Pd Teorias Psicanaliticas Do Desenvolvimento Humano

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  • Prof. Dr. Atos Prinz Falkenbach, 1999.

    Teorias psicanalticas do desenvolvimento humano

    Neste estudo a abordagem psicanaltica do desenvolvimento humano ser centrada deforma especial nos pensamentos de Winnicott e Mahler. Os eixos de seus pensamentos so distintos naforma de entender o desenvolvimento infantil. Enquanto Winnicott analisa profundamente a questo doobjeto transicional, Mahler fornece subsdios acerca da fuso e da individuao. Apesar de os temasserem distintos e respectivos a cada autor, importante ressaltar que ambos tratam do perodo dainfncia e a implicao desses aspectos no desenvolvimento da criana para a suas posteriores relaescom o mundo exterior.

    Ao mesmo tempo que se analisa a forma de pensar de Winnicott e Mahler, no se reduz adiscusso aos seus enfoques, utilizando outras abordagens para ressaltar aspectos que sirvam dereflexo discusso terica.

    Winnicott e o desenvolvimento infantil: o objeto transicional

    Winnicott (1975) parte de uma reflexo, a qual chama de hiptese original, em quecomenta que conhecida como tradicional a tendncia de os bebs ao nascerem de utilizarem os dedos,o punho e os polegares para a estimulao da zona oral, bem como dali a alguns meses sua atenoestar voltada para a zona genital; esse fato devido ao crescimento do corpo, o que desperta a atenopara o surgimento de novas sensaes.

    Durante esse processo natural de desenvolvimento, o beb no estar voltadoexclusivamente para a sua pessoa; haver certamente no ambiente, ou fornecidos pela sua me, objetosos mais variados, que devero despertar a sua ateno. Winnicott (1975), chama a ateno para umaampla variao na seqncia de eventos que tm seu despertar com as atividades de punho na boca eque acabam por conduzir a uma ligao com objetos como o ursinho, a boneca, brinquedo macio ou

    Desenvolvimento HumanoProf. Dr. Atos Prinz FalkenbachLivro: A relao professor/criana em atividades ldicas: aformao pessoal dos professores. 1999, 128pg.

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    duro. A esses objetos ou coisas, o autor chama objetos transicionais e fenmenos transicionais, osquais designam a rea intermediria entre o objetivo e o subjetivo, entre o erotismo oral e a verdadeirarelao de objeto, entre a criatividade primria e a projeo do que j foi introjetado. Os fenmenostransicionais, diferentes dos objetos transicionais somente em seu contedo, podem ser ilustrados noentoar de uma cano de uma criana mais velha, preparando-se para dormir.

    Nos estudos de Winnicott (1975) fica clara a inteno de demarcar algo mais nodesenvolvimento infantil do que simplesmente a realidade interna, de iluso inconsciente, e a realidadeexterna, consciente.

    Minha reivindicao a de que, se existe necessidade desse enunciado duplo,h tambm a de um triplo: a terceira parte da vida de um ser humano, parte que nopodemos ignorar, constitui uma rea intermediria de experimentao, para a qualcontribuem tanto a realidade interna quanto a externa. Trata-se de uma rea que no disputada, porque nenhuma reivindicao feita em seu nome, exceto que ela exista comolugar de repouso para o indivduo empenhado na perptua tarefa humana de manter asrealidades interna e externa separadas, ainda que inter-relacionadas (Winnicott, 1975, p.15).Torna-se necessrio compreender o espao intermedirio entre a inabilidade de um beb e

    sua crescente habilidade em reconhecer e aceitar a realidade. Esse espao tambm tem seu lugar noadulto, embora em formas diferentes, ou seja, enquanto no beb se encontra em seus devaneiosimaginrios, no adulto essas tomam formas socialmente aceitas, como o caso da religiosidade e dasartes. Os objetos transicionais no se resumem a um elemento qualquer da relao da criana, masespecialmente experincia de possesso que surge dessa relao, bem como a rea intermediria, aqual marca linhas limtrofes entre o subjetivo e aquilo que objetivamente conhecido, ou seja, arealidade.

    Tanto o objeto transicional como os fenmenos transicionais so componentesdeterminantes do comportamento na criana, desde a tenra infncia at a infncia propriamente dita, demodo que o objeto macio original continua a ser necessrio na hora de dormir, em momentos desolido, ou quando a criana sente necessidade de manifestar seu estado depressivo. Winnicott (1975)explica que no existe diferena entre meninos e meninas quanto utilizao do objeto transicional: aforma de utilizar e o momento que isso se faz necessrio so praticamente os mesmos na sua forma depossesso original no-eu.

    Para melhor compreender as idias de Winnicott, assinalam-se alguns pontos chaves sobre

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    as qualidades especiais da relao da criana com o objeto transicional e como essa determina acontinuidade da sua utilizao em idades posteriores, bem como as caractersticas e perodos em que asmesmas se manifestam com maior intensidade. Cabe antes ressaltar que no existe lineariedade algumaproposta pelo autor; pelo contrrio, Winnicott afirma que deixou campo livre para amplas variaescom relao s idades. A relao do beb com o objeto transicional a que segue:

    a) em princpio o beb assume direitos sobre o objeto sua forma de mant-lo para si deixa mostra uma postura de onipotncia com o mesmo;

    b) o objeto excessivamente amado pelo beb a ele capaz de demonstrar tanto o seuafeto como a sua ira;

    c) o objeto no pode mudar, nem mesmo ser lavado, a menos que seja mudado pelo prpriobeb;

    d) sua forma e caractersticas devem parecer ao beb que lhe transmita calor ou que semova, que possua textura, ou que faa algo que deixe mostrar que tenha vitalidade ou realidadeprprias;

    e) do ponto de vista do adulto, um objeto provindo do exterior, realidade que no amesma para o beb; isso no quer dizer que faa parte do seu prprio corpo, provindo do seu interior,tampouco uma alucinao, mas sim que algo real e que no momento capaz de auxiliar;

    f) o objeto transicional tm o destino de ser gradativamente descaterizado, de maneira que,com o curso dos anos, se torne no tanto esquecido, mas relegado ao limbo.

    O objeto transicional pode ser entendido como algo que fornece suporte evoluopsicolgica infantil, que cumpre um papel em determinado perodo da vida e que a seguir torna-segradativamente substitudo de forma dialtica. Esse fato permite afirmar que no esquecido; pelocontrrio, reacendido por outros significados, os quais se espalham difusamente por todo o territriointermedirio da realidade psquica interna e o mundo externo, tal como percebido por todo ocampo cultural compreendido pelo adulto. Nesse ponto, a compreenso do objeto transicional se ampliapara as atividades de labor, de lazer, afetivas e sociais. So exemplos disso os jogos, a criatividade, aapreciao artstica, o sentimento religioso, o sonho e o fetichismo, o mentir, o furtar, a origem dosentimento afetuoso, o vcio em drogas e mesmo o talism dos rituais obsessivos, os quais so objetose/ou situaes que fazem parte do mundo do adulto.

    O componente simblico, tanto do adulto como da criana, auxilia no entendimento decomo construda essa evoluo psicolgica no ser humano. A relao que o objeto transicional exercecom o simbolismo de suma importncia para o desenvolvimento psicolgico infantil. O simbolismo

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    na maioria das situaes compreendido conjuntamente com o objeto transicional, dando a entender umainter-relao que se estabelece, sendo um motivador para o outro e vice-versa.

    verdade que a ponta do cobertor (ou o que quer que seja) simblica dealgum objeto parcial, tal como o seio. No entanto, o importante no tanto o seu valorsimblico, mas a sua realidade. O fato de ele no ser o seio (ou a me), embora real, toimportante quanto o fato de representar o seio (ou a me) (Winnicott, 1975, p. 19).Esse fato de muita importncia, no sentido de que, quando o simbolismo empregado, o

    beb j est claramente distinguindo a fantasia da realidade, os objetos internos dos externos, acriatividade primria da percepo. O objeto transicional o componente que alavanca o progresso nosentido da experimentao infantil, que provoca nela uma utilizao maior do componente simblico eque descreve a sua jornada, desde a subjetividade at a objetividade, auxiliando a identificar comclareza sua prpria pessoa com a realidade e os objetos que a cercam. Isso no poder acontecer sem aexperimentao e fuso com os objetos de sua alada.

    Sobre esse fato, Mello Filho (1995), autor que faz uma anlise da obra de Winnicott, afirmaque o objeto transicional o responsvel pelo iniciar do simbolismo na criana e permitegradativamente apurar a distino entre fato e fantasia, realidade interna e realidade externa,criatividade e percepo.

    Sobre esse desenvolvimento atravs do objeto transicional no perodo da infncia,Winnicott descreve como determinante a personagem materna, a qual capaz de deixar profundasmarcas tanto positivas como negativas.

    A relao me-criana

    Winnicott (1982 A) descreve com palavras simples a relao me-criana e como essa semanifesta atravs do ato instintivo de saciar a fome no momento de amamentar. Desde a vida intra-uterina e aps o nascimento, a relao de comunicao estabelecida entre a criana e sua me seestabelece naturalmente, sendo que os primeiros meses aps o nascimento so constitudos de umacomunicao e entendimento entre ambos que igual nunca se repetir ao longo da vida. Essa s podeser explicada pelo estado de fuso que ambos compartilharam no perodo de gestao. As mes nonecessitam de orientaes externas e sabem perfeitamente a maneira e o tempo de amamentar o beb,sendo esta condio primria de respeito ao tempo prprio da criana.

