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Cor ContemporâneoEstudoLaboratório
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Marcelo Albuquerque
LABORATRIO DE COR:
PARADIGMAS DO ESTUDO DA COR NA CONTEMPORANEIDADE
Belo Horizonte
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE BELAS ARTES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES
Laboratrio de cor:
paradigmas do estudo da cor na contemporaneidade
Marcelo Albuquerque
Belo Horizonte
2013
Marcelo Albuquerque
Laboratrio de cor: paradigmas do estudo da cor na contemporaneidade
Dissertao apresentada ao Programa
de Ps-Graduao em Artes da Escola
de Belas Artes da Universidade Federal
de Minas Gerais, como requisito parcial
obteno do ttulo de Mestre em
Artes.
rea de Concentrao: Arte e
Tecnologia da Imagem.
Orientadora: Dra. Wanda de Paula Tfani
Belo Horizonte
Escola de Belas Artes /UFMG
2013
Albuquerque, Marcelo, 1977- Laboratrio de cor [manuscrito] : paradigmas do estudo da cor na contemporaneidade / Marcelo Albuquerque Corra. 2013. 250 f. : il. Orientadora: Wanda de Paula Tfani. Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes. 1. Cor na arte Teses. 2. Cromtica Teses. 3. Esttica Teses. 4. Arte Histria Teses. 5. Cor Teses. I. Tfani, Wanda de Paula, 1942- II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes. III. Ttulo.
CDD: 701.8
Aos meus pais Antnio Carlos Oliveira Corra e Elizabeth Pinheiro de Albuquerque.
AGRADECIMENTOS
Wanda de Paula Tfani, minha orientadora, pela confiana, pelo profissionalismo e
pela ateno durante todo o mestrado.
Ao CAPES e ao programa REUNI pelas bolsas concedidas.
Ao curso de Design de Moda da Escola de Belas Artes da UFMG, em especial
professora Soraya Coppola, pela confiana no trabalho desenvolvido na graduao
atravs do estgio de docncia.
secretaria de ps-graduao em artes, em especial Zina, pela ateno e
disponibilidade.
Aos funcionrios da Escola de Belas Artes da UFMG.
RESUMO
Esta dissertao tem como principal objetivo pesquisar o estudo da cor na arte, do
ponto de vista esttico e histrico. Busca apresentar os conceitos fundamentais, as
escolas consagradas e os artistas de referncia, constituindo o primeiro pilar do
mtodo de estudo em desenvolvimento, batizado por mim de Laboratrio de cor. O
corpus terico visa objetivar a importncia do conhecimento da cor para o pintor, ou
estudante de pintura, apresentando as particularidades, complexidades e
personagens do vasto campo da cor nas artes plsticas. A leitura aborda diversos
aspectos das eras histricas artsticas, desde as teorias da cor na Grcia antiga,
Roma, Idade Mdia, Renascimento, Barroco, Neoclassicismo, Romantismo e arte
moderna. Por fim, esta dissertao pretende pontuar eixos coloristas na arte
contempornea. Porm, possvel detectar, na atualidade, os reflexos do
pensamento da cor reverberados por sculos de histria.
PALAVRAS-CHAVE: Cor, Histria da Arte, Esttica, Pedagogia da cor.
ABSTRACT
This dissertation has as main objective research the study of color in art, by the
aesthetic and historical point of view. Searching introduce the fundamental concepts,
consecrated schools and reference artists, constitute the first pillar of the method of
study in development, called for me Color Laboratory. The theoretical corpus aims to
objectify the importance of knowing the color for the painter or painting student,
presenting the particularities, complexities and characters in the vast field of color in
the arts. The reading covers various aspects of art historical eras, from theories of
color in ancient Greece, Rome, Middle Ages, Renaissance, Baroque, Neoclassicism,
Romanticism and modern art. Finally, this dissertation aims to punctuate coloristic
axes in contemporary art. However, it is possible to detect, in actuality, the reflections
of color thought reverberated through centuries of history.
KEYWORDS: Color, Art history, Aesthetics, Pedagogy of color.
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1.1: Jasper Johns. Comeo titubeante ................................................................................................ 22
Figura 1.2: Mira Schendel. Monotipias, escritas ......................................................................................... 22
Figura 1.3: Joseph Kosuth. Four words four colors. ....................................................................................... 23
Figura 1.4: Bruce Naumam. Raiva branca, perigo vermelho, ameaa amarela, morte negra ...................... 23
Figura 1.5: Gerhard Richter. Spiegel, grau ..................................................................................................... 26
Figura 1.6: Lawrence Alma Tadema. Fdias e o frizo do Parthenon .............................................................. 28
Figura 1.7: Ingres. Antoco e Stratonice ........................................................................................................ 28
Figura 1.8: Templo de Empdocles em Selinunte .......................................................................................... 29
Figura 1.9: Afrescos de Pompia Villa dos Mistrios e Villa de Fannius Synistor em Boscoreale. ............. 29
Figura 1.10: Charles Franois Mazois. Reconstruo de uma parede, edifcio de Eumachia.................... 30
Figura 1.11: Atribudo a Byrtferth de Ramsey. Qudruplo sistema do Macrocosmo e Microcosmo ............. 31
Figura 1.12: John of Cuba. Hortus Sanitatis, as cores da urina. Claude Boutet. ........................................ 32
Figura 1.13: Miniatura de uma Bblia, pintada em Pamplona para o rei Sancho VII, o Forte ...................... 32
Figura 1.14: Fra Anglico. O juzo final, c. 1431-32. ..................................................................................... 33
Figura 1.15: Armorial da Europa e do velocino de ouro, c. 1434-1435. ........................................................ 34
Figura 1.16: Gravura de C. N. Cochin, o Jovem ........................................................................................... 36
Figura 1.17: Salo de esculturas em gesso, provenientes da AIBA - RJ. ..................................................... 36
Figura 1.18: Representao esquemtica do currculo da Bauhaus em alemo, 1922. .............................. 42
Figura 1.19: Disco de cores. Circulo cromtico de doze pontas de Johannes Itten. ..................................... 45
Figura 1.20: Tons subjetivos de duas estudantes de Johannes Itten. ........................................................... 45
Figura 1.21: Contrastes de cores puras e saturadas. .................................................................................... 47
Figura 1.22: O contraste entre branco e preto................................................................................................ 47
Figura 1.23: Quando uma cor fria parece outra, e vice-versa. ....................................................................... 47
Figura 1.24: Saturao de uma cor. ............................................................................................................... 48
Figura 1.25: Contrastes de cores .................................................................................................................... 48
Figura 1.26: Proporo de Goethe. ............................................................................................................... 49
Figura 1.27: Contraste simultneo descrito por Itten. .................................................................................... 50
Figura 1.28: Trade harmnica de Itten. Proporo entre as cores primrias. ............................................. 50
Figura 1.29: Escalas de trs pares de cores complementares ...................................................................... 50
Figura 1.30: Exerccios com guache de mistura entre complementares. ..................................................... 51
Figura 1.31: Harmonia utilizando o computador ............................................................................................. 51
Figura 1.32: Esquemas harmnicos de Itten. . ............................................................................................... 52
Figura 1.33: Harmonias em visualizao tridimensional. ............................................................................... 52
Figura 1.34: Gunta Stlz. Tecelagem. ............................................................................................................ 53
Figura 1.35: Johannes Itten. Composio espacial 1..................................................................................... 53
Figura 1.36: Questionrio original do estudante Alfred Arndt. Questionrio. 54............................................ 56
Figura 1.37: Ivan Kliun, Sem ttulo, 1917. . ..................................................................................................... 57
Figura 1.38: Anish Kapoor. As if to Celebrate I Discovered a Mountain Blooming with Red Flowers. .......... 57
Figura 1.39: Intensidade, expansividade e retrao da cor segundo Kandinsky. . ....................................... 57
Figura 1.40: Isaac Newton. Crculo de cor musical. ....................................................................................... 58
Figura 1.41: Mestre Athayde. Assuno da Virgem. ...................................................................................... 58
Figura 1.42: Joan Mir. A msica das vogais ................................................................................................. 59
