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468 O Mundo da Saúde, São Paulo - 2012;36(3):468-474 Artigo Original • Original Paper A percepção de puérperas oriundas da Atenção Primária sobre a Humanização da Assistência ao parto em um hospital de ensino The perception of mothers coming from Primary Health Care on the Humanization of Childbirth care in a teaching hospital Chang Yi Wei* Dulce Maria Rosa Gualda** Lúcia Cristina Florentino Pereira da Silva*** Marta Maria Melleiro**** Resumo A percepção dos usuários dos serviços de saúde vem sendo amplamente discutida e levada em consideração na implantação de políticas de saúde, de modo a atender suas expectativas e necessidades. A integração dos diferentes serviços de saúde favorece a articulação das ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde, que asseguram o fluxo e acessibilidade dos pacientes a essas instituições. Na área obstétrica, com o movimento de humanização da assistência ao parto, esse pressuposto vem sendo imperativo. Entre as iniciativas recomendadas para contemplar essa finalidade está o contato pele a pele da mãe com o bebê após o nascimento. Assim, este estudo teve por objetivo conhecer a experiência de mulheres em relação ao contato pele a pele com o seu bebê no momento imediato ao nascimento. Trata-se de um estudo exploratório descritivo com análise qualitativa. Foi realizado em um hospital de ensino de São Paulo. Participaram da pesquisa 35 mulheres, oriundas de Unidades Básicas de Saú- de, da área de abrangência desse estabelecimento de saúde e que tiveram parto antes e após a implementação da referida prá- tica na instituição. Os dados foram coletados após o aval do Comitê de Ética e analisados à luz do referencial da Humanização da Assistência ao Parto. As principais percepções relatadas por essas mulheres foram: o bebê acalma-se ao sentir o calor materno e reconhece a mãe, alívio e segurança para a mãe, emoção para a mãe, a formação de vínculos e que o sofrimento do parto foi atenuado. Os resultados permitiram uma reflexão da assistência à mulher e ao recém-nascido e constataram aspectos positivos e negativos na implantação de mudanças assistenciais, permitindo tomadas de decisões mais assertivas no referido serviço. Palavras-chave: Humanização da Assistência. Enfermagem Obstétrica. Parto. Abstract The perception of users of health services has been widely discussed and taken into consideration in implementing health policies in order to meet their expectations and needs. The integration between different health services favors the articulation of the ac- tions for promoting, preventing and recovering health, thus ensuring the flow and accessibility of patients to these institutions. In obstetrics, thanks to the movement toward humanization of childbirth care, this has been a fundamental assumption. Among the initiatives recommended for this purpose is contemplating the skin contact of mothers and babies after birth. The objective of this study was to know women’s experience related to skin contact with their babies at the time immediately following birth. This is an exploratory study with a qualitative analysis. It was conducted in a teaching hospital in Sao Paulo. Data were collected through interviews with the participation of 35 women who gave birth before and after the implementation of this practice. The perceptions reported by these women were: babies get peaceful when they feel the mother’s warmth and recognize her, there’s relief for the mother, she feels emotion, and it helps to create attachments between babies and mothers and reduces the suffering of parturition. The results provided valuable insights about the positive and negative aspects for the users with the implementation of the practice. Keywords: Humanization of Assistance. Obstetrical Nursing. Parturition. * Enfermeira Obstétrica. Mestre em enfermagem obstétrica. Chefe da seção de Centro Obstétrico do Hospital Universitário da Universi- dade de São Paulo. São Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected] ** Professora Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected] *** Professora Doutora do curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. São Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected] **** Professora Associada do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected] As autoras declaram não haver conflito de interesses.

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    A percepo de purperas oriundas da Ateno Primria sobre a Humanizao da