    O autor esclarece que a forma como as mes amamentam seus bebs determinante para o

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    desenvolvimento psicolgico e que para tal o ambiente e a segurana na qual o beb envolvidoinfluencia no aproveitamento da sua digesto. Para melhor compreenso do pensamento do autor, bastalembrar que a primeira zona de contato do beb com o mundo exterior sua boca; isso possibilitaentender que todas suas sensaes primrias passam pela mesma. Por esse motivo o ato de amamentarno se reduz apenas ao alimento; a relao primria entre me e criana, na qual a ltima estabelececontatos cinestsicos como as mozinhas no seio, o rilhar das gengivas fazendo presso para chupar oleite (movimento que no consegue fazer com a mamadeira), o tocar da testa no peito da sua me.Todos esses movimentos so sensaes novas para o beb, as quais, se forem promovidas em umambiente que lhe favorea segurana e afeto, tornam-se requisitos fundamentais para a participaoativa do beb na relao, ao contrrio da passividade compreendida por alguns adultos. como ressaltaWinnicott:

    A nica base autntica para as relaes de uma criana com a me e o pai,com as outras crianas e, finalmente, com a sociedade, consiste na primeira relao bemsucedida entre a me e o beb, entre duas pessoas, sem que mesmo uma regra dealimentao regular se interponha entre elas, nem mesmo uma sentena que dite que umbeb deve ser amamentado ao seio materno. (Winnicott, 1982 A, p. 36)Com base nestas concepes podemos compreender que a ao da figura materna constitui

    parte determinante no progresso emocional da criana. Se a relao primria obtida com a me eprincipalmente com o seio, podemos perceber a o vnculo existente entre o objeto transicional e anecessidade simblica da presena constante da me junto ao beb. nesse conjunto que o autorcomenta sobre a importncia da influncia materna para auxiliar no desenvolvimento de tudo o que subjetivo criana e o desenvolvimento das noes reais, equilibrando a forma de percepo dacriana. Esse fato deve auxiliar a criana a lidar eficientemente com frustraes provindasprincipalmente do plano afetivo. nesse momento que Winnicott comenta sobre a me-boa e a me-m:

    No h possibilidade alguma de um beb progredir do princpio de prazerpara o princpio de realidade ou no sentido, e para alm dela, da identificao primria, amenos que exista uma me suficientemente boa. A me suficientemente boa (nonecessariamente a prpria me do beb) aquela que efetua uma adaptao ativa snecessidades do beb, uma adaptao que diminui gradativamente, segundo a crescentecapacidade deste em aquilatar o fracasso da adaptao e em tolerar os resultados dafrustrao. (Winnicott, 1975, p. 25)

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    A me suficientemente boa a que estabelece uma relao natural com a criana, atenta demanda, adaptando-se s necessidades do mesma. Essa primeira relao, medida que o tempo passa,dever lenta e gradativamente adaptar-se cada vez menos completa, ou seja, dando espao para que obeb, segundo a sua crescente capacidade, consiga lidar com seus prprios fracassos e criar lentamenteuma estrutura prpria. Para Winnicott (1975), se todos os fatores transcorrerem naturalmente, o bebpode, na realidade, conseguir suprir com ganhos para sua prpria pessoa com a experincia dafrustrao, j que a adaptao incompleta necessidade torna reais os objetos com os quais interage.Esse objeto utilizado pela criana a auxiliar a tratar com as frustraes iniciais. Note-se que asfrustraes iniciais devem ser de curta durao, possibilitando um crescente sentido no processotemporal de fustrao. Esse fato possibilitar o aparecimento de capacidades inovadoras da criana:

    a) primrdios da atividade mental;b) emprego de satisfaes auto-erticas;c) recordar, reviver, fantasiar, sonhar; o integrar de passado, presente e futuro.Estas capacidades inovadoras sero responsveis pelo surgimento de novas

    experimentaes por iniciativa prpria da criana. O papel da me deve ser o mais natural possvel,para que possa garantir criana essa pequena e crescente frustrao, a qual ir assegurar umcrescimento equilibrado e salutar.

    Mello Filho (1995) ressalta que na rea entre o beb e a me, onde se passam asexperincias transicionais, poder ser consolidada toda criatividade e riqueza cultural da vida adulta,expressas nas formas religiosas, nas atividades cientficas, nas artes, no lazer, nas ideologias. Todosesses elementos so construdos na relao com a me, que por seu turno tambm sofreu influncias dasua prpria me, desencadeando naturalmente um ciclo comportamental.

    Outro importante tema que diz respeito obra de Winnicot, so os estudos pertinentes aojogo infantil, tema de valor essencial neste estudo, por se tratar de uma teoria psicanaltica que forneceum novo paradigma enriquecedor sobre o desenvolvimento da criana.

    O jogo infantil na viso psicanaltica de Winnicott

    Winnicott, na rea psicanaltica, utilizou-se dos jogos ldicos como uma interveno decunho teraputico, tanto para as crianas como para os adultos. Essa forma foi totalmente inovadora, nosentido de que antes, como lembra Mello Filho (1995), desde Melanie Klein, o jogo ldico era utilizadoapenas como uma forma de acesso ao mundo interior da criana. A viso de Winnicott (1975)

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    diferente. Alm de entender o jogo como linguagem universal, tambm nesse momento que o serhumano pode expressar sua criatividade. Somente de posse da sua criatividade que o ser humanoencontra seu self. O autor sugere inclusive uma capacidade ldica da pessoa do prprio psicoterapeuta,essa como pressuposto bsico para criar o campo ldico necessrio, que d suporte ao brincar dopaciente.

    A psicoterapia se efetua na sobreposio de duas reas do brincar, a dopaciente e a do terapeuta. A psicoterapia trata de duas pessoas que brincam juntas. Emconseqncia, onde o brincar no possvel, o trabalho efetuado pelo terapeuta dirigidoento no sentido de trazer o paciente de um estado em que no capaz de brincar para umestado em que o (Winnicott, 1975, p. 59).A pessoa do terapeuta no fica somente escuta do paciente, em uma posio passiva, de

    observao; ao contrrio, existe uma implicao da pessoa do terapeuta. Quando falamos da pessoa doterapeuta, queremos nos referir tambm a sua implicao corporal, pois o mesmo estar jogando juntocom o paciente, criando um campo ldico que permite a sua livre expressividade. No so todospacientes aptos a brincar. Grande parte so mesmo incapazes por falta de iniciativa e originalidade,prprias do ambiente familiar e sociocultural no qual se desenvolveram. Mesmo crianas ditasnormais, as quais freqentam nossas aulas de psicomotricidade relacional, tambm apresentamgrandes limitaes em sua trajetria de jogo (termo utilizado por Negrine, 1994 A, para descrever atrajetria que a criana realiza na sua forma de jogar), permanecendo como que presas a umadeterminada forma de jogar, demonstrando a sua forma de expresso limitada. nesses momentos quea postura do professor (terapeuta) deve ser decisiva, ou seja, que com a sua interao coerente com omomento consiga provocar situaes ldicas novas, as quais possam libertar o pensamento econseqentemente o movimento da criana. Esse fato o que possibilita uma riqueza de aes ecomponentes simblicos novos, determinantes para libertar a sua expresso criadora.

    Outro elemento importante na teoria sobre o jogo, segundo Winnicott, que a atividadeldica se basta a si mesma; quando o ser humano brinca est em um momento de completude com oseu self; ao contrrio, quando existe muita excitao fsica, a brincadeira acaba. O autor tem procuradodemonstrar que o elemento masturbatrio, de erotizao, est essencialmente ausente no momento emque uma criana brinca. Em outras palavras, podemos entender que a pulso instintual no est ligadaao jogo.

    Finalmente, o grande legado que Winnicott nos deixou sobre a viso do jogo infantil estno objeto transicional e, a partir da, todas implicaes que o mesmo manifesta no desenvolvimento

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    ldico da criana. Nessa relao do objeto transicional, traz tona a figura materna, personagemmarcante da relao primria do beb, na qual a palavra transicionalidade o ponto chave para osestudos do processo simbiose-separao. Winnicott (1975) descreve uma seqncia nodesenvolvimento dos processos de relacionamento da criana com o objeto transicional, a qual nospossibilita examinar com mais clareza o jogo infantil.

    O beb, em suas primeiras experincias com objetos, ainda no faz distino clara entre oobjeto e o seu prprio eu; o beb e o objeto esto, nesse momento, fundidos um no outro. A atividadematerna deve levar a fazer o beb passar da viso subjetiva do objeto para uma forma mais concreta edissociada daquilo que est pronto a encontrar no mundo exterior. Nesse momento, o beb se encontraem um estado de onipotncia com o mundo exterior e exerce certo controle mgico das suas aes eexperincias.

    O objeto repudiado, aceito de novo e objetivamente percebido. Esseprocesso complexo altamente dependente da me ou figura materna preparada paraparticipar e devolver o que abandonado.