Figura 1.43: Charles Henri. Transferidor esttico ........................................................................................... 60
Figura 1.44: A Interao da cor. ..................................................................................................................... 62
Figura 1.45: Uma cor parece duas. ................................................................................................................ 64
Figura 1.46: Duas cores parecem uma. ......................................................................................................... 64
Figura 1.47: Efeito Bezold. Variaes realizadas por alunos do efeito Bezold.............................................. 65
Figura 1.48: Iluso de claridade.. ................................................................................................................... 65
Figura 1.49: Efeito de transparncia.. ............................................................................................................. 65
Figura 1.50: Associaes entre cores e conceitos antagnicos. Trabalhos realizados por alunos .............. 66
Figura 1.51: Israel Pedrosa. Vermelho e ciano em mutaes cromticas. .................................................... 67
Figura 1.52: Exemplos de variaes do Vermelho e ciano em mutaes cromticas ............................... 67
Figura 2.1: Portadas da Catedral de Chartres. Tmpano que representa as artes liberais. .......................... 78
Figura 2.2: Detalhe do tmpano com a representao das artes liberais....................................................... 79
Figura 2.3: Herrad von Landsberg. Sete Artes Liberai. Hortus deliciarum, 1180. ...................................... 80
Figura 2.4: Lorenzo Lotto. Retrato de um jovem na frente de uma cortina branca, 1508 (detalhe). ............. 83
Figura 2.5: Emmanuel de Witte. Interior de um templo, c. 1660 (detalhe). ................................................... 83
Figura 2.6: Grisalha: Peregrinos no Monte So Miguel, salvos pela interveno da Virgem. ....................... 86
Figura 2.7: Andrea Mantegna. Apollo e as nove musas, detalhe de Parnassus, c.1497. ............................. 86
Figura 2.8: G. Audran: A pintura. Gravura a partir do original de seu irmo, C. Audran .............................. 91
Figura 2.9: Peter Paul Rubens. Paisagem com Arco-ris, 1636-1638. ......................................................... 93
Figura 2.10: Jean-Honore Fragonard. A pastora, 1752. ................................................................................ 94
Figura 2.11: Exemplo de pintura linear: Seguidor de Bouts. So Lucas pintando a Virgem Maria. .............. 96
Figura 2.12: Exemplo de estilo pictrico. Ruysdael. Castelo Bentheim. ........................................................ 96
Figura 2.13: Franois Boucher. Madame de Pompadour, 1756. ................................................................... 97
Figura 2.14: Jacques Louis David. Retrato de Madame Recamier, 1800. .................................................... 98
Figura 2.15: Eugne Delacroix. O Massacre de Quios, 1824. ..................................................................... 102
Figura 2.16: William Turner. Luz e Cor (A Teoria de Goethe) - A manh aps o Dilvio ............................ 102
Figura 2.17: Contraste descrito por Goethe. ................................................................................................ 106
Figura 2.18: Friedrich Schiller e Goethe. Crculo de temperamentos - Temperamentrose, 1825. .............. 106
Figura 2.19: Philipp Otto Runge. Esfera de Cor, 1808. ................................................................................ 110
Figura 2.20: Philipp Otto Runge. A Pequena Manh, 1808. ........................................................................ 110
Figura 3.1: Carlos Cruz-Diez. Chromosaturation ......................................................................................... 111
Figura 3.2: Sanford Wurmfeld. Ciclorama 2000. .......................................................................................... 112
Figura 3.3: Giovanni Battista Tiepolo. Alexandre e Campaspe no estdio de Apeles, c. 1736-37. ............ 116
Figura 3.4: Delaroche. Detalhe de O hemiciclo da cole des Beuax-Arts de Paris .................................... 116
Figura 3.5: Cores primrias de Alberti e sua relao com os quatro elementos. ........................................ 120
Figura 3.6: Cores primrias de Leonardo, de acordo com Pedrosa. ........................................................... 120
Figura 3.7: Franois dAguilon. Em Opticorum libri sex, Anturpia, 1613, p. 8............................................ 123
Figura 3.8: Crculo de cor de Robert Fludd. ................................................................................................ 123
Figura 3.9: Moses Harris. Circulo prismtico, c. 1776. ................................................................................ 125
Figura 3.10: Circulo cromtico de Trait de La Peinture en mignature, 1708. ........................................... 125
Figura 3.11: Chevreul: Primeiro crculo cromtico. Sistema tridimensional. Exerccio de aluno................. 129
Figura 3.12: Cores anlogas. Cores complementares. Matisse e Van Gogh .............................................. 129
Figura 3.13: J.F.L. Mrime. Escala cromtica de De La Peinture lhuile, 1830. ................................... 131
Figura 3.14: George Field. Frontispcio para Cromatografia, 1835. ............................................................ 131
Figura 3.15: Charles Angrand. Casal na rua, 1887. .................................................................................... 132
Figura 3.16: Henri-Edmond Cross. As ilhas douradas, 1891-1892............................................................. 132
Figura 3.17: Jan Toorop. As dunas e o mar em Zoutelande, 1907. ............................................................. 133
Figura 3.18: Capa da publicao de Ogden Rood. ...................................................................................... 134
Figura 3.19: Triangulo cromtico de Ogden N. Rood. Diagrama cromtico de Charles Blanc. .................. 134
Figura 3.20: Detalhe da pintura pontilhista de Seurat. ................................................................................. 134
Figura 3.21: Os slidos de cor de Ostwald. ................................................................................................. 137
Figura 3.22: Modelo tridimensional do sistema de Munsell. ........................................................................ 137
Figura 4.1: Sequncia de pinturas ps-impressionistas que exploram as relaes entre planos atravs de
cores complementares......................................................................................................................... 140
Figura 4.2: Gauguin. Vahine. ........................................................................................................................ 142
Figura 4.3: Emile Bernard. A Anunciao, 1889. ........................................................................................ 143
Figura 4.4: Paul Gauguin. Viso aps o sermo: Jac lutando com o anjo................................................ 143
Figura 4.5: Paul Gauguin. Dia dos deuses (Mahana No Atua). .................................................................. 144
Figura 4.6: Paul Srusier. O bosque do amor; Talism... ............................................................................ 144
Figura 4.7: Whistler. A garota de branco (sinfonia em branco, no. 1), 1862. ............................................. 145
Figura 4.8: Lon Bakst. Cenrio para Sherazade, 1910.. ............................................................................ 146
Figura 4.9: Gerard David. O descanso na fuga para o Egito, 1510. ............................................................ 148
Figura 4.10: Henri Matisse. Interior em azul e amarelo, 1946. .................................................................... 148
Figura 4.11: Evoluo da seleo de cores baseado nos principais momentos de Matisse. ..................... 149
Figura 4.12: Ernst Ludwig Kirchner. Cinco mulheres na rua, 1913. ............................................................. 151
Figura 4.13: Emil Nolde. Profeta, 1912.. ....................................................................................................... 151
Figura 4.14: Schmidt-Rottluff. Retrato de Emy, 1919.. ................................................................................. 151
Figura 4.15: Leon Spilliaert. The Crossing, 1913. ....................................................................................... 152
Figura 4.16: Juan Gris. Violino e violo, 1913. ............................................................................................. 153
Figura 4.17: Fernand Lger. Maquete do cenrio de A criao do mundo, 1923. ...................................... 153
Figura 4.18: Frantisek Kupka. Discos vermelho e azul, 1911(?).. ............................................................... 154
Figura 4.19: Frantisek Kupka. Aquele colorido, 1919-20. ............................................................................ 155
Figura 4.20: Robert Delaunay. Sun, Moon, Simultan I, 1913. .................................................................... 156
