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7/30/2019 Pedro Proena, Alguns Manifestos para Gabriela
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ALGUNS MANIFESTOS
PARA GABRIELA
INTRINCANDO-SE
UNS
NOS OUTROS
SANDRALEXANDRA
& SONIANTNIA
MAIO MMXIII
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h2g
I DA PAISAGEM
A paisagem cresce-nos no corpo, desentranha-se do Logos que
nunca deixou de ser a natura o Logos vegetaliza-se, e essa
vegetalizaao o prncipio da voracidade, do querer mais luz,mais ar, mais janelas abertas para figuras, mais amanhs
trazendo algo desconhecido no regao.
As paisagens fingem ignorar a histria para surgirem como algo
que se eria nela vejam-se os templos de Angkor e similares.
a que percebemos que a natureza no indiferente histria,
mas procura complet-la atravs da desfocagem do sublime oudo sossego pastoral (e algumas frases adjacentes).
O futurante transforma a paisagem mas a paisagem o que
desfuturiza porque se retorna acompanhada de passados
mutantes.
No fundo das anamneses, mesmo antes das cavernas e da
morna treva uterina havia uma viso esplendorosa que no sevia, porque no havia bichos que a vissem. Ela destilava uma
luz imensa, romanesca a paisagem antecede as criaturas, a
paisagem procura quem as habite, as veja, as restaure. a glria
precedente que j escreve antes de haver gritos pnicos de
bichos, antes da formao dos afectos, do terror, dos medos, da
vulnerabilidade, do extase e a paisagem que se confundecom algo maternal e amoroso quando procuramos as casas
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h3gamantes, aquelas s quais gostaramos de regressar como defesa
das inclemencias, como apaziguadoras das angstias, como
desespero amatrio.A paisagem o que nos desdefende, nos expe a uma luz
terrvel e nocturnidade ainda mais tenebrosa das noites
antiqussimas (deusas que vibram nos ventos, que se entranam
com morte, as criaturas monstruosas, hbridas, que Hesodo
enumera).
Os afectos retornam na paisagem, e tornam-se fatais graas paisagem um mero retorno do afectante que se faz
confundvel com o retorno do tempo ou a sensao de
eternidade.
A qualidade da paisagem contamina a qualidade do corpo
no poders intensificar o teu corpo e o seu pensamento se o
pensamento no participar paisagisticamente na paisagem ircom a paisagem intensifica a qualidade do pensar; jardinar e
passear so os dois modos de ir participando e aprendendo a
pensar com a paisagem.
O jardim uma estilstica como uma pintura, ou a escrita ,
inscreve-se em aparente contramo na ordem ou na desordem
circundante. O jardim idealmente o lugar onde podemosestar nus com toda a sabedoria possvel. Praticar o romanesco
ampliar os jardins, entender o passeio como jardinagem
selvagem o sublime abre-se como uma noz. Dir-se-ia que
entre o belo e o sublime no h gradaes mas o belo grada-
se, o sublime no gradus ad parnasum. Mesmo que o
Parnaso no se confunda com o sublime, a musa que infundea alta fremncia, a possesso que descasca o sublime. O
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h4gsublime do aedo homrico ou da retrica de Longino no
ainda paisagstico, mas para ser paisagstico teve de ser
aprendido e encenado pelos olhos dos jardineiros e dospintores doce dissoluo no horror do desmedido. Os gregos
tinham outros nomes para o sublime kolossos, hybris , a
pintura greco-romana j paisagstica e figura o sublime ao
lado do trgico encenado. A runa j um sintoma, pelo menos
em Proprcio a runa diz (e Poussin, Lorrain e Turner
corrobam-no): o sublime passou por aqui.Estabelecer um ponto de ebulio em que o belo chega ao
sublime o mesmo que determinar uma quantidade de cabelos
para distinguir o cabeludo do careca porm, sabemos-lhe a
diferena, porque o sublime dilacerao, vertigem, transporte
em que a pulso da paisagem se descarrega e nos atravessa
como uma tempestade. Nos gregos akatharsistinha sobretudoimplicaes polticas e prometia apaziguar pelo terror o
sublime emancipa-se ou rejeita essas implicaoes e deixa-se
transportar como algo ertico e aniquilante que parece
conduzir ao inorgnico. Mas os cumes do belo roam o
sublime so a preparao ou o adiamento das dilaceraes
do sublime.
A paisagem tambm poltica?