    Isso significa que a me (ou parte dela) se acha num permanente oscilar entreser o que o beb tem capacidade de encontrar e (alternativamente) ser ela prpria,aguardando ser encontrada (Winnicott, 1975, p. 70).A relao estabelecida entre me e beb torna-se nesse momento a nica fonte

    desencadeadora para o processo de instaurao de confiana, elemento indispensvel para o bebcomear a fruir de experincias que conjugam a onipotncia dos processos intrapsquicos com ocontrole concreto que possui do real. Esse fato torna clara a transicionalidade existente no espaoilusrio, imaginrio de dominao da criana com o mundo exterior, e o que esse lhe mostra deconcreto e fora das capacidades ilusrias. Tudo isso relaciona-se estreitamente com os estudos deErikson (1976) sobre a formao de identidade e o primeiro estgio, da confiana bsica, na qual oambiente e principalmente a me so os principais potencializadores do componente elementar dedesenvolvimento da personalidade adulta. A me, segundo Winnicott (1975) capaz, quando tambmmunida de confiana instintual desenvolvida na prpria infncia, de preparar naturalmente esse espaotransicional para o beb, espao que tanto une a me com o beb quanto prepara o espao potencialpara o desenvolvimento do brincar. Mello Filho comenta sobre a importncia da relao primria bemsucedida do beb com a sua me:

    A possibilidade de vivenciar o seio da me como algo concebido por si d criana a perspectiva de descobrir todas as coisas do mundo de forma criativa, medida

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    que so percebidas pelos rgos dos sentidos. Desse modo se inicia um viver criativoacompanhado de um imenso prazer de entrar em contato com os objetos da realidadeexterna e tambm com os processos e contedos da realidade interna. Posteriormente, coma aquisio do princpio da realidade, vem o reconhecimento paulatino de que o mundoexiste independe de ns. Todavia, a perspectiva de interagir com seres e objetos na reado espao potencial mantm esta possibilidade de permanecer vivendo de modo frtil ecriativo. Por outro lado, para Winnicott, a manuteno da crena da nossa posse sobre arealidade externa permanece num grau maior ou menor em cada um de ns, e um doselementos fundamentais dos estados esquizides. (Mello Filho, 1995, p. 75)O perodo intermedirio da simbiose-separao marca o processo de desenvolvimento do

    ser humano, deixando caractersticas evidentes na personalidade. nesse sentido que a influnciamaterna torna-se determinante. O relacionamento necessariamente motivado pelo amor da me, oupelo seu amor-dio, pela sua relao de objeto. Isso explica que quando a criana no consegue brincar,produto de uma relao primria deficiente, cabe ao terapeuta propiciar este campo ldico, para que acriana principie a manifestar suas iniciativas, provocando na criana traos novos de originalidade ecriatividade prprias.

    A confiana instaurada na relao materna permite criana ficar sozinha mesmo napresena de outra pessoa. O amor instaurado nessa criana lhe fornece segurana e confiana,pressupostos que lhe permitem crer que as pessoas a sua volta lhe nutrem amor, que so disponveis epermanecem disponveis quando lembradas, aps terem sido esquecidas. nesse momento que acriana pode permitir o fruir de uma superposio de duas reas da brincadeira. No primeiro momentoser a me quem brinca com o beb, mas com cuidado suficiente para ajustar-se s suas prpriasatividades ldicas. Na seqncia, a me inconscientemente introduz a sua prpria maneira de brincar,esquecendo-se de ajust-la criana. nesse momento que se percebe como instvel a capacidadedos bebs em aceitarem ou no as idias que no lhes so prprias. Esse um fato importante, tantopara o entendimento da me como da prpria criana, a qual estar preparando um caminho parabrincar em um relacionamento conjunto.

    Para concluir este espao sobre a viso de Winnicott sobre o jogo infantil, importantefrisar que toda sua teoria est voltada para a psicoterapia, na qual faz uma pequena mas significativadistino entre a atividade do professor e do terapeuta quanto capacidade de interveno na evoluoda criana.

    O professor visa ao enriquecimento; em contraste, o terapeuta interessa-se

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    especificamente pelos prprios processos de crescimento da criana e pela remoo dosbloqueios ao desenvolvimento que podem ter-se tornado evidentes. Foi a teoriapsicanaltica que contribuiu para a compreenso desses bloqueios. Ao mesmo tempo,constituiria viso estreita supor que a psicanlise o nico meio de fazer uso teraputicodo brincar da criana (Winnicott, 1975, p. 74).Percebe-se aqui uma idia de avano tambm de carter pedaggico, na qual Winnicott j

    evidencia seu pensamento. O espao ldico deve ser potenciado como via de enriquecimento para acriana tambm na rea pedaggica, na presena do professor, o que por si s permite inferir sobre acapacidade de interveno desse ao nvel do jogo simblico da criana. Essa capacidade s pode seradquirida por uma formao que trate tambm do ldico na pessoa do adulto, como uma via que lhepermita aprofundar conhecimentos sobre a prpria corporeidade, a fim de auxiliar e estar disponvel criana para desenvolver a prpria.

    Quando existe a capacidade de o adulto conseguir brincar e tambm fruir, desfrutar daprpria ludicidade, esse componente permite interagir e proporcionar campo ldico para a criana.Somente a partir do brincar da criana que o adulto, em psicoterapia ou em aula, poder auxili-la aevoluir, partindo do que essa lhe demonstra de suas capacidades, expressando o seu self.

    Mahler e o desenvolvimento infantil

    Os estudos de Mahler (1993) sobre o desenvolvimento infantil fazem referncias nosomente criana e a seus respectivos processos, os quais denomina simbiose e individuao, masprincipalmente ao olhar do adulto, mais especificamente da me, e suas implicaes nessa relao dual.

    Mahler, como Vygotsky, ressalta que o nascimento biolgico do ser humano e onascimento psicolgico no coincidem no tempo. A autora explica que o primeiro delimitado dentrode uma breve evoluo observvel, sendo que o segundo se caracteriza por um processo intrapsquicode lentas aquisies e manejos, que vo sendo construdos por influncias do meio socioculturaldurante todo o ciclo vital.

    O adulto, no pensamento de Mahler, como uma pessoa mais ou menos normal, possuifacilidades de compreenso das suas experincias interiores e das exteriores, o que o faz transitar comcerta desenvoltura entre essas duas polaridades. Todo aparato psicolgico do adulto fruto de longo emoroso processo de desdobramento. J a criana recm-nascida, totalmente voltada para o seu universointerior, sequer possui condies de sentir-se como uma individualidade, mesmo com a ruptura do

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    nascimento, que o marco inicial do longo processo de individuao que a criana dever trilhar paradesenvolver-se.

    A autora denomina o desenvolvimento como a busca de separao-individuao,comparando-o ao nascimento psicolgico do ser humano, ou seja, as primeiras noes que se iniciamdentro desse processo. Esse processo se caracteriza, segundo Mahler, da seguinte maneira:

    Referimo-nos ao nascimento psicolgico do indivduo como o processo deseparao-individuao: o estabelecimento do sentido de desligamento (ser destacado) domundo real e de relao com esse mundo, particularmente no que diz respeito sexperincias do prprio corpo do sujeito, e ao principal representante do mundo como acriana, o experimento, o objeto primrio de amor. (Mahler, 1993, p. 15)Como todo processo intrapsquico, esse ter desdobramentos pelo resto do ciclo vital. Com

    o advento da primeira sensao separada do eu, o beb adquire os mecanismos da prpriaindividualidade. Sheehy fala sobre o eu fundidor e o eu procurador. O primeiro relativo aoprocesso de simbiose, e o segundo, individuao. A partir da primeira sensao de individualidade,tais impulsos atuam como foras antagnicas, tal como um cabo de guerra, durante toda a vida.

    Isso significa que ora se deseja estar prximo a algum ou algo que acolha, ora se desejacompleta independncia. Enquanto para Sheehy a primeira experincia no-eu da criana se d somentea partir da idade em torno dos dois anos, para Mahler (1993) existe toda uma preparao que antecede aconcretude dessa primeira experincia. Isso se d atravs de toda a relao dual me-criana. So fatosdiferenciados e totalmente assincronizados que permitem assinalar que no existe lineariedade etampouco generalizaes quanto s condies e ao tempo, em que cada criana chega ao pontochamado separao-individuao.

    Ao mesmo tempo, Mahler refora a idia de Sheehy, quando afirma que o processo nuncatermina e que permanece sempre ativo, explicando que em evoluo vital do ser humano as novas fasesse constituem em derivativos dos processos mais antigos ainda em funcionamento.

    Sobre todo o processo de simbiose-individuao, Mahler considera fundamental acompreenso das fases que a antecedem e que receberam especial aprofundamento terico da autora, oque ser abordado na seqncia.

    Os antecedentes do processo separao-individuao

    Segundo Mahler, o estado em que o beb se encontra logo aps o nascimento precede a

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    simbiose, caracterizando-se por quase permanente sonolncia em detrimento dos seus momentos deviglia. Esse fato explicado como reminiscncias do primitivo estado de vida intra-uterina, cujasatisfao dos desejos alucinatrios lhe d uma sensao de auto-suficincia. um perodo de vidaquase exclusivamente biolgica, em que o beb sai do seu estado de dormncia somente quando a fomeou outras tenses de necessidade o fazem chorar. Quando satisfeito, e sobre como isso acontece, o bebno tem conscincia; volta novamente ao sono profundo. Nesse perodo os processos fisiolgicosdominam sobre os psicolgicos; por isso o entendimento desse momento deve ser em termosfisiolgicos. nessas primeiras semanas de vida que o beb se encontra na fase chamada por Mahlerde autismo normal.

    Da mesma forma, como nos perodos subseqentes de desenvolvimento da criana, arelao materna possui especial influncia. Ribble (citado por Mahler, 1993) ressalta que atravs docuidado materno o beb adquire condies de passar gradativamente de uma tendncia inata para umreforo ao estado vegetativo, o que seria retroceder no seu processo de desenvolvimento, da condiodormente e fisiolgica para lenta aquisio da conscincia sensria do meio ambiente, promovendocontatos e sensaes cada vez maiores, possibilitando ao beb, atravs da me, a criao de todo umcampo sensrio, que faz pequenos elos de ordem psicolgica, mesmo que sejam primrios.

    Mahler (1993) prope distinguir dois estgios dentro do chamado narcisismo primrio, queenvolvem o beb em suas sensaes internas:

    a) autismo normal: inicia-se durante as duas primeiras semanas de vida extra-uterina; nesse momento da vida que prevalece um estgio de narcisismo primrio absoluto, marcado pela faltade conscincia da me ou de qualquer outro agente externo;

    b) onipotncia alucinatria condicional: tem incio uma pequena parcela de conscincia deque a satisfao das necessidades primrias no provm do prprio eu, mas de algum lugar externo aoself.