Figura 4.21: Sonia Delaunay. Patchwork coverlet, 1911. ............................................................................ 156
Figura 4.22: Morgan Russel. Sincromia em Laranja: formar, 1913-14. ....................................................... 158
Figura 4.23: Norman McLaren. Synchromy, 1971. ....................................................................................... 158
Figura 4.24: Natlia Gontcharova. Aeroplano sobre um trem, 1913. ........................................................... 159
Figura 4.25: Kasimir Malevich. Pintura suprematista, 1917-18. ................................................................... 161
Figura 4.26: Kasimir Malevich. Pintura suprematista. .................................................................................. 161
Figura 4.27: Alexander Rodchenko. Pura cor vermelha, pura cor amarela, pura cor azul, 1921................ 162
Figura 4.28: Antoni Tpies, Flud, 1988.. ....................................................................................................... 163
Figura 4.29: Max Bill. Ritmo em quatro quadrados, 1943. ........................................................................... 164
Figura 4.30: C. W. Leadbeater. O homem visvel e invisvel, 1902. ............................................................ 166
Figura 4.31: Willian Blake. O despertar de Albion, 1796. ............................................................................. 166
Figura 4.32: C. W. Leadbeater. Abertura de Meistersinger, de Richard Wagner, 1905. ............................. 167
Figura 4.33: Mondrian. Duna na Holanda, 1910. Guggenhein Museum, NY. ............................................. 168
Figura 4.34: Mondrian. Evoluo. ................................................................................................................. 168
Figura 4.35: Esquema visual do simbolismo da cor em Mondrian, por volta de 1915. ............................... 169
Figura 4.36: Mestre de S. Francesco. Crucificao. Umbria, Sc. XIII. ....................................................... 170
Figura 4.37: Nicholas Poussin. A Sagrada Famlia na escada, 1648. ......................................................... 170
Figura 4.38: Bernardo Strozzi. Adorao dos pastores, c. 1618. ................................................................ 170
Figura 4.39: Georges Vantongerloo. Trptico, 1923. .................................................................................... 171
Figura 4.40: Piet Mondrian. Composio C, 1920. ....................................................................................... 172
Figura 4.41: Georges Vantongerloo. Estudo, 1918. ..................................................................................... 172
Figura 4.42: Bart van der Leck. Trabalhadores nas docas, 1916. ............................................................... 173
Figura 4.43: Cornelis van Eesteren e Theo van Doesburg. Shopping Center Winkelgalerij, Haia.............. 174
Figura 4.44: Herbert Bayer. Projeto de uma banca de jornal. ...................................................................... 175
Figura 4.45: Gerrit Rietveld. Cadeira vermelha e azul, 1923. ...................................................................... 175
Figura 4.46: Gerrit Rietveld- Schroeder House, 1924. ................................................................................ 175
Figura 4.47: Gerrit Rietveld- Schroeder House, desenho do interior. 1924. ................................................ 176
Figura 4.48: Morris Louis. Alpha-phi.. ........................................................................................................... 177
Figura 4.49: Kenneth Noland. 2, 1964. ......................................................................................................... 180
Figura 4.50: Kenneth Noland. Primeiro, 1958. ............................................................................................. 180
Figura 4.51: Gene Davis. Limelight/Sounds of Grass, 1960. ....................................................................... 180
Figura 4.52: Barnett Newman. Quem tem medo do vermelho, amarelo e azul? I, 1966............................. 181
Figura 4.53: Frank Stella. Nunca passa nada, 1964.. .................................................................................. 182
Figura 4.54: Mark Rothko. No. 14, 1960. ...................................................................................................... 183
Figura 4.55: Ellsworth Kelly. Verde, azul, vermelho, 1964. .......................................................................... 184
Figura 4.56: Bridget Riley. Luxor. ................................................................................................................. 184
Figura 4.57: Ad Reinhardt. Pintura abstrata, 1956. ...................................................................................... 185
Figura 4.58: Pierre Soulages. Pintura 19 de junho de 1963. ....................................................................... 186
Figura 4.59: John Baldassari. Everything is purged from this painting but art, no ideas have entered this
work, 1966-68. ..................................................................................................................................... 187
Figura 4.60: Gerhard Richter. Zelle, 1988. ................................................................................................... 187
Figura 5.1: Yves Klein. M 12, 1957. .............................................................................................................. 188
Figura 5.2: Yves Klein. M 12, 1957. .............................................................................................................. 189
Figura 5.3: Yves Klein. S 12, Venus azul, sem data. ................................................................................... 190
Figura 5.4: Foyer do Gelsen-kirchen theather, 1958. ................................................................................... 190
Figura 5.5: Yves Klein. MG 18, 1961 (detalhe). ........................................................................................... 191
Figura 5.6: Yves Klein. IKB 75, MG 17, MP 16, 1961 (detalhe). .................................................................. 192
Figura 5.7: Yves Klein. Ex-voto oferecido ao Santurio de Santa Rita, em Cascia, 1961. . ...................... 192
Figura 5.8: Enguerrand Quarton. A coroao da Virgem, 1453-54. ............................................................ 192
Figura 5.9: Masaccio. A crucificao, 1426. ................................................................................................. 193
Figura 5.10: David Batchelor. Brick Lane Remix 1, 2003. ............................................................................ 194
Figura 5.11: David Batchelor. Parapillar 7 (multicolour), 2006. .................................................................... 195
Figura 5.12: Gerhard Richter. 256 cores. ..................................................................................................... 196
Figura 5.13: Ellsworth Kelly. Cores do espectro em sequencia aleatria. ................................................... 197
Figura 5.14: Richard Paul Lohse. Trinta verticais sries sistemticas de cores em uma forma rmbica
amarela, 1943-70. ................................................................................................................................ 197
Figura 5.15: Imagem do website da exposio Color Chart ........................................................................ 198
Figura 5.16: Franois Morellet. Distribuio aleatria de 40 mil quadrados utilizando os nmeros pares e
mpares de uma lista telefnica, 1960. ................................................................................................ 198
Figura 5.17: Charles Moore. Piazza dItalia, Nova Orleans, 1975-80.......................................................... 200
Figura 5.18: Detalhe do Rainha da Sucata. ............................................................................................... 201
Figura 5.19: Roy Lichtenstein: Go for Baroque, 1979. ................................................................................. 201
Figura 5.20: Escultura Chapa de Ferro, Amilcar de Castro ......................................................................... 202
Figura 5.21: Manfredo de Souzanetto. Pigmentos e resina acrlica sobre tela e madeira .......................... 203
Figura 5.22: Mosaico do trio de S. Marcos, Veneza. A separao da luz da escurido. Sc. XIII ........... 204
Figura 5.23: James Turrel. Night passage, 1987. ........................................................................................ 205
Figura 5.24: Olafur Eliasson. Your Blind movement, 2010. ......................................................................... 205
Figura 5.25: Carlos Cruz-Diez. Transcromia, 1981. ..................................................................................... 206
Figura 5.26: Carlos Cruz-Diez. Environment Chromatic-Interferences. ....................................................... 207
Figura 5.27: Donald Judd. Sem ttulo, 1969. ................................................................................................ 209
Figura 5.28: Dan Flavin. Instalao com lmpadas fluorescentes, 1974. ................................................... 210
