falhar.

Era um meio de transporte apto a enfrentar qualquer

terreno. Não levava armamento e dispunha de uma cabine

ampla para quatro pessoas. Sua cúpula, de uma liga

transparente, podia ser escurecida à vontade. No pequeno

espaço de carga situado atrás da cabine pressurizada só

havia equipamentos e peças sobressalentes. Rhodan não

estava disposto a executar qualquer uma das numerosas

missões de pesquisa constantes do programa.

O que importava era salvar a vida. Antes de tudo,

era necessário notificar a estação orbital. E o transmissor

do veículo era bastante forte para emitir sinais que

chegariam à estação.

Havia vinte e quatro horas que estavam a caminho.

Tinham dormido por cinco horas e, no momento, Rhodan

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21

fazia com que os motores elétricos arrastassem o veículo

por cima de uma elevação.

O semicírculo solar começava a aumentar. Dentro

em pouco atingiriam o polo sul lunar e estariam, então,

em linha direta com a Terra.

Ainda estavam usando os trajes espaciais, mas sem

os capacetes. A cúpula pressurizada do veículo oferecia a

mesma segurança da cabine principal da Stardust. Seria

necessária uma força descomunal para destruir o material

sintético.

Bell estava olhando para frente. Os cumes elevados

que se descortinavam diante dele não o agradavam.

Voltou a estudar o mapa.

— Não há dúvida, é a cordilheira de Leibnitz —

disse com voz abafada. — Quer dar uma paradinha?

Rhodan desligou o comando elétrico. O zumbido

dos motores cessou.

Rhodan enxugou o suor da testa. Sem dizer uma

palavra, começou a limpar o vidro dos óculos escuros. A

radiação ultravioleta o estava incomodando. Também

lançou um olhar em direção às montanhas.

— Só faltam uns oito quilômetros. Aqui a gente se

engana tremendamente com as distâncias. Temos diante

de nós a cratera Husemann, que não pode ser vista da

Terra. Se seguirmos mais uns quinze quilômetros

chegaremos do outro lado do polo. Mas não podemos

manter o rumo atual. Temos de nos desviar para o leste,

senão passaremos pelas ramificações da cordilheira de

Leibnitz. E isso não seria nenhum prazer.

O indicador de Bell tocou o mapa. Seu rosto parecia

cansado e inchado sob a barba que já tinha vários dias. A

viagem estava se transformando num martírio. Rhodan

correra que nem um louco. Se fosse possível seguir em

linha reta eles já teria atingido a região polar há muito

tempo. Acontece que tinham que contornar os inúmeros

obstáculos. A linha traçada no mapa, que registrava o

deslocamento do veículo, se apresentava bastante sinuosa.

Rhodan tossiu. Sem dizer uma palavra estendeu a

garrafa de água em direção a Bell.

— Vamos dobrar para leste. Leibnitz não é

brincadeira. Não tenho vontade de cair naqueles

precipícios. Aquilo ali é uma das ramificações orientais

da cordilheira. O maciço principal fica mais ao oeste.

Passaremos sem maiores dificuldades.

Bell sorveu o líquido em goles compridos. Na cabine

fez-se um silêncio profundo.

Rhodan protegeu o teto com outra série de folhas de

plástico polido. O sol era por demais forte. Não podiam

absorver muito calor. Seria um problema livrar-se do

mesmo. Finalmente Bell disse em tom sombrio:

— Vai acontecer alguma coisa. Estou sentindo

cócegas na nuca. Não pode deixar de acontecer alguma

coisa. Olhe isto aqui!

Seu dedo voltou a tocar o mapa. O rumo que

estavam tomando conduzia diretamente para um círculo

que Fletcher, o matemático, havia traçado no mapa.

— Já sei — disse Rhodan, esticando as palavras. Um

sorriso que parecia uma máscara passou-lhe pelos lábios.

Bell fitou-o. Tinha os lábios secos e rachados.

— Devíamos contornar esta área bem de longe,

procurando em primeiro lugar estabelecer comunicação

radiofônica com a Terra. Depois poderemos ver o resto. O

que acha?

Por um instante, Rhodan olhou fixamente para

frente. Depois disso Reginald Bell viu um rosto de linhas

bem marcadas. Os olhos de Rhodan cintilavam.

— Os problemas existem para serem resolvidos.

Não adianta adiar a decisão com desculpas esfarrapadas.

Quer queiramos, quer não, teremos de enfrentar aquilo.

Prefiro uma ação rápida. Portanto, seguiremos pelo

caminho mais curto. A parte que agir com maior rapidez

levará uma vantagem considerável. Os outros também

estão sofrendo os efeitos negativos do ambiente,

provavelmente mais que nós.

— Sim, somos heróis — resmungou Bell. — Está

certo, daqui por diante cuidarei da sonda infravermelha.

Se surgir qualquer sinal você terá de correr que nem o

diabo.

Sua mão pousou automaticamente na arma. Traziam

na nave as armas automáticas de grande calibre, que

funcionavam como metralhadoras.

Rhodan moveu a chave. O veículo blindado

arrancou sob o uivo dos motores elétricos. Depois de

terem contornado o morro em que ficava a cratera,

chegaram a uma grande planície pedregosa. A poeira

levantou-se atrás das esteiras velozes. As partículas

ficavam suspensas numa estranha imobilidade, até que

descessem com uma lentidão fantástica. Não podia haver

nada que revelasse melhor a ausência do vento.

Após outras seis horas de viagem viram todo o Sol.

A progressão foi rápida por causa da curvatura reduzida

da Lua. Depois de terem passado pela área crítica sem

maiores incidentes, atingiram o limite do campo de visão

direta. Logo acima, a Terra surgiu em forma de

semicírculo. Era perfeitamente visível e, embora estivesse

bem baixa, acima do horizonte setentrional, devia haver

possibilidade de estabelecer contato pelo rádio.

Rhodan lançou um olhar rápido para os lados. Nas

últimas horas tinham-se mantido bastante calados.

Bell sorriu, depois assobiou em tom agudo uma

melodia desafinada. Rhodan fez com que o veículo

subisse uma encosta íngreme. As esteiras revolviam o

solo e o ruído dos motores tornou-se mais intenso.

Chegados à parte de cima, pararam num pequeno platô de

rocha. À sua direita um paredão sombrio erguia-se em

direção ao espaço.

Bem diante deles, porém, estava suspensa no espaço

a esfera brilhante que era a Terra. Conseguiram. Quase

não falaram. O esgotamento extremo estava gravado nos

seus rostos. Executaram as operações necessárias

depressa, talvez mesmo precipitadamente. Ambos tinham

a sensação de que não havia tempo a perder: estava na

hora de agir.

Rhodan fez sair a antena direcional parabólica, e

Bell fez funcionar o reator, ligando-o ao transmissor. As

válvulas foram se aquecendo, enquanto Rhodan ajustava a

antena com a maior exatidão. A Terra estava ao alcance

do equipamento automático de radiofonia.

Com um gesto lento e hesitante Rhodan girou a

poltrona. Diante dele dançavam os ponteiros dos

instrumentos de controle. O aparelho estava em perfeita

ordem. Colocou o microfone mais perto da boca. Com um

movimento um tanto complicado controlou a sintonização

automática.

— Está pronto? — perguntou Bell com a voz áspera.

Estava de pé na cabine, meio abaixado. Segurava na mão

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o pesado dispositivo automático de controle.

Rhodan confirmou com um movimento de cabeça e

ligou o aparelho. Nos alto-falantes do receptor ouviram-se

os ruídos normais. Não se identificavam com os estouros

e os guinchos infernais resultantes de uma interferência

deliberada.

Um sorriso suave aflorou aos lábios de Rhodan.

Depois ligou o transmissor. Em tom circunspecto falou:

— Major Perry Rhodan, comandante da Expedição

Stardust chamando controle de terra de Nevada Fields.

Favor acusar recebimento. Major Perry Rhodan,

comandante da Expe...

Aconteceu subitamente, como um raio que caísse de

um céu azul. Um brilho esverdeado surgiu e foi-se

tornando cada vez mais forte, transformando-se numa

luminosidade intensa, que envolveu os rostos dos dois

homens em uma luz fantasmagórica.

A poucos metros acima deles, a antena ardeu em

chamas verdes e fosforescentes, cuja luminosidade era

tamanha que fez Rhodan soltar um gemido, cobrindo os

olhos torturados com as mãos.

Tudo foi muito rápido e silencioso. Uma abóbada de

chamas saltitantes ergueu-se acima do veículo lunar. A

luminosidade do Sol tornou-se turva e os contornos da

paisagem lunar se desfizeram.

Antes que Bell tivesse tempo de soltar um grito

apavorado de advertência, o equipamento de rádio

começou a estourar. Um raio saltou do envoltório de

plástico. Vapores corrosivos desprenderam-se do

aparelho. Os isoladores fundidos ficaram envoltos em

pequenas chamas.

O pontapé de Rhodan foi desferido no último

instante, rompendo a ligação com o gerador nuclear. Bell

mal percebeu que a mão de Rhodan bateu com um estalo

no seu capacete. Quando o oxigênio fresco penetrou nos

seus pulmões, voltou a raciocinar com clareza. Seus gritos

cessaram.

Perry Rhodan, imóvel, estava encolhido na sua

poltrona. Parecia nem ter notado os últimos

acontecimentos. A luminosidade misteriosa desaparecera

com a mesma rapidez com que havia surgido. Não se via

mais nada, nem mesmo o brilho mais débil.

Só mesmo a antena totalmente fundida e o aparelho

de rádio consumido pelas chamas davam mostras de um

acontecimento que ficava além do seu entendimento. Bell

moveu-se pela cabine rapidamente. Com os olhos

selvagens procurava um inimigo. Segurava a arma em

atitude ameaçadora, mas não via qualquer figura humana.

O chiado agudo do extintor de espuma seca fez com

que se sobressaltasse de novo. Rhodan dirigiu o jato sobre

o aparelho de rádio destruído. Sua atitude era tão

indiferente que Bell começou a praguejar. Ele o fez de

forma intensa, com bastante barulho. Todavia, os lábios

mal se moviam no rosto inchado, tomado de uma palidez

cadavérica.

O fogo foi extinto. O equipamento de

condicionamento de ar sugou os vapores. O oxigênio fluiu

para o interior da cabine. O incidente consumira vários

litros do ar respirável.

Rhodan abriu o capacete. Com o rosto indiferente,

olhou cuidadosamente para cima. Depois falou:

— Pronto. Está tudo terminado. Só esperavam por

isto.

— Santo Deus, o que foi isso? — cochichou Bell.

Exausto, deixou-se cair na sua poltrona. — O que foi

isso?

— Foi uma maneira muito engraçada de interferir

numa transmissão de rádio. Pelo amor de Deus, não me

pergunte como fizeram! Neste ponto sou tão ignorante

como um recém-nascido. Não tenho a menor ideia. O que

posso dizer é que essa luminosidade apareceu como um

raio com a primeira frase que soltei para o microfone. Daí

se conclui que estavam à espreita com um

radiogoniômetro inteiramente automático. O aparelho

funcionou imediatamente. É só o que posso dizer.

Bell levou à boca seu comprimido de concentrado.

Seus olhos estreitaram-se. O engenheiro competente

despertou dentro dele. Entrou em funcionamento a parte

do seu cérebro no qual estava armazenada a massa

enorme de conhecimentos relativos à eletrônica moderna.

— Será que você está passando bem? — indagou. —

Sempre o considerei um aluno exemplar da Academia

Espacial e pensei que tivesse capacidade de raciocinar.

— E agora já não pensa assim? — perguntou

Rhodan, com um traço de amargura no rosto.

— No momento não. Você acaba de falar como o

célebre Super-Homem daqueles fascículos de cinquenta

centavos. O que quer dizer com a expressão

radiogoniômetro automático? Será que você sabe o que

acaba de dizer? Trabalhamos com um raio direcional bem

ajustado. Como é que uma emissão destas poderia ter sido

localizada com tamanha rapidez? A antena apontava para

o espaço vazio. Mas não é só isso. Será que você também

tem uma explicação para a luminosidade verde? Pode

imaginar que tipo de energia essa gente utilizou?

— Convém não perguntar, pois a resposta teria de

soar como a fala de um louco.

— Fomos cobertos por um anteparo abobadado —

prosseguiu Bell obstinadamente. — Vi perfeitamente.

Dali desceu um raio de luz verde, e nossa antena já era.

Perry, eu lhe asseguro que uma coisa dessas não existe.

Poderia compreender tudo, mas tudo mesmo. Até

admitiria uma descarga dirigida de relâmpagos. Mas neste

ponto minha inteligência deixa de funcionar.

Rhodan continuou na sua posição rígida. Seus olhos

ardiam.

— Quer dizer que tudo não passou de um sonho, não

é? Se eu fosse você teria dito que minha inteligência

chegou ao limite extremo da compreensão. Alguém ouviu

minha mensagem no mesmo instante em que ela foi

iniciada, e agiu imediatamente. Não estou muito

interessado em saber como fez isso, já que com os

conhecimentos científicos de que disponho não tenho

capacidade de interpretar o acontecimento. O que me

interessa mais é o fato de que esse alguém quer nos

reduzir à condição de prisioneiros da Lua. Darei minha

cabeça à forca se conseguirmos subir um quilômetro com

a Stardust. Não pergunte por que, mas sinto que é assim.

Não, não sinto: sei! Sendo assim, que nos resta fazer?

Reginald Bell empalideceu ainda mais. Todo lívido,

fitou o comandante, cujos olhos claros se tinham tornado

sombrios.

— Você é a pessoa mais insensível que já vi! —

gaguejou. — Será que não tem mais nada a dizer?

— Não. Acontece que meu espírito só toma

conhecimento das situações em que podemos fazer

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alguma coisa. Os problemas insolúveis são imediatamente

postos de lado. Não devíamos falar a respeito deles.

Bell pigarreou. A cor retornou à sua face.

— OK. Vamos esconder a cabeça na areia, que nem

um avestruz. — Deu um sorriso triste. Seus olhos

percorreram a paisagem. Estava desolada e vazia como

antes.

— O fato é que já não compreendo mais nada. Se

não parecesse coisa de louco, falaria num campo

energético. Mas como poderia o mesmo ser montado no

espaço praticamente vazio? Não vejo nenhum polo

energético, absolutamente nada. Quem está tentando nos

eliminar? E como está fazendo tudo isso?

— Quem sabe se o foguete da Federação Asiática

não pousou algumas horas antes de nós? Terão a bordo

algum equipamento completamente novo. Basta que se

veja a luminosidade verde.

Rhodan olhou atentamente para seu amigo.

Bell sorriu. Suas mãos pesadas balançavam entre as

pernas como se fossem enfeites incômodos.

— Deixemos de falar bobagens, meu velho. Não me

diga que você acredita no que está dizendo. No ponto em

que estamos nada mais importa para mim. Estou disposto

a engolir um prego enferrujado caso os chineses tenham

inventado isso. Foi uma coisa assombrosa. Está bem, está

bem, estou perfeitamente calmo. Então, o que vamos

fazer?

Rhodan deu um sorriso muito cordial. Bell já sabia

que aquela contorção dos lábios do companheiro

representava um sinal de alarme de primeiro grau.

Conhecia muito bem esse homem alto de rosto magro,

— Vamos até lá ver o que há e, se possível,

encostaremos o dedo no gatilho um décimo de segundo

antes do inimigo. Não vejo outra possibilidade. Se

ficarmos parados, morreremos asfixiados dentro de

algumas semanas. Se decolarmos, a nave será abatida com

toda certeza.

— Vamos negociar? — perguntou Bell num tom de

insegurança.

— Bem que gostaria disso. A questão é: poderemos

negociar com essa gente? Os fatos indicam o contrário.

Por que será que não nos deixaram expedir a mensagem?

Isso não poderia fazer mal a ninguém. A esta altura toda a

Humanidade já deve saber que a Stardust pousou na Lua.

Portanto, não faz nenhum sentido interromper as nossas

comunicações de forma tão drástica. Isso até parece obra

de algum maluco. Não há nenhuma lógica, nenhum

motivo. Se tentassem nos matar ainda haveria certa lógica

nesse procedimento. Mas parece que não estão pensando

nisso. Por que será?

Bell voltou a soltar seus assobios estridentes.

— Em última análise é precisamente isso que fazem:

estão nos matando — disse. — É verdade que o estão

fazendo aos poucos. Quando as nossas reservas de

oxigênio estiverem esgotadas...

Bell ficou calado. Sua testa enrugou-se. Depois,

disse laconicamente:

— Está certo, comandante. Vou registrar o novo

curso no mapa. Vamos à boca do mistério. Dentro de oito

horas estaremos lá.

Virou-se na sua poltrona. Depois veio a observação

de Rhodan.

— Antes de qualquer coisa, vamos dormir um

pouco, pelo menos, umas oito horas. Depois vamos fazer

a barba. Não quero dar a impressão de um selvagem.

Bell ficou perplexo. Olhou pelo material da cúpula

blindada.

— Fazer a barba? — gemeu. — Será que ouvi bem?

— Os asiáticos não têm tanta barba como nós. Por

isso nosso aspecto poderia ser chocante para eles —

explicou Rhodan com um sorriso estranho.

Reginald Bell sentiu um calafrio. Quais seriam as

ideias do comandante?

V

A uns 30 quilômetros do polo o aparelho de busca

infravermelho reagiu. Devia haver um corpo que

irradiasse bastante calor nas proximidades. O ponto

assinalado ficava exatamente na área que o capitão

Fletcher indicara como sendo a localização provável do

emissor que havia provocado a interferência quando

desciam na Lua.

Saíram do veículo blindado e foram seguindo a pé

junto às rochas escarpadas. A montanha erguia-se a uma

altura de cerca de 500 metros. Abrigava uma cratera que

não era visível da Terra.

Depois de mais meia hora de escalada tinham

vencido o último obstáculo que impedia sua visão. Ainda

estavam ao pé da montanha, mais ao norte.

Os sinais do aparelho portátil de localização

tornaram-se cada vez mais nítidos. Deviam encontrar-se

nas proximidades do outro foguete. Subitamente Reginald

Bell teve um colapso.

Caiu de joelhos, com as mãos apoiadas no chão. Seu

riso louco era captado pelo microfone e transmitido pelo

emissor embutido no capacete.

Perry Rhodan não disse uma palavra. Num gesto

instintivo procurou cobertura. Agora estava empenhando

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toda sua energia para dominar-se. Era o golpe de

misericórdia nos nervos desgastados dos dois homens.

— Não, não; isso não, isso não! — ouviu-se Bell

gemer no aparelho de radiofonia. Repetia constantemente

as mesmas palavras.

Rhodan recompôs-se de um golpe. Suas mãos

descontraíram-se. Com uma brutalidade desnecessária

arrastou o amigo para trás de uma rocha. Bell despertou

do aturdimento que lhe perturbara os sentidos. Estava

todo trêmulo, olhando para Rhodan. O suor que lhe cobria

o rosto embaçou a lâmina transparente do capacete.

Rhodan ligou o pequeno ventilador. Bem que Bell estava

precisando.

— Calma! Controle-se! Pelo amor de Deus, acalme-

se! Não fale! Se fizerem surgir à luz verde nas nossas

antenas estaremos liquidados. Fique calmo.

Mesmo Rhodan recorreu às palavras estereotipadas.

Repetidas muitas vezes, tornar-se-iam monótonas, mas

produziam efeito até mesmo pelo tom em que eram

proferidas. Estava preparado para aquilo. Assim mesmo, o

súbito conhecimento da situação o fez desmoronar. Não

estava mais a sós. Nunca tinham estado...

A compreensão desse fato revolveu seu interior e fez

com que perdesse a serenidade habitual. Tinha a sensação

de estar postado diante de uma muralha de altura infinita.

Perry Rhodan precisou apenas de um instante para

que as feições do seu rosto se recompusessem. As batidas

furiosas do seu coração foram diminuindo. Mas não

diminuiu a pressão com que segurava o braço de Bell.

Imaginava que o amigo precisaria de mais tempo que ele.

Tinha sido o choque mais violento que o capitão Reginald

Bell já experimentara.

Cautelosamente Rhodan levantou o capacete circular

por cima da rocha. Seus olhos fixaram-se avidamente no

quadro titânico. Todas as dúvidas se desvaneceram.

Não, não era nenhum sonho. Tinha diante de si um

fato positivamente verdadeiro.

Ficou calado, até que Bell se manifestasse

espontaneamente. Não pensava mais em proibir a

utilização do transmissor portátil. Sabia que seria inútil.

— Você sabia, não é? Já sabia há algumas horas —

cochichou Bell. — Foi por isso que tive que fazer a barba.

Como foi que você soube Perry?

— Não se exalte meu caro, não adianta — disse

Rhodan. — Aquela nave espacial que você está vendo ali

não foi construída na Ásia. O fato é que não veio da

Terra. Desconfiei disso quando surgiu a luz verde.

Nenhum homem seria capaz de criar um campo

energético desses, nem conseguiria interromper nossa

transmissão dessa forma. Procure dominar-se. Temos que

enfrentar isso. Não temos alternativa.

Bell ergueu-se. Seus olhos adquiriram vida. Depois,

olhou para frente.

— Fizeram um pouso forçado — disse após algum

tempo. — Rasparam a parede da cratera com uma força

tão grande que nem é bom pensar. Quem são eles? Como

serão? De onde veem? E o que será que querem aqui? —

concluiu Bell com um sorriso sombrio.

A pergunta fez com que Rhodan despertasse de vez.

Recuperou a capacidade de refletir e seus lábios

contorceram-se.

— Vamos descobrir — disse, com ênfase. — Agora

começa a surgir à lógica de um ato que parecia irracional.

É claro que tinham que interromper a nossa transmissão.

Ao que parece, não fazem questão de que, na Terra,

saibam da presença deles. Talvez pensem que, antes de

pousarmos, vimos essa nave gigantesca. Desta forma,

tudo se torna compreensível.

E, realmente, tudo era bem compreensível.

Subitamente, Rhodan viu aquele objeto com outros olhos.

Seu cérebro emitiu sinais de perigo, fruto de muito tempo

de convivência com situações que demandavam uma

avaliação rápida do momento.

Passou a olhar a nave com o senso objetivo de um

cientista. Não se via nenhuma reentrância, nenhuma

abertura visível. Apenas uma linha circular e abaulada

desenhava-se na linha equatorial.

A nave estava imóvel diante da parede rompida da

cratera. E, embora não apresentasse o menor arranhão, era

evidente que tinha havido um choque.

O veículo descansava sobre pés curtos que pareciam

colunas. Estavam dispostos em círculo e, aparentemente,

tinham sido estendidos ou desdobrados da parte inferior

da esfera. Era só o que se oferecia à visão.

O sol batia em cheio na espaçonave estranha,

fazendo-a brilhar com uma luminosidade vermelho

pálida. Para ver a parte superior, tinham que inclinar a

cabeça bem para trás. Mas, ao saírem de trás da rocha que

lhes impedia a visão, encontraram-se bem perto da nave.

Bell também recuperara o autocontrole. A prova era

sua voz áspera e calma.

— É a forma esférica pura, a concepção ideal de

uma nave espacial de grandes proporções, desde que se

disponha de um mecanismo propulsor adequado. O

diâmetro é de cerca de quinhentos metros! Ou melhor,

pelo menos quinhentos metros. É mais alta que a

cordilheira. Como se consegue fazer com que uma massa

como essa suba para o espaço? Aos poucos fico tendo

uma ideia bastante vaga das máquinas que devem ter sido

montadas no interior dessa nave.

Falando mais baixo, acrescentou.

— E nós que nos orgulhamos tanto de nosso êxito!

Atingimos a Lua com uma coisinha de nada. Um Pequeno

Polegar que mal e mal conseguiu completar o salto. O que

temos diante de nós deve estar além do nosso sistema

solar. Será que você faz ideia do que nós, seres humanos,

umas criaturazinhas tão presunçosas, representamos

diante daqueles seres ali?

— Se você disser macacos, vou explodir! — disse

Rhodan.

— Era a expressão que eu tinha na ponta da língua

— respondeu Bell com um sorriso. — Você é um homem

muito orgulhoso, não é?

— Orgulho-me de ser homem. Sinto orgulho pela

espécie humana, por suas qualidades, sua rápida evolução,

seu futuro brilhante. Já conquistamos a Lua e, um dia,

conquistaremos as estrelas.

Depois, olhando a gigantesca nave alienígena,

continuou:

— Essa nave espacial tão estranha, não prova que

seus ocupantes sejam mais inteligentes que nós. Talvez

estejam, até, usufruindo a herança deixada por dezenas de

milhares de gerações laboriosas, isto é, alguma coisa que,

simplesmente, caiu-lhes nas mãos. A ignorância não deve

ser confundida com a estupidez. Deve-se levar em

consideração o fato de o ignorante ter tido ou não

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25

oportunidade para aprender e, se teve, ainda assim, tudo

depende do saber daqueles que se encarregaram de o

ensinar. Ninguém pode assimilar mais do que aquilo que

lhe foi transmitido por alguém. A espécie humana é uma

raça ainda jovem. Nossos cérebros parecem esponjas.

Tenho certeza absoluta de que ainda podem absorver

muita coisa. Portanto, não vá me dizer que, a essa altura,

você está se sentindo quase um macaco.

Rhodan zangara-se de verdade. Parecia até ter

esquecido o objeto que se erguia diante de seus olhos.

Bell riu, depois segurou cuidadosamente a arma

automática.

— Deixe isso — preveniu Rhodan. — Não

poderemos resolver os nossos problemas dessa forma.

Temos de admitir, de qualquer maneira, que não somos os

únicos seres inteligentes no Universo. O que não chega a

se constituir uma surpresa. Não toque na arma; a situação

é diferente da que prevíamos.

— Eu me sentiria melhor se aquilo fosse apenas uma

nave da Federação Asiática — cochichou Bell e, em tom

provocador, acrescentou: — O que é que vamos fazer

agora? Ainda bem que é você quem está no comando.

Estou ardente de curiosidade!

— E eu estou curioso há muito tempo — observou

Rhodan. — Parece impossível! Pelo menos tudo indica

que esses camaradas não têm intenção de nos matar. E há

outra coisa...

Voltou a olhar para o paredão de rochas esfaceladas.

— Um comandante sensato não faria um pouso

desses, não é? Eu, pelo menos, não faria. É de se supor

que alguém que arrasa metade de uma montanha de pedra

ao pousar, não o tenha feito de propósito. Ao que parece

estes desconhecidos sofreram alguma pane. Você não

acha que isso os torna mais humano?

Rhodan sorriu com suas próprias palavras.

— Alguma coisa não deve estar em ordem naquela

nave. E já que tenho fama de saber perder, vamos olhar

mais de perto.

Rhodan pôs-se de pé. Um sorriso irônico aflorou aos

seus lábios.

— Você está doido?! Abaixe-se! — gritou Bell —

Isso é uma loucura.

— Loucura? Veja a nossa situação! De qualquer

maneira, não conseguiremos sair daqui. Quando o general

Pounder enviar outra nave já estaremos, os dois mortos.

Além disso, a nova tripulação terá a mesma sorte que nós.

A esta altura já não adianta refletir. Será que uma cabeça

dura como a sua consegue assimilar esta verdade?

Como se este ponto de vista não bastasse, Rhodan

estava sendo devorado pela curiosidade: um instinto

primitivo e irreprimível do homem. O desassossego

constante provocado pelo que se escondia atrás de tudo

aquilo.

Subitamente, os olhos de Rhodan se estreitaram.

Alguém soltara uma risada. Fora apenas um ruído breve,

quase imperceptível. Mas não havia dúvidas de que

alguém rira.

Bell ergueu-se de um salto, com o dedo no gatilho.

Seu rosto estava pálido.

— Você ouviu — disse. — Alguém está sintonizado

na nossa frequência. Que diabo?

— O que você estava pensando? — soou a voz

indiferente de Rhodan. — Por que você acha que encenei

um pequeno drama com diálogos tão longos? É claro que

alguém está nos escutando. O fato de não terem destruído

os transmissores dos nossos capacetes constitui prova da

sua inteligência. Sabem perfeitamente que, com eles, não

emitiremos nada para a Terra. É uma lógica simples e

contundente. Vamos.

Bell permaneceu imóvel, com a arma na mão.

Parecia que sua curiosidade havia desaparecido

completamente. Com a voz arrastada e num tom frio,

disse:

— Se você quiser ir, vá. Quanto a mim, não sinto a

menor vontade de me lançar nos tentáculos de polvos

inteligentes ou outros tipos de monstros com um sorriso

cordato nos lábios. Prefiro ficar aqui.

O rosto de Rhodan tornou-se sério.

— Você anda lendo muitos romances de ficção

científica, meu caro. Um ser como o polvo jamais

conseguirá construir uma nave espacial, ainda que, contra

toda a expectativa, adquira inteligência. Não confunda a

fantasia com o saber estabelecido.

Encontramo-nos diante de um fato real. Lá, na Terra,

cientistas de renome que não escondem a certeza da

existência de vida inteligente no Universo, mas não

pintam quadros de horror. Portanto, não diga bobagens e

venha! Será que tenho que voltar insistir em que não

temos alternativa?

— Talvez tenhamos — murmurou Bell perturbado.

— A ideia de entrar nessa nave como carneiro indefeso

não me agrada nem um pouco. É uma violência contra o

meu instinto de conservação. Entende?

— Claro! Nunca deixo de compreender um

argumento razoável. É o instinto que faz o homem temer

o desconhecido, talvez seja esta a coisa mais razoável que

o Criador deu aos homens. É bom que seja assim.

Acontece que certas horas, teremos que dominar o

furacão dos sentimentos. Você virá comigo se quiser. Não

darei ordem nesse sentido.

Rhodan voltou-se. Andando rapidamente, saiu do

refúgio proporcionado pela rocha. Seu pensamento e seus

sentimentos passaram a ser dominados pela lógica pura.

Sabia que não havia outro remédio.

Sua arma automática balançava-lhe ao ombro. Os

braços pendiam ao longo do corpo. Rhodan não estava

disposto a transformar o primeiro encontro entre um

homem e uma forma estranha de inteligência em um

combate armado. Teria sido uma péssima saudação.

Indigna de um homem como ele.

Sentiu certo vazio dentro de si. À medida que se

aproximava do gigantesco objeto, crescia nele o

sentimento aflitivo provocado pela antevisão do encontro.

Os desconhecidos tinham tomado à iniciativa.

Não havia dúvidas. Agiram, porém, por via indireta.

Rhodan concluiu que a interferência nas transmissões de

rádio representara antes uma medida de precaução, não o

desejo deliberado de destruir. A ideia tranquilizou-o.

Passou a confiar no espírito que havia de reinar ali, ao

qual faria algumas concessões.

Enganara-se bastante na distância em que se

encontrava da nave. Esta era muito maior do que supunha.

As paredes da mesma erguiam-se cada vez mais

imponentes. Pareciam ameaçadoras e enganadoras.

Depois de ter percorrido algumas centenas de metros sob

a luz ofuscante do Sol, já não podia abranger toda a nave

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26

com o olhar. Seu diâmetro devia ser superior a quinhentos

metros.

Os pés de pouso eram colunas enormes com grossas

placas de apoio nas extremidades. Quando percebeu a

semelhança com a concepção da Stardust sorriu

ligeiramente. O pensamento daqueles seres devia

funcionar de forma análoga a dos homens, pelo menos

sob o aspecto técnico-científico.

Ouviu, então, a respiração acelerada de Bell no

amplificador. Logo após viu aparecer a sombra do

companheiro.

Bell acompanhou-o em

silêncio. Não disse uma só

palavra. Rhodan cumprimentou-

o com a cabeça. O gesto parecia

bizarro por causa do capacete

pressurizado.

Bell retribuiu com um

sorriso. Embora conseguisse

dominar-se, não apagara dos

olhos um brilho estranho.

Seus passos tornaram-se

cada vez mais lentos. Por cima

deles, erguia-se a imensa forma

abaulada. O sol só cobria parte

do solo que ficava por baixo da

enorme esfera. Rhodan parou no

ponto onde começava a

escuridão total. Olhou para

cima.

Viu as aberturas largas da

parte inferior da saliência que já

observara na linha equatorial.

Esta havia se transformado em

um anel gigantesco com mais de

setenta metros de largura.

— Se resolvessem decolar

agora seríamos reduzidos a

átomos — disse calmamente.

Depois, apontou para cima.

— Aquilo ali deve ser a

abertura dos reatores, se é que a nave é impulsionada por

esses engenhos. É provável que o solo, que se apresenta

vitrificado em torno da nave, tenha sido levado à

incandescência. Calculo que nas condições da Terra, o

peso de decolagem de uma nave como essa seria de dois

milhões de toneladas. Como será que isso se desloca?

— Sugiro um foguete de São João — disse Bell em

tom sarcástico. Uma raiva surda apoderou-se dele. Ao que

parecia, ninguém lhes dava atenção. Dentro dele,

começou a se fazer ouvir uma voz que o chamava de

macaco. Bell não conseguia evitar. Não possuía a enorme

dose de autoconfiança do companheiro. Refugiava-se

num humor um tanto sem graça. Recorria,

invariavelmente, a esse subterfúgio quando o pensamento

lógico não mais bastava.

Rhodan conservou seu autodomínio. Imaginava que

alguma discussão devia estar sendo travada no interior da

nave. Provavelmente, também para aqueles

desconhecidos, a situação era embaraçadora. Sabiam, é

evidente, que poderiam livrar-se dos dois homens com

facilidade, provavelmente bastaria apertar um botão.

Rhodan considerou o fato como um ponto positivo.

Esses seres não lhes fariam mal, a não ser que fossem

guiados por uma ética totalmente inconcebível e não

conhecessem qualquer tipo de tolerância. De outra forma,

só lhes caberia continuar em silêncio ou transmitir algum

sinal de vida. Por isso, o major Rhodan armou-se de

paciência.

A reação de Bell foi diferente. Depois de alguns

instantes, disse em voz baixa e tom irônico:

— Embaixo da sua nave encontram-se dois monstros

horríveis que sentem fome e sede. Bom dia. Meu nome é

Reginald Bell. Os senhores tiveram a gentileza de nos

obrigar a um pouso de

emergência. Estamos aqui

para apresentar a conta.

Bell calou-se. Se a

situação fosse outra, Rhodan

teria caído na gargalhada. A

essa altura, porém, tinha a

garganta seca. Ao que

parecia, as palavras de Bell

não eram despropositadas,

embora, é lógico, não

passassem de brincadeira.

Não disseram mais

nada. Rhodan também se

sentiu tentado a pegar a arma.

Bell já agarrara o fuzil

automático. Rhodan estava se

controlando. Seu olhar de

censura provocou um gesto

desdenhoso por parte de Bell.

Uma luz ofuscante

surgiu tão inesperadamente

como a luminosidade verde

de algumas horas atrás.

Rhodan encolheu-se. A arma

automática desceu até a

altura do cotovelo contra sua

vontade, como se tivesse sido

atraída por alguma força

mágica. Praguejou,

estremecendo por dentro, e voltou a colocar a arma sobre

o ombro.

— Ponha isso de lado — gritou para Bell.

Uma abertura ampla surgira na esfera. Era de lá que

vinha a luz. Tudo se passara num silêncio absoluto, como

sempre acontece na Lua. Nunca antes Rhodan sentira falta

de um condutor de som como o ar.

Alguma coisa foi saindo da abertura. Quando a

extremidade tocou o solo, o objeto se abriu numa faixa

larga e totalmente lisa. Não aconteceu mais nada.

Rhodan foi andando devagar em direção àquela

superfície fracamente iluminada. Parou antes de lá chegar.

— É um convite — disse com voz abafada. — e

olhe que não há degraus. A porta fica apelo menos trinta

metros de altura. Bem que poderíamos colocar isso na

Stardust.

— Deve ser um teste de inteligência, não é? — disse

Bell, nervosamente, olhando para cima.

Rhodan foi até a rampa inclinada, que subia em

ângulo de quarenta e cinco graus mínimo. Quando

percebeu que estava sendo erguido, estendeu os braços

num gesto instintivo. Queria evitar uma queda e acabou

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percebendo que não poderia cair. Suas botas não tocavam

a rampa. Ficavam suspensos alguns centímetros acima do

material fluorescente. Deslizou para cima como se

estivesse numa escada rolante.

Bell, atrás, soltou uma praga. Não conseguia tirar as

mãos de um apoio imaginário. De quatro, foi seguindo

Rhodan.

Foram colocados suavemente numa grande sala de

onde vinha à luz brilhante. Depois que as portas se

fecharam, tudo continuou em silêncio. Estavam a bordo

da estranha nave.

— Não haverá quem acredite nisso! — cochichou

Bell. — Ninguém! Resta saber se, algum dia, voltaremos

a falar com algum ser humano. Que pretende fazer?

— Negociar. Usar a inteligência. Que mais

poderíamos fazer? As situações deixam de parecer irreais

quando aceitamos as coisas como óbvias. Tudo depende

dos instintos. Tente desligá-los.

Ouviram um som agudo provocado pelo ar que

penetrava no compartimento. Outros sons também se

tornaram perceptíveis. Ainda era duvidoso, porém, se essa

mistura de gases seria respirável para um ser humano.

Rhodan percebeu que estavam sendo submetidos a um

teste. Se abrisse o capacete, arriscando as consequências,

esse ato irrefletido seria interpretado contra ele. Não sabia

que tipo de gás tinha sido introduzido ali, por isso ficou

imóvel até que se abrisse a porta interna.

Quando esta se abriu, viram um corredor amplo e

abobadado, que terminava em um poço fluorescente.

Prosseguiram. Não havia nada mais a discutir. A

nave parecia deserta. A situação fantasticamente estranha.

Bell sabia que seus nervos não aguentariam mais que

cinco minutos. Depois disso, perderia todo o

autodomínio. Tinha vontade de gritar e sair correndo dali.

De repente, ouviram uma voz clara, falando um

inglês perfeito.

— Podem abrir os trajes de proteção. O ar é

respirável para os senhores.

Rhodan soltou uma exclamação de espanto e

surpresa. Depois, abriu o capacete.

VI

Seu nome era Crest. Sua raça não fazia distinção de

nome e sobrenome. Era muito alto e magro, quase trinta

centímetros mais alto que Rhodan. Tinha, também, dois

braços e duas pernas, um tronco estreito e o rosto

intelectualizado de um homem muito velho, cuja pele

tivesse conservado a juventude e um vigor extraordinário.

A testa alta encimava dois olhos que revelavam uma

expressividade penetrante. Pela cor da pele poderia

pertencer a alguma tribo do Pacífico sul que tem tez

aveludada. Todavia essa impressão era afastada pela

vermelhidão albina dos olhos e pelos cabelos

esbranquiçados que cobriam sua cabeça. Alguma coisa

estranha e irreal parecia irradiar de sua pessoa, embora no

seu aspecto exterior guardasse grande semelhança com os

homens. As diferenças reais deviam estar nos aspectos

que não se percebiam imediatamente. Rhodan via-se

diante de um organismo, cuja construção era

completamente diferente da sua, mas que também

respirava oxigênio.

Na grande sala reinava um calor abafado. A luz,

muito forte, era azulada. Provavelmente, a parte extrema

das suas radiações já se situava no campo ultravioleta do

espectro. Deviam vir de algum planeta em que brilhava

um sol muito luminoso, muito quente e cujos raios

seriam, provavelmente, azulados. O tipo de iluminação e

o calor reinante na sala pareciam indicar isso. Era tudo o

que Rhodan conseguia perceber.

Não. Havia algo mais. Alguma coisa que notara no

começo.

Crest parecia fraco e esgotado. Seus movimentos

eram um tanto desajeitados. Tinha o aspecto de um

homem gravemente enfermo. Rhodan já notara que a

montanha tinha sido desbastada na parte interior. Teria

este fato alguma relação com a fraqueza daquela

inteligência superior?

Havia mais dois seres na sala. Também pertenciam

ao sexo masculino. Os olhos de Rhodan estreitaram-se

por um instante. Jamais observara tamanha letargia. A

falta de interesse e de participação e a sonolência

daquelas criaturas eram tamanhas que qualquer pessoa

notaria por mais superficial que fosse a observação.

Em comparação com eles, Crest, com toda a sua

debilidade, parecia vigoroso e cheio de vida. Os outros

dois seres vivos ali presentes não chegaram, sequer, a

virar a cabeça quando o visitante, que para eles devia ser

bastante estranho, entrou na sala.

Estavam deitados em seus leitos largos e muito

baixos, com os olhos fitos na tela oval ligada a certos

instrumentos, cuja finalidade Rhodan não compreendia.

Sequer percebia o cintilar que crescia e decrescia,

passando por todas as cores do arco-íris. Figuras

geométricas planas desfilavam numa variedade imensa.

Tudo isso era acompanhado de um zumbido agudo e

intermitente. Rhodan teve um pressentimento pouco

agradável. Alguma coisa não estava em ordem naquela

nave que parecia tão perfeita. A sala enorme estava

impregnada de um fluido de sonolência bem perceptível.

Ninguém tomava conhecimento da presença dos dois

homens.

Crest dirigira a palavra a um dos outros seres ali

presentes. Este retribuíra com um sorriso amável e cortês.

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28

Deu uma resposta e voltou a olhar a tela.

Bell estava com a boca aberta de estupefação. Tudo

mudou, abruptamente quando a mulher entrou na sala.

Irradiava tamanha frieza e arrogância que Rhodan

estremeceu. Ela lançou um olhar insensível aos dois

homens e passou a ignorá-los.

Era da altura de Rhodan e tinha os olhos

avermelhados característicos de sua raça. Se estivesse na

Terra seria considerada uma beleza de primeira linha.

Mas Rhodan logo abandonou essa ideia, e preferiu tomar

em consideração a advertência que lhe vinha no íntimo.

Aquela mulher de rosto estreito e hostil era perigosa,

porque não parecia disposta a usar sua inteligência. Para

ela, os dois homens não passavam de répteis pré-

históricos que tinham os cérebros embotados.

Esta impressão assaltou Rhodan com uma pontada

dolorosa. Jamais alguém manifestara por ele tamanho

desprezo mesclado com indiferença. Nunca fora deixado

de lado com tamanha manifestação de repugnância.

Rhodan tornou-se lívido, cerrou os punhos. A mulher

usava uma roupa justa, com alguns símbolos que emitiam

uma fosforescência vermelha pregados na altura dos

seios. Só após algum tempo Rhodan notou que se

tratavam de distintivos hierárquicos. Crest, cujos

sentimentos pareciam ser bem semelhantes aos dos

homens, apresentou-a como Thora, a comandante da

nave. O homem débil, cujo rosto parecia exibir uma

juventude fascinante, tinha as maneiras refinadas de um

aristocrata.

Rhodan penetrara num ambiente em que reinava os

contrastes mais estranhos. Via uma apatia invencível ao

lado de uma cortesia extrema e, junto a ambas, uma frieza

hostil. Nunca passara por momentos tão esquisitos. Bell

comparou a situação a uma dança sobre um barril de

pólvora. Animou-se com a ideia de que não tinham

exigido a entrega das armas. Também isso era muito

estranho.

Crest examinou-os e estudou-os longamente. Ele o

fez sem disfarces, com uma franqueza tão grande que sua

atitude não poderia ofender os dois homens.

Rhodan ainda não proferira uma única palavra. Em

posição ereta, ficou parado no centro da sala quase vazia.

Crest voltou a deitar-se com um sorriso embaraçado.

Sua respiração era pesada. Rhodan voltou a perceber

sinais de preocupação nos olhos da mulher.

Ela dirigiu-se em tom bastante áspero aos dois

outros seres que se encontravam na sala. Um deles

ergueu-se ligeiramente do seu leito. Depois sorriu e

tornou a deitar-se.

Rhodan sabia que estava na hora de fazer alguma

coisa. Bell não suportaria a tensão por mais tempo. Seu

rosto pálido e os lábios contorcidos num sorriso forçado

diziam tudo.

Os olhos sombreados de Crest iluminaram-se.

Parecia sentir que o homem já estava saturado daquela

situação. Poucas vezes Rhodan chegara a observar uma

expressão de tamanha curiosidade nos olhos de qualquer

ser. Crest parecia estar ansioso por uma palavra salvadora.

Qual seria a sua posição a bordo da nave? Qual seria

o poder exercido pela mulher?

Rhodan avançou mais alguns passos. O capacete

balançava preso às dobradiças. A mulher virou-se

bruscamente. O movimento instantâneo com que colocou

a mão no cinto parecia uma advertência. Rhodan

enfrentou seu olhar. Enquanto os olhos da mulher

pareciam irradiar hostilidade, os de Rhodan assumiram

subitamente uma expressão de frieza que a deixou mais

admirada que contrariada. O sorriso rígido de Bell se

descontraiu. Seus olhos se iluminaram. Conhecia Rhodan.

Acabara de mudar de atitude, Agora só poderia seguir-se

uma luta decisiva ou então a reunião tomaria um caminho

razoável.

Rhodan passou pela mulher, que recuou como se

tivesse tocado num inseto venenoso.

Crest acompanhou tudo com bastante interesse.

Quando Rhodan chegou perto dele, fechou os olhos. Bell

nunca ouvira o comandante falar com voz tão suave.

— Sei que o senhor me compreende. No momento

não importa como isso é possível. Também nossa situação

atual não interessa. Meu nome é Perry Rhodan. Sou major

da Força Espacial dos Estados Unidos e comandante da

nave espacial Stardust, vinda da Terra. O senhor obrigou-

nos a realizar um pouso de emergência, mas prefiro, por

ora, não falar a esse respeito.

— Se der mais um passo, o senhor morrerá! — soou

uma voz quase sufocada pela raiva contida.

Rhodan virou-se devagar, exibindo seu sorriso

característico. Aparentemente, a mulher havia ligado

algum aparelho. Estava envolta por uma luminosidade

cintilante. Seu olhar revelava um misto de espanto e

indignação desmedida. Aos poucos Rhodan compreendia

o que se passava. Ela estava de tal forma imbuída de um

sentimento de superioridade e presunção que achava que

Rhodan estava cometendo um sacrilégio pelo simples fato

de aproximar-se do leito de Crest. Rhodan modificou sua

opinião sobre o motivo daquele desprezo. Ela se

considerava um ser dotado de inteligência superior, ao

passo que Rhodan não era mais que um homem da idade

da pedra. Era isso. Ele compreendera a situação.

Ao que parecia, Crest tinha percebido o que estava

acontecendo com Rhodan.

— Sinto muito — disse com voz débil. — Não

estava em condições de evitar as dificuldades. Não

esperávamos a sua chegada. Pelas informações que

tínhamos recebido, o terceiro planeta deste sistema solar

seria um mundo primitivo habitado por criaturas

subdesenvolvidas. Tudo indica que depois da nossa última

viagem de exploração a situação se modificou. Aconteceu

que não viemos para cá na intenção de estabelecer contato

com os senhores.

— Vá embora — interveio Thora. Tinha o rosto

rubro de raiva. — O seu procedimento é ilegal. A lei me

proíbe de manter contato com seres que ainda não tenham

chegado ao grau C na escala de desenvolvimento. Vá

embora!

Um mundo de esperanças desmoronou na mente de

Rhodan. Eram simples criaturas. Uma raiva impotente

apoderou-se dele.

— Se é assim, por que permitiu que subíssemos a

bordo? — perguntou em tom sombrio.

— É isso mesmo — exclamou Bell. — O que

significa tudo isso?

— A entrada dos senhores foi facultada por

iniciativa minha — disse Crest. — Não lhes será fácil

compreender isso. Os senhores pertencem a uma raça

jovem. Minha enfermidade fez com que me fosse possível

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contornar a lei. Existe um dispositivo especial para esta

hipótese. Podemos estabelecer contato com seres

subdesenvolvidos logo que nossa existência...

— Compreendo — interrompeu Rhodan. —

Compreendo perfeitamente. O senhor está precisando de

auxílio?

Thora soltou um grito agudo de desprezo. Apesar

disso, parecia preocupada de novo.

— O senhor é muito jovem e ativo — disse Crest em

voz baixa. — Todos os seres da sua raça são assim?

Rhodan esboçou um sorriso. Tinha certeza absoluta

de que era assim.

— Não há nenhum médico a bordo? Por que

ninguém faz nada pelo senhor?

— A doença dele é incurável — disse Thora

laconicamente. — E agora vá. O senhor já me humilhou

bastante. Crest falou com o senhor. Minha paciência está

no fim. Sou eu quem comanda esta nave.

Bell estava começando a ficar espantado. Imaginava

que o primeiro encontro com seres inteligentes decorresse

de forma diferente. Parecia tudo tão irreal e teatral.

A guisa de resposta, Rhodan tirou o capacete. Seus

olhos ardiam. Ignorou aquela mulher. Crest mostrou-se

ainda mais interessado. Seu olhar tornou-se cortante.

— O senhor se recusa a obedecer? — cochichou fora

de si. — Sabe com quem está lidando?

Rhodan falou com uma grosseria flagrante:

— Sim, sei perfeitamente. Acontece que possuo um

cérebro que funciona muito bem, embora a comandante

dos senhores procure negar este fato. Por isso, também sei

que me encontro numa nave espacial ocupada por

dorminhocos. Quando me lembro do estágio de

desenvolvimento científico alcançado pelos senhores,

acho muito estranho que ninguém trate da sua doença. Ao

que parece, ninguém se interessa por ela. Tudo indica que

o senhor e a comandante são os únicos ocupantes desta

nave que ainda sabem raciocinar com clareza. Além disso,

tenho a impressão de me encontrar diante dos

descendentes irremediavelmente degenerados de uma raça

que já foi muito desenvolvida. Lamento ter que dizer uma

coisa destas, mas volte a cabeça e examine friamente

aqueles dois homens. Se estivessem na Terra, já teriam

sido internados num hospício.

Rhodan virou-se. Empunhava ameaçadoramente a

arma com a espoleta já em ignição.

Thora empalidecera. Repentinamente, duas figuras

metálicas que soltavam um zumbido estranho ergueram-

se atrás dela.

Rhodan conhecia apenas os robôs terrestres e os

computadores eletrônicos. Mas aquilo eram máquinas de

aspecto humanas, altamente aperfeiçoadas, que

dispunham de braços com armas e ferramentas,

concebidos de forma genial. Surgiram de repente.

Cabeças redondas sem olhos erguiam-se ameaçadoras.

Além disso, os canos saídos de vários aparelhos

desconhecidos ocupavam suas posições, presos a suportes

compostos de várias articulações.

— Pare com isso — soou a voz de Rhodan. — As

coisas desagradáveis devem ser ditas vez por outra. A

senhora sabe perfeitamente que falei a verdade. Se o fato

de a mesma tiver sido proferido por um selvagem a

incomoda, a senhora não deveria ter permitido que

entrássemos na nave.

Estava com o dedo no gatilho. Reginald Bell

procurava abrigo atrás de um dos leitos.

A mulher parecia fora de si. Com o rosto pálido

olhou para o cano da arma de Rhodan.

— O senhor se atreve!... — gemeu. Suas mãos se

contorceram. — Atreve-se a proferir palavras dessa

espécie na nave exploradora do Grande Império. Se não

saírem imediatamente mandarei destruí-los.

— OK. Aceito — disse Rhodan. — Nesse caso há

de permitir que decole com a minha nave. Afinal, isto

aqui é o satélite da Terra. Não estamos em condições de

viver aqui.

— Sinto muito, mas não posso permitir que

espalhem, a notícia da nossa presença entre os seres que

habitam o terceiro planeta.

— Muito bem! Nesse caso quer que morramos

asfixiados, não é? Não dispomos dos conhecimentos

técnicos acumulados pelos seus antepassados, que os

senhores evidentemente adquiriram por herança. Não

sabemos extrair oxigênio das pedras ou fabricar alimentos

com a poeira. Mal iniciamos a conquista do espaço.

Rhodan nunca teria esperado a reação que se seguiu

às suas palavras. Crest, que parecia uma criatura tão

calma, levantou-se com um grito agudo. Subitamente

parecia ter esquecido sua fraqueza.

— O que está dizendo? Iniciaram o quê?

— Iniciamos a conquista do espaço — repetiu

Rhodan em tom indiferente. — Esta expressão choca o

senhor? Trilharemos nosso caminho, e um dia também

possuiremos naves gigantes como esta. E isso acontecerá

muito mais depressa do que o senhor imagina.

— Espere, por favor — gemeu Crest. Rhodan

ergueu-se espantado. Abaixou a arma. Entre o enfermo e

a comandante Thora travou-se uma discussão tão

acalorada que ele julgou sua presença supérflua.

Lentamente foi para junto de Bell.

— É a situação mais idiota que já vi — cochichou

este apressadamente. — O que está acontecendo agora?

Estão se devorando uns aos outros? Seria bom que

déssemos o fora enquanto é tempo. Não gosto nem um

pouco desses robôs. O que você acha disso tudo?

As perguntas de Bell saíam-lhe da boca

precipitadamente. Tivera que manter-se por muito tempo

em atitude passiva. Rhodan observou atentamente a cena.

Depois disse com a voz sombria:

— Tenho a impressão de que estão discutindo sobre

o nosso destino. Não há dúvida de que esse homem tem

poder e influência. Se não fosse assim a mulher não se

humilharia tanto. É um diabo esta mulher. Ainda não vejo

claro. Como é que eles falam perfeitamente a nossa

língua? E o que significa a expressão O Grande Império?

Até parece que durante milênios a Humanidade foi

crescendo à margem de acontecimentos extraordinários

sem desconfiar de nada. É uma coisa horrível. Ainda

acontece que, provavelmente, esta não é a única raça

inteligente que existe no Universo. Vejo possibilidades

imensas. Continuaremos aqui. Controle-se, meu velho,

pelo amor de Deus! Entramos numa grande jogada, ainda

que tudo isto pareça ridículo. Essa gente lida com

concepções totalmente diferentes das nossas. Para eles são

perfeitamente naturais certas coisas que deixariam os

estadistas da Terra doentes se alguém falasse nelas.

Temos de tratar com eles de igual para igual. Somos os

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30

representantes da Humanidade, e é meu desejo que essa

Humanidade se torne grande, forte e unida. Você

compreende?

— Compreendo perfeitamente — disse Bell,

esticando as palavras. — Mas também sinto o desejo de

sobreviver.

— Acho que Crest está tomando uma decisão

importante. Veja só! A mulher paece estar encolhendo.

Está cada vez mais nervosa. Sinto que alguma coisa está

acontecendo. Olhe!

A comandante parecia fora de si. Seus olhos

fascinantes adquiriram uma tonalidade vermelho dourada.

Crest disse mais alguma coisa. Falou em tom ríspido e

decidido. Após isso ela assumiu uma posição tão angular

que Rhodan pensou que estivesse prestando alguma

homenagem.

Interceptou seu olhar misterioso. Estava muito

pálida. Parecia que as palavras de Crest haviam

desencadeado nela um sentimento desagradável. Virou-se

subitamente e desapareceu em companhia dos dois

enormes robôs.

Ficaram sozinhos. As duas criaturas apáticas

deitadas nos leitos não contavam; ao menos não contavam

para Perry Rhodan.

Crest caíra sobre o leito; estava exausto. Inclinou-se

sobre o estranho com um sentimento de real preocupação.

Olhando bem de perto; viu que na verdade se encontrava

diante de um homem muito idoso. A lisura da pele era

enganadora.

— Tenho um médico excelente na minha nave —

disse apressadamente. — Temos de examinar o senhor e

dispensar-lhe o tratamento adequado. Tenho a impressão

de que aqui ninguém lhe pode prestar auxílio. Há quanto

tempo já se encontra no satélite da Terra?

Crest recuperou-se um pouco. As feições marcadas

pelo cansaço descontraíram-se.

— Estou aqui há um período de tempo que o senhor

chamaria de quatro meses — disse baixinho. — Foi um

acaso. Tivemos de realizar um pouso de emergência.

Aproveitamos a oportunidade para aprender a língua

principal do seu planeta. O senhor deve achar isso

bastante estranho. Acontece que nossos cérebros são

diferentes dos seus. Nossa memória possui um registro

gráfico. Naturalmente ficamos ouvindo as emissões

radiofônicas dos homens. Ainda bem que não pousamos

no terceiro planeta. Os seus habitantes estão na iminência

de cometer um crime tremendo contra as leis universais.

— Sim, é a guerra atômica — disse Rhodan com a

voz aflita. — A situação é muito tensa. Lamento ter que

admitir isso. Garanto-lhe que os homens não desejam a

guerra.

— Não a desejam, mas provocam-na. Foi por isso

que fomos de opinião que a raça à qual pertencem os

senhores ainda leva uma vida primitiva. Acontece que

mudei de opinião. Os senhores são jovens, ativos e

dotados de uma receptividade extraordinária. Depois de

tê-los observado atentamente, decidi enquadrá-los na

escala de evolução D. Cabe a eu tomar uma decisão desta

espécie. Thora foi instruída para introduzir na memória

positrônica a nova classificação da raça dos senhores. Sou

o chefe científico desta expedição. Acho que é este o

nome que os senhores dariam ao meu cargo. Thora é a

encarregada da navegação. Os senhores compreendem? Já

conhecem distinções desta espécie no poder de comando?

Rhodan disse que sim. Até que os homens as

conheciam muito bem.

— As declarações dos senhores guardam relação

direta com a lei da classificação das raças promulgada

pelo Grande Império. Os senhores desde que já tenham

dado início à conquista do Universo podem ter seu nível

de classificação elevado por decisão de um cientista

autorizado pelo Império. Foi o que fiz. Com isso os

argumentos da Thora acham-se superados. Estamos

autorizados a entrar em contato com os senhores.

Sorriu ligeiramente. Nos seus olhos via-se a

expressão de um triunfo silencioso. Rhodan

compreendera. Reginald Bell soube interpretar

corretamente a posição rígida que assumira. Rhodan

estava certo de ter dado um passo enorme à frente.

— O senhor está precisando de auxílio — repetiu.

— Deixe-me buscar o nosso médico. Temos de fazer

alguma coisa.

— Deixemos isso para depois. Escute-me primeiro.

Aliás, não acredito que o senhor esteja em condições de

ajudar-me. Embora sejamos parecidos no aspecto exterior,

é provável que o funcionamento do meu organismo seja

completamente diferente do seu. A constituição do nosso

organismo também não deve ser a mesma. De qualquer

maneira os senhores estão em conformidade com os

requisitos da lei fundamental do Império. Têm muita

semelhança conosco, possuem espírito e conseguiram, de

certa forma, dar emprego útil à energia do núcleo

atômico, descoberta pelos senhores. Ainda não

cometeram o erro de utilizar essa energia fundamental

para sua autodestruição. Sou um dos principais cientistas

do Grande Império, um dos poucos homens que

conservou a força de vontade e a energia vital. A posição

de Thora os surpreendeu?

Bell lançou um olhar triste para as criaturas imóveis.

Ao que parecia, o programa singular tinha mudado.

Subitamente, ouviu-se um furacão de ruídos. As figuras

geométricas modificavam-se muito pouco.

— O motivo é esse? — perguntou Rhodan em tom

sereno. — A decadência da raça, não é?

— É certo. Pelo calendário dos senhores, minha raça

tem alguns milhões de anos de idade. Antigamente,

éramos iguais aos senhores: possuímos espírito de

conquista, energia e sede de saber. Há vários milhares de

anos, começou a decadência. O Grande Império

esfacelou-se. Certas inteligências exóticas se revoltaram

contra o nosso domínio e o reino dos astros começou a

oscilar. Sempre fomos soberanos bondosos, ao contrário

das outras formas de inteligência. Agora, chegamos ao

fim. O Império entrou em decadência e a luta pelo poder

absoluto está sendo travada. Mais de cinquenta raças

muito evoluídas travam guerras terríveis nas profundezas

da Via Láctea. Os senhores nada sabem a esse respeito. O

Sol fica muito longe do palco dos acontecimentos,

encontra-se num braço secundário da galáxia.

— O que estão fazendo para remediar a situação? —

indagou Bell.

— Nada. Já não fazemos mais nada — disse o velho

resignadamente. — Tornamo-nos fracos e apáticos.

Pertenço à dinastia reinante de Árcon. Thora, também.

Árcon é um mundo que fica a mais de trinta e quatro mil

anos luz daqui. Os senhores contam a distância em anos-

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luz, não é?

Rhodan estava espantado. Era uma distância por

demais vasta para que a mente humana pudesse avaliar.

— Quer dizer que os senhores conquistaram o

segredo da viagem espacial a velocidade superior à da

luz?

— Claro que já! Isso aconteceu há algumas dezenas

de milhares de anos pelo calendário terrestre.

Conhecemos a Terra há cerca de mil anos. Foi naquela

época que fizemos nossa última visita à região. Depois

disso, teve início a decadência dos arcônidas. As viagens

de exploração foram suspensas, as naves espaciais

permaneceram nas respectivas bases. Todos são de

opinião que não poderemos escapar à ação de uma lei

natural. É verdade que ainda pensamos e planejamos. No

campo puramente espiritual concebemos planos

maravilhosos para a criação de um novo império. Mas não

passamos disso. Faltam-nos energia e força de vontade

para transformar em realidade os nossos pensamentos

fugazes. Negligenciamos assuntos da maior importância.

A decadência acentua-se cada vez mais; a própria dinastia

Reinante foi atingida. Todos procuram a beleza e a

tranquilidade, desistindo de qualquer tipo de realização.

Estamos muito velhos. Nossas energias desgastaram-se.

E... — os olhos de Crest estreitaram-se — até agora não

tínhamos descoberto nenhuma raça que fosse assim como

nós já fomos. Provavelmente os senhores constituem a

exceção maravilhosa. Foi por isso que os elevei na escala

da classificação. É meu direito e meu dever.

Dentro de Rhodan despertou o cientista. Via diante

de si inúmeras indagações e mistérios impenetráveis.

— Pelo que acaba de dizer, os senhores estão aqui

há quatro meses. Por que ainda não decolaram?

Crest confirmou com um gesto comedido. Seu olhar

tornava-se cada vez mais penetrante.

— A pergunta é própria de um ser inteligente,

dotado de uma tremenda energia. Por que ainda estamos

aqui? O pouso de emergência no satélite da Terra foi

motivado por uma falha das máquinas. Ninguém se

preocupa mais com a manutenção das nossas naves

espaciais. A avaria é pequena, mas não temos peças

sobressalentes a bordo. Simplesmente foram esquecidas,

da mesma forma que tudo quanto é importante costuma

ser esquecido. Ninguém se lembrou. Por isso estamos

presos aqui. Ficamos esperando indefinidamente, e não

acontece nada. Minha doença me impede de adotar

pessoalmente as providências necessárias. Temos

necessidade premente de peças sobressalentes. Não

acredito que poderíamos obtê-las no mundo a que

pertencem os senhores.

— Poderemos confeccioná-las — disse Bell. —

Basta mostrar-nos como são feitas, e elas lhes serão

entregues dentro de pouco tempo. O senhor não nos deve

subestimar. Os maiores cérebros da Terra trabalharão a

todo vapor. Arrancaremos as estrelas do céu, desde que o

senhor nos diga como fazê-lo. A indústria da Terra é uma

organização enorme. Conseguiremos qualquer coisa. Isto

mesmo, qualquer coisa.

Estas palavras otimistas reanimaram Crest.

— Acredito no senhor — disse em tom exaltado. —

Os senhores têm de conquistar Thora. As mulheres da

nossa raça são menos degeneradas que os seres do sexo

masculino. É por isso que as mulheres ocupam tantas

posições importantes. Essa situação já existe há séculos.

Antes disso as mulheres só se ocupavam dos afazeres

domésticos. O espírito de Thora ainda é lúcido e

penetrante. Major Rhodan, o senhor é o homem indicado

para ela. Thora tem medo do senhor. O fato me

surpreende.

Rhodan engoliu em seco. Então era isso! Bell sorriu.

A situação complicara-se ainda mais.

— Não se admirem se me exprimo em conformidade

com as concepções dos senhores — disse Crest. — Há

muito tempo está sob a minha responsabilidade, os

contatos com inteligências alheias. Estou acostumado a

adaptar-me rapidamente à mentalidade de qualquer raça.

Dessa forma a presença dos senhores não foi nenhuma

surpresa para mim. É um acontecimento banal. Os

senhores estão profundamente impressionados; chegam a

estar deprimidos. Até aqui ignoravam que não são os

únicos seres inteligentes do Universo. Já tive

conhecimento de muitos casos semelhantes. O primeiro

contato com um ser superior sempre causa um choque.

Mas os senhores já superaram este choque.

— O que está fazendo essa gente? — indagou

Rhodan com a voz abafada. A música estranha mudara de

novo. Transformara-se num tipo de murmúrio persistente.

Crest virou a cabeça num gesto cansado.

— É o conhecido jogo do simulador, que influiu

decisivamente na decadência do espírito e da vontade dos

seres da nossa raça. Bilhões de arcônidas passam os dias

deitados diante das telas de imagem. Trata-se de jogos

fictícios. Cada um deles foi concebido por um

profissional diferente. São muito complicados.

Representam a ilustração visual e acústica dos

pensamentos. Os seres da minha raça não se interessam

por mais nada. A coisa está cada vez pior. A bordo desta

nave só há cinquenta pessoas. Raramente chego a vê-las.

Quando isso acontece estão deitadas diante das telas de

imagens fictícias, perdidas no seu enlevo. Nossa

decadência nada tem que ver com relaxamento dos

costumes. Decorre da debilitação total da vontade. Tudo

nos deixa indiferentes. Nada nos excita. Nada nos

interessa. A obra de qualquer artista novo sempre tem a

precedência. Todo mundo anda tão ocupado que se

apressa em gozar com a maior rapidez as delícias da

criatividade artística.

— Que dizer que deixaram o senhor jogado aqui por

quatro meses? — disse Rhodan, revoltado no seu íntimo.

— Não fizeram qualquer tentativa de encontrar algum

remédio? Para os seres da sua raça isso devia ser fácil.

— Seria fácil se alguém se animasse a agir. Temos a

bordo medicamentos em quantidade suficiente. Acontece

que fui acometido de uma enfermidade ainda

desconhecida entre nós. Haveria necessidade de exames e

pesquisas. Estas, porém, exigiriam tempo, esforço e

trabalho intenso. E isso não é possível. Nesta nave

encontram-se artistas de renome, que constantemente

criam novas obras fictícias. A tripulação de robôs mantém

a ordem na nave. O pouso de emergência dos senhores

também foi obra desses mecanismos automáticos.

Decorreu do funcionamento normal dos dispositivos de

segurança. O cérebro positrônico constatou que não

devíamos manter contato com os senhores. Por isso ligou

as chaves correspondentes. É muito simples.

— Muito simples! — gemeu Rhodan. Sentia-se

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tomado por uma perturbação terrível. — O senhor

considera simples coisas que para nós soam como contos

de fadas. A propósito, o que significa a palavra

positrônico? Nós dispomos de computadores eletrônicos

cuja, capacidade é enorme. Mas um positron é uma coisa

muito efêmera.

Crest riu. Nos seus olhos surgiu uma expressão que

parecia: ser de piedade paternal. Bell engoliu uma palavra

áspera.

— O senhor acabará compreendendo. Não estamos

mais em condições de decolar. Será que poderei contar

com o seu auxílio?

Subitamente Rhodan voltou a transformar-se no

comandante — e também num homem. Os efeitos da

surpresa imensa haviam passado. Começou a refletir com

a precisão fria de uma máquina.

— Os últimos comunicados dos nossos serviços

secretos revelam que só através dos esforços mais

intensos poderá ser evitada a irrupção de uma guerra entre

o mundo ocidental e as potências da Federação Asiática,

cujas consequências certamente seriam terríveis. Não

posso explicar em pouco tempo o motivo por que será

difícil evitar essa guerra. No fundo esse motivo deve ser

procurado nas diferenças ideológicas. Provavelmente o

senhor não conhece nada disso. Acontece que na Terra

prevalecem estas condições. Desejo formular uma

pergunta clara.

Crest soltou um suspiro profundo.

— Uma pergunta clara! — repetiu. — Desde a

minha juventude não ouço uma formulação dessas. Entre

nós ninguém mais faz perguntas claras. Por obséquio,

diga o que deseja.

— O senhor dispõe de meios para impedir um

conflito arrasador com armas atômicas? Em caso

afirmativo, que meios são esses?

— De que tipo seriam as armas atômicas? —

perguntou Crest bastante interessado.

— São de duas espécies. Numa espécie é usado o

processo de desintegração nuclear, noutra a reação

termonuclear.

— O processo de desintegração pode ser impedido

por meio da absorção completa dos nêutrons liberados.

Conheço o processo primitivo da desintegração nuclear,

que é muito antigo. Na ausência das partículas que os

senhores chamam de nêutrons o mesmo não é possível.

— Perfeitamente. Sabemos disso, mas não temos

meios para conseguir a absorção dos nêutrons. E que tal

as termonucleares, como as bombas de hidrogênio?

— Também se trata de um processo antiquíssimo,

que já não é utilizado entre nós. O dispositivo

antineutrônico não serve para impedir a fusão nuclear.

— É verdade. Acontece que por enquanto entre nós

só se conhece a chamada ignição quente. Todas as

potências da Terra dependem de um dispositivo de

ignição térmica baseado na desintegração nuclear para

desencadear a reação da carga de hidrogênio das grandes

bombas. Na falta da carga nuclear que fornece o impulso

térmico inicial jamais se conseguirá a fusão dos prótons

mais leves.

— Vejo que o senhor é cientista. Muito bem.

Garanto que essas armas falharão totalmente, desde que

ainda funcionem com o processo de ignição primitivo.

Para isso basta um pequeno aparelho.

— Para toda a Terra? — indagou Rhodan surpreso.

— A Terra é um planeta pequeno, e nossa nave

representa um poderio tremendo. Conseguiremos.

Rhodan engoliu desesperadamente em seco. Não

tinha coragem de fitar os olhos arregalados de Bell. O

técnico sentia-se aturdido. Aquele estranho falava de

todas essas maravilhas com a mesma desenvoltura que um

menino da Terra demonstraria ao conversar com

coleguinhas sobre seus brinquedos.

— Nesse caso, valerá a pena levá-lo à Terra para ser

tratado. Mas é necessário que o Dr. Manoli o examine

imediatamente. Ele descobrirá a natureza do seu mal.

Quem sabe se oferecendo alguns dados sobre a estrutura

do seu organismo e sobre o seu metabolismo, o senhor

pode facilitar-lhe o diagnóstico. Em minha opinião, seria

conveniente que ele estivesse a par de tudo.

— Partiremos com o veículo blindado — disse Bell

com a voz inquieta. — Santo Deus! Se não chegarmos a

tempo Fletcher apertará o botão de decolagem. Será o

diabo!

— Não é necessário que vá até lá — disse Crest em

voz baixa. — Fale com Thora. Major Rhodan, o senhor

ainda não sabe do que somos capazes.

VII

O Capitão Fletcher tremia como vara verde.

Apavorado, passou os olhos pela sala circular daquela

nave imensa.

Thora observava-o com uma expressão de ironia nos

olhos. O Dr. Eric Manoli desaparecera logo. Precipitara-

se sobre Crest com o verdadeiro entusiasmo de um

pesquisador. Havia mais alguns homens na sala.

Ofereciam um aspecto desajeitado que inspirava

compaixão, muito embora, segundo as informações de

Crest, se contassem entre os indivíduos mais ativos

daquela raça.

Rhodan, todavia, teve a impressão de que todas as

partículas daqueles seres debilitados ansiavam apenas

pelo próximo programa fictício. Embora envergassem o

uniforme do Grande Império, pareciam pensar

exclusivamente nas telas simuladoras.

Era este o aspecto dos descendentes de uma raça

cósmica outrora poderosa. Seria difícil imaginar que os

antepassados daqueles seres haviam fundado um império

galáctico.

Rhodan não acreditava que uma colonização desse

tipo tivesse sido levada a efeito sem sangue e lágrimas.

Mas tudo isso pertencia ao passado. Encontravam-se

diante dos restos de um grande povo, cujo legado técnico-

científico já não poderia ser aproveitado. A lembrança da

operação de resgate causava vertigens em Rhodan.

Thora estivera sozinha na sala de comando apinhada

de aparelhos, cuja profusão era perturbadora para ele.

Rhodan não contava os numerosos robôs, embora afinal

eles tivessem realizado todo o trabalho.

Fletcher quase enlouquecera quando a Stardust foi

erguida por uma força apavorante. Sentia arrepios ao

lembrar-se de tudo aquilo.

— Foi terrível — disse com a voz abafada. — Nossa

solidão já se tinha tornado quase insuportável. Eric e eu

nos revezávamos no serviço de guarda. Contávamos

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sempre com o aparecimento repentino de alguma patrulha

asiática. E vivíamos pensando em vocês e na mensagem

radiofônica que pretendiam enviar. De repente

começaram os solavancos. Alguma coisa levantou a nave

como se fosse uma pena. Não vimos nem ouvimos nada.

Tomado de pânico, liguei a chave de partida. Dei a força

de empuxo máxima, sem utilizar o dispositivo

automático. Foi em vão. Subitamente o reator deixou de

funcionar, e lá se foi todo o empuxo. A Stardust foi

arrastada por cima da cratera. Logo depois vimos à nave

gigantesca. A essa altura nos pousaram com tamanha

delicadeza que mal sentimos um ligeiro solavanco. Fiquei

feliz quando vi a cara de Bell. Será que vocês têm mais

alguma surpresa para nós?

Sim, havia mais uma surpresa. Em termos lacônicos,

Thora deu explicação do fenômeno. Tratava-se

simplesmente da criação de um campo energético

destinado à movimentação de objetos dotados de

estabilidade material. Era um procedimento corriqueiro

em Árcon.

Escolhera cautelosamente as palavras, mas não

conseguira disfarçar a ironia. Ainda não se esquecera.

Provavelmente não conseguiria esquecer tão depressa.

Para ela os homens continuavam a serem criaturas

subdesenvolvidas. Só mesmo a situação difícil em que se

encontravam justificava a cooperação com os mesmos.

Era por isso que ela os tinha aceitado, mais nada.

Encontravam-se numa pequena antecâmara, à espera

do Dr. Manoli. Este conseguira material gráfico suficiente

para formar uma idéia sobre a construção do organismo

de um arcônida. De qualquer maneira, Rhodan tinha

certeza de que Manoli teria de enfrentar um problema

médico excepcional. Certamente surgiriam inúmeras

dificuldades. Não se poderia esperar que qualquer médico

terreno conseguisse familiarizar-se com um organismo

totalmente estranho num verdadeiro golpe de

prestidigitação. Tratava-se de um objeto de estudo

completamente distinto. E ainda havia a considerar os

enormes perigos que poderiam resultar de qualquer

espécie de tratamento.

A intervenção do médico representaria um jogo

arriscado, que envolveria a vida daquele ser. Ninguém

poderia prever como o mesmo reagiria aos medicamentos

usados na Terra.

De qualquer maneira poderia confiar no

discernimento de Manoli. Se não houvesse possibilidade

de auxílio imediato teriam de recorrer às maiores

inteligências da Terra. Rhodan estava decidido a fazer

trabalhar toda a indústria farmacêutica do planeta a pleno

vapor, se isso fosse necessário. Essa criatura tinha de ser

salva. Pouco importava como.

O Doutor Manoli desaparecera há dez horas.

Ninguém poderia prestar-lhe ajuda. Nenhuma das outras

pessoas que se encontravam a bordo da nave era médico.

Thora parecia cada vez mais inquieta. Percebia que se

encontrava numa encruzilhada decisiva da sua existência.

Suas ideias sobre as possibilidades de desenvolvimento da

raça humana ainda eram muito confusas.

Rhodan observou-a bastante preocupado. Ela se

esforçava para ocultar a angústia que a roia atrás de uma

ironia causticante e uma generosa condescendência.

Sentia, porém, que aquele homem alto, cujos olhos

cintilavam numa expressão de ironia, percebia o que se

passava no seu interior.

Tudo seria simples para Thora se aquelas

inteligências estranhas não tivessem o mesmo aspecto dos

indivíduos da sua raça. Assim, porém, a situação a

perturbava e deprimia, colocando-a numa posição

embaraçosa. Saberia lidar sem quaisquer dificuldades

com criaturas que não tivessem a aparência humana.

Aqui, porém, o caso mudava de figura. Sentia a vontade

firme de Rhodan, que não queria ceder um palmo sequer.

Fazia questão de ser aceito, de ver reconhecida sua

qualidade de ser inteligente. Arrogava-se o direito de

comparar-se a ela, que era uma arcônida. Esse fato quase

chegou a desencadear nela uma tormenta interior.

Subitamente teve consciência da posição excepcional que

a raça humana ocupava no Universo. Antes disso

ninguém adotara diante dela uma atitude tão franca e

desafiadora. A mesma estava acostumada a ver todo

mundo humilhar-se, reconhecendo sem qualquer restrição

o seu poder imenso. Tudo isso parecia não atingir aquele

homem. Ele a fez ferver de raiva com seu sorriso

impertinente. Depois a tratou como uma criatura tola.

Thora estava muito irritada.

Ficou rígida quando Rhodan voltou a aproximar-se

dela. Seu olhar furioso foi retribuído com um amável

aceno de cabeça. Será que ele não percebia nada, ou não

queria perceber? Tudo indicava que não queria perceber.

Tal atitude a assustou.

— Tenho outra pergunta bem clara — disse Rhodan.

— Ou melhor, meu espírito está ocupado com certo

problema. Diga-me uma coisa. No seu mundo existe

qualquer meio de pagamento, isto é, dinheiro ou qualquer

outro instrumento de troca?

— É claro que o intercâmbio comercial entre mais

de dez mil planetas habitados não poderia prescindir de

meios de pagamento — respondeu Thora em tom irônico.

— Muito bem — disse Rhodan com um sorriso. —

Terei de levar Crest para a Terra. A bordo do nosso

foguete minúsculo não temos os medicamentos de que

precisamos, nem os instrumentos necessários aos exames.

Talvez haja necessidade de uma operação. O que pode

oferecer em pagamento? Títulos de crédito ou dinheiro

dificilmente nos interessariam, pois não saberíamos o que

fazer com isso. O que tem para oferecer, portanto? Que tal

algum material sintético valioso? Alguma substância

artificial ou coisa que o valha?

— Levamos a bordo bens de troca normais para os

mundos em desenvolvimento dos níveis C e D. Trata-se

de máquinas-ferramentas que dispõem de suprimento de

energia próprio, comando integral por robô e garantia de

funcionamento de oitenta anos pelo calendário terrestre.

Existem máquinas para todos os tipos de atividade

econômica. Ainda posso oferecer equipamentos

micromecânicos, tais como aparelhos portáteis para a

procura de elementos químicos, a reforma do solo, a

neutralização da gravidade com vistas ao transporte aéreo

individual e...

— Pare, senão acabo endoidecendo — gemeu

Fletcher. — Isso é uma loucura. A Terra ficará de pernas

para o ar. Os homens se matarão por essas máquinas

milagrosas.

— Isso não é comigo. Para as inteligências

primitivas só tenho objetos inofensivos.

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— E o que tem para oferecer às tais inteligências

verdadeiras? — indagou Rhodan. — Está bem! Deixemos

disso. Posso imaginar. Faça o favor de providenciar para

que a Stardust seja abastecida. Ponha na nave tudo aquilo

de que Crest vai precisar. E — interrompeu-se — faça o

favor de não esquecer aqueles aparelhos especiais. Acho

que a senhora ainda se lembra da nossa palestra.

Thora observou-o atentamente. Um sentimento de

respeitosa aceitação começou a surgir no seu íntimo.

— Sabe que está arriscando sua vida? Compreendo

os seus motivos. Acho que faz bem. Só penso nas reações

bárbaras dos seres sub... isto é...

— Pode pronunciar a palavra sem susto — disse

Rhodan com um sorriso. — Isso não me atinge mais.

Nesta altura vejo em você alguém indeciso que já não

sabe bem o que diz. Esqueçamos isto. Peço-lhe que

comece imediatamente com o carregamento. Retire tudo

que se encontra no porão de carga da Stardust. Tenha

cuidado para que não sejam colocadas mais de sessenta

toneladas de carga útil. O pouso será difícil. Aliás,

pensando melhor, quem sabe se não quer nos ceder uma

das suas grandes naves auxiliares? Com ela atingiríamos a

Terra dentro de uma hora.

— Dentro de cinco minutos — corrigiu Thora. —

Lamento, mas minha boa vontade não chega a esse ponto.

Só mesmo Crest e alguns dos aparelhos que se encontram

nesta nave poderão tocar o solo da Terra. Não posso

proceder de outra forma. Tenho de ater-me às instruções.

— Crest colocou-nos numa classificação mais

elevada.

— Foi sorte sua. Se não fosse assim nem

poderíamos conferenciar com os senhores. Assim mesmo,

não posso enviar qualquer nave auxiliar à atmosfera

terrestre. O cérebro positrônico não iria cooperar. E não

posso modificar a regulagem do robô gigante. Nossa

missão era outra.

— Qual era? — perguntou Rhodan com uma

sensação desagradável.

— Lamento mais uma vez. De qualquer maneira não

pretendíamos pousar aqui. Nosso destino era outro.

Ficava a alguns anos-luz de distância.

O Dr. Manoli apareceu. Estava pálido e esgotado.

Sua saudação parecia um gesto de recusa.

— Não façam perguntas. Foi mais que cansativo.

Diferem de nós menos do que eu temia. A disposição dos

órgãos é bem compreensível se bem que seja diferente da

nossa. O esqueleto também não é igual ao nosso. Todavia,

possuem sangue idêntico ao humano. Trata-se de um caso

de leucemia. O hemograma prova-o com absoluta certeza.

Vali-me de todas as possibilidades que nosso laboratório

de bordo oferece. Há dois anos conseguimos produzir o

soro antileucêmico. Até então a doença era incurável.

Agora só me resta fazer votos para que Crest reaja ao

nosso soro. Talvez o resultado seja catastrófico. Digo

talvez; não tenho certeza. Biologicamente, os arcônidas se

parecem muito conosco. Tenho plena certeza de que é

leucemia...

Rhodan voltou a sobressaltar-se. Thora, toda

assustada, perguntou quais eram as causas da moléstia.

Subitamente perdera seus ares de superioridade.

— Comece logo! — disse Rhodan em tom áspero.

— Não faça perguntas. Comece com o carregamento da

nossa nave. Está em cima da hora. O diabo que carregue

todos os dorminhocos da sua raça. Pouco me importa que

não goste da expressão. É uma vergonha que inteligências

superiores se entreguem a um divertimento de loucos.

Para um ser humano tal atitude seria inconcebível.

Comece logo! Ou será que não se preocupa com a saúde

de Crest?

Thora refletiu um pouco. Depois respondeu num

tom inexpressivo:

— Há pouco o senhor perguntou o que estávamos

procurando nesta região do espaço. Pois eu lhe direi.

Estamos empenhados em conservar nossos grandes

espíritos. Não conseguimos realizar a manutenção da vida

biológica. Apenas alcançamos alguns êxitos parciais. Fui

incumbida de ir a um planeta descoberto numa expedição

anterior, cujos habitantes conhecem o segredo da

conservação biológica das células. Crest é uma das

personalidades mais importantes da nossa raça. Além

disso, não foi atingido pela decadência geral. Salve-o!

Tome qualquer medida que seja concebível. Dar-lhe-ei

todo o apoio. Ouça bem, major Rhodan: todo o apoio.

Olhe que isso significa alguma coisa! Caso haja qualquer

dificuldade, uma chamada pelo transmissor especial basta.

Seguirei suas recomendações à risca. É bom que saiba que

o poder dos governantes terrenos não passa de um nada

ridículo, que posso varrer para todo o sempre, apenas

ligando uma chave. Com esta nave poderia destruir todo o

sistema solar. Um único dos meus canhões energéticos

bastaria para transformar um continente inteiro num

oceano incandescente de rochas derretidas. Lembre-se

disso e avise-me assim que precisar de qualquer coisa.

Saiu sem dizer mais nada. O rosto do capitão

Fletcher apresentava uma palidez cadavérica.

— Mesmo que nunca tivesse acreditado em nada,

aceitaria isto aqui como verdade pura — disse. — Santo

Deus, onde é que fomos parar? E o que vai sair de tudo

isto? Washington ficará de pernas para o ar.

— Talvez não! — objetou Bell, esticando as

palavras de tal maneira que Fletcher estremeceu.

— Por que diz isso?

— Por nada.

Bell fitou os olhos vidrados no seu comandante.

Quando Fletcher se dirigiu ao Dr. Manoli, Reginald Bell

indagou, esticando ainda mais as palavras:

— O que há com você, meu velho? Alguma coisa

não está em ordem, não é mesmo? Qual foi a conversa

secreta que teve com Thora?

— Quem sabe não lhe fiz uma proposta de

casamento — respondeu Rhodan ironicamente. Seu olhar

era uma advertência. Voltou a ter os olhos de um

conquistador implacável. Ao menos foi essa a impressão

de Bell.

— Alguma objeção?

Não, o Capitão Reginald Bell não fez mais nenhuma

pergunta. Pelo contrário. Ficou muito calado. Os robôs

passaram ao seu lado. A Stardust foi carregada com todo

cuidado com objetos tirados do gigantesco arsenal da

nave esférica. Tratava-se de instrumentos, cujo peso total

era de 60,3 toneladas; esse peso foi calculado segundo as

condições existentes na Terra.

Rhodan entrou na sala em que se encontrava Crest.

Com um sorriso animador disse:

— Estamos de partida. Infelizmente, Thora continua

a recusar-se a colocar uma nave auxiliar à nossa

Page 35: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

35

disposição. Não se poderia fazer alguma coisa? Na

Stardust seu organismo estará sujeito a tensões

consideráveis. Ainda não descobrimos nenhum meio para

neutralizar a força da inércia. Por isso a energia resultante

na aceleração será muito elevada.

— Não tenho nenhum meio de influir nesse tipo de

decisões. Todavia, os senhores não sofrerão mais os

efeitos da inércia. Teremos um neutralizador a bordo. Não

sentirão absolutamente nada.

Rhodan voltou a engolir em seco. Compreendeu que

já estava na hora de perder o hábito de ficar admirado. Ao

que parecia os arcônidas conseguiram realizar tudo aquilo

que para a ciência terrena ainda se situava no terreno

longínquo e nebuloso dos problemas insolúveis.

VIII

— Eles conseguiram, eles conseguiram!

Estas palavras foram repetidas sem cessar. O general

Pounder, chefe do Comando de Pesquisa Espacial e

Diretor do campo de Nevada Fields parecia não saber

outras. Não tirava os olhos da grande tela do radar.

Depois de quatorze horas de viagem, a Stardust

mergulhara nas camadas superiores da atmosfera terrestre.

Estava iniciando a terceira órbita elíptica de frenagem.

Ainda no espaço vazio conseguira reduzir sua

velocidade para cinco quilômetros por segundo. A

experiência havia demonstrado que as previsões sobre o

desempenha do novo mecanismo propulsor químico

nuclear não foram exageradas. O estoque de material

irradiante de que ainda dispunha permitiu manobras que

teriam sido completamente impossíveis se a nave

trabalhasse com algum combustível químico.

Pouco antes de chegar às primeiras moléculas de ar

o curso da nave foi alterado Os dispositivos automáticos

não apresentavam qualquer defeito; funcionaram com a

maior precisão. Ao que tudo indicava, não havia a menor

possibilidade da ocorrência de outra pane.

O comunicado em que o major Rhodan explicou as

causas do seu longo silêncio parecia um pouco estranho.

Segundo declarou através da radiofonia, teriam surgido

problemas nos comandos do mecanismo propulsor.

Acrescentou que só depois do pouso poderia fornecer

dados mais detalhados.

Fazia alguns segundos que a Stardust voltara a

penetrar no campo atingido pelos instrumentos de

medição das estações do Alasca e da Groenlândia.

Encontrava-se a uma altitude de apenas 183 quilômetros,

a sua velocidade era pouco superior a 800 quilômetros por

hora.

Pounder virou-se contrariado. O homenzinho dera

notícia da sua presença através de um pigarro.

O chefe do Serviço Secreto da OTAN, Allan D.

Mercant, não se deixara convencer a sair da estação

central de comando. Sabia que estava incomodando, mas

esse fato não incomodava a ele.

Surgira repentinamente há três horas. Seus

acompanhantes tinham se retirado em silêncio. Após isso

os tanques da 5.a Divisão dos Estados Unidos surgiram

inesperadamente. Em nenhuma outra oportunidade a base

de Nevada Fields fora bloqueada de forma tão completa.

Além disso, aterrissaram enormes aviões de

transporte com tropas de elite. A Divisão de Defesa

Interna da Polícia Federal destacara seus melhores

elementos para a missão. Um contingente enorme de

tropas e de armamento pesado aguardava o pouso da

Stardust.

O general Pounder ficara furioso. Allan D. Mercant

exibiu o sorriso amável de sempre.

— Sinto muito, general. Foi o senhor mesmo que fez

rolar a avalanche. Gostaria de saber o que aconteceu

realmente com aquela nave. As informações do

comandante parecem um pouco estranhas, não acha?

— Para isso não seria necessário mobilizar uma

divisão inteira com dez mil homens — berrou o general

Pounder.

O Chefe do Serviço de Defesa só podia lamentar o

ocorrido. Em sua opinião era necessário. Por um instante

Pounder pensara em avisar os quatro pilotos pela

radiofonia. Todavia, isso não foi possível porque,

subitamente, alguns homens à paisana surgiram na sala de

rádio.

Pounder não sabia o que pensar de tudo isso. Os

técnicos e os cientistas estavam nervosos. O chefe militar

do serviço de segurança do campo espacial de Nevada

tinha sido posto fora de combate por algum tempo.

— O que deseja desta vez? — disse Pounder

nervoso. — Não está vendo que a Stardust vai pousar

segundo as previsões?

— Acontece que não vai — observou Mercant. Seu

sorriso jovial desapareceu. — Está havendo um desvio do

curso. Veja. O que significa isso, general?

Pounder virou-se apressadamente. No mesmo

instante soou o comunicado inquietador do comando

remoto. Lâmpadas acenderam-se, o zumbido cessou.

— Contato interrompido — ouviu-se a voz metálica.

— Piloto assume comando manual do foguete.

— Será que Rhodan ficou doido? — berrou Pounder

fora de si. Saltou em direção ao microfone. Não se via

nada na tela de radar. Até isso Rhodan havia desligado.

— Rhodan, é o general Pounder que está falando.

Que é isso? Por que interrompeu o contato com o controle

remoto? Responda Rhodan!

Não houve resposta. O general empalideceu. Sem

saber o que fazer, fitou o chefe do serviço secreto que ia

se aproximando. Allan D. Mercant perdera todo o senso

de humor. Seus olhos azuis faiscavam numa fúria

incontida.

— Está vendo? — disse em tom frio. — Bem que eu

desconfiava. Alguma coisa não está em ordem. Preveni a

Defesa Aeroespacial. Se Rhodan não mudar de rumo

imediatamente mandarei abrir fogo. Convém explicar-lhe

que na altitude em que se encontra será alvo fácil para

nossos artilheiros.

No mesmo instante, o sinal de alarme da Stardust

começou a se fazer ouvir nos receptores. Era um SOS

comum, que nem sequer estavam sendo transmitidos em

código. Os sinais voltaram a se repetir. Os homens

olhavam-se atônitos. Por que Rhodan transmitia o sinal

internacional de perigo? Havia muitas possibilidades de

dar notícia de uma situação real de emergência. Poderia

utilizar a radiofonia. Por que transmitia o SOS, e isso na

frequência internacional?

Allan D. Mercant começou a agir. Mandou que fosse

dado o sinal de alarme continental.

Page 36: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

36

Os homens da defesa antibombardeio, que há várias

semanas se encontravam em alerta de primeiro grau,

correram para as posições de combate. Naquele instante, a

Stardust estava sobre a península de Tainir, situada no

norte da Sibéria. Prosseguia em velocidade inalterada.

Depois, modificou, novamente, seu curso e,

irradiando sem cessar o sinal de perigo, Rhodan dirigiu-se

para o sul. Sobrevoou a Sibéria.

O quartel-general do comandante supremo do

Oriente revogou no último instante a ordem de abrir fogo.

Percebera que se tratava da Stardust, uma nave

inofensiva. A mão de um operador afastou-se de uma

chave vermelha. Por pouco, sete mil foguetes de longo

alcance com carga atômica teriam subido ao céu.

Era a situação típica em que a guerra poderia ter sido

desencadeada em virtude de um mal-entendido. O

marechal Petronsky estava olhando as telas das estações

de raios infravermelhos sem dizer uma palavra. Numa

viagem louca, a Stardust prosseguia pelo espaço aéreo

siberiano em direção ao sul. Estava perdendo altitude. Os

computadores calcularam o local provável de pouso. Se a

nave americana prosseguisse no mesmo rumo e

continuasse a descer com a mesma velocidade, tocaria o

solo junto à fronteira entre a Mongólia e a China, no

deserto de Gobi. Embora tivesse sido fácil derrubá-la, o

marechal Petronsky, calculista frio, preferiu não iniciar

nenhum ataque.

As emissoras do quartel-general começaram a

funcionar. As ordens eram enviadas pelo próprio

marechal.

O comandante do 22o Exército da Sibéria recebeu

instruções detalhadas. Alguns minutos depois, os

comandantes de divisão recebiam ordens mais

específicas. Os contingentes da 86a Divisão Motorizada

de Fronteira, sediada na região de Obotuin-Chure e junto

ao lago salgado de Goshun, sairiam dos quartéis. A 4a

Divisão Aerotransportada da Mongólia, que se encontrava

sob o comando do general Chudak, ficou de prontidão.

Em poucos instantes, o marechal Petronsky tomara

todas as providências que estavam ao seu alcance para

capturar a nave lunar americana, desde que ela tocasse o

solo em território mongólico.

Problemas sérios poderiam surgir se a nave pousasse

do outro lado da fronteira, em território da Federação

Asiática. O marechal pediu, imediatamente, uma ligação

com Moscou. E sua exposição foi concluída com estas

considerações:

— ...e é de se supor que os dispositivos eletrônicos

de bordo tenham sofrido uma falha séria. Não há dúvida

de que a Stardust vem sendo dirigida manualmente pelo

piloto da Força Espacial. Tal conclusão resulta da

interpretação dos dados relativos à localização da nave.

Desisti do envio de caças rápidos de longo alcance. Sou

de opinião que se aguarde o pouso da nave antes que

quaisquer medidas sejam tomadas. Peço que me sejam

delegados plenos poderes para agir conforme as

circunstâncias exigirem.

Petronsky obteve os plenos poderes por ele

solicitados. Mas não contava com a habilidade do major

Rhodan.

Logo após ter reingressado na atmosfera terrestre, a

nave passou a funcionar como um planador de linhas

bastante aerodinâmicas. As enormes asas triangulares

sustentavam o seu peso. À medida que o ar se tornava

mais denso, os lemes de direção funcionavam cada vez

melhor. O atrito do ar foi reduzindo a velocidade ainda

bastante elevada. Todavia, esse tipo de operação de pouso

exigia a penetração gradual na atmosfera. A temperatura

externa nas asas e no nariz da nave estava ao redor de 870

graus centígrados.

O transmissor automático continuava emitindo o

sinal SOS na faixa internacional de frequência reservada

para situações de emergência. Rhodan conseguira o seu

objetivo com aquele procedimento: os países

sobrevoados, não abririam fogo contra a nave. Era claro

que todas as potências orientais estavam vivamente

interessadas em examinar detalhadamente a Stardust e,

para isso, era necessário que a nave fosse capturada

intacto. Os destroços calcinados não seriam úteis para

ninguém.

Perry Rhodan pousou a nave na área extensa e

pedregosa situada junto ao lago de Goshun, no norte da

China. O lago era salgado, mas o rio Morin-Gol despejava

nele água doce. O local ficava no centro do inóspito

deserto de Gobi, um pouco ao sul da fronteira com a

Mongólia, exatamente a 102 graus a leste de Greenwich e

38 graus a norte do Equador.

Rhodan fez com que a Stardust aterrissasse como

um avião. Os gigantescos pneus especiais garantiram um

pouso suave. Depois de alguns instantes, o nariz afilado

da nave apontava para o rio Morin-Gol, que se encontrava

bem próximo.

O zumbido penetrante dos dispositivos automáticos

de aterrissagem cessou. Rhodan tirou as mãos do manete

de direção. Uma vez superados os perigos que a manobra

de reingresso trazia consigo, o pouso foi fácil.

Com um movimento rápido, Rhodan se libertara do

leito dobrado em forma de poltrona e pegou a arma que

trazia.

Fletcher, surpreso, fitava o cano da arma automática.

Bell ficou imóvel na sua poltrona, assim como o Dr.

Manoli. Crest, preso à quinta poltrona pelo cinto de

segurança, assistia a tudo com o mais vivo interesse.

Quando a nave começou a mudar de rumo, Fletcher

pôs-se a esbravejar numa fúria e num desespero

incontidos. No entanto, não conseguira libertar-se da

poltrona, pois Rhodan ligara o dispositivo da segurança

que bloqueava os cintos de segurança. Num esforço

desesperado, Fletcher procurou imediatamente alcançar o

depósito de armas que se encontrava atrás dele.

— Não faça isso, Fletcher! — advertiu Rhodan. —

Estamos em casa. Se eu fosse você não me arriscaria a

tanto.

Fletcher fitou-o. Tinha o rosto pálido. Seus lábios

tremiam.

— Será que ouvi bem? Você disse que estamos em

casa? — disse com um tom irônico na voz.

Depois, com uma gargalhada estridente, completou:

— Seu traidor sujo! Você pousou no centro da Ásia.

Certamente planejou isso há muito tempo. Se não fosse

assim não teria dirigido a nave para esta região. Foi você

que fixou o curso. Então é isso! Quer entregar a nave aos

chineses. Há quanto tempo foi concebido esse plano

imundo? Quanto o piloto-chefe da Força Espacial dos

Estados Unidos vai receber pelo trabalho? Eu...

— Cale a boca, Fletcher, e já! — interrompeu-o

Page 37: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

37

Rhodan, que empalidecera. Um brilho ameaçador surgira

nos seus olhos.

— Fletcher, você pode ir embora quando quiser;

ninguém o impedirá. Poderá ver seu bebê. Eric terá muita

coisa a contar aos seus filhos. Mas nunca me apontem

como um traidor.

— Por que você aterrissou aqui? — indagou Bell

com a voz calma. Exibia um sorriso gélido. Estreitou os

olhos. O capitão Bell ainda duvidava. Mas a arma que

Rhodan estava segurando representava um fator que não

podia ser desprezado.

— Só quero que vocês me ouçam por um instante —

disse Rhodan em tom enfático. — Nunca pratiquei

qualquer ato sem que tivesse um motivo. Desta vez

também tive razões para agir como agi.

— Ah, é? — gemeu Fletcher num tom de desespero.

Fez um esforço tremendo para libertar-se dos cintos

magnéticos. — Você nos traiu. Obrigou-nos a entrar no

jogo.

— É claro que sim — confirmou Rhodan em tom

indiferente.

Crest sorria. Conhecia as intenções de Rhodan.

— A esta altura vocês já deviam compreender que a

Stardust se transformou num objeto secundário,

verdadeiramente insignificante. Mesmo que caísse nas

mãos dos chineses, esse fato não passaria de uma piada.

Na Lua existe uma nave, cujos ocupantes nesta altura são

as únicas pessoas que hoje em dia ainda podem ser

consideradas importantes. A Stardust desempenha um

papel secundário, embora em Moscou, Pequim e mesmo

em Washington ainda se acredite que é a maior maravilha

do mundo. Os homens mantêm tal opinião simplesmente

porque ignoram a situação real. Se os dirigentes do nosso

país tivessem uma ideia do que vimos na Lua, deixaria

esta nave de lado como refugo. O que importa é tão

somente o ser inteligente que trouxemos até a Terra. Crest

é o único que conta, pois representa uma ciência

infinitamente superior à nossa. Trouxe até a Terra o

conhecimento dos mistérios mais recônditos da natureza.

Os dados armazenados na sua memória fotográfica

permitem que do dia para a noite nossa navegação

espacial dê um salto de cinco mil anos. Vocês devem

reconhecer que já não é a Stardust que importa. O que

importa é Crest, são aquelas inteligências estranhas da

nossa galáxia, e é finalmente a harmonia da Humanidade

a que pertencemos. Para mim todos os habitantes da Terra

são homens, seja qual for à cor da sua pele, a fé que

professam ou a ideologia que preferem. Aqueles que

sempre persistem no erro terão de despertar, os homens de

boa vontade respirarão aliviados. Se entregássemos Crest

a qualquer nação estaríamos cometendo o maior erro da

História.

Fletcher virou a cabeça. Parecia desolado.

— É provável que a esta altura o campo de Nevada

Fields esteja bloqueado pelas forças de segurança. Os

nossos dirigentes não são tolos. Já devem ter chegado à

conclusão de que vimos alguma coisa extraordinária na

Lua. Os governantes orientais, porém, ainda são de

opinião que ocorreu um simples pouso de emergência.

Crest é portador de uma cultura antiquíssima e

conhecedor absoluto de uma ciência altamente evoluída.

Nem penso em atirar uma pessoa dessas nos tentáculos de

um serviço secreto. Sejamos sinceros! Se tivéssemos

aterrissado segundo as previsões, Crest já estaria sendo

mantido em regime de incomunicabilidade. Nem poderia

deixar de ser assim. Seria tratado com toda cortesia,

gentileza e deferência, mas nem por isso deixaria de ser

um prisioneiro. O próprio Crest impôs a condição de

poder agir com absoluta liberdade. Representa o terceiro

poder da Terra. Está doente e precisa de auxílio. Julgo que

é meu dever defendê-lo de quaisquer dificuldades desse

tipo. Sua própria condição de ser estranho e inteligente

confere-lhe direito à liberdade. E é natural que espere um

tratamento decente. Pouco importa o lugar em que

pousássemos. Qualquer das grandes potências da Terra

ficaria ávida para assenhorear-se do seu saber estupendo,

procurando utilizá-lo em seu benefício. Estou convencido

de que a concentração de todo esse saber nas mãos de um

dos blocos de poder não reverteria em benefício para

maior parte dos homens. Sua presença em qualquer dos

países da Terra forçosamente teria conseqüências

catastróficas. A Federação Asiática veria nisso uma

ameaça grave. Ameaçariam, exigindo participação no seu

saber. Um ultimato se seguiria ao outro. O resultado seria

uma série de complicações de âmbito mundial. É o que

desejo evitar. Sou um homem, e quero agir de forma

humana, isto é, com decência. Ninguém vai espremer

Crest como um limão, explicando, com um simples

encolher de ombros, que, infelizmente, isso era

indispensável por este ou aquele motivo. Se ele quiser

presentear a Humanidade com uma parcela do seu saber,

que o faça espontaneamente, sem o menor

constrangimento. Todos nós tiraremos proveito disso. E o

mais importante é que a liberdade de movimento que lhe

asseguramos nos confere a garantia de que nunca haverá

uma guerra nuclear. Acredito que a esta altura vocês já

devem reconhecer que a Stardust perdeu toda

importância. Aterrissei nesta região deserta para que Crest

tenha tempo de montar seus instrumentos antes que

cheguem as tropas que já devem estar a caminho. É só.

Não tenho mais nada a dizer sobre o assunto.

— Você bem que poderia soltar os meus cintos —

disse Bell calmamente. — Estou disposto a ajudá-lo.

Você sabe que dentro de uma hora no máximo haverá

barulho por aqui.

— Que haja. Neste local um dia se erguerá uma

cidade gigantesca. Aqui serão construídas naves espaciais

de velocidade superior à da luz, e é aqui que será lançada

a semente de uma Humanidade verdadeiramente unida.

Então, o que você decidiu Bell?

O baixote riu. Foi um riso um pouco forçado, mas

provava que aquele homem tinha superado a angústia

interior.

— Conheço os homens — disse lentamente. —

Geralmente não querem fazer o mal, mas gostam de tirar

a sua vantagem. Acho preferível que Crest continue

independente. Também não tenho a dizer mais nada.

— E o Dr. Manoli?

O médico ergueu a cabeça. O sangue retornara à sua

face.

— Seu procedimento não deixa de ter lógica. Não

farei nenhuma objeção, desde que Crest garanta que

utilizará seus conhecimentos em benefício de toda a

humanidade. Se der preferência a determinada potência

estará cometendo um crime.

— Pode ficar tranquilo — disse o estranho em voz

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38

baixa. — Nem penso nisso. Apenas peço que em hipótese

alguma me entreguem a qualquer organização estatal. Eu

enfrentaria dificuldades terríveis. Fui eu quem pediu ao

major Rhodan para que aterrissasse aqui.

— Como é que o senhor vai se defender? —

perguntou Fletcher. — Ainda tenho minhas dúvidas a

respeito de tudo isso.

— Ora, Fletcher! Se tivéssemos pousado em Nevada

Fields, já estaríamos presos. O nosso pessoal não teria

alternativa. Um de nós poderia revelar por coação ou

involuntariamente aquilo que vimos. Estamos agindo por

um motivo sério e, segundo penso, decente.

— Acontece que sou oficial da Força Espacial!

— Também já fui. Mas a esta altura sou apenas um

homem que quer uma Humanidade grande, vigorosa e

unida. Você acha que isso é um crime? As nações

isoladas já não têm a menor importância. É só o planeta

Terra que importa. Daqui por diante temos que raciocinar

em termos cósmicos. Será que você ainda não

compreendeu o ridículo imenso que as discórdias terrenas

representam no Grande Império? Ainda não compreendeu

que temos que nos unir sem a menor demora? Uma

inteligência extraterrena só fala no terceiro mundo do

sistema solar. Nunca menciona esta ou aquela nação. No

contexto cósmico, somos apenas habitantes da Terra,

jamais somos considerados americanos, russos, chineses

ou alemães. Encontramo-nos no limiar de uma nova era.

Temos que agir de acordo com isso. Volto a salientar que

em hipótese alguma Crest deve cair nas mãos de

determinado grupo de potências. Ficaremos aqui mesmo.

Bell ergueu-se, devagar. Seu olhar denotava certo

ressentimento.

— Você podia ter contado isso na Lua, meu velho.

Bem que eu sabia que havia algum segredo. Mas estou de

acordo! Podemos começar Crest. É ao senhor que cabe a

iniciativa. Quando surgirem as primeiras tropas só uma

defesa eficiente poderá nos proteger. Não conseguiremos

deter uma única bala com belas palavras acerca da

almejada unidade entre os homens e sobre o papel que o

destino nos reserva como membros de uma comunidade

intergaláctica. Os governantes da Federação Asiática

achariam isso muito engraçado e, assim que acabassem as

gargalhadas, o senhor seria submetido a um severo

interrogatório. Por isso, é melhor começar logo os

preparativos.

— Ficarei a bordo até que cheguem os

medicamentos de que tenho necessidade — disse o Dr.

Manoli.

— Como médico e como homem, é meu dever

prestar auxílio a uma criatura enferma, ainda mais em um

caso como este. Seria um erro tremendo agir

apressadamente e sem o necessário discernimento logo

após o nosso encontro com uma inteligência extraterrena.

Você tem razão, a esta altura, não devemos nos preocupar

mais com a defesa de interesses nacionais.

O capitão Fletcher ficou calado. Parecia petrificado

na sua poltrona. Crest levantou-se com tremendo esforço.

Rhodan guardou a arma.

— Fletcher, nossas intenções são boas. Só queremos

o bem. Meu Deus; não somos criminosos! Será um erro

grave arriscar tudo aquilo que nos é mais caro no interesse

do gênero humano? No meu entender, não. Tenha em

mente o que eu disse: estamos no limiar de uma nova era;

o que importa é agir com inteligência e senso de

responsabilidade. Ninguém agarrará Crest. Dou-lhe minha

palavra!

Rhodan abriu as comportas pesadas da câmara de ar.

A cabine encheu-se do ar terreno. Era quente e seco, tal

quais os pulmões de Crest precisavam.

Após alguns instantes, Rhodan saiu da lave. Ainda

não se viam tropas, mas estas não demorariam a chegar.

Ele bem podia imaginar a atividade febril que tomara

conta dos diversos postos de comando. Por enquanto, não

sabiam por que a Stardust pousara ali. Ninguém tinha

ideia do poder que eles tinham adquirido, mas, logo, os

governantes da Terra saberiam.

Dificuldades tremendas delinearam-se em sua mente

e ele fechou os olhos. Em sua frente, surgiu um quadro

nebuloso, mas no qual distinguia naves espaciais

gigantescas, construídas pelo homem, que partiam para o

espaço e ouvia o ribombar dos seus mecanismos de

propulsão, impelindo-as a uma velocidade superior à da

luz. Viu um governo central de toda a Terra e também

percebia os sinais de paz, de prosperidade e de

reconhecimento da espécie humana ao poder galáctico.

Era apenas uma visão, mas ele sabia que um dia seria a

realidade.