    Na transposio do primeiro estgio para o segundo, so fundamentais os movimentos dobeb na busca de saciar o desejo da fome, durante o ato de amamentao que realiza com a me.Segundo Mahler, o recm-nascido normal nasce com um equipamento reflexo, que inclui os reflexossuctrio, de preenso, o plantar e de segurar. Apesar de todos reflexos, um movimento que no seencontra listado e que Freud concluiu como surpreendente o de virar a cabea em direo ao seio demaneira a atingir o prazer desejado. Isso explica e ilustra uma aquisio de movimento novo, motivadopela busca do prazer, que o impulsiona. Isso acaba permitindo a criao de novos movimentos para oexterior sempre que for necessariamente vital, pelo menos nesse perodo primitivo do desenvolvimento.

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    O fator que demonstra toda influncia materna nesse processo consiste na forma positiva ou negativaque se estabeleceu no primeiro contato cinestsico do beb com o mundo externo a qualidade darelao implica segurana e carga afetiva emanados da me.

    A fase autista normal tem como principal objetivo a aquisio do equilbrio homeosttico,atravs do organismo no meio extra-uterino, concebendo lentamente mecanismos predominantementesomatopsquicos.

    O recm-nascido traz consigo, para o mundo externo, o equipamento deautonomia primria (Hartmann, 1939). Na fase autista normal, esses aparatos deautonomia primria obedecem s regras da organizao cinestsica do sistema nervosocentral: a reao de qualquer estmulo que ultrapasse o limite da recepo nas semanasdo autismo normal global, difusa e sincrtica remanescente da vida fetal (Mahler,1993, p. 53).Existe um grau mnimo de diferenciao do interno para o externo nesse perodo de

    vivncias do beb. Embora essa fase seja caracterizada quase que por ausncia dos estmulos externos,no significa que no possa haver receptividade a esses estmulos.

    A relao primria entre me e criana prepara o campo das sensaes externas e o cuidadopara que sejam carregadas de carinho e segurana, para o fortalecimento das futuras aquisies. Areceptividade do recm-nascido ainda tem carter transitrio, o que torna possvel compreender as fasesseguintes desse processo.

    A fase simbiose normal

    Os cuidados maternos, j estudados anteriormente, continuam a ter, na fase de simbiosenormal, uma grande importncia nas seqncias do desenvolvimento psicolgico normal da criana.Nesse perodo, a relao me-criana no est reduzida a somente solicitaes de fome ou outrasnecessidades fisiolgicas. Assim como o beb ainda possui uma vaga sensao de ser um corpodiferenciado do mundo exterior, tambm as sensaes e contatos exercidos vo obtendo gradaesmaiores: contatos exteriores para reduzir a tenso do beb, desde urinar e defecar at tossir ou vomitar.Tais fenmenos expulsivos, em conjunto com a gratificao dos cuidados maternos, auxiliam o beb adiscriminar diferentes qualidades de experincias. So experincias do tipo boa/ prazerosa e m /desprazerosa (Mahler, 1993).

    Assim como antes, quando o beb, nas primeiras semanas de vida, vivia em estado de

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    sonolncia e completa onipotncia narcsica, agora, na fase simbiose normal, mais ou menos a partir dosegundo ms, o beb reage e comporta-se como se ele e a me fossem um nico sistema onipotente.Nesse momento da sua vida, principia a distinguir a me, mas ainda como se fosse parte integrante doseu ser, uma unidade dual dentro de uma fronteira comum (idem, p. 53).

    Por essa poca, a barreira contra estmulos semi-slida (negativa, por noter catexia) o escudo autista que mantinha fora os estmulos externos comea a seromper. Atravs do deslocamento de catexia em direo periferia sensrio-perceptiva,um escudo contra estmulos com catexia positiva, protetor, mas tambm receptivo eseletivo, comea a se formar e a envolver a rbita simbitica da unidade dual me-criana (idem, p. 54).Para investigar as relaes interpessoais entre professor e criana em atividades ldicas,

    verificou-se, atravs de pesquisas de autores como Santin (1995), Arfoilloux (1976), Lapierre (1987),Negrine (1994 A e B) e Maudire (1988), uma dicotomia na prxis pedaggica dos professores, que noatende s reais necessidades infantis. Essa realidade estendida a Mahler para os primrdios da relaome-criana, pois o professor tambm passou pela fase da infncia, momento que a me inicia osalicerces relacionais que vo constituir a personalidade.

    A me d significado diferente fase simbitica que compreendida pelo beb. Enquanto obeb completamente dependente da me, necessitando do seu amparo quase constantemente, a mepossui uma dependncia relativa na relao com o beb, que nesse momento deve ser considerado ograu de segurana e afetividade em que foi constituda. Se verifica, a partir dessa anlise, que nosomente o adulto deixa de reconhecer verdadeiramente o que se passa com a criana, mas tambm ame que, de acordo com as suas marcas positivas ou negativas do perodo infantil, poder reproduzir,inconscientemente, o ambiente em que se desenvolveu para a relao atual, me-criana.

    Mahler explica que a caracterstica essencial da simbiose a fuso somatopsquicaonipotente alucinatria, com a representao da me e em particular, para o beb, a iluso constante deuma fronteira comum para os dois. Esse o mecanismo que faz o ego regredir, no caso mais severo dedistrbios e desorganizao psictica, denominado psicose infantil simbitica.

    Na espcie humana, a funo de autopreservao e o equipamento necessriopara tal esto atrofiados. O ego rudimentar (ainda no-funcional) do recm-nascido e dobeb ainda pequeno tem que ser complementado pelo vnculo emocional do cuidadomaterno, uma espcie de simbiose social. dentro dessa matriz de dependnciapsicolgica e sociobiolgica da me que se d a diferenciao estrutural que vai levar

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    organizao do indivduo: o ego em funcionamento visando a sua adaptao (Mahler,1993, p. 54 e 55).Para que se consiga conduzir a criana para a estruturao do prprio self, a ateno aos

    contatos cinestsicos deve ser carregada de teor significativo e de afeto, um toque que possa transmitirsegurana, ao mesmo tempo que provoca estmulos sensoriais. Nesse ponto pode-se definir os contatoscorporais com uma dupla funo: a primeira de permitir a explorao sensria, provocando o iniciar desua receptividade, e a segunda, simultaneamente primeira, de transmitir segurana atravs do carinho.Essa dupla funo permite gradativamente construir as bases para a estrutura do self coeso.

    Winnicott (1982 A) refora o pensamento de Mahler, quando exemplifica e argumenta ovalor do contato corporal para o desenvolvimento do beb. Desde a capacidade de segurar (sentido desegurana na expresso de Winnicott) at a comunicao profunda estabelecida atravs do holding(expresso utilizada a partir do verbo to hold, sustentar, conter), que no caso especfico da me e dacriana pode ser feito atravs do contato fsico de segurar no colo. Para Winnicott (citado por MelloFilho, 1995, p. 33) a me segura, sustenta a criana algumas vezes fisicamente e todo o tempofigurativamente. nesse termo que o holding figura como profunda forma de comunicao humana,considerada pelo autor como a raiz de todas as comunicaes humanas.

    A partir desse iniciar dos contatos cinestsicos que o recm-nascido estrutura seu ego. Asseqncias das sensaes prazer-dor da fase simbitica vo sendo depositadas via exterior para aconstituio da imagem-corporal. Mahler (1993) explica que nesse momento as representaes docorpo contidas no ego rudimentar principiam a mediao entre as percepes internas e as externas. Aautora refora:

    Tal idia corresponde ao conceito freudiano (1923), segundo o qual o ego moldado sob o impacto da realidade, por um lado, e dos impulsos instintivos por outro. Oego corporal contm dois tipos de representaes do self: um ncleo interno da imagem docorpo, com limites que se voltam para dentro do corpo e dividem o ego, e uma camadamais externa de engramas sensrio-perceptivos, que contribui para a formao dos limitesdo self corporal. (Mahler, 1993, p. 56)Essa transio considerada pela autora um importante passo para o desenvolvimento, pois

    inicia com pequena, mas significativa mudana perceptiva da criana. O que antes era somenteperceptiva-interna, proprioceptiva, agora tende a promover a perceptiva externa, sensria a partir daperiferia.

    Outro fator o componente agressivo no-neutralizado, que impulsiona a energia do beb

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    para alm das fronteiras do eu-corporal. Nesse perodo no h diferenciao entre me e beb. Osinstintos do beb lhe permitem fazer uso da boca, dos seios, dos olhos, do cabelo e das mos da me,mas sempre compreendendo-os como uma extenso do seu prprio corpo, percepo que gradualmenteir se modificando.

    O autismo e a simbiose normais so considerados por Mahler (1993), como pr-requisitospara o estabelecimento normal do processo de separao-individuao. Nenhuma dessas fases pode sersubstituda pela que segue. O processo se funde e toma uma proporo conjunta, onde os reflexosconstitudos anteriormente continuam a agir, sobrepondo-se concomitantemente aos fenmenoscomportamentais tanto da criana, no perodo infantil, como mais adiante, na personalidade adulta.Percebe-se atravs do pensamento da autora, uma construo em que os alicerces primrios seconstituem, por um lado, em poderosos agentes salutares e positivos da constituio da personalidade,e, por outro, destruidores e vigorosos causadores dos desvios psicticos do self adulto.