Figura 5.29: Hlio Oiticica, Inveno da cor, Penetrvel Magic Square # 5, De Luxe, 1977. .................... 211
Figura 5.30: Cildo Meireles. Walk-in. Bienal de Veneza de 2009. ............................................................... 212
Figura 5.31: Ivan Navarro. Treshold, Chilean Pavillon, Arsenal, 53a. Bienal de Veneza. ........................... 213
Figura 5.32: Estela Sokol. Meio-dia. ............................................................................................................. 214
Figura 5.33: Torres da Cidade-Satlite. Capela de Tlalpan. Casa Gilardi ................................................... 214
Figura 5.34: Karel Appel. Crianas questionadoras, 1949. .......................................................................... 216
Figura 5.35: Wols. O fantasma azul, 1951. .................................................................................................. 216
Figura 5.36: Patrick Heron. Cdmio com violeta, escarlate, esmeralda, limo e veneziano, 1969. ........... 216
Figura 5.37: Ettore Sottsass. Estante Carlton, Menphis, 1981. ................................................................... 218
Figura 5.38: Peter Stanick. Confused. Its just a flag. Dead shark .............................................................. 218
Figura 5.39: John Maeda. Game #2 Oikake Zakura. ............................................................................... 219
Figura 5.40: E-Boy. Rio, 2011. ...................................................................................................................... 220
Figura 5.41: Takashi Murakami. Flowerbal l Sexual Violet No.1 (3D ), 2008 .............................. 220
Figura 5.42: Andy Goldsworthy. Dandelion flowers pinned with thorns to wind-bent willowherb stalks laind in
a ring held above bluebells with forked sticks. .................................................................................... 222
Figura 5.43: (1) Andy Goldsworthy. Rowam leaves laid around hole collecting the last few leaves nearly
finished dog rain into hole started again made in the shade on a windy, sunny day. Pebbles aroud a
hole Kinagashima-cho ......................................................................................................................... 222
Figura 5.44: Andy Goldsworthy. Rainbow splash, 1980. .............................................................................. 222
Figura 6.1: Marcelo Albuquerque. Laboratrio de cor. Aquarela, 21 x 29 cm, 2012. .................................. 224
SUMRIO
1 INTRODUO AO ESTUDO DA COR ........................................................ 13
1.1 A COR COMO FENMENO SOCIAL E LINGUAGEM ................................ 18
1.2 ORIGENS DOS SISTEMAS DE CORES...................................................... 27
1.3 PEDAGOGIA DA COR ................................................................................ 35
1.3.1 PANORAMA DO ESTUDO ACADMICO COMO FORMA DE
COMPREENSO DO ESTUDO DA COR .................................................... 35
1.3.2 BAUHAUS: MARCO DO ESTUDO DA COR NO SC. XX .......................... 40
1.3.3 ITTEN, KANDINSKY E KLEE ...................................................................... 43
1.3.4 JOSEF ALBERS .......................................................................................... 61
2 A TRADIO DO DEBATE ENTRE A COR E O DESENHO ...................... 68
2.1 ANTIGUIDADE: A TRADIO DO DEBATE ENTRE A COR E O DESENHO
..................................................................................................................... 71
2.2 IDADE MDIA, TEOLOGIA E METAFSICA DA COR ................................ 76
2.3 RENASCIMENTO: O DEBATE ENTRE COR E DESENHO ........................ 84
2.4 BARROCO: POUSSINISTAS VERSUS RUBENISTAS ............................... 88
2.5 OS CONCEITOS DE WLFFLIN APLICADOS AO ENTENDIMENTO DA
DISPUTA ENTRE DESENHO E COR .......................................................... 94
2.6 A REAO NEOCLSSICA E A POSTURA ROMNTICA ........................ 97
2.7 O LEGADO DE GOETHE .......................................................................... 105
3 APROXIMAES CIENTFICAS DA COR NA ARTE ............................... 111
3.1 DA ANTIGUIDADE IDADE MDIA ........................................................ 113
3.2 OS TRATADOS DO RENASCIMENTO ..................................................... 118
3.3 A COR E A CINCIA DO SC. XVII. ......................................................... 122
3.4 A VISO CIENTFICA DA COR NA ARTE NO FINAL DO SCULO XIX .. 126
3.5 OSTWALD, MUNSELL E OS SISTEMAS DE CORES .............................. 135
4 MODERNISMO: ESTRUTURA, INDEPENDNCIA E EXPRESSIVIDADE DA
COR ........................................................................................................... 138
4.1 EXPRESSO E ESTRUTURA ................................................................... 138
4.2 VANGUARDAS RUSSAS .......................................................................... 159
4.3 MONDRIAN E DE STIJL ............................................................................ 165
4.4 COR INTEGRAL ........................................................................................ 176
5 PARADIGMAS CONTEMPORNEOS DA COR ....................................... 188
5.1 RETORNO METAFSICA DA COR ........................................................ 188
5.2 COR INDUSTRIAL ..................................................................................... 193
5.3 COR NATURAL ......................................................................................... 201
5.4 A COR E O ESPAO ................................................................................. 203
5.5 NEOEXPRESSIONISMOS ......................................................................... 215
5.6 INTERSEES COM O DESIGN, ARTES GRFICAS E ILUSTRAO. 218
5.7 LAND ART ................................................................................................. 221
6 CONCLUSO ............................................................................................ 223
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 228
APNDICE - RESULTADOS E ROTEIRO DA DISCIPLINA LABORATRIO DE
COR ........................................................................................................... 234
13
1 INTRODUO AO ESTUDO DA COR
Esta dissertao tem por objetivo pesquisar, analisar e discutir criticamente um ramo
de estudo ou categoria das artes plsticas: o estudo da cor na pintura. Mais
especificamente, essa pesquisa investiga a presena dos questionamentos
clssicos, estticos e histricos na contemporaneidade (segunda metade do sc. XX
em diante), acompanhada de uma anlise dos principais referenciais tericos. Optei
por uma forma didtica e de fcil compreenso ao leitor, pois o objetivo da pesquisa
a transmisso desses conhecimentos aos estudantes de arte ou disciplinas afins.
Para que o tema se esclarea ao longo da dissertao, considerei de extrema
importncia analisar com profundidade a histria da cor na arte, de forma a
relacion-la ao perodo contemporneo. Como ser visto mais adiante, os grandes
personagens da cor, na arte da contemporaneidade, apresentados aqui, se referem,
com clareza e lucidez, a estes fundamentos tericos histricos. Se por um lado
percebemos nos artistas do modernismo um sentimento de tentativa de ruptura com
as tradies, percebemos nos artistas contemporneos, ao mesmo tempo, a
continuidade de projetos modernistas bem como a revitalizao de valores clssicos
(o que no exclui do modernismo a presena de longas tradies artsticas).
Considerando a pintura como o grande paradigma histrico das artes plsticas, este
estudo da cor pode se aplicar, em maior ou menor grau, aos outros campos das
artes plsticas. Em termos gerais, no se trata de definir o que a cor nem criar uma
teoria da cor. Teoria da cor um termo incorreto de se usar, quando estudamos a
cor como uma disciplina de uma academia ou escola de arte. Existem teorias das
cores. Na arte, uma teoria cromtica no invalida outra necessariamente, j que
cada momento histrico utiliza os princpios referentes cor de acordo com o
pensamento de sua poca, costumes e tecnologia. E, j que a cor se faz presente
em praticamente toda a histria da arte, detenho-me aqui a comentar os momentos
cruciais onde a cor foi objeto de discusso preferencialmente.
O pintor, hoje, se encontra hibridizado: realiza trabalhos em diversas linguagens,
sejam elas tradicionais ou contemporneas. Atua nas artes grficas, utiliza
tecnologia de ponta, mantm atividades de artes aplicadas, explora diversos
suportes e mdias. A cor, sendo assim, se comporta de vrias formas. Entretanto,
14
diversas questes clssicas, que remetem s origens do pensamento ocidental, se
fazem extremamente atuais, como as de princpio esttico. Porm, percebo uma
lacuna na formao de um artista/estudante de pintura. Grande parte das
publicaes situa a cor por aspectos demasiados tcnicos e cientificistas, voltadas a
uma viso que contempla mais o design, com um breve panorama histrico e
esttico da arte. Considero uma negligncia excluir a cultura clssica (esttica e
histrica) dos estudos cromticos, como prova boa parte da literatura que se destina
ao tema da cor na arte. Particularmente, muito longe de ser um erudito na alta
cultura, a cada dia me conveno mais da necessidade dos estudos clssicos, no s
para a minha proficincia como acadmico, mas tambm espiritualmente. Se no
tenho a ambio de ser um pensador, tenho a ambio de ser um grande pintor.