    Assistncia ao parto em um hospital de ensinoThe perception of mothers coming from Primary Health Care on

    the Humanization of Childbirth care in a teaching hospitalChang Yi Wei*

    Dulce Maria Rosa Gualda**

    Lcia Cristina Florentino Pereira da Silva***

    Marta Maria Melleiro****

    ResumoA percepo dos usurios dos servios de sade vem sendo amplamente discutida e levada em considerao na implantao de polticas de sade, de modo a atender suas expectativas e necessidades. A integrao dos diferentes servios de sade favorece a articulao das aes de promoo, preveno e recuperao da sade, que asseguram o fluxo e acessibilidade dos pacientes

    a essas instituies. Na rea obsttrica, com o movimento de humanizao da assistncia ao parto, esse pressuposto vem sendo

    imperativo. Entre as iniciativas recomendadas para contemplar essa finalidade est o contato pele a pele da me com o beb

    aps o nascimento. Assim, este estudo teve por objetivo conhecer a experincia de mulheres em relao ao contato pele a pele

    com o seu beb no momento imediato ao nascimento. Trata-se de um estudo exploratrio descritivo com anlise qualitativa. Foi

    realizado em um hospital de ensino de So Paulo. Participaram da pesquisa 35 mulheres, oriundas de Unidades Bsicas de Sa-

    de, da rea de abrangncia desse estabelecimento de sade e que tiveram parto antes e aps a implementao da referida pr-

    tica na instituio. Os dados foram coletados aps o aval do Comit de tica e analisados luz do referencial da Humanizao

    da Assistncia ao Parto. As principais percepes relatadas por essas mulheres foram: o beb acalma-se ao sentir o calor materno

    e reconhece a me, alvio e segurana para a me, emoo para a me, a formao de vnculos e que o sofrimento do parto foi

    atenuado. Os resultados permitiram uma reflexo da assistncia mulher e ao recm-nascido e constataram aspectos positivos

    e negativos na implantao de mudanas assistenciais, permitindo tomadas de decises mais assertivas no referido servio.

    Palavras-chave: Humanizao da Assistncia. Enfermagem Obsttrica. Parto.

    AbstractThe perception of users of health services has been widely discussed and taken into consideration in implementing health policies

    in order to meet their expectations and needs. The integration between different health services favors the articulation of the ac-

    tions for promoting, preventing and recovering health, thus ensuring the flow and accessibility of patients to these institutions. In

    obstetrics, thanks to the movement toward humanization of childbirth care, this has been a fundamental assumption. Among the

    initiatives recommended for this purpose is contemplating the skin contact of mothers and babies after birth. The objective of this

    study was to know womens experience related to skin contact with their babies at the time immediately following birth. This is an

    exploratory study with a qualitative analysis. It was conducted in a teaching hospital in Sao Paulo. Data were collected through

    interviews with the participation of 35 women who gave birth before and after the implementation of this practice. The perceptions

    reported by these women were: babies get peaceful when they feel the mothers warmth and recognize her, theres relief for the

    mother, she feels emotion, and it helps to create attachments between babies and mothers and reduces the suffering of parturition.

    The results provided valuable insights about the positive and negative aspects for the users with the implementation of the practice.

    Keywords: Humanization of Assistance. Obstetrical Nursing. Parturition.

    * Enfermeira Obsttrica. Mestre em enfermagem obsttrica. Chefe da seo de Centro Obsttrico do Hospital Universitrio da Universi-dade de So Paulo. So Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected]

    ** Professora Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquitrica da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo. So Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected]

    *** Professora Doutora do curso de Obstetrcia da Escola de Artes, Cincias e Humanidades da Universidade de So Paulo. So Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected]

    **** Professora Associada do Departamento de Orientao Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo. So Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected]

    As autoras declaram no haver conflito de interesses.

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    Introduo

    A percepo dos usurios dos servios de sa-de vem sendo amplamente discutida nos servios de sade, de modo a atender suas expectativas e ne-cessidades. No mbito do Sistema nico de Sade (SUS), o Programa de Assistncia Integral Sade da Mulher, elaborado em 1983, define uma poltica especial de ateno a ser oferecida populao fe-minina, propondo que os servios de sade prestem assistncia s mulheres em todas as fases de sua vida, de acordo com a especificidade de cada fase1. Na rea obsttrica, com o movimento de humanizao da assistncia ao parto, esse pressuposto vem sendo imperativo. Dentre as iniciativas recomendadas para contemplar essa finalidade est o contato pele a pele da me com o beb aps o nascimento.

    Na segunda metade do sculo XX, com a vi-gncia do modelo tecnocrtico de assistncia ao processo de parturio, foram inseridas interven-es para a me e para o seu beb. Nessa aborda-gem, o recm-nascido (RN) permanecia em uma unidade de reanimao, tendo suas vias areas aspiradas e o cordo umbilical rapidamente sec-cionado, batimentos cardacos verificados e ofe-recimento de oxignio.