    O processo separao-individuao

    Conforme Mahler (1993), por volta do quarto ao quinto ms de idade iniciam asmanifestaes que, atravs de fenmenos comportamentais, indicam que a criana familiarizou-se coma figura materna, o que indicado pela demonstrao do seu sorriso social pouco especfico. Oimportante que a partir desse momento inicia-se a separao, do processo separao-individuao. Aautora, ao mesmo tempo que apresenta o processo separao-individuao de forma didtica,determinando subfases distintas, ressalta que todo o processo acontece dialeticamente. Cada subfasesobrepe-se a outra, ao mesmo tempo agindo e preparando o terreno para a prxima, sem deixar decontinuar exercendo influncias. As subfases de Mahler so as que seguem:

    a) Diferenciao a fase de desabrochamento da criana, das percepes internas efisiolgicas para as sensaes vindas do exterior; o envolvimento que o corpo estava habituado a sentir,agora apresenta-se como vazio, por estar em contato com o ambiente e no mais revestido pelo corpomaterno; esses so alguns indicadores marcantes que reforam ao recm-nascido a sua condio demudana da vida intra-uterina para a vida extra-uterina.

    b) Treinamento Mahler (1993) assinala que o perodo da subfase do treinamento sesobrepe ao perodo da diferenciao. Esta subfase se caracteriza por possuir duas etapas distintas, masinterdependentes: a primeira introduzida pela habilidade infantil adquirida de afastar-se fisicamenteda me atravs dos prprios movimentos, sem contudo se desligar dela; a segunda etapa o momento

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    do treinamento em que a criana se locomove livremente e de forma direta, isto , sem maiordependncia da me. So os primeiros passos da criana em direo conscincia do desligamento e,conseqentemente, individuao: o primeiro inclui a figura materna a criana, ao aguar suapercepo ainda primitiva, percebe uma diferenciao corporal da me; o segundo o estabelecimentode um elo especfico com a me; o terceiro, determinante para estruturao do ego da criana, seconstitui no crescimento e funcionamento dos aparatos autnomos do ego numa proximidade grandecom a me. As trs formas de desenvolvimento que capacitam o iniciar da subfase do treinamento, amaturao das funes locomotoras e outras, demonstram constituir-se componente salutar no processode individuao. Esse fato, em especial para as crianas que apresentavam uma relao simbiticaintensa, desconfortvel. A explorao do meio e da me, atravs do desenvolvimento das primeirashabilidades motrizes parece ser, para Mahler, um componente essencial para as novas descobertasexploratrias. Esse fator no se d unicamente no plano motriz, mas principalmente para a estruturaoda psique infantil que, atravs das novas formas de inter-relao, possibilitam estabelecer familiaridadecom segmento maior do mundo e de perceber e reconhecer a me por uma distncia maior.

    c) Reaproximao A fase da reaproximao se caracteriza pela volta do beb seguranamaterna. O crescente desenvolvimento das habilidades motrizes, principalmente relativas a locomoo,possibilita criana um grau de conscincia, tanto interno como externo, cada vez mais acentuado.Piaget (1975) considera o nascimento da inteligncia a partir das primeiras aquisies motrizes; ao semovimentar, a criana d incio ao pensamento abstrato e na seqncia desenvolve as bases dasprimeiras comunicaes verbais, lado a lado com o crescimento das faculdades cognitivas e adiferenciao crescente da vida emocional. Mahler (1993) acentua que tambm ocorre um decrscimoda impermeabilidade anterior s frustraes, assim como renova e acentua a lembrana da me, deixadaum pouco de lado na subfase anterior.

    A aproximao corporal do tipo reabastecimento que caracterizou o beb em treinamento substituda por uma busca mais deliberada. O contato ntimo no procurado, mas acentuam-se ascomunicaes verbais, por meio de objetos, comunicao simblica e principalmente o jogo. Essaforma de comunicao a abertura para uma interao mais profunda me-criana. O contrriotambm perigoso: a me que nega o jogo comunicativo ou no o compreende compromete aabrangncia e a evoluo da criana. Nessa subfase a criana possui autonomia fragilizada, recm-adquirida e um padro comportamental dividido. Ao mesmo tempo que joga de perseguir a me,tambm foge dela, com a expectativa de ser perseguida e tomada nos braos. Isso sinalizador dodesejo de se reunir com seu objeto de amor e, simultaneamente, medo de ser reincorporado por ele.

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    Mahler observa tambm um rechao s invases de sua intimidade, mas dividido pelo seu medo daperda do seu amor e continuidade das relaes, que refletem em conflito que se internaliza. Essesconflitos internos so responsveis pelas constantes negativas como resposta, ou o iniciar de crescenteagressividade. A autonomia nesse momento defendida pelo no; o que pode assegurar sua tenraprivacidade.

    O ajustamento da me poder reagir s exigncias desse perodo, tanto com umadisponibilidade emocional contnua, com participao alegre ou com atitudes menos desejveis.

    Se verificamos que o comportamento maternal a base influenciadora dos comportamentosinfantis, no sentido de adquirir estrutura psquica prpria, ento a disponibilidade contnua estabelecidapela me fundamental para o funcionamento ideal do ego infantil, bem como a gradual cedncia dasua onipotncia mgica. Se a me tranqilamente disponvel, se acompanha alegremente ecompartilha as novas proezas da criana e as retribui, reforando esses comportamentos, a evoluo dacriana se dar de forma seqenciada e sem maiores tropeos. A internalizao do relacionamento me-criana comea a frutificar bases slidas para futuras relaes que a criana far com o meio. Apesar dej haver comunicao verbal da me para o filho e vice-versa, a leitura corporal e os gestos motoresconvividos compem a base de toda a comunicao. A criana tem percepo mais aguada do que osentido e o significado de algumas palavras; a leitura gestual da criana se confirma como a baseautntica da relao me-criana.

    A me dever ser capaz de entender a ao maternal, perceber comportamentos ajustadoscom a demanda da criana. Tanto a disposio emocional para soltar o filho como seu comportamentode transferir-lhe bases para aquisio de segurana e autonomia so conhecimentos que s podem sermelhorados segundo uma auto-reflexo, que vem ao encontro de uma constante melhora das relaesme-criana. Primria das futuras relaes com o mundo dos objetos dos adultos e dos iguais.

    d) Consolidao da individuao O desdobramento do processo separao-individuaodesta subfase tem dupla tarefa a cumprir: a primeira objetiva atingir uma individualidade definida, comcaractersticas permanentes, ou seja, para toda vida; a segunda, com forte nfase na figura materna,pretende que haja um certo grau de constncia afetivo-emocional nas relaes interpessoais. Merecedestaque o incio da formao do superego, devido s exigncias comportamentais no mbito familiar,que gradualmente vo sendo internalizadas no self do beb.

    Para Mahler (1993), a constncia objetal afetiva implica algo mais que manuteno darepresentao do objeto de amor ausente. Implica tambm unificao do objeto bom e mau numanica representao total. Essa dupla influncia promove a fuso das pulses agressiva e libidinal,

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    moderando o dio em relao ao objeto quando a agressividade intensa. Ao adquirir o estado deconstncia objetal afetiva, mesmo a sensao de ausncia do objeto de amor lhe causa somente umatnue insatisfao que no ser rejeitado ou trocado por outro, permanecendo ainda como desejado.

    O lento estabelecimento da constncia do objeto emocional um processo complexo emultideterminado, porque envolve todos os aspectos do desenvolvimento psquico. Para que essequadro realmente se desenvolva, importantes a presena de dois aspectos: o primeiro a confiana esegurana; o segundo o surgimento da aquisio cognitiva da representao simblica interna doobjeto permanente.

    Quando a constncia objetal est bem desenvolvida, a criana poder substituir a me,quando se encontrar ausente, pelo menos em parte, por imagem mental interna. Essa imagem internaconsegue permanecer relativamente estvel para a criana, quando essa possui uma internalizaodesenvolvida por uma me suficientemente boa; assim, essa imagem permanece mesmo quando acriana passa por momentos de desconforto e desprazer. Com base nessa aquisio, a ausnciatemporria pode ser entendida e melhor tolerada.

    Mahler explica que a subfase do processo separao-individuao se distingue das trsprimeiras tambm por manter em aberto seu final. As subfases anteriores continuam influenciando odesdobramento do processo na criana. Nessa etapa, os comportamentos da criana com relao mediferem, por exemplo, da subfase de reaproximao, pois agora, de acordo com as experinciasanteriores, poder apresentar mais ou menos dificuldades em relao ao abandono e uma capacidade debrincar em separado da me. Isso indica que a criana consegue se sustentar na imagem materna (a meboa) durante a sua ausncia.

    Esse comportamento da criana considerado sinal do incio da aquisio da constncia doobjeto emocional, diferente do que pode ocorrer em casos onde a relao dual instaurada anteriormenteno foi internalizada como a me boa, situao que desencadeia outros tipos de comportamentos.Mahler comenta que, quando ocorre uma relao em que a me demonstra disponibilidade emocionalideal durante as subfases anteriores, a criana se mostra mais tranqila em termos de constncia doobjeto. Isso quer dizer que na ausncia da me a criana capaz de se envolver em alguma atividade,mesmo quando se percebe sozinha. De incio deseja uma reaproximao, mas isso passageiro, e acriana se volta com mais interesse para a atividade.

    Ao contrrio do que ocorre em uma relao dual de disponibilidade emocional ideal,quando a criana apresenta uma imagem interna conflituada e ambgua da me, como se desejassemanter distncia da prpria me, a separao sofrida, a criana se torna abatida, triste, no

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    conseguindo brincar. Tambm pode apresentar comportamentos agressivos ou de grande sofrimento,no conseguindo suportar a ausncia materna.

    Mahler ressalta que relacionamentos que apresentam uma grande dose de ambivalnciarefletem no sentimento de ausncia, podendo apresentar simultaneamente polaridades opostas, comoraiva e saudade.

    A criana que possui uma constncia objetal emocional consegue utilizar o jogo e oenvolvimento com pessoas conhecidas para aliviar a sua preocupao; quando a me retorna, a crianaa recebe com alegria genuna, procurando compartilhar suas realizaes. J nos casos decomportamento ambivalente, a forma de recepo pode ser aptica, sem interesse, com demonstraesde desgosto. Todos esses referenciais de comportamento que acontecem nesse perodo so frutos dorelacionamento que o beb mantm com a me.

    A aquisio da individualidade se deve relao de amor com a me. O que antes eracomunicado atravs da gestualidade e da percepo do ambiente, agora ganha um componenteadicional a linguagem verbal que juntamente com a gestualidade e a afetomotilidade surge comonova forma de interao. Essa dimenso comunicativa possibilita a expanso dos domnios na busca daautonomia.