Eventualmente, com tristeza, me deparo com o desinteresse, desinformao e
rancor de muitas pessoas em relao a aspectos essenciais do pensamento
ocidental. Como, por exemplo, o desdm que nos legado pelo nosso ensino em
relao Idade Mdia. Por razes ideolgicas e histricas, ela vista como uma era
tenebrosa e de atraso, mas que , pelo contrrio, uma poca de profundos
conhecimentos. A histria do pensamento ocidental diversa e isto deve ser levado
em considerao, j que a arte tambm se manifesta atravs das diversas tradies
do pensamento. A histria do pensamento fica mais evidente quando falamos de
economia e poltica, atravs dos pensadores de tradies mais conservadoras ou
tradies mais progressistas ou revolucionrias. Ao se conhecer um autor, preciso
conhecer suas fontes e se o mesmo parte de uma dessas tradies. Figuras
importantes no pensamento e poltica, como Aristteles1, Ccero, So Toms de
Aquino, Edmund Burke, Adam Smith, Goethe, Tocqueville, Winston Churchill e
Edmund Husserl so reconhecidos dentro de uma tradio conservadora, enquanto
Jean Jacques Rousseau, Proudhon, Marx, Lenin, a Escola de Frankfurt, Chomsky,
Sartre e Foucault se situam em um eixo progressista ou revolucionrio (falo de uma
forma generalizante, ilustrativa). Essas tradies se aplicam s artes, pedagogia e
s cincias humanas em seus respectivos territrios. Pois bem, mesmo estando ns
alinhados a uma tradio ou outra, ou a nenhuma delas necessariamente, o
1 Aristteles procura sustentar sua filosofia no consenso geral de diversas opinies diferentes
(consensum gentium et temporum). Ele no visa renovaes absolutas, originais e revolucionrias; mas pelo contrrio, atravs da formulao de conceitos que foram progressivamente sendo elaborados pela humanidade. ARISTTELES, 2007, p. 135.
15
conhecimento de ambas deve existir como objetivo comparativo e pedaggico.
Entretanto, no fao aqui uma distino entre artistas conservadores e
progressistas; apenas ilustro dois posicionamentos intelectuais que me servem como
referncia dialtica. o que constato nesse estudo da cor: a presena fundamental
de tradies junto s inovaes, de naturezas diversas de pensamento, nas
manifestaes contemporneas da cor. Argan, autor de bases socialistas, reconhece
que o mtodo sociolgico aplica arte procedimentos de anlise semelhantes ao do
estudo da economia. Muitos aspectos anticonformistas e rebeldes dos artistas so
interpretados como aspectos da dialtica interna do sistema, que o prprio sistema
tem interesse em tolerar e encorajar2.
Esta pesquisa no se enquadra no campo do ensino da arte e arte-educao.
Entretanto, a pesquisa corre paralela ao desenvolvimento histrico da cor como
disciplina nas artes plsticas, mas em nvel avanado, nas academias de arte e
escolas contemporneas. Isto se justifica, pois boa parte dos artistas e tericos da
cor desenvolveu algum tipo de trabalho e pesquisa em academias e universidades,
como Delacroix, Kandinsky, Klee, Itten, Albers, David Batchelor, entre outros.
Particularmente, sou um rduo defensor de uma disciplina autnoma de cor em um
curso de artes plsticas, com ampla carga horria. O estudo da cor em cursos
superiores de arte no deve se resumir a uma breve introduo sobre as questes
cientficas da cor, misturas de cores e exerccios aplicados. Como consequncia
dessa deficincia, percebo na internet, o meio de pesquisa mais utilizado no
presente momento, como essas informaes superficiais se difundem em infindveis
websites, blogs, comunidades e fruns de discusso sobre teorias da cor que se
prope abrangentes, representando um obstculo pesquisa e ao desenvolvimento
e multiplicao do conhecimento de forma coerente. Portanto, vejo aqui a
oportunidade de refletir sobre a formao de um artista plstico pintor, no que se
refere ao estudo especfico da cor, de forma a no apenas valoriz-la como uma
disciplina em si, mas tambm conscientizar o leitor da necessidade da investigao
filosfica e histrica. O universo da cor, para o estudante de pintura, no pode se
resumir a cientificismos rasos e noes tcnicas superficiais.
2 ARGAN, Arte e crtica de arte, 1988, p. 155.
16
Para que haja uma melhor compreenso da cor na pintura, optei pela distino de
eixos onde determinados temas, artistas e movimentos podem ser agrupados, como
a cor nas tradies estticas, cientficas, metafsicas e poticas. De fato, esses eixos
se cruzam constantemente, e no pretendo, de forma alguma, desenvolver um
mtodo que separe a cor na arte em categorias. Pelo contrrio, esses eixos devem
ser cruzados obrigatoriamente. Trata-se de uma til forma de organizao que
possibilita a visualizao dos diversos contextos onde a cor se insere. Como
exemplo, percebe-se no Neoimpressionismo o predomnio do eixo cientificista sem,
entretanto, deixarmos de ter toda uma potica das cores que extrapola os domnios
da cincia. Na contemporaneidade, diversas manifestaes da cor evidenciam as
diversas tradies. Deixarei para a Concluso a definio do termo Laboratrio de
cor, que visa justamente definir essa proposta. Portanto, em minhas disciplinas de
cor, pratico uma carga horria equilibrada entre teoria e prtica, revisitando a crtica
e a histria da arte pelo ponto de vista cromtico, ao mesmo tempo em que se
executam os exerccios prticos (o anexo 1 apresenta a ementa e o roteiro da
disciplina Laboratrio de cor com detalhes).
O objetivo geral discutir as manifestaes da cor na pintura na
contemporaneidade, de forma a traar paralelos com os fundamentos da esttica e
da cor na histria da arte. Os fundamentos da esttica e da cor na histria da arte
configuram o primeiro pilar do meu mtodo de estudo da cor, ainda em
desenvolvimento e pesquisa, chamado Laboratrio de cor. O Laboratrio de cor
situa o estudo objetivo e subjetivo das cores, aceitando princpios cientficos,
artsticos, perceptivos e pedaggicos.
Foi observado o contexto da cor nas exposies, mostras e bienais
contemporneas. Dentre as exposies, destaco a exposio Color Chart -
Reinventing Color from 1950 to Today3, no MoMA, em 2008, que teve como ponto
de partida as cartelas de cores comerciais, e apontam a cor na produo em massa
e padronizada. A cor se manifesta nas bienais de Veneza, na Documenta de Kassel
e no acervo de Inhotim no Brasil, e parte dessas obras so apresentadas aqui.
3 Disponvel em http://www.moma.org/interactives/exhibitions/2008/colorchart/flashsite/. Acesso em 23
set. 2012.
17
A metodologia proposta para a pesquisa que resulta nesta dissertao privilegia a
leitura de autores consagrados da histria da arte e do pensamento da arte,
levando-se em considerao a literatura existente no mercado brasileiro, nas
bibliotecas especializadas em artes plsticas de Belo Horizonte e nos websites
oficiais e confiveis de instituies, museus e artistas. Foi necessrio investigar o
surgimento histrico da discusso e autonomia da cor, observando a evoluo das
academias e escolas de arte no mundo ocidental. Para tanto, foi fundamental a
leitura de Academias de arte, de Sir Nikolaus Pevsner, que apresenta um rico
panorama sobre as academias de arte desde o Renascimento primeira metade do
sculo XX. Os excelentes textos sobre algumas escolas de referncia, como a
Bauhaus, detalham as disciplinas onde a cor teve realmente um papel importante no
estudo e formao de profissionais e artistas. Sendo assim, importantes autores
originais e historiadores foram convidados para esta pesquisa.
As diversas publicaes sobre cor nas artes plsticas, de forma geral, pautam o
roteiro de pesquisa. Os mais importantes so Color and Culture4 (1993) e A cor na
arte (2012), de John Gage, obras que analisam a cor na arte na histria ocidental;
Jacqueline Lichtenstein, com A cor eloquente (1994) e a srie A Pintura: textos
essenciais (2004); Michel Pastoureau, historiador das cores e medievalista, com o
Dicionrio das cores do nosso tempo (1997) e Preto: histria de uma cor (2011);
Cromofobia, de David Batchelor (2007), artista britnico e estudioso da cor, que
auxilia na compresso de aspectos contemporneos da cor nas artes, endossando o
vis esttico como estudo primordial da cor na arte contempornea. Dessa forma,
como disse anteriormente, desejo afastar a pesquisa do carter cientfico e tcnico,
como visto em grande parte das publicaes sobre cor, para aproxim-la das
questes estticas relevantes ao seu entendimento como objeto de estudo artstico.