    Alm disso, diversos procedimentos institucio-nais eram realizados, tais como o exame fsico, a pesagem, a profilaxia ocular, a identificao plan-tar e a colocao de pulseiras. Em seguida, o RN era mostrado me, envolto em um cobertor para prevenir a perda de calor, ocasio em que era co-municado o peso, confirmado o sexo e conferidas as pulseiras de identificao. To logo possvel, era encaminhado unidade neonatal, para o monito-ramento das suas funes vitais, e a criana s era liberada para ficar com a sua me aps cerca de 6 horas de vida. Todas essas intervenes eram vistas como prioritrias, em detrimento da necessidade de interao precoce entre o binmio me-filho.

    A partir da dcada de 90, foram divulga-dos estudos apontando para um novo paradigma na assistncia ao processo de parturio, sen-do apoiado pela Organizao Mundial da Sa-de2. No Brasil, foram institudos programas de assistncia mulher voltados para a promoo da sade no ciclo gravdico puerperal, como o Programa de Humanizao no Pr-Natal e Nas-cimento (PHPN) do Ministrio da Sade (MS),

    no ano 2000, com o principal objetivo de aco-lhimento da mulher desde o incio da gravidez, assegurando, ao final da gestao, o nascimento de uma criana saudvel e a garantia do bem--estar materno e neonatal por meio da melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade durante o acompanhamento do pr-natal, da assistncia ao parto e do puerprio. Esses itens de melhoria quantitativa e qualitativa demandam a criao de um sistema de referncia e contrarreferncia para que as metas sejam alcanadas. No Hos-pital Universitrio da Universidade de So Pau-lo (HU-USP), a integrao com as UBS da rea de abrangncia da regio iniciou-se em abril de 1997, e, dentre as aes propostas, destacam-se a implantao de visitas semanais das gestantes e de seus acompanhantes, visando minimizar o estresse do momento da internao para o parto1.

    No mbito das prticas, as diretrizes em polti-cas pblicas induziram aes, visando a um modelo de ateno integral mulher e ao RN, com o mnimo de interveno, porm compatvel com a sua segu-rana3. Passou-se a priorizar o contato do RN com o ventre materno para a manuteno da tempertura corprea e a seco tardia do cordo umbilical, per-mitindo me tocar e reconhecer seu beb4,5.

    A humanizao na assistncia, composta por um conjunto de conhecimentos, prticas e atitudes, deve ocorrer de forma saudvel, ga-rantindo a realizao de procedimentos que comprovadamente beneficiem a mulher e seu beb e que, dessa forma, sejam evitadas inter-venes desnecessrias6.

    Inicialmente, essas mudanas eram vistas com certa rejeio pela equipe de sade, e a sua incorporao tem sido gradativa nas instituies hospitalares.

    No Centro Obsttrico do (HU-USP), essas aes humanizadoras no processo de parturio sempre existiram, desde o incio de suas ativida-des; todavia algumas medidas efetivaram-se em 20037. Dentre elas destacam-se a presena do acompanhante na sala de parto, o contato pele a pele com o beb, o aleitamento na sala de parto, sendo essas ltimas oriundas da Iniciativa Hospi-tal Amigo da Criana.

    Como essas mudanas tiveram tambm o pro-psito de favorecer maior satisfao das usurias dos servios de sade, sentiu-se a necessidade de investi-

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    Desse modo, conhecer a experincia do con-tato pele a pele de mes com seus bebs, torna-se importante, sabendo-se que essa ao vem sendo instituda na ateno ao parto e favorece a forma-o do vnculo entre o binmio me e filho.

    objetIvo

    Conhecer a experincia de mulheres em re-lao ao contato pele a pele com o seu beb no momento imediato ao nascimento.

    Mtodo

    Trata-se de um estudo exploratrio descriti-vo com anlise qualitativa, no intuito de captar a maneira pela qual as pessoas pensam e reagem frente s questes focalizadas e conhecer a din-mica e a estrutura da situao do estudo, sob o ponto de vista de quem o vivencia8.

    O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa e Cmara de Ensino e Pesquisa do HU-USP (Protocolo n. 639/06). A cole-ta dos dados ocorreu no perodo de abril a julho de 2006 para a realizao das entrevistas. Cada parti-cipante recebeu uma cpia do Termo de Consenti-mento Livre e Esclarecido, elaborado segundo nor-mas da Resoluo n. 196/96 relativo aos aspectos ticos em pesquisas envolvendo seres humanos9.