O sublime entrou na modernidade dissimulando-se do
maqunico, do ruidoso, daAngst urbana, da prostituio, da
provocao, mas continua a ser algo que arrasta paisagens
paisagens nmadas ou clandestinas , vistas do galinheiro
urbano ou do precipcio.A apetncia pela paisagem algo tardio, mas no algo
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h5gexclusivamente europeu. a China que tem um culto obsessivo
pelo jardim e pela paisagem. A escrita e a naturalidade
paisagstica so a mesma coisa, o ideograma, o movimento dopincel, os ventos e o vazio fazem a escrita: a tinta que ensopa, o
papel que absorve constituem-se como paisagem no imitam
nem reproduzem mas fazem-se espontaneamente. A paisagem
ser o espontneo, o que no se premedita nem medita trata-
-se de desmeditaoes, porque a paisagem dos chineses no nos
dada como algo anterior, mas pressupe o retorno ao queantecede a origem.
Nem Lao Tseu nem Tchouang Tseu edulcoram a paisagem,
mas aceitam a aparente desordem da natureza na sua auto-
organizao como imagem do pensamento: em Lao Tseu a
paisagem vista como modelo poltico impiedoso, desafectado,
em Tchouang Tseu a despolitizao paisagstica, mas no seconsegue despolitizar totalmente, porque h demasiados reinos
em guerra e h sempre um rei que precisa de conselhos e
cavalos que levam morte.
A paisagem pode ser vista como uma contra-pardia da
arquitectura, como se o arquitectural estivesse grvido do
paisagstico. A arquitectura o que desintegra da paisagem e oque a paisagem tenta afogar atravs de sucessivas eroses.
impensvel conceber a paisagem como puro vegetal, porque
a vegetao co-habitada por mltiplas animalidades, por
inmeros daimones.
a
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h6g
II MANIFESTO DA MULTIPLICIDADE QUE SE
SOBREIMPRIME E TE QUERO COM FREVOR NOHORTO GABRIELA
Nascemos polifnicas, sem data, como se um estilo nos parisse,
a capella. Rodeavam-nos instrumentos. Danavam-se pardias
de danas de salo improvisadas. Havia ritmos
dessincronizados que se confundiam e geravam ritmos sbitos
que desapareciam. Doce barulheira onde apetecia passear.
Barulheira a que nos dedicamos cada vez mais passeveis.
Porque ao longo das paisagens que sentimos que a terra um
grande instrumento de percusso e que os nossos passos
completam a msica.
As sombras aprimoram um enegrecimento vindouro que se
adia como o desfecho de um romance sem fim atenebra oque nos antecede: a casa onde julgamos nao querer voltar.
Somos incoincidentes nos preparos de nos coincidirmos a
nossa biografia a reinveno de outras autobiografias que
permanecero inconclusas cabanas inacabantes para os
daimonesfabricarem o seu ethos.
Os cadernos soltam a divinizao dos seus autores que se
voltam a fazer carne nas sensaes de quem os testemunha e
perptua, mesmo no equvoco.
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h7gFREVO:
Fremente como indisciplinada coisa e
amorosamente pastvel
Lgrimas/preceitos/desvarios humor s pitadas
desconversas,pois apanhadas como um pitu olangor das referencias
A imprude
ncia a cavalgar julgavas que te safavas deabano em abano
D cabo dos desencantos uma silva de msicas a
fazer fremer
D papinha s incertezas ai ardo ardo a beleza
tambm inibe
A alegria a agregar delicadezas a tristeza a bater como p
Os equvocos a armarem-se em espirituosos a paixo
como distraco sonora
Entre crueldades florescem dilogos imaginava umaciencia mais afectuosa e a ligeireza das origens?
Inocencia ovpara do amatrio apesar das instrues
em sentido contrrio
Distrados deuses que se possuem em ns no
intervalo de badaladas desgraas
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h8gNO HORTO COM HILDEGARDA
H muito barulho a querer visionar-se (vises que
fazem ccegas danadas)
Uma santa assim?/que vai ser de mim? suavssima
fonte de frondoso terror tenho um humor
apocalptico nas veias
Porque vs tendes o divino entalado na garganta sumo mistrio a jacto ele h coisas piores cuidado
com os bicos! anacorese florescente!