A filosofia se faz presente desde A Repblica de Plato (1981), a Arte potica de
Aristteles (2007) e Da sensao e do sensvel (1994), A doutrina das cores de
Goethe (1993) e Anotaes sobre as cores de Wittgeinstein (2009), alm do suporte
fundamental da Histria da Filosofia de Giovanni Reale. Sobre a representao e
imagem, foi importante o estudo de Vida e morte da imagem, de Rgis Debray
4 Jacqueline Lichtenstein, no volume 9 de A pintura: textos essenciais. O desenho e a cor, faz
referncia a esta obra de John Gage como essa obra volumosa abrange toda a histria da cor, desde a Antiguidade at a abstrao, e contm uma imensa bibliografia (LICHTENSTEIN, O Desenho e a cor, 2006, p. 74).
18
(1993), onde percebo que a cor se manifesta analogamente s questes filosficas
da imagem. Optei por definies enciclopdicas dos movimentos artsticos, como
Estilos, escolas e movimentos, de Amy Dempsey (2003), Conceitos fundamentais da
arte moderna, de Niklos Stangos (1994) e Arte moderna, de Giulio Carlo Argan
(1992). A critica de arte e a histria da histria da arte so representadas na Arte e
crtica de arte, de Argan (1988); Germain Bazin, com a Histria da histria da arte
(1989). Metodologias clssicas de estudo da cor sero apresentadas brevemente,
como as de Wassily Kandinsky, em Curso da Bauhaus (2003); Johannes Itten, com
Art of Color e Elements of color (1970) e Josef Albers, com a Interao da cor
(2009). A referncia brasileira est no livro mais difundido e famoso no meio
acadmico nacional, Da cor cor inexistente, de Israel Pedrosa (2010), que
apresenta, ao meu ver, deficincias estticas e histricas e valoriza as questes
cientficas e perceptivas, as quais, alis, no retiram o brilho dessa obra primorosa.
Outras recentes publicaes brasileiras so A cor como informao, de Luciano
Guimares (2000), e A cor no processo criativo, de Lilian Barros (2006), sendo a
ltima realizada a partir de dissertao de mestrado na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de So Paulo (FAU-USP). Outros livros e manuais so
importantes, como O guia completo da cor, de Tom Fraser e Alam Banks (2007),
principalmente pelas descries tcnicas, tecnolgicas e metodolgicas da cor,
atendendo a um nicho do mercado, que engloba as artes plsticas, design e
arquitetura.
1.1 A COR COMO FENMENO SOCIAL E LINGUAGEM
Michel Pastoureau5 adverte sobre a complexidade do assunto e prepara um amplo
caminho de estudo da cor nas artes em geral. Ele entende a cor como um fenmeno
social, o que impossibilita a criao de teorias universalizantes, cientificistas e
metodolgicas das cores. Para John Gage, em primeiro lugar e acima de tudo, a cor
5 Seu trabalho se fundamenta em seus seminrios na cole Pratique des Hautes tudes e na cole
des Hautes tudes en Sciences Sociales (PASTOUREAU, 2011, p. 11). Como referncia, Pastoureau cita a crtica bibliogrfica do Centro Francs da Cor, disponvel em http://www.cf-couleur.fr/. Acesso em 24 de fevereiro de 2012.
19
uma questo de psicologia6. Sendo assim, ambos os autores concordam que as
questes referentes s cores esto longe de serem resolvidas, pois so
reinterpretadas sucessivamente pela fora criativa dos artistas. Pastoureau alerta
para o fato de que as publicaes inumerveis sobre cores so decepcionantes. Em
especial aquelas que pretendem estudar a psicologia ou a simbologia das cores.
Segundo ele, trata-se de uma literatura esoterizante, que faz malabarismos com o
tempo e o espao, que procura arqutipos ou uma verdade transcultural da cor (os
testes de cores foram precedidos por estudiosos como Goethe e Johannes Itten, que
perceberam nas cores um potencial de deteco e diagnstico de carter e
personalidade das pessoas). Essas associaes remontam antiguidade clssica,
aos quatro elementos de Aristteles, aos quatro humores de Hipcrates e Galeno e
s funes predominantes do pensamento, sentimento, intuio e sensao de
Jung7. Pastoureau defende a ideia de que a cor s possvel de ser analisada do
ponto de vista social e cultural. As cores vivem e se definem segundo as pocas, as
sociedades e as civilizaes. No existe nada de universal na cor, nem na sua
natureza nem na sua percepo. Ele no acredita em discursos cientficos unvocos
sobre a cor, pautados na fsica, qumica ou matemtica. Para Pastoureau, os
componentes de compreenso das cores so: o lxico e os fenmenos de
nominao, a qumica dos pigmentos e dos corantes, as tcnicas de pintura e
tintura, os sistemas relativos ao vesturio e os cdigos que os apoiam, o lugar da cor
na vida cotidiana e na cultura material, as regras que precedem das autoridades, as
moralizaes dos religiosos, as especulaes dos cientistas e as criaes dos
artistas. A cor algo indefinvel, continua, e o que se pode tentar definir o
fenmeno da cor; as condies e atos de percepo que nos fazem entender a
existncia dela. Sendo um produto cultural, no existe se no for percebida em um
sistema olho, crebro, memria, conhecimentos e imaginao. Segundo o autor,
uma cor que no vista uma cor que no existe, conforme j dizia Goethe. O
universo da cor deve levar em conta diversos dados da rea cultural, estudar as
mutaes, os desaparecimentos, as inovaes. Segundo Pastoureau:
(...) Pretender escrever uma histria universal das cores que englobasse, desde as origens at ao sculo XX, tanto a ou as cores ocidentais, como as cores amerndias, africanas, asiticas ou da Oceania, parece-me, portanto,
6 GAGE, 2021, p. X.
7 FRASER, 2007. p. 49.
20
materialmente irrealizvel e, sobretudo, cientificamente intil (PASTOUREAU, 1997, p. 98).
Ele se aproxima de Ludwig Wittgenstein quando concorda que pode haver uma
distncia considervel entre a cor real e a cor nomeada (metonmia): O nome da cor
tambm cor (PASTOUREAU, 1997, p. 124). Wittgenstein, no seu pensamento
sobre as cores, explica que no pretende descobrir qualquer teoria das cores, mas
sim a lgica dos conceitos de cor. Porm, esta cumpre o que se espera
frequentemente, sem razo, de uma teoria. Segundo ele, as dificuldades ao refletir
sobre a essncia das cores (assim como em Goethe) esto na indeterminao do
conceito de identidade de cor. Assim, ele afirma que a doutrina de Goethe sobre a
constituio das cores do espectro no uma teoria insuficiente, mas teoria
nenhuma. Nela nada se prev, um vago esquema de pensamento. Tampouco h
um experimentun crucis que possa decidir a favor ou contra essa doutrina
(WITTGENSTEIN, 2009, p. 51). Quem concorda com Goethe reconhece que ele
percebeu a natureza da cor: no aquela derivada de experimentos, mas aquela
relacionada a definir o conceito de cor.
Para Goethe, parecia lcida a ideia de que a clareza no produzida pelo
escurecimento, assim como sombras no produzem luz. Nesse sentido, o branco
no poderia ser formado por outras cores, j que a mais clara de todas. Para
Goethe, parece falso considerar o verde uma cor intermediria entre o azul e o
amarelo, mesmo abstraindo qualquer experincia. Azul e amarelo, assim como
vermelho e verde, aparecem a ele como opostos, talvez por estar acostumado a v-
los no crculo cromtico como opostos. Por sua vez, Wittgenstein pergunta se
existiria um verde que no tivesse nada do azul e nada do amarelo: Em que jogos
de linguagens se deixa empregar? (WITTGENSTEIN, 2009, p. 101). E, mais
adiante: [/] Em um amarelo esverdeado ainda no percebo nada de azul. Verde
para mim uma estao / especial // nova // no caminho colorido do azul ao amarelo,
e o vermelho uma tambm8 (WITTGENSTEIN, 2009, p. 79). Citando o pintor
romntico e estudioso da cor Otto Runge, afirma que, se branco e preto so cores
opacas, no transparentes, inimaginvel pensar a gua como de cor branca e o
8 Wittgenstein se utiliza de uma forma de anotao ao primeiro momento estranha, valendo-se de
smbolos para construir suas frases.