    A coleta de dados foi realizada na seo de alojamento conjunto do HU-USP. Trata-se de um hospital de ensino, que atende a populao da regio oeste do Municpio de So Paulo, atuando em nvel secundrio de complexidade. A mdia de partos de 320 partos mensais, sendo cerca de 70% de partos vaginais e 30% de partos cesreas.

    A amostra do estudo foi constituda por 35 mulheres, oriundas de Unidades Bsicas de Sa-de da rea de abrangncia do HU-USP, que ti-vessem voltado instituio para um novo parto e que haviam tido filhos at o ano de 2001. As participantes foram identificadas de E1 a E35.

    Os dados foram coletados por meio de en-trevistas semiestruturadas, sendo empregado um instrumento contendo dados sociodemogrficos e as questes norteadoras da entrevista gravada.

    A anlise das 35 entrevistas realizadas e

    transcritas foi efetuada aps exaustiva leitura dos seus contedos, aps a edio das narrati-vas, com a supresso de vcios de linguagem e de ideias repetidas, preservando as diferenas individuais de expresso. Aps releituras do con-tedo das entrevistas, foram agrupados os relatos de cada entrevistada e realizado o agrupamento dos temas, estabelecendo-se com maior clareza as percepes e categorias emergentes de cada item, pela similaridade dos discursos.

    resultados

    A idade das colaboradoras variou de 22 a 41 anos, com um predomnio de mulheres na faixa de 26 a 30 anos. O grau de instruo predominante foi o ensino fundamental incompleto, 18 (51,4%), e o estado de origem So Paulo, 21 (60,0%). Quanto ao estado civil, mais da metade das entrevistadas (19 54,3%) responderam que convivem em unio consensual. No que se refere ocupao das entre-vistadas, 21 (60,0%) exerciam atividades remune-radas. Quanto paridade, incluindo o parto atual, para 10 (28,5%) participantes, tratava-se da segun-da experincia de parto; para 17 (48,6%) mulheres, a terceira; e acima do quarto parto para 8 (22,8%). Quanto realizao do pr-natal, nesta gestao, 24 (68,6%) realizaram de 6 a 10 consultas.

    Das 35 (100%) mulheres entrevistadas, 29 (83%) relataram que tiveram o contato pele a pele no momento desse parto e 6 (17%) que no tiveram essa experincia. Assim, das 29 mulheres que tiveram a experincia do contato pele a pele no nascimento do beb, as percepes relatadas foram agrupadas nas seguintes categorias:

    beb se acalma ao sentir o calor mater-no e reconhece a me

    Para 15 mulheres, houve uma mudana no comportamento do beb ao ser colocado em contato com a sua pele, e relataram que parou de chorar e de se agitar, demonstrando calma e tranquilidade ao toque.

    Ela ficou mais calma, ela nasceu gritando muito a na hora que colocaram no meu pei-to ela ficou mais calma. (E25)

    Eu achei mais gostoso, voc sente o beb, voc encosta e ele j para de chorar, se acal-

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    ma, muito legal, a me j v o beb, o beb j sente o cheiro da me, j sente a pele. (E29)

    Esse reconhecimento mtuo perdura mesmo depois do parto. As mulheres percebem que seus bebs mudam de comportamento ao serem to-cados ou quando elas conversam com a criana.

    muito bom porque parece que o nenm te conhece, depois de algumas horas que passou j te conhece, acho que s eu falar ele j fica procurando, se t chorando, voc pega, d uma acalmadinha, j sabe que voc, acho que o beb fica seguro, interessante... (E12)

    Comparando-se com o parto anterior, essa ex-perincia de parturio foi percebida como mais gra-tificante para a me pela possibilidade de um maior contato com o seu beb no momento do nascimento.

    Porque das outras foi diferente, no coloca-ram, s mostraram de longe e levaram. Des-sa ela chorava e eu encostava bem pertinho de mim e parava de chorar, ficava quietinha, bem calminha. A tirava, j chorava, sujinha, coisa mais linda! Eu percebo que ela me re-conhece, fico falando, conversando, s ve-zes ela para at de mamar, eu fico falando e ela para e fica olhando. (E16)

    Apesar do reconhecimento da importncia do primeiro contato com seu beb, foi sugerido, por uma entrevistada, que a criana fosse enca-minhada ao berrio nas primeiras horas, para que a me tivesse um perodo para se restabele-cer aps o parto.