    A partir dos estudos das subfases do processo separao-individuao, entendemos asevolues e mudanas no comportamento da criana. So as caractersticas do desdobramento dasfunes cognitivas complexas, como comunicao verbal, fantasia e teste de realidade. O caminho paraa formao da identidade est preparado no momento que a criana comea a perceber o mundoexterior, separado de si, atravs do estabelecimento das representaes mentais do self. A qualidade doinvestimento libidinal fornecido pela me nas subfases anteriores provoca permanente influncia,atuando vivamente para a manuteno do equilbrio emocional da criana durante as ausnciastemporrias do objeto (me).

    O estudo da obra psicanaltica de Margaret Mahler amplia a compreenso sobre a formaodo self desde as relaes primrias, perodo que acontece com o nascimento, relevando ateno aodesenvolvimento do beb com as suas especificidades relativas ao ambiente e relaes afetivas que asinfluencia e provoca seu crescimento, criando as bases do nascimento psicolgico. Essa reflexopermite entender como a pr-histria da criana, a bagagem existencial antes de ingressar na escola rica de elementos que tanto podem servir para a evoluo como para a limitao e traumas, que seconstituem em bloqueios nas futuras relaes. Os professores no podem negar a pr-histria infantil,sob o risco de agravar ou cometer reforadores negativos.

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    Para o presente estudo, que trata das relaes professor-criana em atividades ldicas e doautoconhecimento do adulto atravs de prticas corporais, ficam evidenciadas as relaes profundas doadulto e sua infncia.

    O conhecimento e o domnio das experincias infantis pessoais possibilitam relao sinceracom as crianas, que so poucas com plena constncia objetal emocional, privilegiadas por uma relaoemocional ideal com a boa me, situao que refora a necessidade de, tambm no mbito educacional,ter conhecimentos da rea psicanaltica.

    Leontiev (1991) confirma que dentre todas as pessoas que possuem forte influnciarelacional com a criana est o professor; assim o ambiente escolar e, em maior profundidade, oambiente ldico-educativo, que evidencia relaes pessoais pela via corporal, so grandes responsveisdesde a aquisio, mudana ou reforo de comportamentos psquicos e valores socioculturais.

    A forma positiva como a criana percebe e acolhida pelo ambiente educativo privilegia osvalores de confiana e estabilidade emocional. O educador lhe serve como continente e d suporte paranovas conquistas e aquisies que so respectivas sua imagem e conscincia corporal, requisitofundamental para as futuras relaes e aprendizados de ordem cognitiva, habilidades motrizes ourelacionais.

    No somente a me responsvel pelo desenvolvimento global da criana, mas tambm apr-histria da criana tm a o seu incio. Em toda relao educativa com a criana, devem serconsiderados em sua atitude corporal o passado, as vivncias positivas e negativas, o gesto com relaoao presente, bem como o investimento simblico e imaginrio com relao ao futuro, seus desejos eanseios. Essas consideraes possibilitam afirmar que a formao dos educadores est muito maisalicerada em uma competncia relacional do que o simples transmitir de contedos.

    Teorias psicanalticas do desenvolvimento da personalidade

    As teorias psicanalticas do desenvolvimento da personalidade se incluem nesse estudo paraauxiliar a compreender as reflexes sobre o desenvolvimento humano. O adulto da atualidade foi, emseu devido momento, uma criana que passou pela construo de identidade, com frustraes, medos,ansiedades, assim como vitrias e reforadores positivos, fica fcil entender que as vivncias eexperincias da infncia so registros que permanecem em estado de latncia, ou seja, no substratoinconsciente.

    O professor que atualmente estabelece relaes interpessoais com as crianas teve em sua

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    infncia a qual na maioria das vezes desconhece ou no recorda experincias positivas e negativas,que foram influenciadas pelo ambiente relacional.

    Considerando que o comportamento do ser humano, de acordo com a construo da suapersonalidade, o mesmo que cclica e inconscientemente repassa pela ao transferencial nas relaescom as crianas, principalmente em atividades ldicas, por implicao corporal, o estudo sobre asteorias do desenvolvimento da personalidade ajudam a elucidar as influncias que continuam latentes ese manifestam nas relaes interpessoais.

    Nesse momento do estudo, vamos busca-se apoio nas teorias de Freud e Erikson,psicanalistas que tratam paradigmas distintos relacionados ao tema, o que no impedimento parautilizar tambm outros autores que auxiliam na compreenso, argumentao e desenvolvimento destatemtica.

    A teoria de Freud

    Freud construiu historicamente a formao cientfica da psicanlise, que no decorrer da suaevoluo foi a responsvel por vertentes heterogneas, originadas da forma divergente de pensar deoutros psiclogos e psiquiatras, mas tendo sempre como foco centralizador as idias do criador.

    As descobertas nucleares de Freud foram basicamente quatro: (1) a presena do poderirracional das foras que motivam o homem; (2) a natureza inconsciente dessas foras; (3) sua funopatognica (sob certas circunstncias); e (4) a influncia curativa e libertadora de tornar consciente oinconsciente. Durante o desdobramento de todas essas descobertas sempre evidenciou o materialismofisiolgico, pertinente forma de pensar do autor, que desejava, segundo Fromm (1990), buscar osubstrato da energia psquica (libido) do ser humano na sua individualidade.

    Durante a reviso das principais descobertas de Freud, Fromm aproximou-as para o sentidosocial e humanstico, explicando que o ser humano no uma mquina regulada por um mecanismo detenso-distenso deflagrado quimicamente, mas uma totalidade e tem a necessidade de relacionar-secom o exterior. Essa forma de pensar desvincula o sentido linear, psicofisiologicamente individualizadoda teoria freudiana, ampliando-a para o mbito das relaes socioculturais.

    Segundo Fromm, as principais descobertas de Freud que merecem uma reviso por estaremde acordo com o perodo histrico do apogeu do racionalismo, poca em que Freud deu incio as suasinvestigaes so:

    a) o ser humano amplamente determinado pelos impulsos, essencialmente irracionais, que

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    conflituam com sua razo, padres morais e padres sociais;b) a maioria destes impulsos no so conscientes; explica as aes como sendo resultado de

    estmulos racionais, enquanto o homem atua, sente e pensa de acordo com as foras inconscientes quemotivam o seu comportamento;

    c) a tentativa de tornar o inconsciente consciente e de oper-los atravs do prprioconhecimento encontra uma defesa energtica, a resistncia, que pode tomar as mais variadas formasde comportamento;

    d) o desenvolvimento do ser humano, respectivo ao seu equipamento constitucional, amplamente determinado pelas circunstncias que operam na sua infncia;

    e) as motivaes inconscientes do ser humano podem ser reconhecidas pela inferncia(interpretao) dos seus sonhos, sintomas e pequenos atos involuntrios;

    f) se os conflitos entre as opinies conscientes do ser humano sobre o mundo e sobre simesmo e as foras de motivao inconsciente transcendem um certo limiar de intensidade, podemproduzir um distrbio mental, como neuroses, traos de carter neurtico ou estados gerais de apatiadifusa, ansiedade, depresso etc.;

    g) se as foras inconscientes se tornam conscientes, esta mudana tem um efeito maisespecfico: o sintoma tende a desaparecer, ocorre um aumento de energia, a pessoa vive com maiorliberdade e energia.

    As descobertas de Freud, se por um lado esto unicamente voltadas para busca da pulsofisiolgica da libido do indivduo, por outro, abriram um cabedal de conhecimentos e fontes para outrasinvestigaes acerca do substrato inconsciente que, segundo Fromm, no estariam confinados ao serhumano na sua individualidade, mas ao meio sociocultural onde se desenvolve e promove relaes.

    Para Fromm, a leitura de Freud no pode ser feita a partir da reflexo nica das palavrasque utilizou para suas teorias; todos seus pensamentos devem ser refletidos e reajustados para aatualidade. Assim, na atualidade, a leitura que Freud faz do inconsciente a abertura para a liberdadede expresso e pensamento como indispensveis para a autonomia e liberdade do ser humano que ao seconhecer ou no transcorrer do processo de autoconhecimento estar se descobrindo como um ser livre,vivendo com maior disposio e conhecimento dos seus desejos e as respectivas possibilidades derealizao.

    Na reviso da obra de Freud, Fromm deu especial ateno s trs estruturas depersonalidade bsicas que so o id, o ego e o superego. Para Freud, o comportamento do ser humano energizado por impulsos instintivos fundamentais, fatores motivacionais bsicos; os impulsos sexuais

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    (libido), de preservao da vida; e os impulsos agressivos, sendo que os impulsos sexuais foramconsiderados os mais importantes nesse desenvolvimento. Freud estabelece relao entre a gratificaodos instintos bsicos com a forma de comportamento da criana para obt-los. O desejo fisiolgico omobilizador das pulses infantis e ir se traduzir em ao comportamental de acordo com a estruturaem desenvolvimento. Cabe ressaltar nesse momento que as estruturas em questo possuem certalineariedade na evoluo do comportamento infantil.

    A estrutura do id, a primeira e mais primitiva, entendida como reservatrio de energiapura sem inibio. O beb busca a gratificao de suas necessidades de maneira objetiva e direta. Oego, enquanto seqncia, a parte da personalidade que planeja, organiza com respaldo emexperincias anteriores e consegue elaborar o pensamento. A criana agora capaz de usar estratgiasbaseadas na realidade para a obteno dos seus desejos. O superego estrutura semelhante conscincia. Nesse momento a moralidade da famlia e da sociedade so internalizadas. Esta etapa fazdecidir, de acordo com uma ordem binria, reconhecendo de um lado os conceitos do que certo erecomendado e, por outro lado, o que errado e destitudo dos bons costumes, segundo os conceitosinternalizados do meio.

    Fromm d teoria freudiana um sentido mais humanstico, contrariamente ao sentidomaterialista de Freud.