No porão de carga da Stardust, uma máquina

misteriosa começou a zumbir. O terceiro poder estava

iniciando as suas atividades. Perry Rhodan sorriu para o

céu azul. Com movimentos lentos, foi retirando os

distintivos e as platinas do seu uniforme.

O major Perry Rhodan acabara de se desligar da

Força Espacial dos Estados Unidos.

A Stardust voltou à Terra sã e salva. Mas, para Perry Rhodan, os verdadeiros problemas

e os grandes conflitos estavam apenas começando. Isto porque, com a ajuda dos avançados

recursos técnicos dos arcônidas, ele pretende criar algo que deverá realizar a unificação da

Humanidade. Isto acontece no próximo volume intitulado:

A TERCEIRA POTÊNCIA

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39

Nº 02

De

Clark Dalton

Digitalização

OKidoki

Revisão e novo formato

W.Q. Moraes

Perry Rhodan e mais três oficiais da Força Espacial dos Estados Unidos haviam

pousado na Lua a bordo da nave Stardust. Lá encontraram a gigantesca nave espacial

dos arcônidas, que tinha realizado um pouso de emergência. Era tripulada pelos

representantes de uma grande potência galáctica que, apesar de sua superioridade

técnica e científica, estavam em decadência. O cientista-chefe da expedição, um dos

poucos que não fora atingido pela total apatia que dominava os tripulantes, padecia de

uma enfermidade do sangue que só a medicina terrena podia curar.

Perry Rhodan decide ajudar os arcônidas: retorna a Terra em companhia de Crest,

o cientista-chefe e, ao invés de aterrissar em território dos Estados Unidos, prefere a

solidão do deserto de Gobi a fim de evitar que os avançados conhecimentos arcônidas

caiam nas mãos de qualquer potência terrena.

Rhodan tem motivos de sobra para proceder dessa forma. Seus superiores

hierárquicos, contudo, enxergar nele um traidor...

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40

1

O silêncio era enganador.

A superfície do lago salgado de Goshun, situado ao

norte da China, apresentava-se lisa como um espelho.

Calmo e sem vida, estendia-se no deserto imenso. Não

soprava a mais leve brisa. O ar quente e seco oprimia os

homens. Parecia tremular sobre as pedras escaldantes e

subia, perdendo-se na imensidão azul do céu sem nuvens.

Bem ao longe, uma cadeia de montanhas destacava-se

contra o horizonte. Era de lá que vinha o rio, cujas águas

alimentavam o lago salgado.

Constava dos mapas da região

com o nome de Morin-Gol.

Era a única coisa viva que

aparecia na paisagem dessa

parte do deserto de Gobi.

Arrastava-se preguiçosamente;

não era muito largo nem

profundo e nunca secava. Sua

presença era o único sinal

visível de vida naquela região

inóspita.

Nenhuma planta crescia

naquele solo pedregoso e

nenhum animal encontraria

alimento em meio àquelas

rochas. Excluindo o deslizar

manso do rio, não parecia haver

o mais tênue sinal de vida pelos

arredores, mas o silêncio

parecia esconder alguma coisa.

Aquele objeto esguio e

prateado que se via perto da

margem do rio destoava da

paisagem agreste e solitária.

Era uma nave de mais de trinta

metros de comprimento. Seu

corpo aerodinâmico e suas asas

em forma de delta ofereciam

um contraste flagrante face à

natureza hostil do lugar.

A nave, batizada com o

nome de Stardust, tinha sido a

primeira a pousar na Lua. Ao

retornar ao nosso planeta, o

comandante decidiu aterrissar

no deserto de Gobi. Este fato,

agora já conhecido por todos,

causou perplexidade e revolta nos governos das grandes

potências. No entanto, só uns poucos desconfiavam que

não se tratasse de um pouso de emergência, mas de uma

manobra deliberada.

Uma escotilha retangular abriu-se em um dos lados

do corpo da nave. Um homem apareceu na abertura e

olhou para a solidão do deserto. Seu olhar passou para

além do rio e perscrutou as montanhas; depois, procurou o

lago e deteve-se no mesmo. O capitão Reginald Bell,

piloto da Força Espacial dos Estados Unidos e engenheiro

da Stardust, aspirou avidamente o ar, embora este pudesse

ser tudo, menos refrescante. Trajava o uniforme azul da

Força Espacial e trazia a boina debaixo do braço direito.

Um tênue sinal de esperança iluminou seus olhos

quase descorados quando se virou e gritou para o interior

da nave:

— Pode-se tomar banho nessa poça d'água?

Alguém emergiu da penumbra do corredor e

colocou-se ao lado de Bell. Usava o mesmo tipo de

uniforme, mas não tinha as platinas e os passadores no

peito. Aparentava uns trinta e cinco anos. Era magro e seu

rosto, com os olhos duros, cinzentos azulados, era

encimado por uma curta cabeleira castanho-escura.

Tratava-se do major Perry Rhodan, comandante da

Stardust e chefe da primeira expedição lunar.

— É claro que pode — disse em resposta à pergunta

de Bell. — Mas a água é

morna; não refresca. Além

disso, contém sal demais para

o meu gosto.

— Sempre gostei de

comida bem temperada —

observou Bell. — Em caso de

necessidade, eu bebia toda a

água desse lago.

— Você teria uma

surpresa. Comparada com

esse líquido, a água do

Atlântico até parece refresco.

Bell olhou o Sol, que

estava quase atingindo o

zênite.

— Seria bom que

houvesse tempo para isso!

Acho que não nos deixarão

em paz por muito tempo. Será

que Crest tem algum meio de

nos proteger?

Crest era o cientista-

chefe de uma expedição

extraterrena que havia

pousado na Lua. Há milênios

sua raça dominava boa parte

da Via Láctea, mas, a essa

altura, já entrara em

decadência. O próprio Crest

sofria de leucemia. Se os

homens não o ajudassem,

estaria irremediavelmente

perdido. Foi esta a razão que

o levou a embarcar na

Stardust para vir a Terra.

Este era o segredo que a

Stardust trazia em seu bojo e

que, até então, não havia sido revelado a ninguém.

— O anteparo protetor deve ser suficiente. Pelo que

Crest diz, não há nada que possa atravessá-lo, nem

mesmo uma bomba atômica. Basta ligar uma chave para

que sejamos cobertos por uma cúpula transparente contra

a qual todo o mundo a que pertencemos atacaria em vão.

— Isso me tranquiliza bastante — Bell acenou a

cabeça num gesto de aprovação. — Os amarelos não

tardam a chegar. Provavelmente pensam que foi erro

nosso e que, há esta hora, estamos esperando que eles

venham nos buscar. Devem estar morrendo de ansiedade

pelos segredos da Stardust.

— Eles ficariam apalermados de tanta curiosidade se

4

Personagens principais deste episódio:

Major Perry Rhodan — Comandante da nave Stardust. Capitão Reginald Bell — Engenheiro eletrônico da Stardust. Capitão Clark G. Fletcher — Astrônomo da Stardust. Tenente-médico Eric Manoli — Médico de bordo da Stardust. General Lesley Pounder — Chefe da Força Espacial dos Estados Unidos. Allan D. Mercant — Chefe do Conselho Internacional de Defesa. Crest — Chefe científico da expedição de uma raça extraterrena. Professor Lehmann — Diretor da Academia de Tecnologia Espacial da Califórnia e pai espiritual da Stardust. Major Perkins — Agente dos países do Ocidente. Vai em direção à sua autodestruição sem de nada desconfiar. Marechal Roon — Comandante-chefe da Federação Asiática. Dr. Frank M. Haggard — Descobridor do soro antileucêmico. Klein, Li Shai-tung e Peter Kosnow — Agentes que

saíram com a missão de matar Rhodan.

Page 41: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

41

soubessem que passageiro temos a bordo — disse

Rhodan. — É verdade que só recebi ligeiras indicações do

poderio dos arcônidas. Uma coisa, porém, é certa. Crest

tem condições de dominar o mundo sem qualquer auxílio.

Dentro de algum tempo, certas pessoas vão ficar

desesperadamente furiosas conosco.

Uma sombra fugaz atravessou o rosto largo de Bell.

— Infelizmente, é provável que nossa própria gente

também fique. Será que não poderíamos, ao menos,

explicar-lhes o motivo que nos impediu de descer em

Nevada Fields?

Perry sacudiu a cabeça.

— Você conhece o general Pounder. Acha que ele ia

abrir mão das enormes vantagens que poderia tirar do

nosso hóspede extraterreno? Isso, sem falar no pessoal do

Serviço Secreto e do Conselho Internacional de Defesa.

Quando me lembro de certo Mercant...

Allan D. Mercant era o chefe do Conselho

Internacional de Defesa, subordinado apenas ao comando

supremo da OTAN. Era dirigente do setor especial

designado oficialmente como Agência de Informação e

Segurança. Não existia um único país onde Mercant não

tivesse os seus agentes.

Bell suspirou e voltou a falar.

— Mas compreendo a atitude de Fletcher. É muito

natural que queira voltar à sua terra. É possível que, no

fundo do coração, reconheça o acerto de impedir que

qualquer nação se apodere de Crest. Mas vive pensando

na esposa e na criança que está para nascer. Duvido que a

gente consiga segurá-lo para sempre.

— Ele pode ir embora quando quiser — disse Perry

para surpresa de Bell.

Este engoliu em seco.

— Ir embora? Para onde? — apontou em direção ao

deserto. — Por aí? Quer que ele se perca?

— Não vamos ficar sós por muito tempo. — Perry

olhou para o relógio. — Estou admirado de que ainda não

tenha surgido nenhum avião de reconhecimento.

Acenou com a cabeça para Bell e voltou para o

interior da nave. No compartimento um tanto apertado, o

Dr. Manoli estava sentado junto ao leito em que Crest

repousava. O capitão Fletcher estava perto da escotilha de

vidro. Olhava para o deserto com os lábios cerrados.

— Então? — perguntou Perry que percebera o olhar

de Manoli. — Como vai o nosso doente?

Antes que o médico pudesse responder, Crest falou:

— Obrigado, major. Sinto-me fraco; só isso. O ar do

seu planeta me faz muito bem. Acredita, realmente, que

poderá ajudar-me a ficar bom?

O mal que atacara Crest, a leucemia, consistia na

multiplicação exagerada dos glóbulos brancos do sangue.

O que, pouco a pouco, acabava com os glóbulos

vermelhos. De certa forma, o paciente morre por asfixia,

embora continue a respirar normalmente pelos pulmões.

O problema é que o oxigênio que chega aos pulmões de

nada serve se não estiverem presentes os glóbulos

vermelhos que o transportam aos diversos órgãos. O

primeiro sintoma é o cansaço, o paciente enfraquece a

olhos vistos. A decadência orgânica é seguida pelo

definhamento mental. A morte é inevitável.

Todavia, cerca de dois anos antes, tinha sido

descoberto, por um pesquisador australiano, o remédio

contra a leucemia: o soro antileucêmico.

— É claro que poderemos ajudá-lo, Crest. Mas, para

isso, é necessário que confiemos um no outro. Estou

interessado nas invenções de seu povo, no seu

desenvolvimento técnico e científico e, falando com

franqueza, nos seus armamentos. Em troca disso, ofereço-

lhe a cura e a completa regeneração. É um negócio

simples, como qualquer outro.

— Sua sinceridade é muito reconfortante. Há muitos

milhares de anos nosso povo também era assim. Hoje,

muitos de nós estamos demasiado cansados para sermos

sinceros. Parece-me que poderíamos aprender alguma

coisa com seu povo.

Rhodan pensava nos arcônidas estendidos nos seus

leitos a bordo da nave pousada na Lua e que, para

afugentar o tédio, contemplavam os quadros abstratos e

irreais que apareciam nas telas.

O grau de apatia a que chegaram impedia-os, sequer,

de tentar o reparo da própria nave. O exercício do poder,

por milhares de anos, e os robôs, verdadeiros servos

incansáveis, haviam transformado os arcônidas em um

povo sem qualquer outra motivação que não fosse ficar

deitado e sonhar de olhos abertos.

— Também entre nós a renovação do sangue é

considerada o melhor remédio contra a degeneração e a

decadência genética — disse Rhodan.

Crest ergueu-se na cama. Recostou-se contra a

parede. Era cerca de um palmo mais alto que Rhodan. Seu

aspecto exterior pouco o distinguia dos homens. O que lhe

conferia uma aparência estranha eram os cabelos quase

totalmente brancos, os olhos despigmentados e a testa de

altura descomunal. Detrás dela, porém, havia uma

peculiaridade invisível ao olho humano. Além do cérebro

normal, dispunha de um cérebro suplementar, como não

existe em qualquer ser vivo na Terra. Esse cérebro era um

potente centro de armazenamento de dados e uma espécie

de memória fotográfica. Outra coisa ignorada pelos

homens era a placa protetora do coração e dos pulmões

que, no seu peito, substituía as costelas.

Crest era o último dos descendentes da dinastia

reinante em Árcon, o planeta que servira de berço à sua

civilização e, sendo cientista, interpretou literalmente a

observação de Perry Rhodan.

— É provável que uma renovação do sangue

apresentasse resultados positivos. Acontece que qualquer

cruzamento com um membro de uma raça primitiva, ou

melhor, uma raça que ainda não atingiu determinado grau

de evolução, constituiria uma violação da lei dos

arcônidas.

— Sossegue — disse Rhodan com um sorriso

irônico. — Não pretendo me casar com Thora.

Bell, que acabava de entrar, soltou uma gargalhada

enquanto Manoli, preocupado, tomava o pulso do seu

paciente. Fletcher não demonstrou o menor sinal de que

tivesse ouvido alguma coisa.

Por um instante, Rhodan imaginou-se de volta à

gigantesca nave espacial dos arcônidas. Viu, diante de si,

Thora, a comandante da expedição que saíra à procura do

planeta da vida eterna. Era uma mulher alta, muito bela.

Tinha os cabelos claros, quase brancos, e seus grandes

olhos brilhavam com um tom vermelho dourado.

Seria uma mulher? Talvez fosse ao seu aspecto

exterior. Mas era só isso. Na realidade, não passava de

uma calculista fria, dotada de um raciocínio cristalino e de

6

Page 42: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

42

um intelecto altamente desenvolvido. Sua conduta era

marcada por um preconceito extremo contra os seres

inferiores. Foi somente o raciocínio lógico que a levou a

entrar em acordo. Sabia, perfeitamente, que não lhe

restava alternativa, a não ser que quisesse passar o resto

dos seus dias na Lua.

Crest abanou lentamente a cabeça.

— Admiro a sua fantasia. Mas creio que não

convém perder tempo com palavras inúteis. Devemos

pensar no que vamos fazer. Você me prometeu auxílio...

— E terá auxílio — asseverou Rhodan. Depois,

dirigindo-se a Bell, prosseguiu: — Você terá que deixar o

banho para mais tarde. Por enquanto, procure captar as

notícias que andam por aí. Faça o possível para registrar

as transmissões mais importantes. Precisamos saber o que

está acontecendo no mundo.

— Se alguém pretender lançar um ataque contra nós,

não nos avisará com antecedência. Prefiro falar com

Pounder.

— Por enquanto, não. Vamos permanecer calados.

Eles que dêem tratos à bola para descobrir por que não

respondemos às suas mensagens. Terão de ficar maduros

para aquilo que pretendo fazer.

— Maduros! — Bell abriu a porta que dava para a

sala de rádio e radar. — Acho que, daqui a pouso, somos

nós que estaremos maduros!

Perry não se preocupava com Bell. Conhecia-o e

sabia que poderia confiar nele.

— Eric, preocupe-se exclusivamente com Crest.

Fletcher lhe peço que cuide logo da comida. É possível

que, mais tarde, não haja tempo suficiente para isso.

Enquanto isso eu cuido da nossa situação estratégica.

Quais foram às armas que Thora entregou a Crest?

O arcônida continuava sentado na cama, com as

mãos entrelaçadas.

— Acho que, por enquanto, o mais importante é o

anteparo energético. Trata-se de um dispositivo

puramente defensivo, mas que apesar disso, não deixará

de impressionar um eventual agressor. Além disso,

dispomos de três armas manuais, os psicoirradiadores.

Sua intensidade é regulável. Com a regulagem máxima,

consegue-se a paralisação psíquica de um homem a dois

quilômetros de distância, mas nunca se pode causar sua

morte. Com uma intensidade menor, a consciência da

pessoa atingida é debilitada de tal forma que será fácil

assumir o comando sobre seu corpo. Como se não

bastasse, podem ser transmitidas ordens pós-hipnóticas

que serão executadas em quaisquer circunstâncias, mesmo

quando a pessoa atingida já se encontra fora do alcance

das psicoirradiações. Tudo isso vem acompanhado de

uma amnésia artificial. A pessoa não se recorda de coisa

alguma.

— Isso já nos serve — disse Rhodan. — Há mais

alguma coisa?

— Só o transmissor que nos permite entrar em

contato com Thora a qualquer momento. Conforme é do

seu conhecimento, as ondas emitidas pelo mesmo

atravessam a Lua. Sem isso, não conseguiríamos nos

comunicar com ela, já que a nave está pousada na face

oculta do satélite.

Rhodan ficou por uns momentos com o ar pensativo.

Crest compreendeu que algo o preocupava.

— Não se preocupe. O anteparo energético e o

irradiador manual bastam. Se surgirem problemas mais

graves, Thora intervirá.

— Que tal o neutralizador de gravidade que o senhor

colocou a bordo para facilitar a decolagem quando viemos

da Lua?

— Ah, sim! Já ia me esquecendo dele, se bem que

ele não possa ser considerado uma arma. Seu alcance é

enorme: mais de dez quilômetros. E funciona tanto na

base da radiação direcional como na da radiação circular.

Pode-se diminuir sensivelmente ou até eliminar a

gravidade da Terra num retângulo de dez quilômetros de

comprimento e a largura que se desejar, ou então num

círculo de vinte quilômetros de diâmetro, que terá por

centro o irradiador, ou seja, no nosso caso, a Stardust.

— Excelente! — exclamou Rhodan. — Acho que

isso basta.

Dirigiu-se à porta.

Fletcher passou os olhos pelo deserto. Depois,

lançou um olhar provocador para Rhodan, mas, quando se

defrontou com os olhos do comandante, que pareciam de

aço, limitou-se a um ligeiro aceno de cabeça.

— Está bem, Perry. Oportunamente falaremos sobre

o resto.

Bell abordou Perry junto à escotilha de saída.

— Está havendo interferência nas transmissões. Não

consigo pegar os Estados Unidos. Todas as frequências

estão ocupadas. Mas há um emissor muito forte que deve

estar bem próximo de nós. O sujeito fala inglês com

sotaque. Diz que não devemos tomar nenhuma

providência porque a operação de resgate já está em

andamento.

— Operação de resgate! — disse Rhodan. — É uma

expressão muito bonita para designar aquilo que os

chineses pretendem fazer. Responda que não queremos

qualquer auxílio.

Bell não respondeu. Olhou para longe. Uma nuvem

de pó levantou-se do outro lado do rio, perto das colinas.

Parecia um lençol sujo estendido por cima do deserto.

Pontinhos minúsculos moviam-se em direção ao lago

salgado. Perry seguiu o olhar do amigo.

— Ah, está na hora! Estão chegando. Veja! Um

helicóptero!

Os rotores que giravam com o zumbido

característico mal se distinguiam no ar que tremulava no

calor. A fuselagem delgada faiscava ao sol ofuscante.

Quando desceu, a menos de cem metros da nave, a areia

foi atirada para o alto.

— Bell, fique aqui. Segure um dos irradiadores e

aguarde um sinal meu. Regule para a intensidade máxima.

Vou falar com eles.

— Mas...

— Não hã nenhum, mas. Esta gente nos quer vivos.

Não há perigo.

Bell desapareceu no interior da nave. Dentro de

cinco segundos estava de volta. Segurava um bastão

prateado com uma lente na ponta. Havia um botãozinho

vermelho deslocável, que podia ser firmado em qualquer

posição.

Perry acenou com a cabeça e desceu a escada. Foi

andando em direção ao helicóptero, do qual haviam saído

dois homens que envergavam o uniforme da Federação

Asiática. Enquanto aguardavam, olhavam-no com

curiosidade.

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Page 43: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

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O piloto permaneceu na cabina do helicóptero.

Soltou o manete de direção e pegou uma pistola

automática.

No rosto de Rhodan surgiu um sorriso de

compaixão. Essa gente teria uma surpresa enorme.

Os dois oficiais vieram ao seu encontro. Falavam

inglês, quase sem sotaque.

— Ficamos satisfeitos em ver que conseguiu realizar

um pouso tranquilo — disse o oficial mais graduado. —

Sou o marechal Roon, comandante das forças terrestres

do nosso império. Este aqui é o major Butaan.

— Perry Rhodan — apresentou-se Rhodan,

inclinando-se ligeiramente. — O que desejam?

Os dois homens ficaram mudos de espanto.

Olharam-se ligeiramente e depois lançaram um olhar

indagador ao cosmonauta. Estavam convencidos de que o

mesmo precisava de auxílio.

Perry esboçou um sorriso gentil.

— Foi muita gentileza tomar todo este trabalho, mas

as providências destinadas a nos ajudar são inúteis. Para

tranquiliza-los, quero acrescentar que, se estivesse falando

com um oficial do exército americano ou russo, a resposta

seria idêntica.

— Não compreendo — disse Roon, enquanto sua

mão alisava a calça do uniforme, que ficara amassada

com a longa permanência no helicóptero. — O senhor

realizou um pouso de emergência, não é mesmo? Está

precisando de auxílio. Ou será que está em condições de

decolar com seus próprios meios?

— E se estivesse?

— Não poderíamos permitir a decolagem, já que o

senhor aterrissou em território chinês.

Perry sorriu.

— Ah, agora está começando a falar com

sinceridade. O que lhe interessa não é ajudar-nos, mas

agarrar-nos. Muito bem bolado. Acontece que não

pousamos aqui para sermos presos pelo senhor.

Roon ia dar uma resposta violenta, mas foi contido

por um olhar de advertência do major que o

acompanhava. Controlou-se imediatamente. Tudo

indicava que o major exercia uma influência bastante

acentuada sobre o comandante do exército.

— Ninguém está falando em restringir sua liberdade

de locomoção. É evidente que teremos de revistar a nave

para verificar se não tiraram fotografias sobre o território

da Federação Asiática.

— Fizemos mais que isso. Fotografamos toda a

Terra; da Lua. Será que isso é proibido? A nave dos

senhores não tira fotografias?

Os dois oficiais olharam-se rapidamente.

— Nossa nave foi destruída logo após a decolagem.

Foi sabotagem. Não sabia disso?

Perry ficou abalado. Para ele, a conquista do espaço

interessava a toda à humanidade. Sabia que as fronteiras

que separam os povos só seriam demolidas depois de

reconhecida sua insignificância face às fronteiras mais

amplas do espaço. Não reconhecia nenhuma diferença

entre as raças e as nações. Para ele, todos eram homens,

terrenos. Alegrar-se-ia com o êxito de qualquer expedição

à Lua, ainda que a mesma fosse realizada por um inimigo

seu — se tivesse um. Foi, portanto, em virtude de um

impulso espontâneo que se dirigiu ao marechal,

estendendo-lhe a mão.

— Lamento muito. Não sabia. Foi sabotagem?

Roon fez de conta que não estava vendo a mão que

Perry lhe estendia.

— Só pode ter sido. Os nossos cientistas mais

competentes examinaram a nave na decolagem. Não

encontraram o menor defeito. Ao atingir cem quilômetros

de altitude a nave partiu-se em duas e caiu ao solo.

— Existem milhares de circunstâncias que podem

determinar uma falha. Não existe nenhuma prova de que

tenha sido sabotagem.

— Um elemento a soldo do Ocidente entrou

furtivamente na nave e danificou o reator.

— Besteira! — disse Perry em tom áspero. — Não

se deve procurar encobrir os próprios fracassos.

Sentiu-se contrariado pela suspeita insultuosa dos

asiáticos. Roon não era chinês; provavelmente seria

natural da Índia ou de alguma ilha.

— Nenhum de nós teria interesse em impedir sua

viagem à Lua — prosseguiu Perry. — Mas não falemos

mais nisso. O que deseja de nós?

Pela primeira vez o major dirigiu-lhe a palavra.

— Pousou neste local por sua livre vontade? —

indagou.

Era uma pergunta muito direta. Perry decidiu dar

uma resposta igualmente direta.

— Perfeitamente. Se quiséssemos poderíamos ter

pousado no deserto do Saara ou na América.

— Por que pousou justamente aqui?

— Temos nossos motivos. Vejo-me forçado a pedir

que daqui por diante considere o trecho de terra que

circunda esta nave como território submetido à soberania

de uma potência neutra, embora o mesmo se encontre

dentro das fronteiras do seu país. Seu povo não faz

nenhum uso deste deserto; portanto, a nossa decisão não

lhe acarretará qualquer prejuízo econômico. Garantimos-

lhes a não interferência nos assuntos internos do seu país

e respeito às fronteiras do mesmo. Realizaremos

negociações diretas com seu governo. Quanto ao senhor,

marechal Roon, recomendo-lhe que ordene às tropas que

se dirigem para cá, a fim de transformar a nave americana

numa presa valiosa, que façam meia-volta. Estamos

entendidos?

O major Butaan recuou um passo. A sua mão direita

repousava sobre a coronha de uma pesada pistola.

Apertou os lábios. Seus olhos chamejaram.

O marechal Roon conseguiu controlar-se. Com um

sorriso cativante, falou:

— O senhor só pode estar brincando, major Rhodan.

Cabe-nos o direito de revistar qualquer objeto voador que

pouse no território submetido à nossa soberania. Se não

houver motivos para suspeita, será liberado. Acho que sua

observação relativa a uma potência neutra só pode ser

considerada uma piada de mau gosto.

— Interprete minhas palavras como quiser, mas não

diga que não foi prevenido. E agora, passe bem.

Provavelmente, ainda nos encontraremos outras vezes.

— Um momento!

O major Butaan puxou a arma e apontou-a para

Rhodan. Era uma pistola de grosso calibre que lançava

balas explosivas. Um pouco antiquada, mas muito

eficiente, principalmente a pouca distância.

Perry cruzou os braços sobre o peito. Sentia atrás

dele, a menos de oitenta metros, a presença de Bell pronto

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a experimentar o neutralizador. Certamente já o teria feito

se Rhodan não estivesse no campo de ação do aparelho.

— Pois não.

— Major Rhodan, o senhor é um espião. Esta nave

não passa de uma base americana que os senhores fizeram

pousar propositalmente neste local. Certamente

esperavam ser tratados com condescendência porque

iríamos acreditar que se encontrasse em dificuldades.

Acontece que descobrimos o seu jogo e...

— Não prometa aquilo que não pode cumprir —

advertiu-o Rhodan. — Nosso pouso neste local deixou os

americanos tão surpresos quanto os senhores. Também

não têm a menor ideia das nossas intenções. E também

seriam repelidos se procurassem aproximar-se de nós.

Compreenderam? Muito bem! Nesse caso permitam que

volte à minha nave. Repito marechal: retire suas tropas,

pois do contrário não me responsabilizo pelo que vier a

acontecer.

Cumprimentou aos dois oficiais com um aceno de

cabeça, lançou um olhar de advertência ao piloto que

segurava a pistola automática, voltou-se e foi andando

devagar em direção à Stardust. Bell estava no topo da

escada de acesso, indeciso, com o bastão prateado na

mão. Percebia-se o seu alívio quando viu, finalmente, o

comandante se afastar da área de alcance da arma.

— Devíamos fazer uma brincadeira com eles —

gritou para Rhodan. — Esse sujeito de calças cinza deve

ser general. Poderíamos incutir-lhe a ideia de que é

porteiro de circo e mandá-lo-íamos de volta ao emprego.

Seria engraçado.

Rhodan atingiu o primeiro degrau e voltou-se. O

marechal Roon e o major Butaan — e ele apostaria

qualquer coisa como este último pertencia ao serviço de

contraespionagem — continuavam parados no mesmo

lugar, indecisos, na expectativa. Butaan ainda tinha a

arma na mão.

— Não vejo nada de mal numa brincadeira —

respondeu Rhodan, depois de ter chegado ao lugar em que

Bell se encontrava. — Traga o neutralizador, depressa!

— O... ?

Bell não disse mais nada. De um salto desapareceu

no interior da nave. Voltou alguns momentos mais tarde

com uma pequena caixa metálica na mão. Apesar do seu

aspecto simples, ele concentrava uma quantidade enorme

de energia, concentrada num espaço extremamente

reduzido. Crest chamara o aparelho de neutralizador da

gravidade. Quanta coisa não encerrava este nome... O

sonho de muitas gerações de cientistas.

Perry regulou o aparelho. Depois, foi empurrando

devagar a chave do lado direito que ativava o raio

direcional, e diminuía gradativamente a gravidade.

O major Butaan voltou a guardar a arma.

— Não compreendo como o senhor permite que um

bando de espiões nos dê ordens. A meu ver é uma atitude

irresponsável. Terei de informar às autoridades

competentes.

— Fique à vontade — disse Roon com toda calma.

Olhou para a Stardust com os olhos apertados. — Estou

convencido de ter agido corretamente.

Nessa nave há muita coisa de que nem o senhor nem

eu desconfiamos. Para o senhor, tudo não passa de uma

ação disfarçada do pessoal do Ocidente. Mais

precisamente, acha que colocaram uma base neste lugar.

A ideia não é má... pode, até, ser verdadeira. Acontece

que não sabemos. Talvez o tal Rhodan nem seja maluco.

Às vezes chego a pensar que devem ter descoberto algo

extraordinário na Lua; alguma coisa que lhes confere um

poder formidável.

Parou de falar. Havia algo errado. Subitamente,

sentiu-se leve, como se estivesse flutuando; até parecia

que tinha bebido. O pior era que tinha a impressão de ter

perdido, também, o equilíbrio. Sentia-se mais alto, como

se estivesse crescendo por cima de sua própria cabeça.

“Que diabo!”, pensou. “Tomara que o major não

perceba nada.”

Butaan estava tão preocupado consigo mesmo que

não tinha tempo para pensar no marechal. Um movimento

irrefletido fez com que o chão lhe fugisse de sob os pés.

Devagar, como um balão, foi subindo em direção ao céu

azul. Girava como um campeão de saltos ornamentais em

câmara lenta.

Roon não se movera; por isso ainda continuava de

pé sobre as pedras aquecidas do deserto de Gobi. De boca

aberta, não tirava os olhos de Butaan que praguejava e

invocava a ajuda dos antepassados. Mas as maldições não

adiantaram nada, nem os antepassados vieram em seu

auxílio. Continuou subindo.

— Piloto! — berrou o marechal e virou-se

abruptamente.

Não devia ter feito uma coisa dessas. O movimento

giratório não foi amortecido; subindo em espiral, Roon

seguiu o chefe do Serviço de Defesa.

O piloto não se conteve mais. Num movimento

instintivo, segurou-se ao encosto do seu assento até que

alcançasse a saída estreita. Por um instante, o mesmo

contemplou de boca aberta e olhos arregalados seus

superiores que subiam para o céu. Depois, empunhou a

pistola automática.

O primeiro tiro varreu-o para fora da cabine do

helicóptero, que foi deslizando lateralmente poucos

centímetros acima da superfície do solo. Sem perceber,

abaixou o cano da arma e, como fizera fogo contínuo, o

pobre piloto subiu como um foguete para o céu do

deserto. A velocidade foi aumentando a cada tiro, até que

o carregador da arma estivesse vazio. Mas o impulso foi

suficiente para que ele continuasse a subir.

Era um quadro incrível o que se desenrolava em

plena luz do dia. Três homens flutuavam no ar e um

helicóptero, em posição oblíqua, balouçava entre as

rochas como se fosse um navio encalhado batido pelas

águas do oceano.

Perry levantou-se e olhou para o rosto radiante de

Bell.

— Então, o que acha disso?

— É formidável! Um verdadeiro espetáculo

circense. Três bonecos pendurados no ar. Calculo que

estejam com medo. O que faremos agora? Pretende deixá-

los morrer de fome ali no alto?

— Não, claro que não! Diga-me uma coisa: você

sabe pilotar helicópteros, não é?

— Sei, por quê?

— Depois falaremos a esse respeito. Por enquanto,

faça-os aterrissar suavemente. Isso recue a alavanca aos

poucos. Acho que metade da gravitação terrestre basta.

Não, receio que caiam com muita velocidade. Regule para

um quarto. É bom que levem algumas manchas roxas de

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recordação, para que não pensem que tudo não passou de

um sonho. Isso! Muito bem!

O marechal Roon atingiu o solo. Pasmado, olhou

para todos os lados como se estivesse à procura do ser

invisível que o erguera. Butaan aterrissou com mais

violência, a uns dez metros de distância do marechal.

Bateu numa pedra e o rosto contorcido de dor e de

espanto falava por si só. Já o piloto, que foi o que mais

subiu, foi, por conseguinte, o que caiu mais rápido. Por

sorte, o deslocamento horizontal que ele sofreu, levou-o a

mergulhar no rio de cabeça para baixo. Com apenas vinte

e cinco por cento do seu peso normal, flutuou como uma

rolha, o que contribuiu para aumentar ainda mais a sua

perturbação. Já tinha largado a pistola.

— Marechal Roon! Está me ouvindo?

Perry gritou essas palavras o mais alto que pôde. O

marechal ergueu o punho e sacudiu-o num gesto

ameaçador.

— Isso vai lhe custar muito caro. O que foi mesmo?

O senhor eliminou a gravidade?

— O marechal até que é sabido! — exclamou Bell

alegremente, batendo com a mão na coxa. Estava se

divertindo a valer.

— Se não retirar imediatamente as tropas, terá outras

surpresas. — Perry apontou para a Stardust. — Temos em

nosso arsenal, armas com as quais o senhor não chega

nem a sonhar.

Ele sabia que talvez fosse imprudente dizer aquilo,

mas estava interessado, principalmente, em fazer com que

os outros agissem com cautela. Todavia, o efeito foi

exatamente o contrário.

— Quer dizer que trazem armas? — resmungou

Roon, brindando o chefe do Serviço de Defesa, bem mais

jovem que ele, com um olhar que parecia dizer: “veja

quanto vale o seu trabalho e o seu Serviço de

Informações! É uma porcaria! Não fiquei sabendo da

existência de uma arma americana capaz de eliminar

totalmente a gravidade”.

— Então, o que houve? — berrou Bell agitando os

braços. — Será que o passeio aéreo lhes prendeu a

língua?

Roon disse alguma coisa ao piloto, que já atingira,

são e salvo, a margem do rio e se juntara a eles. Perry

tinha colocado a alavanca do neutralizador na posição

zero. As condições de ponderabilidade eram normais.

— Um momento! — advertiu Perry, ao ver que o

piloto ia se dirigindo para o helicóptero. — Esse

helicóptero vai ficar aqui. Pousou sem permissão em

território da potência recém-criada. Está confiscado.

O rosto do marechal ficou rubro de raiva.

— Calma, marechal, o senhor passou da idade de se

aborrecer!

— O que estão pensando? — berrou Roon, fora de

si. — Vou...

Não chegou a dizer o que pretendia fazer. O major

Butaan cochichou-lhe alguma coisa no ouvido.

— Ainda terão notícias minhas — terminou

abruptamente. Depois se voltou, fez sinal ao major e ao

piloto, e foi andando em direção às colinas distantes.

Nesse meio tempo, a nuvem de pó havia se

aproximado assustadoramente. Perry suspirou aliviado.

— Então este foi o nosso primeiro encontro com a

Federação Asiática. O segundo deixa-me menos curioso.

Acho que teremos que pôr em funcionamento o anteparo

energético. Seu alcance chega a dois quilômetros.

Portanto, o rio, parte da margem do lago e o helicóptero

estão situados no interior do círculo de proteção. É este o

território do novo império: o menor da Terra, porém o

mais poderoso.

— O que você pretende fazer com o helicóptero?

— Que pergunta! Você sabe muito bem que um belo

dia terá de sair daqui para arranjar peças sobressalentes e

medicamentos. Será que você pretende atravessar a pé o

deserto de Gobi?

O rosto de Bell corou ligeiramente.

— Eu? Por que justamente eu? Quer que... — Perry

acenou tranquilamente com a cabeça.

— Um de nós tem que ir, não é? Por que não será

você? Afinal, ninguém merece mais confiança que você.

Bell fez um gesto largo com os braços.

— Bem... naturalmente! É claro que tem razão.

Quando partirei?

— Assim que o mundo se tiver acalmado.

Com o neutralizador debaixo do braço, Perry entrou

na nave. Bell seguia-o devagar. Com o olhar de um perito

examinou ligeiramente o helicóptero, pousado em posição

oblíqua. Depois enfiou o neutralizador no bolso e fechou

a escotilha.

Encontraram Fletcher no centro de controle.

— A comida está pronta. O que aconteceu?

Perry explicou em poucas palavras.

— Será que você acredita que isso dará resultado? Já

lhe disse que não entro nessa. Quero ir para casa. Quero

rever minha esposa. Dentro de três meses ela terá um

bebê.

— Até lá, tudo estará liquidado, Fletcher. Seja

razoável! Você me conhece há muito tempo. Nunca faço

nada sem ter um motivo. Vou explicar mais uma vez por

que tivemos de pousar aqui e não em Nevada Fields.

— Você nunca me convencerá!

— A paz que está reinando na Terra é ilusória. O

menor ensejo bastará para que os foguetes atômicos sejam

disparados em todas as direções, espalhando a devastação

pelo globo terrestre. Você acha que esse estado de coisas

deve durar para sempre? Agora estamos em condições de

intervir. O bloco ocidental e a Federação Asiática estão se

defrontando. Desde que a China se tornou a maior

potência atômica, o bloco oriental, dirigido por Moscou,

só desempenha um papel secundário. Somos o fiel da

balança, o único poder que se interpõe entre as duas

superpotências. Contamos com os recursos incríveis dos

arcônidas. O poder dos arcônidas concentrado nas mãos

de uma só nação significaria o fim de toda liberdade,

mesmo que essa nação fosse os Estados Unidos. Já está na

hora de compreender isso!

— Você sabe que é um traidor?

Uma expressão de sofrimento desenhou-se nos

lábios de Perry.

— Muita gente dirá a mesma coisa, porque não me

compreende. Mas não sou um traidor. Acontece apenas

que deixei de ser um americano, para transformar-me

num terreno. Será que você compreende ao menos isso?

— Talvez. Que mais? — Fletcher engolia em seco.

— Apesar de tudo você podia ter pousado em Nevada

Fields.

— Não podia. De qualquer maneira temos de nos

14

Page 46: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

46

defender, cá ou lá. E antes lutar contra os asiáticos que

enfrentar nosso próprio povo. Podia ser que me

enternecessem, ou que, conseguissem me convencer. É

uma coisa que aqui nunca acontecerá. Sei muito bem o

que me espera caso ceda àquela gente. Crest encarna um

poder ilimitado, Fletcher. Está ao seu alcance e, portanto,

ao nosso, impedir a irrupção da guerra. Quando as

grandes potências perceberem que se encontram sob o

controle de uma potência mais forte, esquecerão o

conflito que lavra entre elas. Talvez até cheguem a um

entendimento.

— Isso não passa de uma utopia.

— Esperemos. A fábula segundo a qual os discos

voadores pousarão na Terra e nos trarão a paz, deve

encerrar um grão de verdade. Crest só se prontificou a

ajudar-nos sob a condição de nos comprometermos a

restituir-lhe a saúde e respeitar sua liberdade pessoal. E

não estaríamos respeitando essa liberdade se o

entregássemos a qualquer potência da Terra, fosse qual

fosse. Qualquer outra potência teria motivos para sentir-se

ameaçados. Desencadearia a guerra final. Da forma como

as coisas estão, não se atreverão a fazê-lo.

Fletcher fez um movimento cansado com a mão.

— Você me deixará partir assim que eu desejar?

— Bell o levará quando sair para buscar os

medicamentos e as peças sobressalentes. O helicóptero

está esperando lá fora.

Fletcher afastou-se, pensativo.

Girando uma chave, Perry ativou o campo

energético. A Stardust ficou coberta por uma cúpula

invisível de dois quilômetros de altura e igual extensão

para todos os lados. Quem olhasse do alto pensaria que ali

no deserto, junto ao lago, apenas havia uma minúscula

nave inutilizada.

Na verdade, porém, naquele lugar estava o germe de

um novo império, cujas fronteiras, nessa altura, não

chegavam a treze quilômetros de extensão. Mais tarde,

porém, atingiriam milhares de anos-luz.

2

O aspecto exterior do general Lesley Pounder era tão

marcante que dava a qualquer um a ideia de sua

resistência e força. De constituição sólida, seu corpo

revelava uma força de vontade e uma energia

inacreditáveis. Todo mundo sabia que não recuava diante

de nada, nem mesmo de Washington ou do Pentágono.

Era chefe da Força Espacial dos Estados Unidos e seus

homens adoravam-no e temiam-no ao mesmo tempo.

Podiam procurá-lo a qualquer hora se tivessem algum

problema. Raramente dava mostras do seu humor mordaz.

Isso fez com que os maledicentes afirmassem que um dia

o general acabaria devorado pela própria raiva.

Estava no gabinete do quartel-general, sentado atrás

da enorme escrivaninha, cuja superfície estava quase

totalmente tomada pelos mais variados equipamentos de

comunicação. O restante do espaço era ocupado por

pilhas de papéis e pastas. Tinha diante de si um homem de

aparência modesta. Este era o extremo oposto do general.

Um círculo ralo de cabelo castanho circundava sua calva

lustrosa. A impressão pacata era reforçada por algumas

mechas de cabelos brancos nas têmporas. Apesar da coroa

de cabelo e das têmporas grisalhas, esse homem tinha um

aspecto jovem e inofensivo. Seus olhos pareciam

transmitir uma impressão suave de tolerância.

Todavia, Allan D. Mercant era tudo, menos suave e

tolerante quando se tratava do cumprimento do dever. No

desempenho das suas funções de chefe do Conselho

Internacional de Defesa de todo o bloco ocidental, era o

caçador mais obstinado que se poderia imaginar.

— O senhor confia muito no major Rhodan e nos

seus homens — disse em tom brando, apontando para o

mapa do mundo pendurado na parede. — A Stardust

pousou no deserto de Gobi. Ainda é de opinião que foi

por simples acaso?

— A nave expediu o sinal internacional de perigo

antes que seu equipamento silenciasse. O mecanismo

propulsor, certamente, falhou.

— Por que Rhodan não permitiu que o pouso fosse

dirigido pelo controle remoto? Dessa forma a nave teria

atingido a base de Nevada sã e salva. Por que ele mesmo

assumiu o comando? O senhor pode dar alguma

explicação?

O general Pounder sacudiu a cabeça, sem saber o

que dizer.

— Não tenho nenhuma explicação para isso. Mas

não é por esta razão que eu deva estar preso, com meu

estado-maior, aqui na base. Certamente foi sua a ideia de

cercar toda a base de Nevada Fields.

— É apenas uma medida de precaução — disse

Mercant com um sorriso amável, para tranquiliza-lo.

— Quem conta com o pior nunca sai decepcionado.

— Mas quem sempre conta com o pior também cria

problemas desnecessários — advertiu Pounder.

— Ainda que Rhodan tenha pousado no deserto de

Gobi por sua livre e espontânea vontade, ele deve tê-lo

feito com uma ideia bem definida.

— Tenho certeza que é assim! — observou Mercant

em tom irônico.

— A finalidade que tem em vista não deve ser de

forma alguma, dirigida contra nós. Se o senhor acha que

ele pretende entregar a Stardust à Federação Asiática, está

16

Page 47: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

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muito enganado.

— Que outra finalidade poderia ter ele em vista?

— Não sei — admitiu Pounder. — Mas conheço o

major Rhodan muito bem. É digno de toda a confiança.

Trata-se de um elemento que está acima de qualquer

suspeita.

— O homem sempre constitui um fator de incerteza

em qualquer equação, general. Ninguém consegue ver a

alma do próximo. A riqueza e o poder, ou melhor, a

esperança de obter essas coisas, pode perturbar até mesmo

o espírito mais íntegro.

O general Pounder pareceu crescer atrás de sua

escrivaninha.

— Será que o senhor quer insinuar que Rhodan ficou

louco?

— De forma alguma, general. Uma pessoa que

ambiciona o dinheiro e o poder não pode ser considerada

louca. Conforme o caso poderá ser um traidor...

Pounder saltou da cadeira. Inclinou o enorme corpo

sobre a escrivaninha e colocou o punho cerrado por baixo

do nariz do outro.

— Agora, chega! Embora seja Allan D. Mercant,

não admito que insulte os meus homens. Rhodan não é

um traidor. A Stardust realizou um pouso de emergência.

Prove o contrário! Enquanto não conseguir fazê-lo, fique

bem quieto. De resto, Washington já estabeleceu contato

com o governo da Federação Asiática.

— Interessante! — observou Mercant, e afastou o

punho do general com uma elegância tão displicente que

este ficou desarmado. — Posso perguntar qual foi o

resultado?

— Até agora, nada — respondeu Pounder. —

Aguardo informações diretas do meu pessoal em

Washington.

— Pois eu lhe digo qual será o teor dessas

informações: o governo da Federação Asiática lamenta o

incidente e afirma ter tomado todas as providências que

estavam ao seu alcance para salvar os cosmonautas. Os

destroços da Stardust serão liberados, desde que não

tenham sido completamente destruídos. Pouco depois,

receberemos outra nota na qual se dirá que a nave foi

totalmente destruída e que só foram encontrados os

cadáveres irreconhecíveis dos tripulantes. Depois disso, o

assunto será envolvido pelo mais absoluto silêncio;

ninguém falará mais nada a respeito. A realidade, porém,

será completamente outra.

— Se eu fosse dotado de sua fantasia, escreveria

romances — disse Pounder fingindo admiração pelo

interlocutor. — Todavia, ouçamos qual será a realidade...

em sua opinião.

— Os asiáticos desmontarão a Stardust e utilizarão o

resultado da viagem em seu beneficio. Rhodan e os

demais tripulantes, que evidentemente estão sãos e salvos,

receberão a recompensa prometida, depois de terem

revelado tudo o que sabem. Talvez a recompensa seja um

palacete situado no Tibet, talvez seja um tiro na cabeça.

Pounder voltou a sentar-se.

— O senhor não é um homem normal; é uma vítima

da sua profissão — diagnosticou Pounder. — Rhodan

sabia muito bem que entre nós teria uma existência

tranquila e ganharia até dois palacetes, se quisesse. Por

outro lado, também não ocorre nenhum motivo

ideológico. Logo, só resta o pouso de emergência. É a

minha opinião. Rhodan entrará, logo que possa, em

contato conosco. Aguarde.

Mercant passou a mão pela calva.

— Prefiro confiar nas informações dos meus

agentes. O major Perkins não nos deixará na mão.

Perkins — até mesmo Pounder conhecia-o de fama

— era um dos melhores agentes de Mercant.

— Não foi ele quem descobriu o atentado planejado

contra o campo de provas da NATOM, situado na

Austrália, e liquidou os cabeças?

— Foi ele mesmo! Mandei-o a Pequim há poucas

horas a fim de cuidar do assunto.

— E o senhor acredita...

— É claro que viaja com nome falso. Os

documentos são legais e o fato de mantermos boas

relações comerciais com a Federação Asiática facilitará

bastante seu trabalho.

Nesse momento, o ruído do videofone chamou a

atenção de Pounder. Ele girou um botão e a tela iluminou-

se. Um rosto surgiu.

— Ligação de Washington — disse uma voz suave.

— É para os senhores Pounder e Mercant.

— Estão ambos os presentes — disse Pounder com a

voz ofegante. — Tem certeza de que é com os dois que a

pessoa pretende falar?

— Washington faz questão disso. Pediram que só

completasse a ligação quando as pessoas solicitadas

estivessem no aparelho.

— Pode ligar. O senhor Mercant está aqui no meu

gabinete.

— Um instante, cavalheiro. Continue com o

aparelho ligado.

Pounder olhou para Mercant.

— Quais são suas relações com Washington? —

perguntou espantado.

— São muitas — disse Mercant com um sorriso

ingênuo. — Basta citar um exemplo: é lá que se encontra

o meu superior imediato, o Presidente.

Pounder engoliu em seco, conservando os olhos

fixos na tela de imagem como se de lá pudesse vir algo

em seu auxílio.

O rosto da operadora tinha desaparecido. No seu

lugar, surgiu outro: era o chefe do Setor de Informações

da Casa Branca.

— É o general Lesley Pounder?

— Ele mesmo — disse o general. Mercant inclinou-

se ligeiramente para frente para que a câmera receptora

pudesse captar a sua imagem. — Mercant também está

presente.

— Obrigado. Acaba de chegar à resposta do governo

de Pequim. Seu conteúdo é tão estranho que resolvemos

não tomar qualquer medida antes de ouvir sua opinião.

Seu gravador está ligado?

Pounder comprimiu um botão oculto sob a tampa da

escrivaninha.

— Acabo de ligar.

— Muito bem. Ouça. O teor da nossa mensagem a

Pequim foi o seguinte:

De Washington para Pequim. Solicitamos

autorização imediata para enviar uma comissão que

deverá examinar os destroços da nave espacial Stardust

que realizou um pouso forçado. Acreditamos que não

haja qualquer impedimento diplomático já que a nave

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destinava-se a investigação científica. Aguardamos sua

concordância.

A resposta, que acabamos de receber, diz o

seguinte: “Autorização recusada. O governo da

Federação Asiática entende que a instalação de uma base

ocidental no seu território constitui uma violação grave

dos acordos celebrados. Não se trata do pouso forçado

de um pretenso foguete espacial. A tripulação rechaçou

um comando de resgate e, para isso, usou uma nova arma

que subtrai aos homens a ação da gravidade. A base, que

já foi cercada pelas nossas tropas, será destruída, a não

ser que seu governo ordene imediatamente que a mesma

nos seja entregue em boas condições. Concedemos-lhes

um prazo de duas horas”.

— É este o teor das duas mensagens. Que me diz a

respeito, general Pounder?

O chefe da Força Espacial estava exultante.

— Quer dizer que a Stardust conseguiu pousar em

boas condições. Ainda bem! Rhodan e os outros

tripulantes estão vivos. Fomos os primeiros a alcançar a

Lua e conseguimos pousar nela. Formidável!

— Realmente é muito interessante — admitiu o

chefe do Setor de Informações de Washington. — Mas,

no momento, o importante é a sua opinião a respeito da

mensagem dos asiáticos. O que significa isso? Uma arma

que subtrai aos homens a ação da gravidade? A Stardust

levava alguma coisa parecida com isso a bordo?

— Em absoluto! Eliminar a força da gravidade? Já

foram realizadas pesquisas nesse sentido, mas não

produziram qualquer resultado. Os asiáticos estão

blefando. Querem é fazer desaparecer a Stardust, mais

nada.

Mercant interveio.

— Existe alguma prova de que a nave espacial

pousou em boas condições?

— Não dispomos de qualquer prova — respondeu o

chefe do Setor de Informações. — Se dispuséssemos, a

respectiva observação teria chegado a nós por seu

intermédio, senhor Mercant. Comunicamos a Pequim que

infelizmente não conseguimos estabelecer contato com a

Stardust e, por isso mesmo, não podíamos tomar qualquer

providência. Rejeitamos com a maior energia a afirmação

insensata de que a nave seria uma base americana. Ainda

não recebemos a resposta. Aguarde! Pequim está

chamando. Continue com o aparelho ligado. Vou colocá-

los na linha para que possam ouvir, também, a mensagem.

O rosto do chefe do Setor de Informações desapareceu. A

tela ficou vazia. Mas Pounder e Mercant ouviram cada

palavra que era pronunciada naquela sala situada a mais

de três mil quilômetros de distância. Sem querer,

testemunharam o início de uma série de acontecimentos

que conduziriam à extinção da espécie humana, caso não

acontecesse um milagre antes.

— Aqui é Washington. Pode falar Pequim.

— Pequim falando. Os senhores não atenderam às

nossas exigências. A base que montaram no deserto de

Gobi também se recusou a permitir uma investigação. Em

vista disso, a divisão comandada pelo marechal Roon

recebeu ordens de destruir a base. Embora devam estar

bem informados, queremos dar-lhes um ligeiro relato do

que aconteceu.

“Nossos tanques avançaram. A dois quilômetros do

lugar onde se encontra pousada a Stardust esbarraram

num obstáculo invisível. As buscas que mandamos

realizar revelaram que esse obstáculo cerca a nave por

todos os lados, delimitando um território de pouco mais

de doze quilômetros quadrados que, segundo certo

Rhodan, é o território de uma potência neutra recém-

criada. Nossos tanques recuaram e abriram fogo contra a

base. As granadas detonaram muito antes do alvo, como

se o anteparo invisível também continuasse acima da

nave, cobrindo-a como uma cúpula protetora. Nossos

consultores científicos são de opinião que a base está

coberta por uma cúpula energética. Dessa forma, seria

inexpugnável. Queremos avisá-los de que consideramos a

Stardust uma ameaça à paz mundial e extrairemos as

consequências cabíveis dos fatos. Pedimos que a base

seja retirada ou entregue às nossas autoridades dentro do

prazo de vinte e quatro horas. De outra forma,

consideraremos rompidas as relações diplomáticas entre

Pequim e Washington. Aguardaremos o seu

pronunciamento. Não transmitiremos outras mensagens

sobre o assunto. Fim”.

Pounder olhou para Mercant. Sua pele já não tinha a

cor sadia de dez minutos antes. O sorriso suave do chefe

do Conselho Internacional de Defesa também tinha sido

substituído por algumas rugas que demonstravam sua

preocupação.

— Um anteparo energético? — disse, esticando as

palavras. — Nem mesmo nós tivemos conhecimento

disso. Meus respeitos, Pounder. Os seus cientistas

souberam guardar segredo.

— Não diga tolices, Mercant. Também nunca tive

conhecimento da existência de um anteparo energético.

Esses asiáticos estão blefando e é só. Há tempos estão

procurando um pretexto para despachar seus foguetes

atômicos. Agora, encontraram um.

Mercant inclinou o corpo.

— O senhor quer fazer crer que não sabe nada a

respeito do anteparo energético que está cobrindo a

Stardust? E quer afirmar, também, que não tem

conhecimento do aparelho que subtrai às pessoas a ação

da gravidade?

— Eu considero isso tolice! Uma coisa dessas não

existe! Para mim os asiáticos estão blefando, já disse!

— Alô! — A discussão foi interrompida pela voz do

chefe do Setor de Informações de Washington. — Os

senhores ouviram, não é?

— É claro que ouvimos! — confirmou o general

Pounder. — Isso é a mais formidável estupidez que já vi

alguém pronunciar até hoje. Julgo conveniente...

— Essa estupidez pode se transformar numa

estupidez pior: a guerra. Temos que impedir que isso

aconteça... Procure entrar em contato com a Stardust.

Mercant lhe prestará auxilio. E procure descobrir o que

vem a ser este antepara energético. Lehmann deve estar

em condições de dar alguma informação. Aguardo sua

resposta antes do término do ultimato formulado pela

Federação Asiática.

— Combinado — resmungou Pounder, que ainda

não tinha a menor ideia do que devia fazer. — Entrarei

em contato com o senhor antes que o prazo se encerre.

A tela apagou-se. Mercant soltou um suspiro.

— Se não recebermos logo notícias do major

Perkins estaremos em maus lençóis. Sugiro que

chamemos Lehmann. É possível?

20

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Pounder berrou algumas ordens pelo

intercomunicador. Poucos minutos depois, um homem

alto, de meia-idade, entrou no gabinete. Era o professor

Lehmann, diretor-científico do Programa Lunar. Há muito

ocupava o cargo de diretor da Academia de Tecnologia

Espacial da Califórnia. Era o maior especialista no setor.

Quando sentia uma disposição toda especial para ser

sincero, o general Pounder era levado a confessar que

Lehmann era o pai espiritual da Stardust.

O professor parecia bastante admirado.

Cumprimentou aos dois homens com um aceno de

cabeça.

— Querem falar comigo?

Pounder confirmou com um aceno de cabeça.

— O senhor já conhece Mercant, portanto não há

necessidade de apresentações. Quero evitar todo e

qualquer rodeio. Ouça!

Suas mãos moveram-se sob a tampa da escrivaninha.

Ouviu-se o leve chiado de uma fita em movimento.

— Preste atenção a esta conversa, Lehmann.

Bastante atenção!

À medida que o professor Lehmann era posto a par

dos acontecimentos, Mercant, com ar distante, realizava

mentalmente os movimentos de suas peças de xadrez. Se

Perkins conseguisse entrar em contato com Rhodan —

desde que este ainda se encontrasse no deserto de Gobi e

não tivesse sido transformado em instrumento dos

asiáticos, como Mercant supunha — a trapaça seria

descoberta. Havia várias possibilidades.

Caso a Stardust tivesse pousado intencionalmente no

território da Federação Asiática, Rhodan seria um traidor.

Também era possível que a nave tivesse realizado um

pouso de emergência. Nesse caso, estaria sendo

desmontada pelos asiáticos, cuja afirmativa de terem sido

rechaçados representaria, apenas, um simples

estratagema. Mercant estava convencido de que essa

afirmativa representava, tão somente, o preparativo de um

comunicado posterior, segundo o qual as defesas da

Stardust teriam sido rompidas e a nave destruída.

Ainda havia uma terceira possibilidade. Mas essa era

tão fantástica que quase não podia ser considerada

seriamente. Apesar do seu extraordinário amor aos

animais — alguém já o vira tirar uma minhoca do anzol

de um pescador estarrecido, pousando-a cuidadosamente

no solo — Mercant raciocinava com uma frieza tremenda.

Sua vida consistia em fatos, dados, relatórios e normas.

Todavia...

Não chegou a concluir seus pensamentos. A fita

gravada chegara ao fim. O general esticou o queixo e

olhou para Lehmann

— Então, professor? O que me diz? Acha que o

major Rhodan é um traidor?

— Um traidor? Quem teve essa idéia maluca?

Pounder lançou um olhar significativo em direção a

Mercant.

— Foi só uma pergunta, professor. O que irá

importar é sua opinião a respeito do anteparo energético e

do resto.

— A eliminação da gravidade? Ambas as coisas

representam uma utopia inatingível com os meios de que

dispomos. Os asiáticos inventaram uma fábula bonita que

lhes sirva de pretexto para ficarem com a Stardust. Aposto

que amanhã informarão que a nave não poderá ser

entregue por ter sido destruída.

Mercant aprovou com um aceno de cabeça.

— Muito bem pensado — disse. — Quando eu me

aposentar, vou sugerir ao senhor como meu sucessor.

— Agradeço — retrucou seriamente o professor

Lehmann. — Prefiro acompanhar a viagem a Marte. Não

há dúvida de que a Stardust conseguiu pousar em boas

condições. Se não fosse assim, a manobra de

despistamento seria inútil. Se soubéssemos as causas,

tudo estaria esclarecido; Para um bom serviço secreto isso

não devia ser nenhum problema.

O golpe, desferido como se fosse por acaso, atingiu

o alvo. O rosto de Mercant ficou vermelho. A expressão

branda desapareceu subitamente. Seus olhos adquiriram

uma expressão dura. Levantou-se sem fazer caso dos

gracejos do general.

— O senhor ainda se surpreenderá com a eficiência

do nosso serviço secreto — disse a Lehmann, enquanto se

dirigia para a porta. — General, faça o favor de me avisar

assim que haja noticias de Washington. Até logo,

cavalheiros.

Fechou ruidosamente a porta. O professor Lehmann

lançou um olhar de espanto para Pounder.

— O que será que houve com ele? Por que anda tão

sensível?

— O senhor o atingiu no seu orgulho profissional.

— Pounder sorriu; parecia muito satisfeito. — Bem feito!

Quem manda tratar qualquer pessoa que não seja um dos

seus espiões como um homem de categoria inferior? Bem,

agora que ninguém nos incomoda mais, diga-me, com

toda sinceridade, professor, qual é sua opinião a respeito

de tudo isso?

Lehmann inclinou-se para frente. Pounder

continuou:

— Acho que estamos de acordo em que o major

Rhodan está acima de qualquer suspeita. O que aconteceu

no deserto de Gobi?

O professor Lehmann sorriu. Seu olhar perdia-se

através da janela, contemplando o horizonte. Sem olhar

para o general, comentou:

— Talvez seja conveniente, meu caro Pounder,

reformular a parte geográfica da pergunta. O correto é: o

que aconteceu na Lua?

Pounder arregalou os olhos.

***

Depois de ter desembarcado do Stratoliner em

Pequim, o major Perkins dirigiu-se a um hotel de primeira

categoria. Poucos minutos depois, um dos agentes do seu

país forneceu-lhe o endereço de uma firma que trabalhava

para o governo. Telefonou ao procurador e combinou um

encontro.

Nos documentos do agente, constava o nome Alfons

Hochheimer, e a profissão de engenheiro de minas.

Segundo os dados do passaporte, encontrava-se na

Federação Asiática há mais de dez anos e já trabalhara

várias vezes para empresas estatais de mineração.

Na sala de recepção da empresa, decorada em estilo

ultramoderno, um chinês trajado à europeia recebeu-o

com um sorriso imperscrutável.

— É o senhor Hochheimer, não? Meu nome é Yen-

Fu. Posso lhe ser útil em alguma coisa?

22

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— Tive conhecimento de que sua firma participa da

exploração de regiões economicamente pouco

interessantes — disse Perkins, enquanto apertava a mão

que o outro lhe estendia. — Já tive oportunidade de

pesquisar trechos extensos do deserto de Gobi, a serviço

de outras empresas. Conheço um lugar em que há

possibilidade de se encontrar urânio, desde que as

pesquisas alcancem uma profundidade suficiente.

O sorriso de Yen-Fu tornou-se ainda mais intenso.

— Urânio no deserto de Gobi? O senhor deve estar

enganado! Já enviamos várias expedições para lá, mas

nenhuma delas teve êxito.

A essa altura, também no rosto de Perkins via-se um

sorriso misterioso.

— Acontece que os participantes das suas

expedições não possuíam os instrumentos de busca de que

disponho senhor Yen-Fu. Já ouviu falar na sonda de

Spielmann?

O chinês sacudiu a cabeça.

— Não. Para ser sincero, nunca ouvi falar. Perkins

não se admirou com a resposta. Acabara de inventar o

nome.

— É lamentável, senhor Yen-Fu, muito lamentável.

Spielmann é um dos cientistas mais conceituados do

mundo ocidental. As grandes descobertas de urânio no

continente americano foram devidas ao seu invento.

Disponho de um dos seus modelos mais recentes.

Apesar do terno sorriso, o rosto do chinês passou a

revelar certa dose de desconfiança.

— Não é americano?

— Não, sou alemão. Mas encontro-me na Federação

Asiática há mais de dez anos. Aqui estão os meus

documentos. Espero que os mesmos o convençam da

sinceridade da minha proposta.

O procurador examinou cuidadosamente aqueles

documentos. Falsificados com perfeição extrema. Não

encontrou nada de anormal, e devolveu-os a Perkins.

— Sabe onde se poderia encontrar urânio no

deserto?

Perkins confirmou com um aceno de cabeça.

— Existe quantidade suficiente para abastecer vinte

usinas por cem anos. É claro que o material também pode

servir para outra coisa — disse com um sorriso

significativo.

— Queira esperar.

Perkins esperou. Mas não o deixaram esperar por

muito tempo. Falou com o diretor da firma. Depois com

um funcionário categorizado do governo. Finalmente

falou com o piloto do avião que devia levá-lo juntamente

com os membros da comissão à região em que se

encontravam as pretensas jazidas de urânio.

— O senhor traz consigo essa sonda? — perguntou

Yen-Fu curioso. — Ela permite a leitura imediata dos

resultados?

Perkins lembrou-se da caixinha metálica bem

concebida. No seu interior havia uma bateria e alguns

fios, e do lado de fora várias escalas e botões. Confirmou

com um aceno de cabeça.

— É claro que sim. Não viria a sua presença sem o

equipamento necessário. Quando partimos?

— Daqui à uma hora, se estiver de acordo. Ainda

estamos aguardando a confirmação definitiva da

repartição competente.

“Tomara que isso acabe bem!”, pensou Perkins. Mas

dificilmente conseguiriam descobrir sua verdadeira

identidade, pois seus documentos eram melhores que os

de qualquer chinês. Todavia...

Perkins tomou um refrigerante no café situado do

outro lado da rua. Deu algumas moedas a um mendigo,

que lhe queixou suas mágoas com voz rouca e estridente,

afirmando que tinha filhos menores para sustentar. O

homem fez várias mesuras e, subitamente, entremeou seus

agradecimentos com algumas palavras bem mais

sugestivas.

— Não conhece mais os amigos, meu velho? Por

que será que Mercant resolveu enviar justamente você? O

representante do governo que viajará no avião é um dos

nossos. Trate-o bem. Oh, pai dos justos, exemplo celestial

de misericórdia humana, receba mil agradecimentos pelo

seu gesto bondoso. Meus filhos pedirão pelo senhor junto

aos antepassados. Que os deuses da fecundação abençoem

o senhor, que dispensou a um indigno como eu a graça de

poder beijar seus pés...

Perkins piscou para o mendigo. Depois se virou com

um gesto de desprezo. Atirou uma moeda sobre a mesa e

saiu do café.

O avião era um pequeno jato particular. Além do

piloto viajavam um representante do governo, um

engenheiro e Perkins. O luxo da pequena cabine indicava

que o aparelho se destinava a finalidades especiais. Era

dotado de deslizadores que permitiam o pouso em terreno

irregular e mesmo na água, pois os flutuadores esguios

impediriam seu afundamento.

As turbinas uivaram, mas o ruído foi se tornando

praticamente imperceptível à medida que o avião ganhava

altitude.

Abaixo deles, Pequim foi desaparecendo. O aparelho

tomou o rumo oeste. As planícies férteis foram ficando

para trás. Surgiram as primeiras montanhas e, depois, o

deserto cinzento e tórrido.

O representante do governo inclinou-se para frente e

bateu no ombro do engenheiro que estava sentado perto

de Perkins.

— Onde fica a região, Lan-Yu?

— A leste de Sutschou, nas proximidades do lago

salgado de Goshun. Mais ou menos no lugar em que teria

descido a nave espacial americana.

— São boatos — disse o engenheiro. Virou-se e

sorriu. — O senhor não acha?

— É claro que são boatos.

Com cerca de hora e meia de voo, já tinham

percorrido cerca de 1.300 quilômetros. Foi quando o

piloto abriu a portinha minúscula que dava para a cabine e

disse:

— A Diretoria de Controle de Voo de Pequim acaba

de dar ordem para regressar imediatamente. É proibido

sobrevoar a área que fica situada entre Ordos, Schan-Si, a

serra de Nan-Schan e Ning-Hsia. O lago de Goshun fica

exatamente no centro dessa área. Não informaram o

motivo da proibição.

Lan-Yu lançou um olhar em direção ao

representante do governo.

— O que significa isso? Pois o senhor obteve

autorização do governo para acompanhar-nos neste voo. E

devia saber que...

— Prossiga e desligue o equipamento de rádio —

24

Page 51: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

51

ordenou o representante do governo. — Não siga as

instruções.

— Tenho de deixar o receptor ligado por causa das

comunicações sobre o tempo. Além disso, sou obrigado a

transmitir nossa posição de cinco em cinco minutos.

O representante do governo olhou para Perkins. Este

deu um aceno de cabeça quase imperceptível e colocou a

mão no bolso do casaco.

— Desligue o equipamento — voltou a ordenar o

comissário. — Peço-lhe encarecidamente que daqui por

diante se atenha estritamente às minhas instruções. Se não

o fizer, as consequências correrão por sua conta. Não se

esqueça de que represento o governo. Desça junto ao lago

de Goshun. Quanto tempo ainda levará para chegar lá?

O piloto hesitou por um instante. Depois lançou um

olhar para o painel de instrumentos: — Dez minutos —

respondeu.

— Daqui a oito minutos deveremos iniciar a

manobra para aterrissagem. Até lá nada de mudanças de

rumo. Entendido?

— A responsabilidade será sua — disse o piloto,

enquanto confirmava com um movimento de cabeça, e

desapareceu.

O engenheiro Lan-Yu acompanhara o diálogo sem

dizer uma palavra. O sorriso desaparecera do seu rosto.

Seus olhos oblíquos estreitaram-se ainda mais. Percebeu

que Perkins, ou melhor, Alfons Hochheimer ainda estava

com a mão no bolso.

— Por que não segue as instruções do governo? —

perguntou, falando devagar. — Não vamos criar

problemas? A proibição deve estar relacionada com a

nave espacial pousada na área.

— Não tenho a menor dúvida — disse o

representante do governo. — Mas não se preocupe. Sei

perfeitamente o que estou fazendo.

— Para mim nada importa desde que encontremos o

urânio — disse Lan-Yu. Passou os olhos pela

impressionante caixinha metálica que se encontrava no

assento vago junto a Perkins. O aspecto da mesma era tão

impressionante que convencera o chefe da firma. — Só

faço votos de que realmente o encontremos.

Dali a cinco minutos o piloto voltou a aparecer.

— Temos um avião da Força Aérea à nossa frente.

Está dando ordem para regressarmos.

— Como é que o senhor vai saber disso, se não

mantém qualquer comunicação com eles?

— Tiros de advertência! — disse o piloto em tom

seco. Aparentemente ele não conhecia o medo.

— Ligue o aparelho de rádio. Irei até aí.

O representante do governo lançou um olhar

significativo para Perkins. Depois, foi à carlinga apertada,

fechando a porta atrás de si.

Perkins tirou a pistola automática do bolso e

apontou-a para Lan-Yu.

— Por acaso tem uma arma?

O engenheiro quase chegou a engasgar de susto.

Arregalou tanto os olhos que eles quase ficaram redondos.

Sacudiu a cabeça, enquanto fitava o orifício negro do

cano da arma.

— O que deseja que eu faça? — balbuciou.

— Quero que fique bem quietinho, com a boca

fechada. Se fizer de conta que nem existe, poderá sair são

e salvo desta aventura. Senão...

O silêncio significativo deixou a alternativa em

aberto.

— Mas, o senhor sozinho não vai conseguir...

— Não estou só. E agora não diga mais uma única

palavra. Devemos aterrissar daqui a pouco.

Na verdade, o avião começou a descer. O avião

militar se afastara depois de trocadas algumas mensagens

radiofônicas. Atravessaram a barreira aérea da Federação

Asiática e passaram bem baixo por cima de algumas

formações de tanques que recuavam. Subitamente, avistou

a Stardust bem à frente, junto à desembocadura do Morin-

Gol.

A nave espacial parecia solitária e abandonada.

Não se via qualquer sinal de vida perto dela. Apenas,

bem alto, um pontinho minúsculo destacava-se contra o

céu azul. Descrevia círculos como se fosse uma ave de

rapina que, a qualquer momento, precipitar-se-ia sobre

sua vítima.

Nem Perkins nem o outro agente que se encontrava

em sua companhia sabiam que esse ponto minúsculo era

um bombardeiro da Federação Asiática levando uma

bomba atômica que seria lançada contra a nave.

— Onde vamos aterrissar? — perguntou o piloto. O

representante do governo, que era um dos membros mais

competentes do serviço de espionagem ocidental, apontou

para o lado.

—Ali no deserto, perto da nave espacial. Faça o

avião parar a menos de cem metros da Stardust.

Entendido?

O piloto confirmou com um movimento de cabeça.

Descreveu uma curva bem ampla e preparou-se para

aterrissar. O aparelho foi descendo sobre o deserto. A

altitude não ultrapassava algumas centenas de metros. A

distância que os separava do ponto em que se encontrava

a nave foi diminuindo vertiginosamente. Faltavam poucos

quilômetros...

Nesse meio tempo, a bomba lançada pelo outro

avião foi caindo. O pontinho minúsculo parou de

descrever círculos e foi se afastando em linha reta.

Portanto, havia dois objetos que se aproximavam da

Stardust.

Perkins foi à carlinga, depois de ter amarrado Lan-

Yu na sua poltrona. O avião deslizou pelo solo pedregoso

em velocidade vertiginosa. Quando se encontrava a pouco

mais de dois quilômetros da Stardust, um segundo sol

surgiu repentinamente dois mil metros acima da nave. O

cogumelo atômico chamejante, que se ergueu a

pouquíssima distância e cujos gases incandescentes

deslizaram pela cúpula invisível, cegou seis pares de

olhos.

Ainda chegaram a sentir o choque produzido pelo

embate contra o anteparo energético.

Depois, não houve mais nada...

***

— Ei, Perry! Pounder está no aparelho. O homem

está muito nervoso.

Rhodan acenou a cabeça para Crest, com

quem estivera conversando.

— Com licença, Crest. Pretendo esgotar todas as

possibilidades.

No caso, a expressão “está no aparelho” era a menos

26

Page 52: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

52

adequada. A comunicação visual através do satélite era

perfeita. O rosto de Pounder na tela era tão nítido como se

estivesse olhando por uma janela. Os asiáticos não

interferiam mais nas transmissões, o que era sinal de que

não mais sabiam o que fazer.

Bell inclinou-se ligeiramente e fez um gesto em

direção à tela.

— Permita que o apresente: é o general.

Perry empurrou-o para o lado.

— General Pounder; comunico nosso retorno da

expedição lunar. A tripulação está bem. A Stardust não

está em condições de decolar em virtude de defeitos

mecânicos. Missão cumprida. Os resultados das pesquisas

científicas serão encaminhados ao professor Lehmann.

O general respirava com dificuldade.

— Rhodan, o senhor enlouqueceu? Quer fazer o

favor de explicar o motivo que o levou a pousar no

deserto de Gobi? O mecanismo de controle remoto

falhou? Podia ao menos ter tentado descer no oceano.

— O pouso neste local foi proposital.

— O quê? — o rosto de Pounder adquiriu uma

tonalidade vermelha bem viva. — O que está dizendo?

Foi proposital? Major Rhodan, o senhor não vai me dizer

que...

— Não vou dizer coisa alguma. Pelo menos, não o

que o senhor está pensando. Procurarei explicar...

— Não há nada a explicar — berrou Pounder a

plenos pulmões. — O senhor vai destruir imediatamente a

Stardust por meio da carga explosiva e entregar-se às

Forças da Federação Asiática. Entendeu?

Um brilho gélido surgiu nos olhos de Rhodan.

— Entendi general. Mas não cumprirei suas ordens.

— Não vai cumprir a ordem? — Pounder oferecia

um quadro assustador. O vermelho do seu rosto tornou-se

mais intenso. Bell, instintivamente, abaixou-se como se

temesse que a cabeça que aparecia na tela fosse explodir.

— Major Rhodan, lhe ordena que...

— General, permita-me dizê-lo que já não sou mais

major, e, por isso, nego-me a receber ordens do senhor.

Como vê, removi os distintivos do meu uniforme. Se

permitir, começarei a explicar.

O rosto do professor Lehmann tinha surgido perto de

Pounder. Nos seus olhos havia um brilho de curiosidade.

— Rhodan, será que nas crateras da Lua existem

vestígios de atmosfera e até mesmo restos de...

— Silêncio! — berrou Pounder e empurrou o

cientista para o lado. — Fale Rhodan! E procure ser

convincente, pois suas palavras decidirão se dentro de dez

horas teremos guerra ou não. A Federação Asiática está

convencida de que a Stardust não passa de uma base

americana colocada intencionalmente em seu território.

Se não for abandonada até amanhã, as relações

diplomáticas estarão rompidas. Acho desnecessário

salientar quais as consequências que advirão deste fato,

caso ele seja concretizado.

— Então as coisas já chegaram a este ponto? —

murmurou Perry assustado. — Nesse caso, não temos um

segundo a perder. Preste atenção, general. Pousamos na

Lua, conforme previsto, e descobrimos os restos de uma

civilização extraterrena. Não posso dar-lhe detalhes de

tudo o que encontramos, mas algumas indicações serão

suficientes. Para tranquilizar o professor Lehmann, diga-

lhe que a Lua nunca foi habitada, mas, há muito tempo,

posou lá uma nave exploradora tripulada por membros de

uma civilização interestelar. Esta nave ainda está intacta e

em seu bojo existe um arsenal que daria para destruir não

apenas a Terra, mas todo o sistema solar. Raios mortíferos

e anteparos energéticos, neutralizadores da gravidade e

campos anti- neutrônicos capazes de impedir toda e

qualquer explosão atômica são apenas alguns exemplos.

Além disso, existem armas manuais, cujos efeitos o

senhor nem seria capaz de imaginar. General, o senhor há

de compreender que eu não estava disposto a colocar esse

poder tremendo nas mãos de qualquer das nações da

Terra.

De um golpe, Pounder recuperou o sangue-frio.

— Acontece que pousou no território da Federação

Asiática. Há outras pessoas que estão escutando nossa

palestra. Logo, todo mundo saberá o que o senhor

descobriu na Lua. Expedições serão enviadas para lá e

haverá uma corrida frenética que decidirá quem há de

dispor do poder final. O senhor devia ter ficado calado.

— Quero que todo o mundo saiba — disse Rhodan,

sacudindo a cabeça. — Além do mais, ninguém pousará

na Lua, a não ser que eu queira. Não se preocupe general,

pois os asiáticos não conseguirão estas armas. Os russos e

os americanos também não. Só eu disponho delas. E

cuidarei para que ninguém inicie uma guerra que os

destruiria a todos.

— O senhor?

Estas palavras foram proferidas com tamanho

desprezo que Rhodan ficou rubro de raiva. Recuou um

passo e fitou o general com olhos frios.

— Eu, sim! O senhor já devia ter compreendido que

a política falhou. Há séculos os governos tentam evitar a

guerra quente. Uma ameaça segue-se a outra, uma

conferência a outra. A culpa não é apenas do bloco

oriental e da Federação Asiática, mas também do bloco

ocidental. Ninguém quer ceder; todos continuam a se

armar. Os foguetes com cargas atômicas estão

estacionados em todos os pontos do globo. Basta

comprimir um botão para dispará-los, o dispositivo

automático de que são dotados os conduzirá ao alvo.

Todavia, antes que possam atingi-lo, as armas de

retaliação serão acionadas do lado oposto. Os povos de

ambos os lados do mundo praticamente deixarão de

existir no mesmo instante. Há decênios defrontamo-nos

com essa visão macabra. Ninguém conseguiu conjurar o

perigo. Até hoje apenas o equilíbrio de forças tem

impedido a guerra. Mas, ai de nós se um dos lados se

tornar mais forte. Ver-se-ia obrigado a destruir o outro

lado para viver em paz. Nós faríamos isso, da mesma

maneira que os asiáticos. Compreende por que nenhum

dos blocos deve pôr as mãos na Stardust, que tem a bordo

algumas das armas extraterrenas?

Ouviu-se a respiração pesada do general.

— O senhor poderia ter prestado um serviço

inestimável ao seu país se...

— Se tivesse levado as armas para Nevada Fields?

Está enganado, general. A Federação Asiática e o bloco

oriental sentir-se-iam tão ameaçados que se lançariam a

uma guerra de extermínio contra o bloco ocidental. Não

poderiam agir de outra forma. Seria o fim da nossa

civilização. De qualquer maneira, agirei de acordo com

um plano que tracei, quer o senhor aprove, quer não.

— Que plano é esse?

Page 53: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

53

— Formarei uma terceira potência, que será neutra,

ficando equidistante dos blocos que se defrontam sobre a

Terra. Estamos em condições de transformar qualquer

foguete atômico que seja disparado em um projétil

inofensivo. Qualquer bomba atômica estalará no ar sem

produzir o menor efeito, como se fosse fogos de artifícios.

Repelirei qualquer ataque dirigido contra a Stardust parta

de onde partir. Vou...

Perry Rhodan parou de falar. Atrás dele, ouviu-se

um ruído. Virou-se. Bell segurava o braço de Fletcher que

entrara na sala de rádio.

— Não caia na conversa dele, general! — gritou

Fletcher. — Ficou doido. Os arcônidas com suas ideias

decadentes fizeram com que enlouquecesse. Opus-me à

aterrissagem neste local. Mas ele me ameaçou com a

pistola. É um amotinado.

Perry fez um sinal a Bell e deixou que Fletcher

terminasse. Finalmente, aproximou-se dele e colocou-lhe

a mão sobre o ombro.

— Escute Fletcher. O general pode ouvir o que

tenho a dizer. Talvez agisse da mesma forma se fosse

você. Acontece que não sou. Você é livre para deixar a

Stardust assim que o deseje. Não prendo ninguém. Mas

quero que, antes de ir embora, confirme perante o general

Pounder que na Lua encontramos armas que nos

permitem controlar o mundo. Não lhe diga mais nada, só

isso.

Fletcher hesitou. Fitou os olhos ameaçadores de

Bell. O técnico tinha na mão o bastão prateado do

irradiador psíquico. Perry lançou-lhe um olhar quase

gentil. Na tela, o rosto de Pounder espreitava a cena.

Confirmou com um aceno de cabeça.

— É verdade, general. Se Rhodan quiser, pode

destruir o mundo.

Abaixou a cabeça, virou-se e saiu da sala. Rhodan,

suspirando aliviado, dirigiu-se ao general.

— General, além do senhor, os homens que tomam

as decisões no bloco oriental e na Federação Asiática

ouvirão as minhas palavras. Quero acrescentar apenas o

seguinte: a extensão territorial da terceira potência é

muito limitada. Não deixe que este fato o engane.

Cumpram os meus desejos. E não se atrevam a levar ao

extremo as suspeitas que nutrem um contra o outro. Acho

que, a esta altura, já devem ter compreendido que a

Stardust não é uma base americana. Por outro lado, não

pousou aqui para cair nas mãos da Federação Asiática. E

o bloco oriental terá de abandonar as esperanças de colher

os despojos do conflito entre os dois outros blocos. Os

senhores poderão se comunicar comigo a qualquer

momento nessa faixa, e também usarei a mesma quando

tiver que entrar em contato com os senhores. Lamento o

ocorrido, general, mas acho que um dia o senhor me

compreenderá. Por ora só posso pedir que me

desculpasse.

Pounder fitou os olhos de Perry Rhodan, depois

acenou com a cabeça.

— Parei o possível, Rhodan. E espero em Deus que

Mercant concorde. O senhor o conhece!

Um sorriso estranho passou pelos lábios de Rhodan.

Ele compreendeu a advertência, mas esta já não o

assustava mais. Mercant passara a ser apenas um homem.

E Perry Rhodan não mais temia os homens.

3

De Washington para Pequim:

Conseguimos estabelecer contato com a Stardust.

Comandante Rhodan afirma estar de posse de armas

incríveis que teriam sido levadas à Lua por uma potência

extraterrena. Já não temos a menor influência sobre os

acontecimentos. Solicitamos seu pronunciamento.

De Pequim para Washington:

Acompanhamos palestra visualizada entre General

Pounder e Rhodan. Explicações inverossímeis — muito

fantásticas. Ultimato fica de pé. Prazo se esgotará daqui a

sete horas.

De Moscou para Washington:

Participamos da opinião do governo da Federação

Asiática. Também consideramos a presença de uma base

americana no deserto de Gobi como uma ameaça à paz

mundial. Mas, no caso de um conflito armado, Moscou se

conservará neutra.

De Moscou para Pequim:

Concordamos com a opinião do governo da

Federação Asiática. Também consideramos a presença de

uma base americana no deserto de Gobi uma ameaça à

paz mundial.

De Washington para Pequim e Moscou:

Voltamos a afirmar que o governo de Washington

não tem conhecimento de uma base americana no deserto

de Gobi. Ordenamos à tripulação da nave Stardust que se

rendesse. Sugerimos um encontro dos dirigentes das

nações interessadas.

A última nota americana não obteve resposta. Às

sete horas tão preciosas começaram a correr. Na Ásia, as

torres das rampas de disparo começaram a girar em

direção ao Oriente e ao Ocidente. Os monstros de aço

emitiram reflexos ameaçadores sob a luz dos refletores.

Page 54: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

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Homens corriam de um lado para outro. Depois, fez-se o

silêncio.

O quadro repetiu-se nas áreas de defesa do bloco

ocidental.

No bloco oriental, as torres das rampas de disparo

foram giradas de tal forma que abrangiam todos os

quadrantes do globo.

Nas três partes do mundo, um homem sentado bem

abaixo do nível do solo, contemplava um conjunto de

painéis de controle e instrumentos eletrônicos.

Comunicava-se com os postos de comando através de

telas de imagem. Sua mão descansava sobre a mesa junto

a um botão vermelho. Um botão que parecia falar-lhe de

uma destruição total e terrível para todo o gênero

humano; uma hecatombe que varreria todos os traços de

uma civilização.

Em dois outros lugares, sobre duas outras mesas,

dois outros homens esperavam; suas mãos perto dos

botões que dariam início ao caos.

***

Crest estava sentado na cama, recostado na parede

forrada de almofadas. Manoli aplicara uma injeção em

Fletcher que estava, agora, mergulhado em um sono

profundo. Bell encontrava-se na central em companhia do

médico, acompanhando as transmissões radiofônicas. De

meia em meia hora informava Rhodan do que acontecia

no mundo.

Aos poucos, Crest compreendeu as consequências

que sua presença na Terra desencadeara entre os homens,

embora estes nem tivessem conhecimento dele. Com um

ar pensativo e preocupado, disse:

— Rhodan, eu não consigo compreender, como seu

povo consegue resistir a esta tensão psicológica. Pelo que

você diz há decênios que seu mundo vive sob esta

atmosfera de suspense. Basta que alguém aperte um botão

para que a destruição seja lançada sobre a Terra. Por que

não houve, ainda, quem se erguesse contra este estado de

coisas? Por que não se formou um governo comum que

reunisse todos os arsenais para usá-los na defesa contra o

possível ataque de um agressor extraterreno?

Rhodan suspirou.

— Não há nenhuma resposta válida à sua pergunta,

Crest. Se houvesse, não viveríamos constantemente entre

a vida e a morte. Talvez nenhuma resposta seja possível

enquanto a humanidade estiver convencida de constituir a

única força deste sistema solar. Só tememos algo que seja

mais poderoso que nós. Os dois blocos mais poderosos da

Terra se equivalem em força e poder. O terceiro bloco

desempenha um papel secundário. Todo mundo sabe que

no caso da irrupção de uma guerra, os segundos serão

decisivos. Mas todo mundo sabe, também, que aquele que

for surpreendido pelo ataque, terá tempo ainda para

disparar os foguetes de retaliação antes que o país

mergulhe nos escombros e nas cinzas. A consequência

inevitável será a morte de ambos os adversários. Só o

conhecimento deste fato tem evitado a catástrofe.

— Começo a compreender o problema. Quando

minha civilização ainda era jovem, defrontou-se com as

mesmas dificuldades. Viveram mais de duzentos anos sob

o medo constante do aniquilamento total. Foi quando uma

população de insetos guerreiros vinda dos confins da Via

Láctea nos descobriu e desfechou um ataque contra nós.

Em menos de meia hora, os governos se uniram e

derrotaram o inimigo comum. Como o perigo

continuasse, a aliança foi mantida. Foi assim que nos

tornamos um povo unido e iniciamos a ascensão.

Perry Rhodan concordou com um aceno de cabeça.

Seus olhos reluziam.

— É a primeira vez que ouço essa história, mas,

apesar disso, ela não constitui novidade para mim. É a

única solução lógica dos problemas que surgem quando

um grupo de seres inteligentes descobre as armas

definitivas. A esta altura já deve compreender por que

tenho que agir da forma como estou agindo. Não é nada

agradável ser apontado como traidor pelos amigos e

superiores hierárquicos. Mas se me deixar levar pelos

sentimentos, o mundo estará perdido. Um dos blocos

poderia se apossar das armas e destruiria o outro.

Todavia, antes que conseguisse fazê-lo, o outro poderia

desencadear a ação suicida. Não Crest, eu vejo

perfeitamente o caminho que devo percorrer. Seu

problema é a resposta às minhas indagações. Você quer

recuperar a saúde. Vou ajudá-lo. Precisa de sobressalentes

eletrônicos. Vou consegui-los. Sua nave poderá decolar

em busca do planeta da vida eterna. É possível que acabe

se esquecendo de nós. Mas aproveitarei a sua curta

presença aqui para trazer a paz à Terra, a paz pela força.

De outra forma não é possível. Só o medo de uma

potência ainda maior fará com que as potências do nosso

planeta recuperem a razão. Acredito que poderei contar

com a sua ajuda.

— Farei o que estiver ao meu alcance. Mas, por

enquanto, não parece que sua atuação esteja tendo êxito.

Falta pouco para expirar o prazo do ultimato. E depois?

— Thora terá de intervir. O antepara energético e o

neutralizador da gravidade não foi suficiente para

convencer os asiáticos, de que se defrontam com

formidáveis inventos extraterrenos. E o meu pessoal do

ocidente acredita que tudo não passa de um blefe.

Portanto, é necessário que aconteça alguma coisa que

deixe patente para todos os interessados o poderio imenso

da terceira potência. Sua nave está estacionada na Lua. O

que pode ser feito de lá para que toda a humanidade fique

ciente do perigo que paira sobre ela? Não seria possível

erguer o rochedo de Gibraltar e fazer com que o mesmo

caia no mar a mil quilômetros de distância? Ou transferir

a Estátua da Liberdade de Nova Iorque para Pequim?

Quem sabe se poderiam paralisar todas as comunicações

radiofônicas do mundo?

— Poderíamos fazer tudo isso e, provavelmente,

seria conveniente dar uma demonstração bem visível aos

homens. Pense no assunto e avise-me da sua decisão.

Thora fará aquilo que eu lhe pedir. De minha parte sugiro

a utilização de um raio energético. Escolha uma região

não muito afastada, mas despovoada. Previna os homens.

Avise-os de que dentro de duas horas, isto é, três horas

antes do término do ultimato, queimará as areias do

deserto, produzindo um funil de cinquenta quilômetros de

diâmetro. Previna-os que se não agirem de acordo com os

seus desejos, o raio será dirigido contra zonas habitadas.

Acho que isso bastará para convencê-los.

Um sorriso se esboçou no rosto de Rhodan. A

insensibilidade aparente, porém, ocultava uma

preocupação sincera com o futuro da espécie humana.

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55

Sabia que não havia nenhum argumento que pudesse

incutir bom senso na mente dos guardiões das ideologias.

Só um choque seria capaz de tanto. Estava disposto a

aplicar a terapia de choque no mundo.

— Acredito que sim — respondeu. — Acha que

Thora está disposta a nos ajudar?

— É obrigada a ajudar, quer queira, quer não. O seu

orgulho diante de uma raça inferior é tamanho que a faz

esquecer de que também já atravessamos este estágio: os

estágios de evolução de D a A. Talvez tenha sido a época

em que nossa civilização foi mais produtiva. Éramos

jovens e ativos. Amávamos o progresso e a novidade.

Hoje tudo mudou. Somos degenerados e presunçosos.

Vou usar de franqueza, Rhodan. Às vezes, quando penso

na nossa semelhança exterior, chego a ter ideias bem

estranhas. Se combinássemos o espírito de sua raça com o

da nossa, se uníssemos a sua vitalidade ao nosso saber,

poderíamos dominar o Universo...

Os olhos de Perry Rhodan perderam o brilho duro.

Vagaram numa distância ignota, que se media por

eternidades. Sem que percebesse, seus punhos se

cerraram, os dedos voltaram a se distender. A imagem do

futuro desenrolou-se diante do seu espírito como uma

visão instantânea.

Os homens e os arcônidas — uma só raça. A

iniciativa e o espírito de aventura aliados a um saber

vetusto e a uma tecnologia inimaginável. Naves espaciais

que se deslocavam a velocidade superior à da luz,

tripuladas por homens e mulheres ávidos de ação,

penetravam nos recantos mais profundos da Via Láctea,

descobriam novos mundos, fundavam colônias e

impérios. O comércio interestelar proporcionava um bem-

estar indescritível. Surgia um novo império galáctico.

Surgia uma nova raça...

Talvez Crest imaginasse o que se passava na mente

de Rhodan. Um sorriso de sabedoria aflorou-lhe aos

lábios.

— Ainda nos encontramos no começo, Perry

Rhodan. Você representa o gênero humano; eu, os

arcônidas. Você precisa do nosso auxílio; nós, do seu. É

um pacto, podemos chamá-lo assim, nascido da

necessidade comum. Mas acredito que, futuramente,

cheguemos a uma união em prol do interesse mútuo,

fundada na razão. Até é possível que a Terra seja o

planeta da vida que estamos procurando, pois o

rejuvenescimento traz consigo uma vida mais longa.

— Antes de qualquer coisa, devemos preparar o

início, Crest. Depois poderemos falar sobre o resto. O

mundo que pode trazer-lhe a saúde está prestes a soçobrar.

O ódio mesquinho e a desconfiança egoísta, a falta de

respeito pelas opiniões alheias, à obstinação com que são

mantidos certos princípios preestabelecidos, foi isso que

nos conduziu à situação atual. Antigamente o temor a

Deus obrigava os homens a serem honestos e tolerantes.

Hoje, esses resultados só podem ser alcançados através do

medo incutido por ameaças palpáveis. Portanto, peça a

Thora que dirija o raio energético para a África do Norte,

a cerca de cinco graus de longitude leste, na altura do

Trópico de Câncer. O raio deverá atingir a vertente norte

da serra de Ahaggar. Expedirei um aviso para que a região

seja evacuada imediatamente, embora, pelo que sei, esteja

praticamente desabitada.

— A demonstração não deixará de produzir efeito —

prometeu Crest. — Convém salientar, no seu aviso, que se

trata de uma das operações mais inofensivas do nosso

arsenal.

***

A estação receptora da patrulha chefiada pelo

tenente Durbas estava captando notícias alarmantes,

vindas de todas as partes do mundo. Subitamente as

transmissões em todas as faixas foram superadas por uma

emissora desconhecida. O radiotelegrafista procurou, em

vão, controlar o seu aparelho, mas, mesmo com o mínimo

de volume, a voz de Perry Rhodan era ouvida num raio de

duzentos metros.

“Aqui fala Perry Rhodan, representante do Terceiro

Poder da Terra. Uma vez que o mundo se prepara para a

guerra que trará o fim da espécie humana, não quero

deixar de formular uma última advertência. Por meio dela

provarei que a nação ou Estado que disparar o primeiro

foguete atômico será destruído imediatamente. Dentro de

cento e quinze minutos surgirá uma cratera de cinquenta

quilômetros de diâmetro no deserto do Saara, ao norte da

cordilheira de Ahaggar. O fenômeno terá origem num raio

energético expedido da Lua. Pede-se a todas as pessoas

que se encontrem na região indicada que se afastem o

mais possível do centro do alvo. Uma vez realizada a

demonstração, as potências mundiais disporão de três

horas para reconsiderar as suas posições. É tudo.”

O radiotelegrafista cravou os olhos no receptor;

estava atônito. O tenente Durbas, que se levantara e

chegara mais perto, fez a mesma coisa.

— O que foi isso? — perguntou depois de algum

tempo.

— Perry Rhodan, aquele cosmonauta que pousou na

Ásia. Dizem que está colaborando com a Federação

Asiática. Também se fala a respeito de novas armas que

ele teria trazido da Lua.

Os homens da patrulha do deserto reuniram-se.

Estavam indecisos. O veículo estava parado à sombra de

um oásis. O motorista olhava para leste.

— A cordilheira fica logo ali. Será que nos

encontramos a uma distância segura?

O tenente Durbas mostrou-se contrariado.

— Até parece que você está acreditando nessa

bobagem, Hassan! Um raio energético vindo da Lua! Será

que não podiam inventar outra coisa?

O radiotelegrafista sacudiu a cabeça, estava

pensativo.

— Deve haver algo de verdade nisso, tenente. Captei

algumas noticias. Dizem que esse Rhodan cobriu sua nave

com uma cúpula feita exclusivamente de energia. Nem

mesmo uma bomba atômica poderia atingi-la.

— São contos de fada. Não se pode acreditar em

tudo o que diz o nosso pessoal, o que dizer quando se

trata dos amarelos? Fundir uma cratera no deserto! Que

tolice! O que diz o Forte Hussein?

— Estabelecerei contato imediatamente.

O Forte Hussein recomendou que a patrulha seguisse

a advertência.

— Está bem — gemeu. Durbas, lançando um olhar

saudoso para o bosque sombrio. — Vamos recuar para o

oeste. Esse calhambeque faz quarenta quilômetros por

hora. Acho que isso é suficiente.

Page 56: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

56

Quinze minutos antes da hora marcada para a

demonstração, estavam abrigados atrás de uma elevação

do solo, lançando olhares impacientes em direção a leste.

Admiraram-se dos numerosos aviões que, subitamente,

começaram a circular bem acima deles. Próximo ao local

em que se encontravam, pousou um helicóptero da

Central de Informações Leste com seus aparelhos de

registro. Bem perto dali, uma pacata câmera de televisão

da Federação Asiática focalizava a região demarcada por

Rhodan. Dos americanos, nada se via. Talvez estivessem

mais ao norte.

Faltavam dez minutos.

Um círculo bem amplo formara-se em torno da área

ameaçada. Os presentes não acreditavam muito naquilo

que talvez fosse acontecer dali a pouco, mas ninguém

queria perder a chance de assistir a um espetáculo como o

que se prometia. Tratava-se, na verdade, de um espetáculo

desencadeado por um poder estranho.

Passaram-se cinco minutos.

Durbas tocou no braço do cabo Abbas.

— Dentro de uma hora ficará escuro. Tomara que

esse Rhodan não demore muito. Aliás, recebemos ordem

para regressar imediatamente ao Forte. Deve estar

acontecendo alguma coisa.

— Será que é a guerra?

— Como vou saber? Pensando bem, desde 1945

encontramo-nos numa espécie de guerra.

O tenente olhou para o relógio.

— Está na hora — murmurou e olhou para o leste.

No mesmo instante, porém, fechou os olhos. As demais

pessoas que se encontravam por ali fizeram a mesma

coisa.

Foram ofuscados por uma extensa cortina de luz que

se precipitou do céu azul e atingiu a areia do deserto a

cerca de trinta quilômetros dos observadores. Continuava

visível mesmo através das pálpebras fechadas. A origem

do raio perdia-se no céu, aonde ia se estreitando

progressivamente. Mais exatamente, localizava-se no

ponto em que se situava a Lua, invisível há essa hora.

Uma onda de calor passou por cima dos homens

assustados. As câmeras de televisão, porém, continuaram

a zumbir, transmitindo o fenômeno diretamente para

todos os quadrantes do mundo. Um raio incandescente

brilhou nas telas de imagens dos centros de informações.

Um dos aviões, que se aproximou demais da zona de

perigo, foi colhido por um imenso turbilhão que o

arrastou para o interior do raio energético. No mesmo

instante, foi transformado numa gigantesca gota de metal

fundido que se evaporou depois de alguns instantes de

queda.

O raio pousou sobre o deserto por apenas um

minuto. Depois, apagou-se.

Parecia que, era noite. O Sol, que ainda há pouco

emitia um brilho tão intenso, agora parecia uma estrela

agonizante, embora estivesse bem acima do horizonte.

Sua luz era pálida e avermelhada. Podia-se contemplá-lo

com os olhos bem abertos.

No lugar em que o raio tinha tocado o solo, já não

havia deserto. Uma cratera abria-se entre a areia e as

rochas. Não se via o fundo. As bordas estavam

incandescentes. Bem embaixo, percebia-se um brilho

avermelhado. Vapores erguiam-se das profundezas do

inferno recém-criado.

Só de avião a cratera podia ser abrangida com o

olhar. Era gigantesca. Formava um círculo perfeito, como

se tivesse sido traçada a compasso.

Durante três horas o mundo conteve a respiração. O

momento em que expirava o prazo do ultimato chegou —

e passou.

Três botões vermelhos deixaram de ser tocados...

***

O tenente Klein chegou a Pequim por um caminho

mais longo que o habitual. De acordo com as ordens que

recebera, entrou em contato com o número dois, que lhe

forneceu novas instruções. A missão a ser cumprida

parecia impossível, mas tinha que ser tentada. Perry

Rhodan representava um perigo para todo o mundo.

Quem conseguisse remover esse perigo conquistaria fama

imorredoura, pouco importava a nação a que pertencesse.

A missão exigia a mobilização de todas as energias da

pessoa encarregada de cumpri-la, além de uma coragem

extraordinária.

No entanto, havia uma circunstância que a fazia

parecer mais fácil. O próprio Mercant fornecera a Klein

uma indicação de suma importância.

— Preste atenção, Klein! Rhodan não poderá ser

eliminado com os meios usuais. Só existe uma

possibilidade: a traição. Não se preocupe com os aspectos

morais, pois Rhodan também nos traiu. Você terá que

romper o anteparo energético. Como fazê-lo é problema

seu. Há outro detalhe: você não está só. Há agentes do

bloco oriental, e também da Federação Asiática que estão

lidando com o mesmo problema. Não é impossível que a

tarefa comum acabe por conduzi-los a certo tipo de

entendimento. Enquanto a Stardust não tiver sido

destruída, os agentes da Federação Asiática e de Moscou

serão seus colegas. Boa sorte!

Klein precisaria de sorte e, até aquele momento, ela

não o deixara em falta. Em Kalgan, a 120 quilômetros a

noroeste de Pequim, onde procurou conseguir um

automóvel através de dinheiro e promessas, teve a sua

atenção despertada por um chinês, que já tinha visto três

vezes no mesmo dia. O rapaz observava-o; não tirava os

olhos dele.

Comprou um carro capaz de trafegar em terreno

difícil e providenciou alguns mantimentos e outras

provisões, uma barraca com os respectivos equipamentos

e tudo o mais de que precisava para uma pequena

expedição. As estradas se encontravam em boas

condições, mas estavam sendo vigiadas.

Mandou pintar no veículo, em letras enormes, umas

palavras que o colocariam a salvo de qualquer suspeita:

Viagem Experimental Realizada sob o Patrocínio do

Exército. Seus documentos diziam que era engenheiro.

Devia verificar se o veiculo se prestava ao transporte de

tropas pelo deserto e pelas montanhas.

Ao sair da cidade, procurou em vão pelo chinês

suspeito. Provavelmente desistira do seu intento. Por que

e quais as suas intenções, Klein não sabia.

“Essa gente tem um interesse todo especial por

estrangeiros”, murmurou enquanto se desviava de um

veiculo que vinha em sentido contrário. “Mas não pareço

tão rico assim. O que é que se poderia roubar de um

engenheiro no campo?”

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57

Pelo fim da tarde, passou pela cidade de Kwai-Hwa,

indo pela estrada que seguia junto à Grande Muralha. Não

podia saber que naquele mesmo instante o chefe do

Serviço de Defesa da Federação Asiática, Mao Tsen,

encontrava-se na longínqua Pequim, sentado diante de um

receptor que lhe fornecia a localização exata do pretenso

veículo experimental. O chefe do Serviço Secreto, major

Butaan, estava sentado ao seu lado, sorrindo.

— O tenente Li Shai-tung é um dos meus melhores

agentes — disse Butaan cheio de orgulho, como se aquilo

representasse uma realização exclusivamente sua. —

Logo descobriu esse americano e não o perdeu de vista.

Estou curioso para ver se é correta a sua teoria, segundo a

qual os outros cooperariam conosco se realmente a

Stardust não fosse uma base americana, o que, a esta

altura, parece bastante provável. Se o bloco ocidental

dispusesse de uma arma como o raio vindo da Lua, já

teríamos deixado de existir. Li foi informado de que a

Stardust deve chegar às nossas mãos, intacta?

— Foi devidamente instruído — confirmou Mao

Tsen com um gesto comedido. Estava prestando atenção à

voz fina vinda do alto-falante: — Ah, o americano

resolveu prosseguir viagem. Daqui a pouco deverá chegar

ao Hwang-Ho. É possível, até, que atinja a localidade de

Pau-tou, a não ser que prefira passar a noite num

acampamento ao ar livre.

Klein não sabia que, no quartel-general do Serviço

Secreto da Federação Asiática, sua rota estava sendo

traçada, com toda a precisão, em um mapa. Era como se

ele transmitisse periodicamente sua posição.

Só quando parasse, ele ficaria sabendo que tinha

sido acompanhado.

A lua minguante já se aproximava do horizonte sob

o qual o sol se escondera. À sua esquerda, brilhavam as

águas de um rio que deslizava lentamente. A estrada era

ladeada por moitas de arbustos que se estendiam até a

margem do rio.

Klein encontrou um espaço livre e dirigiu o carro

para lá. Prosseguiu mais alguns metros até chegar a um

lugar que lhe pareceu apropriado. O carro ficou abrigado

entre a vegetação e as rochas, junto ao rio.

O tenente espreguiçou-se e saiu do carro. Fazia

calor, mas, assim mesmo, uma fogueira não seria má. Não

armaria a barraca e um café quentinho lhe faria bem.

Depois, estenderia algumas cobertas na parte do veículo

destinada à carga e dormiria lá.

— Vamos descansar? — perguntou uma voz atrás

dele num inglês horrível. — Calma! Não faça nenhum

movimento precipitado, meu amigo. Estou segurando

uma arma. Vire-se devagar, bem devagar.

Klein acabara de colocar alguns pedaços de lenha

bem seca sobre as chamas que pareciam ávidas por se

alimentarem. A luz produzida pela fogueira permitia-lhe

reconhecer o rosto do seu interlocutor. Naturalmente era

aquele rapaz obstinado, que já lhe despertara a atenção em

Kalgan. Encontrara uma oportunidade para se esconder no

interior do veículo.

Tudo isso não seria tão mau assim se o sujeito não

lhe apontasse uma pesada pistola automática apoiada em

um dos braços. Klein olhou para o orifício ameaçador do

cano daquela arma perigosa, cujos projéteis tinham carga

explosiva suficiente para danificar um carro blindado de

tamanho médio.

— O que deseja? — perguntou Klein. — Para um

vagabundo, seu equipamento é muito moderno. Tome

cuidado, meu velho, pois este veículo é do governo.

— De que governo? — disse Li Shai-tung com um

sorriso misterioso. — Do americano? Vamos, mostre logo

suas cartas. Qual é a sua missão? Talvez possamos chegar

a um acordo.

Klein apontou para o fogo.

— Vamos sentar?

— Está armado?

— Está interessado em um acordo ou prefere falar

comigo de pistola na mão?

Li hesitou.

— Estou em situação de vantagem. Não teria

dúvidas em renunciar à mesma se soubesse que você está

sendo sincero. Quero que responda a uma pergunta

minha. Só depois disso poderei aceitar o seu convite e

confiar em você. Qual é a sua missão? Quem é o seu

chefe? Conheço as respostas através das pessoas que me

enviaram para cá. Se coincidirem com as suas...

Foi descendo do carro, mas continuou com a arma

apontada para Klein. Este refletiu por um instante.

Lembrou-se do que Mercant lhe havia dito e, subitamente

percebeu que ele estava com razão: era necessário que

colaborasse um com o outro.

A evolução dos acontecimentos já começava a

delinear a trilha sonhada por Perry Rhodan. Era ainda

muito tênue, muito insignificante, começava bem por

baixo. Um dia, porém, abrangeria a Terra se os agentes

não conseguissem destruir a Stardust.

— Meu chefe é Allan D. Mercant, chefe do

Conselho Internacional de Defesa do Ocidente. Minha

missão consiste em destruir a nave espacial Stardust. Isso

basta?

Li concordou com um movimento de cabeça depois,

abaixou a arma. Por uns momentos, continuou a segurá-

la, indeciso; acabou atirando-a na parte traseira do

veículo. Foi até a fogueira e apertou a mão de Klein,

sentando-se em seguida.

O tenente engoliu em seco. O gesto representou uma

reação destinada a disfarçar a admiração que nutria pelo

outro. Sentou, também. Ao pé dos dois, o fogo espalhou

um calor agradável. A água começou a ferver na chaleira.

— A sua missão só difere da minha em um ponto —

admitiu o chinês depois de uma pausa prolongada. —

Você recebeu ordens para destruir a Stardust, ao passo que

eu devo evitar isso de qualquer maneira. Acredito, porém,

que, oportunamente, ainda chegaremos a um acordo. No

momento, nossos objetivos são idênticos: impedir que

Perry Rhodan possa impor sua vontade ao mundo. Será

que interpretei corretamente as suas intenções?

Klein confirmou com um gesto de cabeça.

— Nesse caso — continuou Li — poderemos

colaborar um com o outro, até que Rhodan tenha sido

posto fora de combate... Aquilo que virá depois ainda está

muito longe. Vamos fazer um acordo. Queira formular sua

proposta.

O tenente Klein nem chegou a compreender o

grotesco da situação. Dois agentes que trabalhavam para

potências inimigas uniam-se para eliminar o elemento

mais poderoso. Ainda há poucos dias, sua rapidez no

manejo da arma decidiria qual dos dois conseguiria

sobreviver. Já agora tudo estava mudado. O temor

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58

infundido pela misteriosa terceira referência transformara

os inimigos em amigos que se mantinham numa atitude

de expectativa.