    Achei que esse contato foi importante, fiquei surpresa, no esperava que fosse ser assim, mas acho que cansativo pra me, no sei se eu t reclamando de barriga cheia, n? (E2)

    alvio e segurana para a mePara nove mulheres, o contato pele a pele

    com seu beb trouxe alvio e tranquilidade na-quele momento.

    Da Camila os pediatras j tiraram, botaram no bercinho e foram examinar. Dela primeiro botaram em mim, depois que foram examinar, colocaram um tempinho. Eu acho melhor esse jeito, esse contato, j v a criana. (E35)

    O momento do parto foi permeado por um sentimento maior de insegurana pelas experin-

    cias negativas ocorridas no parto anterior; nesse caso a mulher necessita ver o beb para ter a cer-teza que tudo estava bem.

    Do primeiro no teve, talvez porque ele foi prematuro, de 8 meses. Ele nasceu e a a pediatra pegou e s abriu o lenolzi-nho e me mostrou o sexo dele, e depois j levou, no vi mais. Do segundo foi bem melhor, ele ficou perto de mim, vi o tempo todo elas fazendo tudo nele, do outro eu no vi nada... (E3)

    Outra entrevistada, alm da experincia ne-gativa anterior, na gravidez atual teve o agravante do comentrio da mdica do pr-natal que o beb poderia nascer com baixo peso. Essa preocupao permeou todo o perodo de gestao e s foi ame-nizada depois do contato com o seu beb.

    Eu achei que foi bom o contato, que voc se sente mais aliviada. Eu mesmo passei os 9 meses meio que preocupada, que a mdica falou que ela ia ser muito pequena, ento voc fica naquela esperana de ver logo, sentir, da eu achei legal. (E22)

    A insegurana e a necessidade de verificar se o beb possui alguma malformao foi relata-do como resultado de uma experincia negativa no parto anterior, o que no ocorreu nesse. A rea-lizao do exame fsico do beb no colo da me trouxe tranquilidade, pois a mulher pde acom-panhar todos os passos.

    Do meu outro filho s deram pra eu dar um beijinho, mostrou o rostinho e depois levaram. Deste foi melhor, de ficar juntinho, voc j olha, ele at silencia! Bem mais seguro! (E26)

    A mudana dessa prtica assistencial na instituio foi percebida, e houve a reflexo dos aspectos positivos e negativos da nova proposta. A permanncia contnua do beb trouxe um des-gate fsico para a mulher, entretanto foi relatada uma maior possibilidade de vnculo entre ambos.

    O bom que voc fica o tempo todo com a criana, fica mais segura, s que tem a parte ruim, eu no consegui dormir noite, porque ela tava sentindo fome, ela sofreu e eu tambm, mas senti diferena com ela agora, quando co-loco ela no bercinho, j sente a diferena, quer ficar junto comigo, ficou bem apegada. (E14)

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    emoo para a meA emoo da mulher no primeiro momento

    em que ela v o seu beb foi relatada por cinco participantes do estudo. Duas mulheres citaram que alm da emoo tambm perceberam que seus bebs se acalmavam e paravam de chorar ao contato, e a razo atribuda pelas participantes era o reconhecimento da me pela criana.

    Eu acho, uma coisa bem emocionante, imagi-nou? Acaba de nascer e voc j... ela j mamou logo em seguida, foi maravilhoso! Adorei. (E16)

    Ento eu acho que o primeiro contato bem importante, primeiro que emocio-nante, na hora que colocaram em cima de mim assim, eu achei bem legal. Ela sente que a me e se acalma. (E21)

    Apesar de j ter tido outros filhos, houve uma percepo diferente do parto pela possibili-dade de maior contato com o seu beb logo aps o nascimento, o que acarretou uma emoo mais forte naquele momento.