Rejubila, grande maluca, com o doce molho com que
temperas os atributos dos arcanjos palpitam as
tentaes no corao do livro no te ponhas a cantar
o fado em latim!Prepara as sopas para a Rosa Perigosa incorruptvel
cinematografia da santidade
Levadas sejam as melodias mundo apascentando a
sua glria e peras a prosa perptua embriaga-nos de
iguarias do caneco
Os escrpulos do abismo no so sinceros osmarmelos do pecado arrebitam o Satans deliciosa
desconversa
cndido lrio regado de vinhaa embrulham-se os
amadores em suas revelaes esverdecem os
indomados bebedores nas falinhas mansas
O medo fax brilhar os caninos cantores que se
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h9gmanifestam e bebem no cume das caninas cabeas e
mais no direi
Ardentes olhos com uma penca doida andam abichos assim comicha-te na luz dourada!
As santas rupturas temperam-se com o gengibre das
escrituras encaracolada cincia infusa graa com
molho a espanhola
Grande aroma da iluminao faz soar a trombetaescarlata e os dedos de Elohim acariciaram os
cavalos do apocalipse
a
III DA FIGURA (POR EXCESSO)
Trata-se de atribuir um nome como num baptismo um nome
para vidas a advir. Mesmo que seja uma parecena, umasemelhana desavinda com outras figuras. A figura que se
avana em nodulaes entre intuies e cegueiras, faz-se
avanada como uma Kor para alm do nosso
acolhimento/identificao. Avana ao contrrio, a partir da sua
morte para se desenredar dela, para uma no-morte que no
nenhuma eternidade, mas recicladas intermitencias.
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h10gUma figura o que se liberta das contingencias dos enredos
para ser presena em diversas pinturas. No se trata apenas de
depositar nelas o que auto-liberta, mas tambm de reconhecero reconhecimento que liberta. Porque preferimos as figuras ao
nada, embora seja o nada que fulgura. A intensidade do que
fulgura perigosa egosmo de maximizar mutualidades permanencia de poses de ddiva, retroflexas. A figura funciona
no posturar como um sbio excesso.
1. Os cadernos entram uns nos outros por vezes em grupo
2. Os lugares encavalitam-se nos textos (ora ora)
3. A simultaneidade aluga vrios devires (de borla!)
4. A figura no sabe l muito bem o que ela (pois...)
5. Hierarquias exiladas tricotam rupturas para se consolarem6. Um lugar (e mais outro) que nos quer passear muito
7. O pblico um multiplicante que aplaude em privado
8. A Verdade mascara-se de Busca para tagarelar na escrita
9. O nosso Sudoeste (parece incrvel) foi parar ao Brasil e
arredores10. Anda um falco aos pulos em punhos polifnicos
11. As lendas das beguinas transformam-se em lendas
peregrinas
12. Andas a inventar ritmos para os sonhos caberem sem
ficarem apertados
13. Desfao-me das meditaes para me inteirar
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h11g14. Livros a metade deles mesmos a andarem para a frente e
para trs
15. Um lugar que se alivia com muito primor
16. Uma existncia estaferma a cozinhar santidades
17. O texto deita-se ao nosso lado e lambe-nos todas
18. Certa exactido nmada acumulou muitos vistos nas
cadernetas
19. Esta a intermitncia que abre os jardins20. Vista a partir da pobreza a esttica coisa mui aperaltada
21. H que fazer coincidir a florao com o mergulho
22. O copismo que descopia flutua armado em transeunte
23. Captulos para meter antigos crepsculos com cuspos
24. A presena desfragmenta-se e os bichos gostam25. Deixei a saudade na casa de banho e fiquei na aventura
26. Plantin uma planta gordurosa e escura onde cresce a
imortalidade
27. Um texto com voz de falsete deve livrar-se do karaoke
28. O amor alegrias em crescendo pelas companhias29. Metido na toca da meditao no paria nem um rato
30. Andas a descalar apcrifos e a polinizar autores
a
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h12gIV DA HISTRIA
A Histria acumula anamneses itinerantes. Algo procura fazer-
-se carne e sobrar a sucessivos regressos ao corpo. Legitimi-
dades e narrativas no reintegram nem domesticam os fan-
tasmas. A funo da histria desdomesticar e tornar
imprudentes quaisquer ilaes.
A histria carnavalesca ao inverter o carnavalesco. O trgico
contrudo com a pardia, uma acumulao de stiras que
falharam a reconciliao do riso com a tranquilidade. Sobram
demasiados fantasmas catarse. dipo e Hamlet continuam a
contaminar com suas sombras fantasmticas. Mesmo que
ambos sejam risveis. O riso inverte o riso. A percia hamletiana
na arte de desconversar filha das tcnicas de Grgias que
combatia a seriedade com o riso e o riso com a seriedade.