— Você me garante que não me entregará às

autoridades do seu país, nem mesmo depois que tivermos

atingido nosso objetivo. Em compensação,

oportunamente, quando chegarmos ao local em que se

encontra a Stardust, revelo-lhe como pretendo fazer para

atravessar a cúpula energética. Está de acordo?

Li apertou a mão do americano.

Cinco dias depois, deixaram a rodovia na altura de

Hang-Shou, e avançaram pelo deserto de Gobi, em

direção ao norte. Deixaram para trás as montanhas e o rio.

Dali em diante; só encontraram alguns lagos salgados e

pequenos regatos. A vegetação foi se tornando cada vez

mais escassa. A paisagem refletia as características do

deserto.

A cinquenta quilômetros do destino, foram detidos

por uma unidade blindada do exército asiático. Foi Li

quem salvou a situação. Uma mensagem radiofônica

expedida para Pequim produziu um verdadeiro milagre.

Os dois agentes foram liberados com muitos pedidos de

desculpas. O comandante da unidade, em meio a inúmeras

mesuras, desejou êxito completo ao senhor Klein e seu

amigo chinês.

A situação foi se tornando cada vez mais estranha.

Até parecia nunca ter havido qualquer conflito entre o

Oriente e o Ocidente. O temor do inimigo comum

revelou-se capaz de cimentar uma unidade sólida até

mesmo entre ideologias que se opunham ferozmente.

Ainda por duas vezes tiveram que atravessar o

cordão de isolamento estabelecido pelo exército. Klein

começou a indagar de si para si por que estava dirigindo

aquele caminhão. Podia ter pedido que o levassem num

helicóptero do exército; e era indiferente que o aparelho

pertencesse à Federação Asiática, ou aos países do bloco

ocidental. Mas lembrou-se de que tinha que enganar

Rhodan. Se é que este fosse se deixar enganar com

facilidade...

***

O capitão Reginald Bell desligou o motor. Os dois

reatores zumbiram mais algum tempo. Depois pararam.

— Então? — perguntou Perry. — Tudo em ordem?

— Está! E o tanque está quase cheio. Não será difícil

cobrir os dois mil quilômetros até Hong Kong, desde que

eu possa reabastecer no caminho. A próxima parada será

em Bornéo. Depois, terei que alcançar a Austrália.

Fletcher saltou nervosamente de um pé para o outro.

Nos seus olhos havia um brilho fraco. Já esquecera a

Stardust, que se encontrava a apenas cem metros de

distância. Só via o helicóptero que ia le­vá-lo de volta à

civilização. Chegado lá, encontraria uma possibilidade de

retornar aos Estados Unidos, onde a esposa o esperava.

Não sabia como tinha chegado ali. Só se lembrava

do seu nome e do da cidade em que sua esposa morava. O

hipnobloco, que Crest aplicara em torno do seu centro de

memória com o auxílio do psicoirradiador, apagara quase

todos os fatos anteriores. Ninguém conseguiria arrancar

nada de Fletcher: era um homem que não tinha mais

passado.

Rhodan o prevenira, mas Fletcher limitara-se a

abanar a cabeça.

— Serei o único responsável pelo que acontecer;

você não terá nada com isso. Quero voltar para junto de

minha esposa. É só. E, agora, leve-me para junto de Crest.

Meia hora depois estava tudo terminado. Bell saltou

para o helicóptero e acenou para Rhodan.

— Confie em mim, meu velho. Deixarei Fletcher em

Hong Kong ou em Darwin. Depois, arranjarei as peças

sobressalentes e o soro antileucêmico. Dentro de uma

semana estarei de volta. Lembranças para Eric e Crest.

— Cuidado para que não o derrubem!

— Este helicóptero é do Exército. Além disso, levo

comigo o neutralizador de gravidade, cujo alcance chega

a dez quilômetros. Isso sem falar no irradiador manual. As

outras invenções também serão úteis. Em troca delas,

conseguiria continentes inteiros. Pense apenas nos

pequenos geradores de energia. São do tamanho de uma

caixa de charutos, mas fornecem, por um século,

ininterruptamente, duzentos watts. Entre, Fletcher.

Enquanto o astrônomo se espremia por entre as

caixas, na parte traseira do helicóptero, Bell se despedia

do amigo.

— Desligue o anteparo energético no momento

exato em que eu atingir altitude suficiente. Alguns

segundos devem bastar. Depois volte a fechar a nossa

quitanda. Daqui a uma semana estarei de volta. Não se

preocupe. Até a volta!

Perry retornou à sala de comando da Stardust.

Quando o helicóptero ganhou altitude e chegou perto do

teto da cúpula energética invisível, ele empurrou uma

chave durante cinco segundos. Bell já estava do lado de

fora.

O helicóptero tomou rumo sul. Deslocava-se a baixa

velocidade. Passou por algumas formações de carros

blindados e, pouco depois, chegou à vertente oriental das

montanhas de Richthofen. Tomando o rumo do sudoeste,

prosseguiu a uma altitude de mil e quinhentos metros.

No fim da tarde, foi atacado sem qualquer aviso por

um avião de caça.

Não sabia como explicar o incidente. Talvez alguém

o tivesse visto decolar. Mas, se fosse assim, não o teriam

deixado em paz por tanto tempo.

O pequeno aparelho surgiu de repente. Vinha em

sentido contrário e ligeiramente para o lado. Estava

girando, utilizando todo o seu poder de fogo. Os projéteis

chamejantes passavam muito à esquerda, antes que o

piloto pudesse corrigir a pontaria, já havia passado pelo

helicóptero. Descreveu uma curva ampla e atacou pelo

flanco.

Bell já conseguira dominar a surpresa. Deixou que o

helicóptero seguisse o mesmo rumo, regulou o irradiador

manual para meia intensidade e, depois, dirigiu-o sobre o

avião que se aproximava a uma ve­locidade vertiginosa.

“Está na hora de mostrar o que você sabe fazer”,

disse para si mesmo. Com os nervos tensos, acrescentou:

“Suba. Ganhe altitude e suspenda o fogo!”.

No mesmo instante, as línguas de fogo que saíam do

bojo e do bordo de ataque das asas do avião

desapareceram. O caça empreendeu uma subida quase

vertical.

Bell abaixou o irradiador. Lembrou-se, muito tarde,

de que era necessário transmitir outra ordem ao piloto. A

distância era de três, e, logo, quatro quilômetros. Não

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59

havia como vencê-la.

O caça continuou sua subida louca. E continuava a

subir quando já fora do alcance visual de Bell. O

combustível se esgotava. O piloto, semiasfixiado,

continuava a cumprir a ordem recebida. Subiu até que

todo o combustível fosse consumido.

Por um segundo, o aparelho pareceu imóvel, depois,

começou a cair. Foi descendo em parafuso até espatifar-se

contra os rochedos de Tsingling Chan.

Bell sentiu-se abalado. Começava a compreender o

poderio imenso que representava esse irradiador de

aspecto tão inofensivo se utilizado de forma conveniente.

Devia ter dado uma ordem diferente ao piloto. Mas como

tomar uma decisão em uma fração de segundo?

Aterrissou num pequeno aeroporto militar perto de

Chun-king. Ainda faltavam mil quilômetros para Hong

Kong.

No início, ninguém lhe deu atenção. Mas, como

ficasse parado e não descesse do aparelho, um jipe

aproximou-se. Dele, saiu um oficial de alta patente e

acercou-se do helicóptero.

— Por que não comunicou a sua chegada à torre do

controle? — indagou. Quando, porém, viu o rosto de Bell,

que jamais poderia ser confundido com o de um chinês,

acrescentou: — Quem é o senhor?

O mínimo que Bell podia fazer era rir. Tinham lhe

dito que, aqui, se sorria constantemente.

— Não entendo uma única palavra do que o senhor

está dizendo — respondeu em inglês. Depois, dirigindo o

irradiador sobre o oficial, prosseguiu: — Sou o marechal

Roon. Preciso de combustível. Providencie. E rápido, por

favor!

O motorista do jipe também fora incluído no

tratamento. O oficial prestou-lhe continência e entrou no

jipe que se afastou em alta velocidade.

Bell sorriu e esperou. Virou-se para Fletcher que

acompanhava tudo sem o menor interesse. Mantinha os

olhos fechados.

— Coitado! — murmurou Bell.

Dali a poucos minutos, chegou um caminhão-tanque

e parou perto do helicóptero. Já ia escurecendo. Ninguém

se preocupou com os dois homens sentados na cabine.

Uma vez cheio o tanque e colocados alguns galões extras

em tanques de reserva situados no compartimento de

carga, o chefe do grupo comunicou o término da

operação.

Bell deu partida no motor e cumprimentou com um

gesto condescendente. Ao subir para o céu vermelho,

ainda chegou a ver os olhos arregalados dos chineses.

Mais tarde, o verdadeiro marechal Roon jamais

conseguiria explicar como o capitão Finlai, que o

conhecia pessoalmente, jurou perante a Corte Marcial tê-

lo visto em pessoa na Base Aérea de Chun-king. Ao que

se sabia, ninguém podia estar em dois lugares ao mesmo

tempo.

Ou será que podia?...

Era estranho.

4

Foi justamente num lugar situado a dez quilômetros

da Stardust que uma firma da Mongólia, autorizada pelo

governo de Pequim, iniciou a montagem das instalações

destinadas à extração de sal das águas do lago de Goshun.

Os tratores abriam sulcos enormes nas margens

arenosas do lago e as dragas removiam a terra. Formaram-

se bacias imensas que se encheram com a água do lago

até que essas atingissem um metro de altura, não mais.

Alcançado esse ponto, fechavam-se as comportas. O sol

evaporaria a água e só restaria o sal. Fileiras imensas de

caminhões estavam prontas para transportar o produto até

a Mongólia, que pertencia à zona de influência de

Moscou.

Klein e Li viram-se obrigados a guardar um período

de descanso para não chamarem a atenção. Por mais

estranhos que lhes parecessem os grupos de trabalhadores

que desenvolviam uma atividade intensa, não havia

motivo para que não estivessem ali. Oficialmente, a luta

contra a Stardust havia sido suspensa. As bombas

atômicas detonadas no lugar eram livres de radiação e,

por isso, não deixavam qualquer efeito nocivo no terreno.

As tropas haviam sido retiradas das áreas adjacentes à

nave espacial.

O engenheiro-chefe da firma, Ilia Rawenkow,

cumprimentou os visitantes inesperados com

extraordinária cordialidade. Falava chinês fluentemente.

— O que os traz a esta região solitária? — indagou,

depois de tê-los convidado para uma xícara de chá. — Já

pensávamos que levaríamos meses sem ver qualquer

outro ser vivo. Permitam que faça a apresentação: este é

Peter Kosnow, procurador da empresa.

Os dois russos causaram boa impressão. Mas havia

alguma coisa nos seus olhos — ou melhor, atrás de seus

olhos — que recomendava cautela.

— Estamos testando um veículo de transporte para o

exército — respondeu Li em tom bastante convincente. —

Acho que esta região se preta bem para isso. O

engenheiro Klein está me acompanhando. Vive na

Federação Asiática há quinze anos.

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60

Rawenkow e Kosnow olharam-se rapidamente.

— Que interessante! — um sorriso cortês aflorou

aos lábios de Rawenkow. — Não considera muito

estranho, que tantas vezes europeus e até americanos

venham aos nossos países e cooperem conosco? O fato é

que não há fronteiras quando se trata de interesses

econômicos.

Li estreitou os olhos.

— É verdade que se trata apenas de vantagens

econômicas? — disse, espaçando bem as palavras.

O russo — percebia-se a dez quilômetros que tanto

ele quanto Kosnow não eram mongóis — olhou

involuntariamente na direção em que se encontrava a nave

espacial, oculta por uma elevação.

— O que quer dizer com isso? — disse, para ganhar

tempo.

A expressão no rosto de Li não se alterou. Seguiu o

olhar do russo e disse em tom casual:

— Se não me engano, ali não existe nenhuma região

salineira. Por que será que só agora tiveram a ideia de

iniciar a utilização econômica do lago de Goshun?

— Afinal, onde está querendo chegar? — disse

Rawenkow em tom impaciente. Mal conseguia disfarçar o

nervosismo.

— À união dos antigos adversários — disse Li com

um sorriso e sorveu calmamente o chá de sua xícara. —

Será que você quer me convencer que está aqui por puro

acaso? Logo ali, a menos de dez quilômetros de distância,

encontra-se a Stardust. Ela vale mais que todos os lagos

salgados do mundo. E desde quando existem russos que

trabalham para a firma da Mongólia? Você não me vai

dizer que é russo, não é Rawenkow?

Kosnow fez um movimento imprudente. Seu rosto

não parecia muito inteligente quando viu a pistola de

Klein apontada diretamente para o seu rosto.

— Que é isso? Para que tanta precipitação? —

censurou Li com a voz suave. — Somos bons amigos,

Kosnow, faça o favor de esquecer a pistola que traz no

bolso. Klein guarde a sua. Seria ridículo se não

pudéssemos nos unir em face de um inimigo comum. Não

estou com a razão, Rawenkow?

O russo acenou levemente a cabeça.

— Como conseguiu descobrir nossa missão tão

depressa? Até hoje todo mundo viu em nós apenas os

representantes da firma da Mongólia.

— Talvez porque sejamos colegas — disse Li

amistosamente. — O nome do seu chefe não é Ivan

Martinovitch Kosselow?

Os dois russos ficaram de boca aberta. Confirmaram

com um aceno de cabeça.

— Pois então? — prosseguiu Li. — Quer dizer que

estamos de acordo! Posso fazer a apresentação definitiva?

Este é o tenente Klein, do Conselho Internacional de

Defesa do Ocidente. Eu sou o tenente Li Shai-tung.

Finalmente os representantes das três grandes potências

estão sentados em torno da mesma mesa, embora se trate

de uma mesa tosca e cambaleante no deserto de Gobi.

Falem com franqueza. Existe qualquer motivo que

justifique uma inimizade entre nós?

Rawenkow abanou a cabeça:

— Você tem razão, Li. Acho que devíamos concluir

um armistício. Os nossos objetivos são os mesmos.

Klein mordeu o lábio inferior, pensativo. Depois,

disse:

— O que acontecerá quando tivermos alcançado o

nosso objetivo?

Ninguém soube dar uma resposta.

***

Port Darwin fica na costa ocidental da Terra de

Arnhem. É o porto mais importante da grande baía de

Cambridge, situada no norte da Austrália.

Tanto ideológica quanto economicamente a Austrália

pertencia ao bloco ocidental. Mantinha una representante

permanente em Washington. Mas grandes setores da

população empenhavam-se pela neutralidade do

continente e pela sua autonomia militar.

Apesar disso, Bell sabia que não estava pousando

em solo amigo, quando seu helicóptero desceu sobre o

platô arenoso situado perto da costa. Já ia escurecendo. A

pouca distância, brilhavam as luzes da cidade.

— Fletcher, você vai à cidade comigo? Pode

pernoitar num hotel. Amanhã lhe dou o dinheiro. Depois

disso, você poderá pegar um avião e voltar para casa.

— Ótimo Bell! Você sabe que tenho de voltar para

junto de minha esposa. Deverá ter um bebe dentro de três

meses. Talvez antes.

— Sei, sim — disse Bell com um aceno de cabeça.

Essa história do nenê já o estava irritando. Estava

começando a compreender por que corriam tantas piadas

sobre o tema. Se todos os futuros pais fazem um drama

desses...

— Esqueça as preocupações. Temos que fazer uma

caminhada de meia hora. Tomara que ninguém nos tenha

visto pousar aqui.

Sem qualquer incidente, conseguiu entregar seu

protegido no hotel e, depois de ter dado a volta à cidade

para sondar o terreno, voltou ao helicóptero. Um policial,

tratado com o psicoirradiador, dera-lhe, com a maior

solicitude, todas as informações que desejava.

O Dr. Frank M. Haggard residia na parte leste da

cidade, num edifício anexo aos hospitais por ele

construídos. Era lá que ficava o laboratório no qual, dois

anos antes, realizara uma descoberta sensacional: o soro

antileucêmico.

Seguindo as indicações do policial, Bell foi

acompanhando, a baixa altitude, a rodovia até atingir o

entroncamento com uma estrada lateral. Seguiu esta

última e não tardou a avistar os contornos dos imponentes

prédios que se destacavam contra o mar.

Pousou na clareira de um bosque a pequena

distância dali. Colocou o irradiador no bolso, pegou um

dos geradores permanentes de energia e pôs-se a caminho.

Frank Haggard ainda estava acordado. Lançou um

olhar de espanto para o visitante retardatário, ergueu as

sobrancelhas num gesto de recriminação e convidou-o a

entrar. Ficou curioso ao ver a caixinha que Bell colocou

sobre a mesa com muito cuidado.

— Posso lhe ser útil em alguma coisa? — perguntou

o médico.

Bell examinou-o mais detidamente. Haggard era um

tipo atlético, de cabelos castanho-escuros e olhos azuis.

Devia ter cerca de quarenta e cinco anos. Havia em seu

rosto um traço de bondade, capaz de inspirar confiança

especialmente para quem precisasse de auxílio.

— Na verdade, pode ser-me bastante útil —

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61

começou Bell, sem saber como explicar-se. — Meu nome

é Reginald Bell, não sei se já o ouviu antes.

— Reside em Darwin? — indagou o médico,

inclinando-se para frente.

Bell disfarçou o seu desapontamento.

— Não. Venho da Mongólia.

Haggard voltou a recostar-se na cadeira.

— Ah! — fez.

Não disse mais nada. Afinal, a Mongólia distava

cerca de cinco mil quilômetros dali. E esse tipo estranho

entrou-lhe pela casa sem mais aquela às dez horas da

noite dizendo ter vindo da Mongólia. Devia ser algum

louco à solta. Convinha ter cuidado.

— Isso mesmo. Mais exatamente, venho do deserto

de Gobi.

— Era só o que faltava — foram as palavras que

Haggard deixou escapar. Todavia, conteve-se logo e

perguntou, com tom amistoso: — Veio a pé?

— Só os últimos quinhentos metros — admitiu Bell.

Que diabo! Como devia fazer para que o cientista

compreendesse o que desejava dele?

— Preciso do seu soro antileucêmico para curar um

doente. Apenas... bem, o pagamento é que causa alguma

preocupação. É verdade que uma coisa que talvez lhe

interesse...

— Pode falar com franqueza — recomendou

Haggard e lançou um olhar de esguelha para o telefone.

— Mas por que não esperou até amanhã de manhã?

— Infelizmente não foi possível, doutor. Cada

minuto me é precioso. Está interessado numa fonte de

energia bem barata?

— Como?

Bell segurou a caixinha no colo. Desembrulhou-a e

voltou a pô-la sobre a mesa. Ali estava: seu aspecto era

modesto e inocente. Só algumas tomadas revelavam que

dali se podia extrair energia elétrica.

— Este aparelho fornece até duzentos quilowatts.

Não precisa ser recarregado. Dá para cem anos utilizando

ininterruptamente a capacidade máxima. Compreendeu?

Deixe de olhar o telefone! Não sou nenhum maluco! Não

lhe farei nada.

Haggard já não entendia o que se passava. Seu

instinto lhe dizia que estava lidando com um homem

normal. Estavam lhe oferecendo uma maravilha técnica

que contrariava todas as leis da física.

— Quem é o senhor? — perguntou.

Bell suspirou.

— Está bem! Direi a verdade. Embora esta pareça

mais estranha que a mais louca das fábulas. Certamente já

ouviu falar na Stardust, a nave espacial americana que

pousou no deserto de Gobi. Pois bem; eu sou um dos

tripulantes. Rhodan, o comandante, ficou na nave

enquanto eu...

— Perry Rhodan? — Haggard lembrou-se de

algumas notícias de jornal. — Perfeitamente, estou

lembrado. Não houve complicações diplomáticas?

— Complicação diplomática é pouca. Temos

motivos para não revelar ao mundo os resultados da nossa

expedição. Na face oculta da Lua encontramos uma nave

extraterrena com a respectiva tripulação. Está com

algumas avarias e, para decolar, precisa de certas peças

sobressalentes. Os arcônidas, que são os tripulantes da

nave, são um povo tão decadente que já não conseguem

fazer os reparos de que a nave precisa. São muito

inteligentes e tecnologicamente muito desenvolvidos, mas

estão física e psiquicamente arruinados. O diretor-

científico da expedição, chamado Crest, sofre de

leucemia. Se tudo permanecer como está, ainda terá

pouco tempo de vida. É muito importante que seja curado,

pois o futuro do seu povo, e também o da humanidade,

depende disso. Crest representa a chave que abrirá o

acesso ao espaço cósmico, aos planetas de outros sistemas

solares e a um desenvolvimento técnico inconcebível.

Compreendeu o que acabo de dizer?

Haggard confirmou com um aceno de cabeça.

— É claro que compreendi. Ouvi falar de uma

cratera aberta no deserto do Saara. Isso foi obra de Crest?

— Foi. — Bell absteve-se de maiores explicações.

— E pode fazer coisas bem mais impressionantes. Mas

deixemos isso para mais tarde. Antes de tudo, uma

pergunta: está disposto a nos ajudar? Concorda em

entregar o soro? Em troca dar-lhe-ei este gerador. Recebi-

o dos arcônidas.

Haggard pegou um cigarro. Havia um tremor quase

imperceptível em suas mãos.

— Só o soro não adiantaria muito. Crest teria que se

submeter a um tratamento em meu sanatório.

— É impossível doutor. Aqui não estaria em

segurança nem por um segundo. Os agentes de todos os

países estarão atrás dele.

Haggard confirmou com um leve aceno de cabeça.

Depois, olhou para Bell.

— Nesse caso, irei com o senhor.

— O senhor pretende?... Mas... o hospital? As

pesquisas?

— Isso pode esperar. Estou muito mais interessado

nesse tal Crest. É bom que saiba que sempre tive uma

inclinação para coisas incomuns. O senhor acha que eu

deixaria escapar esta oportunidade de examinar o

organismo de uma inteligência extraterrena? Quando

partiremos?

Bell achou que Haggard estava indo muito depressa.

— O mais rápido possível. Mas tenho de resolver

alguns assuntos. Preciso de dinheiro para adquirir as

peças sobressalentes destinadas à nave dos arcônidas. São

componentes eletrônicos. Quem sabe se o senhor poderia

dar-me uma indicação a respeito disso?

— Conheço várias firmas. Por um desses geradores

dar-lhe-ão um armazém cheio de peças.

— Ótimo! Amanhã faremos uma visita às grandes

casas do ramo. Só disponho de um helicóptero que não

pode transportar volumes muito grandes. Talvez conheça

alguém que possua um meio de transporte com maior

capacidade de carga.

Haggard franziu a testa.

— Um dos meus assistentes é proprietário de um

confortável iate. As condições de navegabilidade do barco

são muito boas. Não terá dúvidas em cedê-lo a mim.

Daqui a Hong Kong são três mil quilômetros. Venceremos

esta distância em uma semana.

— Muito bem! Em Hong Kong veremos o que fazer.

Meu psicoirradiador saberá cuidar da situação.

— Quem?

Bell tirou o bastão prateado do bolso.

— É um aparelho formidável, doutor. Ele lhe

permite impor sua vontade a qualquer pessoa até uma

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62

distância de dois quilômetros. Como você pode ver de

qualquer maneira, eu o levaria ao deserto de Gobi, mesmo

que não quisesse.

— É inacreditável! — disse Haggard espantado. —

Se isso funcionar não haverá mais qualquer dificuldade.

— Funciona! — tranquilizou-o Bell.

O dia seguinte foi cheio de surpresas e de

preocupações para os diretores de várias fábricas. Se não

fosse a presença de um médico conceituado, o Dr.

Haggard, pensariam que a demonstração realizada por

Bell não era mais que uma engenhosa fraude.

Convencidos da verdade, o cepticismo transformou-

se em vivo entusiasmo. Bell ficou sem os aparelhos e as

fábricas sem algumas caixas de peças eletrônicas.

Como se não bastasse, Bell ainda recebeu uma boa

importância em dinheiro, da qual entregou cinco mil

dólares a Fletcher que já estava com passagem reservada

para Nova Iorque.

Haggard pediu que o iate do seu assistente entrasse

na baía que ficava perto ao hospital.

Tudo correra bem até ali. Três dias mais tarde, o iate

estava com toda a carga arrumada a bordo e preparado

para partir. O helicóptero fora firmemente amarrado ao

convés.

Os dois homens foram a terra pela última vez.

Haggard, para dar algumas instruções ao seu substituto e

Bell, para desentorpecer as pernas.

Subitamente, ouviu-se o uivo de uma sirena.

Holofotes romperam a escuridão, mergulhando a baía

numa forte claridade. Os motores de pesados helicópteros

agitavam o ar plácido do lugar. Tanques surgiam por entre

as moitas que ladeavam a praia e dirigiam seus canhões

para o iate. Soldados apareceram entre o passadiço e o

lugar em que Bell se encontrava. Estavam de armas na

mão e prontos para abrir fogo. Um oficial aproximou-se,

vindo de um dos lados. Parou diante de Bell.

— Seu nome é Reginald Bell?

— Será que isso é crime?

— Limite-se a responder às minhas perguntas. Bell

permaneceu calado.

— Pertence à tripulação da Stardust?

— Já que sabe, por que pergunta?

Num gesto insolente, Bell colocou a mão no bolso.

— Deixe disso! — advertiu o oficial. — Qualquer

resistência será inútil. A área está cercada. O Doutor

Frank Haggard já foi preso. O Capitão Fletcher também

está sob a custódia da polícia.

— Coitado! Terá um filho — murmurou Bell,

penalizado.

— O quê?

— Tanto faz. O senhor não compreenderia.

Bell já conseguira regular a intensidade. Comprimiu

o botão do ativador. Olhou atentamente para o oficial.

“Execute dez flexões de joelho!” pensou,

concentrando bem a mente.

Os soldados, que já tinham se acercado mais,

abaixaram as armas e arregalaram os olhos. Subitamente,

o oficial estendeu os braços e começou a flexionar os

joelhos. Bell contou. Foram exatamente dez flexões.

“E agora, diga a esta gente que dê o fora daqui e

volte para o quartel.”

O oficial virou-se e berrou para os soldados:

— Por que estão parados ai, seus idiotas? Voltem ao

quartel. Vamos logo! Ou eu terei que ensiná-los a andar

depressa.

— O que está acontecendo por aqui?

A voz fria e calma era de um civil que saíra

inesperadamente das moitas. Seus trajes eram tão

discretos que teriam dado na vista até de um elemento

pouco experimentado no assunto como Bell.

— Os homens têm que voltar ao quartel — disse o

oficial com uma inflexão impessoal na voz. — Têm que

voltar!

O civil dirigiu-se para Bell.

— O senhor é o Capitão Reginald Bell?

— Hoje em dia todo mundo quer saber o meu nome.

É interessante! Antigamente, ninguém queria saber como

me chamava. Mas, desde que voltei da Lua a coisa

mudou...

— Ah! Quer dizer que confessa ser Reginald Bell?

— Por que não? O senhor é da polícia?

— Sou do Serviço de Segurança. Venha comigo! —

Bell virou-se ligeiramente.

— É melhor que o senhor me siga — recomendou

com voz suave, enquanto caminhava em direção aos

prédios do hospital. — Quem está comandando a ação

contra mim?

— É o inspetor Miller, apoiado por toda a guarnição.

Disse o civil em outro tom de voz.

— E quem prendeu Haggard?

— Fui eu. Ficará na cadeia até que sua participação

nos acontecimentos tenha sido esclarecida. Deseja falar

com ele?

— Providencie imediatamente para que Haggard

seja liberado — ordenou Bell. — Depois, o senhor

mesmo o levará a bordo do iate e fará com que o inspetor

Miller suspenda toda e qualquer ação. Entendido?

— Levar Haggard a bordo e cessar a ação.

Entendido!

Era possível que as novas instruções não chegassem

logo a todos os pontos. Provavelmente, uma ou outra

unidade ainda executaria as ordens anteriores. Nesse caso,

seria melhor estar a bordo do iate. De qualquer maneira, o

civil levaria seu prisioneiro a bordo, a não ser que

impedido pelo uso da força.

Bell colocou o neutralizador de gravidade sobre uma

mesa na cabine situada no convés superior, que

possibilitava visão ampla para o lado da terra. Já que o

alcance do aparelho atingia dez quilômetros, a cidade

também seria atingida.

Esperou até que o civil entregasse Haggard, que

estava pasmado. Depois, ligou o neutralizador. O ponto

central, isto é, o iate, conservou seu peso natural. Também

a superfície do mar, sobre a qual não soprava a mais leve

brisa ficou como se fosse uma placa de vidro. Apenas os

peixes que saltavam para o ar ofereciam um espetáculo

estranho. O peixe e o repuxo d'água iam subindo

lentamente, até que se perdessem na escuridão.

Bell voltou-se para Haggard.

— É uma pena que não possamos ver o que está

acontecendo na cidade. Todos os objetos que se

encontrem num raio de dez quilômetros perderam o peso

normal. Imagine as forças policiais suspensas no ar.

— Mas, os meus doentes... — disse Haggard

preocupado.

— O setor em que fica o seu hospital foi excluído —

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tranquilizou-o Bell. — Mas já é hora de darmos o fora

daqui. Deixarei o neutralizador ligado. Sua ação também

se estende para cima. Ninguém conseguirá chegar a

menos de dez quilômetros de nós.

Envolto numa bolha protetora de completa

imponderabilidade, o iate, batizado com o nome de

Zéfiro, deixou o porto natural e foi navegando mar afora.

Se Bell pudesse ver o que resultou com o uso do

neutralizador, talvez não ficasse tão alegre. O caos tomou

conta da cidade de Darwin. O chão fugiu de debaixo dos

homens e dos veículos que foram subindo lentamente,

frente à baixa ação da gravidade. Se tivessem sorte,

alcançariam logo o teto da zona antigravitacional que foi

baixando gradativamente. Nesse caso, o impulso

contrário, fazia-os tornar suavemente a terra. Mas houve

alguns que não tiveram tanta sorte. E as quedas se

sucederam, com maior ou menor número de ferimentos

ou fraturas.

Naquela mesma noite, a notícia de tão incrível

ocorrência deu a volta ao mundo. E o alarme geral voltou.

Unidades das esquadras das três grandes potências

mudaram de rumo. Tomaram a direção da Célebes, onde

se supunha se encontrava o iate que levava a bordo um

dos tripulantes da nave espacial.

No dia seguinte, dois porta-aviões e sete destróieres

da Federação Asiática deixaram seu elemento natural.

Privados do seu peso normal subiram a quase três mil

metros antes de voltarem lentamente ao mar. Diante disso,

resolveram desistir da perseguição. E os mísseis,

disparados de uma distância segura, também não tiveram

êxito. Nenhum deles atingiu o alvo. Detonaram a grande

altitude ou sob a superfície do oceano sem causar

qualquer dano. Bell conseguiu dirigir o curso dos mísseis

modificando as condições gravitacionais. Porém, ele sabia

que as grandes dificuldades estavam, ainda, por vir. Uma

vez que estavam sendo perseguidos por todo mundo,

dificilmente conseguiriam entrar no porto de Hong Kong

sem serem notados. Só com muita sorte voltaria a ver a

Stardust.

***

Fletcher olhava fixamente para a luz ofuscante da

lâmpada. Não compreendia o que estava acontecendo;

tinha os olhos arregalados.

— Basta falar — disse uma voz áspera vinda de­trás

da lâmpada. Não viu o rosto da pessoa que lhe falava.

Estava imerso na escuridão. — Por que pretende voltar

aos Estados Unidos?

— É por causa de minha esposa; ela está esperando

um filho.

— Foi o que o senhor já disse. Mas deve ter outros

motivos. Ninguém arrisca a vida por causa de um bebê.

— Como pode afirmar isso? É casado?

O homem invisível pigarreou.

— Por que não ficou com Perry Rhodan?

— Não sei de quem está falando. Não conheço

nenhum Rhodan. E não sei nada a respeito de uma nave

espacial. Pare de me torturar com suas perguntas

incompreensíveis!

— O que Rhodan pretende fazer com a Stardust?

— Não sei.

— O que encontraram na Lua?

Fletcher procurou mover os braços. Não conseguiu;

estavam presos ao encosto da cadeira por fitas de aço. O

suor gotejava-lhe da testa. Sentia sede. Fechou os olhos,

mas a luz ofuscante atravessou-lhe as pálpebras.

— Não sei.

— Ouça capitão Fletcher. Não desistiremos. Se não

disser logo a verdade, teremos que usar métodos mais

desagradáveis.

— Não posso dizer o que não sei.

Ouviram-se vozes baixas vindas de um canto da

sala. Depois disso a lâmpada foi apagada. A iluminação

normal, vinda do teto, parecia triste e escura. Mãos brutais

arrancaram Fletcher da cadeira, depois de soltarem as

fitas de aço. Apático, deixou que o levassem. Não via as

portas por onde passava nem as paredes do corredor ou os

rostos dos seus algozes. Só pensava no avião que, no dia

anterior, devia tê-lo levado para os Estados Unidos. Nem

mesmo a sala de operações com sua iluminação profusa

conseguiu remover a rigidez que tomara conta do seu ser.

Deitaram-no sobre uma mesa. Homens de avental

branco amarraram-no. Suportou tudo com a maior

indiferença. Suas articulações foram envolvidas por

placas de cobre. Cabos condutores de energia, com seus

frios contatos, cingiram-lhe as têmporas. Depois disso,

uma máquina enorme e estranha começou a funcionar.

Os primeiros reflexos coloridos surgiram numa tela.

Alguns homens à paisana estavam sentados diante da

mesma. Seus rostos exprimiam a tensão de que se

achavam possuídos.

— Acha que isso nos ajudará a descobrir alguma

coisa?

— O projetor mental é infalível, inspetor.

Infelizmente, sua utilização pode acarretar certo perigo

para o acusado. Mas se falar, ou melhor, pensar, nada de

prejudicial poderá acontecer.

— Seus pensamentos são projetados na tela?

— Isso mesmo. Trata-se de um aperfeiçoamento do

detector de mentiras que costumava ser empregado até

aqui, mas tem pouca semelhança com o mesmo. Se o

homem que se encontra sob a ação deste aparelho não

quiser responder a uma pergunta que lhe fizermos, ao

menos pensará na mesma. Na tela de imagem aparecerá

um quadro que corresponde ao que ele concebe na sua

imaginação.

— Acho que já estou compreendendo. Vamos

começar.

Fletcher estava com os olhos fechados. Ficou quieto,

como se quisesse dormir. Seu peito subia e descia ao

ritmo normal da respiração.

Um dos homens inclinou-se sobre ele.

— Está me ouvindo, Fletcher. Pode deixar de

responder, se preferir. De qualquer maneira, formularei

algumas perguntas. Só fale se desejar. O que pretende

fazer nos Estados Unidos?

Os homens olharam para a tela de imagem. Pela

primeira vez, um quadro nítido começou a se delinear.

Surgiu o rosto de uma mulher jovem e bela, que sorria e

acenava. Fletcher parecia gemer. O quadro modificou-se.

Camas, enfermeiras, médicos. Depois, a mulher voltou a

aparecer. Estava deitada numa cama. Perto dela via-se

uma criança.

— É verdade! — murmurou o inspetor. — Só pensa

no bebê. É uma ideia fixa. Continue a perguntar, chefe.

O homem designado como chefe acenou com a

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cabeça.

— Fletcher, o que aconteceu na Lua? Precisa­mos

saber o que aconteceu na Lua!

O quadro com a criança desfez-se imediatamente.

Figuras em cores vivas percorriam a tela, formavam

quadros abstratos e desfaziam-se em manchas

irreconhecíveis. Depois se formou uma espiral que

começou a girar rápido, cada vez mais rápido, até

transformar-se num disco rodopiante.

— O que sabe a respeito da Stardust?

O disco girou mais depressa. Raios passavam sobre

a tela. Fletcher gemeu. Sua respiração era cada vez mais

apressada. O suor corria-lhe da testa.

Um dos homens de avental branco adiantou-se e

colocou a mão sobre o braço do chefe.

— Devemos fazer uma pausa — recomendou. — O

prisioneiro está exausto. O coração não aguenta mais.

— Mal começamos — interveio o inspetor. — Só

mais algumas perguntas.

— O senhor está vendo que o homem não sabe nada.

As imagens da tela indicam um estado de amnésia total.

Está bem! Dar-lhes-ei mais duas tentativas, mas sob sua

responsabilidade.

O círculo rodopiante na tela de imagem tinha

desaparecido. A mulher jovem voltou a aparecer.

Atravessava um jardim florido, levando uma menina pela

mão.

— Fletcher, quais são as intenções de Perry Rhodan?

A mulher com a menina desapareceu imediatamente.

O circulo voltou a rodopiar. Reflexos coloridos surgiam e

desapareciam.

— É inútil! — disse o médico. — O homem não

sabe nada.

— Tem de saber! — berrou o inspetor fora de si. —

Pois não perdeu a razão.

— Talvez tenha perdido a memória.

— Precisamos descobrir o que aconteceu. Não existe

nenhum meio de restituir-lhe a memória?

— Com o tempo talvez pudéssemos conseguir. Teria

de ficar em sossego absoluto durante vários meses; se

possível devia ser posto em liberdade.

— É impossível! Ele representaria um perigo para o

mundo. Lembre-se do tal de Bell, que ontem diminuiu

expressivamente a ação da gravidade na cidade. Nada

disso! Fletcher não pode ficar fora da nossa vigilância um

instante sequer.

O médico suspirou.

— Muito bem. Formule a última pergunta.

O chefe acenou com a cabeça. Sua atitude diferia

sensivelmente da conduta imoderada do inspetor.

Encostou a boca ao ouvido de Fletcher e perguntou:

— Quem é Crest?

Haggard revelara esse nome durante sua prisão, que

só irão durar alguns minutos. O inspetor ouvira-o, mas

não sabia o que significava.

— Está ouvindo Fletcher? Quem é Crest? Fletcher

esforçou-se para romper as faixas que o prendiam. De

olhos arregalados fitou o homem que o interrogava. No

seu rosto via-se o medo, mas, também alguma coisa

parecida com uma recordação que despontava do

subconsciente. Seus punhos cerraram-se. Os lábios

murmuraram palavras inaudíveis.

Na tela de imagem fez-se o caos.

A roda colorida girava cada vez mais depressa, até

que suas cores se fundissem num cinza uniforme. Depois

estourou. As lascas coloridas deslocaram-se para os lados

e deslizaram para fora da tela. Depois esta se tornou

negra. E assim continuou.

Um dos médicos inclinou-se e examinou os olhos

enrijecidos de Fletcher. Segurou-lhe o pulso. Depois se

ergueu e falou com a voz muito séria.

— Está morto!

O inspetor empalideceu.

— Morto? Mas como? Seu coração estava perfeito.

O médico encolheu os ombros.

— Pode ser que o coração estivesse perfeito.

Acontece que morreu de um derrame cerebral.

Nenhum dos presentes disse mais nada.

Fletcher estava estendido na mesa, imóvel. Não mais

teria a alegria de assistir ao nascimento do seu filho. E

não saberia que seria uma menina.

***

O tenente Klein parou diante da barreira invisível.

Suas mãos sentiram o obstáculo, mas seus olhos não

o viram. Dois mil metros além dele; estava a Stardust,

símbolo do orgulho e da esperança frustrada do mundo

ocidental. Já agora se transformara no pavor de toda a

humanidade.

Uma figura solitária veio ao seu encontro. Era o

major Rhodan, que já conhecia de numerosos filmes.

Parou a menos de dois metros. Tinha lápis e papel na

mão.

— O que deseja? Quem é o senhor? — estava

escrito no papel.

Klein nem se lembrara disso. Se o anteparo

energético detinha uma explosão atômica, evidentemente

não deixaria passar as ondas sonoras. Revirou os bolsos;

acabou encontrando lápis e papel. Pelo menos havia

possibilidade de comunicar-se.

— Sou o tenente Klein. Vim por ordem de Mercant e

Pounder, para negociar com o senhor.

Perry Rhodan sorriu e escreveu:

— Tire a roupa. Depois disso suspenderei o anteparo

por alguns segundos.

— Tirar a roupa?

— Sim. Para que não possa trazer nenhuma arma.

Klein olhou instintivamente para os lados, mas não

viu ninguém. É verdade que Li e Kosnow, escondidos

atrás das moitas, de outro lado do rio, arregalariam os

olhos. Mas isso pouco lhe importava. O importante era

atravessar o anteparo, façanha que até então ninguém

conseguira realizar. Tirou a roupa e empilhou-a

cuidadosamente.

Perry acenou com a cabeça. Levantou o braço direito

e fez um sinal em direção à nave. Subitamente, Klein

ouviu sua voz.

— Venha depressa. Chegue perto de mim. Sentiu

que o ar quente e o frio se misturaram quando a cúpula

energética foi levantada. Logo chegou perto de Perry.

No mesmo instante o vento cessou por completo. A

cúpula invisível voltara a cobrir a nave. Estava isolada do

resto do mundo.

— Quer dizer que Pounder o mandou? — disse

Perry, enquanto lhe apertava a mão. — Já imaginava que

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um dia o velho me mandaria um mensageiro. Como

conseguiu atravessar o território inimigo?

— Não foi difícil — confessou Klein. — A

vigilância diminuiu muito.

— Será? — disse Perry em tom de dúvida. —

Venha, empresto-lhe uma calça.

Foram andando devagar em direção à Stardust.

Klein sentia uma simpatia inexplicável pelo homem

que se encontrava ao seu lado. Recebera ordem de matá-

lo de qualquer maneira, se não quisesse submeter-se às

ordens de Mercant. No momento, nem se podia pensar

nisso. Dificilmente conseguiria mata-lo com as mãos

desarmadas. E como faria para destruir a Stardust? Sabia

da carga explosiva existente a bordo da mesma. Mas

ainda havia três homens além de Rhodan. Não seria fácil,

mesmo que quisesse.

Será que queria?

Sentaram numa pedra lisa que ficava perto da nave.

— Agora fale com franqueza, tenente Klein. Qual

foi a ordem que recebeu? O que mandam dizer? Foi

realmente Pounder que o mandou?

O agente sacudiu a cabeça.

— Não foi o próprio Pounder. Pertenço ao Conselho

Internacional de Defesa, dirigido por Mercant. Recebi

ordem para convencê-lo a abandonar a Stardust e

acompanhar-me para Nevada Fields. Caso se recuse, devo

matá-lo e destruir a nave.

Perry gritou algumas palavras para Manoli, que

apontou na escotilha. O médico trouxe uma calça de

uniforme. Klein vestiu-a.

— Este é o Dr. Manoli. O tenente Klein, do

Conselho Internacional de Defesa. Fique com Crest, Eric.

Diga-lhe que temos visita.

Esperou até que o médico desaparecesse. Depois

respondeu às palavras de Klein.

— Então suas ordens são estas? Por que me contou?

— Porque confio em você, Rhodan. E porque nestes

últimos dias passei por alguma coisa que me abalou.

— O que foi?

— Daqui a pouco contarei Rhodan. Antes disso

responda a uma pergunta minha.

— As perguntas e as respostas surgem

espontaneamente no curso da nossa palestra. Você

responde, eu respondo, e o quadro vai se traçando por si.

O general Pounder ficou muito decepcionado comigo?

— Ficou. Não compreende os motivos que o fizeram

agir assim. Mas procura compreender, enquanto a opinião

de Mercant é inabalável. Para ele, você é um traidor.

— Para Pounder, não? E para você? Qual é a sua

opinião?

— Você é um traidor aos olhos de Mercant, e talvez

aos olhos da maior parte dos homens do Ocidente. Na

opinião dessas pessoas, eu devia ter entregado ao seu país

as invenções que descobriu na Lua. Isso seria de justiça

até mesmo do ponto de vista econômico, pois você nunca

teria chegado à Lua sem os recursos financeiros

proporcionados pelos Estados Unidos. No entanto, pode

haver motivos que invalidem todas as leis morais. Mas

esses motivos teriam de ser muito sérios.

— Os meus motivos são sérios — disse Perry

decidido. — Minha consciência e meu senso lógico não

me permitem entregar a uma potência terrena os imensos

recursos tecnológicos que descobri na Lua. Qual seria a

consequência disso, tenente Klein? Pense bem antes de

responder.

— Não há muito que pensar. Antes que os Estados

Unidos, acho que é o país de que teríamos de cogitar em

primeiro lugar, tivessem tempo de experimentar as novas

armas, o medo e o pânico fariam com que os outros países

disparassem seus foguetes atômicos. A guerra e o

extermínio total dela decorrente seriam inevitáveis. Já

compreendi onde pretende chegar, major Rhodan. Será

que os outros também compreenderão?

— Terão de compreender! — retrucou Perry em tom

áspero. Seus olhos exprimiam uma decisão inabalável. —

O que está em jogo é muito mais que a manutenção da

paz. Como sabe, encontramos uma tecnologia estranha na

Lua. O que o senhor não sabe é que os criadores dessa

tecnologia, os arcônidas, ainda vivem. Um dos seus

cientistas encontra-se a bordo da Stardust.

Klein precisou de um minuto inteiro para recuperar-

se do espanto.

— Não estão extintos? Ainda vivem? E podem

fabricar maior quantidade dessas armas, se desejarem?

— Não apenas armas, mas também coisas úteis:

fontes de energia inesgotáveis em forma de geradores

portáteis, veículos movidos com as mesmas, navios,

aeronaves de transporte, espaçonaves. Poderia prosseguir

indefinidamente na enumeração. Provavelmente agora já

compreende por que me vi obrigado a pousar aqui, e por

que tenho de repelir toda e qualquer pessoa que queira

chegar aqui. Você é a primeira exceção.

— Por quê?

— Porque vem da parte de Mercant e de Pounder.

Prezo bastante esses homens, e gostaria que

compreendessem os meus motivos. Tenente Klein, você

só estará em condições de explicar os meus motivos aos

outros, se chegar a compreendê-los por si. Não os

explicarei.

Klein sorriu.

— Compreendo. Até compreendo muito bem. E

acredito que sei onde o senhor pretende chegar. Ali junto

ao rio, do outro lado do anteparo energético, dois colegas

estão esperando por mim. Não são americanos ou

europeus ocidentais. Um é agente da Federação Asiática e

outro do bloco oriental. Unimo-nos para solucionar um

problema comum. Há poucos dias a irrupção da guerra

parecia iminente. Hoje os inimigos mortais de ontem

estão colaborando entre si, para combater um poder mais

forte.

Perry acenou com a cabeça e retribuiu o sorriso.

— Muito bem. Continue. Parece que já nos

entendemos.

— Não tenho mais nada a dizer. Absolutamente

nada. Apenas gostaria que você confirmasse que este

acontecimento relativamente insignificante constitui o

início da grande transformação que tem em mente.

— É isso mesmo. Posso representar uma ameaça

séria para o mundo, mas não para a paz duvidosa que

reina no mesmo. O medo de mim e do poder dos

arcônidas unirá os povos do mundo. Uma vez realizada

essa união, nada impedirá a entrega da tecnologia

galáctica a um governo mundial estável. Tenente Klein;

peço-lhe que relate isto a Mercant e ao general Pounder.

Agora gostaria de apresentar-lhe meu hóspede, o arcônida

Crest. Peço-lhe que me acompanhe ao interior da nave.

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66

Duas horas depois, quando o tenente Klein voltou a

encontrar-se com os dois colegas que o esperavam à

margem do rio, nada poderia modificar a decisão que

tomara. Era o primeiro homem disposto a lutar pela ideia

de Perry Rhodan, ideia essa que constituiria a base moral

do futuro Império Estelar.

— Então? — perguntou Kosnow e levantou-se.

— O que aconteceu? — indagou Li.

Klein ficou andando entre os dois. À sua esquerda o

russo avançava a passos vigorosos, levantando pequenas

nuvens de pó com as botas. À sua direita, Li, o chinês,

andava a passos saltitantes. Nos seus olhos lia-se a

desconfiança.

— Conte logo, tenente. Conseguiu alguma coisa? —

Klein confirmou com um aceno de cabeça.

— Consegui praticamente tudo. Minha missão

findou-se. E acredito que a de vocês também esteja ao

final. Explicarei por que, Li, acho que somos bons

companheiros, não somos? Compreendemo-nos muito

bem. Kosnow, você acha que seríamos capazes de matar-

nos uns aos outros só por termos ideias diferentes sobre

determinados assuntos? Estão sacudindo a cabeça. Tanto

melhor! Vocês sabem dizer o que aconteceria se essa nave

espacial deixasse de existir juntamente com as invenções

fabulosas trazidas da Lua? Ou se caísse nas mãos de

qualquer das grandes potências?

Nenhum dos dois respondeu.

— Pois eu lhes digo. No mesmo instante

apontaríamos as armas uns para os outros. Voltaríamos a

sermos inimigos ferrenhos. E isso apenas porque a

ameaça maior deixou de existir. Isso que aconteceria

conosco também aconteceria aos governos das grandes

potências. O fim da Stardust seria o fim da paz.

Compreenderam? Enquanto a terceira potência, a potência

dos arcônidas, estiver por aqui, o nosso mundo continuará

a existir. A nós três foi dada a chance de conservar a paz

mundial. Para isso teremos de retornar aos nossos países e

comunicar que é impossível alcançar a Stardust. Dessa

forma continuaremos amigos, e as potências que

representamos também continuarão.

Li esboçou um sorriso imperscrutável.

— Há seis dias já me ocorreu uma ideia semelhante,

mas não tive coragem de exprimi-la. Hoje digo que

concordo com o que você acaba de dizer.

Klein e o chinês lançaram um olhar de expectativa

para o russo. Kosnow ficou parado. Retribuiu o olhar dos

companheiros.

— Acredito que no mar Negro a extração do sal será

mais rendosa que aqui. Mudaremos de acampamento.

Os três riram. Depois apertaram as mãos entre si.

***

A cidade de Hong Kong parecia um acampamento

militar quando o iate Zéfiro entrou no porto.

Bell desligara o neutralizador, mas ficou com ele ao

alcance da mão; queria estar prevenido no caso de um

ataque. Haggard instruíra a.tripulação no sentido “de

atracar”. Os dois homens estavam de pé na proa!

— A situação parece um pouco crítica — murmurou

o médico num tom de ceticismo. — Como poderemos

desembarcar sem que nos peguem? O mundo inteiro já

sabe que estamos aqui.

— E daí? — Bell mostrou-se espantado. Estava

brincando com o psicoirradiador. — Com este aparelho

posso fazer a cidade inteira mergulhar num sono bem

profundo. Poderei transmitir uma ordem a qualquer

habitante da cidade, inclusive aos soldados, e a ordem

será cumprida à risca. Não vejo nenhum motivo para

preocupações. Ainda mais que aqui não é possível utilizar

armas atômicas táticas, que são as únicas que poderiam

representar um perigo para nós.

— Como vai fazer para descarregar o meu

laboratório? Como pretende transportar as peças

sobressalentes até o deserto de Gobi?

— Com o tempo encontramos um meio —

tranquilizou-o Bell. — Faremos com que o administrador

do porto venha até aqui assim que atracarmos. Por que

resolveu trazer seu laboratório gigante? Ainda não tive

tempo de lhe fazer esta pergunta.

— Laboratório gigante? Trata-se de um pequeno

laboratório transportável, dotado do equipamento mais

moderno, como instrumentos óticos, aparelhos de análise

de metabolismo e amostras de medicamentos de toda

espécie. Não se esqueça de que teremos de lidar com um

ser biologicamente diferente, que provavelmente reagirá

de forma diferente de nós. Também existe um aparelho de

raios X, e...

— E eu que pensava que tudo ficaria resolvido com

uma seringa e algumas ampolas de soro — disse Bell com

um suspiro.

— É engano, meu caro Bell. Mas olhe os tanques

parados ali no cais. Estão, com toda a certeza, esperando

uma oportunidade de afundar o nosso iate.

— Que nada! Se quisessem, já teriam tentado.

Sabem muito bem que, se o fizerem, eu os mando para os

ares, no sentido literal da palavra. Muito bem. Estamos

atracados. E agora vou usar minha varinha mágica.

Dirigiu o irradiador com meia intensidade sobre o

edifício baixo que ficava junto ao cais e pensou

intensamente:

“O administrador do porto deve comparecer

imediatamente ao pier número sete. Administrador do

porto no pier número sete. Urgente. Suba a bordo do iate

Zéfiro.”

Provavelmente Bell estouraria de rir, se visse o que

fez com sua ordem mental. No entanto, não pôde

presenciar o espetáculo. No edifício da administração do

porto trabalhavam cerca de duzentas pessoas. De repente

todas elas se sentiram na obrigação de avisar o

administrador de que devia comparecer imediatamente ao

píer número sete, onde o iate Zéfiro esperava por ele. O

administrador que, seguindo a ordem interior, já se pusera

a caminho, teve de conter todo o funcionalismo, que se

interpunha no caminho, para dar o aviso.

— Já sei, já sei — disse em voz alta, para que todos

ouvissem. Correu para o cais, onde teve de abrir caminho

entre uma multidão de trabalhadores do porto, que o

assediavam para avisá-lo de que devia comparecer

imediatamente ao píer número sete, onde um iate...

Chegou esbaforido ao local em que se encontrava o

iate. No caminho o comandante das forças blindadas

reunira-se a ele em silêncio. Subiram juntos no estreito

passadiço.

Bell deixara ligado o psicoirradiador, colocando-o

num lugar de onde alcançava o píer e o convés. Não podia

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67

ser visto, mas produzia seus efeitos.

Haggard não conseguiu disfarçar o nervosismo. Bell,

todavia, recebeu os visitantes sem o menor

constrangimento.

— Fico muito satisfeito com a sua visita — disse em

tom convicto. — E agradeço pela parada formidável que

fizeram realizar em minha ordem. Não havia necessidade

disso. Senhor administrador, dentro de duas horas preciso

de vinte trabalhadores para descarregar o iate. Quer tomar

as providências necessárias? Obrigado. Pode retirar-se.

O administrador fez uma ligeira mesura e retirou-se.

O oficial das forças blindadas ficou parado. Parecia estar

esperando alguma coisa.

— Quem está comandando as tropas mobilizadas em

Hong Kong? — perguntou Bell.

— O marechal Roon.

— Roon? Não é aquele oficial que subiu ao ar com

tanta pompa quando Perry ligou o neutralizador? É claro

que é ele! Este helicóptero é dele. Podia aproveitar a

oportunidade para vir buscá-lo.

— Perfeitamente. Avisarei imediatamente o

marechal Roon.

Dez minutos depois um grupo de oficiais de patente

elevada passou pelo píer estreito, vindo do cais. Viam-se

luzir as faixas douradas. Devia ser o marechal Roon.

O psicoirradiador estava escondido por baixo de

uma amarra enrolada. Sua ação atingia todo o grupo, mas

ninguém perceberia seus efeitos enquanto alguém não

dirigisse a palavra a Bell.

Depois de confabular ligeiramente, Roon subiu a

bordo acompanhado de dois oficiais. Já se esquecera do

que o tinha trazido até aqui. Só se guiava pela ordem de

que sua mente tinha tomado consciência.

Bell projetou o peito para frente, o que conferiu

linhas mais arredondadas ao corpo. Os cabelos cortados

rente estavam de pé. Colocou a mão na boina.

— É o marechal Roon? Fico satisfeito em ver que

compareceu tão depressa. Senhores oficiais, dou-lhes as

boas-vindas a bordo do Zéfiro. Marechal permite que lhe

pergunte se apreciou aquela viagem aérea? Deve estar

lembrado. A Stardust, o deserto de Gobi. Certo major

Butaan também se encontrava presente.

— É claro que me lembro. Foi um fenômeno

estranho. Uma invenção dos demônios brancos. Além

disso, roubaram meu helicóptero. Se não me engano o

senhor é o capitão Reginald Bell. Devo intimá-lo para que

se renda.

— Mas, marechal, logo nós que somos tão amigos;

só pode estar brincando. Eu lhe devolvo o helicóptero e

damos o incidente por encerrado. Está de acordo?

— De acordo! — respondeu Roon sem a menor

hesitação.

— Além disso, o senhor vai retirar suas tropas de

Hong Kong, e expedirá uma ordem ao exército. A

Stardust não mais será atacada. O senhor ainda assegurará

livre transito e dispensa toda proteção ao comboio de

transporte dirigido por Reginald Bell. Entendido?

— Entendido.

— Muito bem. Providencie para que dentro de uma

hora estejam aqui três caminhões. Um deles será ocupado

pelo senhor juntamente com dez oficiais de alta patente.

Levem cobertores ou sacos de dormir. Os outros deverão

estar vazios, pois transportarão a carga. Certo?

O marechal Roon prestou continência para Bell.

— As ordens serão executadas. Mais alguma coisa?

— Sim, marechal. Desautorize qualquer ordem que

tenham em vista um ataque contra a Stardust ou seus

tripulantes. Expeça as respectivas instruções aos seus

escalões inferiores.

Roon ficou em posição de sentido. Deu meia-volta e

saiu do iate. Chegando ao píer, os outros oficiais

começaram a falar-lhe com insistência. Roon, porém,

berrou com eles de tal forma que encolheram a cabeça e

ficaram quietos. Afinal, o marechal era ele; devia saber o

que estava fazendo.

E Roon sabia.

Finalmente, Haggard conseguiu fechar a boca.

— É formidável! — principiou, mas Bell

interrompeu-o.

— O senhor ficará muito mais admirado quando

falar com Crest. Eu lhe disse que conseguiríamos.

Ficaram aguardando com toda a calma. Viram os

tanques se reunirem perto do cais e começarem a se

afastar em direção a leste da cidade. As tropas de

infantaria começaram a se retirar, também. Apenas o

pessoal da polícia hesitou e, por isso, Bell não teve

contemplação. Pegou o psicoirradiador e ordenou:

— Atenção todos os membros da polícia, inclusive

serviço secreto, deitem-se todos!

Ficou espantado ao ver quantas pessoas se deitaram.

Até mesmo respeitáveis senhores de idade que pareciam

passear para espantar o tédio atiraram-se

desassombradamente na lama da rua. Trabalhadores

aparentemente inofensivos e vários pescadores fizeram a

mesma coisa. Evidentemente também foram

acompanhados por policiais uniformizados.

— Arrastar-se! — ordenou Bell numa alegria

incontida. Jurou que nunca mais largaria o

psicoirradiador. — Arrastar-se até o alojamento.

Bandos ruidosos de crianças acompanhavam os

temíveis policiais que se arrastavam colados ao chão.

Ninguém sabia explicar o fato, mas todos achavam que

era perfeitamente natural. É que todos tinham

compreendido a ordem, embora não soubessem de onde

tinha vindo. Mas quem não pertencesse à polícia não era

atingido por ela.

A zona portuária ficou literalmente deserta.

Depois de algum tempo, chegaram cerca de vinte

trabalhadores e os três caminhões. Dois oficiais estavam

sentados na carroçaria do último deles, numa atitude de

expectativa.

— Fiquem quietos aguardando novas ordens. Os

senhores formarão a escolta do comboio. Rechaçarão

qualquer ataque com suas pistolas. É só.

O transbordo da carga não levou muito tempo. Dali

à uma hora estava tudo pronto. O iate suspendeu âncoras

e foi deslizando mar afora. Bell desejou-lhe um feliz

regresso.

Ele mesmo tomou o lugar na cabine do primeiro

caminhão. Haggard foi no segundo, que transportava seu

precioso laboratório. O comboio pôs-se em movimento e

saiu sacolejando pela rua esburacada. Só na periferia da

cidade as condições da pista de rolamento começaram a

melhorar; aumentaram a velocidade. Não se via nenhum

soldado, nenhum policial.

Em Cantão, atingiram a larga e bem asfaltada

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rodovia que, numa extensão de dois mil quilômetros,

ligava aquela cidade a Lan-Shou. Dali em diante; teriam

que rumar para o norte, passando pelo vale do Hwang-Ho

e pela cordilheira de Alaschan. Chegando à altura do

meridiano 38, penetrariam no deserto, seguindo em

direção ao oeste. Se tudo corresse bem, a viagem

demoraria cerca de três dias.

5

De Pequim para Washington:

Diversas ocorrências parecem provar que,

contrariamente à opinião mais recente, segundo a qual as

informações do major Rhodan poderiam ser verdadeiras, a

Stardust na verdade é uma base ocidental. Segundo os

nossos cientistas, é perfeitamente possível que a

eliminação gradativa da gravidade seja uma invenção

terrena. Por isso voltamos a exigir que a base situada no

deserto de Gobi seja evacuada imediatamente.

De Washington para Pequim:

Qual é a explicação que seus cientistas fornecem

para o novo vulcão no Saara, que ainda continua ativo?

Asseveramos que nada temos a ver com a Stardust.

Estamos tão interessados na eliminação dessa ameaça

quanto os senhores.

De Pequim para Washington:

A cratera pode ser o resultado de uma ação bem

planejada que nada tem a ver com o raio energético.

Nossa opinião de que a Stardust é uma base americana foi

reforçada pelo fato de que nossos agentes se viram

impedidos pelos seus de se aproximarem da nave

espacial. Por outro lado, seus agentes têm livre acesso à

Stardust. Reiteramos nossa advertência.

De Washington para Pequim:

Não temos conhecimento de que qualquer dos

nossos agentes tenha entrado em contato com o major

Rhodan. Deve haver algum engano. O incidente será

esclarecido.

De Moscou para Washington:

Exigimos retirada imediata de sua base no deserto de

Gobi.

De Moscou para Pequim:

Exigimos remoção imediata base americana do

território de seu país.

O ataque verificou-se três dias após a partida de

Hong Kong. O comboio tinha passado pela cordilheira de

Alaschan e estava se deslocando em direção ao oeste. A

antiga estrada de caravanas estava em péssimo estado;

não permitia sequer uma velocidade de dez quilômetros

horários. Era necessário; contornar buracos enormes.

Sulcos profundos abertos pelas rodas dos veículos ou

pelas águas das chuvas obrigavam a manobras

extremamente difíceis.

Felizmente, naquele momento, estavam

atravessando uma depressão do terreno. Se não fosse

assim, a primeira rajada teria atingido o alvo. Nessas

condições, porém, as pesadas granadas passaram zunindo

por cima de suas cabeças e foram detonar na vertente

norte da cadeia de Richthofen.

Bell mandou que o comboio parasse imediatamente.

Fez com que os veículos encostassem do lado direito da

estrada, onde o precipício íngreme os protegia contra o

impacto direto das granadas disparadas do norte. Pegou o

neutralizador de gravidade e foi subindo. Chegado ao

topo da colina, descansou a caixinha e olhou em direção

ao deserto.

“Diabo! Esses camaradas já deviam ter aprendi­do”,

pensou Bell. As tropas encontravam-se mais de dez

quilômetros de distância. Haviam montado uma

verdadeira posição de combate. Bell pediu a um dos

oficiais que lhe desse um binóculo.

Havia, pelo menos, oito canhões de grosso calibre.

Mais à direita, uma bateria de peças leves. Em meio a

isso, tinham sido montados ninhos de metralhadoras.

O neutralizador de gravidade não alcançaria o

adversário.

Outra rajada passou por cima de sua cabeça, numa

altura menor. Os impactos estavam mais próximos.

— Haggard! No caminhão da frente há um

transmissor. Pegue um dos oficiais e procure entrar em

conta to com a Stardust. Faixa de 37,3 metros. Avise-me

assim que responderem. Mas ande depressa, senão essa

gente acaba acertando a pontaria. Não posso fazer nada

para impedi-lo.

Entre os oficiais, Haggard encontrou um telegrafista.

Assim mesmo, dez intermináveis minutos passaram-se até

que chegasse a resposta da Stardust. Bell escorregou

encosta abaixo e pediu a Haggard que subisse. Tinham

que estar prevenidos contra um ataque de surpresa da

infantaria.

— Perry, é você?

— Bell, meu velho! Você ainda está vivo? Onde está

metido? Deu tudo certo?

— Até agora sim. Encontro-me a menos de cem

quilômetros da Stardust. Estou com três caminhões cheios

de peças para Crest. O doutor Haggard, descobridor do

soro antileucêmico, está comigo. Acontece que os

chineses estão desfechando um ataque de artilharia contra

nós.

—- E daí? Até agora você conseguiu se defender.

— É, mas não se esqueça de que os outros também

aprendem. Já sabem que não devem aproximar-se a

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menos de dez quilômetros. Também deixaram de

empregar mísseis; sabem que posso desviá-los. Todavia,

nem mesmo eu estou livre do impacto casual de uma

granada, por mais que procure desviá-la. Você tem que me

ajudar e depressa.

Fez uma rápida pausa.

— Um instante. Ei, motorista! O mapa.

Dentro de poucos minutos, Perry soube a localização

exata do comboio e das posições da artilharia inimiga.

Prometeu pedir auxílio imediato a Crest. Bell ficou com o

receptor ligado.

Os impactos das granadas foram se aproximando de

forma assustadora.

Alguns projéteis

menores passaram

sibilando bem por cima

dos caminhões. Um

deles chegou a detonar

na colina que limitava

a depressão ao sul.

Embora tivesse sido

por puro acaso, era

conveniente sair dali

antes que o pior

acontecesse.

Perry voltou a

falar.

— Crest pensou

em pedir a Thora que

lançasse o raio

energético, mas a Lua

ainda se encontra

abaixo do horizonte. É

impossível. Daqui

também não podemos

fazer nada. Mas existe

uma possibilidade.

Vendeu todos os

geradores?

— Não, ainda fiquei com dois.

— Então agradeça aos céus, meu velho. Você prefere

utilizar o psicoirradiador ou o neutralizador?

— Mas a distância é muita...

— Não fique nervoso, pois isso faz mal à saúde.

Então, qual dos dois prefere? Aliás, tendo dois

geradores também pode usar ambos. Para encurtar a

conversa: a reserva de energia do psicoirradiador e do

neutralizador é muito reduzida para atingir uma distância

superior à prevista. Se forem ligados ao gerador, seu

alcance decuplicará. É verdade que só por uns poucos

minutos. É necessário intercalar uma pausa, para evitar a

sobrecarga do aparelho. Entendido?

— E como faço a ligação?

— Basta um cabo que ligue o neutralizador ao

gerador. Na parte posterior há uma tampa. Retire-a. Por

baixo dela encontrará uma tomada. Basta enfiar os pinos

do gerador e...

— Está bem, mestre e senhor. Muito obrigado. Que

pena que você não poderá assistir ao que vai acontecer

daqui a pouco.

— Não se preocupe. Assistirei. Para isso, até me

arrisco a desligar o anteparo energético. Acho que você

chegará aqui antes do anoitecer.

Bell já não estava escutando. Agora que sabia o que

fazer, não quis perder um único minuto. Os oficiais e

motoristas receberam ordem para ficar em silêncio.

Haggard segurou o neutralizador com o gerador ligado ao

mesmo. Bell ficou com o psicoirradiador cuja potência

também fora aumentada.

Rhodan, que estava sentado diante da tela em

companhia de Manoli e Crest, certamente se divertiu

muito com o espetáculo que se seguiu. Contemplaram a

cena de cima. A microssonda estava flutuando três mil

metros acima das posições inimigas.

No início, nada aconteceu.

Mas quando os canhões pesados dispararam, os

espectadores viram-se diante de um quadro grotesco.

Diminuída a ação da gravidade, as granadas saíram em

linha reta, até que se perdessem junto às montanhas

distantes. Os canhões, submetidos a uma força de recuo

equivalente, foram deslizando devagar em sentido

oposto, subindo aos poucos. A queda gradual que se

seguiu revelou que Bell devia ter mantido um décimo da

gravitação comum, para que retornassem ao solo são e

salvos, sem correrem o risco de morrer em virtude de

uma queda mais violenta. Crest registrou o fato com um

gesto de aprovação.

Os canhões menores não tiveram melhor sorte.

Mas o melhor ainda estava por vir. Como se

estivessem obedecendo a um comando único, todos os

soldados — os artilheiros, os oficiais, os motoristas e as

guarnições das metralhadoras — viraram-se subitamente

e começaram a correr. Em direção ao norte. Realizavam

saltos enormes, como se fossem pulgas gigantescas. Só

atingiam o solo centenas de metros mais adiante, e logo

voltavam a saltar. Os saltos foram se tornando mais

curtos. Certamente Bell estava desligando o neutralizador

aos poucos. Finalmente os coitados estavam apenas

correndo. Corriam e corriam como se fugissem do

demônio. Provavelmente teriam continuado a correr,

mesmo que Bell não lhes tivesse dado ordem para se

refrescarem com um banho no lago salgado mais próximo

do deserto de Ning-Hsia.

Perry girou um botão do receptor.

A sonda desceu. A imagem de Bell apareceu na tela,

grandemente ampliada. Perto dele via-se um tipo atlético

de cabelos castanho-escuros. Ambos riam tanto que as

lágrimas lhes desciam pela face. Desceram a encosta e

entraram nos seus veículos.

No momento em que deram a partida Bell ainda

estava rindo.

Perry desligou. Olhou para Crest. Nos olhos do

arcônida via-se um sorriso delicado. Acenou lentamente

com a cabeça.

— Admiro você e a sua raça — disse. — Mas talvez

esteja enganado; pode ser que você seja uma exceção. Seu

amigo poderia ter matado os inimigos. Por que não o fez?

— Porque está em situação de superioridade de

armas.

Crest respondeu com novo aceno de cabeça.

— Era o que eu imaginava. E sei que não há

ninguém melhor que vocês para receber o nosso legado.

Você conseguirá Perry. Alcançará o seu objetivo.

— Obrigado — respondeu Perry em tom caloroso.

Quatro horas depois dois caminhões entraram por

baixo do anteparo energético que tinha sido levantado. O

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terceiro voltou para o leste com três motoristas e dez

oficiais.

Receberam ordens estritas para apresentar-se ao

Comando Geral em Pequim, e informar o mesmo de que a

terceira potência desejava estabelecer relações

diplomáticas com a Federação Asiática.

De Pequim para Washington:

O novo incidente prova que seu governo não

pretende atender às nossas exigências. Por isso decidimos

romper as relações diplomáticas amanhã ao meio-dia,

hora local, a não ser que até então a situação tenha sido

esclarecida. A Federação Asiática dispõe de meios para

repelir qualquer ataque.

De Pequim para Moscou:

Aguardamos um pronunciamento claro sobre sua

posição quanto à presença de uma base americana no

deserto de Gobi. A resposta deverá estar aqui amanhã ás

dez horas da manhã.

De Pequim para a Stardust:

Consideramos ridícula sua proposta de estabelecer

relações diplomáticas com uma nave espacial. Intimamo-

los pela última vez a se renderem através de mensagem

telegráfica. Saiam da nave sem armas e desliguem o

anteparo energético. Caso sua resposta seja negativa, as

relações diplomáticas com os países do bloco ocidental

serão rompidas amanhã ao meio-dia.

De Washington para Pequim:

Voltamos a assegurar que não temos qualquer

explicação para a situação atual. Propomos a realização

de uma conferência dos dirigentes dos países

interessados...

Da Stardust para Pequim:

Reiteramos nossa oferta. Comunicamos ainda que

utilizaremos os meios de que dispomos para evitar

qualquer conflito armado entre as potências.

De Moscou para Pequim:

Acusamos o recebimento da sua nota.

A lua minguante seguia o sol, que já descera atrás da

linha do horizonte. A posição favorável permitia uma

comunicação visual direta com Thora.

Apesar do seu vigoroso autodomínio, Perry não

conseguiu reprimir a sensação estranha que se apossou

dele ao ver aquela mulher, que era de uma beleza

extraordinária. Seu cabelo claro, quase branco,

contrastava de forma agradável com os olhos vermelho-

dourados, que o olharam com uma expressão fria e

realista.

Num tom arrogante que fez com que Perry ficasse

rubro de raiva disse:

— Por que chamou?

— Crest quer falar-lhe — respondeu Perry em tom

gélido.

— Pois então vá buscá-lo.

Perry não respondeu. Lançou-lhe mais um olhar e

retirou-se. Crest ocupou o lugar diante da tela de imagem

com o rosto indiferente. Começou a falar numa língua

desconhecida, altamente melódica. Sua voz era insistente.

Às vezes parecia ordenar outras vezes pedir. Vez por outra

Thora dava uma resposta ou formulava alguma pergunta.

Finalmente disse alguma coisa e acenou com a cabeça.

Depois disso a imagem desapareceu. A tela de imagem

apagou-se.

Crest ficou sentado mais cinco segundos diante do

receptor, imóvel. Depois se levantou e suspirou.

— Por enquanto fará o que mandei. Mas estou

prevendo que mais tarde teremos dificuldades com ela.

Fica aferrada às leis antigas; não compreende a

necessidade de uma modificação. Fará tudo para impedir

uma aproximação entre sua raça e a minha.

— Quem sabe se devo conversar com ela por alguns

minutos, de psicoirradiador na mão — sugeriu Bell em

tom decidido. — Depois disso ficará tão comportada

como os oficiais do exército asiático.

Crest destruiu as esperanças de Bell. — Os seres da

nossa raça dispõem de uma proteção contra os efeitos do

irradiador. Mas um dia terá de reconhecer onde está o

futuro da sua raça. De qualquer maneira está orientada a

respeito da nossa situação. Recomendou-me que

embarcasse numa pequena nave espacial que seria

enviada por ela. Depois disso, dirigiria o raio energético

para todos os cantos da Terra. Consegui convencê-la de

que não alcançaria nada com isso. Deixei claro que minha

cura é o que interessa em primeiro lugar. E não se trata

apenas de minha cura, pois suponho que toda a nossa raça

sofra de leucemia em virtude da degenerescência. Este

motivo, já basta para obrigar-me a continuar aqui.

Amanhã, Thora vigiará a situação a bordo de uma nave

auxiliar. Circulará em torno da Terra a uma órbita

constante, a mil quilômetros de altura. Um campo de

nêutrons constantemente renovado impedirá toda e

qualquer explosão atômica. Serão criados campos

magnéticos que desviarão os foguetes do seu curso,

fazendo-os caírem no mar. Um raio energético de

intensidade reduzida obrigará as aeronaves que se

lançarem a um ataque a pousarem no solo. O

abastecimento de energia será suspenso e as

comunicações radiofônicas serão interrompidas por linhas

de sangria, que subtrairão energia. Não se preocupem

cavalheiros: não haverá guerra, mesmo que os três blocos

a desejem. Amanhã entraremos em negociações com os

governos, e eles se verão obrigado a nos reconhecer.

— E até lá? — perguntou Perry.

— Até lá só nos resta esperar.

Eric Manoli colocou a mão sobre o ombro de Crest.

— Crest, faça o favor de voltar para a cama. O

senhor deve evitar qualquer esforço. Amanhã, quando

tudo estiver normalizado, o doutor Haggard o examinará.

Estou convencido de que conseguirá curá-lo.

Crest esboçou um sorriso de gratidão.

— Se ele não conseguir ninguém mais conseguirá.

Seguiram-no com os olhos. Bell acompanhou-o e

ajudou-o a arrumar as cobertas sobre a cama.

Haggard lançou um olhar indagador para Manoli.

— Já pôde apurar alguma coisa? Teve oportunidade

de examiná-lo e firmar um diagnóstico?

— Vamos a minha cabine. Lá poderei relatar com

mais calma as observações até aqui. Acho que se unirmos

nossos esforços, conseguiremos o seu restabelecimento.

Ele não corre perigo imediato.

Perry ficou só na sala de comando.

Olhou para o céu noturno que se erguia acima da

cúpula transparente da nave. As estrelas cintilavam com

uma claridade raramente observada. A lua minguante

descia para o horizonte. Dentro de uma ou duas horas

desapareceria.

Amanhã, seria o dia da decisão final. Se nada

Page 71: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

71

conseguia convencer o mundo do poder dos arcônidas, os

acontecimentos desse dia o fariam. Não há nada mais

difícil que evitar uma guerra decidida por uma

humanidade desesperada.

Ficou sentado, até que a lua desapareceu detrás do

horizonte.

Subitamente, sentiu frio. Teve impressão de que

juntamente com a lua desaparecera um lindo rosto de

mulher, com os cabelos claros e olhos vermelho-

dourados...

6

O mecanismo gigantesco entrou em funcionamento.

Durante anos ficara à espera deste momento.

Milhares de exercícios haviam demonstrado seu

impecável funcionamento, Bastava comprimir um botão,

para desencadear a reação em cadeia que não poderia ser

mais detida.

Pequim: meio-dia...

O presidente da Federação Asiática fez um sinal de

cabeça para o marechal Lao Lin-to, que se encontrava no

comando supremo das Forças Armadas, em substituição

ao marechal Roon, recolhido à prisão.

Lin pegou o telefone pelo qual se comunicava

diretamente com o comando das posições de combate.

— É a constelação das Plêiades? As esquadrilhas

decolam imediatamente. Grau de mobilização número

um. Bases de foguetes ocidentais: ordem de fogo; alcance

sete. Esquadra: zarpar direção leste. Daqui a dez minutos,

tudo deverá estar terminado. Recolher todas as tropas

terrestres aos abrigos antiatômicos. Aguardar contra-

ataque. Fim da transmissão.

Em algum lugar uma mão aproximou-se de um

botão vermelho. Hesitou por uma fração de segundo.

Depois, o polegar comprimiu profundamente o botão.

Um continente estremeceu.

Os torpedos prateados ocultos nas profundezas

subiram para o céu azul, pareciam ir em busca do sol,

depois dirigiram-se para o leste ou para o oeste. Eram

centenas, milhares, dezenas de milhares...

Nos aeroportos militares reinava uma atividade

febril. Uma esquadrilha após a outra se erguia

pesadamente com sua carga mortífera, entrava em

formação e subia para a estratosfera, seguindo o curso

preestabelecido.

A força naval seguiu com menos rapidez. Desferiria

o golpe de misericórdia num mundo destruído. Talvez

também pretendesse escapar ao extermínio que se abateria

implacavelmente sobre os portos.

Tudo ocorreu em conformidade com o plano.

Só houve um ato que foi praticado

independentemente de qualquer ordem, isso numa barraca

montada em algum dos aeroportos militares.

Um agente do ocidente dedilhou febrilmente a tecla

do telégrafo. Em menos de um vigésimo de segundo os

sinais deram a volta ao mundo.

Exatamente um minuto e dezoito segundos depois

que o polegar amarelo comprimiu o botão vermelho, a

mesma operação repetiu-se em Washington; uma máquina

idêntica entrou em funcionamento. Não havia nada que a

distinguisse daquela montada no Extremo Oriente. A

única diferença foi que, aqui, os foguetes foram

disparados para o céu noturno, deixando caudas

luminosas atrás de si e de­saparecendo por entre as

estrelas.

Talvez fossem um pouco mais rápidos que os da

Federação Asiática. Nesse caso a morte não chegaria com

uma diferença de setenta e oito segundos. Golpearia

simultaneamente de ambos os lados.

Apenas os projéteis disparados pelos submarinos

atômicos estacionados em todos os mares do mundo

seriam mais rápidos, pois teriam menor distância a

percorrer.

Quanto tempo ainda restaria? Dez minutos, talvez

quinze. Depois chegaria o fim do mundo.

Moscou esperou exatamente dois minutos.

Depois, também aqui alguém comprimiu o botão

vermelho. Os mísseis precipitaram-se para o céu matutino

e entraram no seu rumo. Contava-se por milhares. E em

certo momento a diferença das ações empreendidas nas

outras partes do mundo tornou-se patente.

Os mísseis do bloco oriental foram todos disparados

numa só direção — ou melhor, para um único alvo.

Se alguém prolongasse as linhas das respectivas

trajetórias, chegaria à conclusão de que todas elas

convergiam num ponto. E esse ponto correspondia ao

lugar em que a Stardust se abrigava sob o anteparo

energético, isolada do mundo e da destruição que se

aproximava.

O sol brilhava em Moscou.

Pelas indicações dos aparelhos de radar, instalados

nas fronteiras do gigantesco país, os mísseis da Federação

Asiática estavam passando pelas camadas da atmosfera,

ainda longe do destino. Nenhum deles desceria no

território do bloco oriental.

Os primeiros mísseis do bloco ocidental

demonstravam tendência semelhante.

O marechal Petronsky acenou com a cabeça em

direção ao primeiro ministro, numa expressão de triunfo

Page 72: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

72

indissimulado.

— Conseguimos. Daqui a meia hora a Federação

Asiática não existirá mais; o bloco ocidental e a América

também terão deixado de existir. E essa maldita base no

deserto de Gobi terá sido varrida da face da Terra. Só

restará uma única potência: a nossa.

— É a arte da sobrevivência, caro marechal, apenas

a arte da sobrevivência. Ela só está ao alcance de quem se

mantém neutro.

O silêncio da expectativa desceu sobre os dois

homens. Não só sobre eles. Sobre toda a Terra. Parecia

que os últimos minutos que separavam a humanidade do

fim não queriam passar. Arrastaram-se

interminavelmente, transformaram-se numa eternidade. A

humanidade conteve a respiração.

Os primeiros foguetes Polaris penetraram nas

camadas mais profundas da atmosfera. Aproximaram-se

da área em que se situava o alvo. Sua trajetória assumiu a

forma de uma curva balística, tornou-se cada vez mais

íngreme — e então desceram verticalmente, penetraram

profundamente na terra e tudo que deixaram foram

crateras pequenas, verdadeiramente ridículas.

Nenhuma detonação. Nenhuma explosão atômica.

Nenhum cogumelo de gases.

A vaga dos gigantescos mísseis intercontinentais

acabou de cruzar o Pacífico. O poder explosivo de cada

um deles era tão grande que seria capaz de destruir toda

vida num raio de cem quilômetros. Por isso, suas

trajetórias foram se dispersando durante o voo. Chegaram

ao continente americano como se fosse uma linha bastante

tênue de soldados de infantaria. Não detonaram nos

pontos previstos, e seu próprio impulso tangeu-os terra

adentro até que caíssem nas montanhas, nas matas ou nas

estepes. Um único projétil da segunda série caiu em pleno

centro de Los Angeles, porque o mecanismo propulsor

deixou de funcionar antes do tempo. Perfurou um edifício

de oito pavimentos e ficou enterrado nos alicerces.

Com os mísseis americanos ocorreu a mesma coisa.

Não houve um único entre eles que detonasse ou caísse

em território densamente povoado. Conforme se

constatou mais tarde, só causaram pequenos danos

materiais.

Nos oceanos, desenrolou-se um quadro grotesco.

Uma esquadrilha de aviões de bombardeio dos

Estados Unidos avistou a esquadra da Federação Asiática

a mais de duzentos quilômetros de distância, junto ao

litoral da Ásia. Os porta-aviões e os cruzadores pesados,

os destróieres e os contratorpedeiros, até mesmo os

submarinos estavam imóveis na superfície calma do mar.

O coronel aviador Bryan Neldiss deu ordem de

ataque. Não sabia explicar o procedimento do inimigo,

que surgira tão inesperadamente, mas não quis deixar que

uma presa tão gorda lhe escapasse.

Os aparelhos de rádio permaneceram mudos. O

coronel não obteve confirmação da ordem que ele

expedira e sem que ele movesse um dedo, o avião

começou a descer. A esquadrilha seguiu-o e os aparelhos

pousaram n’água, bem perto dos navios inimigos.

Todo mundo apressou-se em deixar os aviões que

afundavam rapidamente. As tripulações foram recolhidas

por barcos infláveis.

O Almirante Sen Toa não expediu a ordem de fogo

que estava prevista, em lugar disso ordenou a operação de

salvamento. Os barcos foram colocados na água e mãos

prestativas tiraram os americanos do oceano que ondulava

suavemente. Dentro de meia hora tudo estava terminado.

A esquadrilha de aviões de bombardeio dos Estados

Unidos foi tragada pelas águas. A esquadra asiática jazia

imóvel, balançando ligeiramente nas ondas. Parecia que

uma mão invisível a segurava.

A 150 quilômetros da costa ocidental dos Estados

Unidos aconteceu à mesma coisa, apenas os papéis foram

invertidos. A única diferença foi que um dos pilotos

morreu afogado por não ter conseguido sair do avião

antes que este afundasse.

Um punho invisível interrompeu a trajetória dos

mísseis russos. Estes descreveram uma curva de 180

graus e retornaram às bases de onde tinham sido

disparados e penetraram verticalmente no solo, quase no

mesmo lugar de onde tinham partido. Nenhum deles

detonou, muito menos atingiu a Stardust.

A guerra atômica terminara antes de ter começado.

Houve até o caso de fazendeiros do oeste dos

Estados Unidos e muitos camponeses na China que nem

sabiam o que estava acontecendo. Quando souberam dos

foguetes caídos no solo — depois de restabelecidas as

comunicações pelo rádio — deram vazão à sua raiva

sobre a tentativa fútil de se mandar foguetes à Lua. Mas,

ao saberem de toda a verdade, silenciaram imediatamente

os protestos.

Alguém havia impedido a guerra. Um homem

revelara-se mais forte que as grandes potências. Desafiou-

as e impôs-lhes a paz pela força. Esse homem era Perry

Rhodan.

Mas não foi por muito tempo que Perry Rhodan

ficou sendo o herói dos homens do povo. Para os que

exerciam o domínio do mundo, a humilhação foi

insuportável. Sentiram-se tomados de pavor quando se

viram derrubados do trono do poder.

Nenhum deles conseguiria romper, sozinho, a

supremacia temível de Perry Rhodan. Mas se reunissem

seus esforços? Quem sabe...

A percepção desse estado de coisas desencadeou

uma atividade diplomática febril.

De Pequim para Washington:

Lamentamos o mal-entendido que quase causou uma

guerra mundial. Sugerimos que nossos dirigentes realizem

um encontro com a maior brevidade. Deixamos a seu

cargo a indicação do local.

De Pequim para Moscou:

Convida-se o primeiro-ministro do bloco oriental a

participar do encontro entre os presidentes da Federação

Asiática e do bloco ocidental, que se realizará daqui a

dois dias.

De Pequim para Washington:

Concordamos em que a conferência se realize no

Cairo.

De Washington para Pequim e Moscou:

O governo do bloco ocidental declarou a tripulação

da Stardust inimigo público número um. Propomos à

Federação Asiática que, uma vez esclarecida à situação

política mundial, prepare uma expedição lunar conjunta.

De Pequim para Washington:

Concordamos.

De Pequim para o Comando Espacial da Federação

Asiática (mensagem estritamente confidencial):

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73

Acelerar imediatamente os preparativos para a

decolagem de outra nave espacial. Os trabalhos deverão

ser mantidos em segredo.

Do Cairo para Washington, Pequim e Moscou:

Preparativos concluídos. Aguardamos os presidentes

das grandes potências e sentimo-nos honrados...

Dois dias depois.

— Fomos expulsos da comunhão dos povos —

lamentou-se Bell.

Quem não o conhecesse, pensaria que dali a pouco

irromperia em lágrimas.

— Somos inimigos públicos e criminosos. Por quê?

Só porque impedimos a guerra.

— Você se admira com isso? — Rhodan ergueu as

sobrancelhas. — Ao impedirmos a guerra, provamos que

somos mais fortes que eles. No Cairo, chegaram a um

acordo. As grandes potências da Terra uniram-se para nos

destruir. Não poderia imaginar coisa melhor.

— Não poderia imaginar coisa melhor? O que quer

dizer com isso, meu caro?

— Nenhuma nação deve conquistar o espaço. É o

homem como habitante do nosso planeta que deve fazê-

lo. A união formada contra nós representa o primeiro

passo de uma comunhão de ideias entre todos os povos. O

medo cimenta a unidade dos homens. Com o auxílio dos

arcônidas conseguimos atingir um grande objetivo.

Unimos o mundo.

— E, por isso, nos expulsam?

— É o preço que temos de pagar.

Bell coçou a cabeça.

— Será que Fletcher já chegou em casa?

— Não sei. De qualquer maneira, seu nome não foi

mencionado por ninguém. Só você, Manoli e eu somos

inimigos públicos. Ainda não sabem da existência de

Crest. Há, ainda, uma surpresa guardada para os homens.

Bell apontou para o céu azul.

— Thora desempenhou muito bem o seu papel no

jogo. Não posso deixar de reconhecer isso. Se não fosse

ela, há esta hora estaríamos em maus lençóis.

Rhodan abanou lentamente a cabeça.

— Não estaríamos em situação pior. Apenas

acontece que seríamos os últimos homens do planeta.

Subitamente Crest surgiu na porta da sala do

comando.

— No destino de sua raça vejo o renascimento da

minha — disse pensativo. — Vejo a evolução com toda a

nitidez. É verdade que poderão surgir incidentes; é um

detalhe que não deverão esquecer. Ainda não eliminamos

totalmente o perigo, mas demos o primeiro passo nesse

sentido. Às vezes o medo é a melhor terapia.

— Mas não deve continuar a sê-lo para sempre —

objetou Perry com voz séria. — Há de chegar o dia em

que a união entre os homens não resulte do medo, mas de

um imperativo da consciência, do raciocínio lógico e, até,

da voz do coração. É claro que esse estado não poderá ser

alcançado de hoje para amanhã, mas sei que um dia será

assim. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para que...

Crest colocou-lhe a mão sobre o ombro e disse em

tom suave:

— Você já fez Perry. Talvez você seja um ser que eu,

que venho de fora do seu mundo, designaria como

terrano. É isso mesmo! Você, Perry Rhodan, é o primeiro

terrano.

— E eu? O que sou? — perguntou Bell sentido.

O Dr. Manoli, sempre calado, respondeu com uma

observação bastante apropriada:

— Antes de sermos terranos, temos que ser homens.

Bell fez pouco caso e deslocou seu corpanzil em

direção à saída.

— Vou nadar no lago — declarou.

Manoli limitou-se a cochichar-lhe:

— Faz bem. Vá curtir-se ao sal...

Crest sorriu em silêncio.

Perry Rhodan parecia nada ter ouvido. Parado junto

à cúpula transparente olhava para o céu azul. Em algum

ponto, lá no alto, a Lua descrevia sua órbita solitária em

torno da Terra.

FIM

A maior parte dos homens ainda considera Perry Rhodan um traidor, mas algumas

pessoas sensatas já começam a compreender que ele só visa ao bem da humanidade. E esses

homens dirigem-se à Abóbada Energética, que nem mesmo o fogo cerrado mais intenso

consegue romper. No próximo volume da série Perry Rhodan intitulado:

A ABÓBADA ENERGÉTICA

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74

Nº 03

De

K. H. Scheer

Traduçaõ

Richard Paul Neto

Digitalização

Vitório

Revisão e new format

W.Q. Moraes

Rhodan, comandante da primeira nave terrena tripulada a pousar na Lua, retornou

ao nosso planeta. Pousou no deserto de Gobi onde, valendo-se da supertécnica da

nave exploradora dos arcônidas, uma raça vinda da região central da Via Láctea,

instalou uma base que vem desafiando os ataques das grandes potências da Terra.

Perry Rhodan conseguiu impedir a terceira guerra mundial, mas ainda não está

satisfeito. Quer promover a união da humanidade.

Mas a humanidade ainda não está madura para os planos de Perry Rhodan. Por

isso a luta prossegue em torno da Abóbada Energética.

Page 75: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

75

1

“... ocorre uma alteração na potencialidade prática

de determinada situação quando um fato aparentemente

improvável se torna provável. Não faz mais de uma

semana que me encontrava ao pé de uma muralha fictícia,

cujos alicerces repousavam nos cálculos elaborados em

minha mente”.

“Com base no meu raciocínio lógico, cheguei à

conclusão de que seria totalmente impossível enfrentar,

sozinho, as três superpotências da Terra”.

“Minha equação encerrava muitas incógnitas. A

interpretação matemática de uma

série de dados quase sempre é

correta e infalível, a não ser que

surja, de súbito, uma solução que

transforme um ou mais dos fatores

desconhecidos num dado exato a ser

computado nos nossos cálculos. Foi

exatamente o que aconteceu — ou

melhor, parece ter acontecido. Hoje,

já não penso em abandonar a minha

posição para resignar-me a uma

tentativa de colocar meu saber à

disposição das potências da OTAN.”

O homem esbelto, de rosto

fino, colocou o dedo sobre a tecla de

parada instantânea do gravador.

Imediatamente, os dois carretéis

deixaram de girar.

O major Perry Rhodan, ex-

piloto de provas da Força Espacial

dos Estados Unidos e comandante da

primeira expedição lunar tripulada,

olhou, pensativo, em torno. A cabina

de comando da Stardust era muito

apertada, e não poderia ser diferente,

numa nave espacial daquele

tamanho.

As portinholas de aço das duas

vigias da nave, que permaneceram

fechadas durante a viagem pelo

espaço, estavam abertas. Para além

das grossas lâminas de quartzo

estendia-se a desolação marrom-amarelada do deserto de

Gobi. Só à direita da nave, pousada à maneira de um

avião, via-se um pouco de verde. Era a tênue faixa de

vegetação que ladeava um riacho registrado nos mapas

com o nome de Morin-Gol e que desembocava no grande

lago salgado de Goshun, poucos quilômetros ao norte. Em

certo trecho, sua margem servia de fronteira entre a China

e a Mongólia.

Ao sul da nave, ficava o temido Gobi Central. Até

poucas semanas atrás, não havia praticamente nenhum

sinal de vida humana por ali, fora algumas pequenas

povoações situadas à margem das pouquíssimas fontes; e

as instalações militares da Federação Asiática.

Numa série de pensamentos soturnos, Perry Rhodan

deu-se conta de que, de uma hora para outra, a situação se

havia modificado por completo.

Lançou os olhos semicerrados através da vigia de

quartzo que dava para o leste. Muita coisa havia mudado

para além do leito do rio, no lugar em que ficava o

pequeno povoado de Dashoba. Da noite para o dia, o

aeródromo militar, que antes não passava de um

miserável campo de treinamento, parecia transformado

numa grande base internacional.

O contingente de tropas ali estacionado era enorme.

Tinha-se a impressão de que as formações maciças das

melhores unidades de elite da Ásia se preparavam para

uma invasão.

Rhodan lançou um olhar para a grande barraca

armada perto da Stardust. Ao contemplá-la, á idéia

tranquilizadora da própria segurança tornou-se,

simplesmente, ilusória. Pertencera ao equipamento de

uma unidade de transporte das

Forças Asiáticas, chegada há uma

semana. Os lábios de Rhodan

crisparam-se num ligeiro sorriso.

Tirou o dedo da tecla de parada.

Passou a falar com a voz mais

descontraída.

— Faço esta gravação para o

caso de qualquer imprevisto.

Repito: aqui fala o major Perry

Rhodan, comandante da nave

espacial americana Stardust e

piloto do Comando de Exploração

Lunar do espaço-porto de Nevada.

Faço questão de registrar minhas

experiências com a maior

fidelidade.

“Há oito dias o capitão

Reginald Bell regressou de uma

perigosa missão especial. Mal

acreditei no que meus olhos viram,

mas o fato é que conseguiu o que

parecia impossível: trouxe o

especialista em doenças do sangue

cuja vinda o médico de bordo, Dr.

Eric Manoli, julgava tão

importante. Trata-se do Dr. Frank

M. Haggard, famoso cientista

australiano ao qual o mundo deve o

soro antileucêmico. Se existe um

homem capaz de salvar o ser

estranho vindo das profundezas da

Via Láctea, esse homem é o Dr. Haggard. Face às

instalações médicas existentes na Stardust e à atuação

desse médico surgiram probabilidades de salvar a vida de

Crest. Afinal, dispomos de dois dos vultos mais

destacados na medicina. Já não vejo as coisas tão pretas

como ontem e anteontem. Não há dúvida de que a

irrupção de uma guerra nuclear aniquiladora, que parecia

iminente, foi impedida pelos recursos inconcebíveis de

que dispõem esses personagens estranhos. Para além da

cúpula protetora que nos envolve espalham-se os

destroços dos enormes mísseis nucleares. Não chegaram a

explodir. Thora, a comandante da gigantesca nave

espacial dos arcônidas, interveio a partir da Lua. Uma vez

que as armas nucleares de todas as potências da Terra

funcionam com base em reações de fusão ou fissão

nuclear, bastou prender os nêutrons livres aos núcleos

atômicos. Com isso, os processos de fissão nuclear

baseados nos nêutrons tornaram-se impossíveis. Nossa

4

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Comandante da nave Stardust. É o grande benfeitor da humanidade por ter impedido a terceira guerra mundial, mas é considerado o inimigo público número um.

Reginald Bell — Engenheiro eletrônico da Stardust. É o melhor amigo de Perry.

Dr. Eric Manoli e Dr. Frank M. Haggard — É nas mãos desses homens que repousa a vida de Crest — e a sobrevivência da humanidade.

Crest — Diretor-científico da expedição realizada por uma raça estranha. Só ele pode

conter os impulsos de Thora.

Thora — Comandante de uma nave que dispõe de poderio suficiente para destruir a Terra.

Albrecht Klein, Li Shai-tung e Peter Kosnow — Três agentes secretos que se transformaram em combatentes decididos pelas idéias de Perry.

Allan D. Mercant — Chefe do Conselho Internacional de Defesa.

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76

posição não é má; pelo menos não é pior que a que

enfrentamos logo após o pouso no deserto de Gobi.

Acredito ter procedido corretamente diante de minha

consciência e do juízo dos homens, quando me recusei a

colocar o poderio técnico-científico de uma raça dotada

de inteligência muito superior à nossa nas mãos de um

dos grupos de potências terrenas. Não há nada que possa

abalar minha fé em toda a humanidade. Nada perturbará

minha convicção de que o futuro do gênero humano só

pode repousar na união de todos os homens. Ao que

parece, encontramo-nos no limiar de uma era de

provações para toda a Terra. Ainda existe muita

incompreensão, desconfiança, ódio e malquerença. As

grandes figuras de todos os governos, realizarão esforços

exaustivos para empregar os conhecimentos fabulosos dos

arcônidas na execução de seus propósitos”.

“Acontece que tais desejos não correspondem à

causa do progresso da humanidade”.

“Sem a cura de Crest, meu plano grandioso não terá

possibilidades de êxito. Quero conquistá-lo como amigo

meu e de toda humanidade. Por isso só posso fazer votos

de que mais uma vez o Dr. Haggard dê provas do seu

extraordinário saber”

Rhodan desligou o aparelho. Ele o fez de forma um

tanto abrupta e teve motivos para isso. Não pertencia à

classe de homens que, diante de um cerrado bombardeio,

sentem-se inclinados a gravar em uma fita suas idéias e

opiniões mais ou menos bem sucedidas.

Seu rosto, até então tranquilo, ficou tenso. Num

gesto automático segurou a arma. E, ainda

instintivamente, deu um salto para abrigar-se, muito

embora o raciocínio logo lhe dissesse que tal ato era

totalmente ilógico.

Ergueu-se muito contrariado, amaldiçoando sua

insensatez. Não tinha sentido procurar abrigo em uma

situação como aquela. Se a cúpula energética dos

arcônidas não resistisse, a força concentrada de um

exército gigantesco desferiria um golpe arrasador.

Rhodan pôs a arma automática a tiracolo. Saiu da

nave pela grande escotilha do compartimento de carga,

inteiramente vazio, que ficava logo atrás da cabina

destinada à tripulação, e desceu pela rampa de metal. No

mesmo instante, ouviu-se o radiofone. Uma voz forte e

áspera disse em tom seco:

— Alguém houve por bem interromper o meu sono

tão merecido. OK! Você ainda está de pé, ou já o

agarraram?

— Para seu governo, as comunicações pelo rádio

estão proibidas. Irei até aí! — respondeu Rhodan.

Desligou o rádio de pulso. Franzindo a testa, refletiu

sobre o grau de aperfeiçoamento que teria sido alcançado

pelas instalações de escuta da Federação Asiática.

O trovejar longínquo cresceu num rugido

ensurdecedor. Rhodan ergueu os olhos para contemplar a

luminosidade cintilante, quase imperceptível, que se

desenhava no céu. No ponto mais elevado, a cúpula

energética atingia dois mil metros de altura. Ao que

parecia desta vez haviam decidido lançar mão de outros

meios de ataque.

Os lábios de Rhodan se estreitaram. A barba de

vários dias contrastava com a pele morena. Com passos

rápidos atingiu a entrada da grande tenda.

Há tempos o capitão Reginald Bell despira o

uniforme da Força Espacial. Essa vestimenta teria

representado um obstáculo quase intransponível na sua

arrojada excursão fora dos limites da cúpula.

— Fim do mundo — disse com voz gutural. —

Ainda não se decidiram? Ou será que inventaram alguma

coisa capaz de romper a nossa cúpula protetora?

O olhar que Rhodan lançou para as posições do

inimigo, montadas bem ao longe, tinha algo de

ameaçador. Mas logo se descontraiu. Ofereceu um cigarro

ao companheiro.

— As intenções deles são boas — disse sorridente.

— São as melhores possíveis.

As últimas palavras morreram em meio ao estrondo

provocado pela detonação de poderosos projéteis. A

muralha invisível, feita de linhas de força de uma potência

extraordinária, iluminou-se no brilho intensíssimo das

explosões. Rhodan fez uma constatação:

— Desta vez não estão usando a artilharia

convencional. Se não me engano, o comando do Exército

Asiático dispõe de alguns cérebros brilhantes. Já

compreenderam que, num campo antigravitacional, as

armas convencionais são totalmente inúteis. O que faria

qualquer homem inteligente ao perceber que, face à

eliminação da gravidade, já não pode lançar mão dos

potentes canhões, sujeitos ao recuo provocado pelos

disparos? Passa a utilizar projéteis-foguetes, não é?

Reginald Bell fez que sim. Uma forte corrente de ar

iluminou seu cigarro num clarão vivo. A Stardust,

estacionada no centro do campo cinzento protegido pela

cúpula energética, transformara-se no alvo de pelo menos

mil baterias de foguetes. A julgar pelos impactos, deviam

ter colocado em ação pelo menos quatro mil lança-

foguetes automáticos dos mais variados calibres.

O rugido das explosões tornou-se insuportável. Bell

teve de berrar a plenos pulmões para tornar sua voz

audível.

— Esses foguetes não conduzem carga nuclear —

gritou junto ao ouvido de Rhodan. — Thora prometeu que

interviria imediatamente. A cúpula anti-neutrônica cobre

toda a Terra.

Rhodan sabia que Bell estava berrando com toda a

força. Depois de mais alguns segundos, o homem robusto,

de ombros largos, compreendeu que seus esforços eram

inúteis. Cerrou os lábios. Uma contorção nervosa

desenhou-se em seu rosto largo.

As enormes ondas de compressão geradas pelas

explosões que se sucediam em rápida seqüência não

conseguiam atravessar a cúpula energética. Em

compensação, esta parecia transformada num enorme

sino.

Alguma coisa oscilou.

— Fogo cerrado! — constatou Rhodan, lançando um

olhar para o círculo que se fechava em torno da cúpula

energética. Ali se achavam estacionadas as unidades de

elite da Federação Asiática, bem protegidas nos

excelentes abrigos. Ali estavam montados os lança-

foguetes, instalados em abrigos de concreto e abastecidos

pelos depósitos de munições situados em abrigos ainda

mais sólidos.

Não havia por perto nenhum objeto que não

estivesse fixado cuidadosamente no solo. Perry Rhodan

sabia que os soldados usavam cintos especiais, dotados de

fixadores. A Federação Asiática lançara mão de pessoas

6

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77

que tinham algum conhecimento de viagens espaciais

tripuladas. Outros receberam treinamento intensivo, que

os habilitou a enfrentar os efeitos da ausência da

gravidade.

Com isso, foi eliminado o fator surpresa. A arma

formidável dos arcônidas, o neutralizador da gravidade,

funcionava com a mesma perfeição de antes, mas perdera

toda a utilidade prática.

Perry Rhodan deu-se conta de que, embora

dispusesse de armas e equipamentos infinitamente

superiores, não devia subestimar o poderio concentrado

de um exército altamente treinado.

O fogo cerrado das baterias de foguetes pesados e

ultrapesados não poderiam deixar de produzir seus

efeitos, mesmo que, apesar de todos os esforços, o

inimigo não conseguisse romper a cúpula energética.

Acontece que, naquelas circunstâncias, a tensão

nervosa resultante das inúmeras detonações, aliada ao

medo causado pela sensação de perigo, bastaria para

romper a resistência psíquica dos poucos homens que ali

se encontravam.

De repente, o Dr. Eric Manoli precipitou-se para

fora da tenda sem dar a menor explicação. Antes que

Rhodan compreendesse o que estava acontecendo, o

médico havia desaparecido através da escotilha da nave.

Só depois de alguns instantes Rhodan percebeu o

motivo da agitação daquele homem franzino. Ele e Bell

começaram, também, a correr. Rhodan lembrou-se de que

seus movimentos poderiam ser detectados através de um

dispositivo de localização ótica. O campo de defesa

energética formado pelos arcônidas tornava impossível a

captação eletrônica da imagem, mas a muralha invisível

podia ser atravessada pelo olhar. Se percebessem que,

logo após o início do bombardeio, os homens se

precipitavam para a nave, isso só poderia concorrer para

piorar a situação.

Rhodan estava apavorado.

“Não devemos deixar qualquer brecha por onde

possamos ser atacados”, pensou. “Pelo amor de Deus!

Não podemos mostrar nenhum ponto fraco.”

Encontrou-se com o Dr. Manoli na grande escotilha

de carga da nave. Trazia sobre a cabeça os enormes

abafadores de som usados como proteção contra o ruído

por ocasião da partida da nave.

Manoli sorriu. Moveu os lábios. Apontou para o

pino do cabo de ligação.

Assim que Rhodan colocou o pesado dispositivo, o

fragor infernal transformou-se num murmúrio distante.

Colocou no pescoço o grampo com o microfone de

laringe e ligou os contatos do equipamento de telefonia

que trazia no peito.

— Já estava na hora — soou a voz calma vinda dos

minúsculos alto-falantes embutidos nos abafadores. —

Estou admirado de não lhes ter ocorrido antes a ideia de

nos submeter a um fogo cerrado. O pessoal da Faculdade

de Psicologia deve estar metido nisso.

Um ligeiro sorriso esboçou-se no rosto do Dr.

Manoli. No entanto, os lábios trêmulos desmentiam a

tranquilidade que procurou aparentar.

— Obrigado. Foi uma ótima ideia — respondeu

Rhodan. — Devia ter-me lembrado disso antes.

— É bom que ele também faça alguma coisa —

ouviu-se a voz de Bell. — Será que também deu para ter

boas ideias?

— Só sei que estou com um medo terrível —

respondeu Rhodan com voz apática. — Estou com medo

desta cúpula energética, cujo funcionamento eu não

conheço e cujo limite de resistência constitui uma

incógnita para mim. Mas, deixemos isso de lado. Eles

testarão nossa resistência com um fogo cerrado de várias

horas. As armas nucleares não funcionarão mais, por isso,

recorrerão aos explosivos químicos. Se estes não

produzirem efeito, atacarão com gases. Caso os mesmos

falhem, convocarão os especialistas em guerra

bacteriológica. O fato é que ainda existem possibilidades

com que nosso amigo Crest nem chega a sonhar. O

homem é dotado de uma tremenda capacidade inventiva

e, com o surgimento da nossa terceira potência, criamos

uma situação tal que a esta altura já mobilizou toda a

ciência humana.

— Obrigamo-los a este tipo de união — observou

Manoli. — As superarmas terrenas tornaram-se

ineficazes. As reações nucleares já não são possíveis, uma

vez que não podem ser desencadeados sem nêutrons

livres, e atualmente os homens não conseguem desligar

estas partículas do núcleo atômico.

De repente, Rhodan lançou um olhar fulminante

sobre Bell. Este empalideceu. Passou a ponta da língua

pelos lábios.

— O que houve? — perguntou com voz gutural.

Desde que voltou a ficar submetido às ordens de

Rhodan, Bell perdera a petulância juvenil. A alegria

enorme que lhe provocavam as estupendas armas

defensivas dos arcônidas desvaneceu-se com a mesma

rapidez com que surgira durante sua expedição à

Austrália.

Rhodan não respondeu. Correu para a tenda, onde

entregou um par de abafadores ao Dr. Haggard, que

parecia muito assustado. Bell compreendeu

imediatamente. Sem dizer uma palavra, desapareceu no

interior da armação de plástico inflado.

Os outros o seguiram devagar. O excelente

isolamento acústico fez com que os ruídos chegassem

ainda mais abafados. Com isso, fora eliminado, também,

o risco de esgotamento nervoso.

Passaram perto do reator em forma de tambor de

óleo, que emitia um zumbido agudo. Desde o pouso da

nave esse aparelho fornecia a energia para a cúpula

protetora. Rhodan parou pensativo. Mais uma vez

procurou atravessar o dispositivo cilíndrico com a

imaginação, de forma a compreender como ele

funcionava. Ele era astronauta e físico nuclear. Podia

gabar-se de ter compreendido todos os detalhes — mesmo

os mais afastados de seu campo de conhecimentos — do

mecanismo propulsor químico-nuclear da Stardust. Mas,

diante dessa tecnologia infinitamente superior, seus

conhecimentos não passavam do zero. Sabia, apenas, que

no setor quente do reator dos arcônidas era liberada uma

energia equivalente à de um pequeno sol. Por certo, ali se

desenvolvia um processo de fusão extremamente

complicado que devia basear-se no ciclo do carbono.