    Foi a hora que eu chorei. Das outras vezes s colocaram ele pra dar um beijinho, mas dessa vez colocaram e cortaram o umbiguinho. (E15)

    Uma analogia com os marsupiais foi citada, justificando a necessidade desse primeiro conta-to da me com o seu beb.

    bom o calor humano da me, igual o can-guru, o canguru no carrega o bebezinho naquele saquinho? Igual a gente, carrega os nove meses e depois que sai a gente quer ter o primeiro contato. (E32)

    Formao de vnculosA formao de vnculos foi citada por trs

    entrevistadas como uma razo importante para o contato pele a pele aps o nascimento.

    Eu acho importante pra gente ter o contato, se conhecer, pra manter os laos, que a gente j tem, acho que o lao fica mais forte. (E5)

    O vnculo que se forma entre a me e seu beb desde o tero foi lembrado, assim como o reconhecimento da criana quando colocada em contato com a sua me.

    Uma ligao muito bonita entre me e fi-lho, acho que a primeira pessoa que ele v

    quando nasce e passa a conhecer a me, ele comea mesmo a perceber o carinho da me, uma ligao muito forte porque ficou nove meses com a gente. (E18)

    Apenas uma entrevistada citou que, alm do apego, o contato foi importante, pois proporcio-nou maior segurana para me e para o beb.

    Eu acho importante, que uma segurana pra me e pro beb, e parece que eles se apegam mais, que nem, na hora que colocaram ela em mim na sala, ela j tava mamando. (E23)

    atenuao do sofrimento do partoA interao com o beb no momento do

    nascimento foi referida como um atenuante para o processo doloroso da sada da placenta e a re-alizao dos pontos, o que no ocorreu no seu parto anterior.

    Colocaram ela assim, ento ela ficou bem quietinha, foi outra coisa, nem senti eles cos-turarem, foi parto normal, mas teve o corte, nem senti tirarem a placenta nem nada. Do outro eu j senti eles tirarem a placenta, que tambm incomoda. E pra costurar tambm foi ruim. (E1)

    Seis entrevistadas relataram que no tive-ram a experincia do contato pele a pele com seus filhos logo aps o nascimento, sendo que as justificativas apontadas foram: beb nasceu com baixo peso e no limite para a prematuridade, e a me relatou a ansiedade e apontou a importncia de ter visto o seu beb logo ao nascimento; hou-ve uma valorizao do momento do ps-parto imediato com a participao do pai da criana; beb apresentou mecnio no lquido amnitico, necessitando de intervenes ao nascimento; beb no foi colocado em contato pele a pele no momento do nascimento por ela ter evacuado no momento do parto; ela prpria sentia-se exausta, pelo longo perodo do trabalho de parto e, assim, teve medo de segurar o beb.

    dIscusso

    O termo contato pele a pele foi utilizado primeiramente para denominar a proposta do M-todo Me Canguru, que foi idealizado para bebs prematuros e de baixo peso. A finalidade era a

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    reduo das altas taxas de mortalidade neonatal frente falta de recursos tecnolgicos, infeco cruzada, desmame precoce e abandono mater-no. Em estudos posteriores, os benefcios desse mtodo estendem-se s mes, proporcionando maior segurana e estabilidade emocional, as-sim como o fortalecimento de vnculos afetivos e maior adeso ao aleitamento10.

    Em meados do sculo XX, frente aos altos n-dices de mortalidade dos bebs nos Estados Uni-dos, chegou-se concluso que, para o bom de-senvolvimento da criana, ela precisa ser tocada, envolvida nos braos logo aps o nascimento. Es-sas experincias trazem tranquilidade e segurana para o beb, repercutindo de forma positiva em sua sade. Tocar e ser tocado esto entre as ex-perincias mais importantes na vida. A terapia de toque beneficia o recm-nascido em vrias manei-ras, incluindo o crescimento e o desenvolvimento.

    Se considerarmos que a primeira linguagem de comunicao entre o RN e sua me ocorre atravs da pele, pelo tato, as prticas obsttricas deveriam considerar essas diretrizes na assistncia11.

    Na primeira categoria encontrada, O beb se acalma ao sentir o calor materno e reconhece a me, as narrativas apontam para a crena das mulheres quanto ao reconhecimento, por parte do beb, do corpo da sua me. Essa percepo foi reforada pela mudana imediata no compor-tamento da criana no contato pele da me. Estudos anteriores relatam que o choro do beb ao nascimento pode ser interpretado como um chamamento de angstia da separao, provo-cando na me uma atividade de procura e aes que proporcionam calor, alimento e proteo, vi-sando sobrevivncia. Esses estudos demonstra-ram que praticamente no existe choro durante os primeiros 90 minutos aps o parto nos bebs colocados em contato com o corpo da me, se comparados com bebs em beros aquecidos que choraram regularmente12.