    Em casos de plenas condies, as necessidades de trans-sobrevivncia dohomem no nasceram fora do desprazer e da escassez, mas fora da riqueza de suaspotencialidades, que lutam apaixonadamente para se extravasarem nos objetos aos quaiscorrespondem: o homem quer amar porque tem um corao; quer pensar porque tem umcrebro; quer tocar porque tem pele. O homem tem necessidade do mundo porque sem eleno pode ser um ser (Fromm, 1990, p. 48).O ego como sujeito do ter e do usar do pensamento freudiano a dimenso de um self

    voltado para a concepo do ser. O pensamento anterior, relativo s instncias egicas dapersonalidade, esto vinculadas de forma ativa com o ato de conservar e alimentar o corpo, apropriedade, o status, ou a imagem. Em contrapartida, o self est mais voltado para os aspectosrelacionais e socioculturais, respectivos ao ser humano e sua capacidade de influenciar ou serinfluenciado pelo ambiente onde vive.

    A abordagem freudiana sobre o desenvolvimento da personalidade humana enfatiza aindauma seqncia de estgios, que so denominados psicossexuais. importante ressaltar tambm que osmesmos se enquadram num paradigma de ordem desenvolvimentista maturacional, pois estabelecem

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    uma lineariedade cronolgica padro para cada estgio.O primeiro estgio, do nascimento at o primeiro ano de vida, o oral. Caracteriza-se pela

    grande sensibilidade do beb na regio oral. As sensaes que emanam dessa regio so responsveispelo prazer nesse perodo. Sua primeira ligao afetiva com o que lhe proporciona prazer na boca,geralmente a me.

    O segundo estgio o anal, que acontece no perodo entre o primeiro ano de vida at os trsanos de idade. Com o crescimento do tronco, o beb passa a despertar para novas sensaes, agoradescentralizadas da zona oral e mais voltadas para a regio anal. No estgio anterior, o beb nempercebia o seu movimento de excreo; agora h um autocontrole dos esfncteres. Esses movimentos decontrao e descontrao so os responsveis pela descoberta de novas sensaes, sendo que agora obeb pode contrair e descontrair voluntariamente, movimentos que, juntamente com a sada em blocodas fezes, lhe garantem o prazer desse estgio.

    Bastante semelhante subfase de treinamento de Mahler, este segundo estgio de Freudsolicita tambm a presena materna, no sentido de dar segurana, estando disponvel nessasdescobertas, que para o beb so sensaes novas. Sobre esse tema Winnicott escreve o seguinte:

    Mais adiante, as suas relaes com a criana, nessas condies, tornar-se-omais significativas; por vezes, um beb ficar assustado pelo movimento de evacuao quese avizinha, outras vezes sentir ser algo de valor. Em virtude do que voc faz basear-se nosimples fato de seu amor, em breve voc estar capacitada a distinguir entre os momentosem que est ajudando o beb a livrar-se de coisas ms e os movimentos em que est sendorecompensada. (Winnicott, 1982 A, p. 46)O pensamento de Winnicott (1982 A) ilustra a profunda e constante comunicao existente

    entre me e criana nesse momento do desenvolvimento. A comunicao entre adulto e criana,principalmente nos perodos mais precoces da construo da personalidade, ou seja, nos momentos emque estabelece seus primeiros contatos com o mundo externo, so sempre de grande relevncia parafuturas relaes. A autonomia delegada com segurana, o erro cometido dentro de um ambiente que opromova para futuras correes, o reforo e a disponibilidade da presena das pessoas de forte ligaoafetiva so indicativos para a criana construir uma personalidade estruturada. As bases positivasconquistadas nos primeiros relacionamentos so as aquisies consistentes que permaneceminternalizadas na personalidade infantil, base das futuras relaes, principalmente no perodo daadultez.

    O terceiro estgio psicossexual o flico, que acontece no perodo dos trs aos cinco anos

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    de idade. Esse estgio marca a passagem das sensaes de prazer da zona anal para a genital. A crianaobtm sensaes de prazer com a estimulao da rea genital. Freud explica que o componenteimportante na investigao desse estgio consiste no conflito edipiano de filho para me.

    O pai, figura simblica de poder (a famlia patriarcal do pensamento freudiano), relacionado ao filho como um rival, que agora possui conscincia da disputa pelo amor da me. O paidetm o poder de castrar, de castigar, e nesse sentido que a criana principia o prprio controle daansiedade gerada pela situao. A ansiedade de desejar a me e ao mesmo tempo ter medo do pai gerao processo de identificao, no qual o filho busca se identificar com o pai para tambm possuir opoder. Na poca em que Freud estabeleceu suas teorias, a sociedade era eminentemente patriarcal;portanto a menina teria menos ansiedade do que o menino, pois no estaria em confronto direto com opai na disputa pela me.

    Nas questes pertinentes s relaes interpessoais, a profundidade e a limitao em umanica forma de pensar leva a um reducionismo da totalidade que compe o ser humano. Por essemotivo, ao mesmo tempo que se consideram relevantes os ensinamentos freudianos, tambm no sepode deixar de adicionar componentes diferentes a essa temtica. Por isso, na seqncia ser estudada ateoria de desenvolvimento da personalidade de Erikson (1976), a qual ir auxiliar a ampliar acompreenso segundo um outro paradigma.

    A teoria de Erikson

    A abordagem terica de Erikson (1976) sobre o desenvolvimento da personalidade humana,como a de Freud tambm utiliza estgios, sendo que esses se caracterizam por uma nfase psicossocial.Cada um dos oito estgios definido pelas capacidades fsicas e intelectuais da criana, analisadasconcomitantemente s respectivas demandas socioculturais.

    Erikson, como Winnicott e Mahler, centraliza seu interesse nas relaes interpessoaisprimrias, alm de no ambiente e nos objetos do perodo ps-nascimento. O autor explica ocrescimento e evoluo da criana atravs das relaes com o meio, a partir do desejo de saciedade dasnecessidades instintivas. Essa busca auxilia gradualmente a criana a compensar o desconforto causadopela imaturidade da homeostase com que nasceu. O gradativo aumento das suas horas de vigliacapacita a criana a perceber e apurar a sensibilidade com o meio onde vive. Nesse sentido, osprovedores externos so os principais agentes da internalizao positiva de que o ambiente lhe merecedor de sua confiana. A criana pode autoproporcionar-se a continuidade de experincias

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    exploratrias, que ao mesmo tempo, intrapsiquicamente, estimulam as sensaes de familiaridade,coincidncia, bondade interior. Esse sentimento a impele frente, indicando que pode confiar em simesma e na capacidade de seus rgos para enfrentar os desejos urgentes.

    Erikson, no primeiro estgio, que denomina confiana bsica versus desconfiana bsica,busca explicar que a internalizao da confiana bsica permite criana obter uma primitivaprevisibilidade do mundo que a cerca, podendo iniciar uma autoconfiana na habilidade de afetar emodificar os acontecimentos de que participa.

    Bee (1986) explica que as crianas cujo comportamento expressa um firme sentido deconfiana so aquelas que atravs das relaes parentais foram nutridas com amor, sinceridade,coerncia nas atitudes e que, principalmente, souberam responder previsvel e prontamente criana.Em contrapartida, a situao contrria responsvel por prejuzos na psique infantil, que perduraminclusive na idade adulta. Erikson (1976) refora:

    Em psicopatologia, a ausncia da confiana bsica pode ser melhor estudadana esquizofrenia infantil, enquanto a permanente fraqueza subjacente dessa confiana evidente nas personalidades adultas em que habitual um retraimento dentro dos estadosesquizides e depressivos. Foi demonstrado que em tais casos o restabelecimento de umestado de confiana o requisito bsico para a terapia, porque, quaisquer que tenhamsido as circunstncias determinantes de um colapso psictico, a excentricidade e o grau deretraimento de muitos pacientes ocultam uma tentativa de recuperar a mutualidade,testando as linhas fronteirias entre os sentidos e a realidade fsica, entre as palavras e ossignificados sociais. (Erikson, 1976, p. 228)A qualidade das relaes estabelecidas com o meio familiar, principalmente as aes

    maternas, determinam o sucesso das aes instintivas biolgicas naturais da criana, levando-a a umprocesso saudvel nas situaes alimentares e de afetividade. O tratamento investido pela me nacriana traz consigo o estilo de vida e cultura, fidedignas com a qualidade pessoal na qual a me foiconstituda. Isso explica a caracterstica cclica do processo em que s pode ser continente seguro parao desenvolvimento do outro quem a obteve atravs das prprias relaes em seu desenvolvimento. Acriana que desenvolve o sentido de confiana ir para outros relacionamentos humanos levando essesentido consigo, influenciando sua postura e criando bases necessrias para um sentimento deidentidade, que mais tarde combinar um sentimento de ser benquista e querida, aceita socialmente.

    Sheehy (1990), em seus estudos psicolgicos sobre a vida adulta, tambm os correlacionoucom o perodo da infncia, dando especial ateno ao perodo que Erikson denomina confiana bsica

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    versus desconfiana bsica, que so determinantes para as argumentaes tericas da sua investigao.Esta confiana torna-se o amortecedor que permite um novo tipo de

    intercmbio, no qual tanto o eu como o outro so reconhecidos; os psiclogos chamamisso de mutualidade. Um dos primeiros exemplos de mutualidade pode ser visto quando umbeb sorri. A me retribui o sorriso, ao que a criana a recompensa com uma respostamais entusistica. A essncia da mutualidade est no fato de cada uma das pessoasnecessitar de reconhecimento do outro, a fim de completar a transao (Sheehy, 1976, p.50).Essa relao compreende uma das primeiras trocas ntimas da criana que vo contribuir

    marcadamente sobre o desenvolvimento da sua personalidade e a forma de compreenso do mundo quea cerca. A capacidade de confiana bsica internalizada da criana promove relaes satisfatrias como mundo exterior, ao externar o seu sentimento de confiana e principalmente de estrutura psquica,que a auxilia a suportar e mesmo superar as exigncias promovidas por situaes frustrantes, normaisno processo de desenvolvimento humano.