Seria um processo estupendo de ignição catalítica a frio,

que se distanciava do das fissões nucleares da Terra tanto

quanto o machado de pedra das pistolas automáticas.

Pelo que dissera Crest, seria facílimo fornecer

energia para toda a indústria terrena com aquele aparelho

8

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cuja altura não ultrapassava a de um homem. Rhodan

sentia vertigens quando fazia cálculos baseados nesses

dados. Também desta vez desistiu do intento de

compreender esse aparelho criado por uma raça superior.

Por enquanto, tinha de contentar-se em aceitar a maneira

pela qual funcionava.

Vários cabos da grossura de um braço subiam até a

antena esférica que possibilitava a criação da cúpula

energética de quatro quilômetros de diâmetro e dois de

altura.

Cerca de seis semanas haviam-se passado desde o

encontro da gigantesca nave espacial esférica na

superfície da Lua. Cerca de seis semanas seriam

suficientes para que os cientistas da Terra

compreendessem algumas verdades perigosas. Talvez, a

esta altura, a fábula de Rhodan, segundo a qual haviam

sido descobertos na Lua alguns vestígios abandonados de

uma estranha cultura repousasse sobre pés de barro. Não

estavam lidando com idiotas; não havia a menor dúvida.

Os homens que ocupavam os postos de comando militares

e científicos das três superpotências sabiam raciocinar.

Se, além de tudo, ainda conseguissem se unir, a situação

acabaria por se tornar insustentável.

Perry Rhodan sentiu os olhares perscrutadores dos

três homens. Por trás da cortina que separava a parte dos

fundos via-se a sombra do Dr. Haggard. Ao que parecia,

havia colocado abafadores no ser que estava sob seus

cuidados.

O rosto de Perry tornou-se mais sério. Há alguns

anos andava ligeiramente curvado, o que fazia com que

seu corpo, alto e magro, parecesse um pouco menor. Bell

observou-o, cada vez mais preocupado. Se o comandante

perdesse a tranquilidade, tudo estaria perdido. Ele mesmo,

Reginald Bell, não seria capaz de levar avante de maneira

coerente o plano cuja execução fora iniciada. Era muito

impulsivo.

O Dr. Eric Manoli nem de longe estaria em

condições de prosseguir naquela empresa arriscada. Era,

antes de tudo, médico; e como tal não saberia emitir

ordens que tivessem de ser cumpridas

incondicionalmente.

O capitão Clark G. Fletcher estava desaparecido

havia uma semana. Rhodan tinha certeza de que ele devia

enfrentar grandes dificuldades — se é que ainda estivesse

vivo. Tinha cometido um grande erro ao permitir que

retornasse ao lar. Não poderia dar certo.

Os lábios de Rhodan estreitaram-se. Como não

tivesse ligado o dispositivo de telefonia, Bell absteve-se

de fazer qualquer pergunta. Em vez disso, pôs

inconscientemente a mão no bastão prateado que, segundo

sabia, encerrava forças inacreditáveis.

Era o chamado irradiador psíquico dos arcônidas,

através do qual se podia eliminar a vontade consciente de

qualquer pessoa, obrigando-a através de um processo de

obstrução sugestiva a praticar atos que contrariavam seus

próprios desejos.

Era um instrumento relativamente inofensivo. Não

causava o menor dano psíquico e a mente da pessoa

submetida aos seus efeitos não era afetada. Todavia,

também o irradiador psíquico perdera o fator surpresa. Do

outro lado, já haviam descoberto que o alcance do

aparelho não ultrapassava dois quilômetros.

Com isso, a terceira potência via-se obrigada a

assumir a defensiva.

Rhodan passou junto ao laboratório móvel do Dr.

Haggard, trazido na semana anterior. Ao perceber o olhar

irônico de Rhodan, Bell deu de ombros. Ele sabia que a

essa altura, não conseguiria repetir a façanha de poucos

dias atrás. De qualquer maneira, o Dr. Haggard estava no

acampamento e, o que era mais importante, trouxera

aquilo de que Crest tanto precisava.

Perry Rhodan, que ainda envergava o uniforme da

Força Espacial, pôs a mão no ombro esquerdo, numa

atitude pensativa. Suas divisas não estavam mais ali; ele

mesmo as retirara. O major Perry Rhodan havia deixado

de existir, pois fora avisado por uma mensagem

radiofônica de que havia sido privado de sua patente.

Transformara-se no inimigo público número um.

Com todo cuidado, puxou a cortina. O Dr. Manoli

aproximou-se. Num movimento rápido, estabeleceu a

ligação através do cabo.

— Não fique nervoso! — soou a voz tranquilizadora

do médico nos alto-falantes dos abafadores. — Nosso

paciente está com febre, mas já contávamos com isso.

Sabíamos perfeitamente que um ser de constituição

biológica diferente da nossa não poderia reagir aos nossos

medicamentos da mesma forma como reage um ser

humano normal. Mas o espectro sanguíneo é bastante

animador. A proliferação doentia dos glóbulos brancos

regrediu com a primeira injeção do soro antileucêmico do

Dr. Haggard. Pelo menos, conseguimos deter o avanço da

moléstia. As inchações das glândulas e a hemorragia

cutânea estão regredindo. Apenas não sabemos qual a

causa dos efeitos colaterais. Num ser humano não

surgiriam sintomas desse tipo. A esta altura, porém, já

sabemos muito sobre o organismo de Crest.

“Seu metabolismo é idêntico ao nosso. Tal quais os

seres humanos, respira oxigênio e seus pulmões

transportam esse gás vital ao organismo através do

sangue. Haggard é da mesma opinião. Realizamos exames

minuciosos antes de injetar o soro. Dentro de uma hora

aplicaremos a segunda dose”.

— Apesar dos graves efeitos colaterais?

— Apesar desses efeitos — confirmou Manoli com

um ligeiro movimento de cabeça. Seu rosto assumiu uma

expressão séria. — Não podemos fugir aos riscos.

Haggard é um especialista muito competente, mas não é

um mágico. Os sintomas estão sob controle. Não é de se

esperar que o paciente entre em colapso. A circulação

mantém-se numa estabilidade notável. Seu corpo é dotado

de um órgão que o homem não possui. Poder-se-ia dizer

que se trata de um regulador de pressão muito

aperfeiçoado, situado acima do coração. As medidas

registradas pelo nosso instrumental médico automático

revelam que os princípios de colapso e os espasmos

vasculares são imediatamente compensados. É um

organismo admirável, que ninguém suportaria numa raça

degenerada como esta. De qualquer forma, vemo-nos

diante de superinteligências que não conseguem reunir a

força de vontade que seria necessária para converter suas

potencialidades espirituais infinitamente superiores em

qualquer tipo de atuação prática. É aí que está o problema,

comandante.

— Já não sou comandante.

— Para mim, nunca deixará de ser. Para resumir,

temos motivos para crer que não só conseguiremos pôr

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Crest de pé, mas também alcançaremos a cura completa e

o total restabelecimento.

Rhodan lançou mais um olhar sobre aquele rosto

incrivelmente juvenil, coberto de gotículas reluzentes de

suor. Embora não tivesse nascido em nosso planeta, Crest

suava. Pelo que dizia Manoli, era um bom sinal.

Rhodan voltou-se. O fogo cerrado de artilharia

continuava. O solo trepidava sob a força dos impactos.

Parecia que cargas explosivas muito potentes estavam

sendo detonadas junto à face externa da cúpula

energética.

— Não estou gostando disso — cochichou Bell.

Ouvia-se perfeitamente que engolia em seco. — As

intenções deles não são boas. Até parece que todo esse

fogo de artifício não passa de uma manobra para prender

nossa atenção.

— Quem dera que pudéssemos perguntar a Crest se

a cúpula continuará a resistir ao bombardeio — disse

Rhodan. — Eric, será que você poderia despertar Crest

por um instante?

— Nem pense nisso! — recusou-se o médico. — É

impossível! Seria o maior erro que poderíamos cometer.

— Infelizmente você tem razão — confirmou

Rhodan. Um sorriso esboçou-se no seu rosto.

Bell estremeceu. Conhecia a meiguice tristemente

célebre de Rhodan, que acabaria numa irrupção

fulminante.

— Se não conseguirmos restabelecer Crest, o

inferno desabará sobre nossas cabeças — observou o

comandante com uma tranqüilidade surpreendente. —

Sim, senhores: o inferno! Contrariei as ordens que

recebemos, pousando a Stardust aqui no deserto de Gobi.

Recusei-me a entregar Crest. Declarei centenas de vezes

que seus conhecimentos científicos e tecnológicos não

seriam entregues a nenhuma potência da Terra.

Sufocamos uma guerra nuclear no nascedouro e, com

nossas armas defensivas muito superiores, zombamos de

toda a humanidade. E ela nunca esquecerá isso. Os três

grandes blocos das potências da Terra uniram-se contra

nós. Lá na Lua, a exótica comandante de uma gigantesca

nave espacial de combate espera o restabelecimento de

Crest, o cientista que se afastou do seu mundo para

procurar em nossas regiões galácticas algum planeta em

que já tivesse sido desvendado o mistério da conservação

biológica das células. Para Crest, isso significaria a vida

eterna. Seu cérebro genial há de ser conservado para

sempre.

“Thora, a comandante, também se conservou

espiritualmente ativa, como tantas mulheres da sua raça.

Despreza a humanidade por causa de suas condições

primitivas de desenvolvimento. Se não conseguirmos

curar seu irmão de raça, ficaremos expostos da noite para

o dia, sozinhos e indefesos, às divisões de combate de

uma humanidade enfurecida. A terceira potência terá

chegado ao fim. Falei claro?”

Bell respondeu:

— Muito claro amigo! Se Thora der para trás,

passaremos pelos interrogatórios dos Serviços Secretos;

depois disso enfrentaremos uma corte internacional.

Nossas intenções foram boas demais, não foram?

— Em minha opinião, não cometemos nenhum

crime; nem sequer praticamos qualquer erro — afirmou o

médico com a voz tranquila. — Quem age no interesse de

toda a humanidade nunca pode estar errado. E não

estamos fazendo outra coisa. Pelo contrário: com a nossa

demonstração de força, conseguimos aproximar, de um

momento para outro, até mesmo os governos separados

por divergências ideológicas profundas. Será que isso não

vale nada?

— Só conseguimos isso graças ao poder de Thora —

ressalvou Rhodan. — Se Crest morrer, ela se separará de

nós. É verdade que não poderá decolar sem o nosso

auxílio, mas isso não a deixará preocupada. O fatalismo

tomou conta de sua raça. Ela se fechará num enorme

campo energético e recusar-se-á terminantemente a

manter contato com os homens. Temos de fazer alguma

coisa.

— O quê?

A pergunta foi formulada em tom penetrante. O

nervosismo de Bell havia atingido o ponto crítico.

— Devemos convencê-la de que o homem é um ser

dotado de uma enorme criatividade. Dentro de pouco

tempo as potências terrenas disporão de armas nucleares

que poderão ser utilizadas apesar dos campos anti-

neutrônicos.

O Dr. Manoli empalideceu. Acabara de

compreender. Rhodan concluiu com toda a tranquilidade:

— Estávamos realizando pesquisas secretas para

uma fusão nuclear a frio. Se essas pesquisas forem bem

sucedidas, não haverá mais necessidade do detonador

térmico para desencadear a fusão nuclear. Com isso, o

campo anti-neutrônico não passará de uma brincadeira.

Quando esse dia chegar, não quero estar embaixo desta

cúpula energética.

Olhou para o alto. Muito além da cobertura da tenda,

a cúpula resistia aos projéteis, como se estes não

passassem de bombas juninas. A situação poderia mudar,

talvez, muito depressa.

— Ligue-me com Thora — disse Rhodan em tom

pensativo. — Quero falar-lhe com urgência, na qualidade

de representante de uma humanidade que quer formular

umas exigências em seu próprio benefício.

— Exigências? — disse Bell, com um sorriso de

escárnio. — Será que ouvi bem? Ela saltará no meu rosto

de dentro do tubo de imagens. Para ela, não passamos de

macacos com um pouquinho de inteligência. Seu código

continua a proibir qualquer tipo de contato conosco. Este

negócio de Crest não passou de um acordo em que ela

mal e mal se dignou entrar.

Rhodan, com o pé, puxou a banqueta para junto de

si. A mesma já pertencera ao equipamento de uma

unidade asiática de transporte.

— Se ela possuir aquilo que entre nós se costuma

chamar de instinto de conservação acabará cedendo.

Vamos logo! Estabeleça a ligação. Afinal, você é ou não é

nosso técnico de comunicações?

Bell deu de ombros. Murmurando uma praga, tirou o

pino da tomada de seu abafador e desapareceu atrás da

cortina. O estranho videofone dos arcônidas havia sido

instalado junto ao leito de Crest. A grande tenda oferecia

mais espaço que a pequena cabina da Stardust.

— Pretende coagi-la? — perguntou o Dr. Manoli,

preocupado.

— Isso mesmo! — respondeu Rhodan. — Acho que

ela se encontra numa dependência tão forte de Crest como

jamais sonhamos. Notei perfeitamente que ele lhe dava

11

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ordens. Para mim, a brincadeira já passa da conta. O que

será de nós se a cada pequeno incidente tivermos de

solicitar seu auxílio? Para meu gosto, a Lua fica muito

longe. Quando chegar o momento crítico, perderemos

minutos ou segundos que poderão tornar-se decisivos.

Precisamos de um equipamento muito mais potente,

inclusive de algumas armas ofensivas. Por favor, não

formule mais perguntas. Se acontecer aquilo de que

desconfio no recanto mais profundo do meu cérebro,

Thora despertará de qualquer maneira. Subestima os

homens. Acha que não somos capazes de coisa alguma.

No meu entender, está cometendo um engano fatal.

— Não compreendo — gaguejou Eric Manoli.

— Procure raciocinar — disse Rhodan com um

sorriso irônico. — O que faria você, como médico, se um

paciente se queixasse de fortes dores? Procuraria resolver

tudo com injeções de morfina, ou tentaria descobrir a

causa das dores para aplicar o tratamento adequado?

— É claro que procuraria arrancar o mal pela raiz.

— Pois é isso — disse Rhodan com um sorriso

forçado. — É isso mesmo. Os serviços secretos das

potências terrestres também procurarão as raízes que, no

nosso caso, ficam na Lua. Não me venha dizer que

acredita que ainda está engolindo a nossa história!

Bell fez um sinal com a mão. Do seu rosto

zombeteiro só se podia concluir que a comunicação havia

sido estabelecida.

Rhodan levantou-se sem a menor pressa. Dirigiu-se

à peça que ficava na parte dos fundos da tenda e colocou-

se diante da tela oval do instrumento dos arcônidas.

A nave estranha estava estacionada do outro lado da

Lua. Ninguém conseguiria alcançá-la com as ondas

ultracurtas comuns. Indagado a este respeito, Crest

limitara-se a declarar que esse problema havia sido

resolvido há muito pelos arcônidas, através da

radiotelegrafia de velocidade superior à da luz.

Para um engenheiro terreno, era mais que difícil

aceitar uma explicação desse tipo sem que surgisse uma

série imensa de perguntas. A montanha de problemas que

tal fato fazia surgir prenderia o técnico por toda a sua

vida.

O rosto de Thora reluziu na tela. Era uma imagem

tridimensional colorida de rara expressividade. Thora era

bela, de uma beleza cativante, mas parecia terrivelmente

despersonalizada na sua tranqüila frieza. Rhodan lançou

um olhar fascinado para os cabelos muito claros, que

formavam um contraste marcante com os olhos vermelho-

dourados, uma das características dos arcônidas.

Há pouco, Rhodan estivera disposto a usar palavras

moderadas, procurando explicar o seu procedimento

através da educação que recebera. Mas, subitamente,

resolveu mudar de atitude.

Não proferiu nenhum cumprimento. Em vez disso,

falou com voz áspera:

— Não me venha explicar que ainda não está na

hora do contato diário. Ouça bem e procure lembrar-se de

que já não sou uma simples figura no seu tabuleiro. Se

não é capaz de reparar as pequenas avarias do mecanismo

propulsor de sua supernave espacial para colocá-la em

condições de decolar, também não se julgue capaz de

impressionar um cientista da Terra e um soldado de elite

com suas palhaçadas. Os homens de minha raça têm mais

coragem e determinação na ponta dos dedos do que os

idiotas da sua tripulação carregam nas cabeças ocas. Se

interromper a comunicação, desligo a cúpula energética.

Queria dizer alguma coisa?

Ela o encarou com os olhos arregalados. Ninguém,

nunca, usara uma linguagem dessas para com a

comandante.

Não desligou. Quando Rhodan prosseguiu, os cantos

de sua boca desceram.

— E agora, madame, preste muita atenção ao que

vou dizer! Eu...

Bell estava convencido de que seu ex-comandante

enlouquecera. Assumiu uma pose de quem se julga o

chefe do enorme império espacial, que Crest designara

como o Grande Império. Ao que parecia, estava esquecido

de que, em meio à Via Láctea, o planeta Terra não

representava mais que um grãozinho de areia no deserto

de Gobi; talvez até menos.

Bell tinha certeza de que alguma coisa não daria

certo.

2

Uma sociedade ou uma aliança defensiva nada mais

é que uma autêntica relação de mútua confiança entre os

participantes.

Sempre que, no âmbito de uma união mundial, seja

estabelecido um sistema secreto de defesa específica, tudo

indica que o quartel-general será instalado num lugar de

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acesso fácil e seguro pelos participantes.

No caso do CID — Conselho Internacional de

Defesa — fora escolhida a ilha da Groenlândia, por ser o

local que oferecia posição geográfica mais favorável. A

gigantesca central defensiva da OTAN fora montada

muito abaixo do solo.

Allan D. Mercant, o chefe onipotente do CID, só

prestava contas de seus atos perante o plenário da

Comunidade de Defesa. Aquele homem delicado, de

aspecto despretensioso, de rosto moreno e testa alta, era

uma criatura muito pacífica quando se tratava de animais.

Poderia, mesmo, ser confundido com o diretor de alguma

sociedade protetora dos animais; e a pessoa a quem

declarasse que ocupava essa posição acreditaria piamente

na sua palavra se o visse nas densas florestas do Canadá,

com a câmera fotográfica equipada com teleobjetiva

diante dos olhos que reluziam num brilho entusiástico.

Mercant não apreciava a caça com arma de fogo,

que não se harmonizava com os princípios que adotara.

Justamente por isso, a atividade profissional a que se

dedicava devia causar surpresa. As más-línguas diziam

que, para o chefe do CID, a saúde de um pobre animal era

mais importante que a vida de um dos seus numerosos

agentes. É claro que não havia em tal afirmativa um pingo

de verdade. Por isso, a única resposta de Mercant diante

de observações mordazes como esta consistia num brilho

irônico dos olhos.

Naquele instante, ele estava parado diante de uma

tela gigantesca. O símbolo luminoso que aparecia no

ângulo superior direito indicava que a câmera de TV se

encontrava num ponto distante da Ásia.

Isso era mais que estranho; há cerca de um mês tal

fato teria causado a maior sensação. A essa hora, porém,

nem mesmo a presença de oficiais e agentes secretos do

bloco oriental parecia impressionar os presentes.

Trinta dias antes teria sido totalmente inconcebível

permitir a entrada de um representante da Federação

Asiática, quanto mais do Bloco Oriental, no quartel-

general do Conselho Internacional de Defesa.

Para levar a surpresa ao máximo, Allan D. Mercant

chegara a expedir convites pessoais.

Foi assim que às primeiras horas da manhã daquele

dia, dois bombardeiros Delta, da Federação Asiática e do

Bloco Oriental, pousaram no enorme aeroporto do

quartel-general.

Os visitantes foram recebidos e cumprimentados por

Mercant em pessoa. No entanto, ele tivera o cuidado de

levar os recém-chegados em um trem fechado por uma

das insondáveis galerias de gelo do quartel-general. De tal

forma que eles já não saberiam indicar com precisão o

lugar em que se encontravam. Viram-se num enorme

salão, bem iluminado, onde reinava uma temperatura

agradável. Ninguém diria que, por cima deles, havia uma

camada de gelo e rocha de quase três quilômetros de

espessura.

Era a central de Mercant, o lugar para onde

convergiam os laços que cimentavam a imponente união

defensiva do Ocidente.

Verdadeiras tempestades de som pareciam irromper

dos grandes amplificadores embutidos. O trabalho de

transmissão do pessoal da televisão chinesa era excelente,

talvez, até, um pouco demais.

Teleobjetivas de grande potência captavam toda a

área em que se situava o alvo. Os olhos dos espectadores

eram atormentados ininterruptamente por raios

ofuscantes. O rugido infernal da detonação dos projéteis

misturava-se ao som grave dos pesados mísseis

teleguiados terra-terra, que eram disparados numa

sequencia incrivelmente rápida das carretas rebocadas por

veículos especiais.

O espetáculo já durava quinze minutos e o fim ainda

não estava à vista. Qualquer diálogo entre os presentes

seria impossível. A transmissão do bombardeio prendia

todas as atenções, até que Mercant desligou abruptamente

o receptor.

Os tubos de imagem relampejaram. A imagem

cintilou ligeiramente antes de apagar-se por completo. O

silêncio passou a reinar no salão.

Mercant passou a palma da mão pela calva

reluzente. Parecia exibir tamanha ingenuidade que o

marechal Petronskij não pôde reprimir uma sensação

desagradável. O chefe da Força Aeroespacial do Oriente

lançou um olhar suplicante para o homem esbelto, de

rosto impassível que se encontrava a seu lado.

Ivan Kosselov, chefe do Serviço Secreto do Bloco

Oriental, não movera um músculo da face durante a

apresentação do espetáculo. Por certo, achara conveniente

conservar a máscara habitual. Kosselov e Mercant já

haviam travado muitas lutas silenciosas das quais o

grande público nem chegava a suspeitar.

Havia mais dois homens que chamavam a atenção.

Eram Lao Lin-to, comandante supremo da Força

Aeroespacial da Federação Asiática, e Mao Tsen, um

chinês do Sul, enorme e de ossos salientes que, segundo

se sabia, desempenhava as funções de chefe do Serviço

Secreto da Federação Asiática.

Dessa forma, as personalidades mais importantes e

influentes dos três grandes blocos de potências estavam

reunidas no abrigo central do QG do CID. Era um fato

estranho; na verdade, mais que estranho.

Os homens olharam-se. Os agentes e assessores, que

se conservavam à distância, nos fundos do salão,

mantiveram-se num silêncio sepulcral. Ali, só os grandes

estavam com a palavra.

Mercant convidou os cavalheiros a entrarem na sala

de conferências. Os guardas retiraram-se. O recinto foi

isolado hermeticamente do mundo exterior.

O pigarro de Mercant parecia encerrar uma

revelação, talvez uma advertência. As cabeças voltaram-

se, os dedos começaram a brincar com os lápis e as

canetas, os cérebros vigilantes tornaram-se mais alertas. O

que desejaria Mercant?

Falou no tom de quem sabe dissimular muito bem

quaisquer preocupações que porventura pudessem surgir

entre suas palavras.

— Admiro a capacidade de resistência do exército

vermelho — principiou em tom amável. — Cavalheiros.

Apesar de todos os esforços da Federação Asiática, um

ligeiro exame da tela nós dá a impressão de que realmente

estamos lidando com um poder infinitamente superior. Os

dados assustadores, colhidos no curso dos acontecimentos

das últimas semanas, bastam para provar que nem os

países da OTAN, nem os do Oriente têm qualquer

participação no que está ocorrendo. Faço questão de

salientar este fato. Peço-lhes encarecidamente que

confirmem que daqui por diante, de uma vez por todas, a

16

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nave espacial Stardust deixará de ser considerada uma

base do Ocidente plantada para fins de provocação em

território submetido à soberania da Federação Asiática.

Por pouco, o equívoco não nos arrasta a uma catástrofe

nuclear. Volto a assegurar-lhes que os cientistas do

Ocidente não conhecem qualquer meio ou instrumento

capaz de produzir fenômenos estranhos como os que se

estão verificando. A Stardust pousou no deserto de Gobi

contra a nossa vontade. Qual é a sua opinião, Sr. Mao

Tsen?

O enorme chinês voltou o rosto sombrio. Seus olhos

escuros brilhavam numa expressão irônica.

— Ora, Mercant! — soou a voz grave. — Vim para

terminar de vez este jogo de esconde-esconde. É claro que

os senhores não seriam capazes de desenvolver armas

desse tipo. Lamento que a desconfiança mútua nos tenha

feito perder um tempo precioso. A única coisa que me

interessa é saber como o major Rhodan encontrou essas

coisas. Pelo que me disseram, os fatos estão diretamente

ligados ao primeiro pouso lunar.

— Ao segundo! — soou uma voz fria.

O sorriso de Mercant enrijeceu. O tom da voz do

chefe da defesa do Oriente era inconfundível. Um sorriso

sombrio aflorou aos lábios do marechal Petronskij.

— Com o segundo pouso lunar tripulado — insistiu

Kosselov em tom inexpressivo. — Fui autorizado a

informá-lo a esse respeito. Nossa nave tripulada partiu

três meses antes da Stardust. Como não costumamos

divulgar nossos fracassos, a queda da nave, que para nós

continua sendo um mistério inexplicável, nunca foi dada

ao conhecimento público.

— Poderia fazer o favor de nos fornecer

informações mais detalhadas? — interveio o general

Pounder, chefe da Força Espacial dos Estados Unidos. Em

seguida, voltou o rosto pálido e perturbado em direção a

Mercant: — Por que o Serviço Secreto do Ocidente nunca

chegou, a saber, disso?

— Pois não — disse Kosselov. — Acho que já não

podemos dispensar um intercâmbio sincero. Nossa nave

caiu sobre a superfície lunar. Sofremos uma perda total;

não obtivemos qualquer comunicado, e não temos a mais

leve indicação do que aconteceu. Sabemos general

Pounder, que a Stardust enfrentou problemas

semelhantes, mas há uma diferença: depois do pouso

forçado, a tripulação voltou a entrar em contato com os

senhores. Daí se conclui, com toda a segurança, que,

pouco antes do pouso, a nave foi arrancada da órbita em

virtude de uma falha do equipamento de teledireção. Foi

exatamente o que aconteceu com a nossa nave. Face à

semelhança dos casos, resolvemos solicitar o seu auxílio.

Temos motivo para acreditar que algo de misterioso deve

existir no nosso satélite. A interpretação dos dados

disponíveis leva, ainda, à conclusão de que o major

Rhodan demonstrou mais habilidade que nossos homens.

O fato é que foi mais feliz, pois conseguiu sobreviver ao

pouso forçado. Não temos a menor explicação para o que

aconteceu depois. Há um fato básico que assume a maior

importância: tanto a nave do Oriente como a do Ocidente

enfrentaram situações de grave emergência em virtude de

defeitos no sistema direcional, surgidos sem causa

aparente. É impossível responsabilizar os blocos de

potências rivais pelo que aconteceu. Os fatos são estes.

Mercant confirmou com a cabeça.

— Cavalheiros, já lhes transmiti com todos os

detalhes as notícias e explicações recebidas do major

Perry Rhodan. Nosso ex-piloto espacial comunicou

simplesmente que encontrou na Lua vestígios de uma

estranha civilização dotada de inteligência superior e um

avanço tecnológico fantástico. É de lá que provêm às

armas e equipamentos infinitamente mais potentes que os

nossos. Contrariando ordens que lhe demos, Rhodan

pousou no deserto de Gobi. Daí em diante, vem recusando

qualquer contato conosco, limitando-se a dizer que

representa a chamada terceira potência. No momento, não

estamos interessados na definição desse termo. O que

importa são os fatos, que, em última análise, encontram

seu remate numa cúpula energética impenetrável que

representa o maior mistério de todos os tempos.

Acabamos de ver, com os nossos olhos, que de nada

adianta um bombardeio com armas convencionais.

— Pois nos deem armas mais eficientes! — disse o

chinês em tom amargurado. — Façam alguma coisa para

endireitar as conseqüências catastróficas da traição

cometida pelo piloto dos senhores. A esta altura já

devíamos estar de acordo em um ponto: Perry Rhodan

investe contra todo o mundo. Transformou-se no inimigo

público número um. Se não conseguirmos eliminar aquele

misterioso campo de força e reduzir a tripulação da

Stardust à impotência...

—...nesse caso, poderíamos ser forçados a unir-nos

— interrompeu Mercant, num tom ligeiramente irônico.

Kosselov pigarreou. Lançou um olhar pensativo;

sobre os homens que se encontravam reunidos.

— Somos da opinião que, ao usar os meios de que

dispunha para impedir uma guerra nuclear, Rhodan não

praticou nenhum ato de alta traição. Pelo contrário —

disse o marechal Petronskij. — Os senhores mesmos,

dominados pelo pânico, comprimiram os tais botões.

Acontece que os mísseis nucleares não explodiram.

Portanto, se hoje podemos realizar esta conferência,

devemos isso a Perry Rhodan. É este o lado positivo dos

acontecimentos, e que não deve ser ignorado.

— Ninguém está ignorando este aspecto —

observou Mercant com a voz tranquila. — Todavia, cabe

lembrar que dificilmente teria havido o tão falado aperto

de botões se Rhodan não tivesse pousado no território da

Federação Asiática. Emitimos numerosas notas nas quais

asseguramos que esse pouso não correspondia aos nossos

desejos. Apesar disso, Pequim preferiu acreditar que se

tratava de uma base ocidental para fins de provocação.

Mas, deixemos isso de lado! A esta altura só nos interessa

saber de que forma poderemos chegar a um acordo.

— Alguma coisa deve ser feita — disse Mao Tsen,

enfatizando as palavras. — Estamos decididos a não

tolerar a terceira potência em território da Federação

Asiática. O ato de Rhodan constitui um crime contra a

ordem mundial. Ele se opõe a uma potência soberana do

nosso planeta.

— O senhor devia considerar o ponto de vista de

Rhodan — disse o general Pounder em tom ressentido. —

Acho que nesta conferência devemos usar de toda a

franqueza. E, para falar francamente, permita que lhe diga

que, a meu ver, corresponde plenamente aos objetivos da

paz mundial, que uma força neutra exerça certo controle

sobre nossos atos. Não é necessário ressaltar que, antes,

reinava uma tensão horrível no plano internacional. O

18

Page 83: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

83

pouso de

Rhodan no Gobi não foi o fator decisivo que fez

com que os botões que acionam as armas nucleares

fossem comprimidos no Oriente e no Ocidente. Talvez

fosse a fagulha que provocou a explosão, depois de

termos acumulado quantidades enormes de explosivos

numa guerra de poder que já duravam alguns decênios.

O chefe do Serviço Secreto do Bloco Oriental

parecia nervoso.

— General Pounder — disse com a voz apagada. —

Até parece que o senhor continua a ver em Perry Rhodan

a criança mimada do seu programa espacial. Permita que

lhe diga que também nós não podemos concordar com

essa potência que surge de uma hora para outra. Sem falar

na situação jurídica, completamente insustentável, não há

como nos rebaixarmos a tal ponto que nossos governos

fiquem sujeitos às ordens de quem quer que seja! Quem

nos garante que Rhodan não se transformará em um

imperador mundial? Por enquanto, seu reino é pequeno;

está reduzido à imobilidade, já que se acha preso no

interior daquela misteriosa capa protetora. Acho que já é

tempo de engajarmos o potencial industrial, e científico

de todas as potências na luta contra Rhodan. E, antes de

tudo, devemos descobrir quem está por trás dele. Não

acreditamos nas informações do CID.

Um sorriso forçado esboçou-se no rosto de Mercant.

Ele se levantou. Estava pensativo.

— Eu os convidei a comparecerem ao quartel-

general do CID para informá-los sobre os dados mais

recentes colhidos por nossa organização. Todos os fatos

conhecidos foram processados pelo maior e mais potente

dos computadores eletrônicos da Terra. Para não dificultar

a obtenção de um resultado final válido, preferimos não

formular questões sobre os aspectos favoráveis ou

desfavoráveis de uma tecnologia avançada nas mãos de

um homem nascido em nosso planeta. Dessa forma,

continua em aberto a indagação sobre se Rhodan tenciona

desempenhar o papel de guardião pacífico da

humanidade, visando ao desenvolvimento e ao progresso,

ou se pretende usar os instrumentos infinitamente

superiores de que dispõe para entregar-se a uma nova

forma de imperialismo.

— É isso o que ele vai fazer! — disse Kosselov, em

tom exaltado. — Que motivo poderia ter para não

proceder dessa forma?

— Um momento — disse Mercant, com uma

cortesia gélida. — Aprecio a oportunidade desse

encontro, e todo homem inteligente e amante da paz devia

fazer a mesma coisa. Nem por isso, porém, deixo de

condenar a conduta ilegal de um homem que partiu como

major da Força Espacial e retornou ao nosso planeta como

ditador. Pouco importa que Rhodan tenha, ou não, feito

um favor à humanidade torturada por tantos pesadelos. O

certo é que impediu uma guerra nuclear. Nesse ponto, não

posso deixar de concordar com o general Pounder. Todas

as reações nucleares conhecidas tornaram-se

impraticáveis. Estabelecemos uma união forçada que, a

meu ver, forma os laços suaves que conduzirão a uma

coligação entre as grandes potências. Estamos todos

unidos contra um homem. São estes os únicos fatos

relevantes a serem considerados nesta oportunidade.

Gastamos semanas em indagações sobre os

acontecimentos misteriosos que, certamente, se

desenrolaram na Lua. Os dados fornecidos por Rhodan já

são do seu conhecimento. Seus serviços de escuta

captaram as mensagens radiofônicas trocadas entre o

Comando Espacial dos Estados Unidos e o major Rhodan.

Por elas se percebe que o major Rhodan insiste na

afirmativa de ter encontrado na Lua as criações de uma

raça infinitamente superior, e que delas se apoderou em

benefício da humanidade. Recusa-se a entregar os

produtos de sua descoberta a qualquer governo da Terra.

É claro que, sob o ângulo estritamente jurídico, cometeu

os crimes de deserção, alta traição e indisciplina, entre

outros. Mas não devemos confundir causas com efeitos.

Aqui, não podemos aplicar os padrões jurídicos

habituais, ainda mais que Perry Rhodan renunciou à sua

patente e à cidadania americana. Tornou-se, pois, um

apátrida. Diz ser um cidadão do mundo e não se submete

à autoridade dos juizes terrenos.

— É uma posição juridicamente insustentável! —

interrompeu Kosselov, em tom exaltado.

— Sem dúvida — confirmou Mercant. — É mais do

que isso. A situação é totalmente confusa. Mas será

preferível deixarmos o nosso juízo a este respeito para

quando tivermos condições de adotar medidas práticas

contra Rhodan. No momento, tudo não passa de palavras,

e estas são totalmente infrutíferas na situação em que nos

encontramos. Devemos nos ocupar exclusivamente com

fatos.

Mercant sentou. Fez um ligeiro gesto com a mão.

Uma enorme tela iluminou-se. A partida da nave tripulada

Stardust foi apresentada.

As imagens da nave foram surgindo. Finalmente,

viram os preparativos para o pouso na Lua, fotografados

pelos instrumentos de bordo. As fotografias da estação

tripulada Freedom-I foram apagadas. Eram excelentes

filmes e registros em fita obtidos através de ondas

infravermelhas. Ouviu-se a última mensagem radiofônica

de Rhodan. Logo após soou o apito estridente do alarma

eletrônico e o chiado agudo do pedido de socorro

codificado QQRXQ. O equipamento direcional

automático da Stardust deu sinal da cessação do

funcionamento da teledireção de Terra. As últimas

fotografias mostraram a nave se precipitando, em ângulo

reto, sobre a superfície da Lua, numa queda

aparentemente descontrolada. Por fim, desapareceu atrás

da curvatura do polo lunar.

Mercant mandou desligar o aparelho.

— Acabamos de assistir aos preparativos da

decolagem e a queda — disse. — Até aqui, tudo foi claro.

Acreditamos que tenha havido alguma falha ou acidente.

Houve quem falasse em sabotagem. O que sabemos é que,

subitamente, a nave deixou de reagir aos impulsos da

teledireção, embora seus receptores estivessem em

perfeitas condições. O retorno à Terra prova isso. São

estes os resultados finais e incontestáveis a que chegou o

computador eletrônico. Agora, os senhores verão o

relatório de técnicos que analisaram os resultados

fornecidos após a análise dos últimos dados. Dele se

conclui, sem sombra de dúvida, que Perry Rhodan não

está sozinho. Atrás dele existe alguma coisa

desconhecida, apavorante. Os senhores hão de

compreender que, por enquanto, é inútil realizar qualquer

jogo de estratagemas jurídicos. O que importa saber é

quem detém o poder. Se for Rhodan, não teremos

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alternativas senão lembrar, com um sorriso amarelo, o

velho ditado, segundo o qual o mais forte sempre tem

razão. Concordam comigo?

Kosselov já havia chegado à mesma conclusão. Os

representantes da Federação Asiática protestaram em

termos veementes. Mercant só pôde dar de ombros.

— Sr. Mao Tsen, partilhamos irrestritamente da sua

indignação. Acontece que não estamos em condições de

tomar qualquer medida efetiva contra a invasão do seu

território, praticada por Rhodan. Os senhores lançaram

mão de suas divisões de elite e as armas mais avançadas

de que dispõem. Qual foi o resultado? Dispararam

projéteis que valem milhões contra a indestrutível

muralha energética. Rhodan não mexe um dedo. Segundo

os princípios da lógica conclui-se que o homem se sente

invulnerável. Recomendo-lhes que desistam e se

contentem com um bloqueio total da área. Provarei que o

verdadeiro mal está localizado na Lua. Ao que parece,

Rhodan não passa de uma figura subalterna de um grande

jogo.

Com estas palavras, Mercant exprimiu de forma

indireta aquilo que um homem que se encontrava longe

dali havia dito numa clarividência notável. Prosseguiu em

tom firme:

— Para exterminar o mal pela raiz, teremos de

pousar na Lua. Pousar ou atacar, tanto faz. Ouçamos o

relatório sucinto de nosso computador.

Voltando-se para os técnicos, Mercant ordenou:

— Podem ligar.

Ouviu-se um ligeiro estalido nos amplificadores,

depois...

— Pressupõe-se que os dados fundamentais sobre a

decolagem e o pouso da nave sejam conhecidos. O

retorno a Terra foi levado a efeito sob controle eletrônico

remoto. A penetração na atmosfera terrestre transcorreu

normalmente. O acontecimento mais importante que

levou à constatação precisa desses fatos consiste no ato de

rebeldia cometido pelo major Rhodan ao pousar no Gobi

Central, em território asiático. O plano de construção e a

planta de equipamentos da Stardust provam que, antes da

decolagem, seus tripulantes não tinham a menor condição

de utilizar armas e instrumentos mais aperfeiçoados. A

interpretação dos dados disponíveis permite concluir com

absoluta segurança que o comandante da Stardust

encontrou, na Lua, produtos de uma indústria

extraterrena.

— Que sabedoria! — resmungou Mao Tsen, com

ironia. — Até aí já sabíamos. É só?

A voz monótona do aparelho voltou a soar. A tela

mostrou o foguete na área de pouso.

— Com base nas declarações confusas do piloto

Clark G. Fletcher, capitão da Força Espacial, verifica-se

que o major Rhodan forçou os membros da tripulação a

tolerarem o pouso proibido. O capitão Fletcher foi preso

pelos serviços australianos de segurança. O tratamento

leviano a que foi submetido durante o interrogatório

produziu um derrame cerebral. Pelo que se depreende das

gravações em fita e dos relatórios médicos, o sistema de

memória de Fletcher foi inutilizado por um bloqueio

hipnótico parapsicológico. Assim mesmo, conseguiu-se

apurar sem sombra de dúvidas que Fletcher foi obrigado a

obedecer às ordens de seu comandante. Os funcionários

que causaram a morte de Fletcher estão sendo

processados.

— Que habilidade! — ironizou o chinês.

O relatório prosseguiu com uma apresentação

detalhada dos resultados das investigações. Fez uma

reconstituição da conduta dos outros tripulantes, o Dr.

Manoli e o capitão Reginald Bell, baseado nas escassas

informações fornecidas pelos agentes dos serviços

secretos do Ocidente e do Extremo Oriente.

A exposição terminou com estas palavras:

— O desaparecimento misterioso do Dr. Frank

Haggard, especialista em doenças do sangue, deve ser

encarado como um aspecto importante. E a interpretação

dos atos de Rhodan, com base em cerca de onze milhões

de possibilidades, dá a explicação desse fato. Admite-se,

com 99% de probabilidades de acerto, que o major

Rhodan trouxe à Terra um ser vivo não humano, que sofre

de uma doença do sangue. O exame dos preparativos

tomados pelo Dr. Haggard permite a conclusão segura de

que se trata de leucemia. Apuraram-se quais foram os

aparelhos e medicamentos que levou consigo. A

probabilidade de acerto é de 100%.

Desta vez, Mercant esperou, em vão, por qualquer

objeção do chefe do Serviço Secreto da Federação

Asiática. Mao Tsen parecia estarrecido na sua poltrona.

— Incrível! — murmurou Kosselov.

Mercant continuou a observar os presentes. O

general Pounder estava mergulhado em profunda

meditação. O relatório foi concluído com uma observação

lacônica:

— A declaração de Rhodan, de ter encontrado na

Lua a herança abandonada de uma raça não humana, e de

ter conseguido utilizá-la pela forma já conhecida, é

rejeitada com absoluta segurança, por não corresponder à

verdade. O exame cuidadoso dos dados técnicos e

científicos leva à conclusão de que nenhum homem seria

capaz de compreender, em poucos dias, o funcionamento

de armas e aparelhos totalmente desconhecidos. A

utilização da chamada cúpula energética exige

conhecimentos tão estranhos à espécie humana, que deles,

nenhum engenheiro terreno dispõe. Considerados todos os

fatos, calculou-se com uma probabilidade de 100% que só

o conhecimento aproximado da mecânica da cúpula

energética exigiria três ou quatro anos de trabalho de uma

equipe de pesquisas altamente qualificada. Para o domínio

completo do instrumental seriam necessários outros três

ou quatro anos. Conhecemos o quociente intelectual dos

quatro pilotos. Nunca seriam capazes de, num trabalho

conjunto, compreender a aparelhagem e, muito menos,

pô-la a funcionar. Eliminados os dados irrelevantes e

calculadas cuidadosamente sessenta e quatro milhões de

possibilidades, chega-se com segurança absoluta ao fato

de que, contrariamente às declarações de Rhodan, este

encontrou na Lua seres estranhos de inteligência

extraordinária. À falta de dados básicos não é possível

apurar os objetivos específicos de Rhodan. Parece

recomendável atacar com meios adequados a base dos

seres desconhecidos, situada na Lua, ou tentar estabelecer

relações diplomáticas.

Com estas palavras, terminou o relato dos fatos

interpretados pelo maior computador da Terra.

Mercant levou duas horas para dar respostas às

inúmeras perguntas dos presentes. Cálculos detalhados

foram solicitados e fornecidos prontamente pela máquina.

22

Page 85: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

85

O computador desenvolveu uma lógica perfeita e

cristalina. Finalmente, Kosselov tocou no ponto crítico.

— Não temos dúvidas de que os dados fornecidos

são corretos. O computador recomenda um ataque com

meios adequados. Os senhores dispõem desses meios?

Não é necessário ressaltar que nossas armas nucleares não

terão qualquer efeito. Não conseguimos nem romper a

cúpula protetora da Stardust! O que me diz Sr. Mercant?

Este lançou um olhar pensativo aos presentes. Não

trazia nos lábios o sorriso habitual.

— Em que condições estão suas naves espaciais,

Kosselov?

— Nossa nave está pronta para decolar a uma

semana. Com uma tripulação de seis homens e carga útil

de 92 toneladas.

O general Pounder fungou. O que acabara de ouvir

era um golpe. Seis homens, mais noventa e duas

toneladas! O Bloco Oriental continuava um passo à

frente.

— O que nos diz marechal Lao Lin-to?

— Podemos decolar a qualquer momento —

respondeu o comandante supremo da Força Aeroespacial

da Federação Asiática. — Tripulação, quatro homens;

carga útil, 58 toneladas. Os defeitos que causaram a

explosão de nossa primeira nave lunar foram removidos.

Mercant pigarreou antes de falar.

— Amanhã, a nave do Ocidente estará em condições

de decolar. É a Stardust-II. A tripulação continua a ser de

quatro homens e a carga útil é de 64 toneladas. Peço-lhes

que providenciem quanto antes um encontro dos técnicos

em naves espaciais. Todas as naves devem partir da Terra

ao mesmo tempo. Se houver diferenças sensíveis no

tempo previsto para o percurso, estas devem ser

compensadas de tal forma que as três naves entrem

simultaneamente na mesma órbita lunar. Será que

conseguirão isso?

— Para quê? — perguntou Kosselov, asperamente.

— Que tolice é essa? Quer atacar com quê? Se lá em cima

existe uma base ocupada por inteligências superiores,

nossos pilotos terão uma surpresa bastante desagradável.

Afinal, quais são suas intenções?

Mercant respondeu em tom delicado.

— Antes de tudo, será necessário tomar

providências para que o comando das naves seja manual.

Temos instruções para que lhes sejam fornecidos dados

exatos sobre os instrumentos de localização que se tornam

necessários. A base desconhecida só pode estar localizada

numa área bem delimitada junto ao pólo sul lunar.

Mais tarde, forneceremos as coordenadas exatas.

Sabemos perfeitamente em que ponto nossa nave realizou

o pouso forçado. Os seres estranhos só podem estar em

local próximo a este ponto, circunstância que é

confirmada pela interpretação dos dados realizada pelo

computador. Obtivemos dados muito mais abundantes do

que se poderia imaginar. Estão dispostos a trabalhar de

mãos dadas com o Ocidente?

Depois de mais duas horas este ponto foi esclarecido

e fixado por escrito num protocolo especial de coalizão.

Só depois disso, Mercant apresentou seu grande trunfo.

— O senhor perguntou como atacaremos. Por favor,

preste atenção!

Desta vez foi um oficial do Ministério da Defesa

quem ligou a tela.

Uma ilha minúscula surgiu. Ao que parecia estava

deserta. O caos teve início com uma esfera de gases

incandescentes. O rugido que saía pelos amplificadores

não parecia desse mundo. As energias primitivas

desencadeadas formavam uma coluna que subiu

vertiginosamente ao céu azul. Vagas enormes, um calor

terrível, uma atmosfera dilacerante.

— Trata-se de nossa experiência mais recente —

declarou Mercant. — É uma bomba de fusão de cem

megatons. Há três meses conseguimos aplicar o princípio

da fusão nuclear a frio, já estabelecido no campo teórico.

Isso significa que a nova bomba não depende de um

dispositivo térmico para desencadear a fissão nuclear. A

bomba catalítica funciona com base em átomos de mésio.

Basta utilizar um dispositivo químico de ignição que

funciona a uma temperatura de apenas 3.865 graus

centígrados para que a reação nuclear tenha início. Não

temos necessidade de nêutrons livres. Dentro de quinze

dias, a nova bomba catalítica estará em condições de ser

transportada e, portanto, utilizada. Um grupo de

transporte americano fará a entrega, de acordo com o

protocolo que acaba de ser firmado. Por enquanto,

preferimos não utilizar a nova bomba contra Perry

Rhodan. Se destruirmos sua base na Lua, ele se renderá.

Mais alguma pergunta?

Muitas perguntas foram feitas. Todas elas

conduziram a um fato incontestável: nunca antes as

grandes potências tinham mostrado suas cartas mais

secretas pela forma como o estavam fazendo naqueles

dias.

Um homem alto e louro, de gestos delicados, cujo

rosto revelava bastante autocontrole, observava

atentamente as reações do chefe do Serviço Secreto, um

personagem quase onipotente. E uma vez terminada a

sessão, breve, mas importante, pediu dispensa das funções

de observador especial e oficial de ligação do Conselho

Internacional de Defesa e solicitou permissão para atuar

na China.

Mercant atendeu ao pedido. Ao retirar-se, o homem

alto teve a impressão de sentir o olhar do chefe pousado

na sua nuca. Costumava-se dizer que o cérebro de

Mercant era dotado de qualidades excepcionais. De

qualquer maneira, atendera ao desejo razoavelmente

fundamentado de seu melhor agente. Mas não deveria ter

sorrido de forma tão estranha.

Lá fora, ouviam-se os rugidos dos pesados

bombardeiros Delta dos visitantes que deslizavam sobre a

pista. O QG do CID voltou à rotina. Allan D. Mercant

estava satisfeito, tanto quanto isso era possível em meio

aos acontecimentos.

No entanto, dizia-se que seu cérebro possuía uma

elevada capacidade parapsicológica. E quase todos os

visitantes que naquele dia compareceram ao QG haviam

menosprezado esse fato. Só um homem estava meditando

a respeito. Para ele, a idéia constituía um foco de

permanente inquietação.

— Deixemos que os dados rolem — murmurou

Mercant.

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3

Duas horas da madrugada. Num gesto brusco, o

homem magro que ostentava as divisas de tenente-general

baixou a mão.

No mesmo instante, irromperam as fúrias do inferno.

As bocas de cerca de seis mil canhões e lança-foguetes

começou a cuspir fogo.

Em toda a história militar da humanidade jamais

houvera um fogo cerrado como este. Nunca antes, mil e

quinhentas baterias, quase todas compostas dos calibres

mais pesados, concentraram seu fogo sobre um alvo que

não era maior que um jardim.

O cerco continuava com a única diferença que novas

divisões haviam sido mobilizadas nos últimos trinta dias.

Desde alguns dias antes, o território delimitado pela

cúpula energética passara a ser bloqueado por um cordão

quíntuplo de tropas.

Pouco depois da abertura do fogo, seis mil projéteis

de calibres variados golpearam a cúpula protetora. A

pontaria foi concentrada numa área de cinquenta metros

quadrados, situada a vinte metros acima do solo.

Foi ali, e somente ali que detonaram cargas

explosivas. Era a última tentativa de romper a muralha

energética, após uma série de ataques infrutíferos.

O QG ficava numa elevação, a treze quilômetros da

linha divisória do território ocupado por Rhodan.

As posições de artilharia ficavam mais ao norte. As

baterias pesadas foram instaladas a trinta quilômetros do

alvo. Os canhões convencionais voltaram a ser utilizados,

pois ao que tudo indicava o pequeno grupo que ocupava o

território bloqueado fora reduzido à imobilidade.

Já não se notava o menor indício de um estado de

ausência de gravidade. Por isso, o general Tai-tiang

ordenara o novo ataque.

Os oficiais de seu estado-maior olhavam fixamente

para o alvo. Entre eles havia cientistas, inclusive peritos

em armamentos. A força de impacto dos projéteis que

atingiam o alvo ao mesmo tempo chegava a vários

milhões de toneladas. As ondas de pressão que se

sucediam sem cessar teriam sido suficientes para aplainar

uma cadeia de montanhas. Ficaram observando o

espetáculo durante quinze minutos, sem trocar uma única

palavra. A essa distância, a área atingida parecia uma

mancha incandescente de dez centímetros, que constante-

mente expelia raios fulgentes.

A cúpula energética, normalmente invisível, emitia

um brilho esverdeado. Junto ao local dos impactos

assumia uma tonalidade violeta. Nada mais aconteceu. A

cúpula reluzente parecia um símbolo brilhante em meio à

noite impregnada de uma luminosidade vermelha.

— Este bombardeio arrasaria as fortalezas mais

resistentes do mundo — disse Tai-tiang, em tom

ressentido. — De que tipo de máquinas disporá essa

gente? Como será possível resistir a um fogo cerrado

destes com a mesma facilidade de quem se abriga de

bolinhas de gude atiradas contra uma parede de aço? O

que está acontecendo?

O chinês voltou à cabeça num gesto repentino. Seus

olhos pareciam chispar fogo. Tai-tiang sabia

perfeitamente que estava prestes a atirar outro bilhão do

patrimônio do povo contra uma parede misteriosa.

— Os ilustres cientistas envolvem-se num silêncio

desnorteante — resmungou. — Muito bem! Será que seus

colegas do Ocidente têm alguma coisa a dizer?

As equipes de observação de americanos e europeus

haviam chegado quinze dias atrás. A delegação do Bloco

Oriental presenciara o fracasso catastrófico do Exército

Asiático desde o início. Os conselhos e as recomendações

tornavam-se cada vez mais raros. E agora, os colegas do

Ocidente viram-se brindados com olhares irônicos.

Um dos maiores físicos nucleares dos Estados

Unidos procurou fazer-se ouvir por cima do trovejar dos

canhões distantes. Só com grande esforço, aos gritos,

conseguiu ser entendido.

— Cavalheiros, deixamos perfeitamente claro aos

senhores e aos seus governos que nem mesmo nós

dispomos do elixir da sabedoria. Aqui nossos

conhecimentos científicos e a experiência dos nossos

técnicos esbarram numa muralha intransponível.

Recomendo encarecidamente que voltem a consultar as

equipes médicas e psicológicas. Se algo puder ser feito,

isso só é possível através da prostração nervosa dos

inimigos que se encontram cercados.

— Tentaremos no devido tempo — disse o

comandante em tom nervoso. - Acha que foi por nada que

tivemos o trabalho infernal de instalar estas baterias?

Lançamos mão de quase toda a frota de aviões de

transporte da Federação Asiática para garantir o

abastecimento de munições. Não compreendo que os

senhores não estejam em condições de fornecer qualquer

cálculo aceitável. Deve haver uma maneira de destruir

esse complexo. Se para isso precisarmos de mais mil e

quinhentas baterias, é só avisar.

A discussão tornou-se mais acalorada. Há apenas

treze quilômetros dali, um verdadeiro inferno foi

desencadeado num espaço bastante restrito.

— Eu ficaria louco se estivesse ali — disse um civil

de estatura baixa e lábios ressequidos. Seus olhos

procuraram a figura alta em meio à penumbra do abrigo

de observação.

O homem aproximou-se. Apesar da elasticidade dos

seus passos, parecia arrastar os pés. Quando surgiu na luz

débil das lâmpadas semiapagadas, seu rosto exprimia uma

tranquilidade surpreendente.

Sem dizer uma palavra, dirigiu o potente binóculo

para oeste. Logo após, lançou um olhar sobre o relógio.

Perto dele, a luminosidade verde de um isqueiro

rompeu a escuridão. O tenente Peter Kosnow, agente

especial dos Serviços Secretos do Oriente, fumava em

baforadas rápidas e nervosas.

Este se sentia tomado de sentimentos caóticos. Não

era fácil ficar parado em meio àquele ajuntamento de

oficiais de alta patente. Em condições normais, Kosnow

não teria dado a menor importância aos militares. Até

então, os poderes extraordinários de que se achava

investido haviam bastado para manter um relacionamento

satisfatório também com esse tipo de gente. Na maioria

das vezes, tinham de submeter-se às ordens dele, que não

passava de um simples tenente do Serviço Secreto. A

situação não sofrera qualquer modificação, pelo menos

nas aparências. Enquanto não se conseguisse enxergar

atrás da testa daquele homem robusto, ele continuaria a

ser considerado o representante de uma organização

superpoderosa.

Ele mesmo, porém, acreditava que todos notariam a

26

27

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inquietação de que se achava possuído. Tornou-se

inseguro e insatisfeito consigo mesmo. Lutou para manter

o autocontrole e esforçou-se para não despertar a menor

desconfiança.

Pensou no cigarro que mal começara a fumar. O

brilho apagou-se. Só o rosto estreito do homem que se

encontrava diante dele destacou-se na luminosidade dos

televisores.

No íntimo, Kosnow começava a duvidar de seu novo

amigo. Nem por um segundo chegou a pensar na

possibilidade de que o capitão Albrecht Klein, agente

especial do Conselho Internacional de Defesa pudesse

cometer uma tolice. O que não o impedia de achar que a

audácia do colega constituía uma rematada loucura.

Kosnow reprimiu um pigarro. A discussão travada

em altas vozes entre os oficiais e cientistas veio bem a

propósito, pois fornecia uma verdadeira cortina sonora

que encobria a conversa dos dois homens.

Albrecht Klein, promovido havia apenas três

semanas pelo próprio Allan D. Mercant, ao posto de

capitão do CID, descansou o binóculo num gesto

vagaroso. Lançou um olhar perscrutador para os homens

que gesticulavam nervosamente. Permitiu-se um repuxo

irônico dos cantos da boca.

— São exatamente dez horas e dezoito minutos —

disse em voz baixa. — O que houve meu camarada? Seu

rosto parece ter sido tirado de um museu de cera!

Kosnow soltou um palavrão. Sua voz tinha um tom

gutural. Klein continuou:

— Há seis horas que o grupo de transportes pousou

na Sibéria. Há esta hora, a nave lunar de vocês já deve ter

a bordo a nossa nova bomba. E eu não gosto de nada

disso.

Depois, em silêncio, examinou o seu colega do

Oriente com um olhar atento. Os olhos de Kosnow

estavam fixados na cúpula energética que se desenhava

nitidamente em meio à noite.

— São formidáveis — cochichou ao ouvido de

Klein. — Se tivessem praticado o menor ato que pudesse

ser considerado um atentado aos direitos humanos eu

seria o maior inimigo deles — e também de você. Mas

como as coisas estão não posso; e isso me deixa doente.

Você compreende amigo?

Klein deu uma risada.

— A quem vai dizer isso! Só sei que impediram a

guerra nuclear que estava para ser iniciada. Também sei

que Rhodan não pretende favorecer qualquer das partes.

Tenho um medo terrível de que amanhã ou depois as

coisas mudem. A desconfiança e o medo que reinavam

entre os homens cederam porque um novo inimigo surgiu.

Como se sentem diante de uma ameaça comum, adota um

procedimento comum. E isso vale muito. Ninguém teria

alcançado a tão desejada paz mundial de forma mais bela,

rápida e eficiente. Enquanto Rhodan desempenhar as

funções de terceira potência, nós formaremos uma

unidade coesa. Quanto mais durar, tanto mais

intensamente a idéia do seu poderio inacreditável

penetrará na mente dos homens e mais fortemente

solidificaremos nossa união. Se a situação perdurar por

mais alguns anos ou décadas, teremos uma Terra unida.

Nestas condições, não vejo por que lançar mão de todos

os recursos para eliminar Rhodan. Quando ele estiver

liquidado, a guerra fria irromperá de novo. Sejamos

honestos quanto a isso!

— É uma conclusão clara e absolutamente lógica —

Kosnow esboçou um sorriso triste. — Mas há um senão.

Ninguém sabe que rumo tomará a personalidade de

Rhodan. Ele não passa de um homem, mesmo que

estejamos entusiasmados por ele.

— Sou o único homem que manteve contato pessoal

com ele depois que pousou na Terra. Também sou o único

que viu o tal Crest. A esta altura, nossos ilustres chefes já

chegaram à conclusão de que um ser extraterreno se

encontra em companhia de Rhodan. Isso revela um poder

de observação genial. Acontece que não viram Crest.

Estou convencido de que Rhodan é predestinado a cuidar

de toda a Terra. Decida logo, Peter! Veja o nosso

exemplo. Quando nos encontramos há cerca de dois

meses, pegamos instintivamente nas armas.

— Rotina. E reflexo condicionado — retificou

Kosnow.

— Pode ser. Tanto pior, se tivermos de nos exprimir

por essa forma. A esta altura, acho que não é mais que

nosso dever fazer alguma coisa pelo mundo que vivemos.

Para mim a guerra nuclear frustrada graças à intervenção

de Rhodan representou o golpe final. Que diabo! Até onde

chegamos! Vivíamos todas as horas do dia num medo

constante do amanhã. Não quero que isso se repita. Uma

tentativa malograda basta! Bem, não tenho mais nada a

dizer. Já o informei sobre o resultado da conferência da

Groenlândia. A bomba ainda é um assunto rigorosamente

confidencial. Nenhum dos homens que aqui se encontram

sabe coisa alguma a respeito. Até mesmo o general Tai-

tiang é um homem tão sem importância que não merece

ser informado sobre a nova arma nuclear. Segundo a

vontade dos grandes chefes, o bombardeio da cúpula não

passa de uma manobra planejada e executada de forma a

mantê-lo ocupado e para desviar a atenção que poderia ser

atraída pelo lançamento de naves tripuladas. Depois que a

base na Lua tiver sido destruída, os chineses evacuarão a

área e um bombardeiro ocidental soltará uma única

bomba sobre a região.

O capitão Klein voltou a olhar para o relógio. Seus

trajes escuros mal se destacavam da escuridão que reinava

no fundo do abrigo. Kosnow permaneceu calado. Seus

dentes vigorosos morderam o lábio inferior. Ainda

hesitava.

— Minha missão começará dentro de oito minutos.

Você participará dela. Decida logo! Aqui ainda podemos

falar à vontade.

A figura de Klein submergiu na escuridão. Alguns

segundos depois ele fez continência a alguns oficiais

uniformizados dos Serviços Secretos das três potências

que participavam da operação.

O representante do Serviço de Defesa da Federação

Asiática era o major Butaan; o do Serviço Secreto do

Bloco Oriental, o coronel Kalingin; e o do CID, o coronel

Cretcher.

Haviam elaborado um projeto conjunto cujo valor

prático seria testado por um comando composto de

agentes especiais do Ocidente e do Oriente.

Peter Kosnow também surgiu na luz abafada. Gestos

rápidos, palavras ditas em voz alta.

O general Tai-tiang juntou-se aos homens que

aguardavam. Seu aperto de mão foi cordial, mas seus

olhos negros emitiam um brilho frio. 29

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— Agirei conforme o combinado. Procurem

executar os planos dos serviços de defesa. Se

conseguirem poderão contar com a nossa gratidão.

Quando pretendem penetrar na área bloqueada?

— As três em ponto, senhor — respondeu o capitão

Klein. — Pedimos-lhe encarecidamente que volte a

transmitir instruções precisas aos comandantes das

respectivas unidades. Não gostaríamos que nossa gente

nos matasse por engano.

O general chinês franziu a testa. Depois sorriu. Ao

que parecia, a expressão “nossa gente” soara um pouco

estranha aos seus ouvidos.

— Não se preocupem. Não haverá nenhum engano

da nossa parte. O helicóptero está esperando.

— Está na hora — insistiu o coronel Cretcher.

— É necessário que nossos homens estabeleçam

contato antes do nascer do sol — interveio o coronel

Kalingin. — Se Rhodan reagir conforme desejamos,

poderão suspender o fogo às oito da manhã.

— Tomara que isso aconteça — murmurou Tai-

tiang. — Soltem o demônio em tempo e tenham cuidado

para não contaminar os nossos soldados. De que se trata?

O coronel Cretcher não satisfez a curiosidade do

chinês.

— Trata-se de uma descoberta dos cientistas

ocidentais — limitou-se a dizer. — O senhor há de

permitir que nos retiremos.

Klein e Kosnow desceram em companhia dos

oficiais. Numa das salas do abrigo fora instalada a central

de comando dos Serviços Secretos. Um médico aplicou as

últimas injeções. Isso foi feito com uma seringa

hipodérmica especialmente esterilizada e guardada, que

injetou o medicamento diretamente na corrente sanguínea.

— Alguma reação? — perguntou o médico. —

Tonturas, perturbações do equilíbrio, sensação de calor?

— Nada, doutor — informou Klein. — Tomara que

isso faça efeito. Não estou disposto a aparecer aos homens

na forma de um monstro inchado.

— O senhor nem teria tempo para isso — observou

um dos radiobacteriologistas. — Sob as condições

químicas aqui reinantes, os germes cultivados estão em

condições de viver e multiplicar-se. A única coisa que têm

a fazer é abrir às escondidas as válvulas das pequenas

garrafas de pressão. Um ligeiro chiado será inevitável.

Tenham cuidado. Não se esqueçam de que, apesar das

vacinas de alta eficácia, não será conveniente que o jato

de plasma entre em contato com o rosto. O líquido está

cheio de micro-organismos dos tipos mais perigosos. Não

posso revelar mais nada.

— Toda a área situada no interior da cúpula

energética será contaminada? — perguntou Kosnow.

— O que mais você quer? — respondeu o coronel

Kalingin, asperamente. — Se conseguirmos introduzir

esta substância radiobiológica na área cercada pelo

anteparo de radiação energética, dentro de poucas horas

toda e qualquer forma de vida estará extinta no interior da

cúpula. Dessa forma, poderíamos levantar acampamento.

Nem mesmo o Dr. Haggard conhece qualquer remédio

contra esses germes.

Ao receber a garrafa de aço, que não tinha mais de

quinze centímetros, o capitão Klein sentiu a garganta

ressequida. Parecia um bujão de oxigênio de um aparelho

para respiração. A única diferença é que, ao contrário

daquele, sua carga era a mistura mais infernal jamais

produzida nos laboratórios secretos dedicados à guerra

bacteriológica.

Ao que parecia, o coronel Cretcher estava

percebendo a repugnância de seu agente.

— Klein, quem lhe confiou esta missão foram os

representantes oficiais de toda a humanidade — disse em

tom apaziguador. — Você parece ter captado uma certa

admiração de Perry Rhodan. Há poucas semanas, este lhe

permitiu que penetrasse na cúpula energética, onde

mantiveram ligeira palestra. Tente entrar de novo. Diga

que conseguiu passar às escondidas e contra a nossa

vontade pelos cordões de tropas que isolam a área, a fim

de conferenciar com Rhodan a pedido de um grupo

revolucionário. Você leva uma vantagem enorme: já o

conhece. Uma vez lá dentro, abra a válvula da garrafa de

pressão sem que ele desconfie. Uma carga é suficiente.

Invente qualquer coisa para fazer com que Rhodan

acredite na sua missão revolucionária. É só.

Klein engoliu em seco. Parecia ter os olhos em fogo

no rosto pálido.

— Sim, senhor — disse com a voz pesada. — Estou

acostumado a fazer serviços desagradáveis, mas este

negócio me parece muito sujo.

— O trabalho dos serviços secretos nunca foi muito

nobre — resmungou Kalingin. — Francamente, capitão

Klein; não entendo os seus escrúpulos. Nosso pessoal não

costuma ser assim.

O coronel Cretcher lançou-lhe um olhar de

advertência. O rosto de Peter Kosnow continuava

impassível.

— Pois é isso! — observou o major Butaan. Não

disse mais nada, mas Klein teve a impressão de que o

asiático seria um inimigo perigoso. O radiobiólogo

americano, cujo rosto estava um pouco pálido, explicou:

— Capitão, apesar das ordens que tenho quanto ao

sigilo, compreendo seus escrúpulos. Asseguro-lhe que

essa arma não é a mais diabólica que temos em nosso

arsenal. Os germes que se encontram nessas garrafas

produzem uma infecção imediata, seguida de uma

inchação dos tecidos do corpo. Mas se o antídoto for

ministrado dentro de oito horas após a contaminação, o

restabelecimento é absolutamente seguro. É claro que

dispomos desse antídoto. Portanto, tudo dependerá de

Perry Rhodan, exclusivamente dele, que poderá seguir as

instruções que transmitiremos pelo rádio e pelos alto-

falantes, abandonando o território bloqueado dentro de

oito horas. Acho que é uma solução humana.

Klein preferiu não responder. Não apenas seria

inútil, como também perigoso. O major da Federação

Asiática observava-o com uma expressão de desconfiança

nos olhos entreabertos. Antes que os dois agentes se

retirassem, Butaan disse, em tom enfático:

— O tenente Li Shai-tung, representante dos

Serviços Secretos da Federação Asiática, está esperando

no helicóptero. Fazemos questão de que ele tenha uma

participação bastante ativa na missão especial. Entendido,

capitão Klein?

O homem louro baixou os olhos para o malaio

franzino.

— Perfeitamente, senhor! — soou a resposta,

proferida em tom frio. — Não vejo nenhum motivo para

que Li Shai-tung não participe.

31

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Klein lembrou-se das ordens que recebera. Já se

encontrava na Ásia o tempo suficiente para saber que ali

não se costumava respeitar os melindres alheios. Isso

aplicava-se especialmente ao Serviço Secreto da

Federação Asiática.

— Se necessário, deverá sacrificar-se no interesse da

causa comum — foram as instruções. Klein sentiu um

gosto amargo na boca.

Pouco depois, os agentes se retiraram.

Ao saírem do abrigo de grande profundidade, foram

recebidos pelo rugido infernal das peças de artilharia. Ao

norte, as bocas dos canhões expeliam sem cessar os seus

lampejos para o céu. Parecia uma fita rubra feita de

chamas.

Diante do abrigo, o helicóptero estava à espera. O

tenente Li encontrava-se no comando. Já tinha recebido as

últimas injeções. De acordo com o plano, aproximar-se-

iam da cúpula num ponto situado além da área alvejada

pela artilharia e ali procurariam entrar em contato com

Rhodan através do equipamento portátil de radiofonia.

A máquina potente dos serviços de defesa entrara

em funcionamento. Nenhum detalhe fora esquecido.

Ninguém cometera o menor engano.

Havia, porém, uma circunstância da qual ninguém

suspeitava. Nenhum dos oficiais tinha a mais leve ideia a

respeito de como os três se entendiam e não se tinha a

mais leve desconfiança de que eles também estavam

empenhados em preservar a paz para a humanidade.

E assim, um americano de descendência alemã, um

russo e um chinês subiram para o céu entrecortado de

projéteis. Depois de terem contornado a área alvejada e

quando se aproximavam da cúpula energética, Li Shai-

tung perguntou, após um ligeiro pigarro:

— Tudo em ordem por aí? Já estão cientes de que

arriscamos nossas cabeças, não estão?

Kosnow sorriu, mas não respondeu. Em vez disso,

dirigiu-se a Klein num tom estranho:

— Agora, sejamos sinceros, camarada! Que tal seu

chefe todo-poderoso? Por que você ficou preocupado com

o sorriso que ele deu quando você solicitou autorização

para esta missão especial? A ideia da introdução dos

germes na área da cúpula foi sua, não foi?

Klein fez que sim. Empalidecera. Seus olhos claros

exprimiam uma grande inquietação. Falando com a voz

abafada, disse:

— Mercant é um sujeito formidável, mas nunca se

sabe o que ele traz na cabeça. Com ele, até os melhores

psicólogos falham. Não há como interpretar seus atos.

Dizem que é dotado de faculdades espirituais

extraordinárias.

— O que não é estranho num mundo como o nosso.

— Sem dúvida. Mas pela idade de Mercant, os genes

de seus progenitores não podem ter sofrido qualquer

dano. Quando ele nasceu, ninguém ao menos desconfiava

de reatores atômicos ou bombas nucleares. Se o homem é

extraordinário, as causas devem ser outras. Dizem que em

todas as épocas houve casos de mutação espontânea.

— Por que isso o preocupa? Ele não o autorizou a

realizar a missão?

— Autorizou — disse Klein. — Atendeu ao meu

pedido de transferência e até providenciou a arma

biológica. Apenas, ao despedir-me dele, tive a impressão

de ter sido penetrado até as profundezas mais recônditas

dos meus pensamentos. Comportou-se como um adulto

que percebe a travessura do filho, mas faz de conta que

não sabe de nada. É uma sensação desagradável.

Os dois homens ficaram calados. Kosnow apagou o

cigarro. Depois, começou a falar, expondo com precisão

suas ideias.

— Existem duas possibilidades. Se adivinhou suas

intenções, não tem objeção a que você dê uma dica a

Rhodan. Daí se concluiria que está de acordo com as

medidas tomadas por ele. Talvez compreenda que sua

atuação constitui a melhor garantia para a paz mundial.

Seria mesmo de admirar se um homem com suas

qualidades ainda não tivessem chegado a essa conclusão.

Se não adivinhou, você está vendo fantasmas. Mude de

rumo, Li. Dê o sinal luminoso às tropas estacionadas em

terra, senão poderemos receber uma rajada bem no meio

do peito.

Foi esse o começo da missão daqueles três homens

que sabiam, no íntimo, o quanto seus chefes estavam

totalmente enganados.

O capitão Klein segurou a garrafinha de pressão.

Antes que o helicóptero iniciasse as manobras de

aterrissagem, disse em tom grave:

— Vejam só! Fabricamos esta coisa maldita para,

eventualmente, atirá-la na cabeça de vocês. Muito

interessante, não é?

— Não se preocupe — ironizou Kosnow. — Temos

coisas parecidas. Também acredito que já está na hora de

destruirmos brinquedos deste tipo. Mas, oportunamente,

teremos que trocar algumas palavras sobre nossas

concepções ideológicas.

— Ainda bem que isso não interfere no seu desejo

de paz — disse Klein em tom irônico. — Não estava nas

intenções do Criador que uns palhaços coloridos de

ideologia andem se despedaçando apenas por não lhes

convir a opinião dos outros homens, que também são

criaturas de Deus.

— Você fala que nem minha mãe — murmurou

Kosnow. — Está certo. Não falemos mais nisso. Estou

ardendo de curiosidade para ver Perry Rhodan.

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4

Os homens resolveram resguardar-se com os grossos

abafadores, como se o simples fato de estarem protegidos

das violentas ondas de som fosse a mais eficiente

panaceia contra o poderio dos atacantes.

Com um gemido abafado e medo nos olhos, haviam

colocado os capacetes poucos segundos após um novo

ataque de artilharia. Só mais tarde ligaram os contatos dos

aparelhos de comunicação.

Perry Rhodan já chegara à conclusão de que as

coisas não poderiam continuar como estavam. Os

acontecimentos pareciam evoluir inexoravelmente em

direção a uma catástrofe.

Num acesso de fúria, Reginald Bell tentara

influenciar as tropas que os cercavam através do

psicoirradiador. A tentativa revelara-se inútil, pois até

mesmo os postos avançados haviam cavado seus abrigos

muito além do alcance do instrumento.

O neutralizador gravitacional também falhara. Por

ali não havia nada que pudesse ser atingido e neutralizado

com o pequeno instrumento. Nem mesmo as granadas que

os canhões expeliam sem cessar puderam ser desviadas.

As baterias estavam com a pontaria bem ajustada e

dispunham de tabelas de tiro calculadas com exatidão.

Toda vez que o aparelho antigravitacional começava a

funcionar, os artilheiros ajustavam suas peças. Os

foguetes teleguiados tinham uma precisão extraordinária:

atingiam sempre o mesmo ponto.

Uma hora depois de iniciado o bombardeio, o tremor

do solo tornou-se insuportável. O reator dos arcônidas

começou a emitir uma luminosidade azulada. A cúpula

protetora também mudou de cor.

Rhodan teve a impressão de que os solavancos do

solo prejudicavam o funcionamento do instrumento.

Com os olhos cerrados, observou o incrível fogo que

se desenvolvia a leste. Já desistira de usar o raciocínio

para calcular causas e efeitos. Numa oportunidade destas,

o cérebro humano revelava-se insuficiente. Não saberia

conjeturar sobre o tempo que a cúpula energética poderia

resistir ao formidável bombardeio. Talvez, os fenômenos

luminosos que tanto o preocupavam fossem totalmente

inofensivos; poderiam representar um efeito normal do

aumento de desempenho do reator.

Mas também era possível que o brilho azulado

anunciasse o fim próximo. Uma vez que o impacto dos

projéteis concentrava-se num ponto da cúpula, verificava-

se um enorme deslocamento de forças. Com uma

preocupação crescente, Rhodan perguntou-se se na

construção do aparelho fora prevista uma sobrecarga

dessas. Não havia dúvida de que a reação dos chineses

fora muito inteligente.

Depois de uma hora, a situação na cúpula tornara-se

insuportável. Se os excelentes abafadores não estivessem

a bordo, pelo menos o Dr. Manoli, um homem bastante

instável, já teria enlouquecido. Não fora feito para resistir

a uma provação desse tipo.

Bell e Rhodan aceitavam os acontecimentos com um

sorriso feroz. Sabiam que, se não recebessem auxílio de

fora, não só continuariam isolados, como correriam grave

perigo.

Pelas duas e cinquenta, Rhodan começou a temer o

colapso da cúpula energética. Parado diante do reator

cilíndrico observava os fenômenos luminosos que

arruinariam os nervos de qualquer pessoa. Não pôde ouvir

os ruídos de funcionamento, que por certo haviam

aumentado. O barulho infernal das explosões abafava

tudo.

As débeis lâmpadas fluorescentes da tenda haviam

se quebrado. O duro solo do deserto absorvia as

vibrações, para transmiti-las sob a forma de um

verdadeiro terremoto. A cúpula energética não oferecia

muita proteção contra esse inconveniente.

Para disporem de alguma luz, os tripulantes da

Stardust penduraram lâmpadas a pilha nos suportes da

tenda. Na sala que servia de enfermaria fora instalada uma

iluminação impecável. Ao que parecia, a moléstia de

Crest aproximava-se da fase crítica.

No início do bombardeio, o Dr. Haggard despertara,

num sobressalto, do sono profundo em que estivera

mergulhado. Até então, o Dr. Manoli acompanhava o

paciente.

Ao que parecia, o incrível sistema circulatório de

Crest resistira à segunda injeção. Não havia a menor

dúvida de que os sintomas da leucemia haviam

desaparecido por completo. O espectro sanguíneo não

apresentava a menor anomalia. Assim mesmo, porém,

Crest continuava mergulhado em profunda inconsciência.

Com passos leves, Rhodan saiu de perto do reator.

Parecia recear que a qualquer momento, o aparelho

extraterreno, cuja capacidade de desempenho era mais

que misteriosas, entrasse em colapso. As consequências

seriam catastróficas. Reginald Bell colocara-se,

novamente, diante das telas do radar que haviam sido

retiradas da nave.

Tratava-se dos instrumentos mais aperfeiçoados

jamais produzidos na Terra. Eram feitos à prova de

vibrações e de impactos de considerável força. Resistiram

perfeitamente ao pouso forçado na Lua e, ao que tudo

indicava o bombardeio não lhes estava causando o menor

dano.

A tela do localizador de radar permitia a visão das

posições mais afastadas do inimigo, desde que o aparelho

fosse ajustado para o aumento máximo.

O instrumento de localização infravermelha fornecia

quadros excelentes das posições de artilharia situados na

outra margem do rio. O funcionamento do dispositivo

automático de advertência era perfeito, mas o computador

acoplado a ele não teve a menor chance de calcular as

posições do inimigo.

Não havia ninguém numa área de dez quilômetros

em torno da cúpula energética. Nada se movia e não havia

nada que pudesse ser localizado com os instrumentos de

que dispunham, ou atacado com as armas dos arcônidas.

Rhodan aproximou-se lentamente. Mais uma vez,

fixou os olhos nas telas iluminadas. O rosto largo de Bell

estava quase totalmente encoberto pelos abafadores. Só os

olhos azuis brilhavam por baixo da grossa proteção. Mais

uma vez, os microfones presos ao pescoço eram o único

meio de comunicação.

Com as mãos trêmulas, Rhodan estabeleceu o

contato. A primeira coisa que percebeu foi à respiração

ofegante de Bell.

— Se isso durar mais algumas horas, o reator entrará

em pane — disse em tom indiferente. — Acho que, a esta

altura, você já compreendeu.

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Bell virou a cabeça.

— E daí?

Os lábios de Rhodan estreitaram-se. Lançou um

olhar significativo para o relógio.

— Um homem sensato, que sabe usar a cabeça, não

devia esperar milagres, nem mesmo dos produtos de uma

técnica muito mais avançada que a nossa. Qualquer peça

mecânica pode falhar e... — no seu rosto havia um ar de

riso e resignação — ...é exatamente isso que nos espera. E

há mais um detalhe...

Bell vasculhou o setor ocidental das formações que

os cercavam. O localizador infravermelho, ultrassensível,

chegou a registrar os cigarros acesos dos soldados

asiáticos. A radiação térmica produzia na tela um amplo

anel de pontos incandescentes que se iluminavam a

espaços variáveis. Era um espetáculo estranho.

Bell interpretou corretamente a risada de Rhodan.

Seu rosto, que não era corado, tornou-se ainda mais

pálido. Os olhos lançavam uma indagação.

— Há mais um detalhe — repetiu Rhodan,

pensativo. — O bombardeio continuará por horas a fio.

Acham que conseguirão romper a cúpula energética; e

têm certeza de uma coisa: nossos nervos não resistirão por

muito tempo. Crest é a única pessoa que conhece o reator

e poderia regulá-lo. Mas está mergulhado numa

inconsciência que, segundo os médicos, não representa

maior perigo para ele; para nós, porém, poderá representar

o fracasso total. Se o reator entregar os pontos, seja aos

poucos, seja numa terrível explosão, estaremos

liquidados. Encontramo-nos na iminência de uma

capitulação. Já se deu conta disso?

Os olhos de Bell estavam presos à tela. Um novo

abalo fez oscilar as lâmpadas. As sombras projetadas

sobre as paredes da tenda transformaram-se em quadros

grotescos. Na sala de enfermagem os dois médicos se

sobressaltaram.

Bell lançou um olhar para lá. A sombra de Crest

desenhava-se nitidamente na parede divisória de plástico.

Continuava imobilizado no leito. Alguns robôs-médicos

dos arcônidas estavam inutilizados. Não foram feitos para

resistir a abalos dessa ordem. Por isso, os exames

periódicos de circulação e atividade cardíaca tiveram que

ser realizados pelos dois médicos. Era um trabalho duro,

de grande responsabilidade, e que se tornava ainda mais

difícil face ao estranho organismo de Crest.

— Já me dei conta, sim — respondeu Bell. — Crest

deve ser despertado. Não vejo alternativas. A não ser —

um sorriso esboçou-se no seu rosto — ...a não ser que

você queira entrar em contato com Thora. Muito embora

o último apelo que você fez a sua inteligência não tenha

produzido o menor resultado. Mas, a esta altura, talvez

compreenda que as coisas estão sérias.

— Essa ideia já me ocorreu — respondeu Rhodan.

Segurou a tomada que estabeleceria a ligação. Seus lábios

encresparam-se num sorriso.

— Mas há um, porém, meu caro. Há poucos minutos

o aparelho de radiofonia dos arcônidas deixou de

funcionar. Estamos isolados. Será que você teria coragem

de mexer nisso?

Bell ficou estarrecido. Seu rosto pálido falava por si.

A missão, que tivera um início tão promissor, estava na

iminência de um lamentável naufrágio.

Mas logo reagiu. Sem revelar qualquer sinal de

medo, disse:

— Isso era de esperar. Estão atirando dez mil

toneladas de explosivos sobre a cúpula. É provável que,

além disso, estejam realizando explosões subterrâneas

junto às bordas da mesma a fim de provocar terremotos

artificiais que nos enlouqueçam. Muito bem! O aparelho

não funciona mais! Quando é que Thora saberá disso?

— Por ocasião do próximo contato diário, previsto

para as oito horas. Se não houver resposta, intervirá.

Bell engoliu em seco. O rosto magro do ex-major

transformara-se numa máscara rígida.

— O que significa isso? — perguntou Bell em tom

apressado.

— O quê? — Rhodan girou o regulador do volume.

A voz potente de Bell soara com uma intensidade

excessiva.

— Bom... Embora Crest nos tenha promovido à

classe D da escala de inteligência dos seres galácticos, ela

ainda se recusa a reconhecer-nos como seres que devem

ser tratados de igual para igual. Se não respondermos ao

contato de rotina, e se as excelentes sondas automáticas

constatarem que a nossa cúpula está sendo bombardeada,

possivelmente concluirá que alguma coisa aconteceu a

nós e a Crest. Nesse caso, deixará de lado todos os

escrúpulos. Será apenas a comandante de uma nave

espacial de combate. E ela já esteve muito perto de dar

uma lição amarga à humanidade. Bem, veremos! Mas,

como é? Você teria coragem de mexer no equipamento de

radiofonia dos arcônidas, ou não?

A mão de Rhodan tocou nos pinos de contato. Seus

olhos cinzentos emitiam um brilho frio. Bell teve a

impressão de que Rhodan estava prestes a tomar uma

decisão importante.

— Prefiro sentar numa chapa de fogão sem qualquer

vestimenta protetora — disse. — Não entendo coisa

alguma dessa geringonça. Não seria capaz de consertar

um contato frouxo. Não consigo sequer abrir as chapas de

revestimento do aparelho. Não há tesoura que as corte. Já

tentei. Não existem parafusos, grampos ou outros

dispositivos de fixação. Parece que foi tudo fundido em

uma única peça. É claro que pode ser aberto, mas eu não

sei como.

— Então, nada feito? — perguntou Rhodan, como se

quisesse ter toda certeza.

Bell sacudiu a cabeça. Rhodan continuou:

— Você há de compreender que jamais serei capaz

de expor a humanidade à fúria da nossa amiga

comandante.

Bell não respondeu. Sabia disso.

— Ótimo! Quer dizer que estamos de acordo.

— Você devia procurar um meio de avisá-la —

exclamou Bell em tom insistente. — Se tivermos que

desistir, devemos providenciar ao menos para que ela tire

Crest daqui.

— É exatamente o que penso — disse Rhodan com

voz pausada. — Se Crest não despertar até às oito horas,

pedirei que a grande estação de telegrafia de Nevada

Fields expeça uma mensagem não codificada. Com os

aparelhos da Stardust não conseguiríamos atingi-la. Se

Mercant tiver alguma inteligência, atenderá

imediatamente a minha solicitação. Compreenderá que

nem ele nem qualquer outro homem têm o menor direito

sobre Crest. Thora está em condições de libertá-lo a

37

Page 92: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

92

qualquer momento. Acho que sabemos perfeitamente o

que nos espera depois disso.

— Tente! — cochichou Bell com a voz perturbada.

— Santo Deus, tente! Thora é uma criatura imprevisível.

Rhodan desligou o contato. A voz de Bell cessou

abruptamente. Eram pouco mais de três horas quando

Perry Rhodan afastou cuidadosamente a cortina.

O rosto estreito de Crest, encimado por uma testa

alta, estava banhado em suor. Jazia imóvel no leito.

O Dr. Haggard voltou à cabeça. Rhodan estabeleceu

o contato com um ligeiro movimento da mão.

— Como está à situação, doutor? — soou a voz nos

fones embutidos no capacete acústico de Haggard. —

Peço-lhe que fale com toda a franqueza. Estamos no fim.

O reator começou a mudar de cor e as comunicações

foram interrompidas. Como estão as coisas?

Haggard era daqueles homens que sabem esquecer

que têm nervos. Não demonstrava a menor emoção.

— Os efeitos colaterais eram imprevisíveis — disse

laconicamente. — Crest suportou as injeções muito bem.

O soro fez efeito; está curado da leucemia. A circulação é

absolutamente estável, o coração não apresenta a menor

anomalia. O espectro sanguíneo não oferece motivo para

preocupação. Não sei por que não acorda.

— Tem de acordar! Procure compreender — insistiu

Rhodan. — Até às oito horas tem de atingir um nível de

consciência que lhe permita, ao menos, nos ministrar

algumas instruções. Se não respondermos ao chamado de

Thora, as fúrias do inferno desabarão sobre nós.

— Por que ela não aparece logo numa das suas

legendárias naves auxiliares? — irrompeu o médico num

acesso de fúria. — Para ela devia ser fácil livrar-nos da

situação em que nos encontramos. Acho seu

procedimento muito estranho. Entrega aos nossos

cuidados um homem muito doente para que tentemos

salvá-lo com os recursos que dispomos aqui na Terra, mas

recusa-se a contribuir para sua cura. Para mim, tudo isso

não passa de uma rematada loucura. Se estivesse tão

interessada na saúde de Crest, seria de esperar que fizesse

tudo, tudo mesmo, que está ao seu alcance.

— Doutor, o senhor não compreende a mentalidade

desses seres — objetou Rhodan. Seu rosto assumiu uma

expressão séria. — Thora adota um estranho código de

honra e pureza racial. A educação que recebeu não pode

ser modificada radicalmente de uma hora para outra. Para

ela, somos seres inferiores, com os quais não pode nem

deve manter contato. Se esse contato se tornar necessário,

assumirá a forma de uma lição extremamente dolorosa,

que poderá se transformar num castigo terrível se os

homens se atreverem a lesar a autoconfiança exagerada

que desenvolveu como membro de uma raça superior. Por

favor, procure encarar as coisas numa base puramente

psicológica.

— Em minha opinião, a educação e a presunção

deveriam ser complementadas com um pouco de bom

senso e de lógica — disse Haggard em tom obstinado. —

Quando estou em situação difícil, agarro-me a uma palha.

— Foi o que ela fez ao nos confiar Crest. Impediu

uma guerra nuclear e fez surgir um vulcão em pleno

Saara. Em suma, fez tudo para que Crest dispusesse de

um lugar tranquilo na Terra.

— Quer dizer que ela nada fez pela humanidade?

— Não fez nada especificamente pela humanidade.

Não devemos esperar milagres nem atos de generosidade

desinteressada. Afinal, aquilo que os arcônidas nos

entregam sob a forma de saber e de material há de ser

pago. Thora já agiu contra sua convicção. Confiou em nós

e praticou um ato proibido. É claro que se encontra em

situação difícil. Sua nave espacial não está em condições

de decolar. Os seres degenerados que a tripulam não

podem reparar o defeito que apresenta. As peças

sobressalentes foram esquecidas, o que representa um

desleixo imperdoável. Essa raça chegou ao fim dos seus

dias. Crest, que é a última grande inteligência entre eles,

está gravemente enfermo. Se morrer, ou se qualquer

homem lhe fizer algum mal, Thora verá, nos homens que

habitam este planeta, simples inteligências

subdesenvolvidas. Tomada de uma cólera fria, resultante

principalmente do amor-próprio ferido, começará a

refletir. E refletirá, nos mesmos termos que o senhor usa

quando pensa numa cobaia bonita, cuja vida pouco lhe

importa. Quer dizer, refletirá em termos frios e lógicos,

com certa prevenção contra nós, isto é, em termos injustos

sob o nosso ponto de vista. Não quero assumir o risco de

que isso aconteça, doutor. Lancei-me a esta missão no

intuito de unir a humanidade, para que ela se engrandeça

e fortaleça. Não arriscarei a existência dessa humanidade,

provocando as iras de uma potência infinitamente

superior. Está claro, Dr. Haggard?

Os olhos de Rhodan pareciam feitos de cacos de

gelo. Subitamente, Haggard deu-se conta da força de

persuasão que esse homem sabia irradiar.

Respondeu com um ligeiro aceno de cabeça. Suas

mãos pesadas seguraram o equipamento de comunicação.

— O que pretende fazer, major?

— Não me chame assim. Fui privado da minha

patente e expulso do corpo de pilotos espaciais. Quero

salvar o que ainda pode ser salvo. Se Crest não despertar

até às oito horas para restabelecer as comunicações com

Thora, capitularei. Ao menos, sei qual é a chave que

desliga o reator dos arcônidas. Já é alguma coisa, não é?

Deu uma risada amarga. Haggard lançou-lhe um

olhar pensativo. Rhodan prosseguiu, enfatizando as

palavras.

— Doutor, Thora dispõe de um excelente

equipamento de televisão. Se não conseguirmos

estabelecer contato telefônico, procurará ver o que está

acontecendo. Se o bombardeio não tiver cessado,

logicamente há de concluir que estamos em perigo, talvez

mortos. Se isso acontecer, o destino da Terra será

horrível. Por isso, farei tudo para que o bombardeio cesse

antes das oito horas. É a única possibilidade de evitar que

essa mulher impulsiva aja com precipitação. Só num caso

extremo fará com que as naves de salvamento entrem na

atmosfera. Farei o possível para que as coisas corram

conforme desejamos, mas ainda existe o risco de que

Thora cometa algum engano, mesmo que o bombardeio

tenha cessado. Vê-se que é uma solução ditada pelas

circunstâncias. Seria bem melhor se Crest pudesse ser

despertado até às oito horas. Talvez o equipamento de

comunicação só tenha sofrido avarias ligeiras. É provável

que consiga restabelecer as comunicações com Thora. Por

isso peço-lhe que faça tudo que estiver ao seu alcance. A

alternativa representará um ato de desespero.

Naturalmente, os chineses cessarão o bombardeio assim

que receberem a minha mensagem. Mas não sabemos

39

Page 93: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

93

como agirá Thora.

Rhodan deu de ombros. Haggard baixou os olhos;

sentia-se perturbado. Não mais suportava o brilho

estranho dos olhos de Rhodan.

— O que quer que eu faça? — perguntou o médico.

— Não quero muita coisa. Já que a circulação de

Crest apresenta tão elevado índice de estabilidade, dê-lhe

uma injeção estimulante. Tem um bom estoque delas.

Desperte-o!

Haggard refletiu.

— Sabe que com isso arriscarei tudo?

— Não arriscará nada além do que já arriscamos.

Uma vez que o paciente suportou o soro antileucêmico,

seu organismo também deve reagir bem aos estimulantes.

Faça reviver seu corpo. Não deve ser tão difícil despertá-

lo desse estranho torpor. Vamos logo!

— Só injetarei uma dose que não causaria o menor

dano a um homem normal — disse Haggard em tom

decidido. — Nem uma gota a mais. Entendido? Nem uma

gota a mais!

— É quanto basta — confirmou Rhodan.

Subitamente seu rosto contorceu-se. Num gesto

instantâneo tirou a pistola do coldre e girou o corpo.

Mantendo a arma em posição de tiro, fitou a lata de

conserva que o atingira nas costas com bastante violência.

Mais adiante Bell, quase irreconhecível na luz débil das

lâmpadas, gesticulava e berrava numa agitação tremenda.

Ao menos era o que se concluía pela maneira de agitar os

braços.

Rhodan saltou por cima do leito de Crest. Com mais

alguns passos colocou-se ao lado de Bell. Ajustou os

pinos de contato do aparelho de comunicação.

Imediatamente, o berreiro furioso do engenheiro se fez

ouvir.

— Até parece que você tem protetores nas costas —

esbravejou Bell. — Foi à terceira lata. Olhe esta operação

de localização. Foi feita pelo infravermelho e pelo radar.

Não resta a menor dúvida. São três objetos pequenos que

se deslocam pouco acima do solo, a uma velocidade de

trinta quilômetros. Devem ser três homens. Olhe, a

imagem está perfeita. São três homens, sim! Estão com

equipamento de voo individual.

A exaltação de Bell transformou-se em espanto.

Boquiaberto, fitou a tela do localizador ultrassensível de

radar, cujas imagens eram refletidas com rara nitidez no

vídeo.

Não havia a menor dúvida: era três homens que

traziam nas costas pequenos aparelhos para voo a curta

distância. Distinguia-se perfeitamente o brilho das

lâminas dos rotores que giravam velozmente. Seguindo

uma rota bem definida e voando pouco acima do solo,

iam-se aproximando da cúpula protetora.

Bell voltou a manifestar-se:

— Será que esses camaradas querem furar a cúpula

com a cabeça?

Rápido, Rhodan colocou-se junto ao reator. Uma

ligeira manipulação de uma das chaves, que Crest lhe

explicara poucas semanas atrás, modificou a estrutura da

cúpula energética, de forma a permitir a passagem de

ondas de rádio ultracurtas. Mesmo antes dessa

modificação, a cúpula não representava qualquer

obstáculo à transmissão das mensagens expedidas por

Rhodan. Esse fato constituía outro mistério inexplicável

para a mente de um engenheiro humano. Não havia como

fazer os outros seres humanos acreditarem nisso. Só

mesmo vendo e passando por aquilo.

Rhodan voltou para junto dos aparelhos de rádio. O

grande receptor da Stardust estava funcionando. O

localizador automático de freqüência procurou descobrir

os comprimentos de onda que tornassem possível a

comunicação.

Uma lâmpada vermelha acendeu-se. Era impossível

ouvir o sinal acústico. O rugir das detonações prosseguia

impetuoso.

Os aparelhos portáteis de radiotelefonia foram

ligados ao potente transmissor. Um cochicho fez-se ouvir

nos fones de ouvido:

— Capitão Albrecht Klein chamando o major Perry

Rhodan. Não atirem! Estou com dois colegas. O senhor já

me conhece. Sou Klein, do Conselho Internacional de

Defesa. Estou fazendo esta transmissão com o mínimo de

potência. Peço-lhe que venha até o limite da cúpula.

Preciso falar com o senhor. Não atire, por favor! Não há

perigo. Estamos esperando.

Rhodan retirou o pino da tomada do equipamento de

telefonia. Bell manteve-o ligado. Antes que Rhodan

começasse a falar, disse:

— É o Klein? Deve ter arranjado uma promoção.

Não é o tal sujeito com quem você já facilitou uma vez,

deixando-o penetrar na cúpula? Viu Crest, não foi? Não

gostei dele.

— Pois eu gostei. Vou pegar um dos carros. Quando

eu der a senha, levantando o braço, você vai abrir a

cúpula por exatamente três segundos numa extensão de

dois metros por três. Prepararei a alteração estrutural.

— Você está louco! Se eles mandarem um foguete

teleguiado apontado exatamente para a abertura,

estaremos perdidos. É bem possível que esse Klein leve

um dispositivo direcional por baixo do rotor. Conheço

esses truques, meu caro. Afinal, já fui oficial de

comunicações. Não vou abrir coisa alguma!

Seu olhar era firme e duro. Mas, depois de fitar por

alguns instantes o rosto de Rhodan, que parecia enrijecido

numa máscara, baixou a cabeça.

— Está certo. Quer dizer que aguardo o seu sinal...

Rhodan retirou-se. Levava a tiracolo a grande pistola

automática com os perigosíssimos projéteis minifoguetes.

O bastão prateado que trazia na mão era ainda mais

perigoso. A pequena distância, o irradiador psíquico tinha

uma potência formidável.

Rhodan não pretendia correr o menor risco.

Quando, lá fora, a turbina a gás do caminhão chinês

começou a uivar, Bell continuava a olhar fixamente para o

lugar em que ainda há poucos instantes se encontrava

Rhodan. Parecia sentir o brilho intenso dos olhos do

comandante.

De início, Bell sentira-se seguro de que conseguiria

impedir que Rhodan realizasse seus intentos. Mas acabara

concordando sem discutir. Pálido e trêmulo aproximou-se

dos instrumentos de controle. Comprimiu fortemente as

pestanas, e subitamente voltou a abri-las.

A imagem continuava. O olhar ardente de Rhodan

parecia gravado em seu cérebro. Reginald Bell era um

homem duro e arrojado, dado aos atos irrefletidos.

Manifestava uma tendência irreprimível para as ações

temerárias. Como piloto espacial parecia não conhecer o

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Page 94: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

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medo. Mas, desta vez, sentia medo.

Antes de iniciar a vigilância dos aparelhos, soltou

uma praga. O veículo de Rhodan corria pela paisagem

pedregosa do deserto, que só de espaço a espaço era

embelezado por uma vegetação escassa. O rio ficava

demasiado longe.

Rhodan seguia um curso que conduzia diretamente

ao ponto em que os três homens haviam descido. Bell, em

poucas palavras, transmitia as correções que se faziam

necessária. Falava num tom apático; sentia a revolta no

seu íntimo. Por que Rhodan conseguira fazê-lo mudar de

opinião de uma hora para outra? Será que...?

Ainda sentia a pergunta martelar-lhe a mente quando

Rhodan parou o veículo. Eram exatamente três e vinte e

dois da manhã. Estava bem junto à barreira energética.

A mão esguia de Rhodan ergueu o radiador psíquico.

Atrás dele, bem ao longe, a luz feérica das explosões

iluminava o cenário. Havia uma claridade intensa, talvez

excessiva. Apesar disso, mal se reconheciam os vultos dos

três homens envoltos em jaquetas. Estavam bem juntos.

Num movimento súbito, Rhodan ergueu a mão. O sinal

significava abrir.

5

Era um risco enorme, muito maior que o da primeira

decolagem de uma nave espacial tripulada.

Naquele dia sabia-se ao menos que os aparelhos

propulsores de reação químico-nuclear do segundo e

terceiro estágios funcionariam. Um sinal de rádio fora

suficiente para acionar os reatores de plutônio de alta

velocidade.

Agora, porém, tudo estava mudado. Medições

precisas e rigorosamente secretas realizadas nas camadas

superiores da atmosfera terrestre revelaram que a cúpula

antineutrônica dos arcônidas atingia uma altura de cerca

de 120 quilômetros.

Isso significava que o processo usual de fissão

nuclear só poderia ser desencadeado além da zona

abrangida pela cúpula. Por isso os peritos do Comando

Espacial dos Estados Unidos tiveram de enfrentar

dificuldades formidáveis, que foram superadas através da

utilização de todos os recursos disponíveis.

Algumas modificações foram introduzidas no

segundo estágio da nave Stardust-II. O estranho campo

antineutrônico criado pelos arcônidas não afetaria as

reações químicas.

A indagação que surgia era se o desempenho do

segundo estágio seria suficiente para conduzir o terceiro

estágio, ou seja, a nave espacial, propriamente dita, a uma

altura superior a 120 quilômetros.

O segundo estágio, formado por uma versão

aperfeiçoada da série Plutão-D, passara por todos os

testes. Os processos químico-nucleares teriam de ser

dispensados. Além disso, a velocidade no fim do processo

de combustão deveria ser suficiente para arremessar a

nave além da zona crítica.

A velocidade com que fosse atingida a zona livre

constituía um fator secundário, que não precisaria ser

considerado. Não havia a menor dúvida de que o potente

mecanismo propulsor da Stardust-II levaria a nave para

além da atmosfera terrestre.

O depósito de combustível químico tinha quantidade

suficiente para a aceleração, a frenagem, o pouso e a

decolagem lunar.

Mas o que se tinha em vista era, tão somente, uma

órbita em torno da Lua, o que, evidentemente, exigiria

muito menos energia que as manobras adicionais de

pouso e decolagem em nosso satélite natural.

Exatamente dezesseis horas antes do início do fogo

cerrado de artilharia, visando uma pequena área da cúpula

energética, o general Pounder acionou o contato de

ligação dos reatores.

Com um estrondo violento, a Stardust-II disparou

para o céu límpido de Nevada.

O comando da expedição lunar armada era exercido

pelo primeiro-tenente Michael Freyt. Em vez do médico,

subira a bordo um perito em armamentos nucleares, que

tinha a seu encargo o controle da nova arma.

O posto de artilheiro era exercido pelo capitão Rod

Nyssen, que assistira às provas iniciais da nova bomba

nuclear catalítica. Como, além disso, possuísse

experiência em voos espaciais, foi indicado para compor a

tripulação da missão armada.

Alguns minutos após a decolagem bem sucedida, os

homens da central de controle tinham os olhos fitos nas

telas de localização e de televisão. O primeiro estágio da

Stardust-II já havia sido separado. O segundo estágio, que

substituía a parte central da primeira nave lunar,

inutilizada nas atuais circunstâncias, entrou em

funcionamento com a perfeição que era de se esperar.

Ainda mais se considerada a massa bem mais leve que era

impulsionada.

42

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95

O general Pounder permanecia imóvel diante do

aparelho de teledireção automática. Parecia estar

assistindo à decolagem da velha Stardust, que agora jazia

no deserto de Gobi.

O ponto flamejante continuava bem visível. Depois

de algum tempo, soou a voz metálica do computador de

controle e teledireção.

— Ignição dentro de oito segundos. Tudo preparado

para a separação.

Todos ouviram o estalido seco da carga explosiva. O

impulso do computador número três seguiu a nave

espacial com a velocidade da luz. Ouviu-se a voz do

tenente Freyt; parecia esgotado. Face à modificação dos

estágios, o obstáculo representado pela atmosfera terrestre

teve de ser vencido com um valor gravitacional

martirizante. Mesmo no segundo estágio a pressão

chegara a 11,6 g.

— Freyt ao controle de terra: tudo bem a bordo —

soou a voz áspera do alto-falante. — Impulso de ignição

recebido. Computador de direção automática dando sinal

de confirmação.

— A ignição... a ignição já foi realizada? — indagou

Pounder com a voz apressada. Tinha os olhos presos às

telas dos aparelhos de controle infravermelho, onde a

coluna de gases incandescentes do mecanismo de

propulsão nuclear teria de ser revelada em primeiro lugar.

— Nada — gemeu o engenheiro-chefe. Virou a

cabeça num movimento brusco. — Ainda não saíram da

zona anti-neutrônica. Por enquanto, nada.

— Ausência de gravidade continua. Motor parado

— soou a voz de Freyt em meio ao silêncio deprimente.

— Solicito cálculos definitivos da altura a ser atingida no

final do processo de ignição e em relação ao ângulo de

subida e à influência da gravidade.

O computador já estava funcionando. Dentro de

alguns instantes os dados estavam prontos e eram

transmitidos sob a forma de impulsos de ondas ultracurtas

ao aparelho de direção automática da nave.

Poucos segundos depois, a rota foi modificada em

47,3 graus. O movimento giratório foi realizado pelos

foguetes de combustível sólido acoplados na nave. Com

isso, a Stardust-II abandonou a trajetória vertical e

ganhou uma aceleração de 821 metros por segundo.

As informações eram recebidas sob a forma de

diagramas que deslizavam sobre as telas. Pounder, que já

assistira a muitas decolagens, sabia que a nave entrara

numa ampla órbita elíptica.

Não havia dúvida de que, com isso, sairia do

estranho campo antineutrônico.

Esperavam com o espírito inquieto. Tudo, tudo

mesmo, dependia da possibilidade de se desencadear o

processo de ignição do mecanismo de propulsão nuclear

da nave. Isso não seria possível sem a presença de

nêutrons livres, que eram imprescindíveis no processo de

fissão nuclear.

Quando o primeiro-tenente Freyt iniciou a quinta

transmissão de rotina, sua voz foi subitamente abafada

por um trovejar ensurdecedor. O processo de ignição do

mecanismo propulsor teve início numa altitude de 211

quilômetros.

No mesmo instante, a Stardust-II apareceu na tela do

localizador infravermelho. O calor irradiado pelos

reatores era tão intenso que mesmo os aparelhos menos

sensíveis registraram o furacão nuclear incandescente.

Dentro de poucos instantes, a estação de teledireção

situada na Terra assumiu o controle da nave, colocando-a

em posição vertical. Com a enorme aceleração resultante

do empuxo dos reatores, seria atingida a velocidade-

limite, que os libertaria da gravidade terrestre. Foi então

que os aparelhos de teledireção das estações espaciais

tripuladas entraram em ação.

Já não havia a menor dúvida: a experiência tão

arriscada, que encerrava um fator desconhecido, fora

coroado de êxito. A primeira nave da esquadrilha espacial

terrestre mergulhara no espaço.

Mensagens radiofônicas codificadas correram em

redor da Terra. Dez segundos depois de ter recebido o

sinal convencionado, o marechal Petronskij comprimiu o

botão do dispositivo de ignição.

Imediatamente, o gigantesco foguete do Bloco

Oriental disparou em direção ao céu siberiano. Também

conduzia quatro tripulantes. Um deles, um perito do

Ocidente e que chegara poucas horas antes numa unidade

de transporte dos Estados Unidos, era o responsável pela

nova bomba, que estava na rampa de lançamento,

instalada com todo o cuidado no agora vazio

compartimento de carga.

Quase no mesmo instante, o marechal Lao Lin-to

deu ordem para a decolagem da nave da Federação

Asiática. Houve problemas com os estabilizadores. Por

pouco a nave não se desgoverna, a cerca de trezentos

metros de altura. As câmaras de combustão giratórias do

primeiro estágio e o estabilizador de emergência, montado

no segundo estágio, porém, conseguiram estabilizá-la e

corrigir sua trajetória.

Assim, as três naves partiram com sucesso rumo ao

espaço.

A bordo da nave da Federação Asiática havia

também um perito em armamentos treinado no Ocidente.

Sua única tarefa consistia em fazer com que a bomba

descrevesse a trajetória determinada pelos cálculos,

depois que seu curso tivesse sido regulado com alguma

aproximação pelo dispositivo direcional adaptado à

mesma. Tratava-se de uma arma mortífera, mobilizada

rapidamente por uma humanidade que alcançara a união

por um modo inesperado.

A operação em nada afetava a segurança da Terra.

Nenhuma das bombas explodiria se a decolagem falhasse.

Mas não houve qualquer falha. As três naves

corriam pelo espaço, depois que a Stardust-II, que partira

em primeiro lugar, havia provado que seria perfeitamente

possível sair da zona antineutrônica.

A diferença de tempo, que nestas circunstâncias se

tornara inevitável, não constituía problema para os

computadores que, com uma rapidez fantástica e uma

precisão inconcebível, calcularam a trajetória que cada

uma das naves teria de percorrer para que as três

ingressassem simultaneamente na órbita prevista, que

cobria cada um dos polos lunares. Tratava-se de um

problema puramente matemático, que não dava margem a

qualquer erro.

A estação espacial tripulada Freedom-I, do

Ocidente, também se encarregou da teledireção do

foguete da Federação Asiática. A nave do Bloco Oriental

foi dirigida pelos satélites do Oriente, muito bem

tripulados e equipados.

