Patrick Geary.resenha

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  • Dossi Identidades Nacionais N. 2 outubro/novembro 2006 Organizao: Glaydson Jos da Silva

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    O MITO DAS NAES

    Adilton Luis Martins Mestrando em Histria FHDSS/UNESP/Franca

    Bolsista CNPQ

    GEARY, Patrick J. O mito das naes: a inveno

    do nacionalismo. So Paulo, Conrad Editora,

    2005.

    Enfrentar preconceitos e descriminaes consiste em uma tarefa sempre

    difcil, porque, tanto uns como os outros so processos enraizados de

    desumanizao, sedimentados em imagens e representaes, nas trocas

    simblicas e suas respectivas e vergonhosas violncias. Patrick Geary,

    professor de Histria da UCLA (University of Califrnia Los Angeles),

    procura, por meio de estudos sobre os povos antigos e medievais,

    deslegitimar discursos polticos que tentam levar a termo o racismo de

    Estado, derivado das identidades nacionais.

    Neste livro, o autor traz discusso questes explosivas e

    emocionais do passado, aparentemente emergidos na construo da

    Unio Europia e de seu futuro econmico prspero, pelo menos para

    a sua parte ocidental. O nacionalismo, o etnocentrismo e o racismo,

    segundo ele, protagonizam a crise desta Europa ps-guerra, ps-

    micronacionalismos dos anos 70 como na Catalunha, na Bretanha, no

    Tirol do Sul, na Irlanda do Norte, na Crsega e ps-cortina de ferro.

    O esfacelamento da Unio Sovitica, em Estados mal institudos, o

    neonazismo que grita nas ruas Alemanha para os Alemes, a guerra

    civil nos Blcs e as etnias contrapostas hngaros x romenos e

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    eslovacos, srvios x croatas e a limpeza tnica em Kosovo so

    pinceladas que Geary distribui em seu retrato da Europa nas ltimas

    guerras.

    Histrias e memrias criam um mapa de conflitos e lutas, sangue e

    xenofobia se esparramam pelos principais pases membros da Unio

    Europia. Quem alemo?, pergunta o autor, os descendentes de

    falantes da lngua germnica provenientes do leste europeu ou os turcos

    que vivem por dcadas na Alemanha? O direito de ser alemo pertence

    a todos, ou ao sangue e a raa?

    Na Frana, o medo da islamizao ps-colonialista aponta para o

    ressurgimento de uma direita racista, cuja militncia se d muito mais

    por objetivos tnico-culturais do que por motivos polticos. O mundo

    norte-africano imigra ou invade a Frana? Valry Giscard dEstaing

    responde pela supremacia do droit du sang sobre o droit de sol. O tema

    da invaso aparece na Itlia e na Grcia em relao aos albaneses,

    enquanto que na ustria ocorre a imigrao de milhares de refugiados

    da Romnia, da Bulgria e da Antiga Iugoslvia.

    A tese central do autor consiste em que a Histria Antiga e Medieval

    um instrumento de legitimao do nacionalismo, da xenofobia, do

    etnocentrismo e do racismo contemporneo em meio poltica. O

    declnio do Imprio Romano e as invases brbaras tornaram-se

    sustentculo desses discursos polticos.

    A Histria, portanto, definiria quem o verdadeiro cidado segundo

    a idia de aquisio primria. Por exemplo, no Sculo I para os

    alemes, no Sculo V para os francos, nos Sculos VI e VII para os

    croatas, nos Sculos IX e X para os hngaros, foi ou foram os

    momentos que se estabeleceu o povo e as suas fronteiras de uma vez

    por todas.

  • Dossi Identidades Nacionais N. 2 outubro/novembro 2006 Organizao: Glaydson Jos da Silva

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    Para enfrentar estes fantasmas que compem os racismos

    europeus, a segunda parte da tese do autor trata da impossibilidade de

    se escrever uma Histria de uma etnia pura para Europa, qualquer

    que seja. E, portanto, a inviabilidade dos projetos etnocntricos.

    As produes de etnogneses puras so substitudas por misturas

    tnicas e pela obscuridade das fontes histricas a respeito das etnias

    antigas e medievais. Partindo de uma anlise da etnologia de 50 povos

    de Herdoto e sua recepo no mundo romano antigo, que em Plnio o

    Velho tornaram-se 34. Segue pela comparao do etnocentrismo judaico

    com o etnocentrismo romano. Ainda, sob o espectro do Imprio

    Romano, detm-se mais na relao com os brbaros a partir do IV

    Sculo.

    Sob o ttulo de novos brbaros aponta para as diversidades

    identitrias da Europa Medieval e suas retro-imagens com o Imprio

    Romano. Enfim, o autor encerra suas discusses analisando o modelo

    moderno de constituio etnogrfica exemplificando o caso dos Zulus

    africanos, como uma criao do sculo XIX cuja identidade etno-

    cultural-histrica no se legitima.

    O mito das naes indubitavelmente uma referncia para aqueles

    que desenvolvem estudos sobre usos do passado, em especial, da

    Antigidade e Medievalidade, identidades nacionais de forma ampla, a

    Histria da frica, e racismo em discursos polticos.

    Recebido em outubro/2006.

    Aprovado em novembro/2006.