    Erikson, ao iniciar o estgio seguinte, de autonomia versus vergonha e dvida, consideraque as capacidades de movimento e aquisio de habilidades motrizes bsicas so as principaismudanas indicadoras de novas relaes com o mundo exterior. Bee (1986) ressalta:

    Agora ela (a criana) pode andar por si prpria, e isso forma a base dosentido de independncia ou autonomia. Mas se os esforos de independncia da crianano forem guiados cuidadosamente pelos pais e ela experimentar repetidos fracassos ouridculo, o resultado de todas essas novas oportunidades de mobilidade e explorao podeser a vergonha e dvida, ao invs de um sentido bsico de autocontrole e valor prprio.(Bee, 1986, p. 265)A partir das palavras da autora entendemos que o princpio do controle externo exercido

    pela criana nessa etapa deve ser firmemente tranqilizador, possibilitando as experincias sempreencobertas por um sentimento de segurana e reforo positivo. As figuras parentais so os principaisreforadores para a busca e o desejo de iniciar relaes com o exterior. A disponibilidade de atuaodos pais frente s situaes percebida inconscientemente pela criana, refletindo-se na segurana dasatuaes e principalmente no sucesso das investidas. Segundo Erikson, a disponibilidade do adulto coma criana influenciar na formao de um adulto capaz e seguro ou inseguro e duvidoso.

    Erikson ensina que a dvida, palavra que ressalta na denominao desse estgio, como sefosse irm da vergonha. Enquanto a vergonha dependente de ser honesto e desprotegido, a dvida tem

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    muito a ver com o desconhecido ou o que no podemos perceber facilmente. Assinala que a parteposterior do corpo e principalmente as ndegas so fragilizadas por no serem visveis pela prpriapessoa: esta rea traseira do corpo com seu foco agressivo e libidinal nos esfncteres e nas ndegas,no pode ser vista pela criana, mas pode ser dominada pelos outros (p. 233). como um componenteobscuro de dvidas criadas pela fantasia de que esta parte do corpo pode ser dominada e invadida poroutros de m ndole ou desconhecidos. Tais sentimentos criam um substrato de formas ulteriores e maisverbais de dvida compulsiva; futuramente, na expresso adulta, sero convertidos em temoresparanicos de perseguidores ocultos e secretos que ameaam por trs.

    Essa etapa, da autonomia versus vergonha e dvida, portanto, passa a ser decisiva para aproporo amor, dio, cooperao e voluntariedade, bem como a liberdade de auto-expresso. SegundoErikson, o sentimento de autocontrole sem perda da auto-estima pode resultar no sentimento constanteda boa vontade e do orgulho, sendo que, ao contrrio, o sentimento de perda do autocontrole e desupercontrole exterior resulta na propenso duradoura para a vergonha e a dvida. Fica evidenciadotambm, no pensamento de Erikson, a presena forte e de poder influenciador das figuras parentais, quese apresentam como decisivas para a formao da personalidade da criana.

    O estgio seguinte, enquanto seqncia, concomitantemente, influencia e influenciadodialeticamente pelos estgios anteriores; denominado iniciativa versus culpa por Erikson.

    Explica Erikson que a palavra iniciativa constituda pela qualidade dos mpetos vigorososque desabrocham com o crescimento da criana. Cada crise por que passa a criana, no sentido daprpria compreenso de unidade, pessoa e corpo, desencadeiam sentimentos de ternura,desimpedimento, raciocnio mais apurado, estimulado e estimulante nas relaes com o meio. Reforaesse raciocnio:

    Est em plena posse de um excedente de energia que lhe permite esquecerrapidamente os fracassos e se avizinhar do que parece desejvel (ainda que tambmparea incerto e at perigoso) com um endereo invarivel e mais preciso. A iniciativasoma autonomia a capacidade de empreender, de planejar e de atacar uma tarefa pelogosto de ser ativo e de estar em movimento, enquanto anteriormente a obstinao muitofreqentemente inspirava atos de rebeldia ou pelo menos de independncia declarada(Erikson, 1976, p. 235).Essa tendncia de a criana ser ativa correspondente palavra iniciativa sugere, com

    relao ao gnero, diferentes atitudes comportamentais que expressam as formas e as modalidadessociais bsicas do desejo de conquistar, fazer parte, estar junto ou, como Erikson escreve, estar no

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    jogo. Para os meninos, a nfase permanece nos modos flicos-intrusivos pela fora e demonstraes dehabilidades adquiridas. Por outro lado, a menina passa a exercer conquista a partir de formas agressivasde arrebatar ou mais moderada, de se fazer atrativa ou cativante.

    Erikson explica que o perigo dessa etapa est relacionado com o sentimento de culpa,relacionado aos prprios desejos e mpetos de realizao dos objetivos visados, que agora a crianapode realizar graas ao desenvolvimento locomotor e mental. Agora a criana possui capacidades quemovem seus desejos de duas formas: a autonomia se concentra em manter a distncia os rivaispotenciais e, portanto, pode conduzir a uma raiva cheia de inveja (que o autor ilustra como dirigidageralmente aos irmos mais moos e a suas intromisses); j a iniciativa move essa rivalidade nosentido de estabelecer ou restabelecer o espao social conquistado ou desejado. Essa competio peloamor materno chega agora ao pice; o fracasso nessa situao leva a criana a sentimentos deresignao, culpabilidade e ansiedade.

    A criana se entrega a fantasias de ser um gigante e um tigre, mas em seussonhos foge apavorada para salvar a prpria vida. Esta , ento, a etapa do complexo decastrao, o temor intensificado de perceber os genitais, agora fortemente erotizados,danificados como castigo pelas fantasias associadas com a sua excitao (Erikson, 1976,p. 236).Ficam claras as idias do autor com relao a uma forte ambigidade que assalta a criana

    nesse etapa, ficando de um lado toda a sua energia que mobilizada pela iniciativa, o poder que agorapossui para as realizaes dos desejos pessoais; j por outro lado se instala a culpa, mobilizada pelotabu do incesto, o complexo de castrao e o superego, que nesse momento se unem para causar umacrise especificamente humana durante a qual a criana deve renunciar a uma ligao exclusiva, pr-genital com seus pais para se iniciar em seu crescimento pessoal.

    O estudo que Erikson realiza, atravs das descries didticas dessas etapas, inclui sempreuma projeo das influncias adquiridas na infncia para a adultez. Esse fator importante, pois ficaevidenciado, que o adulto atual passou por essas respectivas etapas e traz consigo toda essa bagagemexistencial, que continua, mesmo no substrato inconsciente, influenciando seus comportamentos, muitodos quais repete incondicionalmente nas mesmas situaes. Isso faz com que haja uma ciclicidadeirrefletida no comportamento do adulto, que repete situaes passadas, mesmo frustrantes, novamentecom as crianas. Essas relaes se ocorrem no ambiente familiar e no mbito escolar, onde o adultoest na posio de professor.

    Segundo Erikson, na fase adulta o conflito se expressa por abstinncia histrica, que induz

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    represso do desejo, inibio ou impotncia. So adultos com caractersticas que vo desde umasimples dificuldade de expresso at as enfermidades de ordem psicossomtica.

    Considerando os perigosos potenciais da longa infncia do homem, convmrever o plano das etapas e as possibilidades de orientar os jovens, enquanto o so. E entose percebe que de acordo com a sabedoria do plano bsico a criana em nenhum tempoest mais disposta a aprender rpida e avidamente, a se tornar maior no sentido decompartilhar da obrigao e da execuo, que durante esse perodo de seudesenvolvimento (Erikson, 1976, p. 237).A criana est vida por realizar atividades em cooperao, para juntar-se a outras com o

    prposito de construir, planejar, assim como est num momento que o adulto seu mestre e gosta detirar proveito das suas lies. Naturalmente, a maioria das crianas permanecem identificadas com oadulto do mesmo sexo, o que no as impede de desfrutar das situaes em que esto acompanhadas poradulto do sexo oposto.

    Assim, essa etapa se caracteriza por um momento de grande expanso da criana e poderser reforada ou mesmo mutilada pela influncia do meio, principalmente dos adultos, que demonstramser os seus maiores dolos, modelos maiores para seus respectivos comportamentos.

    Pode-se ressaltar ainda, pelo motivo de que essa etapa se encontra muito prxima da idadeescolar, que a criana normalmente est recebendo influncias de outros adultos, bem como decrianas, que no somente as figuras materna e paterna, o que por si s amplia suas vivncias comnovas experincias. A qualidade dessas experincias, tanto no seio familiar como no mbito escolar, determinante para a formao da personalidade da criana. Ela aprende com o ambiente sociocultural,principal componente internalizador das atitudes e dos comportamentos. Se por um lado a crianaganha slida estrutura a partir do tempo de convivncia com modelos, por outro pode ainda serreestruturada, pois tudo indica que atravs do vnculo e da qualidade da aproximao afetiva do adultocom a criana, em uma relao de ajuda e disponibilidade, podero ocorrer rupturas positivas parainstalar alicerces que a auxiliaro na formao de um self coeso.

    nesse sentido que o professor tambm interpretado como elemento de disponibilidade eauxlio para a estrutura da personalidade da criana, uma vez que o mesmo estabelece, com relativafreqncia, relacionamentos interpessoais com a criana.

    O professor com conhecimento acerca das teorias do desenvolvimento humano, comcompreenso dos fatores relacionais e tambm socioculturais no mbito pedaggico, auxilia a criana.

    Outro fator relevante para a forma como o professor estabelece relaes com a criana pode

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    ser melhor esclarecido de acordo com a concepo que o mesmo possui sobre o binmiodesenvolvimento-aprendizagem, importante tema que ser estudado na seqncia.