44

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96

Pela primeira vez na história da navegação espacial,

houve um intercâmbio de observações imediatamente

após a decolagem. Uma vez que as duas estações

espaciais percorriam órbitas terrestres bem diferenciadas,

tornou-se possível manter um controle permanente sobre

as três naves. Não foi necessária qualquer interferência

das grandes estações terrestres. De qualquer maneira, a

teledireção a partir de um ponto situado no espaço era

mais fácil e segura.

Assim, os três veículos espaciais cruzavam o espaço.

Doze astronautas dos três blocos de potências da Terra

haviam recebido instruções bem claras.

Só depois de algumas horas, o general Pounder

afastou-se da tela. A transmissão, controlada pelos

tripulantes da estação espacial, não apresentava a menor

falha. Não havia dúvidas de que as três naves se

encontravam na rota determinada.

A Stardust-II, com o mecanismo de propulsão

desligado, seguia em queda livre, a fim de que as outras

naves que haviam decolado depois dela pudessem

alcançá-la.

— Acorde-me dentro de cinco horas — disse

Pounder, com a voz apática, lançando um olhar triste para

o relógio. — Daqui a cinco horas, Maurice. Veja lá!

Cinco horas não são nem seis nem sete.

O major Maurice, chefe do Estado-Maior, limitou-se

a confirmar com um movimento de cabeça. Seguiu a

figura imponente do superior com uma expressão

preocupada no rosto. De alguns dias para cá, Pounder

andava com o corpo inclinado para frente, como se

carregasse um peso às costas.

Por certo, nunca conseguiria livrar-se da tristeza

causada pelo procedimento inexplicável de seu melhor

piloto. Para o general Pounder, o major Perry Rhodan era

quase como um filho.

Mal ele tinha desaparecido atrás das pesadas portas

do abrigo, Allan D. Mercant entrou. Durante a fase de

decolagem, o chefe do Conselho Internacional de Defesa

preferira não se encontrar com o general Pounder, que

estava exausto.

Mesmo agora, aquele homem pequeno e

aparentemente insignificante trazia um sorriso estranho

nos lábios.

— É um oficial competente, dotado de muito senso

de responsabilidade — constatou com ar pensativo. —

Major Maurice, o senhor sabe que foi com a maior

relutância que o general Pounder deu a ordem final de

ataque?

Maurice baixou os olhos. O olhar do chefe do CID

provocava-lhe uma sensação desagradável. Achou

prudente dar uma resposta esquiva.

— Talvez devamos supor que seja assim, senhor.

Afinal, foi o general Pounder que conseguiu pôr a velha

Stardust a caminho depois de enormes esforços. E agora,

vê-se obrigado a fazer decolar uma réplica só que, desta

vez, para fins destrutivos. Tudo isso me dá uma sensação

bastante esquisita.

As pupilas de Mercant se estreitaram.

— Por quê? Receia alguma falha técnica? Acredita

que nossas bombas não explodirão? Fale com franqueza,

por favor.

Maurice ficou indeciso. Mercant estava muito

estranho.

— Nada disso, senhor. As naves atingirão a Lua e as

bombas explodirão, desde que a chamada terceira

potência seja aquilo que as demonstrações ora realizadas

nos revelaram. Mas o fato de não terem procurado

impedir a decolagem de nossas naves me dá uma

sensação bastante desagradável. Acho que pretendem

atacá-las posteriormente, ou então...

— ...ou então? — interrompeu Mercant.

— ...ou então eles nos consideram uns macacos

inofensivos, que não são capazes de realizar um ataque

desse tipo. Queira desculpar a expressão, senhor.

— Pense o que quiser meu caro — respondeu

Mercant em tom enfático. — O senhor se admiraria se eu

lhe dissesse que também já fui dessa opinião?

Não, o major Maurice não se admirou nem um

pouco. Allan D. Mercant era capaz de conceber ideias

muito antes de qualquer outra pessoa.

O chefe das forças de segurança do Ocidente

desapareceu tão silenciosamente como havia chegado.

Ninguém percebeu a expressão de profunda preocupação

que se desenhava em seu rosto liso. O fato é que também

Allan D. Mercant experimentava uma sensação esquisita;

não havia a menor dúvida.

Enquanto isso, as três naves corriam pelo espaço,

mantendo uma aceleração constante. Pelos cálculos

realizados, o ponto de inflexão deveria ser atingido dentro

de quinze horas aproximadamente. As manobras em

órbita poderiam ser completadas em três horas. Dali em

diante, as coisas ficariam sérias.

Allan D. Mercant resolvera passar o momento

decisivo numa estação espacial. Ali não haveria nada que

perturbasse a visão, pois, estaria bem longe da camada

atmosférica que envolvia a Terra. Dez minutos depois,

Mercant decolou num foguete de transporte comum, do

tipo Plutão-D. dotado de mecanismo de propulsão

química.

6

Fazia poucos minutos que a senha fora recebida.

Reginald Bell realizara as manobras estruturais segundo

as instruções que lhe haviam sido ministradas e três vultos

humanos saíram em disparada.

O capitão Albrecht Klein nunca correra tanto. O

salto com que transpôs a pequena abertura da cúpula

energética parecia de um louco.

A figura de Rhodan, alta e ereta, parecia tão

misteriosa e ameaçadora em meio à luminosidade

ofuscante do horrível temporal de fogo que Peter

Kosnow, num gesto instintivo, pôs a mão na arma.

Mas, no mesmo instante, Kosnow viu-se reduzido à

impotência pelo cintilante bastão de prata. A ordem, que

não poderia ser contrariada por qualquer ato de sua

vontade, ainda lhe ressoava no ouvido.

— Fique parado, não se mova, não realize qualquer

tipo de ação.

Só isso. Perry Rhodan já não era o homem que

pousara na Terra poucas semanas antes. Seu rosto esguio

trazia as marcas da preocupação e do sofrimento. Os

lábios trêmulos constituíam um sinal evidente de que

caminhava em direção a um colapso nervoso.

Klein lançou os olhos em torno; parecia atordoado.

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97

Nunca imaginaria o efeito do fogo cerrado de artilharia. A

cúpula energética transformara-se numa câmara de som.

Ele sentia como se sua cabeça fosse explodir devido ao

tremendo barulho.

Li Shai-tung também fora privado de sua vontade. O

irradiador psíquico dos arcônidas conservara toda sua

eficácia.

O único que continuava perfeitamente lúcido era

Albrecht Klein. Em compensação, viu-se diante do cano

de uma arma automática que só conhecera nos últimos

estágios do seu treinamento.

Tratava-se de uma pistola-foguete, cuja eficiência já

se tornara conhecida dos membros do exército e da força

espacial.

Por cautela, Klein resolvera erguer as mãos; o gesto

tinha algo de irreal em meio àquele inferno. Dentro de

poucos segundos, percebeu que seria impossível conduzir

o diálogo com a rapidez e a exatidão que seriam

necessárias. Não conseguia entender as próprias palavras.

Ao voltarem para a tenda, Klein dirigiu o caminhão.

E só quando chegaram lá ele recebeu o capacete que lhe

permitiu transmitir algumas informações através dos

intercomunicadores.

Lá fora soava a música ensurdecedora da artilharia,

que continuava a disparar com uma rapidez

extraordinária. Os ocupantes do abrigo do comandante

Tai-tiang mordiam os lábios e forçavam os olhos numa

tentativa vã de perceber os acontecimentos que se

desenrolavam no interior da cúpula.

Três altos oficiais do Serviço Secreto procuraram

calcular as probabilidades de êxito dos agentes. Bastaria

espalhar o conteúdo de um dos recipientes para que a

queda da terceira potência se tornasse um fato

consumado.

O capitão Klein olhou atentamente em torno. Não

lhe escapou o reator, que emitia uma luminosidade

assustadora, nem sombras dos médicos que deslizavam

atrás da cortina.

Sentiu o olhar de Rhodan, que retribuiu com certo

nervosismo e constrangimento. Depois de engolir em

seco, disse, com voz gutural:

— Muito obrigado, senhor. E, antes de fazer

qualquer pergunta, queira pôr as mãos nos bolsos internos

de nossas jaquetas. Em cada um deles encontrará um

recipiente metálico de pressão com uns vinte centímetros

de comprimento por quatro de diâmetro. As ordens que

recebemos são no sentido de soltar o conteúdo dos

mesmos no interior da cúpula.

Bell virou-se bruscamente. Seu rosto largo

contorceu-se e o dedo brincou no gatilho da pistola-

foguete. Rhodan continuou na posição rígida de antes.

Apenas as expressões de seus olhos estavam modificadas.

Pareciam dissecar minuciosamente o agente secreto.

— Está nos bolsos internos — repetiu Klein. —

Vamos logo! Não temos tempo a perder. Se nossos

superiores desconfiarem de que estamos batendo papo

tranquilamente com vocês, será preferível ficarmos aqui.

Rhodan não formulou qualquer pergunta. Kosnow e

Li não esboçaram a menor reação quando as cargas

perigosas passaram às mãos de Rhodan. Klein

contemplou os cilindros sem dizer uma palavra. Quando a

voz sonora de Rhodan se fez ouvir, estremeceu.

— Certo Klein! O que há nesses recipientes?

— Um agente radiobacteriológico que os inutilizaria

dentro de poucas horas. A ideia foi minha.

Klein admirou a tranquilidade de Rhodan. Até o

cano da arma foi abaixado.

— A ideia foi sua? — perguntou Bell com voz fria.

— E agora quer bancar o herói, não é? Qual é o truque?

Para seu governo, Klein, se dependesse de mim, você não

entraria nessa cúpula.

— Isso é uma questão de ponto de vista —

interrompeu Rhodan asperamente. — Capitão, o senhor

concebeu este plano para entrar em contato conosco sem

despertar suspeitas? Se eu estivesse no seu lugar, bem que

seria capaz de uma ideia dessas!

A admiração de Klein subiu ao infinito. O tom irreal

da situação foi realçado pelas estranhas instalações da

tenda. Klein estava contente por saber que a

impulsividade de Kosnow havia sido neutralizada por

meio de recursos psicológicos.

— Foi isso mesmo, senhor. Recebemos instruções

para iludi-los através de dados fictícios sobre um pretenso

grupo de resistência. Mas, deixemos isso para mais tarde.

E, para que tenha certeza da lealdade dos nossos

propósitos, fique sabendo que poderíamos ter aberto o

recipiente no percurso até aqui. O chiado teria sido

imperceptível em meio ao fogo de artilharia.

O rosto enrijecido de Rhodan descontraiu-se. Por

baixo do grosso capacete acústico viam-se as rugas da

testa. Respondeu em tom calmo.

— Klein, ao menor movimento você estaria morto.

Tenho Um detector radioscópico portátil que revelou a

presença da garrafinha com todos os detalhes. Asseguro-

lhe que não chegaria a tocar na válvula com o dedo

mínimo.

O rosto de Klein contorceu-se num sorriso.

— Então, o senhor sabia? Acontece que nem eu

desconfiava. Creia, nem pensamos em soltar essa mistura

infernal aqui. Viemos apenas para falar-lhe.

— Já passa das quatro. Quando voltarem, perguntar-

lhes-ão o porquê da demora. Não é evidente?

— É, mas posso inventar uma desculpa qualquer.

Direi que lhes contei uma história comprida sobre um

movimento que estaria disposto a ajudá-lo e que

aproveitei para observar os recursos de que vocês

dispõem.

— Afinal, o que deseja? — perguntou Rhodan. Seus

olhos pareciam brasas vivas.

Klein ficou tranquilo. Sentiu a grandeza desse

personagem que desafiava, praticamente só, o poderio

compacto de toda a Terra.

— Considero os seus objetivos muito honrosos —

disse laconicamente. — Já falamos a esse respeito. Não

vejo, pois, nenhuma razão para que a terceira potência

seja eliminada. A guerra nuclear que não chegou a eclodir

foi, para mim, a gota que faltava nas minhas convicções.

A união de todos os povos resultou da sua atuação. Com

isso, o senhor realizou alguma coisa que até então não

passava de um sonho. Da minha parte, já tinha chegado à

conclusão de que só mesmo uma ameaça formidável,

vinda de fora, isto é, do espaço, seria capaz de provocar a

fusão dos povos. Hoje em dia, as frases de cunho

ideológico já não valem mais nada. O senhor, ou melhor,

o perigo que o senhor representa, passou a ser o ponto

central. Os homens já raciocinam, mas deixarão de fazê-lo

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se o senhor fracassar. Há de compreender que, na

qualidade de oficial do CID, muitas vezes passei por

situações com que um homem comum jamais se

defrontaria. A atuação dos serviços secretos sempre foi

um negócio muito sujo. Nós, isto é Kosnow, Li e eu,

chegamos à conclusão de que o senhor deve continuar a

existir como terceira potência. É esta a nossa posição.

Rhodan não refletiu muito. Ao que parecia, não

havia a menor dúvida quanto aos propósitos de Klein.

Apenas, ele deixava de lado um dado de suma

importância: ao que tudo indicava, a terceira potência que

tanto admirava e desejava, estava prestes a chegar ao fim.

Rhodan lançou os olhos em direção à parte da tenda

em que se encontrava o enfermo. Dentro de poucas horas

chegaria o momento do relatório diário a ser fornecido a

Thora... E Crest continuava naquela rigidez inexplicável.

— O senhor tem de fazer alguma coisa — irrompeu

Klein sem que qualquer coisa lhe fosse dita. — Estou

informado de que há poucas horas decolaram três naves

espaciais. Não sei informar o momento exato da chegada,

mas conheço o destino. A missão dos tripulantes consiste

em atacar sua base na Lua com uma nova arma nuclear.

Faça alguma coisa!

Reginald Bell comprimiu o encosto fino de sua

banqueta. Os lampejos das explosões cintilavam na tela

do radar. Rhodan arregalou os olhos numa expressão de

incredulidade.

— Três naves decolaram? — repetiu em tom

perplexo. — Sabe o que está dizendo? Nenhum reator

nuclear entraria em funcionamento na Terra, eu lhe

garanto.

— Mas funcionará além de 120 quilômetros de

altura — disse Klein, sentando-se numa banqueta, com

um sorriso embaraçado. Sentia suas pernas tremerem.

— Acho que não sabia, não é? Cada um de nós, isto

é, o Ocidente, o Bloco Oriental e a Federação Asiática,

fez decolar uma nave espacial gigante. O primeiro e o

segundo estágios funcionarão exclusivamente à base de

reações químicas. Depois que tiverem transposto a zona

crítica, os propulsores químico-nucleares entrarão em

funcionamento. Major Rhodan, o senhor cometeu um erro

imperdoável. Foi por isso que vim. Deixe de fazer

perguntas sobre os motivos dos meus atos. A única coisa

que importa é a conservação da base lunar.

Bell umedeceu os lábios. Estava muito pálido.

Rhodan também se sentou.

— Conte-me tudo — disse em tom raivoso. — O

que aconteceu? Conte tudo.

Klein não omitiu nenhum detalhe. Mencionou a

conferência da Groenlândia. Rhodan não teve

dificuldades em compreender o funcionamento da bomba

catalítica H. Acontecera exatamente aquilo que temia.

Klein concluiu o seu relato com as informações da

tarefa realizada pelo maior computador da Terra. Quando

se calou, voltou a ouvir o rumor surdo das salvas de

artilharia. O reator brilhava num tom azulado. Seu aspecto

era inquietador. Desesperado, Rhodan perguntou de si

para si que tipo de reação se desenrolaria no seu interior.

Só Crest saberia dar este tipo de informação; se é que esta

informação ainda resolveria alguma coisa. Ele achou mais

provável que o reator não demorasse muito para entrar em

pane.

Antes de falar, dirigiu o irradiador psíquico sobre os

outros visitantes. Li e Kosnow despertaram

imediatamente. Algumas palavras foram suficientes para

pô-los a par da situação.

— Queiram abster-se de perguntas e lamentações —

soou a voz nos fones dos capacetes. — O capitão Klein

orientou-me sobre todos os detalhes. Não vamos perder

tempo.

Apontou para o reator.

— Estão vendo? O brilho que este aparelho está

emitindo não é normal. Receio que sua potência esteja no

fim.

Klein sobressaltou-se. Lançou um olhar de

incredulidade sobre o major Rhodan, cujos lábios

indicavam um sorriso amargo.

— O equipamento de telefonia dos arcônidas já está

fora de ação. Deve ser a trepidação. Crest, que com toda a

razão é tido como doente pelo computador eletrônico,

continua mergulhado num torpor misterioso. Com isso, as

comunicações com a Lua estão interrompidas. Se Crest

não despertar até às oito horas da manhã, capitularei, ou,

ao menos, solicitarei um armistício. Vocês nem imaginam

as desgraças que poderão desabar sobre a espécie humana

se alguma coisa acontecer a esta criatura. Não façam

perguntas. As coisas são por demais complicadas para que

possamos discuti-las agora.

— E as três naves? — gemeu Kosnow. — Será

possível inutilizá-las? O que acontecerá com as

tripulações, se os que estiverem na base lunar partirem

para o ataque?

— Façamos votos para que as coisas se resolvam de

forma bastante humana — disse Rhodan. — A decisão

final caberá à comandante da nave dos arcônidas. Afinal,

ela se verá colocada diante de um grupo de agressores.

— E se as bombas forem lançadas? — exclamou Li,

nervoso. — O que acontecerá? Será que os arcônidas

dispõem de alguma defesa?

Rhodan esforçou-se para não trair o nervosismo que

o dominava. Só desejava uma coisa: ficar a sós o quanto

antes. Aqueles três homens não deveriam saber demais,

quando não fosse por outra coisa, para que não perdessem

a fé que os animava.

— Uma reação nuclear a frio não pode ser impedida

por meio de um campo anti-neutrônico. Até aí, está certo.

No entanto, os seres que estão na Lua encontrarão algum

meio de defender-se das três naves. Não se preocupem

com isso. Klein, antes de retirar-se, eu gostaria de lhe

fazer um pedido.

O capitão Klein levantou-se. Tinha o rosto pálido e

cansado. Desconfiava de que alguma coisa não estava

certa. Bell não conseguiu disfarçar o nervosismo. Rhodan

olhou para o relógio.

— Aguarde meu chamado pelo rádio as oito em

ponto. Farei o possível para reparar o nosso emissor antes

disso. Se não conseguir, só me resta uma alternativa:

desistir. De outra forma, a catástrofe seria inevitável. Faça

tudo o que estiver ao seu alcance para que concordem

com um armistício. Envie delegados; procure ganhar

tempo. De qualquer maneira, faça com que este fogo de

artilharia seja suspenso imediatamente. Acha que

conseguirá?

Os olhos de Rhodan pareciam despedir faíscas. Li

retrucou, pausadamente:

— O senhor não conhece minha gente. O general

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Tai-tiang não suspenderá a barreira de fogo enquanto o

senhor não desativar a cúpula. Se solicitar um armistício,

não concordará. Desconfiará de que o senhor quer ganhar

tempo para reparar o seu equipamento. No abrigo que lhes

serve de quartel-general, temos psicólogos de primeira

ordem. Não os subestime. Isso só se poderá resolver passo

a passo.

Klein confirmou com um gesto. Rhodan baixou a

cabeça.

— Certo. Aguarde a minha chamada. Se não chegar

até as oito da manhã, é sinal de que conseguimos salvar a

situação. Mas, se receber o meu chamado, aja

imediatamente.

— Este reator ainda pode aguentar alguns meses —

ironizou Klein, embora sem poder ocultar o nervosismo

da voz. — Por que desistir? O fogo de artilharia não pode

durar para sempre. A esta altura, as dificuldades de

reabastecimento já são enormes. Afinal, não é fácil suprir

seis mil peças de artilharia. Agüente mais um pouco...

digamos, vinte e quatro horas!

— Você não avalia a situação corretamente — disse

Rhodan. — Se dependesse de nós, aguardaríamos o

colapso do aparelho, que é bastante provável. Mas existe

outro perigo que não quero provocar. Se a comandante da

nave dos arcônidas chamar em vão, e se verificar que aqui

está sendo levado a efeito um bombardeio, perderá o

controle. E, se isso acontecer, só podemos rezar. E tomara

que Deus tenha piedade dos homens! Compreende por

que não podemos assumir um risco desses?

Compreenderam. As razões que poderiam animar a

comandante dos arcônidas eram imprevisíveis.

Rhodan levou os três homens até o limite da cúpula.

Antes de despedir-se e pedir que lhe devolvessem os

capacetes acústicos, disse em tom cordial:

— Muito obrigado, Klein. Suas intenções foram as

melhores possíveis. Mas, a menos que aconteça um

milagre, terei de decepcioná-lo. Assim que esse fogo seja

suspenso, aja depressa: ligue imediatamente para Nevada

Fields. Peça a Pounder que emita uma mensagem não

codificada. Não assuma o menor risco. Avise Mercant de

que em hipótese alguma deverá tocar em Crest, pois, com

isso, provocaria uma catástrofe. Não se justifica que ele

seja preso sem mais nem menos. Compreendeu? A

manobra estrutural foi repetida. Em apenas três segundos

os homens saíram da cúpula. Mal se encontraram do lado

de fora, Rhodan disparou em direção à tenda.

— Esses rapazes terão problemas — disse Bell. —

Esqueceram seus cilindros bacteriológicos.

— Isso já estava mais ou menos previsto. Dirão que

espalharam o plasma. Se não ficarmos doentes, a culpa

não será deles. Não há nada que a terceira potência não

possa fazer, não é verdade?

O sorriso mordaz e irônico fez com que Bell

rompesse numa série de imprecações. Seu rosto pálido

encarou o comandante.

— Venha comigo — soou a voz indiferente nos

fones.

Ao chegarem ao interior da enfermaria improvisada,

encontraram os médicos conversando. Os homens

pareciam esgotados. A resistência de seus nervos parecia

perto do fim.

— São exatamente oito minutos para as cinco horas

— constatou Rhodan. Lançou os olhos em torno. Crest

jazia imóvel na estreita cama de campanha.

— Klein não soube dizer a hora em que as três naves

decolaram. Mas, como conheço a eficiência dessa gente,

acho que o ataque na Lua será hoje.

— Afinal, qual é a ideia? — exaltou-se Bell. Suas

mãos comprimiram o braço de Rhodan. — Fale logo!

— A presunção doentia de Thora fará com que

subestime o perigo. Acreditará que uma simples cúpula

protetora e um campo antineutrônico serão suficientes

para impedir toda e qualquer reação nuclear. Acho que,

mesmo que conseguisse comunicar-me diretamente com

ela, não conseguiria nada. Daí se conclui que a destruição

da nave dos arcônidas é só uma questão de tempo.

— Você está imaginando coisas — balbuciou Bell.

— Não é possível! Aquela coisa é indestrutível!

— Só se lhe for dispensado o tratamento adequado.

Se em vez daqueles seres apáticos, a nave tivesse a bordo

uma tripulação ativa, eu não me preocuparia. Mas, do

jeito que estão às coisas, até mesmo as providências mais

simples serão omitidas. Vejo a situação muito ruim. Cada

bomba catalítica H libera energia equivalente a cem

megatons de TNT. Não gostaria de estar na esfera

incandescente de gases de uma explosão desse tipo. Se

não tomarmos providências imediatas, um sol terrível

surgirá por cima da nave, Dr. Haggard!

O médico estremeceu. Ergueu a cabeça. Fitou

aqueles olhos penetrantes.

— Dr. Haggard, o senhor tentará despertar Crest

desse sono estranho. Eric, você dará assistência ao seu

colega. Seria absurdo esperarmos mais. Arrisquem tudo.

Haggard esteve a ponto de explodir. Mas, quanto

mais fitava aqueles olhos chamejantes, mais seu ânimo, se

enfraquecia.

— Como queira, major — disse com voz monótona.

Rhodan retirou-se. Eram cinco em ponto. Lá fora o

fogo de artilharia mantinha-se na mesma intensidade.

Muito além da cúpula protetora, os três homens

foram recebidos pelos oficiais das forças armadas. Klein

apresentou o relato.

— Cremos que Rhodan acreditou nas nossas

explicações. Os três recipientes de pressão ficaram no

interior da cúpula. Eu e Kosnow conseguimos abrir as

válvulas. Li viu-se obrigado a desistir no último instante.

Mas duas cargas devem ser suficientes.

Os homens foram colocados num helicóptero que os

levou ao posto de desinfecção. Dali em diante, Klein

começou a padecer todos os tormentos do inferno. Se os

médicos achassem necessário que eles ficassem em

quarentena, então...

Quase no mesmo instante o primeiro-tenente Freyt

transmitiu sua última mensagem para o controle de terra:

— Entramos em órbita conforme previsto. Iniciamos

a desaceleração. O mecanismo propulsor funciona

satisfatoriamente. A tripulação está bem. Rezem por nós.

Fim.

Três peritos em armamentos calcularam o momento

exato em que as bombas deveriam estar prontas para

serem lançadas.

— Cerca de três horas — disse o capitão Nyssen em

voz alta. Nesse instante sofreu o primeiro impacto

formidável da força de desaceleração.

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Quietos e apáticos estavam sentados nas banquetas

da enorme tenda. Procuravam dar a impressão de que o

fogo cerrado que rugia lá fora não significava nada.

O sol nascera algumas horas antes. Seu brilho

ardente ao menos apagara a cintilação extenuante das

inúmeras explosões. Mas o trovejar continuava. A cúpula

energética oscilava num ritmo estranho, que a qualquer

momento poderia terminar num verdadeiro colapso.

Desde as cinco da manhã os médicos esforçavam-se

para despertar Crest do profundo sono em que estava

mergulhado. Depois de alguns êxitos aparentes, que se

manifestaram através de uma aceleração do ritmo

respiratório e de um tremor das pálpebras, os sintomas da

esperança desvaneceram-se.

Finalmente, pelas sete horas, o Dr. Haggard recorreu

ao mais perigoso dos psicoestimulantes da época. O

medicamento agia diretamente sobre as funções

conscientes do indivíduo. Além disso, produzia um

aumento bastante acentuado da função circulatória e dos

reflexos nervosos. O psicoestimulante era o último

remédio de que os médicos podiam lançar mão.

Crest reagiu ao estímulo tal qual um homem reagiria

a uma xícara de café. Por isso, Haggard resolveu aplicar

outra injeção.

Eram sete e quarenta e cinco. Antes de pôr

lentamente as mãos no equipamento portátil de telefonia,

Rhodan lançou mais um olhar sobre o enfermo. No

mesmo instante o arcônida levantou-se do leito num

movimento repentino, como se algum impulso estranho o

tivesse chicoteado.

Rhodan deteve-se em meio ao movimento. Um

gemido abafado soou nos fones de ouvido. Era o Dr.

Haggard que, perplexo, acompanhava a inexplicável

reação do paciente. Nunca antes, o fato de Crest ser uma

criatura completamente estranha se impusera à sua

consciência com tamanha nitidez.

Aconteceu exatamente aquilo que Manoli previra. O

sono de Crest podia aprofundar-se até a morte, ou então

ele despertaria para um estado de plena consciência num

reflexo tão rápido que o cérebro humano dificilmente

conseguiria entender de imediato.

Crest havia acordado, não restava a menor dúvida.

Seu primeiro gesto consistiu numa contorção dolorosa do

rosto. Pôs a mão ossuda na cabeça.

Rhodan compreendeu a situação antes dos outros.

Com um ligeiro movimento, colocou na cabeça do

arcônida o capacete acústico com o equipamento de

telefonia que fora deixado bem à mão. A ligação já havia

sido estabelecida.

— Crest, o senhor me ouve? Compreende o que

estou dizendo? — soou a voz nervosa.

Bell mal reconheceu a voz de Rhodan. Muito mais

aguda que de costume, revelava a enorme tensão a que ele

estava submetido.

Rhodan sabia que não havia muito tempo para

explicações demoradas. Desde que Crest tivesse

alcançado alguma lucidez, teriam de agir imediatamente.

— Ouço... ouço, sim — veio a resposta. — Estes

ruídos! O que...

— Deixemos isso para depois — interrompeu

Rhodan. — Daqui a pouco lhes darei todas as

explicações. Acabamos de despertá-lo de um sono

prolongado. O senhor está curado. Conseguimos dominar

a leucemia. Mas, agora, temos de agir sem demora. Há

algumas horas estamos sendo alvo de um bombardeio

ininterrupto. O reator está emitindo uma luz azulada.

Receio um colapso. Além disso, o equipamento de

telefonia entrou em pane por causa da trepidação.

Estamos...

Ninguém poderia imaginar que este relato, vindo

logo após o despertar e que teria sido prejudicial ao

equilíbrio de qualquer ser humano em situação

semelhante, fosse representar a terapia mais eficaz para o

arcônida.

Crest compreendeu em poucos segundos todos os

detalhes de uma situação que, na opinião de Haggard, lhe

deveria ser revelada aos poucos e com muita cautela.

Os médicos estavam estupefatos. Manoli ficou

pronto para a prestação de socorro imediato, até que

percebeu que seus receios eram infundados.

Exausto, sacudiu a cabeça e largou a seringa. Seu

saber havia chegado ao fim. Haggard preferiu manter-se

em atitude de observador. Como cientista que era não

havia nada que lhe causasse espanto.

— Desligue imediatamente! — soou a voz clara de

Crest. — Há o risco do superaquecimento. Desligue!

Rhodan recuperou a calma. Não era por nada que era

chamado de comutador psicológico instantâneo.

Compreendeu o medo que se desenhava nos olhos do

arcônida.

— Se assim for, estamos liquidados, Crest — disse

laconicamente. — São sete horas e cinquenta e cinco

minutos. Dentro de cinco minutos Thora procurará entrar

em contato conosco. O reator terá de aguentar até lá. Se

Thora intervier imediatamente, tudo estará salvo. Só

depende de pormos a funcionar o equipamento de rádio. E

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só o senhor é capaz de fazer isso.

— Dentro de cinco minutos? — balbuciou Crest.

Seus olhos procuraram o aparelho que se encontrava junto

à cama. — O que houve? É impossível que ocorram

defeitos de funcionamento. Ligou a chave de reparos?

Rhodan mudou de cor. Bell soltou um palavrão.

Crest respirou com dificuldade. A atividade cardíaca

aumentara bastante. Ao que parecia, estava sofrendo de

falta de ar.

— Que chave é esta? — perguntou Rhodan,

torcendo os dedos. — Não faço a menor ideia.

— O microautômato — respondeu Crest. — Elimina

instantaneamente qualquer defeito, que só pode surgir em

circunstâncias excepcionais nos contatos. As baterias e as

células energéticas são indestrutíveis, desde que no

interior do aparelho seja mantido o vácuo absoluto.

Sem dizer uma palavra, Rhodan saltou para a caixa

em forma de cubo. Não havia nenhuma conexão visível

que estabelecesse ligação com alguma fonte de energia.

Só mesmo pela antena de extremidade esférica percebia-

se que se tratava de um emissor.

A tela oval e côncava continuava apagada. Enquanto

Bell, impotente e torturado pela autocensura, olhava para

o arcônida, Rhodan colocou o aparelho ao alcance das

suas mãos. Não perdeu um único segundo.

— Faça a ligação! Rápido! — insistiu sem a menor

tonalidade de calma na voz. — Não desconfiávamos de

que este aparelho tivesse um serviço automático e

autônomo de reparos. Ainda dispomos de três minutos.

Mais uma vez, Crest compreendeu de imediato a

situação. A manobra da chave era extremamente simples.

Rhodan fechou os olhos para não revelar o nervosismo.

Um sinal verde surgiu na tela.

— Os reparos estão em andamento — disse Crest,

com a voz ofegante. — Temos de esperar. Deixe-me ver o

reator. Devíamos desligá-lo.

Com um movimento rápido, Bell afastou a cortina.

Crest arregalou os olhos avermelhados.

— Ele não aguentará mais de uma hora, segundo sua

escala de tempo — disse, tranquilamente. — Há horas

que está trabalhando em regime de sobrecarga, do que

resulta um aumento das reações nucleares. Os conversores

térmicos estão trabalhando com a potência máxima. Por

que está acontecendo uma coisa dessas?

Rhodan começou a dar-lhe uma rápida explicação.

As indicações de Crest eram bastante complicadas.

Esclareceu que sob o fogo concentrado ininterrupto, a

estrutura energética do campo protetor ficou sujeita a uma

oscilação excessiva, uma vez que o modelo simplificado

não dispunha de um conversor que aumentasse a

intensidade dos trechos submetidos a uma carga mais

forte.

Rhodan compreendeu o essencial, mas isso não

resolvia nada. Poucas vezes sentira-se tão desesperado.

O sinal verde apagou-se um minuto antes das oito.

Rhodan fez a ligação com as mãos trêmulas. A tela

começou a cintilar. Ouviram-se ruídos crepitantes.

Repentinamente, som e imagem surgiram com tamanha

nitidez que o Dr. Haggard recordou o súbito despertar do

cientista arcônida. O mecanismo automático de reparos

funcionara perfeitamente. Era provável que o defeito

consistisse apenas de um contato que se soltara com a

trepidação ininterrupta.

Crest e Rhodan contemplaram a imagem

tremeluzente. O aparelho representava uma maravilha no

campo das comunicações.

O comandante poderia contar com tudo, menos com

os fatos que se seguiram. O relato resumido que

concebera tornara-se inútil, pois a voz estridente daquela

mulher nervosa não admitia a menor interrupção.

Thora parecia próxima à prostração total. Seu belo

rosto ardia de cólera.

— Quero saber o que houve!

As palavras, saídas dos alto-falantes invisíveis,

pareciam chicotadas. Num instante, Rhodan compreendeu

que já devia estar falando há algum tempo. Certamente

procurara estabelecer contato antes que a chave de reparos

fosse ligada.

— Ouça Thora, ouça! — gritou. — O reator está

emitindo uma luz azulada. Se não agir imediatamente, o

campo energético entrará em colapso.

— Onde está Crest? — interrompeu aos gritos. —

Minha generosidade chegou ao fim. Dispenso suas

explicações, major Rhodan. Se alguma coisa aconteceu a

Crest, abandoná-lo-ei sem a menor contemplação e

atacarei com todos os meios de que disponho.

Rhodan afastou-se para o lado. Seu rosto pálido

traduzia suas emoções. O sorriso gélido apareceu no rosto

de Bell. Sem trocarem uma palavra prestaram atenção à

conversa entre Crest e Thora, travada numa linguagem,

para eles, totalmente incompreensível.

A comandante parecia mais calma. Porém, antes que

Rhodan pudesse voltar a falar, a comunicação foi

interrompida por ela. Em vão, ele comprimiu o botão

vermelho. Depois, virou-se rubro de cólera.

— As reações de sua gente são muito estranhas! —

disse, em tom mordaz. — Quais são as intenções da

jovem filha da dinastia todo-poderosa dos arcônidas?

Crest esboçou um sorriso quase imperceptível.

Descansava no leito e surpreendeu Rhodan com esta

resposta:

— Acaba de decolar com a maior das naves

auxiliares. Chamou alguns minutos antes da hora

combinada porque os instrumentos haviam detectado o

bombardeio. Está preocupada, major. Pense na situação

de Thora e na nossa. Se não intervier imediatamente com

os aparelhos que se encontram a bordo da nave auxiliar

estaremos perdidos. Acho que o senhor não tem o menor

interesse em provocar uma expedição punitiva contra a

humanidade que representa. Portanto, não assuma o risco

de me fazer cair nas mãos de qualquer potência da Terra.

Dentro de dez minutos, Thora surgirá por cima da cúpula.

— Dez minutos? — repetiu Rhodan, surpreso. —

Conseguem fazer em dez minutos a viagem da Lua até

aqui, inclusive o pouso?

A respiração de Crest estava mais tranqüila, porém,

os médicos permaneciam em alerta.

— É inacreditável! — murmurou o Dr. Haggard. —

Ele resistiu. Se eu soubesse disso, teria injetado o

psicoestimulante logo. Como se sente, Crest?

— É uma pergunta importante, mas a pergunta que

vou formular é muito mais urgente — interveio Perry

Rhodan em tom frio.

Um ligeiro estremecimento passou pelo corpo de

Crest. Olhou atentamente para Rhodan.

— Explicou a Thora que três naves terrestres com

Page 102: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

102

um novo tipo de bomba nuclear estão a caminho da Lua?

É claro que não! E nem me deu tempo para informá-la a

respeito. Essa louca furiosa preferiu interromper a

comunicação antes que pudesse preveni-la. Talvez vocês

nem ao menos possam conceber a ideia de que os homens

consigam, através de um ato inteligente, eliminar os feitos

de um campo antineutrônico. Se Thora não agir

imediatamente, daqui a pouco sua nave estará no centro

de uma bola incandescente gerada por três bombas H de

alta potência. Não venha me dizer que as reações

nucleares são impossíveis. Não são. Os homens

desenvolveram a ignição nuclear a frio, com base na

catálise provocada pelos átomos do mésio. As três

bombas não darão a menor importância ao campo

antineutrônico de Thora. Crest, nunca falei tão sério como

agora! Ligue imediatamente para Thora e faça com que

ela adote as medidas defensivas que se fazem necessárias.

Crest mudara de cor.

— Fusão a frio? — disse com voz débil. — As três

naves serão localizadas a tempo de se evitar o ataque. O

robô do nosso cruzador espacial agirá independentemente

da interferência de Thora e defenderá a nave.

Rhodan deu uma risada amarga.

— Muito bem, Crest. Só resta saber se o computador

está bem programado. O cérebro positrônico ainda baseia

seus cálculos em seres vivos primitivos, não é? Na sua

lógica puramente mecânica, abster-se-á de qualquer

medida defensiva, embora estas se tornassem naturais se a

memória positrônica recebesse uma regulagem adequada.

O computador subestimará o perigo porque não é capaz

de um raciocínio pessoal. Nenhum dos cálculos

considerará a existência de superbombas catalíticas cuja

potência total chega a trezentos milhões de toneladas de

TNT. O robô só pode agir erradamente. Foi regulado para

os dados da primeira nave terrena que pousou na Lua. De

acordo com esses dados, o dispositivo positrônico

interromperá a teledireção, montará um campo

antineutrônico comum e, quando muito, levantará uma

cúpula protetora do tipo que já conhecemos. O

computador não poderá fazer mais que isso, porque a

lógica mecânica de que é dotado não lhe permite fazer

mais do que o estritamente necessário. Ninguém vai matar

pardais a tiro de canhão, não é? Para isso, usa-se

espingarda de chumbo fino. Crest ligue imediatamente

para Thora! Deve voltar. As bombas podem ser

arremessadas a qualquer instante. Tenho um

pressentimento. E tenho bons conhecimentos de

cibernética. Ligue agora mesmo!

O arcônida jazia imóvel na cama. Seus olhos

pareciam expressar uma indagação muda. Neles se lia a

descrença e a dúvida. Por mais tolerante que pudesse ser,

dificilmente o representante de uma raça infinitamente

mais desenvolvida compreenderia que as armas

construídas por um povo classificado no grupo de

inteligência D pudessem ser tão eficazes.

— Espere, por favor — cochichou. — Ainda me

sinto um pouco fraco. Além disso, no momento, não

tenho meios para entrar em contato com Thora. O emissor

está regulado exclusivamente para contatos com minha

nave exploradora.

— Pois procure entrar em contato com algum

membro da tripulação! — exclamou Rhodan em

desespero. — Procure compreender, Crest! Os homens

atacarão com todos os meios de que dispõem. Faça

alguma coisa!

— É inútil — objetou o arcônida. Sua boca assumiu

uma expressão amarga. — Devem estar deitados diante

das telas dos simuladores, admirando uma nova obra-

prima. Ninguém perceberá o sinal.

Rhodan respirou com dificuldade. Teve de esforçar-

se para reprimir uma censura mais violenta. A raça dos

arcônidas estava no fim; não havia a menor dúvida. O

comandante preferiu não dizer nada. Há passos lentos,

dirigiu-se para a saída. Seu olhar percorria o céu

matutino. Se as informações de Crest fossem corretas,

dentro de poucos instantes uma coisa monstruosa surgiria

por cima da cúpula. Rhodan imaginava perfeitamente o

que os arcônidas deviam entender por nave auxiliar. Sem

dúvida, ela seria capaz de abrigar mais de vinte das

grandes naves da Terra.

E o rugido infernal começou. Com um gemido,

Rhodan fechou os olhos. Um poder supraterreno começou

a se revelar.

8

Era inútil procurar abrigo. As aberturas estreitas dos

abrigos de concreto tinham sido transformadas em apitos

infernais.

Um furacão teria sido rebaixado a um fenômeno

insignificante. No último instante, Thora desistira da

destruição das diversas divisões que cercavam a cúpula.

Mas, face aos princípios que adotara, não poderia deixar

de dar uma lição dura nos seres inferiores.

Para Crest, o procedimento de Thora era natural.

Rhodan mal conseguiu compreender por que teve de

desencadear uma tempestade tão terrível. Como

representante de uma grande potência galáctica, sentia-se

humilhada pelo quase sucesso do bombardeio ininterrupto

à cúpula energética que erigira. Seus sentimentos eram

idênticos aos da figura antiquada de um oficial das forças

coloniais do planeta Terra que veria, numa revolta

promovida pelos povos subdesenvolvidos da colônia, uma

forma de blasfêmia contra as classes dominantes.

A enorme nave esférica flutuava pouco acima da

cúpula energética. Rhodan não saberia dizer de que forma

foi desencadeado o furacão. Aliás, quando se tratava de

qualquer medida dos arcônidas, nem seria capaz de

esperar que fosse diferente.

As formidáveis ondas de pressão varriam tudo diante

de si. O fogo das inúmeras baterias cessou tão

repentinamente que até parecia nunca ter representado um

perigo mortal para os homens; que se achavam cercados.

Os soldados das divisões de elite das forças asiáticas

conseguiram agarrar-se nos excelentes abrigos até que os

efeitos da falta de gravidade se somaram ao furacão.

Surpreendidos pela ausência de gravidade, não havia

mais como segurar homens e material. Mais de cento e

cinquenta mil soldados foram varridos das trincheiras que

nem folhas secas, e tangidos para a imensidão do deserto.

As grandes peças de artilharia e as pilhas de

munição ofereceram uma área de impacto muito mais

amplo. Foram arrancadas dos embasamentos pelas vagas

uivantes dos ventos em fúria.

Page 103: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

103

Nada mais aconteceu. Thora empregara uma arma

que talvez considerasse primitiva. Além disso, seu

procedimento foi relativamente humano. Até Rhodan teve

de reconhecer isso, mesmo contra a vontade.

De qualquer forma, o fogo de artilharia cessou de

um instante para outro. Nada mais havia com que se

pudesse atirar.

Só os grandes abrigos de concreto resistiram à

ventania infernal. Todos os objetos que não estavam bem

cimentados ao solo foram largados suavemente no chão,

além dos limites do campo antigravitacional. Ali, o furor

do furacão também perdeu sua força. E assim, homens e

materiais viram-se reunidos em boa harmonia em meio ao

deserto. Ainda se via a cúpula energética, mas não mais se

viam as posições de artilharia.

Assim que o capitão Klein sentiu o chão firme sob

os pés, e quando o mal-estar que sentia desapareceu, viu a

cúpula energética encolher-se. Um objeto arredondado

desceu lentamente no território cercado e, agora,

desimpedido. De espaço a espaço, a guarnição de um

abrigo abria fogo com armas leves de infantaria. Mas os

projéteis nem chegavam a alcançar a área visada.

Daí em diante. Klein absteve-se de olhar o relógio.

O momento decisivo havia passado. Rhodan já não teria

necessidade de solicitar o armistício.

Klein ajudou o comandante das forças chinesas a

afastar uma mesa despedaçada. Só depois disso, o general

Tai-tiang conseguiu pôr-se de pé.

O apito das aberturas cessara. Lá fora, o sol voltara a

brilhar. Só no interior dos abrigos continuava a reinar o

caos. Homens erguiam-se do solo, praguejando. Outros

estavam muito quietos. Alguns dos cientistas pareciam

curiosos; outros, apavorados. Foi a primeira vez que o

capitão Klein conseguiu ler a gama inteira dos

sentimentos humanos nos rostos pálidos e embrutecidos.

O coronel Donald Cretcher, oficial de ligação das

forças do Ocidente, subiu a passos cambaleantes das

profundezas do abrigo de comando. Estava pálido. A testa

sangrava abundantemente.

Um ligeiro relancear de olhos colocou-o a par do

estado dos presentes. Aquilo que Klein jamais esperaria,

tornou-se realidade com algumas palavras de Cretcher.

Ajudando o general chinês a pôr alguma ordem no abrigo,

o coronel do CID declarou, laconicamente:

— General, nas circunstâncias em que nos

encontramos, acho preferível suspender o fogo, que, de

qualquer maneira, se revelou ineficaz.

— Quê? — balbuciou Tai-tiang. — As baterias...?

— Foram arrancadas dos embasamentos. O pânico

tomou conta de todas as posições. Pouco antes do pouso

dessa nave espacial desconhecida recebi uma mensagem

importante do quartel-general na Groenlândia. Meus

colegas e eu chegamos à conclusão de que é preferível

aguardar os acontecimentos.

O major Butaan, do Serviço de Defesa da Federação

Asiática, foi ainda mais lacônico:

— Suspenda o fogo! Assumo a responsabilidade.

Tai-tiang compreendeu que perdera em definitivo.

Não havia como rebelar-se contra a ordem do major

Butaan.

Cambaleante, o general dirigiu-se à fresta de

observação mais próxima. A cúpula energética voltara a

ser erguida, maior e mais potente que antes.

As mensagens radiofônicas dos comandantes das

diversas unidades começaram a ser recebidas. O círculo

de tropas que cercava a cúpula fora desmantelado. As

unidades estavam em plena dissolução.

Klein enxugou as palmas das mãos nas calças.

Kosnow retribuiu seu olhar. O leve sorriso do oficial das

forças orientais falava por si. Rhodan vencera... Ao

menos, por enquanto.

Thora chegara ostentando o poderio do Grande

Império e a arrogância de uma deusa ofendida.

Perto dela, Rhodan tornara-se insignificante. Suas

palavras perderam toda a força. Seus argumentos não

mereceram a menor atenção. A única resposta que obteve

foi um ligeiro franzir de testa.

O comandante desistiu. Seguiu-a com os olhos até

que desaparecesse no interior da tenda; trazia um sorriso

estranho no rosto.

Bell não compreendia mais nada. Tomado de um

acesso de fúria, contorcia-se nos braços de ferro de um

robô armado que deixara a nave logo após o pouso

juntamente com outras máquinas do mesmo tipo.

A chamada nave auxiliar, que o raciocínio lógico de

qualquer ser humano conceberia como uma coisinha

qualquer a ser utilizada em caso de emergência, revelou-

se um gigante de sessenta metros de diâmetro, dotado de

máquinas e geradores de força de grande potência.

Era uma miniatura da nave exploradora, mas

ultrapassava em tamanho qualquer nave terrestre.

Vistos de longe, os robôs dos arcônidas pareciam

formigas. Saíram em formação compacta pela escotilha

do compartimento existente na parte inferior da nave.

Ao que parecia, tratava-se de construções de

diversos tipos. Só os robôs armados eram dotados de

quatro braços com muitas juntas. Tudo indicava que um

par dos mesmos era destinado à manipulação de armas.

Rhodan sabia perfeitamente que uma única dessas

máquinas poderia enfrentar uma companhia inteira de

soldados da Terra. Era difícil aceitar essa idéia. Para que

se pudesse conscientizar alguém dessa realidade, seria

necessária uma demonstração. O cérebro humano não foi

feito para aceitar como válidas as indicações não

comprovadas de uma supertécnica extraterrena.

Uma ordem proferida em tom áspero fez com que

Bell se calasse. Assim que deixou de resistir à mão de

ferro que o comprimia, o robô relaxou a pressão.

— Ordeno-lhe que se mantenha em atitude tranquila

e humilde. Não saia do lugar — soou a voz metálica do

robô.

Bell cambaleou em direção a Rhodan. Uma

luminosidade surgiu na cúpula superior da nave esférica.

A cúpula energética que começou a se formar reluzia

numa tonalidade violeta. O instinto disse a Rhodan que

não haveria mais problemas.

Além do território bloqueado, reinava um silêncio de

morte. Com um receio crescente, Rhodan se perguntava o

que teria acontecido aos homens das divisões asiáticas.

Ao ouvir as imprecações de Bell, mudou de atitude. Seu

rosto descontraiu-se.

— Não perca o controle — disse com uma

tranquilidade estudada. Apertou os olhos e contemplou a

tenda, onde Thora estava examinando o estado de saúde

de Crest.

61

Page 104: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

104

Bell calou-se. O tremor de seus ombros desapareceu

aos poucos.

— Nossa prezada amiga está prestes a cometer o

maior erro de sua vida. Muito bem. Que cometa! Se não

me engano, daqui a dez minutos, no máximo, ela não será

mais que um feixe de nervos. Não mais que uma mulher

ferida. Não diga nenhuma palavra. Deixe tudo por minha

conta. Esperaremos aqui mesmo até que ela venha. Certo?

— Palavra de honra; não entendo nada! — disse

Bell, com a voz áspera.

— Transformar-se-á numa mulher derrotada —

insistiu Rhodan. — E não lhe restará alternativas senão

confiar-nos parte de seu saber infinitamente superior, se

quiser rever o seu planeta natal. Quando a nave

exploradora tiver sido destruída, ver-se-á obrigada a fazer

isso. Não enxerga muito longe. Costuma subestimar o

inimigo e receberá, por isso, uma lição amarga. E essa

lição será mais contundente, mais humilhante, porque lhe

será ministrada por essa mesma humanidade que ela na

sua infinita arrogância, considera uma raça de seres

primitivos e inferiores.

Bell fechou os lábios entreabertos. Começava a

entender o porquê da tranquilidade de Rhodan.

— Já começo a compreender. Você está convencido

de que as três naves conseguirão cumprir o objetivo?

— Acho que sim — murmurou Rhodan. — Fique

quieto. Daqui a pouco ela aparecerá. Crest tem uma visão

muito mais exata da situação e deverá, por certo, colocá-

la a par do problema.

Quando a mulher esbelta saiu correndo da tenda, de

cabelos soltos ao vento, os dois homens estavam sentados

no chão. Respirando pesadamente, tremendo de frio sob o

calor escasso do sol terreno, demasiado fraco para seu

organismo, ela estacou.

Rhodan levantou os olhos, indiferente. Seu olhar

parecia misterioso. A respiração da mulher era ofegante.

Pela primeira vez a inquietação desenhava-se naquele

rosto belo e estranho.

— Olá, como vai? — indagou Rhodan em tom

arrastado. — Muito obrigado pela ajuda. Pode levar Crest.

Está restabelecido. Com boa alimentação e bastante

sossego, a fraqueza passará logo. Pode partir.

Thora ficou estarrecida. Contemplou aquele homem,

sentado diante dela, com um misto de pavor, desespero e

indignação instintiva. Sua voz era estridente. As palavras

pareciam atropelar-se.

— Por que não me informou logo sobre o ataque

planejado? Por quê? Eu...

— Minha cara, seu comportamento foi o de uma

colegial histérica — interrompeu Rhodan. — Suspendeu o

contato comigo assim que conseguimos reparar o defeito

no equipamento. Só lhe aconselho que se dirija quanto

antes a sua nave, se é que ainda tem tempo para isso.

Chegou a localizar três corpos estranhos? Fale logo!

Recebeu aviso de localização?

Thora confirmou. A palidez do seu rosto tornou-se

mais intensa. O tremor das suas mãos fez com que

Rhodan se levantasse.

— Tomou alguma providência?

A pergunta continuou no ar. Em vez de responder,

Thora balbuciou uma súplica.

— Venham! Venham comigo, por favor! Quando

decolaram os foguetes? Que tipos de arma levam a bordo?

Crest falou numa...

— ...bomba mesocatalítica — completou Rhodan.

— Trata-se de uma arma de fusão nuclear que não será

afetada pela cobertura anti-neutrônica. Realizou os ajustes

necessários do equipamento? Poderia tê-lo feito por

prevenção. Qualquer comandante de nave terrena teria

feito.

Thora não perdeu mais tempo. Não deu outras

explicações. Para Rhodan tornou-se evidente que ela não

havia tomado às precauções mais elementares.

Corria e os homens seguiam-na. Rhodan lembrou-se

da história de Davi e Golias. As circunstâncias eram

parecidas. A presunção, aliada ao desleixo, poderiam

perfeitamente ocasionar a destruição da poderosa nave

exploradora. Ainda mais que, segundo revelara a

experiência, a tripulação apática não estaria em condições

de reagir com a necessária rapidez em face ao perigo.

O elevador gravitacional da nave auxiliar levou-os

diretamente à sala de comando. Thora viera só. Em tom

nervoso, explicou que se tratava de um veículo espacial

totalmente automatizado, que poderia ser dirigido por

qualquer ser vivo dotado de raciocínio.

Rhodan sentiu vertigens ao lançar os olhos em torno.

Comparadas aos instrumentos que tinha diante de si, as

complexas instalações da velha Stardust até pareciam

uma canoa ao lado de um porta-aviões nuclear.

Não houve os demorados preparativos para a

decolagem. O salto para o espaço foi tão abrupto, direto e

espontâneo como o ato de um motorista que dá partida em

um carro. Nunca antes o enorme abismo entre o saber dos

arcônidas e o dos homens se tornara tão evidente aos

olhos de Rhodan.

As manobras através das quais Thora dominou a

enorme nave espacial foram rápidas e muito simples. Em

compensação, numerosos robôs entraram em

funcionamento. Rhodan sobressaltou-se com o rugido dos

mecanismos propulsores. As telas iluminaram-se. Numa

reação instintiva, ele se preparou para os efeitos temíveis

da enorme aceleração. Nada aconteceu. A esfera disparou

na vertical, numa velocidade de enlouquecer.

A Terra foi-se encolhendo. Antes que Rhodan

relaxasse os músculos contraídos em ansiosa espera,

grande parte do globo terrestre tornou-se visível. O

Oceano Pacífico surgiu aos seus olhos e, logo depois,

despontou a costa oeste dos Estados Unidos.

Rhodan voltou-se. Bell, perplexo, estava encolhido

numa das poltronas de encosto elevado que, segundo

parecia, nem sequer eram reclináveis. Daí se concluía que

os arcônidas não conheciam os problemas causados pelo

impacto da aceleração. Pelos cálculos de Rhodan, uma

aceleração superior a l.000 g, estava sendo imprimida à

nave. Apesar disso, não se percebia nada.

— Como será que fazem isso, meu Deus? —

perguntou Bell, surpreso. — Como será que conseguem

uma coisa dessas? Vamos dar com os costados na Lua.

Thora...

A última palavra saiu em forma de grito. Rhodan

virou-se precipitadamente. O satélite da Terra surgiu

enorme e bem visível, na tela dianteira. Alguns segundos

depois, só se viam alguns setores da superfície lunar.

O trovejar dos inconcebíveis mecanismos

propulsores cresceu num uivo martirizante. Verdadeiras

torrentes de fogo irromperam, em sentido oposto ao

63

Page 105: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

105

deslocamento da nave, das aberturas existentes no anel

abaulado do setor equatorial da esfera.

Não havia necessidade de inverter o mecanismo

propulsor para reduzir a velocidade. Rhodan estava

perplexo. Lutava contra o raciocínio revoltado que,

contrapondo-se a um sentimento nascido no consciente,

tentou provar que uma coisa dessas era impossível e

inconcebível.

As ideias desordenadas sucediam-se. Não havia

meio de ordená-las num raciocínio coerente. Rhodan

estava reduzido à condição de um indivíduo sacudido por

sentimentos desconexos.

Foi despertado pelo grito estridente de Thora.

Levantou a mão num movimento reflexo. Numa tela

lateral viam-se três pontos cintilantes.

— São as naves! — disse Bell. — Encontram-se por

cima do pólo sul lunar. Acho...

***

Estavam em queda livre. Depois que o centro de

teledireção montado nas estações espaciais tripuladas

preparara a entrada das naves na órbita lunar, os impulsos

do computador direcional deixaram de ser transmitidos.

Este fato representara uma surpresa quase total para

o major Rhodan. Mas o primeiro-tenente Freyt,

comandante da Stardust-II, nem se abalou com a

repentina cessação do funcionamento da teledireção. As

três naves continuaram a percorrer a órbita prevista e não

ocorreu qualquer outro fato que pudesse ser considerado

como medida defensiva.

Depois de completadas duas órbitas de polo a polo,

o capitão Rod Nyssen assumiu o comando. O dispositivo

de pontaria funcionava com a maior exatidão. O

instrumental de comando da Stardust-II transmitia

impulsos constantes aos computadores eletrônicos de

direção automática acoplados nas três bombas.

Nyssen aguardou até que o sinal luminoso se

tornasse vermelho. Na tela localizadora, surgiu o alvo: um

objeto esférico. A localização ótica, dirigida pelo tenente

Recert, deu sinal de perfeita identificação do objetivo.

Através de cálculos ultrarrápidos, os computadores

apuraram as dimensões do alvo, considerado a distância

verdadeira. O primeiro-tenente Freyt transmitiu a última

mensagem antes do comando de fogo:

— Do comandante da Stardust-II para as naves

companheiras: objetivo identificado. Localização perfeita.

Atenção, oficiais-artilheiros: aguardem instruções para

disparo. Capitão Nyssen: preparar para disparo.

Nyssen era a tranquilidade em pessoa. Começou a

contar em voz alta os últimos segundos. Nos

compartimentos de carga das três naves, ouviu-se um

estalo vindo dos dispositivos de direção das bombas. As

últimas correções foram feitas. O objetivo, identificado

pelos instrumentos de orientação de tiro, foi introduzido

na memória eletrônica de direção das bombas.

— ...três... dois... um... fogo! — transmitiu Nyssen.

Com o simples movimento de uma chave, ele

provocou a ignição das três bombas. O trabalho dos

outros dois oficiais consistiu apenas em observar o

funcionamento dos mecanismos.

Os lançadores dispararam os três artefatos reluzentes

e, no mesmo instante os computadores de direção das três

naves entraram em funcionamento. Os mecanismos

propulsores uivaram, arrancando-as da órbita em uma

aceleração bastante elevada.

A única preocupação do primeiro tenente Freyt foi

escapar a tempo. As explosões seriam terríveis. As naves

dispararam na vertical. Lá embaixo, a mais de oitocentos

quilômetros de distância, os foguetes direcionais entraram

em ação. O alvo havia sido captado pelo mecanismo de

direção automática. Nenhum desvio seria possível.

***

Uma explosão nuclear ocorrida no vácuo absoluto

nunca se desenrolará da mesma forma que numa densa

camada atmosférica.

Na superfície lunar, desprovida de ar, não ocorreria

um dos principais efeitos destruidores, resultante do

terrível deslocamento de massas de ar fortemente

comprimidas e superaquecidas.

Como não se dispusesse de qualquer experiência

sobre os efeitos de uma explosão nuclear no espaço

cósmico, decidiu-se recorrer a três bombas H. O objetivo

ficaria situado exatamente no centro da região onde os

processos de fissão nuclear seriam desencadeados

simultaneamente.

Com isso, tudo que estivesse na área-alvo, seria

abrangido e pulverizado pela esfera gasosa das explosões

conjugadas e se volatilizaria com as temperaturas geradas

pelo processo.

As emissões radioativas foram consideradas um

fator secundário, ao menos na hipótese específica de que

se tratava. Sem dúvida, os efeitos da compressão

cessariam muito mais depressa que numa atmosfera

densa. Praticamente, ficaria restrita à capacidade de

expansão dos gases liberados pelas explosões.

Assim, ninguém contava com o nascimento de um

sol artificial. De início, a esfera incandescente, branco-

azulada, surgiu em forma de um ponto, para expandir-se

com incrível rapidez, até assumir a forma de uma

gigantesca esfera luminosa.

O tristemente famoso cogumelo atômico deixou de

aparecer. Em compensação, o pólo sul lunar foi

transformado numa cratera fumegante. As detonações,

ocorridas junto ao solo, atiraram massas gigantescas de

pedras incandescentes para o negrume do céu.

Os tripulantes da estação espacial avistaram a esfera

gerada pela liberação das tremendas forças do átomo. A

massa destruidora atingiu um tamanho tal que ultrapassou

o horizonte lunar.

A nave auxiliar dos arcônidas, que desenvolvia uma

velocidade incrível, penetrou na extremidade da área de

influência da terrível explosão. Mais tarde, Rhodan não se

lembraria do que pensara ou sentira nos segundos que a

nave levou para atravessar aquele inferno. Só sabia que a

reação extremamente rápida do dispositivo positrônico da

nave fez com que os reatores de alto desempenho fossem

acionados para retirar a nave da área atingida.

A nave foi arrancada de sua trajetória e arremessada

ao espaço cósmico. Só quando se encontrava fora do

alcance da explosão, os autômatos conseguiram controlar

seu curso e estabilizar sua posição.

Dez minutos depois do ataque, a esfera flutuava no

espaço vazio. Thora demonstrava uma calma estranha.

65

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106

Seus olhos tristes e apagados fitavam as telas que lhe

revelavam todos os detalhes da catástrofe. A nave devia

estar, ou melhor, estivera em meio àquele caldeirão

borbulhante.

Rhodan esperou alguns instantes antes de perguntar:

— Por que torturar-se com sentimentos de culpa?

Deixe disso! É preferível seguir o exemplo dos seres de

minha raça! Não acredito que sua nave tenha resistido ao

ataque. De qualquer maneira, terá de aguardar até que

tenham cessado os efeitos da reação, se pensa em pousar

para verificar.

Para Rhodan, homem de raciocínio lúcido, que não

se entregava a ilusões, a destruição da nave exploradora

dos arcônidas era um fato consumado e ele era muito

realista para refletir sobre acontecimentos passados. Por

isso, disse, em tom de advertência.

— Não pense em vingar-se, Thora. Sugiro que pouse

imediatamente no deserto de Gobi. Resta-lhe a escolha

entre a indignidade e primitivismo de uma vingança e as

normas do raciocínio e das decisões tomadas dentro da

lógica. Decida. Uma expedição punitiva não serviria nem

a Crest nem a você. Além disso, garanto-lhe que teria de

enfrentar alguns problemas criados por mim.

Thora contemplou a arma que Rhodan trazia na mão.

Um traço de amargura desenhou-se em seus lábios.

— Eu os subestimei; e é só — respondeu com voz

apática. — Não pense que uma comandante do Grande

Império vai sucumbir por causa da destruição de uma

nave espacial. Essas coisas acontecem todos os dias. Qual

é a sua proposta?

Rhodan sabia que alcançara uma vitória definitiva.

Agindo contra sua vontade, a humanidade, tomada de

pânico, fizera alguma coisa que ele, Rhodan, considerava

como uma das condições básicas para a conquista do

poderio cósmico.

Os dois arcônidas, Thora e Crest, estavam isolados.

Não poderiam recuar. Por isso, Rhodan, consciente da

posição em que eles se encontravam, disse-lhes:

— Antes de qualquer coisa, vamos pousar. Farei o

possível para que os povos da Terra reconheçam a terceira

potência como um estado soberano.

Thora estava desesperada. Rhodan percebeu-o.

Algum tempo depois, a nave esférica voltou a pousar

no solo pedregoso do deserto de Gobi.

Lá no espaço, bem longe da Terra, doze homens

respiraram aliviados. As três naves retornavam às

respectivas bases.

— Gostaria que não tivéssemos chegado a esse

ponto! — murmurou o comandante Freyt, lançando um

último olhar sobre as telas. — Viu aquela sombra que

passou em disparada? Quando dispusermos de naves com

aquela velocidade, a Galáxia será nossa.

FIM

O ataque de surpresa desencadeado pelas potências unidas destruiu a nave dos arcônidas

pousada na Lua. No entanto, a cúpula energética de Rhodan, instalada no deserto de Gobi,

resistiu aos ataques maciços dos exércitos da Terra. A mudança de atitude dos governantes

terrenos será apenas questão de tempo. Mais cedo ou mais tarde, terão de abandonar as

mesquinhas ideias nacionalistas para pensar em termos internacionais e cósmicos. Para

saber de que forma isso acontecerá, em:

O CREPÚSCULO DOS DEUSES

71

Page 107: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

107

Nº 04

De

Clark Darlton

Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Vitório

Revisão e new format

W.Q. Moraes

Perry Rhodan, comandante da nave Stardust, descobriu, na Lua, a nave

gigantesca dos arcônidas que realizou um pouso forçado. Foi um acontecimento

feliz para a humanidade.

Rhodan prestou auxílio aos arcônidas, uma raça em decadência que

dominava um império galáctico que entrara em declínio. Na verdade, prestou

auxílio aos homens, ao empregar o enorme poderio de Árcon para impedir a

eclosão da terceira guerra mundial. Já existem muitos homens que compreendem

os esforços de Rhodan em prol da união do mundo. Mas falta percorrer um

caminho longo até o Crepúsculo dos Deuses, representado pelo abandono do

pensamento mesquinho que até então prevalecia...

Page 108: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

108

I

Pelo meio-dia, o ribombar do canhoneio ininterrupto

diminuiu um pouco. Só vez por outra uma granada

detonava sobre a cúpula energética, liberava suas forças

sob a forma de um relâmpago refulgente e não produzia

qualquer outro efeito.

Depois de algum tempo, o silêncio começou a reinar.

Os quatro homens que se

encontravam na sala de comando da

nave terrena olharam-se. Com um

movimento indolente, o capitão

Reginald Bell, copiloto da Stardust

e perito em mecanismos de

propulsão nuclear, afastou o

tabuleiro de xadrez. Seus olhos cor

de gelo refletiam a pergunta que

acabou por formular:

— O que significa isso?

Seu parceiro lançou um olhar

triste sobre as peças derrubadas e

deu de ombros.

— Sei lá! Resolveram fazer uma

pausa.

— Depois de nos terem

bombardeado dias a fio? Aposto

que têm um bom motivo para isso.

— Tenho certeza de que você

ganharia a aposta — confirmou o

homem que se encontrava diante

dele. — Tudo tem seu motivo —

disse, apontando para as peças do

tabuleiro. — Aliás, isso foi um

truque infame, pois você teria

perdido o jogo.

— Caro Dr. Manoli — disse

Bell em tom professoral — o que

teria acontecido é exatamente o

contrário. A partida estava

praticamente ganha.

— Estava... para mim — respondeu o médico em tom

tranquilo.

— Talvez seja melhor deixarmos a solução do

problema do xadrez para depois — interveio o homem

alto e magro de olhos cinzentos, que se levantara e

chegara perto da vigia redonda, para examinar o quadro

que se oferecia no exterior. — Pelo que vejo, os asiáticos

se retiraram.

Perry Rhodan, que já fora símbolo de um mundo

entusiasmado pelas viagens cósmicas, passara a ser o

inimigo público número um. Reforçou suas palavras com

um lento aceno de cabeça. Passou uma das mãos pelos

cabelos, enquanto mantinha a outra no bolso da calça.

Depois de algum tempo, dirigiu-se ao outro homem que

ali se encontrava e que, até então, estivera em silêncio:

— Doutor, como está Crest?

O Dr. Frank Haggard esboçou um sorriso bastante

expressivo. Há algumas semanas, Bell trouxera-o da

Austrália numa missão arriscada, a fim de curar Crest,

que sofria de leucemia.

— Sob o ponto de vista médico, poderíamos afirmar

que Crest está curado. Pelo menos a fase aguda da

leucemia foi vencida.

— Quer dizer que continuará vivo?

— É claro que sim. É bem verdade que não sei quanto

tempo costumam viver os arcônidas, mas, como estão à

procura do planeta da imortalidade, é de supor que sua

vida tenha um limite. De qualquer maneira, seus órgãos

demonstram — como direi? — demonstram um

extraordinário vigor juvenil. Pelo aspecto exterior dir-se-

ia que Crest tem cinquenta anos.

— É mais velho, muito mais

velho, tal qual Thora — disse

Perry.

Thora, a comandante da nave

exploradora dos arcônidas, era

uma fonte perene de mistérios

para os homens. Sua aparência

fascinaria qualquer observador. O

cabelo claro, quase branco, os

olhos grandes que reluziam numa

estranha tonalidade vermelhos

dourados, em nada serviam para

diminuir o fascínio que ela

exercia. E, além do mais, era

muito bonita. No entanto, Rhodan

estava convencido de que era

formada apenas de uma

inteligência cristalina e de um

perfeito raciocínio lógico, não

possuindo quaisquer outros

sentimentos. Jamais concordaria

em ajudar os homens, quanto mais

considerá-los em pé de igualdade

com sua raça, se a isso não tivesse

sido forçada pelas circunstâncias.

A nave pousada na Lua, que

representava a única possibilidade

de retornar à pátria, fora destruída.

É verdade que a nave auxiliar —

um gigantesco veículo espacial

esférico de sessenta metros de

diâmetro — era dotado de um mecanismo propulsor de

velocidade superior à da luz, mas seu raio de ação não

ultrapassava quinhentos anos-luz, o que não seria

suficiente para estabelecer contato com a base arcônida

mais próxima.

— Thora irrita meus nervos — constatou Bell e

levantou-se. — É duro saber que, no íntimo, sente um

desprezo profundo por nós, e apenas nos ajuda porque

quer ajudar a si mesma. Não sei, não...

— É verdade que os arcônidas precisam de nós —

confirmou Rhodan. Levantando a voz, acrescentou:

— Mas não devemos esquecer que também

precisamos do auxílio deles. Trata-se de uma espécie de

intercâmbio, sem o qual jamais alcançaríamos nossos

objetivos. E um desses objetivos é a união da

humanidade. O perigo aparente fez com que, pela

primeira vez na história, todas as nações do mundo se

unissem — mesmo que essa união só tivesse por fim

destruir-nos.

Haggard foi para junto de Rhodan e olhou pela vigia.

A nave esférica dos arcônidas estava pousada bem perto

da Stardust. No seu interior ficava o gerador que produzia

o enorme campo energético que envolvia a base com uma

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Salvador da humanidade e inimigo público número um.

Reginald Bell — Engenheiro eletrônico da Stardust. É o melhor amigo de Rhodan.

Dr. Eric Manoli e Dr. Frank M. Haggard — Em suas mãos repousava a vida do arcônida Crest — e da humanidade.

Crest e Thora — Os únicos sobreviventes da expedição espacial dos arcônidas.

Albrecht Klein, Li Shai-tung e Peter Kosnow — Três agentes secretos que juraram dar apoio a Perry Rhodan.

Allan D. Mercant, Ivan Kosselov e Mao Tsen — Chefes dos serviços secretos das três superpotências. Graças à intervenção de Rhodan a inimizade que os separava teve um fim súbito.

Tako Kakuta — Filho de sobreviventes da explosão atômica de Hiroxima.

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109

cúpula protetora cujas bordas só tocavam o solo a uma

distância de cinco quilômetros. Era uma fortaleza

inexpugnável. Até mesmo o impacto produzido por uma

bomba atômica seria inútil em face dessa muralha

invisível.

Os robôs, que emitiam um brilho metálico, andavam

apressadamente de um lado para outro. Ancoraram a nave

esférica ao solo e realizaram outros trabalhos. Fora Crest

e Thora, eram os únicos sobreviventes da gigantesca nave

destruída na Lua, marcando o final de uma expedição

espacial que partira de um império estelar cujos domínios

dificilmente poderiam ser imaginados pela mente

humana.

Nave auxiliar: era assim que Crest e Thora

designavam aquele veículo espacial, capaz de percorrer

em poucos dias uma distância de quinhentos anos-luz; um

percurso inconcebível para a mente humana; porém, para

os arcônidas, uma distância quase insignificante, embora

inatingível.

Eles estavam na mesma situação de um náufrago

preso numa ilha do Pacífico que escava um tronco para

fabricar uma canoa.

Todavia, nos porões da nave auxiliar havia pilhas de

máquinas e peças sobressalentes que possibilitariam a

construção de naves maiores, desde que pudessem

recorrer ao potencial das indústrias da Terra.

Foi esse fato que levou Crest e Thora a se aliarem a

Perry Rhodan. Seria possível construir uma nave capaz de

atingir o planeta que girava em torno de um sol quente e

azulado, situado no grupo estelar M-13, que ficava a uma

distância de mais de trinta e quatro mil anos-luz. Árcon

— era esse o nome do planeta — era o centro de um

império de dimensões incalculáveis.

Haggard apontou em direção à nave esférica.

— Estão se instalando na Terra, Perry. Como é que

vão construir uma nave aqui no deserto, longe de tudo e

de todos?

— Ainda não sei, mas começo a ter uma ideia — disse

o comandante. — Não se esqueça de que nos encontramos

numa cúpula energética de dez quilômetros de diâmetro.

É uma área bastante ampla. Não acredita que seja

suficiente para a montagem de uma usina?

— Uma usina? — Haggard arregalou os olhos. —

Quer dizer...

— Apenas estou insinuando uma possibilidade —

disse Rhodan com a voz suave. — Não conheço todos os

detalhes do plano de Crest, mas tenho certeza de que

precisará de nossa assistência técnica. Veremos.

Bell também se levantara. Estava bocejando.

— Para ser franco, este silêncio me deixa preocupado.

Enquanto os chineses estavam atirando, não poderiam

fazer outra coisa.

De repente, Rhodan franziu a testa.

— Fazer outra coisa? Rapaz, você fez surgir uma ideia

desagradável em minha cabeça. Que tais se fizerem

alguma coisa de que nem desconfiamos?

Bell empalideceu.

— Não foi o que eu quis dizer.

— Mas é bem possível que lancem mão de outros

meios para extirpar este tumor maligno; pois é exatamente

isso o que somos aos seus olhos. Infelizmente, daqui de

dentro, não podemos saber o que se passa lá fora. Não

temos amigos.

Bell interrompeu-o.

— Você se esquece do capitão Klein, do Conselho

Internacional de Defesa. Não se lembra de que se colocou

inequivocamente ao nosso lado, juntamente com o tenente

Kosnov e o tenente Li, quando haviam recebido ordem

para dar cabo de nós com aqueles micro-organismos?

Tenho certeza de que não deixariam de nos prevenir, se

soubessem que estamos correndo algum risco.

— É verdade, temos o capitão Klein. Quase me

esqueço dele. Mantém boas relações com o Comando

Supremo na Groenlândia e está diretamente subordinado a

Mercant. Se soubesse de alguma ameaça séria contra nós,

não deixaria de nos comunicar.

Voltou a olhar pela vigia e estremeceu. Uma sombra

passou pelo seu rosto; mas não era de contrariedade. Por

um instante pareceu embaraçado, mas logo se controlou.

Dirigiu-se aos companheiros:

— Thora quer falar comigo — disse, dirigindo-se à

porta da sala de comando.

Bell olhou para a vigia. Lá fora, perto da esfera

gigantesca, via-se uma figura delicada, alta e esbelta. Os

cabelos claros mal se destacavam do fundo metálico da

nave. A orgulhosa comandante da expedição cósmica

frustrada mantinha-se numa atitude de tranquila

expectativa. Sua presunção não lhe permitia ir ao

encontro dos homens.

Rhodan não saberia dizer o que o atraía naquela

mulher. Nunca se encontrara com uma criatura mais

inteligente, orgulhosa e inacessível. Nunca percebera

tamanho desprezo e repugnância, tamanha antipatia e

desconfiança. Esse ser, vindo de um mundo estranho e

que tinha a forma de uma bela mulher, não possuía alma;

talvez não tivesse nem ideia do que isso significasse.

Mas não era a beleza que atraía Perry Rhodan; era a

altivez. No início, achou que devia convencê-la de que os

homens também são seres dotados de inteligência e que,

por isso mesmo, tinham o direito de viver. Mas acabou

percebendo que, uma mulher como Thora, só poderia ser

convencida por uma lógica fria. Logo, teria de provar-lhe

que os homens não eram apenas inteligentes, mas também

indispensáveis à execução dos seus planos.

Ela não avançou um milímetro ao seu encontro.

Permaneceu imóvel até que o visse diante de si.

— Suspenderam o fogo — disse em tom indiferente.

Rhodan percebeu que evitava as palavras homem ou

terreno. Em sua voz sentia-se o desprezo. Acrescentou: —

Por que será?

— Talvez a ampliação da cúpula energética os levasse

a modificar seus planos — respondeu Rhodan,

tranquilamente. — Afinal, quintuplicamos o nosso

território. Depois da advertência que receberam, viram-se

obrigados a uma retirada precipitada. E bem verdade que

prosseguiram o bombardeio. Provavelmente, nesse meio

tempo, terão elaborado novos planos.

— Não conseguirão nada com eles.

— Você ainda subestima os homens? — disse Perry

Rhodan lentamente. — Já incidiu nesse erro e perdeu a

nave estacionada na Lua. Por que insistir nele?

— Nunca cometo erros, não se esqueça. A

responsabilidade da catástrofe na Lua cabe aos robôs.

— Que apenas seguiram suas instruções — retrucou

Rhodan, sem alterar o tom de voz. Sentia prazer em

humilhá-la. — Será que a cúpula não é muito grande?

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110

Receio que a extensão possa reduzir a estabilidade.

— Deixe isso por minha conta. Acho que a maior

bomba dos terráqueos não produzirá o menor efeito ao

explodir sobre ela. Você subestima a capacidade do reator

dos arcônidas. Ele é capaz de gerar energia suficiente para

arrancar o planeta Terra da sua órbita.

Perry sabia que ela não estava exagerando.

— De qualquer maneira, fico-lhe grato por limitar-se

às medidas defensivas — reconheceu. — Se quisesse

poderia reduzir a pó os exércitos que nos cercam. Por que

não o faz?

Um ar de contrariedade se fez notar na beleza fria

daquele rosto.

— Crest não quer. Acha que lhes deve certa gratidão

pela sua cura.

— E não deve?

— A pergunta está mal formulada. Ao ajudá-los,

apenas estamos pagando uma dívida. É verdade que, na

medicina, estão à nossa frente em alguns pontos, mas na

técnica...

Deixou a frase em meio e Rhodan continuou:

— Sei perfeitamente que, sob o ponto de vista de

tecnologia, estão muito mais avançados do que podemos

imaginar. Mas, apesar de todo esse adiantamento técnico

e científico, estarão perdidos se não puderem contar com

o nosso auxílio. Embora, para nós, uma distância de

quinhentos anos-luz só possa ser concebida em sonho, ela

nada representa para você. Mas, mesmo assim, é muito

pouca para que possa alcançar seu planeta natal. Você

sabe muito bem que só a cooperação com os terrenos

tornará possível a viagem de volta. E é por isso, só por

isso, que concorda com a aliança. Não é por gratidão. Por

que fingir?

Thora nem chegou a sorrir.

— Aos poucos está aprendendo a raciocinar

logicamente, Rhodan. Formamos uma comunhão de

interesses; nada mais. Assim que você tiver atingido o seu

objetivo e nós, o nosso, separamo-nos. Não haverá

motivos para agradecimento, pois ambos teremos lucrado

com a aliança. É assim que eu vejo as coisas.

— Crest pensa em termos muito mais humanos, se é

que se pode usar esta expressão. Tem alma.

— Alma? O que é isso?

Perry fez um gesto de desprezo.

— É possível que, em outra oportunidade, eu tente lhe

explicar. No momento, seria pura perda de tempo. Por que

deseja falar comigo.

Thora sentiu-se decepcionada com a frieza com que

ele proferiu estas palavras. Nem desconfiava do esforço

que Rhodan fazia para manter esta atitude. Um brilho

ameaçador surgiu nos olhos da mulher.

— O comando automático estabilizou a cúpula.

Podemos aguardar tranquilamente novos ataques. Quando

é que providenciará a mão de obra prometida para que

possamos iniciar a construção da nossa nave?

— Assim que a humanidade tiver desistido de lutar

contra mim. Só então poderemos começar a trabalhar.

Infelizmente seu auxílio constitui uma condição

necessária para o nosso; não posso modificar isso.

— E quanto tempo levará a humanidade para

compreender a inutilidade da luta que está travando contra

nós?

— Pelo que conheço a respeito do espírito humano,

isso não acontecerá nunca, a não ser que sejam

convencidos por meios radicais. Somos uma raça

guerreira — acrescentou com um sorriso frio.

Thora olhou-o. Por um segundo, Rhodan acreditou ler

certa simpatia nos seus olhos. Mas talvez fosse um

engano.

— Também já fomos guerreiros — disse. — Quando

éramos jovens e imaturos. Isso só passa quando a raça

alcança a sabedoria e a maturidade.

— E a velhice — observou Rhodan.

Para sua surpresa, Thora concordou sem que se

mostrasse zangada.

— Tem razão. Infelizmente.

Deu-lhe as costas e dirigiu-se à nave esférica.

2

Atrás da escrivaninha, via-se um homem de aspecto

despretensioso. Era baixo, parecia jovem e dava a

impressão de uma profunda ingenuidade. Uma coroa rala,

de cabelos castanhos dourados cercava a cabeça calva. Só

nas têmporas notavam-se algumas manchas grisalhas. Os

olhos contemplavam o mundo com uma expressão pacata.

No momento, esse mundo consistia apenas de um

escritório, dotado de todos os requisitos exigidos pelo

conforto e pela segurança, montado três mil metros

abaixo do nível do solo, sob a calota de gelo que cobre as

terras da Groenlândia. Era o local onde estava

estabelecida a sede do Conselho Internacional de Defesa,

o mais bem organizado serviço secreto do mundo.

Tratava-se de uma equipe especializada, surgida no

tempo da guerra fria. Estava subordinada à OTAN e o

Page 111: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

111

homem de aparência inofensiva que se encontrava atrás

da escrivaninha era o chefe da organização, Allan D.

Mercant, uma das pessoas mais temidas do século XX.

Uma tela iluminou-se.

— Os chefes dos serviços secretos acabam de chegar,

senhor.

— Do Bloco Oriental e da Federação Asiática?

— Ivan Kosselov, do Bloco Oriental, e Mao Tsen, da

Federação Asiática — confirmou a voz no

intercomunicador. — O general Tai-tiang acaba de

aterrisar na pista Davis. Já foi conduzido ao elevador

eletrônico.

— Então o clube está quase completo — disse

Mercant com um aceno de cabeça e reclinou-se na

poltrona. Esperou que a tela se apagasse antes de esboçar

um ligeiro sorriso. Há poucas semanas teria sido um

absurdo sonhar com aquilo que estava acontecendo. Os

homens que se combatiam encarniçadamente, os chefes

supremos dos serviços secretos e das organizações de

espionagem, encontravam-se no quartel-general do CID

do Ocidente. Desta vez, havia um inimigo comum que

teria de ser eliminado.

De repente, uma expressão de amargura misturou-se

ao sorriso de Mercant.

O que aconteceria se o conseguissem? No mesmo

instante, a resposta surgiu em sua mente. Um fogo

estranho brilhou em seus olhos quando se inclinou para

comprimir um botão. Outra tela iluminou-se. A cabeça de

uma moça linda apareceu.

— Senhor Mercant?

— Providencie para que os três homens alojados no

hotel dos visitantes sejam convocados à conferência.

Trata-se do capitão Albrecht Klein, do tenente Li Shai-

tung e do tenente Peter Kosnow. Quero que aguardem

numa das antessalas até que eu os chame. Entendido?

— Certo senhor — confirmou a moça e desapareceu

da tela. Mercant continuou a fitar a tela vazia por um

segundo. Depois, levantou-se bastante contrariado.

Desta vez, a sala das sessões não seria a mesma em

que se reuniram quando da discussão e planejamento da

expedição lunar. Agora, Mercant fazia questão de que

fosse mantido sigilo absoluto. Não haveria nenhum

microfone oculto, nem qualquer gravador ou filmadora

que registrasse a reunião. A sala era pequena, só tinha

uma porta e nela não havia aparelhagem de renovação de

ar. Um simples aspirador purificaria o ar, que seria

substituído progressivamente por meio de garrafas que se

encontravam no próprio recinto. Era um ambiente

primitivo, ninguém o contestaria; mas oferecia segurança

absoluta contra qualquer tipo de escuta.

Mercant sabia perfeitamente por que desta vez não

desejava a presença de outros agentes de segurança.

Quando entrou na sala, os três homens já estavam

sentados em torno da mesa. Interromperam a palestra

conduzida em russo e levantaram-se. Mercant exibiu seu

sorriso ingênuo.

— Tenho muito prazer em cumprimentá-los aqui,

cavalheiros. Mais uma vez é o inimigo comum que nos

une. É uma pena que, um belo dia, tenhamos de liquidar

esse inimigo, não acham?

O general Tai-tiang, comandante das tropas que

cercavam a cúpula, parecia perplexo. Não sabia como

reagir a essa observação.

A reação de Ivan Kosselov, chefe da defesa do Bloco

Oriental, foi totalmente diferente. Um sorriso largo surgiu

em seu rosto. Bateu com a palma da mão na nuca carnuda

e disse com voz retumbante:

— Tenho certeza de que o presidente de seu país não

gostaria de ouvir esta observação. Mas isso vai ficar entre

nós, não é?

Mao Tsen, da Federação Asiática, esboçou um sorriso

significativo, mas não fez qualquer comentário.

Mercant apertou a mão dos três homens e pediu-lhes

que sentassem. Subitamente, seu sorriso bonachão

apagou-se. Olhou para Kosselov.

— Pode ficar tranquilo, colega Kosselov. Ninguém, a

não sermos nós, saberemos o que vai ser dito nesta sala.

Estamos completamente isolados do mundo. A porta foi

lacrada eletronicamente. Estamos sós. Se neste instante

um ataque cardíaco me matasse, as organizações dirigidas

pelos senhores ficariam acéfalas, pois ninguém os tiraria

daqui. Talvez dentro de alguns meses alguém se

perguntasse por que nossa conversa estava demorando

tanto e, até que se desarmassem os dispositivos de

travamento eletrônico da porta, seria tarde demais.

— O senhor tem um estranho senso de humor —

observou Mao, sorrindo. — Mas vamos ao que importa.

Talvez seja melhor ouvirmos em primeiro lugar o relato

de nosso amigo Tai-tiang.

O general estremeceu. Ao que parecia, ainda estava

refletindo sobre as palavras de Mercant. Mas logo se

controlou. Sua voz, que a princípio parecia insegura, aos

poucos adquiriu firmeza.

— Seguimos as recomendações dos peritos.

Orientamos o ângulo de tiro de tal maneira que as

granadas atingissem a cúpula energética de Rhodan na

vertical e sempre no mesmo ponto. Observamos certo

afrouxamento, mas o resultado não durou muito. Há

poucos dias, Rhodan ampliou seu domínio. O diâmetro da

cúpula, que era de quatro quilômetros, passou a dez. Com

isso, Rhodan ocupou uma área de quase oitenta

quilômetros quadrados no território da Federação

Asiática. É uma situação intolerável.

— Não só para os senhores — confirmou Mercant. —

Que providências adotaram?

— Assim que Rhodan nos preveniu, retiramos nossas

tropas. Depois, reiniciamos o bombardeio. Mas, embora

tivéssemos intensificado o fogo, a cúpula não apresentou

mais qualquer ponto fraco. Os geradores da nave esférica

dos arcônidas devem produzir quantidades inconcebíveis

de energia. Devo reconhecer que estamos reduzidos à

impotência. Há alguns dias vimo-nos obrigados a

suspender o fogo por falta de munição. Uma atividade

bastante intensa começou a se desenvolver no interior da

cúpula. Assistimos à construção de casinhas, cuja

finalidade nós desconhecemos. Existem robôs em

quantidade, mas só vimos os quatro homens e dois

arcônidas. A base está cercada e, ao que sabemos

ninguém entrou nela ou dela saiu.

Mercant, tranquilo, confirmou com um movimento de

cabeça.

— Ninguém a não ser nossos agentes Klein, Li e

Kosnow.

— Infelizmente sem o menor êxito — reboou a voz de

Kosselov. — Devíamos repetir a experiência.

— Foi por isso que os convidei a vir até aqui — disse

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112

Mercant. — Mas, antes de tudo, quero saber a quanta

andamos. General Tai, o senhor acha possível vencer a

fortaleza por meio de um ataque vindo de fora? Está

convencido de que nenhuma das bombas existentes na

Terra conseguiria romper a cúpula energética?

Tai-tiang confirmou com um movimento de cabeça.

Mercant encarou o chefe da defesa da Federação Asiática.

— Então, Mao, o que acha? Tem alguma ideia?

O chinês sorriu.

— Nossos agentes não conseguiram nada. Ninguém

chegou tão perto da base como o tenente Li. E não sabe

mais que o senhor ou eu. Sinto muito, mas não sei mais o

que fazer.

O olhar de Mercant continuou a vagar. Parou no russo.

— E o senhor, Kosselov?

— Poderia dizer que faço minhas as palavras do

senhor Mao Tsen, mas isso seria uma frase muito banal.

Para falar com franqueza, nos últimos dias fiquei

pensando muito sobre a nossa situação. Procurei descobrir

qual é a utilidade que poderíamos extrair desse problema

confuso. E, vejam sós, cheguei à conclusão de que até

mesmo as coisas aparentemente más têm um lado

vantajoso. No início da nossa palestra, o senhor fez uma

observação no mesmo sentido. Vejam o que Rhodan já

conseguiu: aqui estamos nós, reunidos em torno de uma

mesa de conferências. A necessidade fez com que nos

uníssemos, não é? Antes desses acontecimentos éramos

inimigos, hoje somos amigos.

— Ora essa! — exclamou o general Tai-tiang. Sentiu-

se, porém, atingido pelo olhar duro de Mao Tsen e, logo,

voltou ao silêncio.

— É isso mesmo: somos amigos! — repetiu Kosselov

em tom sério. — E por quê? Só porque Rhodan nos mete

medo. Porque sabemos que, diante dos recursos

tecnológicos de que dispõe somos impotentes. Porque

sabemos que pode nos destruir assim que o desejar. Quase

chego a sentir-me perturbado porque ainda não o fez.

— É uma constatação macabra — Mercant deu um

sorriso suave. — Mas retrata precisamente a nossa

situação. Prossiga Kosselov. Muito me interessam as

conclusões que extrai dos fatos que acaba de expor.

— Nem penso em contar-lhe isso. Mas, posso colocar

as cartas na mesa em relação a outro ponto. O general Tai

é de opinião que nunca conseguiremos destruir a base de

Rhodan por meio de um ataque desencadeado de fora. Se

for assim, por que não atacamos do lado de dentro?

O olhar de Mercant revelou uma sombra de interesse.

— Muito interessante! Como faremos isso?

— Quase sempre, as ideias mais práticas e óbvias

surgem por último. Pense na sua situação, Mercant. Onde

é que está? Onde é que se sente seguro? Bem embaixo da

terra. Se quiséssemos lançar um ataque contra o senhor e

seu quartel-general, tal ataque teria de ser subterrâneo. E

o que vem a ser a tal cúpula energética de Rhodan senão

uma defesa aérea, tal qual uma camada de rocha de mil

metros ou mais de espessura? Se quisermos destruir

Rhodan, teremos de atacar sua base por baixo.

Por um instante o silêncio reinou na sala. Só se ouvia

a respiração dos quatro homens. Kosselov recostara-se,

aguardando o efeito de suas palavras.

Mercant falou:

— Kosselov; creio que já chegamos a um acordo em

dois pontos. No terreno político chegamos à mesma

conclusão, embora não a enunciássemos; e no terreno

estratégico também. Até parece que adivinhou meu plano.

Permite que chame três homens que conhecem a base de

Rhodan melhor do que nós?

Não esperou resposta. Comprimiu o botão da

campainha que se encontrava no canto da mesa. Após

alguns segundos, a porta se abriu. Alguém enfiou a

cabeça pela abertura. Mercant fez um sinal. A cabeça

desapareceu.

O capitão Klein, o tenente Kosnow e o tenente Li

entraram no recinto. A porta tomou a se fechar.

Mercant apontou para três cadeiras vazias.

— Não há necessidade de apresentações, pois todos já

se conhecem muito bem. Mas, dentro de alguns minutos,

verão um homem que não conhecem. Kosselov, o senhor

ficara admirado de ver como estamos de acordo em vários

pontos. Capitão Klein, o senhor ia explicou o motivo do

fracasso de seu; plano de vencer Rhodan por meio de

bactérias. A missão não teve o êxito que esperávamos.

Acho que não se oporão a nova tentativa no mesmo

sentido. Só que, desta vez não usaremos bactérias.

Klein não respondeu. Como é que Mercant sabia que

ele pensara em bactérias. A ideia não era tão evidente

assim.

A porta se abriu. Um homem que envergava a farda de

coronel entrou, ficou em posição de sentido e fez

continência. Depois, ficou imóvel, em atitude de

expectativa. Mercant levantou-se.

— Cavalheiros, permitam que lhes apresente o coronel

Donald Cretcher, do CID. O coronel Cretcher, perito em

trabalhos subterrâneos, teve participação destacada na

construção deste quartel-general.

Os presentes apertaram a mão do coronel com certo

constrangimento, especialmente o general Tai-tiang, que

não se esforçou em ocultar a desconfiança. Só Kosselov

ficou atento ao ouvir a especialidade de Cretcher.

Mercant tomou a palavra.

— Conforme Kosselov já sugeriu, devemos atacar

Rhodan por baixo da terra. A cúpula energética só

funciona na atmosfera; não penetra no solo. É claro que

não dispomos de provas de que não tenha certa eficácia

embaixo do solo. Mas, para falar com franqueza, não

acredito nisso. Se conseguirmos cavar uma galeria

bastante profunda e fizermos avançá-la até um ponto

situado embaixo da base, uma única explosão atômica

deverá bastar para mandar todo esse feitiço para o inferno.

Em resumo, este é o meu plano. Eu os convoquei para

discutirmos os detalhes da execução, pois sem a

cooperação de todas as grandes potências não

conseguiremos levar avante o empreendimento. Em

primeiro lugar, teremos de contar com a boa vontade da

Federação Asiática, em cujo território eles irão agir.

O cérebro de Klein trabalhava febrilmente. Também

Kosnow e Li refletiam. Os três agentes se haviam

encontrado quando seus governos os haviam incumbido

de estabelecer o primeiro contato com Rhodan. Como

nada conseguissem agindo isoladamente, resolveram unir-

se. Klein conseguira penetrar na cúpula energética, mas

uma palestra com Perry Rhodan deixara-o convencido de

que este só desejava o bem da humanidade. Daí em

diante, passara para o campo oposto, juntamente com seus

colegas. Não havia ninguém no mundo que suspeitasse

desse ato de alta traição.

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113

Ninguém mesmo?

Allan D. Mercant olhou para Klein. Havia um brilho

estranho em seus olhos. Mas, logo, o mesmo voltara a

sorrir numa expressão suave e compreensiva. Com um

aceno de cabeça, disse:

— Se o plano tiver êxito, isso significará o fim de um

temor que nos tornou amigos. Sei perfeitamente que

existem homens para os quais este temor é uma bênção,

pois preferem o medo de Rhodan ao pavor constante de

uma guerra nuclear e do fim do mundo que será a

consequência da mesma. Conheço, pessoalmente,

algumas dessas pessoas. Talvez chegue mesmo a partilhar

da opinião delas — mas nosso dever é eliminar Rhodan. É

que nossa existência se vê ameaçada por um perigo contra

o qual não nos podemos defender. Falei claro, capitão

Klein?

Sete pares de olhos fitaram o agente do serviço

secreto, que sentiu o chão oscilar por baixo dos seus pés.

Mercant não poderia saber...

— Não entendo senhor Mercant.

Um sorriso amável surgiu no rosto de Mercant.

— É claro que entende Klein. Entende muito bem. E

não acredite que os motivos nobres que o animam

poderão levar-me a fazer vista grossa aos seus atos

criminosos. Confiar-lhe-emos uma missão através da qual

poderá provar que considera as ordens recebidas mais

importantes que suas opiniões pessoais. E a mesma coisa

aplica-se a Li e Kosnow.

Kosselov indignou-se.

— Ponho a mão no fogo pelo meu agente!

— Cuidado para não se queimar — observou Mercant

com a voz tranquila.

— O senhor não tem provas! — insistiu o russo.

— Mas tenho um ótimo faro, e um instinto infalível.

Infelizmente era verdade. Klein sabia que justamente

por isso Mercant era temido pelos subordinados. Durante

os interrogatórios, nunca precisava recorrer a detetores de

mentiras ou outros métodos. Sabia perfeitamente se o

interrogado falava a verdade ou não. Havia agentes que

afirmavam seriamente que Mercant sabia ler os

pensamentos.

Mao Tsen interveio.

— Reunimo-nos para elaborar nossos planos de

ataque contra Rhodan e não para lançar acusações mútuas

contra nossos melhores agentes. Nem quero saber o que

vai fazer com seu subordinado, Mercant. Mas deixe o

tenente Li fora disso. Ele goza da minha irrestrita

confiança. Sugiro que passemos ao que nos interessa.

— É o que faremos agora mesmo — confirmou

Mercant e tirou um mapa do bolso. Estendeu-o sobre a

mesa. As cabeças dos outros homens se inclinaram para

frente. — Neste mapa está assinalada a posição exata da

base de Rhodan no deserto de Gobi. O círculo mostra a

extensão da cúpula energética. Conforme veem, ela chega

a cobrir parte do lago. Ali haveria possibilidade de se

penetrar na cúpula por meio de equipamento de mergulho,

passando por baixo de sua borda. Mas de nada nos

adiantaria introduzir alguns homens sob a capa protetora;

sabemos de que armas Rhodan dispõem. Só poderemos

alcançar êxito através de medidas radicais. Discuti todos

os detalhes com o coronel Cretcher. Talvez seja preferível

que ele mesmo exponha seus pontos de vista.

O coronel confirmou com um ligeiro aceno de cabeça.

Aproximou o mapa do lugar em que estava sentado e

colocou a mão sobre uma área situada ao norte do círculo.

— Neste ponto, situado a cerca de dois quilômetros da

cúpula, existem algumas colinas. É mais íngreme na face

norte. É essa encosta que pode servir de ponto de partida

da galeria que vamos cavar, pois não pode ser vista das

naves espaciais. Teríamos de fazer a galeria avançar sete

quilômetros para atingir o ponto central da base. A

profundidade terá de ser de quinhentos metros no mínimo,

a fim de reduzir ao mínimo a detecção por meio de

instrumentos de escuta. Confesso que se trata de um plano

audacioso, mas é absolutamente seguro.

Kosselov e Mao Tsen se olharam. A admiração e o

reconhecimento brilhavam nos seus olhos. O general Tai-

tiang apontou para o mapa.

— Conheço perfeitamente estas colinas; minha

posição de combate fica ali. Aliás, coronel Cretcher,

como foi que o senhor teve conhecimento da existência

delas?

O coronel do CID deu um sorriso misterioso.

— Ora, general! É claro que tenho homens da minha

confiança que servem no seu exército. Além disso, há de

estar lembrado de que alguns oficiais das forças

ocidentais tiveram permissão oficial para examinar o

terreno. Como vê, isso tem uma explicação lógica.

— Naturalmente, queira desculpar. Quer dizer que, em

sua opinião, essas colinas, situadas ao norte da base

constituirão o melhor ponto de partida para um

empreendimento como esse?

— Sem dúvida! Quando estivermos exatamente

abaixo das duas naves, faremos explodir uma bomba de

hidrogênio. Acha que, depois disso, sobrará alguma coisa

de Rhodan e seus amigos extraterrenos?

— Não sobrará muita coisa — confessou Kosselov,

cocando a cabeça. — Só vejo um inconveniente. Não

acredito que esses arcônidas sejam tolos a ponto de não

lhes ter ocorrido à mesma ideia. Para isso, bastará um

pouco de senso lógico. E devem ter adotado providências

para se protegerem.

— Já pensamos nisso — asseverou Mercant. — É

claro que cometeríamos um erro se, daqui por diante, nos

mantivéssemos numa expectativa tranquila. Muito pelo

contrário. Assim que iniciarmos as escavações, o general

Tai-tiang deverá reiniciar os bombardeios. Não é

necessário que seja tão intenso como da outra vez, mas

deverá ser suficiente para manter Rhodan e seus aliados

ocupados. Além disso, a detonação das granadas abafará o

ruído que for causado pelas cargas de dinamite que

tivermos de usar sob o solo. Por outro lado, é impossível

que Rhodan seja avisado das nossas intenções. A base foi

isolada hermeticamente do mundo exterior. Até mesmo a

comunicação pelo rádio tornou-se impossível, pois as

potentes emissoras de interferência que instalamos não

permitem qualquer forma de recepção no interior da

cúpula. Rhodan não poderá ser prevenido por quem quer

que seja.

Ao dizer isso, o brilho suave voltou a surgir em seus

olhos. Seu olhar dirigiu-se para Klein, em quem se

demorou um pouco, para depois dirigir-se a Li e Kosnow.

O coronel Cretcher apontou para o mapa.

— Formaremos um comando internacional. Todas as

nações deverão colocar seus recursos à disposição.

Unidos, conseguiremos dar cabo desse inimigo comum.

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114

— De qualquer maneira, Rhodan é americano — disse

Mao Tsen, pensativo.

— Foi americano! — disse Mercant em tom

penetrante. — Conforme sabe, foi privado dos seus cargos

e direitos. Mas isso não importa. Na verdade, deparamo-

nos com uma invasão vinda do espaço cósmico, que

deverá ser repelida de qualquer maneira. Se não

conseguirmos isso, dentro de pouco tempo não seremos

mais os donos da Terra.

Houve uma ligeira pausa. O tenente Kosnow rompeu

o silêncio:

— Qual será a nossa missão?

Mercant sorriu.

— Já esperava esta pergunta. É claro que Rhodan

possui amigos entre os homens; ninguém pode negar isso.

Talvez alguns desses homens venham participar dos

comandos encarregados das explosões subterrâneas,

mesmo que ali não lhe possam prestar muito auxílio. De

qualquer maneira, seria conveniente que os homens do

comando especial fossem continuamente vigiados. Como

não podemos nos encarregar disso sozinhos, gostaria de

lançar mão de uma equipe de agentes incumbida

exclusivamente da segurança do empreendimento. Acho

que todos me entenderam, não?

Klein observou Mercant enquanto este falava. Os

olhos não traíam nada do que se passava em seu cérebro.

Mesmo assim, Klein pensou que sentia a ironia

provocadora que se ocultava nas palavras do chefe do

CID.

O general Tai-tiang bateu no mapa.

— Assim que os comboios de abastecimento forem

colocados em movimento, poderei reiniciar o bombardeio.

Em quanto tempo a galeria ficará pronta?

O coronel Cretcher deu de ombros.

— A organização do comando durará alguns dias.

Quanto ao trabalho propriamente dito... bem, meus

cálculos vão a quinze dias, se pudermos utilizar os

recursos mais avançados. Também depende da

constituição do solo. Se encontrarmos muita rocha...

— Nas camadas mais profundas deverão encontrar.

— Bem, digamos umas três semanas! Mais ou menos

daqui a um mês, uma enorme cratera se abrirá no deserto

de Gobi e Perry Rhodan com seus arcônidas logo se

transformará numa lenda que não demorará a cair no

esquecimento...

— E que, de qualquer maneira, nos trouxe um período

de paz — concluiu Kosselov em tom seco.

Mais tarde, quando voltou a estar a sós no seu

escritório, recapitulando os acontecimentos, Mercant

evocou principalmente estas palavras. Sabia perfeitamente

que Kosselov não se sentia seguro. Mao Tsen era o único

que raciocinava claramente e sem paixões. Para o chinês,

Rhodan era o grande inimigo; e teria que ser destruído,

custasse o que custasse. Mao não pensava no que viria

depois; Kosselov pensava tal qual ele mesmo.

Também Klein era um homem dotado de enorme

capacidade de raciocínio. Talvez fosse por isso mesmo

que Mercant conseguira captar algumas das emanações

mais poderosas daquele cérebro e interpretá-las

vagamente.

Mercant sorriu. Sabia do falatório dos seus

subordinados, que diziam que ele era um feiticeiro

quando lhes dizia face a face o que estavam pensando. Ele

não lia propriamente os pensamentos, mas sabia sentir

determinadas emoções dos outros. O cérebro possuía

tantas partes ociosas que um pequeno estímulo poderia ser

suficiente para pôr em funcionamento uma delas. Era o

que devia ter acontecido com ele. Se realizasse um

esforço dirigido a si mesmo, sem dúvida seria capaz de

desenvolver mais intensamente a capacidade, ainda

limitada, de adivinhar os pensamentos alheios.

Mercant contemplou seus dedos esguios. Depois,

sacudiu a cabeça. Não, não era mais que um homem igual

aos outros. Mas era dotado de poderes extraordinários,

que lhe permitiam distinguir entre a mentira e a verdade.

Foi por isso que teve segurança absoluta de que, dos

oito participantes da reunião, exatamente a metade tinha,

ao menos, alguma simpatia pela causa de Perry Rhodan.

Quase teria acontecido o quinto homem, que obedecia

incondicionalmente às ordens dos governos a que estava

submetido, mas já sentia vacilar o coração e preocupava-

se com os verdadeiros objetivos de Rhodan.

Era ele mesmo.

3

Fazia cinco dias que nenhum tiro era disparado.

Rhodan e os outros sentiram que algo de estranho e

decisivo estava por vir, mas não tinham a menor ideia do

que se tratava. Bell estava irritado. Andava que nem uma

fera enjaulada no interior da nave, quando não se dirigia

para perto da nave dos arcônidas para assistir ao trabalho

incessante dos robôs. Protegido pela cúpula energética

onde, aos poucos, o ar foi se tornando quente e abafado,

tomava seu banho diário no lago salgado. Muitas vezes,

vagava horas a fio pelo deserto e arriscava-se até as

proximidades da muralha invisível que os separava do

mundo exterior.

Não havia viva alma por perto. De repente, pareciam

estar sozinhos no mundo. As tropas que cercavam a base

haviam-se retirado para posições mais afastadas. Até

mesmo pelo binóculo só eram visíveis sob a forma de

pontos que surgiam vez por outra. Não se via o mais leve

sinal dos tanques e canhões.

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115

Alguma coisa estava no ar.

Rhodan o sentia e, tomado de certa inquietação, saiu

da Stardust no quinto dia e dirigiu-se à nave dos

arcônidas. Nos últimos dias tivera pouquíssimos contatos

com Crest, pois o cientista seguia à risca as

recomendações do Dr. Haggard. Geralmente estava

mergulhado num sono artificial, a fim de que seu sangue

pudesse regenerar-se.

Um dos robôs bloqueava a escotilha de entrada.

Rhodan aguardou alguns minutos. Quando viu que o

vigia metálico não saía do lugar, aproximou-se e tentou

empurrá-lo para o lado. É claro que a experiência não foi

bem sucedida. Lá de cima soou a voz clara e estridente de

Thora:

— É muito imprudente, Rhodan! O que deseja?

— Preciso falar com Crest.

— Por quê?

— Tenho vários motivos. Um deles é que tenho

certeza absoluta de que está sendo preparado um ataque

contra nós.

— E daí? Acredita que não saberemos nos defender?

— Sabe que precisamos da humanidade para executar

nossos planos. Se, por um ato de defesa irrefletido,

destruir nossa raça, você nunca mais reverá Árcon.

Com estas palavras, ele tocou no ponto sensível de

Thora. No íntimo, ela ardia para dar uma lição nos

“selvagens rebeldes”. Mas Rhodan e Crest impediam-na

de levar avante os seus intentos. Impediam a ela,

comandante da expedição. Reconhecia que os dois

homens estavam com razão. Os robôs não seriam capazes

de montar um parque industrial que lhes permitisse a

construção de uma nave maior e mais potente.

Proferiu uma palavra incompreensível e o robô

afastou-se de onde estava deixando o caminho livre.

Rhodan subiu os degraus que conduziam à entrada da

nave. Thora olhava-o com uma expressão fria no rosto.

— Crest precisa de descanso.

— Sei disso — confirmou Rhodan, tranquilo. —

Acontece que o Dr. Haggard me deu permissão para falar

com ele.

— Ah, é? O Dr. Haggard deu permissão? — disse,

esticando as palavras num tom de desprezo. — E acha

que não é necessário consultar a mim?

— No presente caso, não é necessário — respondeu

Rhodan, empurrando-a suavemente para o lado. Seguiu

sem olhar para trás, achou o elevador antigravitacional e

foi levado para cima.

Crest estava acordado. Jazia numa cama larga,

colocada numa cabina espaçosa. Assistira a um programa

de figuras coloridas abstratas que desfilavam sobre a tela.

Quando Rhodan entrou, desligou o aparelho e levantou-

se.

— Olá, Perry! Fico muito satisfeito em ver que

arranjou tempo para fazer-me uma visita.

— A satisfação é minha Crest. Como vai? Pelos

relatórios de Haggard está atravessando uma segunda

juventude.

— É o que sinto Perry. O homem é fantástico!

— Ele é um excelente profissional — disse Perry.