21
leite ser cristalino. E se o preto apenas escurecesse, poderia ter uma natureza
cristalina; porm, ele suja, opaco. Escuro e enegrecido no so o mesmo
conceito. Wittgenstein acrescenta:
Parece ento que o preto turva uma cor, embora a escurido no o faa. Um rubi, portanto, poderia, segundo isso, tornar-se sempre mais escuro, sem todavia se tornar turvo; caso se torne porm vermelho enegrecido, ento se torna turvo. Ora, o negro uma cor de superfcie. J o escuro no chamado de cor. Na pintura, o escuro pode tambm ser representado pelo negro. A diferena entre negro e, digamos, um violeta escuro semelhante de timbre entre o bumbo e o tmpano. Do primeiro se diz que seja um rudo, no um tom. fosco e completamente negro (WITTGENSTEIN, 2009, p. 137-139).
Quando falamos de cores, somos prisioneiros da linguagem9 e dos fatos do lxico.
s vezes, na vida social, o nome da cor parece ser mais importante que a cor em si.
Wittgenstein cita o exemplo do vestido vermelho. As associaes onricas e
simblicas em pensar um vestido vermelho so sempre maiores do que olhar o
prprio vestido. Para Pastoureau, falar de cor vermelha quase sempre um
pleonasmo, pois considera o vermelho a cor por excelncia, a cor arquetpica, a
primeira de todas as cores. Segundo Josef Albers, no mesmo caminho da nomeao
e visualizao da cor: Se algum disser vermelho (o nome de uma cor) e houver
50 pessoas ouvindo, pode se esperar que haver 50 vermelhos em suas mentes
(ALBERS, 2009, p. 6).
Na arte da segunda metade do sc. XX, encontramos duas obras que fazem
referncia nomeao e apresentao das cores. Jasper Johns, na obra Comeo
titubeante, de 1959, relaciona nomes de cores pintadas com cores diferentes
daquelas que representam, em evidente relao ao teste psicolgico de John Ridley
Stroop (1935), de forma a apresentar a supremacia da linguagem sobre a percepo
das cores10. Mira Schendel, nas monotipias escritas, de 1965, apresenta uma
superfcie branca marcada pela inscrio Rot (vermelho, em alemo), de forma a
sugerir o preenchimento do branco por uma imagem do vermelho sugerido pela
palavra (propriamente de todos os vermelhos possveis). Augustin de Tugny,
referindo-se s monotipias, afirma: (...) O gesto, a ao traz conscincia a cor e
9 A linguagem como referncia da filosofia no sc. XX.
10 O teste apresenta nomes de cores em letras coloridas, onde diversos nomes no correspondem s
cores das prprias letras, como, por exemplo, a palavra verde escrita com letras vermelhas.
22
seu nome, a matria e a linguagem, reinstaurando a revelao da palavra,
renovando a aprendizagem da lngua (TUGNY, 2010, p. 85). Isso significa uma
tenso entre nominao e sensao, continua Tugny11.
Figura 1.1: Jasper Johns. Comeo titubeante, 1959. Fonte: GAGE, 2012, p. 118.
Figura 1.2: Mira Schendel. Monotipias, escritas, 1965. Fonte: TUGNY, 2010, p. 81.
Joseph Kosuth se insere nessa tradio entre cor e nomeao. Segundo Ferreira e
Mello, a reflexo terica torna-se, a partir dos anos 60, um instrumento
11
Outra obra que aborda o teste de Stroop o vdeo Pli (2003), da portuguesa Ceclia Costa, que apresenta vrias pessoas sendo submetidas ao teste no suporte do vdeo.
23
interdependente da gnese da obra12, onde o corpus terico desenvolve uma
dialtica entre a prtica artstica e o pensamento terico. Bruce Naumam, na obra
Raiva branca, perigo vermelho, ameaa amarela, morte negra, de 1985, procede
com as cores e palavras uma obra que explora os clichs polticos, dando
continuidade sua srie de trabalhos com luzes neon, formalmente e
conceitualmente prximos a Kosuth.
Figura 1.3: Joseph Kosuth. Four words four colors. Instalao com luz neon. 1966. Disponvel
em: http://www.wikipaintings.org/en/joseph-kosuth/text-context#supersized-artistPaintings-236012. Acesso em 13 mar. 2013.
Figura 1.4: Bruce Naumam. Raiva branca, perigo vermelho, ameaa amarela, morte negra,
1985. Fonte: GAGE, 2012, p. 132.
Rgis Debray, em Vida e morte da imagem: uma histria do olhar no ocidente, tece
um comentrio prximo s pontuaes de Wittgenstein. Ele se questiona do porqu
de no haver equivalente verbal para uma sensao colorida. Sem o texto de
12
FERREIRA; MELLO, 2006, p. 11.
24
Proust, jamais ele teria visto a parede amarela13, de que, alis, j no se lembrava.
E, sem o relato proustiano, observaramos Vermeer com os mesmos olhos? Se a
inteligncia desenvolve as sensaes, assim tambm a linguagem pode almejar a
conceber a imagem como um negativo, embora no tenha o mesmo poder de
sugesto. O visvel, ento, cumpre-se atravs do legvel. Isso chama-se literatura
(DEBRAY, 1993, p.53). Segundo Debray:
Sentimos em um mundo, nomeamos em outro, lastimava-se Proust. A cor est em avano, relativamente palavra sem dvida, algumas centenas de milhares de anos. Que peso tem um grito escrito, em face de um grito berrado, angustia ou exploso de alegria bruta, imediata e plena? (DEBRAY, 1993, p.49).
Finalmente, destaco que Wittgenstein se questiona se haveria uma cegueira para
as cores. Poderia se ensinar a esse cego enxergar as cores? Poderia se ensinar o
que ver?
Continuando com Pastoureau, na proto-histria e Antiguidade, as cores eram
organizadas em um sistema ternrio composto de branco, vermelho e preto. Ainda
na Antiguidade e depois na Idade Mdia, seis cores passam a desempenhar um
papel preponderante: o branco, o preto, o vermelho, o azul, o verde e o amarelo. A
herldica surge no sculo XII promovendo o primeiro grande sistema de cor
ocidental. Nos tempos modernos, com a inveno da imprensa, a reforma
protestante e a evoluo da cincia, o preto e o branco se excluem das ordens das
cores, devido descoberta do espectro solar. Finalmente, com a Revoluo
Industrial no sculo XVIII, o homem capaz de fabricar nuances de cores jamais
vistas em toda a histria. Segundo Pastoureau, mais do que um simples progresso
tcnico, trata-se de uma alterao cultural de aprecivel alcance14.
Durante muitos sculos, o preto e o branco foram considerados cores integrais, e o
espectro solar era desconhecido at o sculo XVII. A definio das cores primrias e
cores complementares vieram em seguida, se consolidando no sculo XIX. A
oposio entre cores quentes e frias puramente convencional e vivenciada
13
Debray se refere emblemtica expresso de Marcel Proust le petit pan de mur jaune sobre o quadro de Vermeer Vista de Delf descrito no livro A prisioneira, quinto tomo de Em busca do tempo perdido. 14
PASTOUREAU, 1997, p. 14.