Construir a histria fiar desconversas e no legitimar tiranos.
A histria construa-se com o fito de exaltar? De tiranizar? Ou
no a histria a constatao exemplar da arte de naufragar
para aprender a sobreviver a naufrgios vindouros?
Os actores da histria julgam-se aglutinados & destacados da
paisagem regidos por axiomas da lgica do poder ou slogans
sociolgicos. Mas uma leitura atenta da histria mostrar que a
paisagem um agente determinante nas vitrias e nas derrotas.
Os invulgares invernos que derrotaram Napoleo e Hitler ou
os maus anos agrcolas que levaram s revolues so acidentes
que se tornam os actores principais de grandes ciclos.
Escarnecem da viso tacanha das ambies pessoais.
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h13gA possibilidade de ler o passado ou de antecipar o futuro a
fico difere dos factos na exacta proporo em que os
aprofunda. A restaurao da dignidade dos derrotados construda com o pseudos do romanesco, do mito, da
pintura. A Ilada restaura Tria. A Odisseia restaura ao
multiplicar as errncias pelo mito, o ambo llansoliano, o
devir da reciprocidade amorosa em aparente contracorrente
com a histria. Mas a histria s faz sentido se for para o
ambo, para florescer o devir amoroso.As profecias e os manifestos provocam a histria onde no se
realizam plenamente, mas soltam criaturas possuintes. A
profecia a forma de nos empurrar, com a terrvel legio de
anjos ou daimones, para que a viso se faa carne. O Logos a
figurao que se antecipa. No que haja figuras acabadas, mas
h um figurar que pensamento, um fervilhar de pensamentosa partir de imagens fortes. No se trata de arqutipos porque
no se trata de os reproduzir em simulacros, mas de
acompanhar figuraes e de inventar novas figuras. Essa
figurao o metamrfico, e nunca se essencializa.
Se no vos fizerdes humilhados no entrareis no reino dos
cus Cristo institui a nobreza atravs do hmus, do que eraum atributo dos pobres, dos escravos, e mais tarde dos
proletrios. Eckart o que mais pensa com clareza a nobreza
dos humildes o hmus o nada, a histria hmida,
empapada de lgrimas e sangue, o antdoto da histria seca
dos ttulos e feitos rgios. O humano cozinha-se neste caldeiro
hmido humano. No sei se se define assim, mas sente-seassim o humano o que humidifica, o que se torna sublime
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h14gdessublimando-se. Humidificar tanto tornar humilde quanto
molhado, sexuado, lubrificado.
Foi na Europa que a histria se humedeceu e se entranhou noromanesco se bem que a China e o Japo, em momentos
conturbados tenham feito algo parecido. O romanesco
floresceu muito frequentemente em viscosos climas sexuados
das Mil e Uma NoitesaoJing Ping Mei.
O Ocidente continua a fingir que ignora o seu passado mais
remoto, a Sumria. O Ocidente continua a alhear-se davertiginosa riqueza cultural do que no ocidental. A sua
histria ainda uma histria apocalptica enamorada do seu
fim. Ou uma histria post-apocalptica que se celebra como
defunta. Consciencia a aprofundar-se em sermes de finados.
Como a histria converge para autobiografias, hoje ser
imprudente no absorvermos nas nossas biografias essaproximidade planetria do que antes era apenas extico e
antigo.
Reler o passado mas de um modo mais barroco, mais agreste,
mais entranado, com o fausto dos impasses, com a riqueza da
multiplicidade de causas, com os fantasmas que tornam
ressurrectos certos corpos nos nossos corpos, com certos vaziosque polvilham a plenitude.
Os pobres desentranham a sua luz destilando sombras s
sombras no se trata de uma negatividade, mas de se
desfazerem da fatalidade da pobreza e da culpa. A histria
atravessa-nos como algo que aparece a autobiografar-nos e na
qual devemos constituir uma nova biografia um terreno
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h15gdado para desbravar e esgravatar at encontrar os heris
perdidos com os quais entranamos dilogos sem fim. Por
vezes a histria -nos dada como algo contemporneo, que sefaz ao lado, que se adivinha na admirao. So exaltantes
desencontros, porque h a possibilidades de haver mais
histria humedecente. Mas no acontecem para que a fico se
solte mais.