Também Crest tinha cabelos claros, quase brancos, e

os olhos ligeiramente avermelhados. Sua cabeça, muito

comprida, lhe proporcionava uma testa que tomava quase

a metade da caixa craniana. De resto, as diferenças que o

distinguiam dos homens eram exclusivamente de natureza

orgânica. No lugar das costelas, possuía uma blindagem

óssea que protegia o coração e os pulmões. Essa

circunstância dificultaria eventuais operações, mas

oferecia ampla proteção a esses órgãos tão sensíveis. Sob

os padrões humanos, seria considerado um verdadeiro

gênio. Bastava dizer que sua memória fotográfica

lembrava a capacidade dos grandes computadores

eletrônicos. Crest era o chefe científico da expedição

malograda dos arcônidas e um dos últimos descendentes

da dinastia reinante de Árcon.

— Nós não temos nenhum médico igual à Haggard —

respondeu Crest. Talvez nossa raça tenha adoecido

justamente por isso. Dispomos de recursos para prolongar

a vida; e isso nos deixou por demais despreocupados.

Degeneramos, pois nossa presunção desmedida não

permitiu que nos misturássemos com outras raças. Na

verdade, todos os arcônidas são parentes.

— Já lhe falei da necessidade premente de uma

renovação do sangue.

— Tem uma ideia de como isso poderia ser feito? —

disse Crest, com um sorriso débil. — Confesso que vocês

são jovens de corpo e espírito. Se combinássemos isso

com o nosso saber, obteríamos uma raça de seres

superinteligentes. É claro que isso não passa de uma

divagação. Os resultados de uma experiência fantástica

como esta só começariam a surgir depois de algumas

gerações. Acho que qualquer auxílio aos arcônidas

chegaria tarde. E há mais. Acredita que Thora pudesse

pensar seriamente em misturar seu sangue com o de um

terreno, que a seus olhos não passa de um ser primitivo?

— Não acredito — disse Perry, sacudindo a cabeça.

Crest comprimiu um botão. Junto ao seu leito a parede

côncava deslizou para o lado, fazendo surgir uma abertura

oval. Estavam a cerca de quarenta metros de altura. Uma

vista imponente sobre a imensidão infinita do deserto

descortinava-se diante deles. Atrás da nave, o sol ainda se

encontrava bem alto no céu. Ao norte, estendia-se uma

série de pequenas colinas.

— Muitas vezes, este mundo me faz lembrar minha

terra natal, da forma como ela já deve ter sido — disse

Crest baixinho. — Depois de algum tempo tornamo-nos o

centro de um império galáctico e já não poderíamos dar-

nos ao luxo de ter a natureza ao redor de nós.

— Sabe que eu gostaria de visitar Árcon. Um sorriso

condescendente esboçou-se no rosto do cientista.

— É bem possível que se sentisse decepcionado,

Perry. Nosso mundo, que é do tamanho da Terra, não

passa de uma grande cidade. Mas, seja como for, um dia

você vai conhecer Árcon.

Perry inclinou-se para frente; estava perplexo.

— Eu? Conhecer Árcon? Quando? Como?

Crest voltou a reclinar-se. Contemplou o teto baixo da

cabina. Depois, lançou os olhos sobre Perry.

— Sim, Perry Rhodan, você verá Árcon. Talvez não

me tenha expressado com clareza quando falei numa

renovação do sangue dos arcônidas. Jamais deverá haver

uma mistura das duas raças, pois a sua sairia perdendo.

Mas é bem possível que os homens, depois de unificados,

nunca antes, acabem tornando-se herdeiros do Império

Galáctico, sob a orientação dos arcônidas. A imagem lhe

agrada?

Rhodan respirou profundamente.

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116

— É fantástica demais para ser levada a sério, Crest.

Afinal, os arcônidas dominam um império espacial e

nunca o entregariam espontaneamente. Por outro lado, os

homens não estão maduros nem mesmo para sonhar com

um império desses.

— Acho que desta vez é você que está subestimando

os homens. Tive oportunidade de manter longas palestras

com Haggard. Ele concorda comigo.

— Mesmo que acreditasse na capacidade dos homens,

nunca poderia acreditar no altruísmo dos arcônidas.

— Não nos julgue por Thora — recomendou Crest

com a voz suave. — Ela comanda uma expedição e foi

treinada especialmente para esse tipo de missão. Sua

inteligência lógica e fria é o resultado de uma doutrinação

intensa.

— O que vem a ser isso?

— A doutrinação é um processo de aprendizagem

hipnótica, através da qual se ativam determinados setores

ociosos do cérebro e se intensificam as funções de outros.

— Trata-se de aulas hipnóticas?

— É também poderíamos usar este nome. O método

permite transformar uma criatura primitiva em um ser

inteligente, desde que possua um cérebro. Pretendo usar

este método para transmitir-lhe parte do saber dos

arcônidas.

Rhodan recuou instintivamente.

— O quê? Pretende...? — Olhava surpreso para Crest,

que continuava a sorrir. — Por quê?

— Meu amigo, você é todo desconfiança. Acha que

sou incapaz de qualquer ação altruística; e está com razão.

Mas meu pensamento vai mais longe. Vejo o futuro

desenhado diante de mim, mas não é o futuro só dos

arcônidas. Duas raças aparentadas dominarão a Via

Láctea: os arcônidas e os terranos. Ouça bem, Rhodan: os

terranos! Acho que sabe qual é a diferença entre um

homem e um terrano. Você já viu o espaço cósmico e,

com isso, transformou-se num terrano. Qualquer um

passará por essa transformação, desde que sinta que pode

envolver o mundo em que nasceu com as mãos. Mas os

outros, principalmente os que nos atacam, são homens

que ainda estão longe de saber que o planeta em que

vivem nada é senão uma base para o futuro. Todos os

seres inteligentes descendem do mar, pois lá foram

geradas as células primitivas. E o mar assemelha-se ao

espaço cósmico. Dessa forma, o homem, ao penetrar no

espaço, retorna ao elemento que lhe deu origem. Um belo

dia, quando os terranos e os arcônidas tiverem

consolidado o império cósmico, a Terra não passará de

uma lenda perdida em meio a milhões de pontinhos

luminosos que reluzem no infinito de um mar que não

conhece fronteiras.

Crest deixou passar alguns segundos, a fim de que

Perry Rhodan tivesse tempo para absorver a grandiosa

visão do futuro. Depois, prosseguiu:

— Dentro de poucos séculos, os arcônidas não mais

estarão em condições de impedir a desagregação do

império. Um e outro planeta já tentam reconquistar sua

independência — uma independência que não lhes servirá

para nada, pois logo se lançarão uns contra os outros. Se

quisermos manter a paz dentro da galáxia, uma mão forte

deve segurar as rédeas. Dentro de pouco tempo, os

arcônidas não mais serão capazes disso. Antes de

assistirmos à desagregação do império cósmico, ou de

deixar que caísse em mãos incapazes ou nas de alguém

que seja mais forte e talvez mais cruel que nós,

preferimos partilhá-lo com um aliado que só através de

nós chegou ao que é. Preferimos partilhá-lo com um

amigo que nos seja grato. Nunca encontramos alguém que

esteja em melhores condições de desempenhar esse papel

que os habitantes do planeta Terra, situado na

extremidade da Via Láctea. Já compreende que até chego

a ser egoísta quando quero fortalecê-los?

Rhodan respondeu com um ligeiro aceno de cabeça.

Estava compreendendo.

— Foi por isso que decidi, contra a vontade de Thora,

confiá-lo ao nosso doutrinador. Como desejo ter dois

homens ao meu lado, eu lhe peço que me indique o nome

de seu melhor amigo. Este receberá o mesmo treinamento

hipnótico. Suponho que proporá Reginald Bell, não é?

Perry confirmou.

— Em que consiste este treinamento?

— Não receie, não haverá a menor perda de tempo —

disse o cientista com um sorriso. — Se começarmos hoje,

amanhã, você e Bell disporão de um saber muito maior

que toda a humanidade. Além disso, determinados setores

do cérebro serão ativados. Se deixássemos que este

desenvolvimento seguisse o curso normal, ele levaria

milênios. Já lhe falei isso. Não há dúvidas de que será

dotado de capacidades telepáticas, ainda restritas.

Infelizmente não posso prever quais serão as outras

faculdades que se desenvolverão. Talvez sejam ativadas,

mas não plenamente desenvolvidas.

— É inacreditável.

— Quando dispuser do nosso saber, você

compreenderá. Trazemos o doutrinador a bordo a fim de

treinar raças menos inteligentes. Os indivíduos tratados

por ele estarão em condições de desempenhar o papel de

gênios de sua raça, transmitindo-lhe ideias progressistas.

Trata-se da aceleração artificial de um processo que, em

condições normais, seria muito lento. No seu caso,

adotaremos um processo mais radical. Eliminaremos os

estágios. Saltaremos por cima dos milênios. Você se

transformará em um homem que corresponderá ao tipo

normal que surgirá daqui a dez mil anos, quando tiver

sido consolidado o império galáctico, cuja pedra

fundamental foi lançada pelos arcônidas.

Crest calou-se, dando tempo para que Rhodan

ordenasse seus pensamentos.

A atuação aparentemente generosa do cientista

extraterreno tornou-se compreensível aos seus olhos. Ao

ajudar os homens, servia em primeira linha a si mesmo e a

sua raça. Descobrira o verdadeiro motivo dos seus atos.

Os homens deveriam colocar-se ao lado dos arcônidas

debilitados, a fim de que estes não perdessem o império.

Rhodan abanou lentamente a cabeça. Era uma

conclusão lógica, resultante das circunstâncias.

— Estou de acordo — disse tranquilo, embora mal

conseguisse dominar a emoção. — E Thora, o que dirá?

Crest deu de ombros.

— Terá de conformar-se. O cientista da expedição sou

eu; é a mim que cabe decidir.

— Mas ela é a comandante — objetou Rhodan.

— É verdade. É responsável pela nave e pela viagem,

mas não pelas providências de caráter científico. Sobre

estas, somente eu decido. E também assumo a

responsabilidade pelas decisões nesse campo. E, acredite,

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117

sei perfeitamente o que estou fazendo.

Rhodan estava convencido disso.

Duas horas depois, ele e Bell eram conduzidos por

Crest para uma parte da nave que, até então, permanecera

fechada. Em meio a um complexo de máquinas

interligadas por uma enorme quantidade de cabos, havia

duas poltronas isoladas, dotadas de capacetes. Os

grampos metálicos presos aos mesmos iam diretamente às

máquinas. Um zumbido ameaçador fez-se ouvir. Luzes

acendiam-se e voltavam a se apagar.

— É o doutrinador. Queiram sentar-se nas poltronas.

Perderão a consciência e não perceberão nada do que se

passa ao seu redor. O funcionamento dessa instalação é

totalmente automático. Nesta escala, marco o grau de

transmissão de saber. Como veem, estou escolhendo o

grau mais elevado para ambos. Com isso, se

transformarão espiritualmente em arcônidas. Mas os

traços natos do seu caráter permanecerão inalterados.

Bell lançou um olhar desconfiado para os capacetes.

— Isso até parece uma cadeira elétrica. Tenho a

impressão de estar em Sing-Sing.

— O que vem a ser isso? — perguntou Crest.

— Trata-se de uma instituição onde são presos os

criminosos — esclareceu Rhodan, sarcástico. — Bell tem

medo de levar um choque ao sentar nessa cadeira.

— Não sentirá nada — asseverou Crest em tom

tranquilizador.

Quando Crest apertou os grampos, Rhodan sentiu um

formigamento na pele. O zumbido tornou-se mais forte.

Crest pôs a mão numa chave amarela e olhou para ele.

— Daqui a alguns segundos, você adormecerá, e

despertará em seguida. Ao menos, terá esta impressão. Na

verdade, dormirá por vinte e quatro horas. Só faço votos

para que nada aconteça durante esse tempo, pois qualquer

interrupção representará um grave risco para o êxito do

treinamento-relâmpago. Se surgir alguma emergência,

Haggard e Manoli terão de decidir sobre as medidas a

serem adotadas. E agora...

— Pare!

A voz zangada soou da porta, em cujo limiar se via

Thora. A raiva e o ódio chispavam de seus olhos

vermelho-dourados.

Suas mãos estavam crispadas.

— Proíbo a doutrinação, Crest. Nesta nave não se faz

nada contra minha vontade. Os homens são uma raça

guerreira. Se forem dotados de uma inteligência

excessiva, representarão uma ameaça para a nossa

existência.

Crest deixou a mão pousada na chave.

— Você está enganada, Thora. Eles nos ajudarão a

salvar nosso império. Procurei explicar-lhe as minhas

razões; lamento muito que não as tenha compreendido. Se

não quisermos submergir, precisaremos de Perry Rhodan

e de sua raça. Nossa elite está desaparecendo...

— Se encontrarmos o planeta da vida eterna, eles não

desaparecerão.

Crest sorriu.

— Thora, nunca lhe ocorreu que o relato sobre o

planeta da vida eterna talvez não passe de um símbolo?

Talvez a Terra seja o planeta que procuramos, é lógico

que em sentido figurado. Não me atrapalhe! Tenho muito

que fazer. Daqui a pouco conversaremos.

A voz de Thora assumiu um tom ameaçador.

— Se fizer isso, usarei o gravitador para arremessar

este planeta contra o Sol.

O rosto de Crest tornou-se sério.

— Você não se atreverá a isso, Thora. Assim, estaria

violando nossas leis fundamentais. Aguarde no meu

camarote. Ainda conversaremos sobre isso, enquanto o

doutrinador estiver trabalhando.

Antes que a comandante pudesse responder, Crest

empurrou a chave. O zumbido tornou-se insuportável. O

sangue martelava as têmporas de Rhodan. Ele ouviu,

ainda, Bell gemer. Depois a escuridão espalhou-se por

toda parte. Parecia mergulhar num abismo sem fim.

Dali a alguns segundos não tinha mais consciência do

que se passava em redor.

4

Nestas semanas de calma enganadora, muita coisa

estranha aconteceu no mundo.

Nas colinas situadas ao norte da base, desenvolvia-se

uma atividade febril. Contingentes de tropas foram

retirados, outros foram trazidos. Máquinas e tratores

vindos do norte estacionaram nas depressões dos terrenos

especialmente preparados. Redes de camuflagem foram

estendidas sobre os mesmos. Um exército de especialistas

pôs-se a trabalhar. Realizaram-se medições para localizar

a entrada da galeria. O general Tai-tiang providenciou o

abastecimento de munições para suas peças de artilharia.

Aguardava o sinal convencionado.

Enquanto isso, na nave esférica dos arcônidas, o

tempo corria em disparada por cima de Perry Rhodan e

Reginald Bell, deixando sua marca sob a forma de um

saber concentrado no cérebro de ambos. Subitamente,

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células adormecidas despertaram para a vida.

Com muito esforço, Crest impediu que Thora

cumprisse sua ameaça de destruir a humanidade. Ela

concordou em aguardar o resultado da experiência. Crest

teve a impressão de que Thora não estava falando sério

quando ameaçou precipitar a Terra contra o Sol.

Houve mais quatro acontecimentos no mundo, que

apressaram a evolução que se vinha processando e lhe

conferiram um fundamento lógico. Embora independentes

uns dos outros, esses acontecimentos guardavam uma

relação estreita entre si. Suas causas situavam-se muito

longe.

Naquela época, um cogumelo mortífero erguia-se

sobre uma pequena cidade, um cogumelo que se

transformaria no símbolo de uma nova era.

***

Era uma ideia maluca. Fred Hangler sabia desde o

primeiro instante, mas quem mandava não era ele, e, sim,

o patrão. Um assalto ao Banco Central de Brisbane em

plena luz do dia! Isso não poderia acabar bem.

Tudo fora planejado nos menores detalhes. Lá fora, o

carro estava esperando. O patrão estava recostado no

assento de trás, com a pistola sobre os joelhos. A porta

estava apenas encostada. Junto ao motorista, Jules Arnold

estava à espreita, com a mão no bolso. Mantinha uma

vigilância ininterrupta sobre a rua principal,

especialmente sobre o guarda de trânsito postado na

esquina. Este não desconfiava de nada. Parado sob o

guarda-sol sacudia os braços, como se dirigisse uma

orquestra, não o trânsito de Brisbane, uma cidade situada

na costa leste da Austrália.

Fred Hangler recebera o trabalho mais difícil. Teria de

entrar no banco e obrigar o caixa a entregar-lhe todo o

dinheiro que se encontrava no cofre. Ninguém contaria

com um acontecimento desses poucos minutos antes do

meio-dia. A surpresa seria completa. Além disso, todo

mundo sabia que à uma hora dessas, até os policiais

ansiavam pela merecida sesta e relaxavam a vigilância.

Tudo seria muito rápido, pois não seria possível evitar o

alarma. Hangler não tinha a menor intenção de matar um

funcionário do banco. Eventualmente, estaria disposto a

enfrentar alguns anos de penitenciária, mas não a forca.

Assim que estivesse de posse do dinheiro, correria

para o carro que estava à espera. Uma viagem curta e

vertiginosa, e logo desapareceriam na garagem de

Jeremias. Depois de dois minutos, mais ou menos, o carro

teria mudado de cor e de placa. O guarda da esquina

juraria em vão sobre suas declarações. O veículo que vira

teria desaparecido sem deixar o menor vestígio.

O patrão pensara em tudo. Sempre pensava em tudo.

Apenas não se lembrava que de que muitos anos antes, a

primeira bomba atômica explodira em Hiroxima. Mas não

devemos ser injustos. Ninguém se lembraria de um

detalhe desses quando estivesse planejando um assalto a

banco. Acontece, porém, que foi justamente esse detalhe

que se constituiu no fator decisivo para o fracasso do

empreendimento.

Ao entrar no saguão, com a pasta numa das mãos e a

pistola na outra, metida no bolso do paletó — Fred

Hangler ficou contrariado ao perceber que ainda havia

alguns clientes. O patrão esperava que há esta hora

ninguém mais fizesse depósitos ou — o que é mais

lamentável — retirasse dinheiro. Paciência. Não se podia

fazer nada.

Colocou-se atrás dos três clientes e ficou aguardando.

O outro guichê já estava fechado. O funcionário que ali se

encontrava bocejou, lançou um olhar de reprovação sobre

o novo cliente e desembrulhou seus sanduíches. Uma

garrafa de leite formava o complemento de sua frugal

refeição.

Seu colega estava empenhado no trabalho. Pagou uma

quantia pequena, deu uma informação ao segundo cliente

e dirigiu-se ao terceiro. Fred Hangler ficou satisfeito ao

perceber que sua fortuna crescia em algumas centenas de

libras. A mão que cingia a coronha da pistola começou a

transpirar. O homem que se encontrava diante dele contou

cerimoniosamente as notas em cima do guichê. O

funcionário conferiu o dinheiro com a mesma atitude.

Subitamente, o caixa que fazia o lanche parou de

comer. Estava bem quieto como se perscrutasse seu

interior. Um brilho estranho surgiu em seus olhos. Como

se fosse por acaso, seus olhos vagaram pelo recinto,

parando em Fred Hangler. Uma ruga surgiu em sua testa

e, então, pisou no botão do dispositivo de alarma.

No saguão, nada de estranho aconteceu. Apenas na

delegacia mais próxima, a um quilômetro dali, uma sereia

começou a uivar. O inspetor de plantão foi arrancado

abruptamente da sesta a que nem devia estar entregue,

pois o relógio ainda marcava alguns minutos para o meio-

dia. Levantou-se perturbado e fitou a sereia. Um número

surgiu em um painel luminoso. Quatro. Era o Banco

Central. Um assalto!

Um assalto? Isso mesmo. Que diabo! Logo agora...

O policial ficou furioso. Tirou o fone do gancho e

berrou algumas ordens. Apertou o cinto e verificou se a

arma se encontrava no coldre. Depois, correu para fora da

sala. No corredor, esbarrou nos homens que acudiam ao

alarma.

— É um assalto no Banco Central! Depressa!

Não se percebia mais nada do descanso do meio-dia.

Poucos segundos depois, o carro com cinco policiais

armados saía do pátio da delegacia e disparava para o

local do crime.

John Marshall já retirara o pé do botão que se tornaria

funesto ao assaltante. Sabia que a polícia só demoraria

alguns minutos, desde que não estivessem todos

dormindo, o que era possível devido ao calor e ao

ambiente pacato da cidade. E não tirava os olhos do

cliente, que esperava pacientemente que o homem que

havia depositado todo aquele dinheiro saísse do saguão.

Depois disso, dirigiu-se ao guichê.

O inspetor fora bastante inteligente ao desligar a

sirena. Assim, conseguiu chegar perto do banco sem

despertar a atenção dos assaltantes e estacionar do outro

lado da rua. Quando os policiais desceram da viatura, o

carro preto estacionado diante do banco pôs-se em

movimento. Um fato que não despertou a atenção de

ninguém. O inspetor admitiu que, se aquele carro fosse de

participantes do assalto, eles não teriam esperado a

chegada da polícia.

Fred Hangler colocou a pasta sobre o guichê e disse

com a voz tranquila:

— Preste atenção, jovem. Quero retirar todo o

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119

dinheiro que se encontra no cofre. Aqui estão minhas

credenciais. — E retirou a pistola do bolso, apontando-a

para o caixa. Pelo canto do olho, fitava John Marshall.

Este voltara a mastigar seu sanduíche e aguardava as

coisas que estavam para acontecer. — Não toque nas

instalações de alarma — preveniu o bandido. — Antes

que a polícia chegue o senhor estará morto.

— Eu não diria uma coisa destas — disse Marshall

enquanto mastigava. — Se o amigo virar o rosto verá que

a polícia já chegou.

Hangler fitou-o. Estava perplexo. O caixa que fora

ameaçado tomou-lhe a pistola com um movimento rápido.

Sem oferecer resistência, Hangler virou-se. Viu os cinco

policiais que atravessavam a rua a passos largos e

entravam no banco. As amplas janelas permitiam a

observação da cena.

O inspetor correu na frente dos outros.

— O que houve? — perguntou espantado.

O quadro que se oferecia aos seus olhos era estranho.

Atrás de um dos guichês, um homem comia

tranquilamente um sanduíche e tomava leite, bebida que o

inspetor detestava. No outro guichê, um homem de

aspecto inofensivo era ameaçado pelo outro caixa, que

tinha uma arma na mão. Nos fundos do saguão, outro

homem, vestido com apuro, entrava por uma porta. Ele

também parou perplexo.

— O que está havendo aqui, Myers? — indagou este

último.

O funcionário que segurava a pistola não tirava os

olhos de Hangler.

— Que coincidência! — suspirou. — Santo Deus, que

coincidência!

— Coincidência, por quê? — perguntou o inspetor.

O cavalheiro que entrara pela porta do fundo do

saguão aproximou-se.

— Este homem pretendia assaltar-nos — explicou

Myers. — Marshall tentou um blefe, dizendo que a

polícia estava chegando. O rapaz ficou nervoso e

consegui tirar-lhe a arma. E não é que a polícia chegou

mesmo? Não entendo mais nada.

— Viemos porque o alarma soou na delegacia —

disse o inspetor. — Até parece que o senhor não sabe

mais para que serve o botão que se encontra junto aos

seus pés.

— Não acionei o alarma — asseverou Myers. — Se o

tivesse feito, não teria dado tempo. Este sujeito mal tinha

manifestado suas intenções quando os senhores

apareceram.

— O caso é que a polícia age com muita rapidez —

disse o gerente, radiante.

Pensava que adivinhara o que tinha acontecido.

Hangler, que recobrara o ânimo, disse, com

arrogância:

— Ninguém pode provar que tentei cometer um

assalto. Sempre ando armado. Só ia sacar algum dinheiro.

— Isso mesmo — confirmou Myers. — Só que com a

pistola.

— Tudo isso será esclarecido no devido tempo —

interveio o inspetor e fez um sinal a um dos outros

policiais. Um par de algemas fechou-se em torno dos

pulsos do bandido. — O que sei é que há exatamente três

minutos o alarma soou na delegacia. — Olhou o relógio.

— Ou melhor, há quatro minutos.

— Há quatro minutos, eu ainda estava atendendo

outro cliente e nem desconfiava de assalto. Marshall já

iniciara o seu descanso.

— Ah, é? — disse o gerente, lançando um olhar de

censura ao outro caixa, — De manhã, o senhor chega

atrasado e, em compensação, inicia o horário de almoço

antes do tempo. Estou gostando!

— Eu também — disse Marshall, calmo.

— Foi por isso que aceitei o emprego neste banco.

O gerente franziu a testa. Myers sorria. O inspetor

empurrou o preso em direção à porta.

— Vá andando. Temos muito que conversar. — E,

voltando-se para o gerente:

— Dê-se por feliz por dispor de gente tão decidida.

Por pouco não perde uma boa nota. Assim que tiver

terminado o interrogatório desse sujeito, precisarei do seu

testemunho, senhor Myers.

Saiu do banco à frente dos outros policiais. Pouco

depois, o carro arrancava em alta velocidade.

Marshall acabou de tomar seu leite.

— O que foi que o senhor disse? — perguntou o

gerente, olhando a garrafa de leite com uma expressão de

repugnância. Ao que parecia, também não gostava muito

daquela bebida.

— Afirmei que gosto de trabalhar com o senhor.

— Prefiro isso! Myers, meu caro, quero agradecer-lhe

por sua pronta atuação. Se não tivesse acionado o alarma

e desarmado aquele sujeito...

— Não acionei o alarma — disse Myers.

— Só vi o carro de polícia parar na rua e eles entrarem

correndo. Só então pude agir. Se alguém deu o alarma, só

pode ter sido Marshall. Mas não creio que seja possível; a

polícia não poderia ter chegado com tamanha rapidez.

Entre o momento em que ele sacou a arma e a chegada

dos policiais não se passaram cinco segundos. Para mim,

isto tudo está muito misterioso.

O diretor voltou-se para Marshall.

— O senhor acionou o alarma? — perguntou

asperamente.

— Acionei senhor.

— No momento em que o bandido apontou a arma

para Myers?

— Não, senhor. Antes disso.

— Antes? — O rosto do gerente parecia transformado

num ponto de interrogação. — Antes disso o senhor não

poderia saber o que o sujeito pretendia fazer. Ou será que

o senhor adivinha pensamentos?

Marshall confirmou com um aceno tranquilo da

cabeça.

— Deve ser isso. O fato é que eu sabia quais eram as

suas intenções. Estava parado junto ao guichê, esperando

a vez de ser atendido. Subitamente, fiquei sabendo que

sua mão direita segurava uma pistola, com a qual

pretendia ameaçar Myers. A única coisa que me cabia

fazer era acionar o botão do alarma. Afinal, é para isso

que ele está aqui.

— Isso é estranho, muito estranho. — O gerente

coçou um ponto da cabeça onde sabia existirem alguns

fios de cabelo. — O senhor deve ter captado as radiações

do cérebro daquele homem. É inacreditável! Se a

diferença de tempo não estivesse aí para confirmar tudo,

eu não acreditaria em uma só palavra do que está dizendo.

Isso já lhe aconteceu antes?

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120

— O quê?

— Essa captação de pensamentos alheios. Acho que

isso não pode surgir de uma hora para outra. Será que

você é capaz de adivinhar o que estou pensando?

John enrugou a testa. Parecia refletir profundamente.

De súbito, seu rosto iluminou-se.

— Ora, senhor, isso seria ótimo!

— Hein? — fez o outro. — O que seria ótimo?

— A recompensa para Myers e para mim. O senhor

estava pensando em dar-nos um prêmio de cem libras, não

é?

O diretor encarou-o com a expressão de quem perdeu

a razão. Depois, um ar de medo começou a cintilar nos

seus olhos. Num gesto defensivo, estendeu as palmas das

mãos em direção a Marshall.

— Que coisa horrível! Um telepata! Senhor Marshall,

o senhor é um telepata. Realmente pensei em dar-lhes esta

recompensa. É incrível! Quando isso começou? Lembra-

se?

Marshall sorriu e colocou a garrafa de leite debaixo do

balcão. Parecia ter muito menos que os vinte e seis anos

que trazia na certidão de nascimento, em especial, quando

sorria.

— Não sei. Na escola eu sabia muito mais que os

colegas e sempre tirava notas muito altas, porque

conhecia a resposta dos problemas ou do que quer que

fosse. Na certa, eu lia, sem saber, o pensamento dos

professores. Engraçado! Agora percebo que se trata de

muito mais que um simples pressentimento como eu

julgava na época.

— É isso mesmo! — murmurou o gerente. Depois,

dirigiu-se a Myers e tirou-lhe a pistola. — O senhor ainda

vai arranjar uma desgraça. Já pensou no que pode

acontecer se isso disparar? — enfiou a arma no bolso e

voltou-se para Marshall. — O senhor tem que se submeter

a um exame. O senhor é um fenômeno! É fantástico! Se

não tivesse assistido pessoalmente, não acreditaria.

É claro que os outros não acreditaram. Especialmente

os jornais. Publicaram artigos enormes sobre o assalto

malogrado. Usaram títulos; “Telepata Desmascara

Assaltante”. Mas ninguém acreditou na história. Jules

Arnold e o patrão foram os únicos que refletiram a

respeito. Mas isso não lhes adiantou nada.

Naquela noite, John Marshall não foi para a cama tão

cedo como de costume. Trancou a porta de seu pequeno

apartamento de solteiro, foi à minúscula cozinha,

preparou um lanche e sentou-se na sala. Os

acontecimentos do dia voltaram a desfilar em sua mente.

Fred Hangler era um bandido perigoso; ele o soubera

pelo noticiário dos vespertinos. Mas não notara nada de

extraordinário nele quando o mesmo entrou no prédio.

Estava ocupado com seus sanduíches. Subitamente, algo

se insinuou em sua mente.

...tenho de esperar até que esses sujeitos que se

encontram à minha frente tenham sido atendidos... quem

sabe se não vão fazer um depósito... saberei lidar com o

caixa... colocarei a pistola no seu rosto... o patrão está

esperando lá fora... um assalto tão...

Embora não entendesse nada, John reagiu com

extrema rapidez. Havia quatro clientes. Era evidente que

só podia ser o que tinha chegado por último.

...que diabo! Este sujeito ainda está sacando dinheiro...

Ao sentir, com tamanha nitidez, o pensamento raivoso

do quarto homem, John teve um calafrio. Observou com

cuidado. A mão direita estava enfiada no bolso do paletó.

A pistola! Era verdade. Não havia a menor dúvida.

John acionou o alarma.

...em compensação este sujeito está fazendo um bom

depósito. Só faltam alguns segundos. Calma...

Certa vez John conhecera e amara uma jovem. Muitas

vezes dizia coisas que ela estava a ponto de lhe

comunicar. Achavam que era o exemplo perfeito da

afinidade espiritual.

...tomara que não apareça mais ninguém... engatilhar...

agora...

Talvez fosse mesmo transmissão de pensamento,

refletiu John. Se o pensamento de alguém fosse muito

intenso, as tênues radiações do seu cérebro poderiam

tornar-se mais fortes, de tal forma que pudessem ser

captadas por outrem. Ele, John, devia possuir um dom

especial para isso, mas nunca o percebera com tamanha

nitidez como naquele dia. Estava convencido de que teria

sido capaz de captar todos os pensamentos do bandido, se

ele mesmo não estivesse tão nervoso. Havia o exemplo do

gerente. Quando este lhe pediu que desse uma mostra da

sua capacidade, ele conseguiu fazê-lo.

...e agora... a arma... sim... agora...

John suspirou. O interrogatório realizado na parte da

tarde fora breve. Reduziram suas declarações a termo, ele

as assinou e tudo estava liquidado. Transmissão de

pensamento — bolas! O inspetor soltara um palavrão.

Depois, gracejando, disse-lhe que talvez fosse por causa

do leite. Mas acabou agradecendo, aludindo a uma

extraordinária rapidez de reflexos. De qualquer maneira,

Fred Hangler estava trancado na cela.

— Quem sabe se não se trata de uma capacidade que

pode ser desenvolvida? — refletiu Marshall em voz alta.

— Todo e qualquer tipo de saber pode ser melhorado,

desde que nos esforcemos. Até agora não prestei atenção

a isso; pensei que fosse simples coincidência. Pode ser

que outras pessoas que possuam este dom incidam no

mesmo erro. Ouve-se falar em telepatia nos romances e

nos relatos de experiências realizadas por certos

cientistas, mas ninguém acredita que ela exista. Bem,

acabo de perceber que ela existe. Podia tentar outras

provas. Se fosse verdade...

Um quadro que parecia utópico desenhou-se diante de

seus olhos. Via-se como a oitava maravilha do mundo.

Políticos e magnatas disputariam suas boas graças.

Qualquer um gostaria de contar com o assessoramento de

um telepata, pois, assim, ficaria sabendo de antemão as

intenções dos concorrentes. E, é óbvio, um homem desses

seria muito bem pago.

“No apartamento ao lado, reside à senhorita Julie”,

disse John de si para si. “Pelo que sei, ela está em casa, e

a única coisa que nos separa é esta parede. Uma parede

não pode deter pensamentos. Talvez valesse a pena

tentar...”

De súbito, sentiu-se tomado por uma excitação febril.

Os acontecimentos daquele dia não deixavam margem

para dúvidas. Se quisesse, poderia ler pensamentos. Santo

Deus, por que não havia percebido isso antes? Agora

poderia provar a si mesmo que não era sonho nem

coincidência.

Levantou-se e foi até a parede.

Ao encostar o ouvido na mesma, sentiu a respiração

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de uma pessoa. Concluiu que a senhorita Julie já estava na

cama. Por certo, ainda estaria lendo um pouco. Talvez

fosse o jornal que trazia a notícia do assalto frustrado. Se

assim fosse, há esta hora já saberia que perto dela morava

um herói.

De resto, tudo estava em silêncio. John procurou

concentrar-se. Evocou a imagem da moça, viu-a deitada

na cama, reconheceu o rosto que o fitava, um tanto

admirada. E depois...

Um choque elétrico pareceu atravessar o corpo de

John.

No início, pensou que estivesse imaginando coisas,

mas as dúvidas se desvaneceram. Mais uma vez, os

pensamentos alheios pareciam introduzir-se no seu

cérebro, expulsando os seus. Depois de algum tempo, não

só compreendeu esses pensamentos, mas chegou a ver,

com os olhos da moça. Viu o livro que ela lia, o quebra-

luz sobre a mesinha de cabeceira, viu as linhas impressas

— e conseguiu lê-las.

Apavorado, fechou os olhos, mas os pensamentos

continuaram. A moça guardou o livro, mas continuou a

pensar. E — que coisa estranha! — pensava nele, em

John.

Céus! O que pensava!...

John enrubesceu como um adolescente recuou da

parede e arregalou os olhos. Caiu sentado na poltrona,

estarrecido. De repente, irrompeu numa gargalhada.

Era verdade! Não era fantasia e nem coincidência!

Podia captar os pensamentos dos outros, desde que se

concentrasse sobre a pessoa. Não havia mais dúvida.

Mas seria preferível que ninguém soubesse disso. Ao

menos, por enquanto. Teria de alcançar certo grau de

perfeição antes de utilizar sua capacidade num fim

lucrativo.

Esqueceu o noticiário dos jornais, que a maioria dos

leitores não levava a sério. Mas não se esqueceria de uma

coisa: visitar a senhorita Julie no dia seguinte.

* * *

Com Anne Sloane as coisas eram totalmente

diferentes.

Desde os dezoito anos, sabia que não era uma criatura

igual às que geralmente são designadas como normais.

Seu pai, um célebre físico nuclear e que colaborara na

produção das primeiras armas atômicas, nunca a deixara

na incerteza. A mãe ficara exposta a um forte feixe de

radiação três meses antes do parto. De início, não se

percebeu nenhuma consequência, mas, depois que Anne

nasceu, a atenção do professor Sloane concentrou-se

sobre a filha. Quando ela completou nove anos, surgiu o

primeiro desvio. O forte desejo de Anne movimentara um

trem de brinquedo, embora o mesmo não estivesse ligado

à corrente. Sua vontade mostrou-se suficiente para pôr o

trem em movimento. De início, o professor Sloane ficou

assustado, mas acabou compreendendo que a estrutura de

seu cérebro devia ter sofrido alterações em consequência

da radiação. Certas capacidades ociosas do espírito foram

despertadas e desenvolvidas.

Anne Sloane possuía o dom da telecinese.

No curso dos anos, aquilo que fora um simples

pressentimento acabou por transformar-se em certeza.

Mas só quando Anne completou dezoito anos, seu pai

esclareceu-lhe sobre tudo. Anne começou a observar-se

sistematicamente. E sempre descobria variantes novas da

telecinésia. Acabou fugindo para a Europa sob um nome

fictício, a fim de escapar às investigações dos cientistas.

Foi-se aperfeiçoando em silêncio, até que conseguiu

dominar a matéria com a força de sua vontade.

Estava com vinte e seis anos. Voltara a residir com os

pais, em Richmond, na Virgínia. Era respeitada e temida,

mas o Departamento de Estado garantiu sua segurança. E

tinha muitos e bons motivos para isso.

Anne estava deitada na varanda, tomando um banho

de sol, quando os dois cavalheiros de terno cinza tocaram

a campainha e pediram à senhora Sloane que lhes

permitisse falar com sua filha. Não era a primeira vez que

recebiam visitantes desse tipo. Percebia-se que eles eram

do serviço secreto.

Mas, desta vez, havia alguma coisa diferente.

O carro no qual haviam chegado estava estacionado na

ruazinha tranquila, bem diante da casa. Outro carro, com

quatro homens, parou logo atrás. Os rostos eram

inexpressivos, mas os olhos comprimidos e vigilantes

despertariam a atenção de qualquer um. Mantiveram-se

atentos e não desviaram os olhos da casa em que os dois

cavalheiros haviam entrado.

A senhora Sloane notou logo que não se tratava dos

agentes que costumavam aparecer por ali. A segurança

que irradiavam revelava grande dose de poder e

autoridade. Deviam exercer cargos elevados dentro dos

setores de segurança.

— Desejamos falar com a senhorita Sloane — disse

um deles. Um homem de aparência jovem, cujo cabelo

ralo formava uma coroa dourada em torno da calva. As

têmporas embranquecidas reforçavam a impressão de que

se tratava de um homem pacato. — O assunto é muito

importante.

— Posso imaginar — respondeu à senhora Sloane,

que já estava habituada a visitas desse gênero. — Mas

uma missão do governo. Fizemos tudo para escapar a

isso, mas, infelizmente...

— A liberdade do mundo ocidental é mais importante

que a comodidade de um indivíduo — disse o homem em

tom solene. — O assunto é, realmente, de suma

importância.

— Minha filha está na varanda. Venham comigo; eu

os levarei até lá.

O outro visitante parecia mais velho. Mas também

irradiava tamanha benevolência e jovialidade que

qualquer um se sentiria tentado a chamá-lo de tio.

Cumprimentou a senhora Sloane com um amável aceno

de cabeça e seguiu o colega.

Anne levantou os olhos, contrariada, quando a mãe

anunciou os dois cavalheiros. Mas, quando fitou os olhos

amáveis, mas decididos, dos seus visitantes, sua

resistência desvaneceu-se. Seu instinto disse-lhe que não

se tratava de simples agentes.

— Os senhores me deixaram em paz por algum tempo

— disse, apontando para duas cadeiras que se

encontravam junto a uma mesa. — Sentem-se e digam o

que os traz aqui. Mãe será que a senhora pode arranjar um

refresco para os cavalheiros?

Não aguardou nenhuma apresentação, pois seus

visitantes misteriosos sempre se chamavam Smith, Miller

ou Johnson. Muitas vezes, suas faculdades lhe haviam

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permitido prestar bons serviços ao FBI ou à organização

de defesa, por isso, gozava da proteção do governo.

O mais jovem dos dois, que ostentava a coroa de

cabelos dourados, puxou a cadeira e estendeu a mão a

Anne.

— Sou Allan D. Mercant. Não sei se este nome

significa alguma coisa para a senhorita. Sou o chefe do

Conselho Internacional de Defesa. Permita-me que lhe

apresente o coronel Kaats, chefe da Segurança Interna,

um departamento da Polícia Federal.

Anne estreitou os olhos, dando ao rosto uma

expressão de desconfiança.

— É um prazer conhecê-los. Mas acho estranho que

logo os senhores se deem ao incômodo....

— Pelo contrário. Temos um prazer imenso em

conhecer pessoalmente nossa eficiente colaboradora. Já

ouvimos muito a seu respeito. — Mercant sentou de tal

maneira que podia fitar os olhos de Anne. Kaats tomou

lugar bem perto dele. Contemplou a moça com uma

expressão de benevolência. — Provavelmente há de

imaginar que não viemos exclusivamente para conhecê-la.

— É óbvio — confirmou Anne.

— Um grave dever nos obrigou a vir até aqui — disse

Kaats com um sorriso triste. — Precisamos de seu auxílio.

— Era o que eu imaginava — Anne levantou os olhos

para o céu azul. Indagou de si para si se alguma vez

voltaria a ter a vida pacata e despreocupada que tivera na

juventude. — Sou toda, ouvidos.

Mercant pigarreou.

— Prefiro começar do início. Só assim poderá saber o

que aconteceu e compreenderá por que precisamos do seu

auxílio. Não se trata de um caso corriqueiro. Não estamos

atrás de um espião ou de um agente que desejamos

reduzir à inatividade. Estamos em busca da paz para

nosso planeta.

— Como sabem, já fiz uma tentativa...

— Sabemos disso. Procurou obrigar as grandes

potências a destruir seus arsenais nucleares. A tentativa

estava fadada ao fracasso, pois a violência só pode ser

vencida pela violência. Ao menos, há muita gente que

pensa assim. Não conseguiram impedir a guerra, mas

houve quem conseguisse. Sabe a quem me refiro, a Perry

Rhodan.

Ela confirmou com um aceno de cabeça.

— Esta visita tem alguma relação com o mesmo?

— Tem. Já conhece a história do ex-major Perry

Rhodan. Ele comandou a primeira viagem tripulada à

Lua. Foi acompanhado pelos capitães Reginald Bell e

Clark Fletcher e pelo tenente-médico Eric Manoli. Ao

retornar a Terra, a Stardust não pousou em Nevada,

conforme estava previsto, mas no deserto de Gobi. Por

ocasião do pouso na Lua, Rhodan encontrou alguma coisa

que lhe conferiu um poder extraordinário. Nesse meio

tempo, soubemos que se tratava de uma nave espacial

extraterrena, que estava pousada em nosso satélite natural

e dispunha de recursos técnicos inconcebíveis. Quando a

guerra entre o Ocidente e o Oriente estava prestes a

irromper, Rhodan intrometeu-se em nome de uma terceira

potência e impediu que as duas partes se exterminassem

mutuamente. É um ato louvável, não há como negar isso.

Por outro lado, porém, essa demonstração de força

representa uma terrível ameaça. Imagine só, senhorita

Sloane: em alguma parte do mundo existe um centro de

poder que a qualquer momento pode destruir todas as

nações da Terra. Hoje, Perry Rhodan está em condições

de impor sua vontade a todos os homens. Com o auxílio

dos seres extraterrenos, quase conseguiu frustrar as

expedições lunares que após isso foram lançadas por nós

e pela Federação Asiática. Isso quer dizer que o seu poder

já se estende pelo espaço cósmico. No deserto de Gobi

formou-se uma área de poderio tão forte que não pode ser

concebido nem por nossa imaginação. Armas e naves

espaciais são produzidas sem que ninguém o possa

impedir. As instalações são cobertas por uma cúpula

energética invisível que resiste até a um ataque atômico.

Sabem manipular a força da gravidade e, a pequena

distância chega até a dominar a vontade humana.

Calou-se, encarando Anne numa atitude de

expectativa.

— Concordo em que é uma situação extraordinária —

respondeu a moça — talvez penosa, mas não chega a ser

ameaçadora. Por que Perry Rhodan representaria um

perigo para nosso mundo? Sua intervenção não prova que

ele deseja evitar a guerra?

— A senhorita conhece os seus motivos? —

respondeu Mercant. — Ninguém sabe o que se passa no

Gobi. Até hoje, nenhum agente conseguiu penetrar na

base. Rhodan recusa qualquer esclarecimento.

Sua atuação traz, ao menos, uma vantagem: a guerra

entre o Ocidente e o Oriente foi transformada em fantasia.

Até mesmo os inimigos mais encarniçados costumam

unir-se quando surge um adversário mais poderoso.

Estamos colaborando com os serviços secretos da

Federação Asiática e do Bloco Oriental, infelizmente sem

o menor êxito. Por isso, pensamos em recorrer à

senhorita.

— O que querem que eu faça? — perguntou Anne. —

Como sabem, minhas faculdades são limitadas. Além

disso, não tenho a menor ideia do comportamento de uma

muralha energética; não sei se a mesma deixará passar

radiações cerebrais. E isso seria necessário para realizar

qualquer ato telecinético. Além disso, não sei como

poderia agir.

— E claro que lhe forneceremos instruções completas

— apressou-se Mercant a declarar, pois via nas palavras

da moça um princípio de consentimento. — Já

elaboramos um plano detalhado para sua atuação. O

objetivo final consiste em reduzir Rhodan à inatividade e

pôr as mãos nos instrumentos do seu poder.

— Por quê? Ele não lhes fez nada! Afinal, Rhodan é

americano, não é?

— Foi americano — interveio Kaats. — Foi privado

de todos os seus direitos. Perry Rhodan é agora, um

inimigo da humanidade.

Anne voltou a contemplar o céu. O sol andara mais

um pedaço, aproximando-se da copa de uma árvore.

Logo, a sombra seria projetada sobre a varanda.

— Um inimigo da humanidade? — disse. — Sempre

imaginei que isso fosse outro tipo de pessoa, não alguém

que impediu uma guerra nuclear.

Mercant ficou nervoso.

— Ouça senhorita Sloane, a decisão a este respeito

deve ficar por nossa conta. Sabemos mais que a senhorita.

Rhodan pretende lançar mão não apenas do poderio

militar, mas também de todo o potencial das indústrias da

Terra. Seus recursos já ultrapassam tudo que conseguimos

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123

imaginar. Eles seriam suficientes para abalar os

fundamentos econômicos de nossa existência.

— Isso é formidável — ironizou a moça. — Gostaria

tanto de travar conhecimento com esse Rhodan. Por isso

estou interessada em ouvir o que os senhores têm a me

dizer.

— Terá oportunidade de conhecê-lo, se estiver

disposta a ajudar-nos — prometeu Mercant. — Rhodan e

seus aliados estão à procura de amigos e colaboradores. A

senhorita se oferecerá.

Anne ficou perplexa.

— Ah, é? Será possível que o inimigo mundial

número um esteja à procura de amigos? Como poderá

fazer uma coisa dessas?

— Às claras! Quem o impediria? Ninguém sabe para

onde viaja o vizinho que arruma as malas. O Dr. Haggard

foi sequestrado na Austrália. Está trabalhando para

Rhodan. Tentamos introduzir agentes nossos na base, mas

foram descobertos. Talvez a senhorita tenha mais sorte.

— Tenho minhas dúvidas. — Anne sacudiu a cabeça.

— Dificilmente serei mais bem sucedida que seus agentes

que, afinal, dispõem de mais experiência que eu.

— É justamente porque dispõe de menos experiência

que terá êxito. Nossos agentes são muito desconfiados e

reagem de acordo com esse estado de espírito. Além

disso, a senhorita é uma mulher.

— Sem dúvida — confirmou rindo. — O que é que

uma coisa tem que ver com a outra?

— Tem muita coisa. Um dos membros da tripulação

da Stardust, o capitão Fletcher, quis voltar para os Estados

Unidos. Rhodan aplicou-lhe um bloqueio hipnótico que

provocou uma amnésia artificial. Infelizmente Fletcher

sofreu um derrame cerebral ao ser interrogado pelas

autoridades australianas. A viúva faleceu algumas

semanas depois, ao dar à luz o primeiro filho. Sua morte

vem sendo mantida em segredo. Mas temos seus

documentos e uma fotografia. Olhe senhorita Sloane.

Mercant tirou a carteira e pegou uma fotografia do

tamanho de um cartão postal. Anne segurou-a, hesitante, e

examinou-a. Viu uma mulher esbelta, morena, que não

teria mais de vinte e cinco anos. Não notou nada de

especial, a não ser certa semelhança com alguém que

conhecia muito bem.

— Parece com a senhorita, não é?

Kaats proferiu a pergunta em tom de expectativa.

Agora, Anne também estava percebendo. Havia uma

semelhança remota, nada mais.

— Ninguém pensaria em confundir-me com ela, se é

isso que quer dizer. Não acredito que possa desempenhar

o papel dessa mulher.

— Isso não é tão importante — disse Mercant. —

Nem Rhodan, nem Bell e nem Manoli conheciam a

senhora Fletcher, mas pode ser que já tenham visto uma

fotografia dela. Por isso, a pequena semelhança é tão

importante. A senhorita tentará penetrar na base, fazendo-

se passar pela senhora Fletcher.

— Não creio que dê certo. Acho que Rhodan não cairá

num truque desses — disse Anne.

— Ele cairá. Vai compreender que a viúva de Fletcher

tem interesse em entrar em contato com ele para saber os

motivos de sua morte. Uma vez no interior da cúpula,

poderá valer-se de suas faculdades. Acredito que nem

mesmo os arcônidas conhecerão qualquer recurso contra

isso. Pelo menos, esperamos que não conheçam.

— Os arcônidas?

— Isso mesmo. São os seres estranhos que realizaram

um pouso forçado na Lua. Vêm de um sistema solar que

distam trinta e quatro mil anos-luz do nosso. Parece

inacreditável, não é? Mais exatamente, eles vêm do grupo

estelar M-13-NGC-6205.

— Nesse caso, se eles vêm mesmo de uma estrela

distante, os recursos inconcebíveis de que dispõem se

tornariam compreensíveis. Receio que minhas faculdades

limitadas não os impressionarão.

— Esperemos. De qualquer maneira, noto que está

demonstrando certo interesse pela tarefa. Portanto, tenho

motivo para supor que aceita.

— Não me resta alternativas. Além disso, para ser

franca, o assunto realmente me interessa.

Mercant remexeu o bolso.

— Aqui estão suas instruções. Estão acompanhadas de

um mapa aerofotogramétrico da área. Antes de partir, fará

um curso intensivo de psicologia.

Subitamente, Anne sentiu frio. Olhou para o alto e viu

que o sol estava encoberto pelos galhos da árvore.

Levantou-se.

— Vamos entrar. Estou com frio. Os senhores podem

explicar todos os detalhes com um copo de uísque.

Enquanto caminhava à frente dos dois homens, teve,

de repente, a impressão de que iria lançar-se a uma tarefa

que ultrapassava suas forças. Perry Rhodan, o astronauta

festejado, merecera sua admiração irrestrita quando se

lançou à aventura no cosmos. Não compreendera muito

do que ocorreu depois; só sabia que ele não era nenhum

traidor, muito menos um criminoso, embora tivesse o

mundo contra si. E agora, ela também o combateria.

De repente, não se sentiu mais tão segura de que o

faria.

***

Ao contrário de Anne Sloane, Ras Tchubai não

suspeitava de nada. Nascera em El Obeid, um lugarejo do

Sudão, estudou na índia e vivia há dois anos em Moscou,

a metrópole do Bloco Oriental. Trabalhava num

laboratório de pesquisa científica que se dedicava à

produção de um soro destinado a prolongar a vida.

Na qualidade de químico, participou de uma

expedição pelo interior da África, onde existia certa

qualidade de abelhas selvagens, cuja geleia real, rica em

hormônios, era imprescindível à produção do soro.

Há várias semanas, a expedição vagava pelas florestas

que cercam as nascentes do Congo, longe da civilização e

sem possibilidades de reaprovisionamento. O contato pelo

rádio fora interrompido em virtude de uma pane no

transmissor-receptor. Os carregadores nativos haviam-se

demitido um por um, à sua maneira, mergulhando na

escuridão da floresta.

A situação era desesperadora. Justamente na época da

tecnologia avançada, qualquer retorno às condições

primitivas de existência significava a morte certa. Os dois

russos, o alemão e o africano Ras Tchubai estavam presos

em meio à imensidão da mata virgem, cercados por um

ambiente selvagem e hostil e longe de qualquer auxílio.

Até parecia ironia quando o ruído dos jatos soava por

cima das copas das árvores; encontravam-se a poucos

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124

quilômetros de distância, mas, assim mesmo, estavam

fora do seu alcance.

Os mantimentos escassearam. E os remédios também.

O chefe da expedição suspirou.

— O diabo que carregue essas abelhas milagrosas!

Dizem que prolongam a vida. Para isso, não precisamos

de abelhas, mas de algumas latas de conservas e muita

sorte. Ras, você é o único que tem algum conhecimento

desta terra. Se existe alguém que possa nos ajudar, este

alguém é você.

Estavam sentados diante da barraca, junto à fogueira

que soltava uma fumaça insuportável. Só havia lenha

úmida, pois o sol nunca penetrava até ali.

— Só nasci na África, mas vivi na índia e em Moscou.

— Seus pais viveram aqui e seus avós também.

Transmitiram-lhe seu saber e seus instintos. Só você está

em condições de achar um caminho em meio a este

labirinto. Há dias tentamos em vão encontrar ao menos

uma aldeia. Já não temos força para prosseguir na luta.

Um de nós tem de seguir sozinho... e é você, Ras.

Ras assustou-se. Era verdade que seus avós haviam

lutado por sua independência enfrentando os brancos; até

seus pais o fizeram. Viveram nas estepes infinitas e nas

matas impenetráveis, alimentando-se de caça. Mas uma

geração os separava. Qual era o conhecimento que tinha

dos perigos da selva? Nenhum; ao menos, praticamente

nenhum. Sacudiu a cabeça.

— É inútil, tenho certeza. Nunca encontrarei o

caminho sozinho. Nem sabemos se nesta selva ainda vive

alguém, alguma tribo. Os nativos costumavam habitar as

estepes e as zonas costeiras. Mesmo as tribos mais

primitivas sentiram-se atraídas pela civilização. A mata

virgem foi abandonada. Os animais tomaram posse da

área. Como é que eu, sozinho, poderei encontrar o

caminho que nos levará de volta à civilização?

Enquanto falava, um quadro do passado distante

surgiu em sua mente. Nas grandes estepes do Sudão havia

um oásis no qual se formou uma aldeia que se

transformou numa verdadeira cidade: El Obeid. Era o

lugar em que seus pais viveram e onde ele tinha nascido.

Ali passara os dias despreocupados da infância e a

juventude. A escola e seus velhos professores, que

evocavam travessuras quando se pensava neles. O velho

chefe que costumava sentar-se sob o pé de fruta-pão junto

ao lago para contar histórias às crianças. Como Ras se

lembrava. Até parecia que tinha sido no dia anterior. E

seus pais...

— O instinto, Ras! — disse o chefe da expedição,

arrancando-o dos seus sonhos. — Não é só a bússola que

resolve, mas, também, o instinto. Não se esqueça de que

seus pais ainda eram selvagens na infância. A civilização

que você ostenta, não passa de uma fina camada que pode

ser removida a qualquer momento. Desculpe se essas

palavras parecem duras ou grosseiras, mas elas exprimem

a pura verdade. Só algumas gerações fazem com que essa

camada se torne mais espessa e resistente. Você pertence

à primeira geração. Se um de nós tem chance de

sobreviver, é você. Logo, é você que tem maiores

possibilidades de conseguir auxílio.

Os olhos de Ras vagaram de um companheiro para

outro. O alemão estava agachado junto ao fogo; parecia

sentir frio, embora o tempo fosse quente e abafado.

Enxugava as botas e os pés, atingidos pela umidade do

pântano. Um dos russos estava sentado num tronco podre,

olhando para o chão com expressão sombria. Tinha a

espingarda ao seu lado, mas só lhe restavam dois

cartuchos. O chefe da expedição encarou Ras numa

atitude de expectativa. O estudante de química suspirou.

— O chefe é o senhor. Se quiser, tentarei, mas não

sei...

— Você conseguirá. Tome uma espingarda e cinco

balas. Ficaremos com dez para caçar. Além disso, levará

sua cota de medicamentos. Não é muita coisa, mas servirá

para o caso de um ataque. Há água em abundância, mas

você terá de caçar.

— Quer dizer que não receberei mantimentos?

— Não. Os mantimentos estão muito escassos. Sinto

muito, mas não vejo alternativas. Você partirá hoje.

Ras sabia que não adiantaria argumentar. Submeteu-se

à ordem e despediu-se dos companheiros. Afastou-se a

passos firmes e penetrou na mata. Os galhos fecharam-se

atrás dele, separando-o dos amigos que permaneciam

imóveis na pequena clareira, seguindo-o com os olhos.

No início, as coisas não foram tão ruins como ele

esperava. Encontrou uma trilha formada pelas pisadas dos

animais e seguiu por ela em direção a oeste. Se

continuasse a andar uns mil quilômetros nessa direção

chegaria à costa, pensou amargamente. Acontece que na

velocidade que ele andava isso levaria semanas ou meses.

Era inútil. Mas o que podia fazer? Talvez o acaso viesse

em seu auxílio, fazendo-o encontrar uma tribo de

nômades ou pigmeus. Ou então...

El Obeid!

Se tivesse ficado lá, sem dúvida estaria vivendo bem.

É verdade que não teria estudado no exterior, mas

contaria com os recursos do local e talvez chegasse a ser

professor. O certo é que teria a chance de uma vida longa.

Talvez seus pais ainda estivessem vivos. E sua irmã, por

certo, ainda estaria residindo, só, na velha casa que lhes

pertencia. Fazia muito tempo que não a via.

Cuidado!

Foi apenas um macaco que, em meio à folhagem,

havia descoberto o andarilho solitário e exprimia sua

admiração. Sua tagarelice provocou um eco bastante

animado. Ras pensou em abatê-lo com um tiro, mas ainda

não estava com fome, embora naquele dia não tivesse

comido quase nada. Prosseguiu a passos largos.

A escuridão veio depressa. Decidiu que, em hipótese

alguma, pernoitaria no solo. Teria de encontrar uma

árvore cujo primeiro galho pudesse atingir com a mão.

Não era fácil. Quando a escuridão estava quase completa,

descobriu um gigante tombado, que abrira uma brecha na

vegetação. Correu pelo tronco e atingiu um galho

bifurcado, por onde atingiu os numerosos caminhos que

conduziam a um novo reino, ainda desconhecido. Um

emaranhado de galhos formava uma cobertura situada a

mais de vinte metros do solo.

Não foi difícil encontrar um lugar para repousar. Um

tipo de caverna dava proteção contra o vento e fornecia

uma cobertura nas costas. Desenrolou a coberta que trazia

no ombro e estendeu-a. Encostou a espingarda num canto.

Continuava sem fome, mas, em compensação, sentia-se

muito cansado. Deitou na depressão formada pelos

galhos, prestou atenção, por um instante, aos ruídos da

selva e adormeceu.

Sonhou. E, por uma coincidência estranha, seus

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sonhos fizeram-no tornar mais uma vez ao lugar em que

passara a infância. Percebeu tudo com tamanha nitidez

que nem parecia sonho, mas realidade. O velho chefe

contava as histórias dos dias em que ainda andava pelas

estepes de arco e lança, para combater os guerreiros

inimigos. A irmã foi ao poço com um jarro. Os pais...

Ras despertou subitamente. Ouvira um ruído que não

pertencia ao concerto noturno.

De início, o tronco estremecera ligeiramente, como se

alguém tivesse saltado sobre ele, de um ponto situado

pouco acima. Seguiu-se um tatear, como se alguém se

aproximasse. Alguma coisa se arrastava sobre a madeira.

Ras ergueu-se e procurou a arma. A mão percorreu o

espaço; não a encontrou logo. Quando tocou nela, porém,

fê-lo do lado errado. O leve contato bastou para derrubá-

la. Antes que Ras pudesse segurá-la, caiu sobre a beirada

da pequena plataforma e despencou para o solo. Bateu

várias vezes nos galhos e folhas até que se ouviu um

baque surdo. E foi só.

O silêncio retornou.

Ras tremia de medo. O pavor gerado pela superstição

tomou conta dele. Voltou a ouvir o tatear arrastado.

Tornara-se mais forte.

E, então, seu coração pareceu parar por um momento:

viu duas luzes um pouco à frente, não estavam longe.

Devia ser um gato-do-mato que o seguira pelo faro.

Ras sabia que estava perdido. Sua arma estava no

solo, lá embaixo. A faca era tão pequena que não serviria

para nada. Com ela, jamais conseguiria defender-se de

uma fera perigosa. Mesmo assim, retirou-a do cinto.

O par de olhos fitava-o na escuridão, a menos de três

metros de distância. Ras chegou a pensar que sentia o

cheiro nauseabundo da respiração do animal. Ficou

sentado, recostou-se contra o tronco... e esperou.

À esquerda ouviu-se um chiado. O par de olhos sumiu

de repente. A fera saltara sobre o rival. Ras não via nada,

mas imaginava o desenrolar da luta que se travava na

escuridão, a poucos metros de distância. Os animais

lutavam pela presa... Por ele.

O vencedor não demoraria a atacá-lo. Mas restavam

alguns minutos para se preparar. Embora soubesse

perfeitamente que não adiantaria muito. Ainda assim, sua

mão apertou a faca.

O barulho da luta afastou-se um pouco, mas tornou-se

mais forte e selvagem. As garras, ao penetrarem na

madeira, provocavam um ruído martirizante que sacudia

Ras até a medula dos ossos. E então, de repente e sem que

o esperasse, o silêncio retornou. Mas apenas por uma

fração de segundo. Logo, Ras ouviu os galhos que se

quebravam e o embate surdo de um corpo. Um dos

animais perdera o equilíbrio e caíra. A luta havia chegado

ao fim.

A segunda luta logo começaria.

Voltou a enxergar os olhos cintilantes, desta vez a

uma distância um pouco maior. Eles se moviam em sua

direção.

Que diabo! Por que se metera nessa aventura? Como é

que o chefe da expedição podia ordenar-lhe que

caminhasse sozinho pela mata virgem? Por que tivera a

maldita ideia de emigrar para Moscou? Por que se meteu

a estudar? Devia ter ficado em El Obeid, com os pais e a

irmã.

Santo Deus, a irmã! Era o único parente que ainda

estava vivo. Sempre gostara dela. A casa...

Esqueceu a fera que se aproximava. Se tivesse que

morrer, que ao menos o último pensamento fosse para sua

terra amada, para a irmã querida.

Viu-a diante de si, na saleta que dava para a rua

principal. Estava sentada à mesa e, num pilão, amassava o

cereal até transformá-lo em farinha. Ele mesmo estava

parado junto à porta, foi pelo menos a posição em que se

colocaram por ocasião da última visita, dois anos atrás. A

irmã não fora avisada de que ele iria e, de início, nem o

reconhecera. Mas depois...

Daria tudo para que, nesse instante, pudesse estar

junto dela, na velha casa, onde estaria seguro. Todo o seu

ser ansiou por isso. Não pôde conceber qualquer outra

ideia. Até se esquecera da fera...

***

A irmã estava sentada à mesa, mas não amassava

cereal. Folheava um maço de cartas velhas guardadas

numa caixa. Mas o Ras que viu diante de si era uma

pessoa estranha, que não conhecia. Era um homem

esfarrapado, de faca em punho...

— Ras? O que houve com você? Essa faca...

O estudante estava petrificado. Os olhos arregalados

fitavam a irmã. Aos poucos foi baixando a mão com a

faca, deixando-a cair ao solo.

— Meu irmão! O que houve com você?

Ras respirava com dificuldade. Olhou em torno, sem

compreender como viera parar ali. Há um segundo estava

na selva, a mais de dois mil quilômetros dali, sentado

numa árvore, com a morte se aproximando.

E agora...

El Obeid. A casa paterna. A irmã.

— Sara! É você? Estou mesmo aqui?

— Claro que você está aqui! Mas como está! Fugiu de

alguém? Santo Deus! Até parece que escapou da prisão.

— Quem sabe se não escapei mesmo — murmurou

com a voz trêmula. — De uma prisão espiritual. De uma

prisão construída por nosso cérebro. Mas não é possível!

Por que justamente eu?

— O que está dizendo? Não consigo compreender.

— Sara, eu também não. Mas o fato é que não sei

como vim parar aqui. Eu estava participando de uma

expedição... A expedição!

De repente, lembrou-se da missão que lhe fora

confiada. Ele saíra para procurar auxílio. Mas encontrava-

se a dois mil quilômetros de distância. Bem, aquilo não

seria problema. Se conhecesse a posição exata em que se

encontravam, um avião poderia localizá-los.

— Escute, Sara. Meus amigos estão em perigo.

Deixei-os hoje pelo meio-dia, lá no Congo.

A irmã encarou-o com uma expressão de dúvida. Ras

estava febril, não havia a menor dúvida. Teria de levá-lo a

um médico, e já.

— Há mantimentos nessa casa? — perguntou Ras com

voz firme. — Embrulhe tudo, rápido!

Dez minutos depois, segurava o embrulho nas mãos.

— Vire-se Sara. Dentro de uma hora estarei de volta.

Você tem de acreditar em mim. Vou...

A irmã correu para junto da porta e trancou-a. Enfiou

a chave no bolso do avental.

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— Você vai ficar aqui, Ras! Seja o que for que você

pretende fazer, antes de tudo você vai esperar pelo Dr.

Schwarz. Já mandei chamá-lo. Ele o examinará e...

Calou-se.

Só se virará por um instante para fechar a janela.

Quando voltou a olhar para o lugar em que Ras estivera,

não havia mais ninguém...

* * *

Existe um quarto caso que merece ser registrado.

Trata-se da ocorrência mais misteriosa e inconcebível,

pois diz respeito a uma área da parapsicologia da qual até

então ninguém suspeitara. Nenhum homem jamais tinha

pensado seriamente nessa possibilidade...

O fato deu-se na Alemanha. Todas as sextas-feiras,

alguns artistas jovens do Schwabing, bairro boêmio de

Munique, costumavam encontrar-se na residência do

escritor Ernst Ellert. Cada um participava da despesa sob

a forma de uma garrafa de bebida ou um pacote de

linguiça. Isso lhes dava a sensação tranquilizadora de que

não pesariam em demasia sobre o bolso mirrado do

artista.

Naquele dia, mais uma reunião tinha lugar.

Eles festejavam o aniversário de Johnny, um pintor

imbuído de uma criatividade incrível. Mesmo numa

oportunidade como aquela, não podia abster-se de lançar,

ao menos, alguns esboços sobre o colorido papel de

parede. Ellert já desistira de repreendê-lo por isso. Sempre

que o fazia, ouvia falar de um “efeito inibidor ignóbil”;

uma frase que, aos seus ouvidos, soava como as iras do

inferno.

Heinrich Lothar chegou um pouco atrasado, como

sempre. Ninguém saberia dizer de que vivia. Dizia-se que

fotografava modelos para revistas e, eventualmente, fazia

traduções. Isso não o impedia, porém, de toda vez que

cumprimentava alguém, cochichar, discretamente ao seu

ouvido:

— Escute, será que você pode me emprestar cinco

marcos até amanhã?

Para sua infelicidade, esse apelo cordial só terá êxito

uma vez. Ellert se comovera e, é claro, nunca mais viu os

cincos marcos.

O quarto elemento veio na pessoa de Aarn Munro,

editor de uma revista minúscula que ninguém lia. É claro

que seu verdadeiro nome não era Aarn Munro. Mas ele

gostava de ser chamado pelo nome de um famoso herói de

aventuras de ficção científica que muito lera e admirara

em sua juventude. Como não conseguia viver apenas de

sua revista, exercia uma profissão burocrática que não

gostava de mencionar. Preferia passar por artista e, como

soubesse fazer desenhos bem bonitos, todos o

reconheciam como tal.

Finalmente, havia Frettel, outro homem bastante

inteligente para encarar a arte como ocupação principal.

Frettel era cantor, conferencista, empresário, diretor,

humorista, mecenas e, como se não bastasse, médico.

— Acho que todos sabem qual é o tema dessa noite —

disse o anfitrião, tirando um cigarro do maço de Aarn

enquanto este estava distraído. — Na última sexta-feira,

Frettel aludiu a certas ocorrências estranhas, que se teriam

desenrolado em Londres. Não encontramos qualquer

explicação plausível. Lothar acha que se trata de uma das

chamadas paraciências das quais, para dizer a verdade,

não entendo nada, motivo por que não ponho muita fé

nelas. Até ontem, esse era o meu ponto de vista.

Lothar pegou as azeitonas que Aarn havia trazido.

Num gesto quase automático, derramou o conteúdo de um

pequeno cálice em sua boca enorme, mastigando

prazerosamente.

— Até ontem? — disse ainda ocupado com a

mastigação. — Por quê?

— Porque mudei de opinião — respondeu Ellert,

procurando apoderar-se de uma azeitona, sem consegui-

lo. — Afinal, um artista pode mudar de opinião quantas

vezes ele quiser.

— Nossa opinião é a única que podemos modificar —

disse Frettel em tom filosófico. — A não ser,

provavelmente, as cifras das nossas contas de honorários.

— Você é médico — lembrou Ellert. — Com um

escritor, as coisas não são tão simples. Nossos editores...

— Nossos editores são as caixas de providência —

disse Frettel era tom ambíguo. Acendeu

cerimoniosamente seu longo cachimbo, como se receasse

ter falado demais. — Elas trabalham com tabelas

preestabelecidas.

Aarn não tinha o menor interesse no debate. Não

costumava pagar direitos autorais, pois os escritores

sentiam-se felizes em ver seus nomes impressos na

pequenina revista. Por isso, interrompeu abruptamente a

conversa:

— Por que você modificou de ontem para hoje a sua

opinião sobre a parapsicologia, Ernst?

Ellert sentiu-se feliz por não mais precisar falar sobre

dinheiro, do qual possuía muito pouco.

— Porque ontem me aconteceu uma coisa muito

estranha.

— O quê? — perguntou Johnny, enquanto se

esforçava para colocar a garrafa de uísque em segurança,

antes que ela ficasse totalmente vazia. — Talvez isso me

proporcione alguma inspiração.

— Não creio — respondeu Ellert, piscando os olhos.

Mas, logo, voltou a assumir um ar sério. — Muito bem!

Vou lhes contar uma história muito interessante, mas sei

de antemão que ninguém acreditará nela.

Esperou que seus hóspedes tivessem assumido uma

posição mais confortável e acendido seus cigarros.

Depois, perguntou:

— O que acham de uma viagem no tempo?

A perplexidade foi geral. Depois de alguns segundos,

Aarn resmungou:

— É seu hobby, não é? Você já escreveu a respeito e

as pessoas sensatas não lhe deram atenção. Se quiser

saber a minha opinião, acho que não passa de fantasia.

Os outros concordaram com um movimento de

cabeça. Ellert suspirou.

— Não esperava outra coisa. De qualquer maneira,

ouçam minha história. Como sabem, tenho-me ocupado

desse problema e acho perfeitamente possível que alguém

realize uma viagem no tempo, em sentido espiritual. Um

sonho pode ser uma viagem desse tipo, desde que nos

transporte para o passado ou para o futuro distante. Até

mesmo a recordação de fatos passados representa uma

viagem dessas, se bem que bastante restrita. Como veem a

ideia de uma viagem no tempo não é tão absurda assim.

— Um momento! — objetou Frettel. — Isso é uma

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tolice rematada. O que é que essas atividades mentais têm

que ver com uma viagem no tempo? Para mim, esta

consiste na trasladação do corpo de um homem para o

passado ou para o futuro. Toda minha pessoa deve se

encontrar num segmento diferente do tempo. Só assim

poderei falar em uma viagem.

— Perfeitamente — confirmou Ellert para surpresa do

interlocutor. — Sou da mesma opinião, muito embora

tenha registrado a outra possibilidade. É que a mesma

constitui um dos pressupostos. Para resumir: às vezes,

passo a noite acordado refletindo sobre a possibilidade de

lançar um olhar para o futuro. Gostaria de fazê-lo até em

espírito, mesmo que não conseguisse situar minha pessoa

neste futuro. Vivo quebrando a cabeça sobre as relações

existentes entre o sonho, a fantasia e o desejo, sobre as

possibilidades hipotéticas da teleportação corporal e da

teleportação temporal, se é que podemos usar esta

expressão. Se existe a possibilidade de transportar o corpo

e o espírito a outro lugar do espaço, também deve ser

possível transportá-lo para outro ponto no tempo.

— Espere aí, rapaz — disse Jonny sem tirar a mão da

garrafa. — Quem sabe se você tem uma capacidade

extraordinária de tornar verossímeis as coisas

impossíveis.

— Grande coisa! — resmungou Frettel. — Ele é pago

para isso.

Ellert esperou que a excitação amainasse. Parecia

muito seguro de si. Quem o conhecesse, sabia que ainda

tinha algumas surpresas para oferecer.

— A coisa está começando a ficar interessante —

disse Lothar, em tom mordaz.

— Continue! — pediu Aarn. Um brilho curioso surgiu

em seus olhos.

Ellert fez que sim.

— Estou interessado no futuro, por isso dedico todos

os meus pensamentos a ele. Foi o que aconteceu ontem.

Ninguém sabe o que será o amanhã; ninguém sabe se

amanhã ainda existiremos. No ano passado, por duas ou

três vezes escapamos por pouco do fim do mundo. Uma

guerra nuclear e estaremos liquidados. Todo o mundo

sabe disso. Se o tal do Rhodan não tivesse interferido,

hoje não nos encontraríamos nesta reunião agradável.

Apesar disso, consideram-no inimigo. Para mim, não há

nenhuma lógica nisso. Pois bem, ontem à noite,

concentrei meus pensamentos no futuro, a tal ponto que,

de repente, julguei encontrar-me em meio a ele. Queria

saber de qualquer maneira o que aconteceria daqui a dois

anos. Queria saber e, de repente, soube.

— O quê? — exclamou Jonny.

Com o susto, ele soltou a garrafa, do que se aproveitou

Aarn de imediato.

— Você soube? Conte!

— Enquanto meus pensamentos se agarraram ao

problema, senti que uma modificação se processava

dentro de mim. Não tive tempo de definir o que estava

acontecendo; foi muito rápido. Meu quarto ficou escuro.

Por alguns segundos — talvez tenha sido uma eternidade

— flutuei numa escuridão total. De súbito, a claridade

voltou a surgir em torno de mim. O sol iluminava o

quarto. Eu estava sentado na cama. O dia chegou num

segundo.

— Você devia estar bêbedo — conjeturou Jonny.

Ellert sacudiu a cabeça.

— Espere meu caro, a história ainda não terminou. Era

dia e o sol brilhava. Lenvantei-me e lancei os olhos

admirados em torno de mim. No início, pensei que

adormecera com minhas reflexões e que já era manhã.

Teria de levantar-me. Mas reparei que dois quadros que

costumavam ficar pendurados na parede não mais

estavam em seus lugares. Eram quadros de sua autoria,

Jonny. No lugar deles, havia dois outros que traziam a

assinatura de Aarn...

— Nunca pintei quadros desse tamanho — objetou

Aarn.

— Pois é isso! — confirmou Ellert. — Isso já é uma

prova. Acontece que você vai pintar quadros desse

tamanho. Possivelmente para as editoras. E um belo dia,

dentro de pouco tempo, você me dará dois deles. Os que

avistei, ontem.

— Ficou louco — cochichou Lothar a Frettel, seu

vizinho de mesa. — Você devia examiná-lo.

— Costumo consertar apêndices, mas não um espírito

avariado — retrucou o médico.

Ellert não se perturbou com a observação.

— No início, não compreendi. Olhei os quadros, que,

aliás, são formidáveis, Aarn, e fui andando. Parei diante

da folhinha onde anoto os compromissos de todos os dias.

No dia de hoje, por exemplo, consta: Aarn Jonny, Lothar

e Frettel. Isso significa que vocês me honrariam com sua

visita. Pois bem. Olho para a folhinha. O que acham que

vejo?

— Não faço a menor ideia — resmungou Lothar. —

Fale logo!

— Vejo a data. Eu tinha avançado dois anos no tempo.

Jonny riu. Voltou a segurar a garrafa, sorveu um

grande gole e passou-a adiante. Riu até que as lágrimas

lhe rolaram face abaixo. Em vão tentou dizer alguma

coisa.

Frettel não riu.

— O que você acaba de contar é verdade? —

perguntou. — Explique! O que aconteceu?

— É simples: meu desejo muito forte transportou-me

para o futuro. Um futuro que fica a mais de dois anos.

Mas, e isso é o mais estranho, meu corpo não foi

transportado. No início, pensei que tivesse sido, mas

percebi, de repente, que uma vontade estranha lutava

contra a minha. Essa vontade também era minha,

conforme perceberia logo. Só meu espírito havia chegado

ao futuro, penetrando no corpo de um Ernst Ellert que já

era dois anos, mais velho. E, com os olhos dele, vi e vivi

o tempo que ainda se encontra diante de mim. Participei

de recordações. Mas não consegui impor-lhe minha

vontade. De qualquer maneira, sabia que na noite daquele

dia teríamos a nossa reunião costumeira. É bem verdade

que, segundo as informações da folhinha, tratava-se de

uma exceção. A exceção era eu. Estava de férias e, só

assim, pudemos realizar a reunião.

— Férias? — espantou-se Jonny, que nunca ouvira

essa palavra.

— Isso já é outra história — retrucou Ellert. — De

qualquer maneira, posso tranquiliza-los. Daqui a dois

anos ainda estaremos vivos. Não terá havido nenhuma

guerra, mas, acredito piamente que grandes mudanças

ocorrerão.

— Já sei o que aconteceu com ele — interrompeu

Lothar em tom triunfante. — Tornou-se um adivinho.

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128

— Talvez existam relações de que nem suspeitamos

— disse Ellert sem se perturbar. — Vejo que não

acreditam na minha história...

— É claro que não acreditamos — disse Frettel,

sorrindo. — Mas é muito divertida. Estou esperando pelo

ponto culminante.

— O ponto culminante?

— É claro! O ponto culminante. O desfecho! Cadê o

desfecho?

— Esta história não tem ponto culminante e nem

desfecho. Acontece que é verdadeira. Querem uma prova?

— Seria muita gentileza de sua parte — concordou

Lothar.

Frettel e os outros confirmaram com um aceno de

cabeça. Todos pareciam muito interessados.

— Agora, tentarei visitar nossa próxima reunião.

Daqui a pouco lhes direi o que acontecerá de hoje a uma

semana, ou melhor, o que terá acontecido no meio tempo.

De hoje a uma semana vocês contarão. Ouvirei a palestra

sob a forma de um Ellert que tem mais uma semana de

idade. Logo voltarei para contar. No correr da próxima

semana vocês passarão por aquilo que eu lhes disser.

Estão de acordo?

— Naturalmente — Frettel sorria. — Enquanto seu

espírito estiver vagando pelo futuro, examinarei seu

corpo. Quem sabe se não constato uma diferença, com o

que você terá mais uma prova?

— Não acredito que note qualquer diferença — disse

Aarn, irônico.

Ellert não se interessou pela discussão que teve início

naquele momento. Reclinou-se na poltrona e fechou os

olhos. Não se movia. Sua respiração era lenta e regular.

Frettel aguardou alguma modificação, mas nada ocorreu.

Depois de algum tempo, impacientou-se. Tocou o peito de

Ellert.

— Já começou?

Ellert não respondeu. Dormia. E não conseguiram

despertá-lo. Todas as tentativas falharam. Frettel

examinou o pulso e as outras funções orgânicas. Estas não

se distinguiam das de qualquer homem adormecido.

Apenas, o sono de Ellert era mais profundo que qualquer

outro já presenciado pelo médico.

— Já faz cinco minutos — disse, olhando para o

relógio.

Jonny também ficou sério. Olhou para Aarn e Lothar.

— Vocês acham que há algo de verdadeiro no que ele

acaba de contar?

Todos deram de ombros.

De repente, Ellert abriu os olhos. Depois de olhar em

torno por um segundo, com uma expressão perturbada,

pareceu lembrar-se. Um sorriso débil esboçou-se em seu

rosto.

— Então? — insistiu Aarn. — O que houve?

— Passei uma semana no futuro — murmurou Ellert

com uma expressão resignada. — Exatamente uma

semana, a contar de hoje. Foram cinco minutos.

Infelizmente não lhes posso dizer o que acontecerá com

vocês, pois não os encontrei. Na próxima sexta-feira não

nos encontraremos, porque não estarei aqui. Encontrei

meu corpo com mais oito dias de idade. Mas não o

encontrei em Munique.

— Onde foi?

— Na Ásia. Para falar mais exatamente, no deserto de

Gobi. É claro que não sei como irei parar lá. Tive bastante

trabalho em arranjar um jornal para poder contar-lhes o

que vai acontecer nestes oito dias. Queria dar-lhes a prova

que pedem. Infelizmente, não pude trazer o jornal, pois a

matéria não pode viajar no tempo. Mas li algumas

notícias.

— Ah! As cotações da bolsa vão baixar — resmungou

Jonny. Continuava desconfiado. — Gostaria de saber por

que justamente você vai parar no deserto de Gobi. Foi lá

que pousou a nave espacial dos americanos.

— Exatamente — confirmou Ellert. — Daqui a oito

dias estarei falando com Perry Rhodan.

— Que história interessante! — exclamou Lothar,

irônico. — Acho que ela se transformará num dos seus

contos mais fantásticos.

Todos riram. Ellert foi o único a permanecer sério.

— Dentro de poucos dias, vocês não mais estarão

rindo. Depois de amanhã serão realizadas as eleições. Já

conheço o resultado. Aceitariam o mesmo como prova?

Frettel estreitou os olhos.

— Sim, desde que não seja mera coincidência.

Ellert sacudiu a cabeça.

— O resultado, em si, poderia ser uma coincidência;

mas não o fato de que o vencedor será vitimado por um

enfarte na noite do pleito. As eleições serão repetidas

dentro de trinta dias.

Aarn falou pensativo, em meio ao silêncio que se

formou:

— Telepatia, teleportação, telecinésia e, por cima de

tudo, a teletemporação: a viagem pelo tempo com o

auxílio do espírito...

— Teletemporação! — exclamou Frettel

entusiasmado. — Aarn, você acaba de definir um

conceito. E você, Ellert, inventou mais uma variante das

paraciências.

Ellert lançou-lhe um olhar amargo.

— Não inventei meu caro Frettel, descobri...

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129

5

Perry teve a impressão de só ter fechado os olhos por

um segundo. Quando voltou a abri-los, tudo continuava

no mesmo. Perto dele, Bell estava reclinado na poltrona

do doutrinador. Também se esforçava para abrir os olhos.

No seu rosto havia uma expressão de assombro.

O doutrinador! Subitamente, Rhodan sabia como

funcionava. As informações armazenadas eram reforçadas

pelos dispositivos positrônicos, de onde eram conduzidas

aos nervos cranianos, que as absorviam, transmitindo-as

ao cérebro, onde eram depositadas no centro de memória.

Esse centro, ampliado consideravelmente através de uma

série de choques, recebia as informações e armazenava-

as. Poderiam ser “retiradas” a qualquer momento.

Crest estava junto ao quadro de chaves.

— Podem levantar — disse tranquilo. — O

treinamento foi concluído com êxito. Ambos receberam

os mesmos ensinamentos; apenas achei recomendável que

Perry obtivesse certa superioridade, mesmo em relação a

você, Bell. A capacidade de enfrentar qualquer

emergência com extrema rapidez foi ampliada. Além

disso, sua consciência sugestiva foi consideravelmente

reforçada. Daqui em diante, nenhum homem normal

deixará de executar prontamente as suas instruções, que

equivalerão a verdadeiras vozes hipnóticas de comando.

Sei que nunca abusará desse superpoder. Terá necessidade

dele para executar aquilo que planejamos em conjunto. O

seu saber... bem, constate por si mesmo.

Rhodan levantou-se.

— Não estou percebendo nada de diferente.

Crest sorriu.

— Então me diga qual é a raiz quadrada de 527.076?

— Setecentos e vinte e seis, por quê?

Rhodan proferiu o número com a calma de quem faz

algo corriqueiro e natural. Só empalideceu de ter

respondido. Bell segurou-lhe o braço.

— Ei! Também sei o resultado!

— O cérebro de vocês está calculando

automaticamente com a velocidade da luz se me permitem

esta expressão — explicou Crest. — Os cálculos são

realizados no subconsciente. O pensamento consciente

fica reservado para tarefas mais importantes Estão

convencidos de terem passado por uma modificação?

Bell sacudiu a cabeça.

— E meu professor de matemática, que vivia dizendo

que eu era um fracasso em toda a linha. Se visse uma

coisa dessas!...

— Nos próximos dias, descobrirão mais coisas em sua

mente. Não se assustem. O que vale é que dispõem de

uma explicação natural para suas novas faculdades: o

doutrinador e o saber formidável de nossa raça, que,

agora, também pertence a vocês.

— Faço votos para que saibamos lidar com o mesmo.

— Tenho certeza de que saberão. Agora,

acompanhem-me. Preciso falar-lhes. Nossas

comunicações com o exterior estão interrompidas. As

interferências provocadas por uma emissora impedem

todo e qualquer contato. Um de vocês tem de sair da

cúpula energética para colher informações. Não

conseguiremos nada se ficarmos parados aqui. Os

primeiros pavilhões já estão montados. Os robôs não

podem continuar. Precisamos de material e mão de obra.

Neste deserto surgirá um complexo industrial que deixará

para trás tudo que já existiu neste mundo. Sem naves

espaciais potentes nunca chegaremos a Árcon. E

queremos mais que isso.

Rhodan fez que sim. Num espaço de poucos segundos,

as visões arrojadas do futuro de que Crest lhe falara

desfilaram diante dele. O império cósmico! Uma frota

enorme seria necessária para instalá-lo e mantê-lo. Mas

uma indagação surgiu em sua mente. Será que a

humanidade estava madura para isso?

Ouviu sua própria voz.

— Eu mesmo irei. Só falta saber quanto tempo levarão

para me descobrir.

— Ora essa! — disse Crest. A esta altura você já sabe

os recursos técnicos de que pode lançar mão.

No mesmo momento, Perry lembrou-se. O centro de

memória ampliado de seu cérebro forneceu a informação.

O equipamento dos arcônidas. Um microrreator

fornecia a energia. A qualquer hora poderia montar uma

minicúpula energética, que o protegeria de qualquer

perigo. Os projéteis de pequeno calibre não poderiam

atravessá-la. O defletor de ondas luminosas torná-lo-ia

invisível aos olhos humanos. Um neutralizador

gravitacional embutido conferiria ao portador do

equipamento a capacidade de voar, percorrendo distâncias

não muito longas, já que a velocidade seria reduzida.

— Como faço para sair da cúpula?

— Esta noite suspenderemos a cúpula por alguns

segundos, muito embora você pudesse atravessá-la. Mas,

antes disso, vamos combinar os detalhes. Thora está de

acordo. Acabou reconhecendo a necessidade da

colaboração, mesmo a contragosto.

— Era o que eu imaginava — disse Rhodan

laconicamente.

* * *

Los Angeles, dois dias depois.

Num pequeno restaurante junto à estrada do aeroporto,

Perry Rhodan estava sentado diante de um enorme bife, e

procurava devorá-lo com toda a calma. Desde o dia

anterior mantivera contatos com os diretores de grandes

empresas industriais. Graças aos poderes de que era

dotado, conseguira obter a promessa de grandes

fornecimentos. E dera um endereço suposto, em Hong

Kong.

Do lado de fora, um motorista esperava com o táxi.

Lá estava ele, sentado em meio aos homens que o

consideravam seu maior inimigo. Não sentia o menor

temor e não julgou necessário esconder-se. Seu retrato

fora publicado em todos os lugares do mundo, mas até

então, ninguém conseguira reconhecê-lo. Mesmo que isso

acontecesse... Perry sentia-se absolutamente seguro com o

equipamento dos arcônidas que trazia consigo. Sem que

ninguém percebesse, usava uma vestimenta especial por

baixo do terno comum.

Um homem tomou lugar na mesa ao lado. Os cabelos

estavam penteados para trás. Dava a impressão de uma

pessoa que cuidava muito bem da sua aparência. Um par

de óculos escuros encobria os olhos. Tirou um jornal do

bolso e mergulhou no noticiário econômico. Distraído, fez

seu pedido ao garçom e voltou à leitura.

Perry tornou a dedicar sua atenção ao bife. Teve que

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130

lutar contra um nervosismo súbito. Fazia dois dias que se

afastara de sua base. A imprensa, de um modo geral, fazia

de contas que a ameaça no deserto de Gobi não mais

existia. Este silêncio estranho podia ser tudo, menos

tranquilizador.

E se, enquanto ele estava afastado, fosse iniciado o

ataque que se esperava?

Saberiam defender-se, por certo, mas ele receava

algum ato precipitado de Thora. Se não ficassem de olho

nela, poderia empreender ações muito desastrosas,

estragando os planos para o futuro. Nas negociações que

travara no dia anterior, notara que nem todo mundo estava

contra ele. Muito pelo contrário. Os industriais mais

sagazes perceberam as chances que se lhes ofereciam. E

todos estavam plenamente cientes de que evitara uma

devastadora guerra nuclear.

O que estaria fazendo Bell? Sem dúvida, a doutrinação

lhe havia conferido novas faculdades de espírito e

capacidades de que nem suspeitava, mas o caráter

continuava inalterado. Não que Bell fosse dado aos atos

impensados, mas sua impulsividade só teria o necessário

freio com a presença de Perry Rhodan.

O cavalheiro da mesa ao lado guardara o jornal. Em

sua testa viam-se algumas rugas. Ao que parecia, sua

atenção concentrava-se no vizinho que acabara de afastar

o prato vazio. Por várias vezes fez menção de levantar-se,

mas parecia não ter certeza do que faria. Subitamente,

pôs-se de pé e dirigiu-se à mesa vizinha. Parou diante de

Perry Rhodan, lançou-lhe um olhar indagador e

murmurou:

— Dá licença? Gostaria de fazer-lhe uma pergunta.

Apontou para a cadeira que se encontrava junto a

Perry. Este parecia perplexo. No seu íntimo, preparou-se

para um eventual ataque. Um ligeiro aperto no cinto

bastaria para cercá-lo de uma cúpula energética.

— Faça o favor.

O desconhecido sentou-se e esboçou um sorriso

forçado.

— Talvez eu esteja enganado, cavalheiro, mas existem

duas circunstâncias que me levam a crer que não é esse o

caso. É verdade que a semelhança é um pouco vaga, mas

tenho certeza de já tê-lo visto. Mas não foi apenas este

fato que me fez supor que o senhor é Perry Rhodan. Não,

não se assuste! Nem penso em traí-lo. O senhor fez muito

por nós todos. Mas... não sei como lhe direi, senhor

Rhodan. O senhor costuma ler jornais?

Perry sacudiu a cabeça.

— Ultimamente tenho lido muito pouco, quase nada.

Mas, nos dois últimos dias...

— Há cerca de uma semana escreveram muito sobre

mim, ao menos em Brisbane. Ninguém acreditou, mas é

verdade. Sou John Marshall. Não sei se este nome lhe diz

alguma coisa.

Perry recordou-se. Havia lido uma notícia breve e já a

esquecera. Era algo sensacionalista, nada mais. Mas, de

repente, a notícia voltara a ganhar importância. Seu

raciocínio lógico entrou em funcionamento e em poucos

segundos respondeu à indagação sobre os motivos por que

aquele homem o reconhecera. Levantou as sobrancelhas.

— O senhor é a pessoa que tem capacidade para ler

pensamentos, não é senhor Marshall? Estava sentado na

mesa ao lado e captou meus pensamentos, que estavam

bastante concentrados. Foi assim que descobriu quem sou

não é mesmo?

John fez que sim. Perry sorriu.

— Quer dizer que a esta altura já é um perigo

deixarmos nossos pensamentos vagando por aí. Há quanto

tempo sabe fazer isso?

— Desde a infância, se bem que não tinha consciência

da coisa. Só há uma semana percebi que sou telepata. Não

sei por quê.

— Quando nasceu?

— Em fins de 1945.

As possibilidades relampejaram no cérebro de Perry,

as combinações cruzavam-se, as conclusões se ofereciam

— e a solução surgiu.

— Foi por causa de Hiroxima — disse. — As

radiações. Deve haver outros mutantes.

— Mutantes?

— É. Trata-se de uma modificação do lastro

hereditário, geralmente transmissível aos descendentes.

As radiações influenciaram o seu cérebro em formação,

antes de seu nascimento.

Por um instante, outra visão do futuro desvendou-se

aos olhos de Rhodan. Os mutantes! Representavam uma

perspectiva inteiramente nova. Se conseguisse reunir as

maiores capacidades entre os mutantes da Terra e engajá-

los na sua luta, formaria um exército invencível. E quem

sabe se, mais tarde, não precisaria desse exército... Parou

repentinamente, pois sentiu o olhar perplexo de John. Já

ia se esquecendo de que seu interlocutor podia captar seus

pensamentos. Num gesto automático, isolou o cérebro por

meio de um bloqueio. Era outra faculdade que o

doutrinador lhe havia conferido.

— Por que resolveu dirigir-se a mim?

John Marshall sorriu, meio sem jeito.

— Tive a intenção de utilizar minhas faculdades para

um fim lucrativo — confessou com franqueza. — A partir

de ontem, estou em negócios com várias instituições.

Ofereceram-me quantias astronômicas. Mas acho que o

destino me reserva uma missão mais importante. O senhor

acaba de insinuar essa possibilidade em seus

pensamentos.

Perry suspirou aliviado.

— Quer dizer que está disposto a trabalhar para mim?

— Estou.

— Ainda não estou em condições de lhe oferecer

dinheiro.

— Existem coisas que valem mais que todo o dinheiro

do mundo. Um ideal, por exemplo.

— Um ideal? O que quer dizer com isso?

— Por que o senhor luta contra todo mundo?

Simplesmente pelo poder?

— Confesso que também luto pelo poder. Mas o

próprio poder pode servir para a realização de um ideal.

— É isto mesmo. Estou à sua disposição, se me

quiser.

Perry lançou-lhe um olhar perscrutador. Estava

gostando daquele novo aliado, mesmo abstraindo das suas

faculdades. Estendeu-lhe a mão. John retribuiu o aperto.

Súbito, seus olhos se estreitaram por trás das lentes

escuras e dirigiram-se para além de Rhodan. A expressão

do esforço concentrado deu-lhe ao rosto um ar sério.

Depois de alguns instantes, cochichou:

— Estão atrás do senhor, Rhodan. O carro que está

estacionado junto ao seu táxi é da polícia. Dois homens

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acabam de descer. Não, não se vire. Estão falando com

seu motorista. Agora vêm para cá, dirigem-se a nossa

mesa. E agora?

O cérebro de Perry trabalhou em ritmo vertiginoso.

Um dos diretores com quem conferenciara deve ter

revelado o fato, talvez sem qualquer intenção má. Os

homens do CID não eram tolos. Depois de terem farejado

uma pista, não desistiriam antes de capturar a caça.

Quando os dois homens de aparência absolutamente

normal se aproximaram da mesa, Perry estava preparado.

Fez um sinal quase imperceptível para John e colocou

uma nota debaixo do prato. Depois, levantou-se.

— Encontramo-nos no aeroporto, a três quilômetros

daqui. Dentro de uma hora. Espere por mim. Ninguém o

importunará.

John retribuiu o sinal. Levantou-se e foi à mesa

vizinha, fazendo de conta que nada tinha com o que

estava acontecendo.

Os agentes hesitaram por um precioso segundo, depois

se aproximaram resolutos. Um deles colocou a mão no

bolso. O outro se achegou de Perry por trás e colocou a

mão sobre o seu ombro.

— Perry Rhodan, em nome da humanidade...

Perry virou-se. Seus olhos cinzentos cruzaram-nos dos

agentes.

— Que desejam?

— O senhor é Perry Rhodan...

— Sou Foster Douglas, se não se importar. Por que

estão me importunando?

O homem hesitou. Parecia inseguro. Seu colega não

estava tão impressionado. Tirou a mão do bolso. Nela se

via uma enorme pistola.

— Rhodan, não faça tolices. Deixe as mãos no mesmo

lugar em que se encontram e venha conosco.

Perry encarou-o.

— Sou Foster Douglas. Não chateie!

A cena começou a despertar a atenção dos

frequentadores do restaurante. Alguns se viraram para

acompanhar o desenrolar dos acontecimentos. John

Marshall levantara-se e saiu tranquilamente em direção ao

ponto de táxi.

O outro agente, indeciso, baixou a arma. Alguma

coisa lhe dizia que se enganara e que esse homem não era

Perry Rhodan. No entanto... uma outra ordem ainda o

importunava.

— Agora, os senhores me deixarão em paz — disse

Perry encarando-os fixamente. — Não encontraram Perry

Rhodan. Informem seus superiores nesse sentido,

entenderam?

Um deles fez que sim. O outro ainda hesitava.

Perry deu-lhes as costas e saiu. Não se sentia muito

bem, pois seu corpo não era imune a uma bala traiçoeira,

mas só ligaria a cúpula energética em caso de extrema

emergência. E não poderia sair voando em pleno dia.

Mandariam caças atrás dele.

Os dois agentes ainda estavam indecisos quando ele

entrou no táxi. O carro da polícia esperava logo atrás. O

motorista segurava um microfone e falava muito. O

comportamento estranho dos dois colegas representava,

para ele, uma verdadeira charada.

— Vamos para o aeroporto — ordenou Perry.

O táxi saiu da área de estacionamento e, uma vez na

estrada, aumentou a velocidade.

Os dois agentes superaram o choque. Pareciam

despertar de um sonho. A mesa diante deles estava vazia e

Perry Rhodan sumira. Os frequentadores do restaurante

olhavam-nos espantados. Lá fora, o carro os esperava. O

táxi em que Rhodan viera já não estava perto do carro

policial. Também havia sumido.

— É um truque! — gritou o homem que segurava a

pistola, e correu para o carro, onde começou a gritar com

o motorista:

— O que houve? Por que o deixou escapar?

O homem colocou o microfone no suporte.

— Eu o deixei escapar? Foram vocês que o deixaram

ir embora. Não era Rhodan?

O outro agente também se aproximara. A pressão do

cérebro tinha desaparecido.

— Foi hipnotismo! O sujeito nos enganou. Em que

direção fugiu?

O motorista apontou para a estrada.

— Para lá. Em direção ao aeroporto.

— Vamos atrás dele! Dê alarma geral! O carro

arrancou, derrapando na curva. Enquanto isso, John

Marshall conseguia um táxi e chegava à estrada quase ao

mesmo tempo em que o carro dos agentes secretos.

Reclinado no assento, procurou captar os pensamentos

dos agentes exaltados. Mas nada conseguiu distinguir na

confusão causada pelos emissores numerosos. Só lhe

restou pedir que o motorista não perdesse de vista o carro

preto.

Os três carros seguiam em disparada pela pista larga.

Todos se dirigiam ao aeroporto. O primeiro, de Rhodan,

levava uma vantagem considerável sobre os demais, que

seguiam bem próximos um do outro. O tráfego intenso

não lhes permitia uma velocidade maior, mas, mesmo

assim, Rhodan chegou ao aeroporto bem antes dos

demais, pagou o táxi e entrou apressado, no amplo hall,

mergulhando na multidão que lotava o recinto.

Sereias começaram a uivar. De repente, policiais à

paisana postaram-se em todas as entradas e saídas.

Traziam as mãos nos bolsos, sinal seguro de que

portavam armas. Os balcões das diversas empresas

suspenderam as atividades. Os passageiros começaram a

se inquietar. Um alto-falante começou a berrar:

— Mantenham-se calmos. A polícia acaba de cercar o

edifício do aeroporto. Estamos realizando um exercício.

Mantenham a calma. Continuem como estão.

Perry sabia que se encontrava num aeroporto civil.

Mas também sabia que numa das extremidades do campo

de pouso um caça-bombardeiro do CID estava pronto para

decolar. Os tripulantes, quatro homens, deviam estar perto

da aeronave.

Encontrava-se em meio a um grupo de comerciantes

que vociferavam. A cinquenta metros dali, John Marshall

tentava se aproximar cautelosamente. Os dois agentes que

vira no restaurante iam de um grupo a outro.

Perry Rhodan cerrou os dentes. Apertou um dos

botões embutidos no cinto do equipamento dos arcônidas.

O defletor de ondas luminosas entrou em funcionamento,

tornando-o invisível.

Andando cautelosamente, para não esbarrar em

ninguém, deslocou-se em direção a John. O antigo

funcionário de banco sobressaltou-se quando sentiu, de

repente, o toque vindo do nada. Mas os pensamentos de

Perry logo penetraram no seu cérebro.

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132

“Continue parado. Marshall. Estou invisível, não me

encontrarão. Dessa forma, suspenderão a busca. Afinal,

não podem fechar o aeroporto por horas a fio.”

John confirmou com um movimento da cabeça.

Esperaram.

“Há um bombardeiro de alta velocidade estacionado

na pista. Tentaremos alcançá-lo. Quer vir comigo?” John

fez que sim. “Muito bem. Vá andando em direção à

barreira. Assim que eu me tornar visível, grude-se em

mim. Se necessário montarei uma cúpula em torno de nós.

Assim, estaremos protegidos. Depois iremos ao avião.

Entendido?”

John voltou a confirmar com um movimento de

cabeça. Saiu andando devagar. Os passageiros começaram

a se impacientar. Desrespeitaram as ordens da polícia

saindo do lugar em que se encontravam. Ninguém pôde

impedi-los.

John mostrou o passaporte. Deixaram-no passar pela

barreira. Perry, invisível, seguia-o. Os dois homens

estavam junto ao edifício, com o campo de pouso diante

de si. Algumas aeronaves estavam com os motores

ligados, aguardando os passageiros. Os funcionários das

companhias e a polícia controlavam os passageiros que

entravam.

“Continue andando”, pensou Perry.

John passou pelo primeiro avião. Viu o caça-

bombardeiro estacionado à esquerda. Dois dos tripulantes

estavam deitados embaixo de uma das asas,

espreguiçando-se na sombra. O piloto examinava os trens

de pouso. O quarto homem estava sentado na cabina,

recebendo as mensagens radiofônicas. Do lugar em que se

encontravam, não podiam vê-lo.

John foi andando tranquilamente em direção ao avião.

O piloto interrompeu seu trabalho, lançando-lhe um olhar

curioso.

“Cuidado” advertiu Perry. “Voltarei a tornar-me

visível.”

O piloto e os tripulantes deitados embaixo da asa

arregalaram os olhos quando, perto do desconhecido,

subitamente outro homem se materializou a partir do

nada. Só tiveram consciência da realidade porque era

justamente por causa de Rhodan, que os mesmos se

encontravam em regime de rigorosa prontidão. Quem

senão Rhodan poderia estar em condições de tornar-se

invisível a qualquer momento?

O radiotelegrafista surgiu à entrada do avião.

— Decole imediatamente! — ordenou Perry, lançando

um olhar dominador sobre o piloto. — Iremos com você.

Qual é a reserva de combustível? Será suficiente para

cruzar o Pacífico?

O piloto já se recuperara da surpresa. Esboçou um

sorriso débil. Mas o radiotelegrafista voltou à cabina e

retornou com uma pistola. Apontou-a para Perry.

— Quem é o senhor?

— É Rhodan — disse o piloto. — Guarde a arma. Ela

não lhe servirá de nada. Um homem que pode tornar-se

invisível a qualquer momento saberá defender-se de uma

bala. Não é verdade, senhor Rhodan?

— Você ainda não respondeu à minha pergunta.

— O combustível? Se desejar, posso completar

metade do caminho em volta da Terra. Entre. Apresse-se

porque meus colegas já vêm vindos.

— As intenções dele são honestas — cochichou John

ao ouvido de Perry. — Está com o senhor. É estranho.

— E os outros?

— Não sabem o que fazer.

Perry dirigiu-se ao piloto.

— Por que quer ajudar-me?

— O senhor me obriga, não é? Ei! Jim, Hal, vamos

logo para dentro. Venha, Rhodan. Se demorarmos demais

esses caras estarão aqui antes de decolarmos.

Perry manteve-se vigilante. Mesmo depois que o veloz

caça correu pela pista e começou a ganhar altura, não

perdeu a desconfiança. Afinal, essa gente era do CID —

se bem que do capitão Klein podia-se dizer a mesma

coisa. Não era por causa dos seus poderes de sugestão que

a tripulação do bombardeiro lhe prestava auxílio. Faziam-

no espontaneamente. Estavam com ele, contrariando as

ordens que haviam recebido.

Enquanto o avião se deslocava para o oeste,

atravessando o Pacífico, Perry teve um sentimento que

parecia ser gratidão. Não estava só. Tinha amigos entre os

homens, muito amigos. Subitamente, percebeu que a

humanidade merecia governar o império cósmico, junto

com os arcônidas.

* * *

O capitão Klein não estava bem disposto.

Parado na colina olhava para o sul. A enorme nave

esférica dos arcônidas destacava-se no horizonte. Perto

dela, a Stardust parecia uma mancha escura, pequena e

insignificante. As granadas detonavam a intervalos

regulares na muralha energética que envolvia a base.

Bem abaixo de Klein, o solo vibrava, embora ele não

o sentisse. As brocas faziam a galeria avançar numa

velocidade assustadora. Os destacamentos especiais

trabalhavam noite e dia. Lá no vale, um montão de terra

se acumulava. As explosões pouco numerosas foram

camufladas por meio de uma intensificação das salvas de

artilharia.

Não havia qualquer possibilidade de prevenir Rhodan.

Os agentes dos serviços secretos dos três blocos estavam

à espreita nos postos avançados. A base do inimigo da

humanidade estava totalmente isolada. Ninguém

conseguiria aproximar-se sem ser percebido.

Embaixo da terra, a galeria já ultrapassara a linha que

representava a continuação da cúpula sob o solo. Portanto,

já estavam dentro da base. Bastava subir, e estariam na

superfície, no interior da cúpula.

As máquinas especiais continuavam roendo as terras

em direção ao sul e já se aproximavam do ponto

previamente fixado; bem embaixo das duas naves. Dentro

de dois dias, tudo estaria terminado. E a bomba de

hidrogênio já estava a caminho da Ásia.

Klein ouviu passos atrás de si. Era Kosnow que se

aproximava. O russo também parecia preocupado.

— Rhodan não se encontra na base — disse, em voz

baixa, como se receasse ser ouvido ao longe. —

Reconheceram-no em Los Angeles, quando tentou

entabular negociações com alguns empresários. Pelo que

dizem, conseguiu fugir num caça-bombardeiro do CID.

— Era só o que faltava — disse Klein, sorrindo. —

Deve chegar daqui a pouco. O fogo será para valer.

— Tanto faz desde que consigamos preveni-lo a

tempo. Deve ser avisado do que pretendem fazer com ele.

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133

Daqui a dois dias a galeria começará a subir. O

bombardeio será intensificado para abafar as vibrações. A

bomba será detonada cinquenta metros abaixo da

superfície. Se isso acontecer, não sobrará coisa alguma de

Rhodan e de seus amigos.

— Encontraremos um meio — tranquilizou-o Klein.

— Nem que eu mesmo vá até a cúpula para preveni-los.

— Ninguém conseguirá romper as áreas de bloqueio.

Sabe muito bem que não confiam em nós. Não há dúvidas

de que Mercant sabe do nosso ato de traição. Mas não faz

nada. Quase chego a acreditar que, no íntimo, ele acha

que Rhodan, e nós, temos razão. Mas, se for assim, por

que permite o ataque? É isso que não consigo entender.

— Não lhe resta alternativas. Não pode dizer

abertamente o que pensa. Ele sabe tão bem quanto nós

que Rhodan agiu corretamente quando não permitiu que o

poderio de que dispõe caísse nas mãos de um Estado,

preferindo colocá-lo acima de todos. Mas não pode

admiti-lo expressamente. Mas chegará o dia em que

mesmo Mercant poderá dizer a verdade.

— E se Rhodan for destruído antes disso?

— Isso não vai acontecer. Se for necessário eu me

sacrificarei. A bomba ainda está muito longe daqui. E a

galeria ainda não foi concluída — completou Klein.

Lançaram um último olhar para a esfera distante e,

caminhando em direção ao norte, desceram para o vale.

Lá embaixo, os tratores empurravam para o fundo do vale

a terra que as esteiras rolantes traziam da galeria. Em toda

a parte viam-se grupos de técnicos. O coronel Cretcher e

o general Tai-tiang conversavam.

Um homem surgiu correndo pela planície desolada,

fez continência para os dois oficiais e entregou uma

mensagem ao general. Este a leu e passou-a ao coronel.

Sem aguardar a resposta deste último, correu em direção a

um dos abrigos subterrâneos. Cretcher ficou indeciso por

alguns instantes, depois começou a andar em direção à

galeria.

Kosnow franziu a testa.

— Aconteceu alguma coisa!

— Se andarmos depressa, poderemos alcançar o

mensageiro. Talvez ele nos conte o que houve. Ei! O

alarma! Deve ter sido algo de muito sério.

O telegrafista ia entrar em sua barraca quando Klein

segurou-o pela manga do uniforme.