    A categoria Alvio e segurana para a me emergiu da forte preocupao das mes em rela-o sade dos seus bebs e, somente minimiza-da aps a me ter visto e tocado seu beb. Experi-ncias negativas anteriores ou intercorrncias na gestao so fatores agravantes do estresse, assim como o parto. Dessa forma, os profissionais que assistem mulher devem estar atentos e sensveis

    ao processo de formao do vnculo entre o bi-nmio me-filho, oferecendo suporte emocional e segurana13.

    Na categoria Emoo para a me, as mes explicitam sua emoo em relao ao contato pre-coce com o filho de forma positiva quando com-paradas com experincia de parto anterior. Neste estudo, as participantes se surpreenderam com a emoo que sentiram no parto e resgataram senti-mentos maternos no contato ntimo com o beb.

    A Formao de vnculos foi valorizada e o reconhecimento mtuo entre a me e o seu filho assim como a amamentao na sala de parto fo-ram mencionados. A interao entre me e beb essencial para o desenvolvimento do apego que se dar posteriormente, por meio de mecanismos sensoriais, hormonais, fisiolgicos e comporta-mentais. Por mais que os recm-nascidos sejam ativos e conscientes, eles no podem sobreviver por si mesmos, e os vnculos de quem os assis-tem, geralmente os pais, so fundamentais para a sobrevivncia e desenvolvimento do beb14.

    Para uma participante, a possibilidade do contato com o seu beb Atenuou o sofrimento do parto, e foi sentido positivamente, ajudando a suportar os procedimentos do parto e no como uma imposio da equipe naquele momento como encontrado em outro estudo15.

    A frequncia de RNs que requerem algum tipo de interveno ao nascimento, devido a dificulda-des de adaptao ao ambiente, de cerca de 10 a 15%16. Nessa populao estudada, foram encontra-das apenas duas participantes cujos bebs efetiva-mente necessitaram de alguma prtica de reanima-o, diferindo de um estudo anterior que encontrou procedimentos em 47% dos casos atendidos em um centro de parto normal17. As outras quatro mulheres que relataram no ter tido o contato denotaram fa-lhas operacionais nos procedimentos da instituio.

    Para todas as participantes que tiveram o conta-to pele a pele com o beb, a experincia foi sentida positivamente e apontada a importncia da continui-dade dessa prtica no processo de nascimento, con-dizendo com aquilo que vem sendo preconizado18.

    concluso

    O movimento de humanizao da assistn-cia ao parto busca resgatar o carter natural e fisio-

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    lgico do nascimento, o que, em termos institucio-nais, envolve a mudana de uma srie de eventos que foram inseridos quando o parto passou a ser atendido dentro do hospital. A desincorporao das intervenes associadas ao parto medicaliza-do no tarefa das mais simples de ser executada.

    As categorias que emergiram das narrativas so percepes de um grupo de mulheres frente a uma mudana na assistncia em uma instituio e apontaram os anseios e temores de mulheres no processo de parturio. A prtica do contato pele a pele do beb com a sua me ao nascimento foi percebida positivamente para a maioria das parti-cipantes. Essa experincia resgatou a emoo do momento do nascimento, que, em partos anterio-res, no ocorria devido separao da me do

    seu beb. Entretanto, houve referncia da perma-nncia contnua sob os cuidados da me acarre-tar desgate fsico para a mulher, principalmente durante a noite. Porm, a percepo de um apego maior da criana com a sua me foi sentida.

    Como pedras fundamentais das diretrizes de humanizao das prticas de sade esto a edu-cao e a conscientizao dos direitos do usu-rio, em consonncia com a proposta da integra-lidade nas aes de sade, em que foi baseada a criao do Sistema nico de Sade. Nessa pers-pectiva, acreditando-se na relevncia de possibi-litar uma assistncia mais humanizada mulher no processo de parturio, todos esses aspectos devem ser considerados na elaborao e imple-mentao de normas e prticas institucionais.

    Recebido em: 09 de abril de 2012Verso atualizada em: 07 de maio de 2012

    Aprovado em: 17 de maio de 2012

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