Nem literalismo nem simbolismo um remete para as partes e
o outro para o todo. S podemos constituir a histria comoentreacto de entre-actores que desliteralizam simbolizando e
dessimbolizam literalizando. Trata-se de dar espao s
possibilidades metamrficas latentes na histria,para que estapossa prosseguir sem ficar fechada nos documentos e factos ou
no espartilho de uma consciencia que se julga absoluta, quando
a consciencia s absoluta no modo como se teatraliza. Mas
quando a consciencia coincide teatralmente com o absoluto, a
histria parece irrelevante, embora retorne como fantasma e
duplo desse absoluto, dessa consciencia, e dessa teatralizao.
a
V MANIFESTO DO ROMANESCO
No h diferena entre o romance que se enamora da
dissoluo e o romance que renasce das trevas. A morte do
romance ou da arte faz parte da sua vida porque a cadamomento se processam mutaes breve estao tantica
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h16gnuma devorante ertica que no pode deixar de se assemelhar
a uma sobreabundante e festiva esttica.
Escrevemos para descontinuarmos e perpetuarmos mudamos paisagens que nos mudam, e mudamos mais de pele
do que de roupa quando nos entregamos escrita. No h
nenhuma Forma, custe o que custar, mas formaes e
deformaes. As paisagens literrias formam-se na rivalidade
metamrfica com o que nos surge do c fora, rivalidade que
no desdenha esse exterior mas o sente mais epidermicamentedo que o escrutina nas suas mincias. No entendemos a
persistncia do modelo de fidelidade fotogrfica ou antes,
entendemo-la como uma etapa histrica cujo centro irradia
sobretudo de Flaubert mas que continha em si a sua eroso, a
sua fragmentao e o desejo, tambm burgus, de um xtase
para o qual a fotografia incapaz.Os romances e a poesia, so manifestos, viciosas restauraes
de uma luz que apetece banquetear. No h diferena, nem
sequer rtmica, entre o romanesco e o potico, no sentido de
haverem duas tradies distintas. A narratividade a passagem
de uma imagem a outra, um movimento de cmara, ou dois
planos distintos que pressupem algo ter acontecido no meio.H algo elstico porque as histrias so sempre contadas,
mesmo que abismadas em coisas que no se dizem. As coisas
no param de contar outras coisas, mesmo quando ns no as
contamos. No romanesco a harmonia oculta que mostra a
obscenidade do que oculta, enquanto a poesia trabalha no
refinamento e na preciso que supe a eliso da mons-truosidade subjacente.
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h17g claro que h algo terrvel e destrutivo e uma impresso de
adiamento e uma certa espera de inadiveis renovaes. Ns
escrevermos para reavivar o filo de imagens, para nossentirmos mais limpas, para cozinharmos na nossa escrita a
escrita dos outros. Ns escrevemos para sermos mais amorosas,
para amarmos melhor e de mais maneiras, para afiarmos a
consciencia como um lpis que est sempre a ser usado. Nos
estados amorosos a empatia oscila entre a bela companhia e
estados de pr-canibalismo.O princpio essencial do romanesco a passagem pelas
inclemncias do paisagstico, onde a acumulao de memrias
e identidades ameaada por violncias inauditas, pela
crueldade daphysis, pela mscara hedionda e carnavalesca de
uma natura montada nos corcis da pluralidade trata-se de
tornar a paisagem passevel, isto , trata-se de ampliar o hortoda consciencia, para que o paradisaco se infiltre no inspito.
As errncias malignas so o que nos dado o sentimento de
uma crise que se avoluma cada vez mais. O Romance um
manifesto porque solta a urgncia de resolver crises atravs de
fices que se estendam ao mundo. So as imagens romanescas
ou profticas que desenlaam os ns do maligno. E o maligno o repetitivo, o que vai pesando cada vez mais, o que adensa. H
algo tentacular em tudo isto.
O trabalho de Penlope o romanesco: feita e desfeita
noctvaga, entranamento de sonhos acordados, viglia de uma
espera que acumula tempos perdidos e a suspeita de que
certos estados excepcionais so dignos de ser vividos. Otrabalho de magia, de aco das coisas vivas, confunde-se com
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h18ganamnese e o que se recorda sobretudo o mito, a
dificuldade de retornar sobre si mesmo, porque o retorno o
fim dahamartia, isto , das errncias. Mas se o retorno nos fazmais divinas, a narratividade tem por fundo o inacabado, o que
nunca finda a arte de contar, o querer continuar a contar e a
escutar por isso o romanesco no se fecha num livro nem
acaba onde os livros dizem acabar, mas opera avanos e
retornos depois do livro.