— O que houve?

— É Rhodan — disse o homem, um soldado chinês.

— Roubou um avião...

— Isso nós sabemos desde ontem — interrompeu

Kosnow. — E, por isso, não é preciso dar o alarma.

— É que ele vem para cá! Daqui a cinco minutos...

Klein olhou para Kosnow. Então era isso!

Deram as costas ao radiotelegrafista, ainda perplexo, e

correram em direção à galeria. Se a notícia fosse correta,

dali a cinco minutos as baterias entrariam todas em ação.

Tentariam evitar a todo custo que Rhodan alcançasse sua

base. Ou então...

Uma possibilidade relampejou no cérebro de Klein.

Talvez nem devessem impedi-lo. Havia bons motivos

para isso. Mas, será que o general Tai-tiang teria a mesma

ideia?

— Vamos, Kosnow! Temos de falar com o general.

Tive uma ideia.

Tai-tiang parecia espantado quando os dois agentes

chegaram ao abrigo de comando. Fizera as ligações com

as posições de artilharia e estava a ponto de transmitir as

instruções adequadas.

— O que houve? Como se atrevem?...

— Revogue a ordem de fogo! — disse Klein.

— O que sabem a respeito disso?

— Rhodan apoderou-se de um avião e tentará pousar

junto à base. O senhor pretende impedi-lo. Já pensou no

que acontecerá depois? Ao perceber o perigo dará meia-

volta e desaparecerá. O que nos adianta explodir a base,

se Rhodan não explodir junto com ela?

Quando necessário, o general Tai-Tiang sabia reagir

prontamente. Lançou um olhar perscrutador sobre Klein,

depois, confirmou com um aceno de cabeça.

— A ideia não deixa de ser inteligente. Permitirei que

Rhodan pouse e penetre na cúpula. Dali não escapará. A

bomba já está a caminho. Terminaremos isso antes da

data prevista, segundo comunicado do coronel Cretcher.

Certo! Instruirei os caças que o perseguem.

Dirigiu-se à barraca em que funcionavam os serviços

de rádio.

Klein e Kosnow voltaram a subir a colina para

presenciar o esperado pouso de Rhodan.

* * *

Este não se fez esperar. Um ponto minúsculo surgiu

no horizonte, cresceu vertiginosamente e assumiu a forma

de um caça-bombardeiro dos mais modernos. Alguns dos

aparelhos menores que o acompanhavam, procuravam

forçá-lo a descer, mas não atiravam para não expor a

tripulação do caça a um risco desnecessário.

Perry encontrava-se junto ao piloto.

— Você agiu com bravura. Fico-lhe muito grato pelo

auxílio. Quem sabe se, um dia, poderei retribuir-lhe o

favor. Aterrize exatamente no ponto que lhe indicarei.

Nada lhe acontecerá, pois você poderá declarar sob o

juramento que eu o obriguei a trazê-lo até aqui. Logo,

Marshall e eu os deixaremos. Dali até a cúpula é poucos

metros.

— Como vamos atravessá-la? — perguntou Marshall.

— Tenho um equipamento especial que nos permitirá

neutralizar a cúpula em qualquer ponto. Dentro de alguns

minutos estaremos em segurança. O importante é

aterrizarmos antes que os pilotos dos outros caças saibam

onde o faremos.

O avião iniciou a descida.

— Estou admirado por não nos terem recebido com

fogo antiaéreo — disse o piloto.

O radiotelegrafista, que trazia o fone no ouvido,

murmurou:

— A ordem de fogo foi revogada. Não deram os

motivos. Talvez nossa vida seja muito preciosa para eles.

Também é possível que pretendam interrogar-nos... E os

mortos não falam.

As rodas tocaram o solo. O enorme bombardeiro

correu pela planície irregular, descontrolou-se e acabou

batendo numa rocha. Pelos cálculos de Rhodan, estavam a

menos de cem metros da muralha energética.

O piloto foi atirado contra o painel, mas, com reflexo

rápido, cortou a entrada de combustível. O

radiotelegrafista caiu por entre os instrumentos

destroçados. Os outros dois tripulantes, ilesos, abriram a

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134

porta de saída.

— Mais uma vez obrigado, e boa sorte! — disse

Rhodan, arrastando Marshall. — Temos de correr, senão

nos pegam antes de chegarmos à muralha. Fique junto de

mim. Vou ligar a cúpula energética.

Saltaram para o solo pedregoso do deserto. Segurando

Marshall pela mão, Perry correu em direção à nave

esférica que ficava a cinco quilômetros de distância.

Enquanto corria, comprimiu um botão colocado no cinto.

Aparentemente, nada aconteceu. Apenas, não sentiram

mais a ação do vento. Uma pequena cúpula os isolava por

completo do mundo exterior.

Um dos caças descreveu uma curva ampla e

aproximou-se a baixa altitude. As asas expeliram raios.

Quatro fileiras de projéteis caíram sobre Perry e Marshall,

que soltou um grito de pavor.

Os impactos logo cessaram.

— Não se preocupe Marshall. Para romper esta

cúpula, precisarão de calibres maiores.

O caça descreveu uma curva à direita, ganhou altitude

e, de repente, bateu contra um obstáculo invisível. A

violência do impacto fez o aparelho ricochetear, antes de

perder o controle e mergulhar contra o solo. As chamas

começaram a subir e, segundos depois, a munição

explodiu, atirando destroços para todos os lados.

— É a cúpula energética. Está a poucos metros de

distância. Cuidado! Vou ligar o campo neutralizador. Os

outros caças não chegarão a tempo. Pronto, estamos em

segurança. Agora podemos nos mover à vontade.

Perry soltou a mão de Marshall, virou-se e viu que os

outros caças ganharam altitude, afastando-se em direção

ao sul. Quatro homens estavam parados junto ao caça-

bombardeiro, olhando para eles. Um dos tripulantes

ergueu a mão, num aceno. Logo, os outros o imitaram.

Depois, puseram-se em marcha em direção às posições do

exército que cercava a base. Sabiam que algumas horas

desagradáveis os esperavam.

— Venha, Marshall. A Stardust está esperando por

nós. Conseguimos. Permita que lhe dê as boas-vindas ao

meu reino.

— Obrigado — disse Marshall, entre alegre e ainda

surpreso.

Caminhavam em direção às duas naves que pareciam

esperá-los em meio ao deserto e, por pouco, quase

tropeçaram em um homem que, de súbito, surgiu do nada,

fitando-os com os olhos assustados.

Rhodan parou de chofre.

A planície de areia não oferecia a menor proteção...

6

A máquina em forma de torpedo penetrava na rocha

com uma velocidade vertiginosa. A pedra triturada era

atirada automaticamente sobre a esteira transportadora

que a conduzia à superfície. Os cabos forneciam energia

para as máquinas e a iluminação. A renovação do ar

funcionava perfeitamente.

O coronel Cretcher estava parado junto a Klein e Li.

Seu rosto irradiava satisfação.

— Klein, a ideia de não abrir fogo contra Rhodan foi

excelente. Não me esquecerei de mencionar isso perto de

Mercant.

— Ele ficará satisfeito — conjeturou Klein, em tom

ambíguo.

O tenente Li apontou para a escavadeira mecânica.

— Quanto tempo acha que ainda levaremos?

— Terminaremos amanhã ao anoitecer. A galeria

vertical só terá largura suficiente para transportar a

bomba. Depois de amanhã, Perry Rhodan não mais

existirá — nem os arcônidas.

— O mundo, irá respirar muito aliviado — murmurou

Klein.

Cretcher olhou-o ligeiramente.

— É possível — disse, e voltou sua atenção às

máquinas. Klein e Li foram andando em direção à saída

distante.

A galeria era da altura de um homem e estava bem

iluminada. As paredes eram quase perfeitamente lisas. À

esquerda, a esteira transportadora deslizava em silêncio.

Não havia ninguém por perto.

— Temos de prevenir Rhodan — cochichou Klein,

desesperado. — Amanhã será muito tarde. Há esta hora já

não saberia como evitar a explosão, mesmo que tivesse

conhecimento dela.

— Não fale tão alto — disse Li. — Lembre-se de que

isso aqui é um bom condutor de som. Eu também não sei

o que fazer. Até chego a ter a impressão de que estou

prestes a trair Rhodan. O que será de nós se o plano tiver

êxito e Rhodan for morto? Depois de amanhã a guerra fria

será reiniciada, e, com ela, o eterno medo de uma

catástrofe nuclear. Não sei se aguentaremos por muito

tempo.

Klein parou.

— Hoje à noite tentarei atravessar a linha de posições

montadas pelos serviços secretos.

O chinês sacudiu a cabeça.

— Mesmo que conseguisse, não arranjaria nada.

Rhodan não pode manter um serviço de vigilância

ininterrupto sobre suas fronteiras. Nem perceberá que

você está por perto. O lógico seria despertar a atenção

dele. Mas como?

— Silêncio! Vem gente por aí — cochichou Klein.

Ouviram o ruído dos passos que se aproximavam. Um

homem vinha ao encontro deles. Quando se encontrava

bem próximo, reconheceram-no. Era Tako Kakuta, um

técnico japonês. Seus olhos suaves fitaram-nos com uma

expressão indagadora.

— Então, Tako! Estamos quase prontos, não é?

— Creio que sim — respondeu o japonês, cauteloso.

— O coronel Cretcher está lá dentro?

— Está perto da escavadeira — confirmou Klein e foi

andando. Li seguiu-o. O caminho para a saída era

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135

interminável, mas, quando se cansavam, sentavam-se na

esteira transportadora. Assim, avançavam mais depressa.

Já podiam ver a claridade da entrada do túnel mais

adiante, quando uma sombra se desenhou contra a

luminosidade. Era um homem que também caminhava em

direção à saída. Iam passando por ele quando uma

lâmpada derramou uma luz forte. Ao reconhecer o

homem, Klein arregalou os olhos. Virou-se, sem querer

crer no que via e, de um salto, desceu da esteira. Li, que

não reagiu com a mesma rapidez, foi carregado mais um

pouco.

Klein parou e esperou que o homem se aproximasse.

Era Tako Kakuta.

A galeria não era muito larga. O japonês tinha ido à

parte dos fundos, para falar com o coronel Cretcher. Fora

há vinte minutos. Nesse meio tempo, tinham avançado,

ele e Li, em direção à saída. E o japonês,

inexplicavelmente, havia passado por eles, já voltando.

Não era possível.

Klein estreitou os olhos. Seu cérebro trabalhava

febrilmente. Tentou, em vão, encontrar a solução para

aquele problema, que se afigurava fantástico.

Tako esboçou seu insondável sorriso. E, com um ar de

humildade, disse:

— Devemos ter passado um pelo outro sem

percebermos, senhor Klein.

Klein sacudiu lentamente a cabeça.

— Como você chegou até aqui? Como sabe, sou um

agente de segurança e, por isso, tenho direito a certas

perguntas. Você não pode ter passado por nós, Tako. Na

verdade, há esta hora, ainda não poderia, ao menos, ter

alcançado o ponto onde o coronel Cretcher está. Diga

logo! Como conseguiu chegar até aqui?

O japonês continuava a sorrir.

— Passei na frente dos senhores.

— Você está mentindo. Nós o teríamos visto. Diga a

verdade.

Pela primeira vez, o medo começou a desenhar-se nos

olhos do japonês.

— O senhor não acreditaria — asseverou. — Por

favor, senhor Klein, não dê importância ao que passou.

Por favor!

— Pois eu tenho de dar importância a uma porção de

coisas — respondeu Klein, segurando o japonês pelo

braço. — Venha comigo.

Sua mão pegou no vazio. O japonês havia

desaparecido. Parecia que se dissolvera no ar ou se

tornara invisível. Klein estava petrificado quando Li

chegou perto dele.

— O que houve Klein? Onde está Tako?

Klein parecia despertar de um sonho.

— Sei lá! O homem desapareceu da mesma forma

como surgiu. Devo sofrer alucinações, ou então...

— Ou então?

— Ou então o homem pode se tornar invisível, Li.

Mas uma coisa dessas não existe. Ninguém pode tornar-se

invisível.

Li encarou a parede lisa da galeria.

— Existe outra possibilidade. Já ouvi falar de casos

em que pessoas desaparecem de repente, para aparecer em

outro lugar.

— Ora, Li! Não me diga que você crê nessas coisas...

— Mas é verdade.

— Li, estamos no século vinte.

— Justamente! Isso é consequência dos

acontecimentos do século vinte. Nunca ouviu falar em

mutações? Na ativação de setores ociosos do cérebro? Os

homens atingidos por esse fenômeno descobrem

faculdades das quais, ninguém suspeitaria. Talvez Tako

seja um caso desses. Imagino que se trate de teleportação.

— De quê?

— Isso significa que Tako pode transportar-se de um

lugar a outro, por força única e exclusivamente de sua

vontade. Sei que isso parece lenda, mas também sei que é

possível, uma vez presentes os respectivos pressupostos.

— Que pressupostos são esses?

Li assumiu um ar sério.

— As radiações produzidas pelas bombas atômicas.

Só agora as crianças que não haviam nascido ao tempo da

explosão de Hiroxima estão se tornando adultas. E eis que

os primeiros mutantes surgem no mundo. Nem me atrevo

a imaginar como será a humanidade daqui a cinquenta

anos. Klein tornara-se pálido.

— Você está brincando! Esses casos só podem ser

exceções, se é que suas suposições são corretas.

— Um belo dia — disse Li, sacudindo a cabeça — o

homem de hoje será a exceção. Venha comigo,

precisamos encontrar Tako. Precisamos saber se ele é

realmente um mutante.

Enquanto procuravam, Klein viu, repentinamente, a

solução diante de si. Se conseguisse fazer de Tako um

aliado, haveria uma possibilidade de prevenir Rhodan.

Mas será que Li tinha razão?

* * *

— É claro que poderia ter fugido — disse Tako

Kakuta com a voz humilde. — Mas isso não adiantaria

nada. Teriam ido, em minha perseguição e, um belo dia;

encontrar-me-iam. Por isso foi que vim falar com os

senhores. Podem perguntar o que quiserem.

A porta estava trancada. Estavam sós. Klein sabia que

Li vigiava do lado de fora. Ninguém os surpreenderia.

— Você é um mutante?

— Meus pais estão entre os sobreviventes da

catástrofe de Hiroxima. Nasci pouco depois. Minha mãe

morreu em consequência das radiações. Meu pai ficou

aleijado. Só eu fui poupado e cresci normalmente, se não

levarmos em conta uma faculdade que descobri no ano

passado. Já consegui desenvolvê-la, mas acredito que

ainda pode ser aperfeiçoada. O que pretende fazer

comigo, senhor Klein?

— Não tenha receio, Tako. Que distância pode

percorrer dessa maneira?

— Uns quinhentos metros: daí não passo. Para vencer

distâncias maiores tenho que realizar vários saltos.

— Só, quinhentos metros? — Klein não ocultou o

desapontamento. — Não é muito. O que acontece se você

se materializar dentro de um objeto sólido e não ao ar

livre?

Tako sorriu.

— Isso não é possível. O salto subsequente segue-se

logo após. É automático. Tenho pouca influência sobre

isso. Mas posso regular o primeiro salto com bastante

precisão. Praticamente, não corro o menor risco.

Klein respirou profundamente.

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136

— Quero fazer-lhe uma pergunta, Tako. Você odeia,

ou tem qualquer razão para desejar a morte de Perry

Rhodan, o homem que queremos destruir com uma

bomba atômica?

O sorriso de Tako continuava inalterado.

— Capitão, o senhor é um agente de segurança. Seu

dever é velar para que esta missão tenha êxito e para que

ninguém tente sabotá-la. Se eu não odiasse Rhodan, não

iria dizê-lo justamente ao senhor. Não é verdade?

— Concordo. Tako. Mas esta pergunta não é uma

armadilha. Apenas gostaria de saber sua opinião. Arrisco

muita coisa, Tako, mas confio em você. Veja bem: esta

missão que ajudo a fiscalizar não pode ter êxito. Rhodan

não pode ser morto, compreende? Se isso acontecer,

amanhã à noite a ameaça do holocausto atômico voltará a

surgir sobre nossas cabeças. Só a terceira potência pode

impedir esta guerra. É difícil admitir este fato, mas ele

constitui uma conclusão lógica dos acontecimentos

passados. Bem, você já conhece a minha opinião. Posso

saber qual é a sua?

A expressão do rosto de Tako Kakuta não se alterou.

— Perry Rhodan já possui mais amigos do que ele

mesmo imagina. Ainda têm de se manter ocultos, pois o

medo que o poderoso sente do poderoso ainda é mais

forte que a razão. Como vê senhor Klein, suas

preocupações não têm o menor fundamento. Mas, o que

nos resta senão executar as ordens dos nossos governos?

O indivíduo isolado não pode rebelar-se contra os

mesmos. Se pudesse, teria êxito?

— Um indivíduo isolado, não; muitos indivíduos, sim.

Unidos, constituirão um elemento de força que ninguém

poderá vencer. Mas vamos à pergunta que acaba de

formular: pode Tako, um indivíduo isolado, às vezes,

pode ter êxito.

— Como?

— Você deve transportar-se para junto de Rhodan a

fim de preveni-lo. Só você pode penetrar naquela

fortaleza. Creio que o anteparo energético não poderá

detê-lo.

— Não — disse Tako. — Ele não me detém.

Klein parecia perplexo.

— O quê? Como você sabe?

— Já que não existem segredos entre nós, e temos os

mesmo propósitos, vou contar tudo. O senhor queria que

eu fosse para junto de Rhodan para preveni-lo, não é?

Pois bem, também tive esta ideia. Perry Rhodan já foi

prevenido, capitão Klein. Recomendo-lhe que não entre

mais na galeria depois da meia-noite. Foi este o prazo que

Rhodan nos concedeu quando teve conhecimento do

projeto.

Klein ficou boquiaberto; encarou Tako e, depois de

alguns segundos, disse:

— Você tem razão, Tako. Rhodan tem mais amigos

do que ele pode imaginar.

7

Perry logo notou que o homem que se encontrava

diante dele era um japonês. Este assumiu uma posição

quase humilde, baixou o rosto jovem e sorridente e fez

uma mesura.

— Não se assuste senhor Rhodan. Vim para preveni-

lo de um grande perigo.

— Como conseguiu atravessar a barreira energética?

— perguntou Perry, já recuperado do espanto. O

homenzinho devia ter escapado à sua vista em meio ao

deserto. — O senhor surgiu de repente...

— Possuo o dom da teleportação. Meus pais passaram

pela catástrofe de Hiroxima. Talvez compreenda...

Marshall cochichou ao ouvido de Rhodan:

— É um mutante, tal qual eu. Pode trasladar-se

instantaneamente de um lugar para outro. Vem de um

ponto abaixo da superfície.

— Sob a superfície? — inquiriu Rhodan, surpreso.

— É — confirmou Tako — venho de uma galeria

cavada embaixo desta área. Como foi que o senhor soube

disso?

Marshall aproximou-se.

— Sou um mutante, tal qual você, Tako. É este o seu

nome não é? Tako Kakuta. Você possui o dom da

teleportação; e eu sei ler pensamentos. — Estendeu-lhe a

mão. — De certa forma somos companheiros. Também

você está ajudando Perry Rhodan.

Tako apertou a mão estendida com um sorriso nos

lábios.

Perry Rhodan tranquilizou-se. Encontrara mais um

mutante. Suas suposições se confirmavam. Com isso, seu

plano de formar um exército de mutantes dedicado a

ajudá-lo a vencer os inimigos que o cercavam ganhou

uma base mais realista.

— Qual é o perigo contra o qual veio me prevenir,

Tako?

— Trata-se de um destacamento especial que está

cavando uma galeria por baixo da terra e que irão até um

ponto sob as duas naves espaciais. Amanhã, pretendem

introduzir nela uma bomba de hidrogênio de alta potência.

A galeria terminará cinquenta metros abaixo da

superfície. Não creio que reste muita coisa, caso o senhor

não tome as providências necessárias.

— Uma bomba embaixo da terra! — Num instante, o

cérebro de Rhodan pôs-se a trabalhar velozmente, e logo

ele teve ciência das medidas defensivas a serem adotadas.

— Obrigado, Tako. Acredito que não poderá retornar

mais ao seu destacamento. Se quiser, pode ficar conosco.

— Mais tarde — disse o japonês, em tom modesto. —

Suponho que pretendem defender-se. Tenho o dever de

evitar que aconteçam baixas entre os trabalhadores. Posso

saber o que pretende fazer?

— Ainda não sei — disse Rhodan. — De qualquer

maneira, não pretendo tomar qualquer medida defensiva

antes do anoitecer. Esta informação basta?

— Providenciarei para que hoje à noite não haja

ninguém na galeria.

Perry colocou a mão sobre o ombro do japonês.

— Você é muito humano, Tako...

— Qualquer um faria a mesma coisa, ao menos

qualquer pessoa cujos pais passaram por um ataque

atômico. Ainda nos veremos senhor Rhodan...

Tako Kakuta sumiu diante deles como se nunca

tivesse estado ali. Só o deserto cercava os dois homens.

Ao longe, viam-se os contornos reluzentes das naves. Um

vulto surgiu perto delas. Vinha ao encontro deles.

— O que foi que ele pensou? — perguntou Rhodan.

John Marshall respondeu:

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137

— Pensou o que disse.

— Quer dizer que disse a verdade. Vamos andando, aí

vem Bell.

— Quem é Bell?

— Reginald Bell, copiloto e técnico de bordo da

Stardust. Um ótimo sujeito e um grande amigo.

Eles encontraram-se com Bell a poucos metros da

nave.

— Olá, Perry! Tudo bem? Quem é o cavalheiro que

nos visita?

Antes que Perry pudesse fazer as apresentações,

Marshall foi logo dizendo:

— Em primeiro lugar, não uso brilhantina, senhor

Bell. Meus cabelos são lisos por natureza. Em segundo, o

senhor também não é um modelo de beleza. E em

terceiro, não é da sua conta como foi que me aproximei

do senhor Rhodan.

Os cabelos ruivos de Bell arrepiaram-se.

Olhou perplexo para o estranho e, depois para

Rhodan.

— Santo Deus! Será que este cara sabe ler

pensamentos?

— Adivinhou! — confirmou Rhodan sem conter o

riso. — Ele os lê com perfeição. Se eu fosse você,

passaria a utilizar o bloco protetor sempre que quiser se

entreter com pensamentos secretos. Permita que lhe

apresente John Marshall, o primeiro telepata de uma

humanidade que aos poucos vai se tornando adulta.

— Muito prazer — disse Bell, refeito do susto.

— O prazer é meu — John apertou a mão estendida.

— Fico satisfeito em saber que, daqui por diante,

controlará seus pensamentos.

Perry interrompeu-o.

— Tudo em ordem, Bell?

— Tudo perfeito, Perry.

— Ótimo. Vamos andando. Preciso falar

imediatamente com Crest. O assunto é muito urgente.

Estão preparando um ataque contra nós. Pretendem

explodir-nos amanhã. É uma gente muito simpática, não

é?

— Muito — concordou Bell. — E como é que querem

nos explodir?

— Cavaram uma galeria que termina embaixo das

naves.

— Como soube disso?

— Depois eu conto.

Crest aguardava-os diante da nave esférica. Eric

Manoli estava ao seu lado. Haggard, um pouco afastado,

observava o trabalho dos robôs, controlado por Thora.

Crest cumprimentou seu aliado.

— Fico satisfeito em tê-lo de volta. Conseguiu alguma

coisa?

— Muita! Crest quer fazer o favor de chamar Thora,

imediatamente. Se não agirmos depressa, estaremos

perdidos. As potências da Terra trabalham em conjunto e,

quando isso acontece, elas se tornam perigosas. Não

conseguiram romper a cúpula energética, mas

encontraram outro caminho. Abriram uma galeria que

termina embaixo das naves. Amanhã pretendem detonar

uma bomba atômica.

— Como vejo, trouxe alguém — disse Crest, sem

fazer a menor referência sobre o perigo que os ameaçava.

— Sinto que é um telepata. Com isso a humanidade saltou

um estágio na evolução. Seja bem-vindo, senhor

Marshall. Como vê meu cérebro também possui esta

capacidade. O que acaba de dizer, Rhodan? Cavaram uma

galeria? Tencionam detonar uma bomba? Thora vai ficar

satisfeita.

Se ficou satisfeita, Thora não o demonstrou.

— Eles nunca compreenderão — disse ao ouvir a

notícia. Os cinco homens estavam sentados, em

companhia de Crest e Thora, num confortável camarote

da nave esférica. O crepúsculo já descia sobre o deserto.

— Está na hora de dar-lhes uma lição da qual jamais se

esquecerão.

— Recomendo-lhe que se abstenha de qualquer ato

precipitado — disse Crest, sacudindo a cabeça. — Se

conseguirmos impedir a explosão, devemos dar-nos por

satisfeitos.

— Se dependesse de mim, exterminaria esta raça —

respondeu Thora, exaltada.

— Além de insensato, seria perigoso. Se não

pudermos contar com o auxílio deles, jamais chegaremos

a Árcon. E ninguém sabe se, num raio de quinhentos

anos-luz, existe outra raça inteligente.

A constatação de Crest não deixou de produzir efeito.

Thora concordou. Com alguma relutância, é verdade.

— Muito bem. Acato a decisão da maioria. O que

faremos?

Perry inclinou-se para frente.

— Existe alguma possibilidade de destruir a galeria

sem sairmos daqui?

Thora fez que sim.

— O localizador está indicando a posição exata da

galeria. Posso ligar o combustor centralizado.

— O que é isso?

— Trata-se de uma fonte de energia. Esta sai do

gerador sob a forma de radiações inofensivas. O

conversor faz com que, no ponto escolhido, ela se

transforme numa força destrutiva. Em outras palavras,

daqui, posso fazer com que um raio energético atravesse a

matéria sem produzir o menor dano. O efeito devastador

só começará a cinco, cinquenta ou quinhentos metros

abaixo da superfície. O localizador indica a posição exata

do objetivo, regulo o combustor para esse ponto e, com

isso, é possível derreter a galeria. Por dias a fio será

transformada num inferno incandescente e, portanto,

intransitável. Será que isso basta? Rhodan esboçou um

sorriso suave.

— Basta. Muita coisa poderá acontecer antes que

decidam desencadear outro ataque. Não acredito que

continuem por muito tempo a nos considerar como

inimigos mortais. Aos poucos, a ideia de que só

oferecemos vantagens à humanidade vai ganhando

terreno. Já temos mais amigos pelo mundo do que

podemos imaginar.

— Fico satisfeito em saber disso — observou Crest.

Thora interrompeu-o.

— A que horas devo começar? Perry olhou para o

relógio.

— Exatamente daqui a dez horas, Thora. Às quatro da

manhã não haverá ninguém na galeria.

Thora encarou-o.

— Muito bem. Mas asseguro-lhe que é esta a última

vez que levo em consideração os sentimentos alheios. A

defesa contra o próximo ataque que for lançado

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138

representará a destruição de sua raça. Convém comunicar

isso a sua gente.

Levantou-se e saiu de cabeça erguida, sem se voltar.

Marshall dirigiu-se a Rhodan, rompendo o silêncio:

— É estranho. Ela está mentindo. Não pensa o que

diz...

* * *

O dia estava amanhecendo no leste.

Todos dormiam. Só Rhodan e Bell esperavam na

cabina de comando da Stardust. Viviam olhando para o

relógio. Os ponteiros avançavam muito devagar. Ainda

faltavam alguns minutos para as quatro.

No interior da nave esférica havia uma luz acesa. Vez

por outra se via uma sombra esbelta que se movia atrás da

vigia. Era Thora. Estava diante do mecanismo que

designara como combustor centralizado. Talvez sua mão

descansasse sobre uma chave.

— Será que ela cumprirá a palavra? — cochichou

Bell.

— Cumprirá — disse Perry. — Não há dúvidas de que

o japonês conseguiu evacuar a galeria, senão ele nos teria

comunicado e pedido um adiamento. — Está na hora.

Uma luminosidade esverdeada saiu da vigia da nave

esférica, dando um brilho fantasmagórico ao romper do

dia. Ao leste, o primeiro tom rosado surgia no horizonte.

Lá embaixo, a energia liberada iniciava sua ação

fulminante, transformando produtos da técnica humana

em montões de metal derretido. A rocha gotejava e, ao

endurecer, assumia formas bizarras. A terra deslizava,

emitindo um chiado ao volatizar-se. Aos poucos, a

marcha destrutiva foi prosseguindo em direção à saída da

galeria.

De início, a sentinela postada ali percebeu o aumento

da temperatura. Depois de algum tempo, os vapores

corrosivos começaram a sair da galeria e abriram caminho

até os pulmões do homem. Este, vencendo o pavor que

começava a dominá-lo, deu o alarma. Dentro de poucos

segundos, todos estavam de pé no acampamento. A rocha

liquefeita saiu da galeria e, em contato com o ar frio da

manhã, endureceu, fechando a entrada fumegante.

* * *

Klein afastou-se da janela. Eram quatro e dez da

manhã.

— A galeria deixou de existir, Tako. Você prestou um

grande serviço à humanidade. Além de prevenir Rhodan,

fez com que há esta hora não houvesse ninguém na

galeria.

— Não foi fácil convencer o coronel Cretcher da

existência da radioatividade. Ainda bem que consegui

introduzir alguns gramas de urânio na galeria.

Li e Kosnow levantaram-se e, em silêncio, apertaram

a mão do japonês.

— Dê lembranças a Rhodan — disse Klein. — E diga-

lhe que poderá contar sempre conosco. Diga-lhe, também,

que aguardamos o dia em que poderemos estabelecer

contato com ele em caráter oficial.

— Não esquecerei — prometeu Tako, apertando a

mão dos três homens. — Podem ter certeza. Ainda

teremos oportunidade de dar provas de lealdade e

coragem. Passem bem e até a vista...

No mesmo instante, os três se viram sós. E Tako

Kakuta voltou a materializar-se na cabina de comando da

Stardust.

Bell, de costas para a vigia, bocejava.

— Está no fim — disse. Estou cansado; vou dormir

um pouco.

De repente, a dois metros de distância, um ser humano

surgiu do nada. O homem inclinou-se ligeiramente e,

dirigindo-se para Rhodan, disse:

— Minha missão foi cumprida, senhor Rhodan. Vim

para oferecer meus serviços.

Embora o cérebro de Bell funcionasse com uma

extraordinária rapidez, a surpresa sobrepujou a razão.

Rhodan lhe havia falado a respeito do poder de que Tako

era possuidor. Mesmo assim, o impacto de ver um ser

humano surgir vindo não se sabe de onde surpreende pelo

que tem em si de fantástico.

— Feche a boca, Bell, senão Tako é capaz de cair

dentro do seu estômago — recomendou Perry, rindo,

antes de dirigir-se ao japonês.

— Aceito os serviços que me oferece Tako.

Juntamente com Marshall, você representa um poder

imenso. Tenho certeza de que conseguiremos nosso

objetivo.

— Se eu não acreditasse nisso, não estaria aqui —

respondeu o japonês com humildade. Mas, nos seus olhos,

brilhava o orgulho.

Bell aproximou-se e, com um sorriso, colocou a mão

sobre o ombro de Tako, murmurando em seguida:

— É verdadeiro!

— Claro que é! — interveio Rhodan. — Acreditava

que fosse um fantasma?

— Escute. Você pode deslocar-se para qualquer lugar

a qualquer momento?

— Posso senhor Bell.

Um brilho estranho surgiu nos olhos de Bell.

— Mesmo para o interior da nave dos arcônidas?

— Por que não?

Bell sorria.

— Tako, será que você pode verificar se Thora já

concluiu o contra-ataque? Acho que não há nada demais

em saber, não é, Perry?

Perry Rhodan concordou.

— Claro que não! E pouparíamos uma caminhada até

lã. O que acha Tako?

O japonês aproximou-se da vigia e olhou para a nave

esférica.

— Está bem...

Antes que Bell pudesse dizer qualquer coisa, ele

desapareceu. Dali a alguns segundos, Bell começou a

falar:

— Fico satisfeito só em pensar no susto que Thora vai

levar quando, de repente...

Quem levou um susto foi ele. No mesmo instante,

Tako voltou a aparecer em sua frente. Seus olhos sorriam

como se pedissem perdão. Disse:

— Sinto muito, mas a senhorita Thora não pôde me

atender. Estava indo para a cama.

Um sorriso galhofeiro brincou em torno dos lábios de

Perry.

— E daí?

— É, e daí? — perguntou Bell, triunfante. — Ela se

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139

assustou?

— Não chegou a me ver — explicou Tako. —

Materializei-me atrás das suas costas. Estava tirando a

roupa.

— Tirando a roupa?! — Bell arregalou os olhos. Mas

logo se controlou. Seu rosto iluminou-se. Colocou as

mãos nos ombros de Tako.

— Já somos bons amigos, concorda? Nossa amizade

só tende a crescer, não é?

— Naturalmente — gaguejou o japonês, sob o peso

das mãos do gigante. — Por que pergunta?

Bell cochichou-lhe ao ouvido:

— Que tal você me ensinar a teleportação?...

E arrastou Tako Kakuta, surpreso, para fora da cabina.

Perry Rhodan seguiu-os com os olhos. Sorria. Antes

de deitar, lançou um olhar pela vigia.

O deserto estava vazio. A paz reinava nele.

Lá longe, ao leste, o céu tornava-se rubro. Um novo

dia raiava. O que traria?

FIM

A nave dos arcônidas, pousada na Lua, foi destruída num ataque de surpresa lançado

pelas potências terrenas. Apesar disso, a base de Rhodan, montada no deserto de Gobi,

mantém-se intacta sob a proteção da cúpula energética. E o fator decisivo é este. Só a

Terceira Potência pode dominar a nova crise que teve origem com a destruição da nave dos

arcônidas. Saiba como isso acontece, lendo o quinto episódio da série:

ALARMA GALÁCTICO

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140

Nº 05

De

Clark Darlton

Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Vitório Revisão e novo formato

W.Q. Moraes

O impossível acontece! Num ataque de surpresa, as superpotências terrenas

destruíram, na superfície lunar, a nave dos arcônidas, uma raça semelhante aos

homens, que domina um grande império galáctico.

Apenas dois arcônidas sobreviveram ao ataque e se encontram em segurança junto

a Perry Rhodan, o homem que descobriu a nave dos arcônidas e, com o auxílio dos

recursos tecnológicos infinitamente superiores dos mesmos, formou a Terceira

Potência. Perry Rhodan impediu a guerra mundial que há tanto tempo ameaçava a

humanidade. E agora, quando um novo perigo, vindo do espaço cósmico

desencadeia o Alarma Galáctico, mais uma vez a Terceira Potência realiza uma

intervenção decisiva.

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141

I

— Você nunca compreenderá! Não conseguirá

entender nenhum dos impulsos. Seu cérebro ficará

confuso. Você...

Thora interrompeu-se em meio à frase. As palavras

não lhe acudiam com a rapidez exigida por sua ânsia

incontida.

“Como é fácil descobrir

suas intenções”, pensou Perry

Rhodan. “O que a deixa

preocupada não é meu

cérebro. Na verdade, quer

convencer-me de que sou um

ser tão subdesenvolvido que

nunca chegarei a compreender

seus segredos.”

— O que importa? —

retrucou. — Você não tem

nada a perder. Só poderá ficar

satisfeita ao ver Perry Rhodan

transformado num idiota

balbuciante, não é?

Thora percebeu que

Rhodan lhe armava uma cilada

e ficou aborrecida por notar

que isso era fácil para ele.

— Não se trata disso —

respondeu em tom seco. — Os

cristais informáticos só podem

ser ativados um número

limitado de vezes. Devemos

evitar qualquer desperdício, especialmente quando a

perspectiva de um fracasso é tão patente como no

presente caso.

Perry Rhodan virou a palma da mão direita para

cima.

— Thora, você está sendo injusta comigo! — disse

em tom suplicante. — Não compreendemos tudo o que

nos foi apresentado até agora?

Thora estalou os dedos, num gesto de desprezo.

— O que você aprendeu até agora não é nada em

comparação ao que lhe está reservado.

Rhodan voltou-se para Crest que, como de costume,

estava muito sério. Só quem o conhecesse adivinharia

pelas rugas de sua testa o quanto estava se divertindo.

“Uma única situação destas vale mil programas de

ficção”, pensou Crest. “Oh Senhor dos Mundos! A mais

inteligente das arcônidas e um homem que é um

verdadeiro semideus; e comportam-se como crianças.”

Na verdade, tratava-se de coisas muito mais

importantes. Depois de alguma resistência, Thora acabara

concordando em que Rhodan e Bell adquirissem parte da

ciência arcônida através do método de ensino hipnótico.

Mas, agora que Rhodan propusera que, para alcançar

maior grau de eficiência, os últimos segredos lhe fossem

revelados, ela passou a opor uma resistência encarniçada.

Todavia, Crest ponderou que os dois arcônidas só

poderiam contar com a energia dos subdesenvolvidos,

cujo auxílio poderia tornar-se muito mais eficiente se lhes

fossem transmitidos os conhecimentos necessários.

Apesar disso, Crest teve de fazer valer a autoridade

de que se achava investido na qualidade de membro da

dinastia reinante dos arcônidas, e que também se estendia

a Thora, para quebrar a resistência que a mesma opunha à

sugestão de Rhodan.

Este se sentia bastante atingido pela obstinação de

Thora, muito mais do que se dava conta. Encerrando a

palestra; disse:

— Muito obrigado pela confiança. Verá que a

mesma não foi mal aplicada em mim e em Bell.

Dirigindo-se a Thora, observou:

— Com o tempo, você se

convencerá de que não tenho a menor

intenção de prejudicá-la ou ferir seu

orgulho.

Achou necessário acrescentar

essas palavras, embora soubesse que

Thora não tinha a menor

receptividade para elas. Ainda não

tinha.

***

— Vá para o inferno! — disse

Reginald Bell em tom exaltado.

Procurou disfarçar o susto que

Tako Kakuta lhe metera ao surgir,

repentinamente, ao seu lado, vindo do

nada.

Um sorriso surgiu no rosto

redondo e infantil de Tako.

— Por que devo ir para o

inferno? — perguntou em voz fina.

— Mereço coisa melhor. Trago

notícias boas.

— Notícias boas? — perguntou Bell. — De que

lugar, deste mundo de Deus, ainda podem vir notícias

boas?

— As notícias vêm de Tai-tiang — disse Tako,

sempre sorrindo. — Acabou reconhecendo que mesmo

com a tal Divisão de Engenharia não conseguirá nada

contra a Terceira Potência. Seus homens estão se

retirando.

Bell já sabia que Tai-tiang não teria alternativa,

depois que a Terceira Potência havia destruído a galeria

por meio da qual pretendiam passar por baixo da cúpula

energética, para destruir a nave dos arcônidas com uma

explosão nuclear. Apesar disso, a notícia de Tako

produziu certo alívio em sua mente.

— Obrigado, Tako — disse com um ligeiro suspiro.

— Até logo, capitão — respondeu Tako e

desapareceu.

Bell continuou fitando o lugar em que o japonês

estivera. Parecia pensativo. Nos últimos meses

conformara-se com a ideia de que só os arcônidas seriam

capazes de oferecer novidades que pudessem espantar um

homem à prova de choque como ele. Levaria algum

tempo para aceitar o fato de que Tako Kakuta não era

outro arcônida, mas um ser como ele. Ainda se assustava

quando o teleportador surgia, vindo do nada, para depois

de algum tempo voltar a desaparecer, como que

dissolvido no ar.

Reginald Bell refletiu sobre o dom estranho da

teleportação. Embora Tako lhe oferecesse várias

demonstrações por dia, o fenômeno ainda lhe parecia tão

Personagens principais deste episódio:

PERRY RHODAN — Chefe da Terceira Potência. REGINALD BELL — Amigo e auxiliar direto de Rhodan.

TAKO KAKUTA — Homem que deve o dom da teleportação à explosão atômica de Hiroxima. CREST e THORA — Únicos sobreviventes da expedição espacial dos arcônidas. JESSE MORGAN — Um jovem curioso de profissão. CAPITÃO ZIMMERMANN — Oficial do Serviço Secreto. Só acredita no que vê. ALLAN D. MERCANT — Chefe dos Serviços de Defesa Internacional. Seus colaboradores acreditam que sabe ler pensamentos.

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142

inacreditável e apavorante como um cavalo que lhe desse

bom-dia. Subitamente ouviu um zumbido, vindo da

parede, e o brilho suave da tela interrompeu o crepúsculo

frio que reinava na sala.

O rosto de Rhodan surgiu na tela.

— Bell, gostaria de falar com você — disse Rhodan.

— Tem tempo?

— Tenho. E no seu camarote?

— É sim. Crest também está aqui. Bell acenou e saiu

da sala. A tela apagou-se.

Quando entrou no camarote de Rhodan, este disse:

— Pretendemos dizer adeus a Terra por alguns dias.

Bell aguçou os ouvidos. Crest continuou:

— Enquanto se completa o treinamento hipnótico,

os senhores precisam do máximo de repouso. Além disso,

nossa excursão terá outra finalidade. Não é de supor que

nossa nave pousada na Lua tenha sido totalmente

destruída. Não acredito que um míssil terrestre tenha

tamanho poder de destruição. Acho que, se procurarmos

com calma conseguiremos salvar alguns objetos

importantes.

A decolagem da nave foi marcada para dali a dois

dias. Enquanto isso, a tripulação, especialmente Bell e

Rhodan, desenvolvia uma atividade que fez retumbar os

corredores da nave.

Em virtude das funções que lhe cabiam, a nave

dispunha de um grupo de robôs de reparo. Para Rhodan,

qualquer segundo durante o qual estes permaneciam

inativos, atirados ou encostados no depósito, representava

um desperdício. Por isso, pediu a Crest que elaborasse um

programa das atividades dos robôs.

— Quando estará pronto o programa? — indagou.

— Daqui a dez minutos.

— Caramba! — exclamou Rhodan. — Em dez

minutos?

Crest confirmou com um movimento de cabeça e

dirigiu-se à escrivaninha. Rhodan, ao sair, marcou a hora.

Pensativo, dobrou um ângulo do corredor. Não vira

a pessoa que se aproximava do outro lado. Quase esbarrou

em Thora.

— Oh, desculpe! — disse com um sorriso,

ligeiramente perturbado.

Thora parecia estar de bom humor. Lançou-lhe um

olhar irônico.

— Se continuar a desenvolver tanta energia, um dia

acabará atravessando a parede, sem precisar fazer a curva.

— E se um belo dia você conseguir ser menos

presunçosa, até que será uma mulher agradável —

respondeu Rhodan.

Thora estreitou os lábios. Virou-se abruptamente e

desapareceu em outra curva do corredor. Suspirando,

Rhodan continuou seu caminho.

Tako Kakuta estava esperando por ele. Rhodan

entregou-lhe um maço de papéis com anotações.

— Leia isto, Tako. Depois falaremos a respeito.

Sem perda de tempo, Tako pôs-se a examinar as

anotações de Rhodan. Este hesitou um pouco antes de

por-se a caminho para junto de Crest.

— Chegou bem na hora, Rhodan — disse o cientista.

— Acabei neste instante.

Tomaram um elevador e desceram ao depósito de

robôs.

— Fiz um programa para cada um deles — disse

Crest com certo orgulho. — Quando voltar ficará

admirado com o trabalho destas máquinas.

Havia uns vinte robôs-trabalhadores com funções

universais. Todos eles tinham forma humanóide. Os

arcônidas haviam descoberto que esta representava o tipo

ideal em meio ao arsenal inesgotável das gerações. Dessa

forma, haviam dotado seus robôs de dois braços, duas

pernas, mãos com cinco dedos, inclusive um polegar, uma

cabeça que continha o equivalente positrônico de um

cérebro humano, inclusive os órgãos dos sentidos mais

importantes. A postura ereta permitia aos robôs

contemplarem o mundo da mesma perspectiva que os seus

construtores. Apesar das suas funções universais, podiam

receber uma programação específica para determinadas

tarefas.

O programa que Crest elaborara para cada uma das

máquinas estava registrado numa delgadíssima fita de

plástico.

— Aqui estão registrados todos os impulsos —

explicou.

Pôs-se a introduzir os programas nos robôs. Essa

atividade consistiu tão-somente em colocar a fita de

plástico numa fenda, que era encontrada num ponto

diferente em cada uma das máquinas. Feito isso, era só

esperar que o robô emitisse um zumbido e desse sinal de

que estava pronto a entrar em funcionamento.

— Depois de uma pausa tão longa, a ativação

demorará alguns segundos — explicou Crest.

Para Rhodan, alguns segundos pareciam um tempo

insignificante em comparação com a atividade que as

máquinas logo começaram a desenvolver. Zumbindo

como abelhas, começaram a se movimentar, afastando-se

de sua posição primitiva. Desviando-se uns dos outros

sempre que corriam risco de esbarrar, marcharam em

direção ao elevador pelo qual Crest e Rhodan haviam

descido poucos minutos antes. Quando a última máquina

acabou de subir, Rhodan deu uma risada.

— Meu Deus! — suspirou. — Nunca seria capaz de

imaginar que uma coisa dessas pudesse existir realmente.

— Pois ficará admirado de ver o que estes robôs

sabem fazer — respondeu Crest. — Trata-se de robôs

genuínos, que, até certo ponto, são capazes de pensar e

agir de forma independente. Não sei o que seria da cultura

arcônida se não existissem estas máquinas.

***

Os robôs não saíram diretamente da nave. Antes

disso, reuniram os objetos que, segundo o programa,

tinham de levar para fora.

Ao conceber seu plano, Rhodan tivera a ideia de não

desperdiçar um instante do tempo de que dispunham para

cumprir as tarefas ambiciosas que se haviam imposto.

Rhodan percebeu uma chance que não deveria perder e

que lhe permitiria obter, das indústrias terrenas, as peças

necessárias à construção de uma nave ultraveloz e de raio

de ação ilimitado, desde que fizesse encomendas bem

definidas. Mas a montagem da nave só poderia ser

realizada sob a proteção da cúpula energética. Face às

condições reinantes na Terra, ele cometeria um erro de

extrema gravidade se assumisse o risco de incumbir à

indústria terrestre da construção da nave. Esse receio

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143

tinha sua origem tanto na política das grandes potências,

como no caráter humano.

Rhodan sabia perfeitamente que o espaço existente

sob a cúpula energética seria bastante para realizar a

montagem final, mas nunca pensara em comprimir todo o

processo produtivo numa área de apenas oitenta

quilômetros quadrados.

Ficou entusiasmado com a atividade enérgica e

resoluta dos robôs. Depois de haverem retirado da nave os

materiais de que precisavam para seu trabalho,

empilharam os mesmos num local afastado e puseram-se

a aplainar o solo.

Rhodan tinha certeza de que, quando retornassem de

sua viagem, grande parte do serviço estaria concluída.

***

Tako Kakuta concluíra a leitura das anotações.

Quando Rhodan entrou em seu camarote, estava reclinado

numa poltrona giratória, olhando, pensativo, para o alto.

— Compreendeu tudo? — perguntou Rhodan

laconicamente.

— Sim, senhor. Não será nada fácil... Rhodan pegou

uma cadeira e sentou em frente de Tako.

— Ouça Tako! — começou a falar em tom

insistente. — O assunto é muito sério. Para conservar a

amizade de Crest e daquela mulher, teremos de construir

uma nave cujo raio de ação seja bastante amplo. Se não

conseguirmos levá-los ao seu planeta natal e trazê-los de

volta, morreremos de velhice antes de conseguirmos fazer

alguma coisa que imponha respeito aos habitantes da

Terra. Precisamos do auxílio de Crest e, para

conseguirmos que este faça por nós tudo que estiver ao

seu alcance, precisamos de uma boa nave.

— Sim, compreendo — disse Tako.

— Estarão atrás de você — prosseguiu Rhodan. —

Será caçado pelos serviços secretos e terá de cuidar-se o

mais possível. Encontrará muita gente que, de olho no

dinheiro, gostará de entrar em negócios conosco e estará

disposta a fornecer qualquer coisa de que precisemos.

Mas não duvide de que, entre essa gente, haverá pessoas

que lhe farão ofertas fabulosas e avisarão a polícia assim

que você lhes der as costas. Nunca confie demais na

faculdade especial de que é dotado. O serviço secreto

levará uns cinco ou seis dias para descobrir que é um

teleportador. Daí em diante; atirarão sem avisar, à traição,

se for necessário. Você receberá um traje protetor dos

arcônidas, que lhe prestará bons serviços. Mas, em última

análise, o responsável pela sua segurança será você

mesmo.

Tako confirmou com um movimento de cabeça e

repetiu:

— Sim, compreendo.

— Você mesmo decidirá por onde vai começar o seu

trabalho. Talvez tenha mais sorte junto às empresas

privadas. Dar-lhe-ei uma relação completa dos artigos de

que precisamos. Na opinião de Crest, a nave deve ter,

pelo menos, trezentos metros de diâmetro. Muita gente

pensará que você está louco, quando pedir andaimes para

uma construção de plástico de trezentos metros de altura,

ou alguns geradores na base de fusão com uma potência

de cem milhões de megawatts. Além disso, deverá ter

cuidado para que nenhuma firma forneça tantas peças que

se possa adivinhar para que sirvam. Não se iluda. Trata-se

da tarefa mais difícil que já lhe foi confiada. Deverá estar

preparado até o momento de nossa decolagem.

Rhodan levantou-se. Tako também se levantou e fez

uma mesura. Rhodan sorriu e deu-lhe uma palmadinha no

ombro.

— Faça um serviço bem feito, Tako! Muita coisa

depende disso.

* * *

Rhodan estava preparando a relação que seria

entregue a Tako. Eram muitas as peças que teriam de ser

providenciadas num breve espaço de tempo.

A indústria terrena não seria capaz de fornecer os

mecanismos propulsores de velocidade superior à da luz.

Crest esperava encontrar, na nave destruída, algumas

peças que poderiam ser utilizadas. Quanto ao resto,

encomendariam as partes separadas, que teriam de serem

montadas sob a cúpula energética.

Rhodan sentiu uma tensão eletrizante ao lembrar-se

de que faltavam menos de setenta horas até o momento

em que conheceria o segredo da propulsão a velocidade

superior à da luz.

Fitando a lâmpada mortiça do camarote, deixou que

seus pensamentos vagassem livremente.

Bell entrou correndo, sem anunciar-se. Estava

exaltado e fungava.

— Klein está dando sinal! — disse apressadamente.

— Temos de mandar Tako para fora.

— Klein?

Bell fez que sim.

— Acho que devíamos apressar-nos. Klein não

gostará de ficar rastejando por muito tempo pelo deserto

sob o olhar de Tai-tiang.

Rhodan ligou o equipamento de intercomunicação.

O rosto sorridente de Tako surgiu na tela.

— Explique a ele! — pediu Rhodan, dirigindo-se a

Bell.

— Klein transmitiu o sinal convencionado — disse

pela segunda vez. — OPQ na faixa de 6,3 megahertz. Está

esperando no lugar combinado. Você deve-se pôr-se a

caminho o quanto antes.

Tako fez que sim.

— Irei imediatamente, capitão.

Nem deu tempo para desligar o aparelho. Viram que

de um instante para outro ele desapareceu do lugar em

que se encontrava.

O capitão Klein ocupava três funções como agente:

em caráter profissional, trabalhava para o Conselho

Internacional de Defesa; por convicção, lutava pela paz e

o entendimento entre os povos; e, finalmente, como aliado

da Terceira Potência, também desempenhava suas

funções de agente secreto. Conforme se esperava dele,

reunira-se às suas tropas, juntamente com seus

companheiros Kosnow e Li e se retirara em companhia

delas. Assumia-se o risco de abandonar a segurança

proporcionada pelo acampamento militar para aventurar-

se até as proximidades da cúpula energética, devia ter

uma razão muito forte para isso.

O sinal OPQ na faixa de 6,3 megahertz significava

uma pequena elevação, situada a cerca de seis

quilômetros ao sudoeste do lago. Klein dispunha de várias

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144

senhas para entrar em contato com a equipe de Rhodan.

Cada uma delas indicava um lugar de encontro.

Tako Kakuta voltou após quinze minutos. Rhodan e

Bell fitavam a tela de telecomunicação, para vê-lo

materializar-se. Mas, em vez de fazer sua aparição em seu

próprio camarote, surgiu inopinadamente na sala em que

Rhodan se encontrava.

Bell sobressaltou-se.

Tako não lhe deu atenção. Voltou-se para Rhodan.

Parecia muito nervoso.

— Tenho notícias más, senhor! Pequim deu

instruções a todos os setores da indústria estatal para

entregar imediatamente ao serviço secreto qualquer dos

nossos agentes que procure estabelecer contato com eles.

Moscou deu ordens idênticas para o seu território e, na

área da OTAN, a partir de hoje, qualquer empresário que

entabule negociações conosco, está sujeito a algumas

penas bastante graves.

Rhodan ficou pensativo por um instante.

— Algum espertalhão deve ter descoberto os nossos

planos — disse com a voz pausada. Deu dois passos,

virou-se abruptamente e encarou o japonês. — Tako! Sua

tarefa continua inalterada. Apenas receio que terá de ser

ainda mais cauteloso.

II

A nave decolou conforme fora previsto. Os robôs

haviam trabalhado durante dois dias, e a tarefa de que

foram incumbidos estava adquirindo certa forma.

Havia um número suficiente de geradores de campo

para manter a cúpula energética, durante a ausência da

nave. Alguns dos aparelhos foram colocados a bordo para

frustrar os planos que os comandos militares da Terra

elaboraram assim que lhes foi comunicada a decolagem

da nave.

Durante a viagem, não havia qualquer serviço a

executar. O equipamento de direção automática da nave

funcionou de acordo com os dados introduzidos por Crest.

A oitocentos quilômetros da Terra os equipamentos

de bordo localizaram o primeiro foguete. Em poucos

segundos, surgiu nas telas de vigilância ótica sob a forma

de um fugaz raio metálico. Rhodan não conseguiu

impedir que o susto lhe gelasse o sangue e o fizesse

prender a respiração por um instante. Viu a esfera

incandescente gerada pela explosão e só se acalmou

quando comprovou que nada tinha sido alterado no

interior da nave. O brilho da explosão dissolveu-se no

espaço e foi desaparecendo. A nave dos arcônidas

afastava-se a uma velocidade cada vez maior.

Rhodan virou-se. Bell estava atrás dele. Ambos

conseguiram esboçar um sorriso amarelo.

— Até parece uma festa de Natal — disse numa voz

a que não conseguiu imprimir firmeza suficiente para

ocultar o medo de que, pouco momento antes se sentira

possuído.

Crest exibiu seu sorriso manhoso, mas amável.

Thora manteve-se impassível. Seu rosto imóvel continuou

a contemplar a tela.

Houve uma série de novos ataques, entre oitocentos

e três mil quilômetros de altitude. O invólucro protetor da

nave repeliu ao todo quinze foguetes sem que se sentisse a

mais leve oscilação.

Após isso, o bombardeio cessou e a nave entrou

numa órbita situada a quatorze mil quilômetros da

superfície da Terra.

— Podemos dar início à instrução — disse Crest. —

Como viram os foguetes não nos fazem nada. Mesmo que

o bombardeio fosse reiniciado, isso não nos perturbaria.

Rhodan estava de acordo. Uma vez vencido o pavor

do impacto de algum dos foguetes, sentiu-se tomado de

novo pela curiosidade de conhecer os últimos segredos da

ciência dos arcônidas.

O procedimento era idêntico ao que ele e Bell já

tinham experimentado por várias vezes. Deitados

confortavelmente foram ligados aos informador-

transmissores.

— O processo durará cerca de três horas — disse

Crest. — Desta vez vamos lidar com um assunto

extremamente difícil; até para mim.

Depois de examinar o equipamento, perguntou:

— Estão prontos?

— Estamos — responderam Rhodan e Bell.

A consciência de Rhodan desvaneceu-se em meio ao

pensamento a respeito dos motivos por que Thora não

teria vindo para assistir ao início da operação.

Rhodan nunca saberia contar o que sentira durante o

tratamento. Só conseguia lembrar-se de um torvelinho de

informações fragmentadas, das quais não conseguia

extrair qualquer sentido. Não experimentava qualquer

sensação corporal. Percebia nitidamente o que estava

acontecendo, notava tudo que se passava em seu cérebro.

Mas, se não fosse o processo de indução hipnótica que

garantia a eficácia da instrução, não saberia o que fazer

das informações desconexas de que ainda se lembrava.

Sabia que o processo normal de instrução incluía um

período de recuperação cerebral, após a operação de

indução hipnótica. Lembrava-se de que das vezes

anteriores em que adquirira uma parcela do saber arcônida

através desse método, despertara alegre e bem disposto.

Por isso, ao despertar com uma dor de cabeça

latejante, soube imediatamente que algo de imprevisto

havia acontecido.

Crest, de pé ao seu lado, olhava-o com uma

expressão de perplexidade.

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145

Rhodan despertou imediatamente.

— O que houve? — gritou para Crest.

Ao lado dele Bell gemia. Rhodan não se preocupou

com ele. Bell ainda levaria algum tempo para recuperar a

consciência. Crest estremeceu.

— Está passando bem? — perguntou Crest.

— Sim, estou passando muito bem. O que houve?

Não estava passando bem coisa alguma. A dor de

cabeça era quase insuportável.

— Foi Thora — balbuciou Crest. — Ela...

Rhodan lembrava-se de que receara algo semelhante.

A facilidade com que Thora concordara com o projeto da

instrução hipnótica fora suspeita. Deviam ter

compreendido logo que ela estava tramando alguma coisa.

Levantou-se, arrancando os fios de comunicação

com o transmissor. Crest recuou apavorado.

— Onde está essa mulher? — berrou.

— Na sala de comando! — disse Crest com voz

lamentosa.

Rhodan não lhe deu mais atenção. A última coisa

que ouviu ao sair da sala foi à voz de Bell.

— Vá à frente, chefe! Daqui a pouco eu vou.

Rhodan passou pelo corredor que levava ao centro

da nave. Pôs a mão no quadril e tirou do coldre a pequena

pistola Smith & Wesson que sempre trazia consigo. Por

um instante, lamentou não ter consigo nenhuma das armas

dos arcônidas. Os pequenos projéteis revestidos de aço

seriam totalmente inúteis diante da escotilha da sala de

comando se Thora a tivesse fechado.

Ela a tinha fechado.

Não iria assumir qualquer risco em face de dois

homens cuja energia, medonha para as concepções de um

arcônida, já por diversas vezes lhe causara verdadeiro

pavor.

Rhodan acionou o dispositivo de chamada e

martelou a escotilha com os punhos cerrados. Nenhuma

resposta. Recuou três passos, até o local em que se

encontrava a primeira tomada de intercomunicação. Fez a

ligação e esperou ansiosamente que a tela se iluminasse.

Thora já esperava a chamada. Seu rosto tomou toda

a extensão da tela. Rhodan assustou-se. Nunca vira

tamanho ódio no rosto de qualquer ser vivo.

— O que houve? — perguntou Thora calmamente.

Rhodan refletiu. Chegou à conclusão de que não

adiantaria gritar com ela. Desde que a conhecia sempre

alcançara melhores resultados quando aplicava o método

de fazê-la sentir que se considerava superior a ela.

— Que tolice foi inventar desta vez? — perguntou

tranquilamente, com um sorriso de escárnio.

Ao que parecia Thora se pusera de sobreaviso contra

esse método. Não havia o menor sinal do estreitamento

instantâneo dos olhos que, das outras vezes, indicara o

quanto a ironia de Rhodan a ofendera.

Falou em arcônida, para dar a entender que

considerava o assunto exclusivamente seu.

— Estou cansada de me deixar tocar de um lado

para outro por um homem-macaco. É só.

Rhodan refletiu na resposta. Ouviu os passos de

Bell, que se aproximava pelo corredor. Com a mão

direita, que Thora não poderia ver refletida na tela, fez-lhe

sinal de que se mantivesse afastado. Bell obedeceu

prontamente.

— Diga-me uma coisa — voltou a falar Rhodan. —

O que acha que pode fazer para livrar-se de nós?

Pela primeira vez, notou um sinal de inquietação em

seu rosto.

— Pousarei na Terra e cuidarei pessoalmente de

tudo — respondeu Thora.

— De que coisas? Acha que conseguirá comprar

uma nave novinha em folha por aí?

— Não. Mas posso obrigar os homens a construir

uma.

— Obrigar? — Rhodan riu. — Como?

Thora recuou um passo. Na tela, Rhodan pôde

enxergar para além dela. Subitamente descobriu como

teria de fazer para dissuadi-la da loucura que pretendia

cometer.

— Você sabe perfeitamente que com as armas que

tenho a bordo desta nave posso acabar com qualquer

mundo igual ao seu — respondeu Thora.

Rhodan passou a desenvolver uma atividade febril.

Não tirou os olhos do rosto dela; aproximou-se mais do

aparelho de intercomunicação. Com a mão direita fez um

sinal a Bell, sem que Thora o visse. Apontou para o lugar

em que o soalho do corredor se encontrava com a parede

oposta.

Enquanto isso, Thora prosseguia:

— Pousarei no interior da cúpula energética e farei

com que os governos da Terra compreendam do que

preciso.

Rhodan abanou a cabeça, enquanto abria os dedos da

mão direita. O indicador continuou a apontar para o

soalho do corredor, mas o polegar mostrava a imagem que

se via na tela do intercomunicador. Não podia ver se Bell

o estava entendendo.

— Quero deixar claro que transformarei seu planeta

num montão de cinzas se meus desejos não forem

cumpridos.

— Para você é a maneira mais segura de ir para

casa, não é? — perguntou Rhodan em tom irônico.

Enquanto falava, modificou os gestos que fazia com

a mão direita. Curvou o dorso da mão, enquanto o dedo

médio apontava para cima. Depois de algum tempo, o

indicador passou a fazer movimentos de quem aperta o

gatilho de uma pistola.

Rhodan percebeu que começava a transpirar.

— Pense bem! — disse com toda calma de que era

capaz. — Então pretende destruir a Terra, porque ela não

cumpre seus desejos. O que lhe restará depois disso? Um

fim de vida miserável em Marte ou Vênus. É isso que

pretende?

Thora fez um gesto de desprezo.

— Acredita que os terranos deixarão que as coisas

cheguem a esse ponto? Farei com que compreendam que

não poderão esperar a menor compaixão da minha parte.

Rhodan passou a odiá-la por essas palavras.

— Os homens zombarão de você — disse em tom de

escárnio. Fez uma ligeira pausa de triunfo, ao ouvir que

atrás dele Bell se afastava sorrateiramente. — Farão

pouco de você; procurarão abrigar-se e terão a satisfação

de ver que, uma vez devastada a Terra, você estará em

situação muito mais difícil que antes.

Thora pareceu crescer em altura.

— Não farão nada disso! — respondeu fungando. —

Ninguém se deixa matar quando pode evitá-lo.

Rhodan encostou-se tranquilamente à parede, para

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146

mostrar que estava disposto a entreter uma palestra

prolongada.

— Pois é isso! Neste ponto você subestima os

homens. Não se iluda. De qualquer maneira, uns poucos

covardes que se disponham a ceder às suas exigências

para poupar a vida não poderão fazer muito por você.

Pretendia dizer mais alguma coisa. Mas, nesse

instante, percebeu um movimento na tela. Na parede da

cabina de comando, perto do lugar em que Thora se

encontrava, havia uma abertura do tamanho aproximado

de uma cabeça humana, e que servia à insuflação de ar.

Essa abertura dava para um conduto de metro e meio de

largura, que atravessava a nave em sentido vertical e

distribuía o ar puro vindo das câmaras de tratamento.

Na abertura surgiu primeiro o cano de uma pistola e,

logo a seguir, uma mão coberta de pêlos.

— Tudo em ordem, chefe! — disse Bell de tal forma

que Rhodan podia ouvi-lo pelo intercomunicador. —

Vire-se para mim e levante as mãos, menina!

Thora não chegou a virar-se. Ao ouvir a voz de Bell,

fez menção de voltar à cabeça. Mas, em meio ao

movimento, foi dominada pelo susto. Estendeu os braços

e, de bruços, caiu ruidosamente no piso.

— Muito bem! — exclamou Bell. — Ela quis assim.

Chefe arrebente logo a porta, antes que ela desperte.

Rhodan fez-lhe um sinal de aprovação. Chamando

por Crest, correu pelo corredor em direção à sala de

informações, onde ele e Bell haviam estado deitados sob a

influência do radiador hipnótico.

Crest estava de pé na escotilha aberta.

— Dê-me uma de suas armas! — disse Rhodan

esbaforido. — Preciso de uma arma com que possa abrir a

escotilha da sala de comando. Thora está inconsciente. Se

não nos apressarmos despertará e tudo terá sido em vão.

Crest saiu correndo.

Voltou dentro de trinta segundos. Respirando com

dificuldade, entregou a Rhodan a pesada pistola de raios

perfuradores.

— Aqui está! — disse. — Mas tenha cuidado.

Rhodan precipitou-se corredor afora. Enquanto

corria engatilhou a arma. Parou a cinco metros da

escotilha e dirigiu o feixe compacto de raios energéticos

para o dispositivo eletrônico de travamento.

O metal chiou, soltou bolhas e derreteu-se. Um furo

abriu-se na escotilha. Assim que pôde olhar através dele,

Rhodan suspendeu o bombardeio energético.

A escotilha já não representava o menor obstáculo.

Rhodan abriu-a sem dificuldade. Ouviu o desabafo de

Bell, vindo do orifício de insuflação de ar:

— Graças a Deus! Não seria capaz de atirar nela.

Thora ainda estava inconsciente. Depois de levantá-

la Rhodan acomodou-a num dos leitos encostados à

parede. Pôs a funcionar o intercomunicador e chamou

Crest.

— Faça o favor de vir até aqui — disse com a voz

tranquila. — Gostaria que estivesse presente quando ela

despertar.

Bell nem se dera tempo para enxugar o suor que lhe

escorria pela testa. Mas um largo sorriso cobria-lhe o

rosto.

— Você nem imagina o orgulho que sinto por ter

entendido a linguagem codificada dos três dedos.

Rhodan lançou-lhe um olhar sério.

— Afinal, você é um menino inteligente.

Crest entrou.

— Como foi que fez isso? — perguntou sacudindo a

cabeça.

— Foi assim — respondeu Bell, cortando o ar com

os dedos da mão direita.

Rhodan riu.

— Encontramos em tempo o conduto de ar —

explicou a Crest. — Bell desceu por ele. Quando Thora

percebeu que ele estava perto dela, desmaiou.

Crest sentou na beirada do leito em que Thora estava

deitada.

— Não é de estranhar — disse em tom pensativo. —

Quase morri há poucos minutos quando vi que os

senhores se levantavam.

— Por quê?

— Na fase inicial da aplicação da técnica de

treinamento hipnótico, quando mal havíamos construído

os primeiros aparelhos e ainda não dispúnhamos da

experiência necessária, houve alguns casos lamentáveis,

em que o processo de treinamento teve de ser

interrompido. Isso foi devido a influências exteriores. Em

todos esses casos, a pessoa cujo treinamento foi

interrompido perdeu a razão. A explicação é simples: no

curso do processo de treinamento hipnótico, o cérebro

encontra-se num estado de ativação muito intensa. Se não

tiver oportunidade de retornar lentamente às suas funções

normais, a confusão instala-se nele. Em consequência

disso, surge uma forma de loucura que nem mesmo os

nossos psiquiatras conseguem curar.

Ergueu os olhos e fitou primeiro Rhodan, depois

Bell.

— Compreendem o que quero dizer? Desde os

primórdios do treinamento hipnótico não existe, em

Árcon e nos mundos submetidos às leis arcônidas,

nenhum crime mais grave que a interrupção de um

processo de treinamento. Enquanto vocês estavam ligados

ao transmissor, Thora não receava qualquer interferência

de sua parte. Sabia perfeitamente que não me atreveria a

despertá-los antes de concluído o treinamento. E dentro

de três horas ela poderia ter levado a nave à Terra e

tomado as providências necessárias para que você,

Rhodan, não representasse mais qualquer perigo para ela.

Crest fez uma pausa.

— Assim mesmo você nos despertou! — disse

Rhodan, falando pausadamente e com a voz grave.

Crest fez que sim e baixou os olhos.

— Foi uma decisão muito difícil. Mas não me

restavam alternativas, senão, agir de acordo com os fatos.

Caso não os tivesse despertado, Thora pousaria na Terra e

inutilizaria os resultados dos nossos esforços. Não tenho a

menor dúvida de que as ideias dela teriam causado a

destruição do planeta e desta nave.

Ergueu os olhos e sorriu.

— O resto não passou de um exercício de

matemática infantil. De qualquer maneira teríamos

morrido. Por que, então, não iria aproveitar a única

chance de continuarmos vivos? Tinha uma leve esperança

de que a estrutura do cérebro de vocês fosse diferente da

dos arcônidas, de forma que estivessem em condições de

resistir ao choque provocado pela interrupção do

treinamento.

De repente mostrou-se radiante.

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147

— Não me enganei! A humanidade terrena...

Nesse instante Crest foi interrompido de forma

grotesca.

Atrás dele, alguma coisa começou a mexer-se no

leito. Sem conseguir dominar a voz, Thora disse:

— Crest, você é um traidor miserável!

Rhodan virou-se abruptamente. Bell levantou-se de

um salto e postou-se aos pés do leito. Crest não se abalou:

continuou sentado. Um sorriso triste esboçou-se em seu

rosto. Respondeu com a voz tranquila:

— Não, minha filha; não sou nenhum traidor. Você

ainda há de compreender. Apenas receio que isso ainda

leve muito tempo.

Thora fechou os olhos.

Rhodan lançou um olhar sério para ela. Quando esta

voltou a abrir os olhos, estremeceu.

— Ouça! — disse em tom ríspido. — Já estamos

fartos das suas idiotices, da sua obstinação e da sua

repugnante arrogância. Daqui em diante cuidaremos para

que não nos atrapalhe mais, enquanto não aprender a usar

a inteligência. Não tem nada a recear de nós. Não lhe

faremos mal. Mas é bom que saiba uma coisa: deste

momento em diante assumo o comando desta nave e

qualquer tentativa de realizar programas tresloucados será

considerada como amotinação, e punido de acordo com as

leis terrenas.

Thora não soube o que responder. Seu rosto

impassível não revelava o que se passava dentro de sua

cabeça.

Rhodan não restringiu sua liberdade de movimentos.

Apenas incumbiu Bell de exercer uma vigilância

cuidadosa sobre ela, enquanto estivesse em condições de

fazê-lo. Por enquanto pretendia continuar o treinamento

hipnótico e conclui-lo o quanto antes.

Rhodan lamentou não ter trazido o Dr. Manoli ou o

australiano. Qualquer um deles poderia ficar de olho em

Thora, enquanto ele e Bell estivessem ligados ao

transmissor de conhecimentos.

Nas condições em que se encontrava não lhe restava

alternativa, senão, entregar a pistola de radiação

energética a Crest, recomendando-lhe encarecidamente

que a usasse se Thora tentasse interferir novamente.

Feito isso, reclinou-se na poltrona e esperou

pacientemente que Crest substituísse o equipamento

transmissor que fora arrancado e começasse a prepará-lo

para o reinicio do processo.

Depois foi a vez de Bell.

— Pronto? — perguntou Crest.

— Pronto! — Veio à resposta. Seguiu-se

imediatamente a inconsciência abrupta e profunda

causada pelo treinamento hipnótico, que sempre voltava a

surpreender. Parecia que alguém havia arremessado uma

capa que cobria todo o mundo.

III

Tako Kakuta estava numa loja, renovando seu

guarda-roupa. Lembrou-se de que o suprimento de

dinheiro estava se transformando num problema bastante

sério para a Terceira Potência. Com a perda da nave dos

arcônidas, pousada na Lua, os meios de troca tinham-se

tornado escassos. Tinham de ser reservados para as

transações mais importantes.

Tako chegara a Petersburgo sem encontrar o menor

obstáculo. Rhodan dera-lhe ampla liberdade na escolha de

seu itinerário. Decidira visitar em primeiro lugar os

Estados da Nova Inglaterra, que abrigavam a maior

concentração da indústria norte-americana.

Tako abandonara a cúpula energética durante a

noite, junto ao lago salgado de Goshun. Sua vestimenta

especial permitiu-lhe voar em direção sul até Wuwei.

Chegou ao raiar do sol e aproveitou a primeira conexão

para Lantchou. Ali se abriam duas alternativas: voar a

Tchunking ou a Pequim, para tomar um voo

intercontinental destinado aos Estados Unidos. Optou por

Tchunking, pois Pequim, um lugar em que a polícia

secreta desenvolvia uma atividade intensa, era um sítio

muito perigoso para um homem como ele.

Tako estava consciente da vantagem que levava fora

da cúpula energética sobre qualquer dos membros da

Terceira Potência: não era conhecido. Ninguém

desconfiava de que era um homem de Rhodan. Nunca era

mencionado nos noticiários sobre a Terceira Potência,

irradiados periodicamente pelas emissoras de TV de todo

o mundo.

Decidiu aproveitar essa vantagem enquanto fosse

possível. Teria de deixar cair à máscara no momento em

que iniciasse as negociações.

Uma vez provido de boas roupas, pôs-se a trabalhar.

Pegou um táxi e foi à usina de ferro-plástico, um local que

parecia oferecer-lhe oportunidades bastante promissoras

para a realização dos seus objetivos.

A empresa Ferroplastics Limited pertencia ao grupo

Dupont, uma das famílias mais importantes dos Estados

Unidos.

Tako soube dar-se uma impressão imponente. Ao

anunciar-se, assegurou-lhe que fariam o possível para

conseguir, quanto antes, uma audiência com um dos

diretores.

Tako acrescentou com a maior ênfase:

— Não se esqueça de mencionar que se trata de

encomenda muito importante.

Adotara um nome suposto, que constava do

passaporte que trazia consigo. Não dissera nada sobre sua

procedência ou sobre a identidade de quem o incumbira

de fazer a encomenda. Por enquanto, poderiam acreditar

que estavam lidando com um representante da Federação

Asiática. Todo mundo sabia que no setor dos metais

plastificados a Federação Asiática ainda engatinhava atrás

das indústrias do Bloco Oriental e do mundo ocidental.

Fizeram-no esperar uns vinte minutos no enorme

hall. Mergulhou na leitura das revistas destinadas aos

visitantes, mas fazia-o de maneira a utilizar a borda

superior como horizonte visual, por cima do qual

observava os arredores. Através do hall fluíam e refluíam

as vagas humanas desencadeadas pela atividade febril da

grande usina. Não havia nada que devesse preocupar

Tako.

Dentro de vinte minutos o homem que o havia

recebido voltou a aparecer. Sorria.

— Consegui senhor — disse no seu falar arrastado

de americano. — O patrão quer recebê-lo imediatamente.

Tako esboçou um sorriso de cortesia.

— Meu caro, o senhor está enganado — respondeu.

— Sou eu que quero ser recebido pelo patrão. Como é o

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nome dele?

— La... Lafitte — gaguejou o jovem. — Quer fazer

o favor de subir comigo?

Tako levantou-se.

O escritório de Lafitte ficava no último andar do

imponente edifício. Enquanto era conduzido Tako

desfrutou a visão panorâmica sobre a cidade.

Assim que ele entrou, Lafitte levantou-se atrás da

mesa. O jovem que o havia acompanhado ficou do lado

de fora; fechando a porta dupla.

— Queira sentar! — disse Lafitte, apontando para

uma poltrona confortável.

Tako sentou. Recusou o cigarro que lhe foi

oferecido. Passou tranquilamente os olhos pela sala.

Lafitte começou a ficar nervoso, mas Tako não se sentiu

perturbado com isso.

Finalmente levantou os olhos e disse:

— Onde poderíamos conversar?

Lafitte parecia perplexo.

— Por quê? Não gosta daqui? Costumo discutir os

meus negócios neste escritório.

Tako concordou com um sorriso.

— Minha missão é muito difícil e delicada — disse

com a voz fina. — Não posso correr o menor risco. O

senhor compreende? Veja, por exemplo, esse vaso de

flores. Não acha que seria um ótimo esconderijo para um

microfone? Compreendo suas precauções, senhor Lafitte;

peço-lhe que também procure compreender as minhas.

A expressão do rosto de Lafitte mudou do espanto e

do desagrado para um princípio de contrariedade e

terminou num sorriso matreiro.

— Tenho a impressão de que não me mandaram

nenhum tolo — disse com a voz ligeiramente manhosa,

que não permitiu a Tako sentir-se seguro.

Levantou-se e saiu de trás da mesa.

— É claro que estou disposto a conversar num lugar

que lhe seja agradável — prosseguiu. — Faça uma

sugestão.

— Que tal meu hotel? Reservarei uma sala de

conferências.

Lafitte apontou para o telefone. Tako chamou o

hotel em que estava hospedado e reservou uma das

menores salas de conferências.

Enquanto desciam pelo elevador, observou Lafitte

com os olhos atentos. Não notou que este tivesse feito

sinal para que alguém os seguisse. Assim mesmo Tako

acreditava que estava tramando alguma coisa que não se

harmonizava com seus planos.

A viagem de táxi decorreu sem contratempos. Por

várias vezes Tako olhou pelo vidro traseiro; ao que

parecia, ninguém os estava seguindo. A não ser que se

tratasse de uma pessoa muito hábil; e Tako não excluía

essa possibilidade.

A sala de conferências fora preparada. Tako deu

instruções para que ninguém os perturbasse. Sentaram-se

a uma mesa pequena e baixa; Tako começou a agir.

Colocou Lafitte sob a influência de seu minúsculo

aparelho hipnotizador e ditou suas exigências.

— ...um revestimento de 0.75 metros de espessura

para uma esfera com exatamente 310 metros de diâmetro.

O material deverá ser de ferroplástico A-10 com um

aditivo de volfrâmio e terá de ser fornecido em peças

facilmente transportáveis. Ainda lhe transmitiremos

instruções precisas sobre a forma de entrega. A título de

compensação meu comitente lhe remeterá um gerador

antigravitacional. Trata-se de um aparelho capaz de

neutralizar um campo gravitacional até uma potência de

dez vezes o da Terra. Com isso obterá um valor que

representa muito mais que o das chapas de ferroplástico.

Não se esqueça de que terei de insistir no exato

cumprimento do prazo de entrega. Se esta não se verificar

dentro de trinta dias, nosso acordo ficará sem efeito. Não

celebraremos nenhum contrato escrito. Temos plena

confiança um no outro.

Tako levantou-se. Lafitte olhava-o com a expressão

apagada de quem se encontra sob influência hipnótica.

— Se acreditar que sou um agente da Terceira

Potência, faça o favor de abandonar essa ideia — concluiu

Tako com um sorriso. — Trabalho sob as ordens da

Federação Asiática que, conforme sabe, está atrasada no

setor do ferroplástico. A esfera que pretendemos construir

servirá como envoltório de um grande reator nuclear, cuja

construção está sendo iniciada. Faço votos para que a

encomenda seja executada a contento de meu comitente.

Aqui estão as instruções sobre a forma de entrega.

Entregou a Lafitte um maço de papéis que ele

mesmo escrevera no dia anterior, numa máquina

emprestada pelo hotel.

Desligou o hipnotizador e notou que o rosto de

Lafitte retornou à expressão normal. Ele levantou-se e

estendeu a mão a Tako.

— Fico satisfeito por termos chegado a um acordo

tão depressa — disse. — Ainda hoje submeterei o assunto

ao Conselho Fiscal. Acredito que não haverá dificuldades.

Afinal, teremos uma recompensa regia.

Tako abriu a porta da sala de conferências. O

corredor estava vazio. O sol penetrava por uma ampla

janela de frente, refletindo-se na passadeira brilhante.

— Não se esqueça de me informar sobre a decisão

do Conselho Fiscal — pediu Tako. — Meu comitente está

empenhado em receber o material com a maior rapidez.

Caso não haja interesse de sua parte, terei de procurar

outro fornecedor.

Sorrindo, Lafitte fez um gesto negativo.

— Não se preocupe. Tudo irá bem. Darei uma

solução ainda hoje.

Tako acompanhou Lafitte até o elevador. Assim que

este começou a descer, correu à janela e olhou para fora.

Lafitte saiu do prédio e chamou um táxi. Não olhou para

trás; entrou no carro que partiu imediatamente.

Tako esperou. Poucos minutos depois um carro

cinza afastou-se do meio-fio do lado oposto da rua e

disparou na mesma direção seguida pelo táxi de Lafitte.

Tako voltou ao seu apartamento. Estava pensativo.

O carro cinza não provava que ele fora seguido por

alguém que lhe controlava os passos. Mas não se podia

saber...

Tako pediu à telefonista que o ligasse com a

Ferroplastics Limited. Uma voz feminina respondeu.

— Meu nome é Yamakura — disse Tako. — Há

poucos minutos tive a honra de falar com o senhor Lafitte

a respeito de uma grande encomenda. Ele disse que

convocaria imediatamente uma reunião do Conselho

Fiscal. É possível que daqui a pouco tenha que telefonar

novamente, para dar outras informações a ele. Será que

poderei ligar para aí? As reuniões do Conselho Fiscal

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costumam ser realizadas nesse edifício?

— Por este telefone o senhor poderá alcançar o

senhor Lafitte a qualquer momento, senhor Yamakura —

respondeu a voz feminina. — A sala de sessões fica neste

edifício, perto da sala em que me encontro.

— Muito obrigado — disse Tako — A senhora me

prestou uma grande ajuda.

Logo a seguir, Tako tirou o terno recém-adquirido e

pôs a vestimenta transportadora que Crest lhe dera,

Colocou uma arma no bolso e também levou o

hipnotizador.

O rosto do porteiro assumiu uma expressão pateta,

quando viu o hóspede passar diante dele em tais trajes.

Mas Tako confiara em que nos hóspedes exóticos seriam

toleradas certas excentricidades.

Tako tomou um táxi e pediu ao motorista que o

levasse à sede da Ferroplastics Limited. Durante a viagem

ficou refletindo, para ver se descobria algum ponto

vulnerável em seus planos. Tudo parecia de uma

simplicidade tão extrema, que Tako desconfiou da

coordenação primária de suas ideias. Mas teve de

reconhecer que os recursos extraordinários de que

dispunha justificavam até certo ponto a simplicidade do

plano. Isso o tranquilizou.

* * *

Quase no mesmo instante Lafitte entrava

apressadamente no hall da Ferroplastics Limited. Já

avisara os membros mais importantes do Conselho Fiscal

e tinha certeza de que dentro de uma hora o órgão emitiria

uma deliberação que correspondesse às suas intenções.

Ao passar pela mesa telefônica, a senhorita Defoe

chamou-o.

— O que houve? — perguntou em tom impaciente.

— Não tenho tempo.

A jovem esboçou um sorriso suave.

— O senhor Yamakura acaba de telefonar.

Perguntou se por este telefone pode falar com a sala de

sessões do Conselho Fiscal.

— O senhor Yamakura? — Lafitte franziu a testa.

— O que é que ele quer?

— Por enquanto nada. Diz que talvez tenha de falar

com um dos conselheiros durante a sessão.

— Está bem. Ligue-me imediatamente com ele, se...

O que houve desta vez?

Um homem alto e jovem atravessou o hall e parou

perto de Lafitte. Notava-se que queria dizer alguma coisa.

— Eu o segui, patrão, conforme combinamos. Está

tudo em ordem?

— Sim, Morgan, tudo está em ordem.

Morgan hesitou. Ia afastar-se, mas continuou parado.

— Tem certeza de que tudo está em ordem?

Lafitte bateu o pé.

— Tenho, sim. Que inferno! Tenho certeza absoluta!

Morgan não se abalou.

— Muito bem — murmurou.

Afastou-se e saiu. Tirou o carro de junto da

escadaria e estacionou-o no lugar reservado. Voltou para

junto da telefonista. Lafitte já se afastara.

— Que história é essa, Morgan? — perguntou ela,

nervosa. — Por que está com medo?

Morgan pegou uma cadeira e sentou junto à mesa

telefônica. Deu de ombros.

— Não sei... Parece que fizeram um grande negócio.

Lafitte correu que nem um louco para reunir o Conselho

Fiscal ainda hoje. Acontece...

A telefonista sacudiu a cabeça.

— Não vejo nada de errado nisso.

— Já viu alguma vez como Lafitte costuma fazer

seus negócios?

— Nunca.

— O tempo que Lafitte leva para tomar uma decisão

costuma ser proporcional ao valor da encomenda. Nunca

levou menos de cinco horas para discutir um negócio. E

desta vez levou cinco minutos, ou talvez quinze, se

contarmos tudo. E agora convoca o Conselho Fiscal. Deve

tratar-se de um negócio muito importante. Se não fosse

assim, Lafitte decidiria sozinho. Concluiu um negócio

enorme em quinze minutos. É isso que me deixa

preocupado.

A telefonista sorriu.

— Ora essa! Só por isso faz tanto drama?

Morgan fez que sim.

— Você me deixaria escutar quando esse

Yamakura...

— Não, respondeu ela em tom ríspido. — Nunca

permito que alguém escute os telefonemas dos outros.

Mas Morgan conseguiu convencê-la.

Por algum tempo conversaram sobre assuntos

banais. Subitamente a porta do hall abriu-se. Ao ouvir o

ruído, Morgan virou-se. Viu o batente largo girar para

fora, voltar para dentro e oscilar até atingir sua posição de

repouso. Esfregou os olhos. Nem por isso o quadro se

alterou. No hall desenvolvia-se a agitação de um dia

movimentado. Não havia ninguém perto da porta.

A jovem teve a atenção despertada.

— O que houve?

— A porta abriu-se, mas não entrou ninguém.

O telefone chamou. Ela fez uma ligação e voltou a

colocar o fone no gancho. Depois disse:

— Você devia tirar férias, Morgan. Já está se

tornando ridículo com essa mania de ver fantasmas.

Morgan protestou.

Nesse instante aconteceu uma coisa estranha. Um

velho mensageiro estava atravessando o hall com uma

pasta. Subitamente parou, como se tivesse esbarrado em

alguma coisa, deixou cair à pasta, atirou os braços para o

alto e soltou um grito de pavor. Num segundo, Morgan

colocou-se ao seu lado.

— O que houve?

O velho estava com o rosto mortalmente pálido.

Tremia e falou gaguejando.

— Eu... ele... por aqui havia alguma coisa e esbarrei.

Foi aqui mesmo!

Morgan foi ao lugar apontado pelo velho.

— Tolice! — resmungou. — Aqui não há nada.

O homem sacudiu a cabeça.

— O que foi? — perguntou Morgan.

— Não sei dizer. Talvez tenha sido um homem. Se

for, não usava roupa igual a nós. Estava muito duro.

Morgan passou a mão pelo cabelo.

— Não viu nada?

— Aí que está! Não vi nada.

— Muito bem. — Morgan abaixou-se, levantou a

pasta e colocou-a sob o braço do velho. — Esqueça-se

disso e não conte a ninguém. De qualquer maneira, não

acreditariam.

Page 150: Perry Rhodan - 1º Ciclo - A Terceira Potencia - Volume I - P-01 - 05

150

— Sim senhor. Muito obrigado — disse o velho,

ainda perturbado.

Morgan voltou para junto da telefonista.

— O que houve? — indagou esta.

— O homem esbarrou em algo invisível.

Ela teve um acesso de riso.

— Fico me perguntando o que há de verdade em

tudo isso — disse Morgan com a voz séria.

A moça olhou-o, incrédula, e interrompeu-se em

meio à risada.

— Você não vai me dizer...

Morgan não respondeu. Apoiou a cabeça nas mãos e

ficou refletindo.

Depois de algum tempo a porta do hall voltou a se

abrir, desta vez para deixar passar dois membros do

Conselho Fiscal, que haviam sido convocados por Lafitte.

Passaram junto à mesa telefônica e cumprimentaram

a senhorita Defoe com um aceno de cabeça, sem

interromper a palestra em que estavam entretidos. Morgan

seguiu-os com os olhos. Para chegar à sala de sessões era

necessário atravessar um corredor largo e curto, separado

do hall por uma porta de vidro. Morgan viu perfeitamente

que, quando os dois homens passaram pela mesma, o

batente esquerdo logo voltou à posição normal, enquanto

o direito continuou aberto até que os conselheiros já

haviam andado uns três ou quatro passos pelo corredor.

Para Morgan já não havia a menor dúvida: uma

pessoa que sabia tornar-se invisível seguira os dois

membros do Conselho Fiscal. Estava a ponto de alarmar a

guarda do estabelecimento. Mas lembrou-se de que não

poderia apresentar qualquer motivo plausível. Zombariam

dele e os guardas continuariam nos seus postos.

Se alguma coisa pudesse ser feita, ele mesmo teria

de cuidar disso.

* * * Notava-se que Lafitte se orgulhava da encomenda

que conseguira negociar. Com uma enorme autoconfiança

apresentou a oferta aos membros do Conselho Fiscal, sem

perturbar-se com os rostos daqueles homens, que de

minuto a minuto, assumiam uma expressão cada vez mais

perplexa e contrariada.

Finalmente Whitmore levantou-se de um salto,

dando um empurrão na cadeira que a fez deslizar no

soalho.

— Senhor Lafitte — começou com a voz áspera. —

Como membro do Conselho Fiscal, quero dar expressão

ao espanto causado pela sua oferta. — À medida que

falava, enfurecia-se cada vez mais: — Acha que está

fazendo uma boa piada ao arrancar-nos das nossas

ocupações, arrastar-nos até aqui e submeter-nos essa

oferta absurda? Levante-se, Lafitte, e explique-se. Se não

o fizer, esta assembléia lhe dará uma lição de que nunca

se esquecerá.

Assim era Whitmore. Ia sentar-se para dar uma

oportunidade de defesa a Lafitte, que parecia bastante

perturbado. Mas, enquanto puxava a cadeira, uma ideia

pareceu surgir em sua mente.

— Espere — disse, fazendo um gesto nervoso em

direção a Lafitte. — O que nos oferecem mesmo em

pagamento?

— Um gerador antigravitacional — voltou a explicar

Lafitte. — Trata-se de um aparelho capaz de neutralizar

campos gravitacionais até a potência equivalente a dez

vezes a gravidade terrestre. É um equipamento de

transporte ideal, que ainda não existe em qualquer parte

do mundo.

Whitmore confirmou com um movimento de cabeça.

— Já que é assim — disse, passando os olhos pelos

homens sentados em torno da mesa de conferências —

considero a oferta perfeitamente viável.

Os outros homens assentiram. Ninguém parecia

lembrar-se de que há trinta segundos ainda consideravam

a oferta de Lafitte uma piada de mau gosto. Ninguém teve

a ideia de perguntar quem seria capaz, neste planeta, de

fornecer um aparelho com que até então à ciência mal

ousara sonhar. Subitamente, bastou-lhes que tal aparelho

fosse oferecido. Não duvidavam da idoneidade do autor

da encomenda.

Lafitte leu as condições de fornecimento e as

instruções de embarque. Chegou-se à conclusão de que

umas e outras poderiam ser cumpridas sem maiores

dificuldades.

Segundo a promessa de Lafitte, a sessão terminou

dentro de uma hora. A encomenda tinha sido aceita e as

instruções correspondentes foram emitidas

imediatamente. Os membros do Conselho Fiscal

despediram-se na convicção de terem concluído o maior

negócio da história da Ferroplastics Limited.

O homem que os ajudara a tomar essa decisão

esperou até que todos tivessem saído da sala. Como não

tivesse mais necessidade de concentrar todos os seus

esforços — situação em que se encontrara quando

começou a influenciar os membros do Conselho Fiscal —

achou preferível não voltar pelo hall, para evitar o risco

de novo incidente como aquele que há pouco tanto o

assustara. Concentrou sua mente num local abandonado

nas proximidades da sede da Ferroplastics Limited e para

lá se transportou num telessalto.

Conforme imaginara, aterrissou perto da rua, num

terreno baldio coberto de mato. Não havia ninguém que o

visse surgir.

Atravessou a rua e esperou até que aparecesse um

táxi vazio. Fez sinal. Poucos minutos depois desceu em

frente ao hotel. Entretido nos seus pensamentos, passou

pelo porteiro, entrou no elevador e subiu.

Estava satisfeito com o trabalho daquele dia.

A única coisa que o preocupava era o esbarrão no

mensageiro.

Não pudera evitá-lo, porque um segundo antes tivera

que desviar-se de outra pessoa. Notara perfeitamente que

o jovem esbelto que correra em auxílio do mensageiro

acreditara na história muito mais do que Tako teria

gostado. Ao que parecia alguém pretendia colocar-se no

seu encalço. Se tivesse bastante senso objetivo para

acreditar na história do homem invisível que esbarrara no

mensageiro, poderia transformar-se num adversário

temível.

Tako gravara bem seu rosto. Decidiu submetê-lo à

sua vontade assim que tivesse oportunidade para isso.

IV Abriu a porta do apartamento e entrou. Quando já se

encontrava perto da mesa, ouviu uma voz às suas costas:

— Não se assuste cavalheiro! Não lhe farei nada.

Tako virou-se instantaneamente. Cerrou os olhos e,

num movimento instantâneo, segurou a pistola.

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151

Viu um homem de idade sentado numa poltrona

perto da porta. Mantinha os braços erguidos, como que

assustado com a pistola.

— Santo Deus! — gemeu. — Vire isso pra lá! Não

trago nenhuma arma.

Tako baixou a pistola.

— Quem é o senhor?

— Será que isso vem ao caso? Sou uma figura sem a

menor importância nesse jogo. Mandaram-me até aqui

para dar-lhe um recado. Chame-me de Webster, se isso o

agrada.

Tako fitou o velho. Pela idade usava roupas muito

vistosas, o que lhe conferia um aspecto pouco sério.

— Qual é o recado?

— Preste atenção! Sabemos que está atrás de certas

coisas que só poderá conseguir com muita dificuldade e

enfrentando graves perigos. Oferecemo-nos como

intermediários. Podemos comprometer-nos a conseguir

qualquer coisa de que precise.

Com um sorriso de satisfação reclinou-se na

poltrona.

— É claro que pedimos um preço adequado —

acrescentou.

Tako fitou-o pensativo. Antes que pudesse formular

qualquer pergunta, Webster voltou a retesar-se na

poltrona:

— Antes que me esqueça: sabemos que o senhor

dispõe de uma série enorme de truques. Provavelmente

poderia influenciar-me para que lhe conte tudo que sei.

Peço-lhe que não o faça. Primeiro; não conheço a pessoa

que me confiou esta incumbência; depois, ela interpretaria

seu truque como um voto de desconfiança, o que a levaria

a suspender imediatamente as negociações. Se estiver

disposto a pagar bem, seremos os sócios mais leais que

poderia desejar.

— Quem seriam esses sócios? — perguntou Tako

laconicamente.

Webster deu de ombros. Tako enrugou a testa,

tomando lugar numa poltrona em frente à Webster.

— Como conseguiu entrar aqui? — perguntou.

— Ora! — disse Webster com um sorriso. — Para

um homem do meu tipo existem inúmeras possibilidades.

— Estou disposto a ouvir sua oferta — disse Tako.

— Onde poderei tomar conhecimento dela?

— Tenho o endereço. Espere! — interrompeu-se,

quando Tako ia pegar o cartão. — Antes de qualquer

coisa: não experimente seus truques conosco. Antes de

negociar com o senhor, submetê-lo-emos a todas as

provas. Sabemos que nos expomos bastante ao submeter-

lhe uma oferta. Por isso queremos que nosso risco seja o

menor possível. Entendido? — entregou o cartão a Tako.

— Manteremos nossa oferta pelo prazo de dez dias. Se

quiser aparecer, telefone para este número e diga:

Holoway chegará as quatorze horas, ou às oito horas,

conforme lhe convenha. Entendido?

Tako fez que sim.

— Não terão de esperar muito por mim — disse com

um sorriso.

Webster saiu. Deixou atrás de si um Tako muito

pensativo. Aquilo que Webster designava como seus

truques provavelmente eram seus dons extraordinários e

os recursos que as vestes dos arcônidas lhe

proporcionavam. Como poderiam saber disso?

A pessoa de Webster também representava um

enigma para ele. Ao que tudo indicava, pertencia a uma

das camadas inferiores da sociedade. Trajava-se e falava

como tal. Quem o teria enviado? Sua resposta à pergunta

de como entrara ali dava a entender que era um

arrombador ou coisa semelhante. Será que um bando de

arrombadores poderia prestar auxílio à Tako?

Conseguiriam roubar as peças do equipamento de uma

nave espacial de trezentos metros de diâmetro?

A ideia divertiu-o; recuperou a autoconfiança. Não

teria que temer nada. Pelo menos enquanto usasse as

vestes arcônidas e possuísse o dom da teleportação.

Assim, achou preferível não mudar de roupa para o

jantar. Desceu à sala de refeições tal qual estava e não se

perturbou com os olhares espantados dos outros hóspedes.

* * *

Webster entrou numa sala na qual só havia uma

mesa, duas cadeiras e, sobre a mesa, um telefone e um

aparelho de intercomunicação. Fechou a porta

cuidadosamente, depois de ter apagado a luz. Comprimiu

o botão do aparelho de intercomunicação. Uma luzinha

acendeu-se e uma voz áspera perguntou:

— O que houve?

— Aqui fala Webster. Acho que o homem virá.

— Muito bem. Mais alguma coisa?

— Não.

— Mas eu tenho uma coisa para você, Web.

— Diga.

— Finch deu com um sujeito que vive espionando

esse japonês. Seu nome é Morgan e vem da Ferroplastics.

Descobrimos que é detetive da empresa. Você e Finch

ficarão de olho nele até que Yamakura tenha fechado

negócio conosco. Não podemos permitir que alguém

fareje os nossos negócios. Não tenham a menor

consideração por ele.

— Está bem, chefe — respondeu Webster em tom

submisso.

— Outra coisa. Ligue o telefone para cá. Quero

ouvir o telefonema do japonês.

— Perfeito.

Webster comprimiu um botão que ficava na base do

aparelho.

— Finch instalou seu quartel-general no restaurante

Fratellini. Procure chegar lá quanto antes.

— Sim, chefe.

— Fim.

Webster desligou o aparelho de intercomunicação,

abriu a gaveta da mesa e tirou uma pistola. Feito isso se

levantou, apagou a luz e saiu.

Do outro lado da porta ficava um escritório. Via-se

uma fileira de cadeiras e escrivaninhas. Tudo estava

coberto por uma grossa camada de pó que só era

interrompida no trajeto da porta pela qual Webster

acabara de passar até a saída.

A Eastern Transport era uma firma que só existia na

placa colocada na porta de entrada. Se alguém lhe

quisesse confiar algum objeto para ser transportado,

diriam, numa linguagem adequada, que infelizmente

estavam tão sobrecarregados, que nas próximas oito ou

dez semanas não podiam aceitar nenhum serviço.

A porta de entrada dava para um corredor situado no

trigésimo andar de um arranha-céu. Há essa hora, o

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152

corredor estava vazio. Webster foi até o elevador e

desceu. Deu boa-noite ao porteiro, pegou um táxi e foi até

a Sétima Avenida, onde ficava o restaurante de Fratellini.

Finch estava sentado numa sala que o proprietário

costumava reservar para hóspedes especiais.

Webster sentou à sua frente.

Finch levantou os olhos.

— Parece que o peixe acaba de escapar da nossa

rede — disse, devagar e com a voz cansada.

* * * Jesse Morgan contribuíra involuntariamente para o

fracasso que os homens de Finch acabavam de sofrer.

Morgan era um dos detetives de Pinkerton e fora

destacado para o serviço da Ferroplastics Limited e não

demorou a descobrir que, ao esforçar-se para entrar em

contato com o japonês Yamakura, era seguido por vários

homens, que se revezavam e agiam com uma habilidade

extraordinária.

Gastou uma boa quantia em corridas de táxi,

entradas de cinema, uma enorme porção de sorvete que

nem chegou a tocar e uma boa dose de energia física para

livrar-se de seus perseguidores. Mas, com isso, seu plano

de entrar em contato com Yamakura no seu apartamento,

ainda naquela noite, caíra n’água.

Ficou refletindo sobre quem seriam as pessoas que

ficavam grudadas aos seus calcanhares. Depois que

Lafitte se recusara a informá-lo sobre as excentricidades

do japonês, Morgan encarou o assunto como objeto de sua

curiosidade pessoal. Pouco lhe interessava se de suas

investigações poderia resultar algo de útil para a

Ferroplastics Limited.

Morgan tinha uma ideia bastante nítida do japonês.

Até poucas semanas atrás, quando o noticiário entrou

numa estranha maré baixa, os jornais costumavam encher-

se de informações sobre os acontecimentos estranhos que

se desenrolavam no deserto de Gobi e que tinham sua

origem nas pessoas que costumavam designar-se como a

Terceira Potência. No caminho da China para os Estados

Unidos, muitas informações foram distorcidas,

adulteradas e exageradas a tal ponto que, nos jornais

americanos, se liam coisas que mesmo numa pessoa

completamente desinteressada só provocava risos.

Acontece que Morgan sabia separar o joio do trigo, para

fazer surgir aquilo que tinha foros de verdade. E, agindo

assim, achou mais que provável que Yamakura não fosse

nenhum encarregado da Federação Asiática, conforme

Lafitte procurou dar a entender com suas insinuações,

mas um agente da Terceira Potência.

Sendo assim, pensou Morgan, talvez caísse no

truque barato que iria aplicar.

Quando se sentiu absolutamente seguro de que não

estava mais sendo seguido por nenhum dos

desconhecidos, entrou numa lanchonete, sentou a uma

mesa que ficava no canto mais escondido e pediu um

refresco. Passado algum tempo, levantou-se e foi até o

telefone. O aparelho ficava numa cabine bem fechada.

Ninguém ouviria o que pretendia dizer. Ligou para o

Hotel Atlantic, onde Yamakura estava hospedado.

— Aqui fala Donovan. Quero falar com o senhor

Yamakura.

A telefonista murmurou algumas palavras

incompreensíveis. Houve uma pausa, Logo após veio a

resposta.

— Sinto muito, mas o senhor Yamakura está

jantando.

— No hotel?

— Sim.

— Queira chamá-lo.

— Um momento. Vou ligar para lá.

Ouviram-se ruídos, o rumor de passos e de vozes.

Finalmente uma voz aguda respondeu:

— Alô!

— Aqui fala Donovan — disse Morgan, falando

devagar e enfatizando as palavras. — Quero fazer-lhe

uma oferta.

Yamakura parecia perplexo. Levou algum tempo

para responder:

— E quem lhe diz que estou interessado nas suas

ofertas?

— Eu mesmo. Disponho de muitas relações e posso

conseguir num golpe aquilo que o senhor teria de reunir

aos poucos e com muito esforço.

— Não diga! — disse o japonês em tom irônico. —

Vai fazer isso por pura caridade?

— Não. Tenho meu preço.

— E daí?

— Que tal um encontro?

— Onde?

— Faça uma sugestão.

Yamakura refletiu.

— Não conheço a cidade. Que tal a primeira

lanchonete na rua à esquerda do Atlantic?

— De acordo. Quando?

— Daqui à uma hora.

— Muito bem. Aguardarei o senhor.

O japonês desligou. Ao sair da cabina telefônica,

Morgan não conseguiu disfarçar um sorriso de satisfação.

Uma pessoa que não dispusesse de recursos

extraordinários não teria caído num truque desses.

Morgan não duvidava de que, embora tivesse concordado,

Yamakura contava com uma tentativa de capturá-lo.

Pagou a conta e seguiu a pé em direção ao local de

encontro. Tinha tempo de sobra, mas queria chegar antes

de Yamakura.

* * *

Finch recebeu, quase ao mesmo tempo, duas

informações diferentes. Uma lhe causava preocupações,

outra o deixou satisfeito.

— Pete diz que o japonês está saindo do hotel —

resmungou para Webster. Mas logo seu rosto se iluminou.

— Por outro lado, Vale voltou a descobrir o cão-de-fila da

Ferroplastics. Está sentado num bar do Washington

Boulevard.

Webster fitou-o atentamente.

— Acho que já está na hora de lhe darmos uma lição

— disse Finch. — Quer encarregar-se disso?

Webster fez que sim e levantou-se.

— Qual é a idéia?

— Façam-no sair do bar, levem-no a algum lugar e

deem-lhe uma sova. Digam-lhe que, se continuar a enfiar

o nariz em nossos negócios, vai levar mais.

— Muito bem.

Webster saiu, pegou um táxi e foi ao Washington

Boulevard. Lá, pediu ao motorista que seguisse junto ao

meio-fio do lado direito. Viu um dos homens de Finch,

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pagou o táxi e desceu.

— Onde está o homem? — perguntou a Vale.

Este apontou com o polegar por cima do ombro.

— Lá dentro.

Webster olhou para o lado da rua. O Hotel Atlantic,

onde Yamakura estava hospedado, ficava a menos de

trezentos metros. Isso deu que pensar a Webster. Será que

ele tinha um encontro marcado com Yamakura?

Assustou-se quando reconheceu, à luz dos tubos

fluorescentes, a figura do japonês, que subia pela rua,

estava à cerca de uns cem metros de distância. Como

andasse devagar, parando de vez em quando diante das

vitrinas, ainda tinham uma chance.

— Onde está seu carro? — perguntou a Vale.

Vale apontou para um velho Chrysler, estacionado

junto à entrada do bar.

— Aguente o japonês por aí, se ele chegar muito

cedo — disse Webster e entrou no bar.

Conhecia a descrição de Morgan e reconheceu-o

assim que o viu. Aproximou-se calmamente de sua mesa e

parou perto dele. Sabia que tinha de falar de maneira a

despertar um mínimo de suspeita em Morgan.

Morgan ergueu os olhos.

— O que deseja?

— O senhor Yamakura quer falar-lhe. “Isso tem que

dar certo”, pensou Webster.

— Ele não vem para cá?

No mesmo instante, Morgan teve vontade de

arrancar a língua. Como podia ter certeza de que o outro

havia sido enviado por Yamakura?

Webster ficou satisfeito com a dica. Continuou:

— Infelizmente ele não pôde vir. Pede-lhe para que

me acompanhe até o hotel em que está hospedado.

Morgan refletiu. Webster começou a impacientar-se.

— Parece que o senhor Yamakura tem muita pressa.

Quer viajar hoje de noite.

— Ora essa! — disse Morgan em tom de surpresa.

Chamou o garçom e pagou, saindo em companhia de

Webster.

— Meu carro está aqui — disse este.

— Obrigado — respondeu Morgan. — Prefiro andar

este pedacinho.

Neste ínterim, Webster o havia empurrado até o

meio-fio. Sem que os transeuntes o percebessem,

encostou o cano de uma pistola em Morgan.

— Faça o que digo! — murmurou.

Um olhar rápido fê-lo notar que Vale esbarrou em

Yamakura e procurava detê-lo.

— Abra a porta e entre — ordenou Webster.

Morgan obedeceu. A pistola apontada para ele não

lhe deixava alternativas.

Webster sentou perto dele. Vale continuava ocupado

com Yamakura. Webster rangeu os dentes. Seu

companheiro estava perdendo muito tempo. Yamakura

pôs-se a conversar com ele.

Webster baixou o vidro e deu um assobio. Vale

procurou livrar-se de Yamakura. Mas o japonês grudou-se

a ele com uma obstinação que fez porejar o suor na testa

de Webster. Vale disse:

— Muito prazer, cavalheiro. Tenho que despedir-

me.

Correu em volta do carro. Mas Yamakura pareceu

não se conformar com uma despedida tão apressada.

Aproximou-se do carro, olhou pelo vidro e, antes que

Vale pudesse dar partida, descobriu Jesse Morgan. O

motor roncou e Webster grunhiu entre os dentes:

— Vamos embora!

Antes que Vale pudesse obedecer, a voz enérgica de

Yamakura fez-se ouvir pela janela entreaberta:

— Espere! Quero ir com os senhores. Webster

sentiu-se inseguro.

— O senhor é um dos homens com quem se pode

falar pelo telefone AN 23-551, não é? — perguntou o

japonês.

Webster confirmou com um movimento instintivo

da cabeça.

— Pois então, leve-me. Não gostaria que

acontecesse qualquer coisa a este jovem. Posso obter a

lealdade dele de uma forma muito mais conveniente.

— Entre!

Yamakura abriu a porta da frente e sentou-se perto

de Vale.

— Para onde gostaria de ir? — perguntou a Webster,

virando-se de tal forma que podia olhar confortavelmente

para trás.

— Para fora da cidade — respondeu este.

— Faça isso! — recomendou o japonês. Vale partiu.

O carro disparou pela Washington Boulevard.

Vale dirigia muito bem. Saiu da cidade pelo

caminho mais curto, deixou a autoestrada e entrou numa

via secundária. Parou a cerca de um quilômetro da

estrada.

— Ande mais um pedaço — disse Yamakura.

O motorista fitou-o. Depois lançou um olhar

indagador para Webster. Este deu de ombros. Vale deu

partida e andou mais dois quilômetros.

— Obrigado; já chega — disse o japonês.

Voltou-se novamente para trás e disse a Jesse

Morgan:

— Desça!

Morgan obedeceu sem pestanejar. Desceu, fechou a

porta com força e, como que absorto em pensamentos, foi

andando devagar pelo caminho, em direção à autoestrada.

— Espere aí! — protestou Webster. — Nada disso!

Tenho ordens...

— Calma! — disse Yamakura com um sorriso

amável. — Logo você saberá quais as minhas intenções.

Olhou para Vale.

— O senhor se importaria de seguir mais um pedaço

por este caminho antes de voltar?

Vale sacudiu a cabeça e partiu. Webster estava

perplexo. Olhando pelo vidro traseiro, viu que Morgan

retornava à estrada, sem dar a menor atenção ao carro que

se afastava.

Andaram mais um quilômetro. Depois voltaram.

Começara a chover.

Dali a dez minutos alcançaram Morgan.

— Quando ele fizer sinal, pare — disse Yamakura.

Morgan estava parado sob uma árvore. Cobrira a

cabeça com o casaco e gesticulava.

Vale parou. Morgan aproximou-se correndo e abriu

a porta.

— Graças a Deus! — disse, atirando-se no assento

junto a Webster, que estava apavorado. — Estava atrás de

um ladrão quando fui surpreendido pelo mau tempo. Pode

levar-me até a cidade?

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O japonês fez que sim.

— Com muito prazer. Conseguiu alguma coisa?

— Não. Acho que segui uma pista falsa.

No caminho ficou falando de um homem que

seguira desde a cidade, porque julgava ser um ladrão.

Alguém o trouxera da cidade até ali, deixando-o na

entrada do caminho, porque era para ali que a pista

conduzia.

Morgan conversava sem cessar. Yamakura ouviu

com toda a atenção. Webster e Vale, perplexos,

começavam a compreender que Morgan perdera a

consciência do que realmente acontecera.

E não era só! O espírito de Morgan criara uma

compensação, que preenchia o vazio. Nunca mais se

lembraria de Yamakura, o japonês que chegara a

perseguir.

Yamakura deixou-o num subúrbio. Webster, que já

se recuperara do espanto, começou a fazer perguntas. O

japonês interrompeu-o com um gesto.

— Leve-me a um telefone público — ordenou. —

Quero telefonar para AN-23 551.

* * * O caminho que o fizeram percorrer dava àquela

palestra o aspecto de um complô. Webster insistiu em que

ficasse com os olhos vendados. Tako não se opôs.

Não se esforçou para reter na memória as curvas e

subidas do caminho. Não teve dúvida de que conseguiria

conduzir as negociações a um desfecho favorável, e que

dali retornaria sem venda nos olhos.

Estava satisfeito porque o caso Morgan terminara

tão bem. O acaso interferira nos seus planos, poupando-

lhe muito esforço.

Finalmente a andança pelos corredores e escadas

chegou ao fim.

A venda foi retirada. Tako viu-se numa sala

parcamente iluminada e decorada com um bom gosto

excessivo. Os homens que, de pé, rodeavam a grande

mesa e o encaravam com os olhos curiosos combinavam

com o ambiente.

— Boa noite, cavalheiros! — disse Tako em tom

amável.

Os homens sorriram.

— Boa noite! — respondeu um deles. Tako

conhecia-o. Vira muitas vezes seu retrato nos jornais. Pelo

que se dizia, Stan Brabham mandava mais no Sindicato

dos Trabalhadores do Aço que o próprio chefe.

Tako não estava surpreso. Não esperava outra coisa.

A primeira aparição de Webster já lhe sugerira a ideia de

algum sindicato.

— Vamos sentar! — disse Brabham em tom cordato,

pegando uma cadeira para Tako.

— E vamos tratar logo de negócios, senhor Brabham

— acrescentou o japonês.

Brabham piscou os olhos.

— Caramba! Como sabe?

— Leio os jornais — respondeu Tako, lacônico. —

Mas, tanto faz. Quer ajudar-me?

Brabham fez que sim.

— Por quê?

— Em primeiro lugar, por causa disto — Brabham

esfregou o dedo indicador no polegar. — E depois,

porque simpatizamos com a Terceira Potência.

— Por quê? — repetiu Tako, disfarçando a surpresa.

— Entre nós existe muita gente que sabe ficar de

olhos abertos — explicou Brabham com um sorriso. —

Também na Ferroplastics Limited, por exemplo. Encare a

coisa por essa forma: farejamos a coisa e tivemos bastante

inteligência para tirar nossas conclusões. Esta explicação

lhe basta?

Tako fez que sim.

— O que pode fazer por nós? — perguntou.

Brabham brincou com um toco lápis.

— Podemos arranjar-lhe quase tudo de que precisa

— respondeu em tom tranquilo. — Não estou exagerando.

Tako acreditou. Estava informado sobre o prestígio

dos grandes sindicatos dos Estados Unidos.

— O que pede em troca?

— Cinco por cento do preço de compra de cada lote

— respondeu Brabham sem a menor emoção.

Não era pouco. Mas era muito menos do que Tako

esperava.

— Por que vai trabalhar tão barato?

— É o que precisamos. Além disso, acho que os

senhores são pessoas formidáveis; já lhe disse isso. Têm

todas as possibilidades de transformar-se numa terceira

potência. Nós, os trabalhadores; não queremos ficar de

braços cruzados quando se trata de instaurar a paz

perpétua.

— Sabe que está agindo contra as leis de sua pátria?

Brabham confirmou com um gesto indiferente.

— Essas leis são uma tolice. Dentro de poucos anos

todo mundo reconhecerá isso.

Tako refletiu. Depois soltou sua primeira pergunta:

— Está em condições de arranjar garrafas

magnéticas com uma capacidade útil de mil metros

cúbicos por unidade?

Brabham olhou para o lado.

— O que diz Jeff?

— Não há problema; podemos arranjar essas

garrafas — respondeu um homem pequeno e magro.

Brabham voltou a dirigir-se a Tako.

— O senhor receberá as garrafas. Quantas vai

querer?

— Cinco.

— Para quando?

— O mais rápido possível.

— Jeff, quanto tempo levará?

— Quatro a cinco semanas.

— Dentro de cinco semanas. Concorda?

— Concordo.

— Mais alguma coisa?

Tako sorriu.

— Por enquanto é só, senhor Brabham. Não quero

mostrar-lhe todas as cartas antes que o senhor me dê uma

prova da sua capacidade. Espero que este tipo de cautela

não prejudique nossa cooperação.

Brabham soltou uma estrondosa gargalhada.

— Compreendo — disse. — Mas nós o

convenceremos.

— Os senhores terão de descobrir um meio para que

ninguém descubra quem é o autor da encomenda —

prosseguiu Tako.

Brabham confirmou com um movimento da cabeça.

— Pode deixar por nossa conta. Não gostamos de

nos expor.

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155

Ainda havia algumas formalidades para acertar.

Finalmente Tako retirou-se, satisfeito e sem venda nos

olhos. Uma vez no hotel, pagou a conta e saiu de

Petersburg ao amanhecer.

V Raramente algum homem inspirara tamanha gratidão

a Perry Rhodan como a que sentia por Crest, porque o

mesmo não lhe apareceu depois de terminado o

treinamento.

É verdade que por ali ainda se encontrava Bell, que

poderia perturbá-lo. Mas quando este despertou e ergueu-

se, ficou sentado de costas para Rhodan. Inclinou-se para

frente e apoiou a cabeça nas mãos, como se ela fosse

muito pesada.

Passou-se uma hora sem que fosse pronunciada uma

palavra. Rhodan testou seu cérebro; viu diante de si um

complexo imenso com uma quantidade enorme de

minúcias que se lhe apresentavam com toda clareza.

Havia uma gama infinita de conhecimentos armazenados.

Assim que formulava qualquer desejo em pensamento, a

respectiva solução oferecia-se imediatamente, desde que

se tratasse de um problema matemático ou científico.

Procurou avaliar as dimensões do complexo que

constituía seu cérebro, mas não descobriu nenhum limite.

Era infinito. Por mais que se aprofundasse, não

encontrava nenhuma parede, sempre havia um caminho

que o conduzia mais adiante.

Levantou a cabeça. Seus olhos caíram no aparelho

de intercomunicação. Poderia apostar tranquilamente que

Thora o estava observando lá do seu camarote e estudava

suas reações. Não estava disposto a nutrir seu orgulho,

vendo-o cismar por muito tempo sobre as conquistas da

ciência dos arcônidas.

Levantou-se. Bell fungou aborrecido.

Isso não o perturbava. Bastava que um dos dois não

se mostrasse impressionado, para deixar Thora nervosa.

Saiu e foi andando pelo corredor. A porta de seu camarote

estava aberta. Crest, sentado numa poltrona giratória,

fitava o camarote de Thora numa tela de

intercomunicação.

Quando Rhodan entrou, Crest voltou à cabeça.

— Então? — perguntou com um sorriso, em tom

ligeiramente preocupado.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Nada. Cometi um erro.

Crest endireitou-se abruptamente. A poltrona

seguiu-lhe o movimento.

— Um erro?

— Isso mesmo. Ao que parece a solução do

problema ocorreu numa data mais recente. Acredito que

seus homens tenham sido muito indolentes para examinar

todos os aspectos do problema.

Crest estremeceu. Rhodan piscou em direção ao

intercomunicador, dando a entender que suas palavras

destinavam-se a Thora.

— Que interessante! — cochichou Crest. — Que

erro foi esse?

— Trata-se do problema da reprodutibilidade das

hipertrajetórias. Está lembrado? — explicou no tom mais

indiferente que conseguiu dar à voz. — A equação

diferencial em que elas se baseiam é instável, além de

formalmente insolúvel. Trata-se de uma equação

diferencial de sétimo grau, com aplicação de um processo

de aproximação numérica de décimo terceiro grau. Vê-se

que o processo de aproximação ainda encerra mais alguns

graus de instabilidade que a equação. E, quando nos

movemos no terreno da instabilidade, um pequeno desvio

produz um erro de grandes proporções.

Até mesmo a matemática terrena conhece soluções

de aproximação de sétimo grau para equações

fundamentais desse tipo. Quer que lhe diga por que esse

erro foi cometido em Árcon?

Crest não soube dizer mais nada.

— É porque o processo de aproximação que foi

empregado torna-se muito cômodo — disse Rhodan com

a voz áspera e retumbante. — É porque, segundo deduzo

de outras informações, esse processo está gravado nas

calculadoras. Foi por pura indolência que ninguém se deu

ao trabalho de examinar a equação fundamental quanto à

sua estabilidade e foi ainda por indolência que se

empregou o método usual; um décimo da energia prevista

seria suficiente.

Sentiu-se triste com a forma pela qual Crest reagiu à

sua explanação; encolhendo-se lentamente, este deixou

que a cadeira voltasse a inclinar-se para trás. Crest

sacudiu a cabeça e murmurou palavras desconexas.

Rhodan procurou não olhar para a tela. Sabia que

Thora o observava, e, provavelmente, o compreenderia. O

drama fora preparado para ela, não para Crest. O erro era

verdadeiro, mas a maneira de expô-lo fora escolhida para

impressionar Thora. Gostaria de ver seu rosto.

Aos poucos, Crest foi recuperando o autodomínio.

Rhodan dirigiu-lhe um sorriso tranqüilizador, para que

voltasse a ficar em forma mais depressa.

— Não pretendia falar com você sobre isso — disse.

— Apenas pretendia agradecer-lhe por tudo que fez por

nós. Nem imagina como nos sensibilizou.

Crest compreendeu; interrompeu Rhodan com um

gesto. Contorceu o rosto, como se quisesse rir, mas

apenas conseguiu esboçar uma careta.

— Pare Rhodan — murmurou com a voz débil. —

Você está desperdiçando seus agradecimentos com a

pessoa errada. Nós é que temos de ficar gratos. Gratos ao

destino, por nos ter proporcionado um encontro com uma

raça como a sua.

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156

Ergueu-se na poltrona.

— Sabe que você é a primeira pessoa que se atreve a

absorver de uma só vez os dez estágios de

desenvolvimento? Sabe por quanto tempo tive de

observá-lo antes de ter certeza de que poderia dar esse

passo sem que seu espírito corresse perigo? Acreditava

que levasse alguns dias para recuperar-se do choque

tremendo causado pelo treinamento dos dez estágios. Mas

o que vejo? Mal o transmissor é desligado, levanta-se,

dirige-se a mim e diz: estão vendo, seus idiotas? Aqui

vocês erraram. Sabe o que significa isso?

Qualquer um saberia a resposta. Respirando

profundamente, Crest voltou a recostar-se na poltrona.

No corredor ouviram-se os passos de Bell, que

pareciam marteladas. Rhodan ouviu-o murmurar de si

para si. Bell entrou pela escotilha.

— Ouça chefe! — disse em tom enfático. — Sabe

que essa gente cometeu um erro? Ao tentarem obter uma

reprodução matemática de uma hipertrajetória,

empregaram uma equação diferencial de sétimo grau.

Para isso...

A tensão de Rhodan terminou numa estrondosa

gargalhada. Ao ouvir os primeiros sons, Crest assustou-

se. Até parecia que o riso lhe causava dor. Mas, por fim,

controlou-se e conseguiu brindar a situação com um

sorriso quieto e resignado.

* * * Uma hora depois a nave abandonou a trajetória

terrestre e tomou a direção da Lua. Rhodan assumira o

comando, executando-o de acordo com os conhecimentos

adquiridos no processo de treinamento.

Reginald Bell exercia as funções de copiloto.

Crest, sentado nos fundos, olhava fixamente para

frente. Vez por outra, Rhodan virava a cabeça para vê-lo.

Para um homem da sua substância espiritual seria

necessário bastante tempo para recuperar o equilíbrio

após o choque pelo qual passara.

Thora só entrou na sala de comando quando a nave

já havia tomado à rota da Lua. Rhodan não se voltou à sua

entrada. Ouviu sua voz:

— Rhodan, você está perdendo seu tempo. Esta nave

está equipada com direção automática.

Procurara ser irônica; ficou desapontada ao notar

que não o conseguira. Bell encarou-a.

— Conhecemos os autômatos dos arcônidas — disse

com voz indiferente. — Um deles mostrou-se muito

eficiente na defesa de três foguetes nucleares na Terra,

não foi?

Rhodan não pôde ver a reação de Thora. Não voltou

a ouvir sua voz. Quando pôde ver o rosto de Bell, notou

que este repuxava os cantos da boca num contentamento

disfarçado.

* * * A nave dispunha de grande variedade de

instrumentos destinados à medição de radiações. Rhodan

fez a nave parar acima do lugar em que se encontravam os

destroços do cruzador espacial e pediu a Bell que

realizasse as medições.

Na Lua não se verificara nenhuma precipitação de

partículas radioativas. A radioatividade gerada pelas

bombas foi projetada para o espaço, ou fixou-se ao solo.

A ausência de atmosfera reduzia os riscos a que se

expunha a pessoa que quisesse descer na Lua.

Pelos destroços não se podia saber se alguma parte

do gigantesco cruzador espacial tinha escapado à

destruição. Rhodan sabia que existia alguma esperança

em relação ao compartimento interno, cujas paredes eram

feitas de um tipo de plástico metalizado que possuía um

campo de cristalização dotado de uma dureza que

ultrapassava o poder de imaginação da metalurgia terrena

e uma resistência à temperatura que não possuía similar.

Os envoltórios feitos desse metal tinham capacidade de

resistir a qualquer tipo de tensão mecânica e a

temperaturas de até 80.000 graus centígrados.

Todavia, o casco do cruzador espacial estava

reduzido a uma confusão de material derretido e

endurecido. Para atingir o compartimento interno, teriam

de procurar um caminho através desse labirinto de

plástico metalizado altamente radioativo.

Bell informou:

— Dois microroentgen por hora.

— Numa altitude de cinquenta quilômetros —

completou Rhodan. — É uma conta muito simples, não é?

No local podemos esperar — levou algum tempo

calculando — cinquenta a cem roentgens por hora, se

considerarmos as dimensões da fonte geradora de

radioatividade.

Bell confirmou com um movimento de cabeça.

— Quer dizer que não podemos utilizar nossos trajes

protetores.

Rhodan voltou-se para Crest.

— A bordo desta nave existem trajes protetores

contra radiações intensas e uma instalação de

descontaminação. Não há motivo para deixarmos de

pousar e examinar o cruzador.

Crest fez que sim.

Rhodan realizou um pouso impecável. A nave

estacionou a cerca de um quilômetro do limite da área

pela qual estavam espalhados os destroços do cruzador

dos arcônidas.

— Pretendo sair com Bell — disse Rhodan. — O

que tem de ser feito deve ser feito sem demora e somos os

homens indicados para isso. Crest gostaria de manter

comunicação ininterrupta com você. Não quero correr o

menor risco.

Para reforçar suas palavras, dirigiu-se ao painel de

comando e regulou para desempenho zero os reatores que

geravam a força do mecanismo propulsor. Com isso a

decolagem seria retardada por meia hora, que era o tempo

necessário ao aquecimento dos reatores. Só assim

estariam garantidos contra uma decolagem instantânea

realizada por Thora, que os deixaria naquele inferno

radioativo.

Crest esboçou um sorriso. Thora não se moveu, mas

o vermelho dos seus olhos emitiu um brilho mais intenso

que de costume. Bell saiu à procura dos trajes protetores.

Eram muito mais práticos que os trajes de que

Rhodan e os demais tripulantes dispunham na Stardust.

Para colocar um traje espacial terreno com observância

das normas, realizando os controles devidos, era

necessário pôr a paciência do indivíduo à prova por mais

de vinte minutos. Os trajes dos arcônidas podiam ser

enfiados no corpo como qualquer roupa e uma luz junto

ao punho esquerdo era o sinal de que tudo estava em

ordem. Não havia nenhum recipiente de oxigênio

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desajeitado, nenhum rádio de capacete pesava sobre a

cabeça, nenhuma junta de pescoço comprimia a nuca

quando se olhava para cima. O traje gerava o oxigênio por

meio de pequeninos recipientes de produtos químicos. O

telefone miniatura era do tamanho de uma unha. O

capacete e o traje formavam uma única peça, de maneira

que não havia necessidade de qualquer junta.

Rhodan e Bell levaram pistolas de radiação. Era

provável que a explosão das três bombas não lhes tivesse

aberto nenhum caminho para o interior do cruzador

espacial. A energia das pistolas de radiação atingia, no

foco central, uma temperatura de cerca de cinquenta mil

graus. Teriam de recorrer a instrumentos mais potentes e

pesados, se nenhuma das escotilhas do compartimento

interno pudesse ser aberta de forma normal.

Crest seguiu-os com os olhos, quando deixaram a

nave por uma das duas escotilhas. Thora não lhes deu

atenção. Parada diante de uma tela fitava os destroços de

seu cruzador.

— Fique de olho nela! — disse Rhodan, dirigindo-se

ao arcônida. Pouco lhe importava que Thora ouvisse suas

palavras ou não.

Ligaram os geradores e foram levados aos poucos

para a área atingida pelas explosões. Vistos de perto, os

destroços derretidos e disformes ofereciam um aspecto

assustador.

Não trocaram uma única palavra. Só Crest falava de

vez em quando.

— Tudo em ordem!

Rhodan pousou junto ao maior monte de destroços

que conseguiu localizar. Tudo indicava que no interior do

mesmo devia encontrar-se o compartimento interno do

cruzador espacial.

Ao olhar para cima a fim de avaliar a altura da

massa de metal, Bell começou a gemer.

Sem a menor perda de tempo, puseram-se a

trabalhar. As pistolas de radiação desprenderam os

destroços, pedaço por pedaço, abrindo um caminho. O

dosímetro registrava dez roentgen; ainda não fazia dez

minutos que se encontravam fora da nave. A única coisa

tranquilizadora em meio ao ambiente desolado era a voz

de Crest.

— Tudo em ordem!

Numa hora conseguiram avançar uns vinte metros

para dentro do monte.

Rhodan ficou preocupado; não sabia se aquele

amontoado teria estabilidade bastante para sustentar as

paredes de um túnel de cerca de vinte metros de extensão.

Pediu que Bell suspendesse o trabalho por algum tempo e

bateu no material. A cada batida descansava a mão no

local em que dera a mesma, a fim de poder sentir qualquer

reação anormal que se verificasse. Mas não percebeu nada

além da vibração normal do plástico metalizado quando

percutido.

Fez um sinal a Bell. O trabalho prosseguiu.

Dali a mais uma hora o monte foi se tornando menos

denso. Prosseguindo pelas gretas que se abriam,

avançaram um bom trecho sem usar a pistola de radiação.

— Já fizemos cinquenta metros — murmurou Bell.

— Acho que não falta muito.

Bell arquejava visivelmente.

— Pois então! — resmungou, dirigindo o raio de sua

pistola contra o obstáculo que se lhe antepunha.

Dali a um minuto soltou um grito de triunfo:

— Veja! Chegamos!

Rhodan olhou por cima de seu ombro. Atrás do

último pedaço de plástico metalizado que conseguiram

desprender apareceu uma parede lisa. Ao primeiro lance

de olhos notava-se que ela não fora afetada pelo calor da

explosão.

Rhodan sabia que o plástico metalizado provido de

um reforço de cristais elásticos era de cor azul-turquesa. E

azul-turquesa era a cor da parede que Bell pusera à vista.

Intensificaram os esforços. Trabalhando

encarniçadamente, conseguiram limpar metro por metro

da parede. Crest começou a fazer perguntas, mas só lhe

deram respostas lacônicas.

— Aqui há uma escotilha — disse Bell depois de

algum tempo.

Como trabalhasse à frente de Rhodan, descobrira em

primeiro lugar a estreita reentrância na parede. Estava em

posição inclinada, o que indicava que a posição do

compartimento interno se modificara com a explosão.

Levaram quinze minutos para desobstruir a escotilha.

Rhodan sabia que no momento da explosão ela se fechara

automaticamente e só se abriria com um código especial,

isso se o mecanismo ainda funcionasse.

Pegou o emissor de impulsos que trouxera da nave.

Era um bastão da grossura de um lápis, com dez

centímetros de comprimento, que trazia um minúsculo

decodificador no seu interior. Comprimiu-o contra a

escotilha.

Subitamente percebeu que o chão tremia sob seus

pés. Parecia que a escotilha iria mover-se. Rangendo,

abriu-se numa fresta de alguns milímetros, apenas para

voltar a fechar-se, quando não pôde vencer as forças que a

obstruíam.

Rhodan fez um sinal a Bell. A escotilha era leve e

não muito grande. Com algum esforço, um homem

poderia abri-la com a energia muscular.

Pela segunda vez, Rhodan pôs a funcionar o emissor

de impulsos. O chão voltou a vibrar. Do lado direito da

escotilha surgiu uma fresta. Desta vez era mais larga; Bell

conseguiu enfiar nela as pontas dos dedos.

Apoiando o ombro contra a parede, puxou com toda

força. Rhodan não tirou o emissor de impulsos de cima do

material azul.

Bell mudou de posição e voltou a puxar. De repente,

ele perdeu o apoio e, face à gravitação pouco intensa da

lua, foi atirado com toda força contra a parede do túnel. O

obstáculo fora vencido. Abrindo-se para o lado, a

escotilha pôs à vista o corredor estreito e escuro de uma

eclusa. A voz de Crest soou, longe:

— Tudo em ordem por aqui. O que houve com

vocês?

— Encontramo-nos diante de uma decisão difícil —

respondeu Rhodan.

— O que é?

— A escotilha está aberta. Ao que parece a eclusa

está funcionando. Tivemos bastante trabalho com a

escotilha. Se entrarmos normalmente, pode ser que não

consigamos abrir a escotilha do lado de dentro.

— Não compreendo.

— Poderíamos abrir o outro lado da eclusa sem

fechar a escotilha, mas nesse caso o ar que se encontra no

compartimento interno escaparia de forma explosiva.

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158

— Isso os incomoda? Não poderiam abrigar-se?

— A nós isso não incomoda nem um pouco. Mas

pode ser que lá dentro alguém esteja vivo. E então?

Ouviram a respiração de Crest.

— Quais são as possibilidades? — perguntou. — Se

alguém estivesse vivo, já teria tido possibilidade de

comunicar-se conosco.

— Pode ser que esteja gravemente ferido e não

possa movimentar-se.

Crest suspirou. Depois de algum tempo disse com a

voz tranquila:

— Abra de qualquer maneira! Não podemos correr

nenhum risco. Temos muita pressa dos objetos que se

encontram no compartimento interno.

Rhodan fez que sim. Se dependesse dele, teria

tomado à mesma decisão. Mas, num momento desses,

convinha dividir a responsabilidade com alguém.

Bell tirou o emissor de impulsos das mãos de

Rhodan e dirigiu-se ao outro extremo da eclusa.

— Aqui há um lugar em que posso abrigar-me —

disse em tom tranquilo. — Fique do lado de fora, chefe.

A escotilha interna não apresentou o menor defeito.

Os destroços tremeram quando o ar foi expelido num

golpe. Juntamente com ele saiu uma nuvem de pó e

alguns instrumentos menores que se encontravam soltos.

A confusão não durou mais que um segundo. Quando

Rhodan entrou, Bell estava saindo do esconderijo.

— Santo Deus! — gemeu. — Até parece que

alguém jogou um saco de areia na minha cabeça.

Procurou olhar pela lâmina transparente.

Lá dentro estava escuro. Mas havia uma lâmpada

nos seus capacetes. Acenderam-na para iluminar o

caminho.

Rhodan notou que o interior do compartimento fora

afetado pela explosão muito mais que o envoltório. Com a

explosão, o compartimento ficara de cabeça para baixo.

Alguns dos aparelhos mais pesados tinham sido

arrancados de seus suportes e estavam inutilizados.

Mas havia muita coisa que ainda poderia ser

aproveitada. Seria muito mais fácil se levassem para a

Terra tudo que ali se encontrava.

Bell foi andando, curioso. Rhodan quis dizer-lhe

alguma coisa. Mas nesse instante a voz trêmula de Crest

fez-se ouvir.

— Pelo amor de Deus! Rhodan, Bell! Venham o

mais rápido possível! Venham!

Rhodan parou.

— O que houve?

— Rápido! Venham logo!

Rhodan virou-se e saiu em disparada. Bell seguiu-o.

Desligaram a gravitação e, fazendo movimentos

vigorosos de nadador, avançaram velozmente pelo túnel

que haviam aberto.

Uma vez do lado de fora, regularam os geradores

para a potência máxima e saíram numa trajetória alta em

direção à nave. Crest abrira a eclusa ou então nem

chegara a fechá-la. Passaram alguns segundos de

impaciência, enquanto os dispositivos acoplados à eclusa

encheram-na de ar.

Crest esperava-os atrás da escotilha interna. Tremia

e seus olhos brilhavam numa tonalidade vermelha.

— O que houve? — perguntou Rhodan.

— É uma coisa horrível! — suspirou Crest.

Rhodan correu em direção à sala de comando. Crest

teve de esforçar-se para permanecer ao seu lado.

— Thora largou uma hipersonda. Isso não era contra

nosso acordo, e, assim, não a impedi.

Rhodan confirmou com um movimento de cabeça.

Enquanto andava, começou a tirar o traje espacial. Uma

hipersonda servia para localizar o feixe de ondas de um

hiperemissor. Esse feixe podia ser concentrado numa

fração de centímetro e quem não o captasse diretamente,

nada perceberia de sua existência. Existiam sondas

inteiramente automatizadas, formadas de pequenas naves,

cujo tamanho não ultrapassava o de uma mão humana e

que vasculhavam determinada área, centímetro por

centímetro, detectando qualquer onda direcional que ali se

localizasse.

Entraram na sala de comando. Thora estava

encostada ao painel de controle, com o rosto voltado para

eles. Rhodan notou um traço de orgulho misturado com

ironia. Limitou-se a contemplá-la com um olhar de

esguelha.

— Por algum tempo a sonda ficou vagando por aí,

sem encontrar nada — prosseguiu Crest com a voz

exaltada. — Mas, de repente, encontrou alguma coisa.

— O que encontrou? — perguntou Rhodan com a

voz impaciente.

— Descobriu os impulsos emitidos por nosso

hiperemissor. — Crest apontou apressadamente para a

tela que mostrava a nave destruída. — Os impulsos

provêm da nave. São impulsos automáticos de

emergência. Compreende?

Rhodan compreendeu de imediato. Mais que isso,

logo percebeu as consequências. Todas as naves arcônidas

eram equipadas com um hiperemissor. A energia emitida

por ele tinha a mesma estrutura matemática do campo

hipergravitacional que possibilitava as viagens espaciais a

uma velocidade superior à da luz. As hiperondas

propagavam-se de forma quase instantânea por qualquer

distância, constituindo o meio de comunicação ideal de

uma época que calculava em termos de milhares de anos-

luz com a mesma naturalidade com que o homem lidava

com quilômetros.

Todo hiperemissor era equipado com um dispositivo

automático de emergência que o colocava em

funcionamento logo que algo acontecesse à respectiva

nave, tanto em virtude de um ataque vindo de fora como

de um defeito interno. Dali em diante, o emissor

irradiaria, em sequência ininterrupta, um sinal

predeterminado. Além disso, concentrava o feixe de

ondas, orientando-o em direção ao receptor mais próximo.

Rhodan sabia que o receptor a que se destinava o

sinal de emergência estava postado em Mira-4. Estava

bem informado sobre isso. Era um planeta desolado e frio

que ficava perto de um sol em extinção, a menos de

oitocentos anos-luz do ponto em que se encontravam. Era

tão inóspito que o Império só colocara nele uma divisão

de vanguarda de naves robotizadas.

As consequências eram facilmente previsíveis. As

naves robotizadas receberiam o sinal de emergência e

decolariam em direção ao emissor. Constatariam que o

cruzador fora destruído por um bombardeio de foguetes.

Localizariam a base desses foguetes e empreenderiam

uma ação de represália nas áreas adjacentes, empenhando

nela todo o seu potencial.

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No presente caso, a base de foguetes situava-se na

Terra e a área adjacente compreendia todo o planeta. Sem

dúvida as naves robotizadas estariam em condições de

exercer uma represália à altura.

O fato de o emissor de emergência localizada na

nave emitir o sinal convencionado significava apenas que

dentro de quarenta e cinco dias, contados do momento em

que o cruzador espacial foi destruído, alguém procuraria

transformar a Terra num montão de cinzas. E, pelo que

tudo indicava esta não estaria em condições de defender-

se contra o ataque. As únicas pessoas que poderiam vir

em seu auxílio estavam separadas por profundas

divergências.

Rhodan olhou para Crest. Este parecia adivinhar

seus pensamentos.

— Já pus o reator em funcionamento — disse.

Rhodan fez um sinal de agradecimento.

— Partiremos o quanto antes.

VI O Fiorde de Umanaque, no estreito de Davis é um

lugar que, para se distinguir o céu cinzento, das

montanhas, também cinzentas de gelo, deve-se colocar a

mão para sentir o gelo ou o ar entre os dedos.

Dificilmente haveria um trecho de terra mais

desolado. E dificilmente haveria outro em que se

tomavam decisões tão importantes como ali.

O fiorde de Umanaque servia de quartel-general ao

Conselho Internacional de Defesa. No momento, o

número dos agentes estrangeiros que o abarrotavam quase

chegava a exceder o dos que pertenciam aos seus quadros.

Pouca coisa se via por cima do solo. Apenas

algumas casas de espessas paredes de madeira

pertencentes a uma sociedade comercial dinamarquesa e

habitada por esquimós. Numa das casas havia uma tábua

sobre a qual alguém escrevera, em letras desajeitadas, que

ali se vendiam peles. Mas, até então, nenhum mercador

havia adquirido peles da Umanak Fur Company.

Os esquimós eram agentes bem treinados. O chefe

do posto era um dinamarquês que ocupava o posto de

primeiro-tenente e era bem visto por Allan D. Mercant.

Os restantes das instalações estavam ocultas sob o

gelo e a rocha. A expressão “o restante” pode induzir em

erro sobre a situação real. Mais de noventa e cinco por

cento das atividades exercidas no fiorde de Umanaque

desenrolavam-se abaixo do solo e a distribuição das

instalações seguia a mesma proporção.

Umas quinhentas pessoas viviam constantemente em

Umanaque, mas destas apenas dez conheciam todas as

instalações subterrâneas. Os agentes da Federação

Asiática e do Bloco Oriental, hospedados no local durante

os dias de cooperação forçada, só conheciam os dois

andares superiores.

Mercant residia no piso mais baixo do conjunto.

Estava cercado de todos os lados por dispositivos de

segurança. Não temia pela sua segurança pessoal. O que

preocupava a ele, e aos que haviam instalado os

dispositivos, era a quantidade enorme de documentos

secretos, da mais alta importância, guardados nos cofres

blindados do pavimento inferior.

Mercant possuía um escritório particular, montado

segundo seu gosto pessoal. As dimensões dos móveis

eram exageradas. O visitante que penetrasse pela primeira

vez naquela sala enorme teria de procurar por algum

tempo antes de encontrar o oficial de pequena estatura.

Em geral, Mercant ficava sentado atrás da imensa mesa;

reclinado numa poltrona que de tão grande dificilmente

poderia ser confortável, só a cabeça aparecia por cima da

tampa da mesa.

Não dividia as horas do dia. Trabalhava até sentir-se

tão cansado que o prosseguimento das suas atividades não

daria nenhum resultado; dormia e levantava-se quando se

sentia razoavelmente descansado. A iluminação uniforme

das peças por ele ocupadas ajudava-o, a esquecer do ritmo

harmônico do dia de vinte e quatro horas que prevalecia lá

em cima.

Os verdadeiros prejudicados eram os ordenanças de

Mercant. A maior parte deles apreciava uma atividade

regular e um sono nas horas certas. Mas Mercant defendia

a opinião de que a segurança do mundo não devia ser

negligenciada em benefício da predileção que alguns

oficiais subalternos nutriam pelas rotinas da vida

burguesa.

Naquele dia levantara às três horas. Não se

interessou em saber se eram três horas da manhã ou da

tarde. Começou a trabalhar em assuntos que tivera que

deixar de lado ao deitar-se.

As três e quinze apareceu o sargento O’Healey

informando-o:

— Nenhum acontecimento extraordinário nas

últimas quatro horas, senhor.

Saiu. Daí a alguns minutos voltou com uma xícara

de café e alguns biscoitos. Esperou tranqüilamente até que

Mercant engolisse o primeiro gole do líquido fervente e

formulasse a pergunta usual:

— Que horas é sargento?

— Três horas e vinte e três minutos, senhor.

Olhando por cima da xícara, Mercant fitou o relógio.

Eram três e vinte e dois.

— De que parte do dia?

— Da manhã, senhor.

Satisfeito, Mercant abanou a cabeça. O’Healey

cumprimentou e saiu. Já se desacostumara de refletir

sobre aquele cerimonial estranho. Quando iniciara o

serviço junto a Mercant, o mesmo lhe parecia uma piada

de mau gosto.

A cirurgia plástica conhecia uma porção de truques

difíceis de desmascarar. Para garantir-se contra eles,

Mercant obrigava os sargentos da sua guarda há dizerem

um minuto mais que o real, quando perguntados a respeito

da hora. Além disso, deviam dizer “de manhã”, quando

era de tarde ou de noite, e vice-versa.

O’Healey estava convencido de que Mercant o

mataria na hora se por esquecimento dissesse a hora exata

ou a metade verdadeira do dia.

No entanto, em parte, estava enganado. Mercant

estaria satisfeito quanto à identidade de O’Healey se este

lhe dissesse um minuto a mais que o tempo verdadeiro. A

indicação da metade do dia em que se encontravam

representava uma verdadeira informação para ele. Só

quando O’Healey lhe dizia que era de manhã ficava

sabendo que na verdade já era de tarde.

Meia hora depois de O’Healey ter saído o capitão

Zimmermann veio apresentar seu relatório.

— O mais importante, senhor, é a conferência com

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os oficiais da Federação Asiática — principiou. — O

major Pervuchin, de Moscou, participará como

observador.

— O que pretende observar? — perguntou Mercant

entediado. — Tem alguma ideia do que estes amarelos

querem desta vez?

— Pelo que se diz, trazem uma porção de sugestões

que gostariam de discutir com o senhor.

— Sugestões para quê? Para uma paz mundial

duradoura?

— Não, senhor. Sobre a maneira de agarrar aqueles

desertores no deserto de Gobi.

Mercant levantou a mão direita e examinou as

unhas.

— Não fique chamando essa gente de desertores,

Zimmermann. Ouvi muita coisa boa a respeito deles e não

pretendo julgá-los antes de conhecer seus motivos.

Zimmermann não respondeu.

— Mais alguma coisa? — perguntou Mercant.

— Por enquanto nada, senhor.

— Obrigado.

Zimmermann fez continência e saiu.

* * *

Rhodan pousou a nave a trezentos quilômetros da

costa, numa planície de gelo cinza-azulada. A planície

não era muito extensa e estava cercada de todos os lados

por montanhas bastante altas. Não havia o menor perigo

de que alguém descobrisse a nave por acaso. Além disso,

na Groenlândia trezentos quilômetros representavam uma

distância mais que suficiente.

Face aos recursos técnicos de que dispunha a nave,

Rhodan não teve a menor dificuldade de escapar às

sondagens realizadas pelas bases de radar, bastante

numerosas nos arredores do fiorde de Umanaque. Estava

certo de que nas telas não surgiria o mais leve lampejo.

A possibilidade da localização ótica direta não

preocupava Rhodan. As nuvens pendiam bem baixo sobre

o solo da Groenlândia. Era mais fácil manter a nave acima

dela do que cercá-la de uma cúpula defletora, que

consumiria uma quantidade considerável de energia.

Ao retornar da Lua, avisara Tako do ocorrido e

mandara-o de volta para o lago salgado de Goshun. No

momento, havia coisa mais importante a fazer do que

manobrar nas antecâmaras dos capitães de indústrias.

Rhodan tinha boas razões para acreditar que dentro de

pouco tempo já não seria necessário transmitir os pedidos

às escondidas, com um receio constante dos serviços

secretos. Era bem verdade que, conforme provara a

atuação de Tako, mesmo por essa forma podia se

conseguir muita coisa.

Rhodan saiu da nave de tarde, com um traje

transportador arcônida e uma pistola de radiação. Bell

ficou para trás, já que, com a descoberta realizada na Lua,

a rebeldia de Thora parecia ter entrado numa fase mais

ativa e a vigilância exercida por Crest não era suficiente.

Com o traje transportador, venceu os trezentos

quilômetros que o separavam do fiorde de Umanaque em

uma hora e meia. O tédio da viagem, juntamente com a

incerteza sobre aquilo que o esperava, mexia com os

nervos de Rhodan.

Nada indicava que Mercant seria acessível às suas

solicitações, a não ser a revelação que o capitão Klein lhe

fizera no deserto de Gobi, de que Mercant sabia do papel

ambíguo que ele, Klein, estava desempenhando e,

aparentemente, o aprovava.

Acionou o defletor a partir do momento em que

deixou a nave. O campo de deflexão, alimentado pelo

microgerador embutido no traje que Rhodan envergava,

exercia sua influência sobre radiações eletromagnéticas de

comprimento de onda situadas no intervalo de 2.000 a

80.000 angstroms, obrigando-as a contorná-lo como as

linhas de fluxo de um processo hidromecânico. Isso

significava que a pessoa que envergasse um traje desse

tipo não poderia ser vista através das radiações

ultravioletas, da luz comum ou dos raios infravermelhos.

O traje não podia desviar os raios do radar, mas o objeto

era muito pequeno para ser localizado por esse meio.

Com o aprendizado que recebera, Rhodan

compreendeu que as radiações eletromagnéticas

submetidas à influência do campo defletor podem ser

interpretadas de acordo com as equações da

hidromecânica. No entanto, o campo defletor

propriamente dito escapava às possibilidades da

matemática terrena, já que sua descrição é realizada

através de equações em que se inserem constantes

situadas no espaço de cinco dimensões.

Rhodan pousou no interior do posto da Umanak Fur

Company. Não sabia que direção deveria tomar para

encontrar Mercant. A única coisa que sabia era que ele

residia sob o solo. A primeira coisa que teria de fazer era

localizar a entrada para as dependências situadas no

subsolo.

Descobriu que, mesmo invisível, era difícil

locomover-se entre as pessoas. No fiorde de Umanaque

desenvolvia-se uma atividade febril. Quando duas pessoas

se aproximavam dele, vindas de direções diferentes, via-

se obrigado a concentrar-se totalmente no esforço de

desviar-se delas.

Pelas quatro da tarde, Rhodan descobriu um lugar

que, segundo lhe parecia, constituía o acesso às

instalações subterrâneas. Pelo aspecto externo parecia um

grande depósito, de telhado baixo. Parado nas

proximidades vira uma porção de gente, desaparecer no

interior do edifício ou sair dele.

Colocou-se junto à porta e esperou. Quando

apareceu a primeira pessoa, esgueirou-se com ela porta

adentro. O interior do edifício estava profusamente

iluminado por lâmpadas de plástico. Na parede oposta viu

a desembocadura de uma galeria alta e larga.

O movimento intenso de pessoas no interior da

galeria representava um perigo que não devia ser

subestimado. No percurso de cinquenta metros que

separava a entrada da galeria dos elevadores teve de

concentrar toda sua atenção para não esbarrar em

ninguém.

Os elevadores eram quinze ao todo. Rhodan não se

atreveu a utilizar um deles exclusivamente para si.

Esperou que uma pessoa entrasse, para colocar-se a seu

lado.

Infelizmente essa pessoa só desceu dois andares.

Rhodan ficou sozinho no elevador. Viu um guarda

uniformizado enfiar a cabeça.

— Tudo em ordem — murmurou o homem. — Pode

andar.

Mal o guarda se retirou, Rhodan comprimiu o botão

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de baixo. O elevador arrancou e foi descendo.

Assim que parou, Rhodan desceu. A galeria

estendia-se para ambos os lados. Era igual à de cima. Na

parede oposta à dos elevadores via-se o número 15.

Rhodan contara: era o décimo quinto andar a partir do

nível do solo.

Junto à parede estavam postados vários guardas.

Dois deles dirigiram-se ao elevador de que Rhodan

acabara de sair. Examinaram a cabina. Um deles virou-se

e gritou para os outros:

— Olhem só! Alguém apertou o botão do décimo

quinto andar, do lado de dentro, mas o elevador está

vazio.

Ao que parecia, essas palavras foram dirigidas a dois

dos homens que se encontravam junto à parede. Eles

aproximaram-se e também examinaram a cabina do

elevador. Não pareciam satisfeitos com o resultado do

exame. Um deles voltou e foi andando pela galeria.

Rhodan teve que desviar-se dele. Viu o homem pegar um

telefone e falar por algum tempo. Não entendeu o que

dizia.

Rhodan amaldiçoou sua leviandade. Desde os

tempos em que servira no Campo Espacial de Nevada

sabia da existência de elevadores em cujas placas de

comando se podia ler se os mesmos tinham sido

colocados em movimento pelo lado de dentro ou pelo de

fora. Bem que poderia ter imaginado que Mercant estaria

usando o mesmo tipo de elevador.

O guarda voltou e disse aos homens que

continuavam ocupados no exame do elevador:

— Bloquear imediatamente! Zimmermann quer ver

isso.

Um dos guardas comprimiu o botão de parada no

interior da cabina. Depois saíram e ficaram esperando por

Zimmermann.

* * *

O’Healey disse:

— Lá em cima, no décimo quinto andar, aconteceu

uma coisa estranha, senhor. Alguém fez o elevador descer

lá, mas quando os guardas o examinaram, não havia

ninguém.

Mercant ergueu os olhos.

— Não havia ninguém? O que diz Zimmermann?

— O capitão Zimmermann chamou alguns

especialistas que deverão procurar impressões digitais e

não sei mais o quê no interior da cabina.

Mercant levantou-se.

— Levarão três meses para examinar todas as

impressões digitais. Onde foi mesmo que isso aconteceu?

No décimo quinto andar?

— Sim, senhor.

— Venha comigo. Vamos subir até lá.

* * * Rhodan já constatara que o décimo quinto andar não

era o último. Foi ao encontro do capitão Zimmermann

quando este se aproximou pelo corredor, e procurou

descobrir de onde ele viera. Descobriu dois elevadores

que conduziam apenas para baixo.

Esses elevadores eram vigiados com maior rigor que

aqueles por onde ele descera. Não havia a menor dúvida

de que os guardas reagiriam ao mais leve movimento de

qualquer das cabinas.

Rhodan esperou. Dali a pouco, o capitão

Zimmermann voltou em companhia de um sargento. Os

guardas fizeram continência. Zimmermann e o sargento

entraram no elevador do lado direito.

Rhodan seguiu-os sem fazer o menor ruído e

comprimiu-se contra a parede do elevador para não tocar

em nenhum deles.

Zimmermann disse:

— Que coisa estranha! Até dá para desconfiar que o

sujeito saltou do elevador no meio da viagem. Mas isso é

impossível!

O elevador parou de repente. Pela contagem de

Rhodan, haviam descido mais seis andares.

Rhodan não saltou do elevador com a necessária

rapidez, pois receava que os sapatos de seu traje fizessem

ruído. O sargento, que não tinha nenhum motivo para esse

tipo de receio, passou por ele e esbarrou em seu corpo.

Parou de chofre. Zimmermann esbarrou nele.

Rhodan conteve a respiração e desviou-se para o lado em

passos minúsculos.

— O que houve? — perguntou Zimmermann.

— Es... esbarrei em alguma coisa, capitão.

Zimmermann franziu a testa.

— Onde?

— Aqui, capitão — gaguejou o sargento, apontando

para o nada.

Rhodan viu que se encontravam no fim do corredor.

A parede ficava a dois metros dos elevadores.

Comprimiu-se contra ela. Os guardas postados por ali se

aproximaram do elevador.

Zimmermann riu.

— Há quanto tempo está conosco, sargento?

— Há dois anos, capitão.

Este se mostrou compreensivo.

— Isso explica tudo. Quando eu estava aqui dois

anos, via pequeninos homens verdes marchando por estes

corredores.

Com um gesto de mão procurou mostrar o tamanho

dos homens, a fim de alegrar o sargento.

— De tanto segredo que se faz por aqui — disse em

tom benevolente — todo mundo acaba sofrendo de

alucinações. Isso só passa quando se está acostumado ao

movimento que há por aqui.

O sargento retesou o corpo.

— Sim, senhor.

Rhodan sentiu-se aliviado. Zimmermann afastou-se

em companhia do sargento. Os guardas sorriram.

Andando cautelosamente, Rhodan seguiu os dois.

— Aí vem o capitão Zimmermann, coronel —

avisou O’Healey ao abrir uma das portas de aço que

dividiam a galeria inferior em vários setores distintos.

— Ah! — disse Mercant. Zimmermann fez

continência.

— Este é o sargento Threash, coronel. Foi a primeira

pessoa que notou a ocorrência.

Mercant cumprimentou o sargento com um

movimento de cabeça.

— Deu instruções para que se procurassem

impressões na cabina do elevador? — perguntou,

dirigindo-se a Zimmermann.

— Sim, senhor. Não mandei examinar toda a cabina;

apenas o botão de comando para o décimo quinto andar.

— Foi uma medida muito inteligente — observou

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Mercant em tom irônico. — Isso representa um tipo de

terapia ocupacional para o staff de especialistas, não

acha?

Ao ouvir a reprimenda, Zimmermann piscou os

olhos.

— Achei...

— Ora, capitão. O senhor não vai me dizer que o

homem — se é que esse homem existe — que foi bastante

inteligente para penetrar no posto de Umanaque, não se

valeu do velho recurso das luvas.

— É possível, coronel — concordou Zimmermann.

— É certo — disse Mercant em tom triunfante. —

Sargento, quem mais viu a cabina vazia?

— Todos os guardas que se encontravam diante dos

elevadores do décimo quinto pavimento, coronel —

respondeu Threash em posição de sentido.

— Já mandou chamar os técnicos em eletrônica? —

perguntou Mercant, dirigindo-se a Zimmermann. —

Talvez seja um defeito do elevador.

— Ainda não, coronel. Mas providenciarei...

Nesse instante o inferno irrompeu por ali. Um uivo

estridente superou todos os ruídos. A porta de aço sob a

qual Mercant e O’Healey se encontravam pôs-se em

movimento, deu um empurrão em Mercant, que arrastou

O’Healey consigo, e fechou-se com um ruído seco.

Zimmermann e Threash ficaram do outro lado.

— Alarma de radar! — disse Mercant com a voz

ofegante. — Venha, O’Healey.

Saiu correndo pelo corredor. Não poderia chegar ao

seu corredor. Durante o alarma, as portas de aço só se

abririam mediante uma ordem especial e Mercant não

pretendia transmitir essa ordem enquanto não soubesse de

que se tratava. De qualquer maneira podia dispor das salas

situadas no setor em que se encontrava.

Tomou lugar em uma mesa desocupada às pressas.

Através do aparelho de intercomunicação entrou em

contato com a central de vigilância.

— É Mercant! O que houve na galeria inferior?

— Alarma de radar no setor A, coronel.

— O que foi que desencadeou?

— Não sabemos coronel. Captei todo o setor na tela

de imagem que tenho diante de mim, mas não vejo nada

de anormal.

— Entrou em contato com as salas do setor?

— Sim, coronel. Mas ninguém viu nada de

extraordinário.

Mercant refletiu. O setor A era o primeiro a partir

dos elevadores. Se alguém tivesse vindo de cima...

— Está bem! — disse com a voz áspera. — Pode

suspender o alarma.

A sereia voltou a uivar no corredor. Mercant saiu em

companhia de O’Healey e abriu a porta na qual dois

minutos antes conversara com Zimmermann.

Este e o sargento Threash continuavam no mesmo

lugar.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Mercant

laconicamente.

— Nada, coronel. Permite que lhe pergunte...

— Há um fantasma por aí — respondeu Mercant

com um sorriso. — Um homem que sabe tornar-se

invisível.

Passando por Zimmermann, avançou cautelosamente

pela galeria. Zimmermann e os dois sargentos fizeram

menção de segui-lo, mas Mercant fez sinal para que

continuassem onde estavam.

Uma das portas do lado esquerdo abriu-se. Com um

gesto zangado, Mercant fez com que o homem que

pretendia sair para o corredor voltasse.

Subitamente parou como se tivesse encontrado

alguma coisa. Voltou o rosto para o chão, depois para

cima. Finalmente virou-se e voltou com um sorriso no

rosto.

— Acho que fizemos papel de palhaço — disse em

tom alegre. — Não há nada. Zimmermann!

— Sim, coronel!

— Mande esse pessoal das impressões digitais para

casa. Acho que o caso será esclarecido de outra forma.

— Sim, senhor.

— O’Healey e Threash, voltem aos seus postos.

O’Healey, o senhor me apresentará o relatório na hora de

costume.

Voltou ao seu gabinete, sem dar atenção aos rostos

espantados que deixou para trás.

Cautelosamente abriu a porta. Um sorriso de

contentamento passou pelo seu rosto. Foi até a mesa,

afundou na poltrona e abriu uma das gavetas. Tirou uma

pesada pistola.

Apontou a arma para um ponto situado entre a porta

e o armário mais próximo. Depois disse:

— Seja quem for o senhor, pode tirar seu disfarce.

Não sei o que pretende aqui. Se quiser matar o velho

Mercant, é bom que saiba que ainda terei forças para

apertar o gatilho desta pistola. Já deve ter visto que sei

perfeitamente onde está. Então?

Passaram-se alguns segundos. Subitamente uma

espécie de nuvem começou a formar-se no lugar para o

qual Mercant estava apontando sua arma. A nuvem

assumiu formas definidas e acabou transformando-se num

homem que envergava um traje estranho.

Mercant arregalou os olhos.

— Major Rhodan!

— Já não sou major! O major deu baixa. Meu Deus,

como foi que você descobriu?

Mercant sorriu.

— Dizem que descubro a presença de um homem

pelo faro. Nunca senti isso tanto como hoje. Sente-se,

Rhodan.

Rhodan sentou. Mercant ofereceu-lhe um cigarro.

Parecia inteiramente à vontade.

— Seu uniforme não o protege contra o radar, não é?

— disse depois de algum tempo.

— Não; e não sabia que aqui embaixo existem

detetores de radar.

— Assim mesmo é uma coisa extraordinária.

Rhodan descansou o cigarro no cinzeiro.

— Vamos logo ao que importa Mercant. A coisa é

muito mais séria do que você pensa.

— Muito bem; pode falar.

Rhodan relatou tudo que havia ocorrido na Lua.

Concluiu da seguinte forma:

— Procure compreender: o que virá por aí é uma

frota de naves robotizadas, e nenhuma delas estará

interessada em saber se tínhamos algum direito de destruir

o cruzador espacial dos arcônidas. Dispararão seus

mísseis e não temos como defender-nos.

Se Mercant ficou impressionado, não o deixou

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163

perceber.

— E sua nave? Você não disse que está muito bem

equipada? Não pode repelir o ataque com ela?

— Está bem equipada sob os padrões terrenos —

respondeu Rhodan. — Mas as naves robotizadas que

estão a caminho têm um equipamento muito superior.

Faremos o que estiver ao nosso alcance, mas seria

conveniente que o planeta Terra se preparasse.

— E quem me garante que você não está blefando

para arrancar umas tantas vantagens para si e seus

comparsas? — retrucou Mercant.

— Ninguém lhe garante — respondeu Rhodan em

tom indiferente. — Acredite se quiser. Quando chegar o

momento, verá que não estou blefando.

Mercant abanou a cabeça. Ainda não se mostrava

impressionado. Parecia refletir. Na verdade, esforçou-se

por captar tudo que era possível dos pensamentos de

Rhodan. Mercant sabia perfeitamente que possuía um

princípio do dom da telepatia. Podia perceber um

pensamento muito intenso, desde que o indivíduo não

estivesse muito distante dele. Às vezes conseguia captar a

concepção geral de um fluxo de pensamentos, para saber

se era verdadeiro ou falso.

O cérebro de Rhodan tinha algo de muito especial.

Mercant conseguira perceber onde ele se encontrava; foi

assim que pôde localizá-lo no corredor e no escritório.

Mas Rhodan parecia ter posto uma tranca nos seus

pensamentos. Mercant não conseguiu captar nenhum

deles; mas percebeu que ele dizia a verdade.

Levantou-se.

— Esqueça-se disso. O que sugere?

— Divulgue o assunto entre as pessoas responsáveis

— respondeu Rhodan. — Diga-lhes o que nos espera e

faça-os compreender que só através da cooperação de

todos conseguiremos montar uma defesa eficiente. Mais

uma coisa: faça com que seja suspenso esse ridículo

bloqueio de suprimentos decretado contra nós. Ainda que

consigamos repelir o primeiro ataque, outros se seguirão.

Para manter-nos, precisaremos de pelo menos uma nave

de grande capacidade. Mesmo que as indústrias sejam

autorizadas imediatamente a iniciar os fornecimentos,

levaremos alguns meses para montar uma nave com as

matérias-primas e os produtos semiacabados que

recebermos. Se tivermos de arranjar o material às

escondidas, levaremos dois anos. Mercant olhou para o

chão.

— Farei o possível, Rhodan. Sabe o que está

pedindo de mim? Imagine só! Chego a Washington e digo

ao pessoal: Escutem, Rhodan encontrou na Lua um

hiperemissor que emite sinais de emergência. Dentro de

quinze dias o mais tardar chegará uma frota de naves

robotizadas e bombardeará a Terra. Rhodan quer que

suspendam todo e qualquer embargo contra seu grupo. Já

pensou no que dirá essa gente?

Como um movimento discreto Rhodan ativou o

hipnorradiador oculto sob seu traje.

— Mercant, você tem uma influência pessoal

extraordinária — disse com a voz baixa, mas em tom

penetrante, fitando os olhos de seu interlocutor. — Usará

essa influência para convencer aquela gente. Tomará

todas as providências para que os preparativos de defesa

sejam iniciados sem a menor demora. Compreendeu

Mercant? Não se dirija ao Senado, mas ao Presidente.

Fale com as pessoas que confiam em você pelas suas

qualidades pessoais, não por ser chefe do Serviço Secreto.

Entendido?

Mercant confirmou com um movimento dócil da

cabeça. Nem se deu conta de que, até então, ninguém se

atrevera a falar-lhe nesse tom, isso porque a incumbência

transmitida por Rhodan era de natureza pós-hipnótica.

Mercant não poderia deixar de cumpri-la à risca.

Rhodan descontraiu-se.

Libertou Mercant da constrição mental a que o

submetera.

— Ficarei muito grato se puder conduzir-me em

segurança até lá em cima.

Mercant abriu a porta.

— Enquanto estiver comigo, ninguém o deterá.

Enquanto passavam pela galeria, Mercant disse:

— Terei de manter contato com você, Rhodan.

Instrua o capitão Klein a transmitir qualquer comunicação

dirigida a você pelo código ANP. Não se esquecerá?

Rhodan estacou. Mercant sorriu quando notou sua

surpresa.

— A quem devo instruir? — perguntou Rhodan. —

Klein? O capitão Klein?

— Isso mesmo.

— Como sabe que trabalha conosco?

— Não sei — respondeu Mercant. — Apenas

suponho. É como lhe digo: farejo uma porção de coisas

nas pessoas.

Rhodan dominou o espanto.

— Klein ficará satisfeito em saber disso. Anda com

um medo terrível de uma lavagem cerebral.

Mercant riu.

— Não deve ter medo. Continuo a considerá-lo um

dos melhores elementos de que disponho.

Quando chegaram ao elevador, os guardas,

espantados, fizeram continência. Rhodan perguntou em

voz baixa:

— Você poderia explicar isso, Mercant? Quero

dizer, sua atitude para com Klein.

Mercant hesitou, mas acabou dando uma resposta

franca e singela:

— Estou convencido de que a humanidade devia

colaborar com você. Acredito que não quer nada de

condenável, e que seria de vantagem para todo mundo se

fizéssemos as pazes com a Terceira Potência.

Rhodan encarou-o estupefato. Quando o elevador

chegou ao décimo quinto andar, disse:

— Obrigado, Mercant!

VII

Allan D. Mercant era uma das pessoas que o

Presidente dos Estados Unidos recebia a qualquer hora.

Quanto à soma dos poderes que enfeixavam em suas

mãos, nenhum dos dois ficava devendo nada ao outro.

Desta vez, porém, Mercant via-se diante de um caso

especial, no qual precisava do auxílio do Presidente. Só

este tinha o privilégio de desencadear um alarma nuclear.

O Presidente convocara seu conselheiro pessoal para

a conferência. Tal qual Mercant, Wildinger era um dos

homens do mundo livre dotados de maior dose de sangue-

frio.

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164

Mercant ainda não conseguira convencer o

Presidente.

— Ninguém há de exigir que eu dê o alarma nuclear

com base numa simples suspeita, atirando o dinheiro do

povo pela janela — protestou o Presidente. — Sabe que

um ato desses nos custa um bilhão de dólares?

Mercant sacudiu a cabeça.

— Não sabia. Mas também não sabia que em um

caso desses, isso é tão importante — disse em tom

indiferente.

— Wildinger! Abra a boca!

Até então, Wildinger se mantivera confortavelmente

reclinado na sua poltrona. Agora deslocou o corpo para

frente, apoiando os cotovelos na mesa.

— É difícil dar um conselho — disse. — É bem

possível que economizemos um bilhão de dólares, para

sacrificar a vida dentro de poucos dias. Mas também é

possível que o mais acertado seja não desencadear o

alarma. Enquanto Mercant não nos fornecer informações

mais precisas, nada podemos aventurar com uma

probabilidade razoável, muito menos com um mínimo de

certeza.

Acendeu um cigarro e prosseguiu:

— Poderíamos adotar uma solução conciliatória.

Deixaríamos tudo preparado, para que o alarma pudesse

ser desencadeado num tempo muito breve. Dessa forma

só gastamos a décima parte e conservamos nossa

liberdade de movimentos.

Mercant suspirou aliviado. Desde o início não

esperara conseguir mais que isso. Insistira no alarma, para

obter, ao menos, os preparativos.

O Presidente concordou com a sugestão que acabara

de ser formulada. Mercant parecia indeciso; consentiu

com uma expressão preocupada no rosto.

— Informarei os demais interessados — disse ao

levantar-se. — Não quero que acreditem que estamos

preparando uma guerra às escondidas.

Os “demais interessados” eram os homens de

Pequim e Moscou. Johnston nada objetou contra as

intenções de Mercant.

* * * Em Pequim e Moscou o aviso de Mercant provocou

o mesmo espanto que em Washington. Todavia, os

agentes informaram que realmente o mundo ocidental se

preparava para um alarma nuclear.

Para a manutenção do equilíbrio das forças tornava-

se indispensável que as duas outras grandes potências

seguissem o exemplo. Fizeram-no sem saber o que estava

acontecendo.

A população não foi informada. Na Terra reinava a

calma.

* * *

A nave dos arcônidas voltou à base, onde os robôs

estavam concluindo seu trabalho.

Tako Kakuta regressara um dia antes. Trouxera a

notícia do hiperemissor, que estava prestes a fazer desabar

a desgraça sobre a Terra. Manoli e Haggard, isolados de

outras notícias, tinham chegado ao auge do nervosismo

quando a nave pousou junto à Stardust.

Rhodan chamou-os e informou-os de todos os

detalhes. Para Manoli e o australiano, que não dispunham

dos conhecimentos admiráveis de Rhodan e Bell, a notícia

do perigo que os ameaçava foi um choque. Participaram

calados e cabisbaixos da conferência dos membros da

Terceira Potência, que Rhodan fez realizar

imediatamente.

Também Thora manteve-se calada, mas não

cabisbaixa. O triunfo continuava a brilhar nos seus olhos.

Rhodan a compreendia. Estava para chegar o dia em que

não dependeria mais da Terra. A nave decolaria para

escapar ao ataque iminente, e uma das naves robotizadas

colocaria a bordo o único remanescente aproveitável do

cruzador dos arcônidas, garantindo a todos o regresso a

Árcon.

Rhodan abriu a conferência com as seguintes

palavras:

— Sabemos perfeitamente que não podemos exercer

qualquer influência sobre as naves robotizadas. Em outras

palavras, não temos nenhuma possibilidade de impedir

que desencadeiem o ataque contra a Terra. A reação das

naves robotizadas a um sinal de emergência processa-se

de tal maneira que o inimigo cujo ataque deu origem à

mensagem não tem a menor possibilidade de subtrair-se

às medidas punitivas. Portanto, não devemos quebrar a

cabeça com isso. A pergunta que tem de ser respondida é

esta: temos alguma possibilidade de atacar os robôs antes

que transformem a Terra num montão de cinzas?

A pergunta ficou no ar. Só Thora, Crest, Bell e

Rhodan estavam em condições de conceber qualquer ideia

a respeito. Tako, Haggard e Manoli não possuíam a

capacidade necessária para isso. Uma das quatro pessoas

que possuía essa capacidade — Thora — encerrou-se num

obstinado mutismo. Um segundo, Crest, estava com a

capacidade de raciocínio perturbada em virtude de ideias

preconcebidas sobre a fatalidade da situação. Bell e

Rhodan eram os únicos que podiam empenhar toda a

capacidade intelectual na solução do problema.

— Vamos encarar a situação sob o ponto de vista

tático — sugeriu Bell. — Segundo o código de

emergência, devemos contar com a presença de cinco

naves. O que nos interessa saber é como se comporta uma

nave robotizada.

“Se ficarmos aqui sem fazer nada, aguardando os

acontecimentos, se dirigirão em primeiro lugar ao

cruzador destroçado, descobrirão a causa de sua

destruição, verificarão que essa causa se localiza na Terra

e atacarão nosso planeta. As naves robotizadas do Império

Galático pensam em termos de mundos. Não devemos

esperar que procurassem saber se três foguetes provêm da

China, da Rússia ou do Ocidente. Destruirão a Terra, não

esta ou aquela nação.

“E se interferirmos com os robôs? O que farão as

cinco naves robotizadas ao constatarem que o inimigo

ainda se encontra nas proximidades do alvo destruído? O

atacarão. Sabemos, ou melhor, quatro de nós sabem que

os robôs possuem elevada habilidade tática. Não se

lançarão todos de vez na perseguição de uma navezinha

como a nossa. Calcularão que uma das suas naves será

suficiente para nos destruir.”

“Acho que aí está nossa única chance. Seria uma

temeridade lutar contra cinco naves ao mesmo tempo.

Mas se conseguirmos separá-las, para lidar com uma de

cada vez, a situação mudará de figura”.

Rhodan concordou. A ideia até chegou a despertar

Crest da sua letargia. Via-se que recobrava as esperanças.

Thora continuou calada. Mas parecia que já não se

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165

sentia tão segura.

Continuaram a discutir o plano de Reginald Bell.

Rhodan acrescentou alguns detalhes. Assim surgiu um

projeto, que poderia ser introduzido nos computadores

para ser interpretado. Rhodan traduziu-o em impulsos

registrados em fitas que foram colocadas nos autômatos.

Dessa forma seria informado sobre qualquer erro e

poderia realizar as correções que se tornassem

necessárias.

* * *

Na noite daquele dia, Rhodan teve uma palestra

muito estranha. De tarde, o capitão Klein transmitira a

informação de que nos três blocos de superpotências da

Terra estavam sendo realizados preparativos para um

alarma nuclear, a fim de que as áreas sujeitas a ataque

pudessem ser evacuadas em poucas horas. Rhodan ficou

satisfeito ao saber disso. A partir da localização ótica das

naves robotizadas, que sem dúvida estariam imunes à

localização pelo radar, tal qual a nave auxiliar, ainda

passariam algumas horas até que descobrissem o que

havia acontecido na Lua e iniciassem o ataque à Terra.

À noite, recebeu a visita de Thora. Era a primeira

vez que ela entrava em seu camarote.

Rhodan ficou perplexo, tão perplexo que ela notou.

— É de admirar, não é? — disse Thora com uma

ponta de ironia.

— É verdade! — confirmou Rhodan. — O que a traz

aqui?

— Quero fazer-lhe uma proposta.

Rhodan apontou para uma poltrona.

— Queria sentar. Não imagina que prazer eu sinto,

ao ouvi-la.

Thora entesou o corpo, mas não havia o menor tom

de zombaria nas palavras que ouvira. Sentou na poltrona

que Rhodan lhe oferecera e reclinou-se profundamente.

— Dentro de cinco ou seis dias — principiou Thora

— seu belo sonho da humanidade unida e da herança do

Império Galático terá chegado ao fim.

Rhodan não a interrompeu, embora não concordasse

com ela.

— Dentro de poucos dias — prosseguiu — nossos

cruzadores robotizados chegarão, descobrirão as causas

da destruição de nossa nave e transformarão a Terra num

montão de rochas altamente radioativas — a Terra e todos

que vivem nela. Existem algumas pessoas que merecem

ser salvas da catástrofe. Você é uma dessas pessoas.

Rhodan sobressaltou-se. Inclinou o corpo para

frente, como se pudesse perseguir as palavras para voltar

a introduzem-las no ouvido.

— Eu?

Thora confirmou com um gesto enfático.

— Sim, você. Talvez ainda seu companheiro Bell,

que também recebeu nosso treinamento, e Haggard, que

sabe curar a leucemia, e finalmente Tako Kakuta, por

causa de suas faculdades extraordinárias. Ofereço-lhes a

salvação. Minha posição de comandante de uma nave

exploradora me dá esse direito. Irão a Árcon conosco e lá

encontraremos uma maneira de aproveitá-los.

Rhodan começou a desconfiar do que havia atrás

disso.

— Por que acha que justamente nós merecemos ser

salvos? — perguntou.

— É por causa das faculdades que possuem —

respondeu Thora prontamente. — Representariam uma

aquisição valiosa para o Império. Poderiam ser utilizados

em setores nos quais é necessária uma boa dose de

energia. Dispõem dos conhecimentos necessários. Ainda

poderíamos transmitir esses conhecimentos a Tako e

Haggard.

Rhodan ficou em silêncio.

— Será que não pensa em utilizar-nos para criar uma

nova raça?

Thora não percebeu o tom de sua voz.

— Não acredito — respondeu Thora com voz mais

fria que antes — que qualquer mulher arcônida se

prestasse a manter relações com um ser terreno.

Rhodan confirmou com um movimento de cabeça e

esperou.

Thora dispunha de uma extraordinária reserva de

paciência. Ela levou uns quinze minutos para perguntar:

— Então?

Rhodan levantou-se. Foi para junto da tela que

substituía a janela e olhou para a imensidão de areia do

deserto de Gobi. As estrelas espalhavam um brilho

mortiço e produziam sombras difusas, que faziam os

sulcos feitos pelo vento parecerem mais fundos do que

realmente eram.

— Ouça Thora! — disse depois de algum tempo. —

Para mim, uma mão de areia deste deserto vale mais que

todo o seu império podre. Não tenho o menor interesse

em ocupar um cargo mais ou menos importante nele. A

única coisa que me preocupa é a Terra. Quer saber por

quê?

Girou sobre os saltos dos sapatos.

— Não teremos de esperar muito; apenas uns

trezentos ou quatrocentos anos, que afinal não

representam nada em comparação com o longo caminho

que trilhamos desde a Idade da Pedra, para que o monturo

do seu império nos caia nas mãos em troca de nada. Não

serei eu quem vai ensinar aos arcônidas os truques através

dos quais poderão perturbar o progresso da humanidade

terrena. Perturbar, não impedir.

Deu dois passos em sua direção.

Thora sentiu-se tomada por uma fúria cruel. Quis

sair para deixá-lo falando só, mas aquela voz a prendia.

Foi a primeira vez que Rhodan, sem que o soubesse,

colocou nas palavras dirigidas à mulher toda a força de

persuasão que lhe fora conferida pelo treinamento

hipnótico.

— Preste atenção — prosseguiu. — O que

acontecerá se não conseguirmos rechaçar suas naves

robotizadas? Atacarão a Terra e a destruirão. Mas sempre

sobrarão alguns homens — cem, mil, dez mil ou um

milhão, pouco importa. Esses homens nunca se

esquecerão do que aconteceu aos demais. Cuidarão para

que nada de semelhante aconteça a eles ou aos seus

descendentes. Acho que você ainda não conhece a energia

que possuímos. Dentro de dois mil anos a Terra voltará a

ser o que é hoje. E o Império Galáctico, que já está podre

até a medula dos ossos, terá um inimigo encarniçado

nessa Terra. E não haverá a menor dúvida de como

terminará essa inimizade. Até onde atingem nossas

recordações, sempre combatemos nossos inimigos até

matá-los. Nesse caso acontecerá à mesma coisa, e o

controle da Galáxia passará às nossas mãos.

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166

Thora reuniu todas as forças para sair. Mas antes que

atingisse a escotilha, Rhodan voltou a falar, deixando-a

como que pregada ao solo.

— As coisas ainda não chegaram a este ponto. Você

sabe perfeitamente que temos uma possibilidade real de

destruir as naves robotizadas. No início, pensarão que

somos sobreviventes inofensivos da expedição espacial.

Talvez até nos recebam a bordo antes de atacar a Terra.

Assim teremos a chance de que precisamos. A Terra ainda

não está perdida; falta muito para isso.

Thora deu mais dois passos. Já se encontrava perto

da escotilha, quando Rhodan deu um grito:

— Pare!

A energia brutal da voz do terreno, que quase

chegava a exercer uma constrição física, causou-lhe dor

de cabeça. Virou-se rapidamente.

Ficou espantada ao ver que Rhodan sorria.

— Aqui na Terra conhecemos casos semelhantes aos

seus. Certas mocinhas criadas em casas ricas e bem

cuidadas ficam apavoradas ao saberem que nem todos

vivem como elas e seus pais; há muita gente pobre que

tem de lutar pela vida.

“Você é igualzinha a essas moças. Acha que deve

desprezar-nos só por sermos mais jovens que sua raça. No

dia em que você chegar perto de mim para confessar que

nestas últimas semanas tem sido muito tola, eu lhe direi

quanto a amo”.

Thora ficou perplexa. Perdeu alguns segundos

preciosos antes de decidir se devia responder ou não.

Finalmente o orgulho venceu. Virou-se

abruptamente e saiu.

A insinuação chocara-a mais do que ela mesma

gostaria de admitir. No planeta de Árcon as regras do jogo

do amor haviam sido adaptadas no curso dos milênios aos

ditames da inteligência. Se em Árcon um homem fizesse

uma declaração de amor a uma mulher que pouco antes

insultara, isso seria encarado como sintoma de doença

mental.

Apesar da raiva que a dominava, Thora não deixou

de reconhecer que na Terra não se podiam aplicar os

mesmos padrões. Compreendeu que a declaração que

Rhodan proferira naquele instante constituía parte da

manobra que engendrara. Sentiu-se impotente diante

desse tipo de ilogismo programado.

Pela primeira vez reconheceu com toda a clareza —

e com todo o pavor que esse conhecimento lhe despertava

— a juventude incrível da raça terrena e as forças

espantosas e assustadoras que se ocultavam detrás dessa

juventude.

* * * A sensação surgiu dali a dois dias. Rhodan não

tivera mais notícias de Mercant. Isso significava que na

Terra não havia maiores novidades. Os dirigentes

aguardavam a concretização das ameaças vindas de fora.

Manoli operava o rádio. Os robôs tinham concluído

seu trabalho, e voltaram para os depósitos onde Crest os

desativou.

Thora aparecia raras vezes. Evitava Rhodan. Este

compreendia.

Bell e Haggard dedicavam-se ao jogo de xadrez.

Geralmente Manoli não sabia o que fazer. A nave

auxiliar possuía receptores excelentes. Captava tudo sem

a menor dificuldade, desde a emissora da polícia de

Pequim até as notícias transmitidas pela estação espacial

Freedom I e os programas de ondas longas das emissoras

inter-regionais. E, como nas últimas semanas as notícias

sensacionais fossem uma raridade, o cargo de

radioperador não oferecia maiores atrativos.

Mas, nesse dia, as coisas mudaram por completo.

Manoli estava ouvindo um programa da estação espacial

na faixa de 305 megahertz. Subitamente o mesmo foi

interrompido para a transmissão de um comunicado

urgente:

— Esquilo para raposa, esquilo para raposa.

Localizamos objeto não identificável na direção Pi dois-

um-zero. Teta zero-nove-cinco. Distância duas vezes dez

na sexta potência metros, velocidade cerca de duas vezes

dez na quarta potência metros por segundo, forma

indefinível. Objeto prossegue em direção à Lua. Fim.

Raposa confirmou imediatamente e deu a seguinte

indicação:

— Pedimos que comunicados subsequentes sejam

transmitidos em código.

Manoli taquigrafara o comunicado. Arrancou a folha

do bloco e saiu correndo. Percorreu o corredor às

escorregadelas. Mal a escotilha do camarote de Rhodan se

abriu, precipitou-se para dentro e leu a notícia para

Rhodan. Este ficou muito mais exaltado do que Manoli

esperava.

— É inacreditável!

Sem dar a menor atenção a Manoli, que nada

entendia do assunto, ligou para Crest. Só após isso voltou

a falar com o médico para dar-lhe uma incumbência:

— Avise Tako para que preste atenção aos sinais de

Klein. Daqui a pouco receberemos informações mais

detalhadas.

Manoli confirmou com um movimento de cabeça e

saiu correndo. Depois de algum tempo Crest chegou.

— A estação espacial anuncia um corpo estranho

vindo da órbita de Marte, que se dirige à Lua — explicou

Rhodan com a voz tranquila. — Gostaria de saber o que

acha disso.

Crest mostrou-se interessado.

— Dispõe de outras informações?

— A velocidade é de 2 vezes 104 m/seg.

— Qual é a forma do objeto?

— Desconhecida.

Crest olhou-o.

— Face ao treinamento que recebeu, deve supor a

mesma coisa que eu.

Rhodan fez que sim.

— Qual é a sua suposição?

— A base situada em Mira-4 não se encontra mais

em poder do Império. O que vem por aí não é nenhum

cruzador robotizado, mas uma nave pertencente a alguma

unidade rebelde da frota colonial, pilotada por uma

tripulação inexperiente.

Crest confirmou.

— Tomara que seja só essa — acrescentou Rhodan.

Dali a meia hora, Klein forneceu outras informações.

O objeto estranho aproximara-se mais da estação espacial,

que pôde identificar sua forma. Enquanto Klein

conversava com Tako Kakuta no limite da cúpula

energética, as notícias chegavam constantemente e eram

logo decifradas por Klein, que trouxera a chave de

decodificação, e transmitidas à nave.

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167

O objeto estranho tinha a forma de um fuso. Era

parecido com dois torpedos cortados ao meio e ligados

pelas extremidades pontudas.

À medida que Klein decifrava as mensagens,

Rhodan ouvia. Sabia que as naves em forma de fuso

pertenciam aos tipos mais antigos da frota do Império,

usados quase exclusivamente nos mundos coloniais. Isso

confirmava a suposição de que o objeto que fora

localizado não podia ser um cruzador robotizado.

Crest acrescentou:

— Os habitantes de Fantan possuem várias naves em

forma de fuso, porque não estão em condições de adquirir

veículos mais dispendiosos. Aposto — sorriu para

Rhodan e procurou descobrir se este ficara satisfeito com

a expressão tomada de empréstimo à fala dos terrenos —

aposto que é uma nave de Fantan. O grupo de Fantan não

fica muito distante da base de Mira. É bem possível que

tenham conquistado Mira-4 e captado o sinal de

emergência.

O que mais reforçava essa suposição era o fato de

que a nave em forma de fuso não se resguardava contra o

radar, nem contra a localização ótica. Além disso,

aproximava-se da Lua com uma lentidão incrível, como

se estivesse só no mundo e não precisasse recear coisa

alguma.

Nenhum outro objeto foi localizado.

Thora pusera-se em comunicação com o circuito e

ouvira tudo que o capitão Klein informara lá de fora.

Assim que Tako voltou, Rhodan pediu-lhe que fosse ao

camarote de Thora para solicitar uma entrevista destinada

a esclarecer a situação. O japonês encontrou a

comandante caída ao solo. Estava inconsciente.

A decepção fora um golpe pesado demais para ela.

VIII

Os acontecimentos começaram a precipitar-se. Dali

à uma hora o capitão Klein voltou a chamar:

— Os chefes do Serviço de Defesa pedem uma

conferência com o senhor Rhodan.

Rhodan estava estupefato.

— Os chefes? — perguntou. — Que chefes são

estes?

Klein parecia divertir-se com o espanto de Rhodan.

— Há alguns minutos existe um comitê de

segurança internacional. Os dirigentes são Ivan Kosselov,

do Serviço Secreto do Bloco Oriental, Mao Tsen, do

Serviço Secreto da Federação Asiática, e Allan D.

Mercant.

Rhodan compreendeu a situação.

— Estou pronto para receber os cavalheiros a

qualquer momento. A que hora poderão estar aqui?

— Todos eles são de opinião que o assunto é muito

urgente. Mercant já se encontra em Pequim. Ele e Mao

Tsen não levarão mais que quarenta e cinco minutos na

viagem até aqui. E Kosselov também não demorará mais

que isso.

Rhodan refletiu.

— Ouça capitão! Anuncie essa gente assim que

tiverem chegado. Se necessário deixarei que entrem, um

por um.

Dali à uma hora os chefes dos serviços secretos

terrenos compareceram à nave auxiliar dos arcônidas.

Rhodan pediu que Crest participasse da conferência.

Soube que a evacuação da população e dos

equipamentos industriais mais importantes estava sendo

levada avante a todo vapor.

— Gostaríamos de saber — disse Mercant — para

que sirvirá todas essas providências. Será que o ataque

das naves robotizadas não transformará a Terra num

reator superativado?

Rhodan expôs as suposições a que ele e Crest

haviam chegado em relação à nave.

— Mostro-lhes as coisas como realmente são —

acrescentou. — Temos uma boa chance de rechaçar esse

atacante com um único tiro bem dirigido. Mas nem por

isso acho que seria aconselhável suspender o alarma. Em

primeiro lugar, apesar de tudo existe a possibilidade de

uma falha. Depois, não teremos de lidar apenas com essa

nave. Mesmo que consigamos destruí-la, outras, que

também captaram o sinal de emergência, surgirão. Se

conseguirmos nos livrar do primeiro atacante teremos

uma pausa de algumas semanas, no máximo alguns

meses. E nesse intervalo teremos de preparar-nos para

enfrentar o novo ataque sem o menor risco.

Olhou para Mercant.

— O senhor sabe a que me refiro. A Terra não está

em condições de manter o embargo que pesa sobre nós.

Somos a única coisa que pode fazer alguma coisa pela

defesa da Terra. Precisamos ter plena liberdade de ação;

só assim poderemos explorar todas as possibilidades que

se oferecem.

Mercant olhou para os seus acompanhantes. Depois

voltou a encarar Rhodan.

— No setor da OTAN, consideramos findo o

embargo. Depositamos nossa confiança irrestrita no

senhor em tudo aquilo que diz respeito às medidas de

defesa contra um ataque vindo de fora.

Rhodan encarou-o; parecia surpreso. Kosselov falou

em seguida:

— Nosso governo coloca-se na mesma posição no

que diz respeito ao senhor.

Mao Tsen concordou com um sorriso:

— A Federação Asiática assume a mesma posição,

senhor Rhodan.

Rhodan oferecia o quadro de uma estupefação

incontida. Finalmente um sorriso esboçou-se nos cantos

da sua boca. Com um ligeiro tom de ironia na voz disse:

— Cavalheiros! No instante em que seus governos

estiverem dispostos a estender sua confiança para além

dos preparativos de defesa contra um ataque vindo de

fora, no instante em que depositarem confiança plena em

nós, em todos os setores, a Terceira Potência deixará de

manter-se isolada. Estaremos dispostos a abrir nossa base

e a colocar aquilo que temos à disposição de toda a

Humanidade.

Passaram a discutir os detalhes. Rhodan explicou de

que maneira pretendia rechaçar lá fora, no espaço, o

ataque da nave em forma de fuso. Deu instruções sobre as

medidas de proteção à população, que deveriam ser

adotadas se não conseguisse seu intento. Mercant,

Kosselov e Mao Tsen faziam anotações.

Ao concluir, disse:

— Não sei se já se deram conta de que não poderão

contar mais com o apoio da Terceira Potência caso falhe

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168

nossa tentativa de destruir a nave no espaço ou sobre a

Lua. Estaremos empenhados numa luta de vida e morte.

De qualquer maneira, temos de encarar essa possibilidade.

Por isso anotei várias coisas que julgo importantes para a

Humanidade. O documento será depositado num lugar

adequado a fim de que possa resistir ao eventual ataque a

Terra. Acho que minhas informações lhes serão úteis. Se

a Terra for destroçada, as anotações representarão um

bom ponto de partida para os sobreviventes. Nunca mais

devemos esquecer que não estamos sós no universo.

Temos de conformar-nos com a existência de outras raças

e devemos preparar-nos para a eventualidade de que

algumas delas nos sejam hostis.

“Peço que os acontecimentos que lhes transmito

através das minhas anotações sejam encarados nesta

perspectiva.”

* * *

As anotações representaram um trabalho extenso,

cuja confecção consumiu horas preciosas de Rhodan. A

nave atingira a órbita lunar e realizava evoluções a uma

distância constante de dez mil quilômetros do satélite da

Terra.

Rhodan teve uma ligeira palestra com seus

companheiros. Thora manteve-se afastada. Precisava de

sossego. A sugestão de Rhodan, de que Tako Kakuta e o

Dr. Manoli permanecessem na Terra, mereceu apoio de

todos. Na cúpula energética ficariam protegidos contra

qualquer agressão, e contra as consequências de uma

eventual contaminação radioativa. Tako guardou as

anotações de Rhodan, prometendo entregá-las à

humanidade — ou aos seus remanescentes — somente

quando não restasse a menor dúvida de que a nave dos

arcônidas fora destruída na luta contra os seres estranhos.

Tako e Manoli instalaram-se na Stardust. Rhodan

decolou imediatamente.

Subiu a cem quilômetros. O cumprimento dos seus

objetivos não poderia ficar a cargo dos dispositivos

automáticos. Bell serviu de copiloto. Haggard e Crest

permaneceram na sala de comando.

A nave permaneceu imóvel. Os bulbos das lâmpadas

de controle automático emitiam um brilho negro. Uma

pequena imagem projetada numa tela embutida no painel

indicava a posição da nave em relação à superfície da

Terra. Todos os instrumentos, com exceção do altímetro,

indicavam o valor zero.

Só no painel de Bell se via a luz de cinco lâmpadas

verdes. Bell virou a cabeça e disse tranquilo:

— Reatores a plena potência, chefe!

Rhodan confirmou com um movimento de cabeça,

sem se voltar. Nos compartimentos de máquinas, cinco

reatores de fusão, que eram verdadeiros gigantes na sua

classe, forneciam energia a um depósito, que a liberaria

no momento adequado.

A energia armazenada seria suficiente para envolver

a nave num campo hipergravitacional que a isolaria do

ambiente exterior e — para utilizarmos uma imagem — a

retiraria do complexo quadridimensional tempo-espaço.

Um corpo circundado por um campo hipergravitacional

deixava de existir no espaço normal; era trasladado para

uma ordem espacial superior, onde prevaleciam as

mesmas leis do espaço ao qual acabava de subtrair-se,

mas os princípios da Física estavam sujeitos a uma

interpretação totalmente diversa. Depois de ter adquirido

os conhecimentos dos arcônidas através do treinamento

hipnótico, Rhodan passou a designar esse superespaço

como “o caminho situado atrás da curva espacial”. O

problema do hipervôo encontrava sua explicação nesse

contexto. Um corpo, como, por exemplo, uma nave,

rompia a superfície convexa do conjunto tempo-espaço,

prosseguia em trajetória reta e, uma vez atingido o

destino, voltava a ingressar no citado conjunto.

Até então, ninguém tentara vencer um trajeto de

pouco mais de um segundo-luz num hipersalto dessa

espécie. No presente caso havia uma dificuldade. A nave

auxiliar, pequena e dotada de pouca energia em

comparação com a nave principal, levaria algum tempo

para acumular energia depois de terminado o salto. Os

depósitos haviam sido dimensionados de tal forma que

apenas eram suficientes à dupla travessia da superfície do

conjunto tempo-espaço. Terminado o salto, teria de haver

uma pausa antes que a nave pudesse reencetar a viagem.

Se o salto não atingisse o lugar programado, essa pausa

seria aproveitada pelo inimigo, que estaria em condições

de localizar a nave e colocar-se em posição favorável para

o combate.

Pelos cálculos de Rhodan, o salto terminaria na

sombra projetada pela Lua. A nave dos habitantes de

Fantan prosseguia na mesma trajetória. Continuaria em

órbita lunar, dez mil quilômetros atrás da Lua. A nave

auxiliar surgiria à frente da Lua.

Rhodan moveu a mão em direção à tecla vermelha

que faria a nave dar o salto.

Apertou-a. A tecla deu um estalo e as telas de

imagem apagaram-se imediatamente.

Dali a um segundo voltaram a entrar em atividade. A

imagem era totalmente diferente. Diante da nave surgiu a

foice lunar, iluminada pelo sol que acabava de surgir

detrás da Terra.

— Alguma localização? — perguntou Rhodan.

— Nada! — respondeu Bell.

— Intensidade do salto?

— Correta.

Rhodan reclinou-se na poltrona. Dali a pouco se

virou e olhou para Crest, que estava radiante.

— Excelente! — disse.

Rhodan não descansou. Assim que terminaram os

cinco minutos de que os reatores precisavam para

reabastecer o depósito com a quantidade mínima de

energia, pôs a nave em movimento; em direção à Lua.

O resto foi brincadeira. Rhodan conduziu a nave

para um vale profundo, cheio de sombras. No centro deste

vale encontravam-se os destroços da nave dos arcônidas.

Estava convencido de que um dia os homens de Fantan se

arriscariam a aproximar-se do cruzador espacial. A nave

por ele tripulada correria um risco menor se aguardasse

esse momento.

Crest pedira que não fosse obrigado a desempenhar

qualquer papel nesse empreendimento. Rhodan

concordara por conhecer a mentalidade de um cientista,

de Árcon. A época em que os arcônidas eram uma raça

guerreira como os homens e construíram seu império,

ficava muito longe. A luta passara a ser uma coisa

terrível.

Rhodan manteve Haggard ocupado nos aparelhos de

localização, fáceis de operar, enquanto Bell permanecia a

postos nos instrumentos de pontaria. Ele mesmo manteve-

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169

se no assento do piloto, pois era perfeitamente possível

que surgisse a necessidade de manobrar a nave.

O armamento da nave podia ser dividido em duas

categorias.

Havia as armas de grande alcance, isto é, até um

minuto-luz, e as de pequeno raio de ação. Face às suas

características as armas de longo alcance estavam

rigidamente fixadas ao corpo da nave; os projéteis

dispunham de dispositivos direcionais automáticos. Já as

armas de pequeno raio de ação eram móveis. Possuíam

um dispositivo de pontaria automático, mas também

podiam ser orientadas oticamente.

Rhodan não estava disposto a lançar mão dos

foguetes de grande alcance. Embora a nave de Fantan

fosse um veículo antiquado, equipado com campos

defensivos de reduzida potência era de todo provável, que

nesse exemplar, destinado a uma viagem tão arriscada,

tivessem sido introduzidos alguns aperfeiçoamentos. Um

foguete teleguiado podia ser localizado antes do tempo. E,

face à mentalidade de sua tripulação, a nave de Fantan

provavelmente se poria em fuga. Acontece que Rhodan

estava interessado numa vitória decisiva, não num triunfo

passageiro que deixasse em aberto o risco do retorno do

inimigo.

Passaram-se algumas horas. Crest deitara-se e

fechara os olhos.

Ninguém proferiu uma única palavra. Haggard

estava sentado diante dos instrumentos, mas estes não

revelavam coisa alguma. Bell permanecia no lugar que

poderia ser designado como o posto de combate, mas que

na verdade não passava de um painel com uma série de

botões e manivelas.

Bell abriu a boca uma única vez:

— Não estou gostando disso, chefe! Devíamos

decolar e atacá-los. Não gosto de atirar à traição em

alguém.

— Silêncio! — interrompeu Rhodan. — Não

podemos assumir qualquer risco. Você conhece essa gente

de Fantan, não conhece?

Depois disso não houve mais discussão. Algumas

horas se passaram. Rhodan teve vontade de levantar-se

para cuidar de Thora. Mas sabia perfeitamente que a

calma de um segundo não lhe permitiria tirar conclusões

sobre o caráter dos outros, ao menos nessa expedição.

* * *

— Localização! — anunciou Haggard com a voz

embaraçada.

Não disse mais nada.

— Quem sabe se você não quer nos dizer onde? Que

diabo! — resmungou Bell.

— Pi zero-um-cinco, Teta zero-três-zero. Distância

oitocentos mil metros.

Bell manipulou os instrumentos do painel.

— Velocidade?

— Cinquenta metros por segundo na direção Pi-

zero. Seguem em direção ao cruzador.

Rhodan virou-se.

— Que tal nossa posição, Bell?

— Favorável. Mas poderíamos subir mais alguns

metros em direção à beira do vale, para qualquer

eventualidade.

— Combinado!

A nave obedeceu ao comando. Deslizando rente ao

solo negro, subiu em direção ao cume das montanhas que

cercavam o vale.

— Pare! — disse Bell. — Assim está bom.

No mesmo instante a nave de Fantan surgiu na tela.

Rhodan examinou-a; parecia pensativo. Ainda se

encontrava a uma distância de cerca de oitocentos

quilômetros e a velocidade com que se aproximava não

era muito superior à de um automóvel. O pessoal de

Fantan estava desconfiado e, ao que parecia, achava que

devia aproximar-se sorrateiramente para não assumir um

risco excessivo.

A nave foi deslizando na altura do cume das

montanhas. Teriam de levantá-la um pouco para

ultrapassá-las. Embora a manobra pudesse ser completada

com alguns movimentos das chaves de comando, ela

exigiria um pouco de sua atenção. Seria, portanto, o

momento adequado de atacar.

Face à reduzida velocidade da nave de Fantan,

algumas horas poderiam passar-se até que isso

acontecesse. A cadeia de montanhas em que se

encontravam era uma das menores; a área por ela cercada

tinha um diâmetro de cem quilômetros.

Rhodan fazia votos de que dedicassem toda sua

atenção à cratera, não lançando os olhos para mais longe.

Não havia dúvida de que a parte superior da nave auxiliar

ultrapassava a cumeeira das montanhas por cerca de dois

metros. Era pouco em comparação com aquele complexo

de rochas, mas poderia ser o suficiente para um inimigo

atento.

Virou-se.

— O que pretende fazer? — perguntou a Bell.

Este apontou para um botão amarelo e uma

manivela.

— Usarei a neutralização do campo cristalino —

respondeu. — A única coisa que sobrará será uma névoa

turbilhonante de átomos de hidrogênio, carbono e alguns

metais.

Rhodan concordou com um movimento de cabeça.

— Qual será o tempo de bombardeio?

— Até que não sobre nada.

— Isso será necessário?

Bell mostrou-se surpreso.

— Por que não? Não convém assumir qualquer

risco.

— Gostaria de mostrar uma coisa a Haggard —

disse Rhodan. — Basta demolir a nave. Depois disso a

tripulação não representará mais qualquer perigo para nós.

— Está bem — concordou Bell. — Regularei a

duração do bombardeio para vinte segundos.

Haggard anunciou com a voz um tanto apressada:

— Aumentaram a velocidade. Cem metros por

segundo. Distância de seiscentos e cinquenta mil metros.

No mesmo instante acrescentou:

— O que pretende mostrar-me, Rhodan?

— Alguma coisa que lhe interessa muito. Aguarde!

A tensão aumentou, e o tempo demorou mais a

passar. A nave estranha cresceu na tela de imagem,

revelando suas dimensões imponentes. Rhodan calculou

seu comprimento em trezentos ou trezentos e cinqüenta

metros. No centro, que era o lugar mais fino, havia um

diâmetro de cerca de trinta metros. Não havia dúvida de

que, embora fosse antiquada, dispunha de armamento

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mais poderoso que a nave dos arcônidas. Se não

conseguissem destruir aquela nave, o destino da Terra

estaria selado. O próprio Rhodan não estava tão confiante

a respeito dos acontecimentos que viriam depois como

procurara aparentar diante de Thora.

— Quatrocentos mil! — anunciou Haggard depois

de um silêncio interminável.

A uma distância de cem mil, Bell começaria a atirar.

Rhodan não acreditava que sua nave já tivesse sido

localizada. O temperamento do povo de Fantan não lhes

permitira prosseguir calmamente na viagem depois de

terem localizado um inimigo.

Todavia...

— Trezentos mil. Estão acelerando. Alguns minutos

depois:

— Frearam. Estão parados.

A reação de Rhodan foi imediata.

— Fogo! — ordenou.

Bell bateu na tecla do desintegrador e gritou:

— Vamos sair daqui! Precisamos subir!

Rhodan deu partida imediatamente.

Com um forte solavanco a nave elevou-se algumas

centenas de metros acima da cumeeira das montanhas.

Enquanto isso Bell atirava ininterruptamente.

Não havia a menor dúvida de que estava acertando.

Na tela de direção de tiro surgiu a imagem da nave

inimiga que se desintegrava. Não conseguia sair do lugar.

A estrutura cristalina do envoltório externo dissolveu-se.

A proa transformou-se em pó que no vácuo caiu ao solo

com uma velocidade espantosa. A arma de Bell foi

penetrando cada vez mais na estrutura, até atingir o centro

da nave inimiga.

Subitamente viram um raio ofuscante. Rhodan

fechou os olhos; ao abri-los viu que o panorama da tela

começou a dançar.

Ainda estavam atirando. Acertaram no envoltório

energético da nave, fazendo-a oscilar.

— Mais rápido! — rosnou para Bell.

Este não reagiu. Com uma atenção obstinada

orientou o raio direcional de descristalização, fazendo-o

prosseguir pelo envoltório da nave-fuso.

Outro tiro foi disparado pelo inimigo. Ricocheteou

no envoltório energético e mais uma vez fez oscilar a

nave. Por um momento o raio direcional operado por Bell

perdeu o alvo. Mas logo voltou a encontrá-lo e desta vez

destruiu-o por completo.

Nada restou do envoltório da nave-fuso. Os

geradores também foram destruídos. Os remanescentes,

formados por peças de equipamento, paredes divisórias,

escotilhas, instrumentos e os cadáveres da tripulação,

caíram em espiral.

Bell respirou profundamente.

— Pronto!

Rhodan deu partida na nave. Passou a pouca altura

sobre a cratera com os restos do cruzador espacial dos

arcônidas e aproximou-se do lugar em que fora destruída

a nave inimiga.

O serviço de Haggard junto aos instrumentos de

localização estava concluído. Bastante tenso, contemplava

as telas de imagem.

— Daqui não conseguirá enxergar nada — disse

Rhodan. — É preferível esperar até que pousemos.

Fez descer a nave no limite da área circular em que

havia caído a poeira metálica e os destroços da nave.

Fechou o capacete do traje especial e disse a

Haggard:

— Venha comigo!

Haggard não esperou que Rhodan repetisse o

convite. Saíram e em saltos largos voaram em direção ao

lugar em que se amontoavam os destroços da nave de

Fantan.

Não havia muita coisa para ver. A tripulação da nave

de Fantan mantivera os trajes espaciais abertos durante a

luta. A descompressão explosiva que se verificara no

momento da dissolução da parede externa da nave

esfacelara seus corpos juntamente com os trajes.

Haggard encontrou alguma coisa que parecia ser um

retalho de pele.

— É só isto? — perguntou um pouco desapontado.

Rhodan deu de ombros.

— Acho que com isso você já poderá fazer muita

coisa.

Voltaram à nave. Rhodan poderia dar mais uma

busca no cruzador espacial, para silenciar o emissor

automático de emergência, ou retornar a Terra para

informar a humanidade sobre o desfecho da luta que não

puderam observar, já que a mesma se desenrolara na face

oculta da Lua.

Optou pela última alternativa. Levado por forte

motivo: no instante em que a nave-fuso foi atacada, por

certo emitiu um sinal de emergência igual ou semelhante

ao do cruzador espacial. E esse sinal seria tão bem

orientado que chegaria ao receptor a que se destinava. Em

face de quê, Rhodan não estaria em condições de evitar

novos ataques com a simples desativação do emissor que

se encontrava no cruzador espacial.

Um jogo fora iniciado, um jogo que dali por diante

estabeleceria suas próprias regras e não mais poderia ser

influenciado por quem quer que fosse.

Rhodan viu nisso mais um motivo de apressar seu

retorno a Terra. Cada segundo tornara-se ainda mais

precioso que antes. O próximo inimigo a lançar-se ao

ataque seria muito mais numeroso e sagaz que aquele que

acabara de ser destruído.

* * *

Durante a viagem de volta só houve um

acontecimento excitante. Através dos supermicroscópios

montados no laboratório de bordo, Haggard descobriu

quão estranho era o retalho de pele dos homens de Fantan.

— Até mesmo em condições normais a pele deles

tem a consistência do couro e está coberta de pequenas

escamas — disse com a voz exaltada. — Não existe a

menor dúvida. E os pedaços de carne presos à pele

apresentam uma estrutura muito menos definida que a do

homem ou de qualquer animal conhecido.

Rhodan sorriu.

— Isso lhe permite tirar alguma conclusão,

Haggard?

Haggard confirmou com um rápido movimento de

cabeça.

— Deve haver uma diferença considerável entre nós

e os habitantes de Fantan, isso no terreno biológico.

— Tem alguma ideia de como é essa gente?

Haggard sacudiu a cabeça.

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— Não; uns farrapos de pele não são suficientes para

isso.

— Pois imagine um cilindro de extremidades

arredondadas — disse Rhodan em tom professoral. —

Esse cilindro possui certa elasticidade e é recoberto de

escamas finas em toda extensão. Na parte superior

apresenta várias aberturas que para nós não passariam de

buracos escuros, mas, na realidade desempenham funções

tão diferenciadas como as da boca, dos olhos, dos ouvidos

e do nariz. O cilindro apresenta, em lugares variáveis, seis

membros entre os quais não se nota diferença. Servem à

locomoção, ao suprimento de alimentos e aos outros fins

que os homens alcançam com a utilização das mãos e dos

pés. Só que, nos habitantes de Fantan, não existe a menor

diferença entre mãos e pés. Os seis membros são

equivalentes.

“Os habitantes de Fantan são assexuados, Dr.

Haggard. Reproduzem-se por meio de certo tipo de broto,

que nem as plantas de um vaso”.

“São esses os habitantes de Fantan. Será que você

pensava que todos os seres inteligentes da Galáxia se

parecem comigo ou com Crest? Quando chegar a hora,

veremos raças irmãs mais nojentas que vermes ou sapos

dos pântanos.”

* * *

A notícia da vitória foi recebida na Terra com um

júbilo indescritível. O alarma nuclear foi suspenso

imediatamente, providenciando-se a volta das populações

às cidades.

A interrupção das atividades econômicas custara à

Terra cerca de oitenta bilhões de dólares, mas, em

compensação, a humanidade deu um grande passo em

direção à união dos homens.

No dia em que pousou, Perry Rhodan recebeu os

embaixadores extraordinários das três superpotências.

Vieram para transmitir-lhe em palavras exaltadas a

gratidão da humanidade. Cada um conferiu-lhe uma alta

condecoração em nome de seu país.

Sorrindo, Rhodan aguardou tranquilamente até que

chegasse a hora de usar a palavra.

— Sinto muito, cavalheiros — disse em tom sério —

que não posso partilhar sua alegria imensa. Talvez não

saibam, mas o confronto que tivemos com uma

inteligência estranha e hostil foi apenas o primeiro de uma

série. Tivemos sorte em repelir o ataque; foi só. Da

próxima vez, só a sorte não será suficiente.

“Sinto-me feliz por notar que a opinião pública

mundial aprova a atuação da Terceira Potência e até lhe

confere uma recompensa através destas altas

condecorações. (Haveria uma ponta de ironia em sua

voz?) Mas convém que deixem bem claro aos seus

governos que vencemos apenas a primeira batalha de uma

guerra que poderá consistir em mil batalhas ou mais.

Gostaria de encaixar na cabeça dos senhores e dos

responsáveis pelos destinos da humanidade que nestes

dias começará uma fase da história que perdurará por

vários séculos, ou talvez milênios. As deliberações que

forem tomadas hoje decidirão todo o porvir da

Humanidade”.

“Transmitam esta mensagem aos seus governos.

Digam-lhes que nunca terão um aliado mais leal que a

Terceira Potência, sempre que se tratar do bem de toda a

Humanidade”.

“Pleiteamos o reconhecimento diplomático e plena

liberdade de movimentos. Por enquanto somos os únicos

que podem tomar medidas eficazes contra o novo ataque

que nos espera.”

Fez uma pausa. Depois, condescendeu num sorriso.

— Trombeteiem esta mensagem pelo mundo afora

cavalheiros! Façam com que a humanidade compreenda

que se encontra no limiar de uma era nova e grandiosa de

sua história. Temos de pensar em termos de milênios, se

não quisermos perecer.

* * *

No dia seguinte chegou à primeira remessa de

chapas de plástico metalizado de Petersburg. Foi

transportada sem o menor contratempo, pelo caminho que

teria sido utilizado por qualquer comerciante que quisesse

transportar um lote de mercadorias inofensivas dos

Estados Unidos ao deserto de Gobi.

Rhodan viu nisso um sinal de que os governos

terrenos haviam correspondido prontamente aos seus

desejos. Tal fato reforçou-o na esperança de que dentro de

pouco tempo a humanidade compreenderia de que

energias imensas poderia dispor desde que se unisse.

Viu-se mais próximo do seu objetivo; do objetivo

provisório de uma Terra unificada. Ficou surpreso ao dar-

se conta do progresso enorme alcançado num tempo tão

curto.

Compreendia perfeitamente que a energia e a

rapidez dessa evolução não fora gerada por ela mesma. O

hiperemissor automático e a nave de Fantan atraída pelo

mesmo haviam sido fatores ponderáveis do processo de

unificação. Nos próximos dias faria sua quarta viagem à

Lua, para silenciar o emissor.

Na noite do mesmo dia, os embaixadores

extraordinários com que falara no dia anterior

entregaram-lhe um convite para uma conferência das

grandes potências mundiais.

Rhodan aceitou o convite. Ficou satisfeito em

perceber que no cérebro daqueles homens sua alocução

representara algo como um comando. Sem que o

percebessem, ficaram tão impressionados com os

argumentos de Rhodan que passaram a trabalhar mais em

prol dos seus objetivos que dos de seus governos, se é que

ainda havia uma diferença entre uns e outros.

A Terceira Potência fora convidada não na qualidade

de simples observador, mas na de participante efetivo

com direito de voto.

* * * Pouco depois, teve uma palestra com Thora. Pela

primeira vez após a localização da nave-fuso pela estação

espacial Freedom-I ela saiu do camarote e entrou no

compartimento ocupado por Rhodan sem fazer-se

anunciar, tal qual fizera poucos dias antes.

Rhodan ofereceu-lhe uma cadeira. Thora agradeceu

com um sorriso gentil.

— Tive tempo para refletir sobre uma porção de

coisas — principiou ela. — Acho que em muitas ocasiões

não me comportei da forma que seria de esperar.

Rhodan ficou surpreso. Nunca esperara que Thora

pudesse levar a autoanalise a este ponto.

— Aos poucos começo a compreender qual é o

caminho que você trilha, e qual o objetivo que quer

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atingir — prosseguiu Thora. — Confio plenamente em

você. Mas, no que diz respeito à humanidade, ainda não

formei nenhum juízo. Os conhecimentos que adquiri a

respeito dos homens são escassos e pouco animadores.

Até agora quase só se ocuparam em degolar-se

mutuamente. Desconfio de que as esperanças que deposita

nos seus irmãos de raça sejam exageradas.

“Vim para dizer-lhe o seguinte: daqui para diante

você não me deve considerar sua inimiga. Prefiro

aguardar o resultado dos seus planos. Esses planos são

bons. É possível que num futuro não muito distante a raça

humana assuma a herança dos arcônidas no Império

Galáctico. Mas prefiro adiar minha decisão até que

chegue esse dia.”

Rhodan levantou-se e estendeu-lhe a mão. Sorriu.

— É um gesto humano — disse. — Aperte minha

mão; ela lhe é oferecida em sinal de gratidão.

Num gesto hesitante Thora pegou a mão de Rhodan

e retribuiu o aperto.

— Respeito sua opinião — acrescentou Rhodan. —

Acredito que a atitude de Crest não será diferente.

Esperou uma palavra de protesto; por isso objetou.

— Não; não entretenha uma ideia errada sobre Crest.

Ele pertence à mesma raça que você. O que fez por nós

foi inspirado na gratidão pela cura, e talvez, em parte,

numa compreensão melhor que a sua. Mas ele nunca

deixará de ser um arcônida. Nunca se transformará num

ser terrano.

Piscou os olhos, para dar a entender que considerava

concluída a parte séria de sua palestra.

— Para você, ainda existe alguma esperança.

Pouco lhe importava que Thora se sentisse ofendida;

ela contorceu o rosto e saiu. Sabia que os dias de seu

orgulhoso isolamento estavam contados. Ao pensar nisso,

voltou a notar que amava aquela mulher.

Lá fora os robôs estavam ocupados em empilhar as

pesadas chapas de plástico metalizado.

“Tenho que pedir que apressem o fornecimento do

andaime. Não há nada de que precisemos tanto como uma

boa nave de combate”, disse Rhodan, para si mesmo.

A primeira invasão foi rechaçada. O alarma nuclear pôde ser suspenso, Mas é muito

provável que os sinais automáticos de emergência emitidos pelo cruzador destroçado dos

arcônidas sejam captados por outros invasores potenciais.

Perry Rhodan sabe disso e esta empenhado na formação de uma poderosa força de

combate, em:

O EXÉRCITO DE MUTANTES

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Nº 06/07/08/09/10

De K. H. Scheer

Clark Darlton

Kurt Mahr

e W. W. Shols

A Terceira Potência, criada pela técnica dos arcônidas e pela energia de

Perry Rhodan, instalou-se na solidão do deserto de Gobi, onde estabeleceu

um centro de atividades capaz de desafiar os ataques concentrados das

superpotências terrenas.

Até mesmo a primeira luta travada contra inteligências extraterrenas ávidas

de conquista, que procuraram aproximar-se da Terra depois de terem

recebido notícia de sua existência através do sinal de socorro, emitido pela

nave destroçada dos arcônidas, pôde ser decidida a favor da Terceira

Potência e a bem da humanidade.

Mas Perry Rhodan sabe perfeitamente que precisará de mais gente para

resistir a novos ataques e levar avante os seus planos. Por isso cria o

EXÉRCITO DE MUTANTES.