A China inaugura o romanesco sem o saber com o livro deTchouang Tseu este livro l-se melhor depois de se ler
Llansol , e inaugura-o como manifesto onde conflui tudo: o
mais baixo, o mais disforme, o inconformado, o a meio-
caminho. Confcio surge como um heri que um perso-
nagem que no unvoco e se desmultiplica. O tema do livro
do mestre Tchouang o xtase, mas no s o caos desenrola-se como uma possibilidade pertinente do autor, ou dos autores,
o habitarem, e as fbulas desconstroem os personagens e
arrastam os arredores.
O modelo do romance antigo foi a ekphrasis, o pitoresco, a
descrio de imagens que se sucedem. A psicologia
acrescentou-se como uma intensificao dopathos. Se a pinturaera poesia muda, o romance construa-se a partir de pinturas
que se sucediam. Emancipada a pintura do puramente
descritivo, esta reivindicou a musica como condio
emancipante. O romance imita a pintura que imita a msica? A
textualidade enreda-se arrastando um subsolo imagtico e
musical em que a psicologia se deslaa entre a apatia e o e
xtase.Pensamos em lvaro Lapa, e em como as suas pinturas de
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h19gcadernos poderiam ser estranhas peas musicais. As suas
pinturas, e em especial os cadernos, propem-se no s como
uma teoria do pictrico, como do romanesco. Lapa afirmou-secomo pintor falhado, mas onde se falhou foi como romancista.
O seu falhar-se como romancista infiltrou-se nas suas pinturas
como o melhor falhano do pior arteso. Il peggior fabro.
uma anti-artesania que proposta. Deste supostamente inbil
pintor tentaremos extrair estes aspectos do romanesco afins de
Maria Gabriela Llansol:1. O caderno o lugar do romance ethosanti-clssico.
So os estados de gestao e emergncia que destilam o
que importa no romance, sem se ter que ser surrealista de
segunda ou mero beat pulsional espontaneidade,
vacilao, mas sem comdia, trabalho de vacilao, de
rasura, de apuramento pela progressiva imaturao.2. Reinventar os cadernos dos outros gera estados
possessivos trabalho-homenagem que ressuscita ou re-
incarna [a sobreposio Llansoliana um interseccionismo
de cadernos (ou cadernetas)]
3. Romancear passear-se paisagens que nos passeiam
passeando-se, intensificando cada vez mais a conscincia ediluindo as fronteiras entre o dentro-fora.
4. Os fluxos emotivos, como na teoria hindu dos rasas, so
o que importa. Os estados da vida teortica acompanham
esses fluxos.
5. H que se desembaraar da tcnica e de tudo o queconstrange a fazer de uma certa maneira.
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h20g6. O romance s faz sentido como auto-libertao, sem
guru, seja de quem se auto-liberta como escrevente, seja de
quem se auto-liberta como legente .
Em Pessoa, a polifonia de que fala Bakhtine inverte a menipeia,
mas no se liberta dela. As vozes mltiplas dos personagens dos
romances tornam-se autores que complicam o autor. Caeiro
uma pardia boomerang de Whitman que se introduz como
uma prega reinventando Pessoa e possibilitando as restantesheteronomias e pseudo-heteronomias. Aqueles que criamos
parodiam-nos e recriam-nos; o estilo possesso, jogo, clima,
fremncia corprea. Ele implica-se naturalmente como teoria,
como modo de vida faz-se situvel em campos onde os
afectos se encadeiam e acabam por inferir vises do mundo.
O processo romanesco que tornou Pessoa uma mltiplasubjectivao em devir expande-se para alm dele e
complexifica-nos as vidas. Tal como a lrica e a tragdia grega, a
interiorizao crist, a leitura muda, a revoluo tipogrfica e a
revoluo digital.
A assimilao destas e doutras heranas faz com que o romance
no seja apenas um gnero. Ele pode ser chamado a ocupar olugar que se tornou impossvel, quer para os filsofos, quer
para os msticos, porque um processo inacabante que no
consegue deixar estanques conceitos ou deuses, mas que abre
os conceitos para a predao metafrica, e nos diviniza para
alm dos dolos ou das veneradas abstraces.
a
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Esta srie de desenhos de Pedro Proena
acompanha o escrito do autor intitulado
Alguns Manifestos para Gabriela,
assinado
Sandralexandra & Soniantnia
Sintra, Espao Llansol - Letra E
25 de Maio de 2013
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