25
diferentemente em pocas distintas. O azul, na Idade Mdia e Renascimento, era
considerado, na Europa, uma cor quente. Portanto, tentar perceber em Ticiano a
moderna percepo das cores quentes e frias seria um engano completo. De forma
anloga, justapor o vermelho e verde, na Idade Mdia, representa um contraste
fraco. Na contemporaneidade, um dos contrastes mais violentos, entre uma
primria e uma secundria. Inversamente, associar o amarelo e o verde, duas cores
vizinhas no crculo cromtico moderno era, nos tempos medievais, um alto contraste;
era usado para vestir os loucos e sinalizar comportamentos perigosos. Pastoureau
diz que a base de cores da cultura europeia (branco, preto, vermelho, azul, amarelo,
verde) no se assemelha em nada ao conceito moderno de cores primrias e
complementares, pois essa distino no tem qualquer realidade social ou cultural.
Sabemos que o verde se situa entre o azul e o amarelo; temos provas cientificas.
Mas para o homem medieval isso no tem qualquer sentido; no existe um sistema
de cor medieval que coloque o verde como uma cor derivada do azul e do amarelo.
Sobre o tom cinzento, Pastoureau muito convincente e demonstra sua viso das
cores (o cinza tambm sua cor favorita). Segundo ele, homens de cincia se
recusam a considerar o cinza como uma cor verdadeira. Ela , para o historiador, o
antroplogo, o pintor e o fotgrafo a cor mais rica, que permite sutis jogos de luz e
de sombra, a que faz falar com mais preciso e volubilidade todas as outras
cores15. Tugny, alis, observa em Gerhard Richter uma postura de enaltecimento do
cinza em diversas obras. Para o artista alemo, o cinza a cor da indiferena e da
neutralidade16. Suas pinturas cinzas chegam ao ponto extremo de negar a cor,
tradicionalmente um elemento fundamental da pintura, onde, apesar do abandono
da cor, ainda existe pintura17.
Para o homem medieval, o cinzento no uma mistura do preto e do branco, mas
algo que evoca a ideia de manchas, de miscelnea de cores, de ausncia de
franqueza ou clareza. Sendo assim, o homem moderno no deve projetar no
passado os seus prprios conhecimentos da fsica e da qumica das cores. A
organizao contempornea no teria qualquer sentido com o passado distante. Da
mesma forma, o historiador no deve tomar como verdade absoluta e imutvel a
15
PASTOUREAU, 1997, p. 62 16
Tugny aponta que Richter vai se apoiar nas teorias do pintor romntico Otto Runge, descritas aqui mais adiante. Outras obras de Richter tambm sero vistas a seguir. 17
TUGNY, 2010, p. 193.
26
organizao espectral das cores e todas as teorias dela decorrentes. Aristteles,
longe de classificar as cores pelo desconhecido espectro solar, no deixa de
demonstrar cientificamente, em relao aos conhecimentos de seu tempo, uma
classificao coerente das cores. O anacronismo ocorre, por exemplo, em examinar
as cores dos afrescos de Michelangelo, criadas sob a luz de velas ou luz natural,
atravs da iluminao contempornea. Pastoureau cita, nos pintores medievais, uma
soluo interessante representao de uma ideia de cor, ou melhor, da falta de
cor, o incolor. Os pintores recorreram a dois processos: ou deixavam nu o suporte,
ou dessaturavam fortemente uma cor. Essa ideia tinha mais proximidade com a
noo de descolorido, transparente ou lquido, do que sem cores. Ele nos conta
que j nos tempos modernos, um fabricante de graxa encontrou uma soluo para
estampar, no rtulo do produto, que aquela graxa era incolor, ou seja, se aplicava a
qualquer cor de couro de sapato. O fabricante criou um smbolo com as cores do
arco-ris, estabelecendo uma sinonmia entre incolor e policromtico. Assim,
comenta o autor, os extremos se tocam. Ausncia de cor e excesso de cores
quase a mesma coisa18.
Figura 1.5: Gerhard Richter. Spiegel, grau, 1991. 280 cm x 165 cm. Vidro pintado. Fonte:
http://www.gerhard-richter.com/art/paintings/other/detail.php?6870. Acesso em 23 ago. 2012.
18
PASTOUREAU, 1997, p. 103.
27
Por fim, os captulos a seguir, que englobam conceitos fundamentais da cor, da
Antiguidade ao Modernismo, apresentam um roteiro histrico de forma a preparar o
caminho para aquilo que o objetivo maior da pesquisa: identificar na
contemporaneidade a presena e relevncia dos debates sobre a cor na tradio
ocidental, de acordo com os autores convidados para esta pesquisa, em dilogo
com minha posio a este respeito. Artistas contemporneos fazem uso das
discusses cromticas da histria, sendo possvel pensar em padres comuns que
no se desatualizam, como, por exemplo, se a cor est no territrio do ideal ou do
carnal, a cor vista do ponto de vista cientfico ou metafsico, definies universais ou
definies relativas, entre outros. Ressalto, como foi dito anteriormente, que
considero fundamental dedicar um espao generoso ao passado, pois a pesquisa
objetiva consolidar estruturalmente o objeto de estudo cor que tambm
considerada uma disciplina acadmica. Sendo assim, meus argumentos se destinam
a compreenso de determinados aspectos da atualidade que so legtimos herdeiros
de toda uma tradio ocidental.
1.2 ORIGENS DOS SISTEMAS DE CORES
No Egito, segundo Pastoureau, a cor preta simboliza o limo depositado pelas guas
frteis do Nilo; guas benficas que remetem esperana. Este preto ope-se ao
vermelho, que simboliza a esterilidade do deserto. As divindades relacionadas com a
morte so, em sua maioria, pintadas de preto, como Anbis. O vermelho a cor que
simboliza mais o lado negativo, exceto em situaes quando simboliza o sol. a cor
de Seth, o deus assassino de seu irmo Osris, uma grande fora destrutiva.
Entretanto, falar das cores nas culturas antigas no significa apresentar uma teoria
concreta, pois se reconhece que as teorias da cor se originaram na Grcia antiga
atravs da filosofia.
O mundo clssico no era de mrmore branco como vemos nas runas e esculturas
de mrmore. As edificaes e obras de arte eram revestidas por uma policromia com
pigmentos tambm escassos e caros. As escavaes das civilizaes pr-clssicas,
como Micenas e Creta, reforaram a viso de um mundo grego repleto de cores e
28
pigmentos. Segundo Gage19, por influncia das pesquisas de J. I. Hittorff, publicadas
em De lArchitecture polychrome chez les grecs, em 1830, muitos arquitetos
neoclssicos se voltaram para a policromia em suas obras, como Karl Friedrich
Schinkel20. O exemplo das melhores cores conhecidas da antiguidade clssica est
em Pompia, cidade romana destruda pela erupo do Vesvio em 79 d.C. So
encontrados ricos vermelhos e laranjas nos afrescos, configurando as pinturas mais
coloridas que restaram de toda a antiguidade. Estas pinturas ajudaram a alavancar o
Neoclassicismo no sc. XVIII.
Figura 1.6: Lawrence Alma Tadema. Fdias e o frizo do Parthenon, 1868. leo sobre painel,
72x110 cm. Fonte: http://www.reproarte.com/picture/Lawrence_Alma-Tadema/Pheidias +und+der+Fries+von+ den+Parthenon/162.html. Acesso em 13 jan. 2012.
Figura 1.7: Ingres. Antoco e Stratonice, 1834-40. Fonte: GAGE, 1993, p. 21.
19
GAGE, 1993, p. 11. 20
A exposio Bunte Gtter (Deuses Coloridos), patrocinada pela Gliptoteca de Munique, itinerou em 2004 por vrias capitais da Europa exibindo cpias de peas originais com tentativas de reconstituio da policromia, de forma didtica e pedaggica.
29
A trade branco, vermelho e preto ser, de acordo com Pastoureau, o grande
sistema de cores da Antiguidade clssica. Gage aponta que essa trade era tambm
a mais aplicada na frica e sia. Isso contribuiu para o desenvolvimento da cor
como percepo e cor como linguagem que, atravs das redues e simplificaes,
constituiu vocabulrios cromticos (e simblicos) especficos. Pastoureau comenta
que, historicamente, as cores foram associadas da seguinte forma: branco para
aqueles que rezam, vermelho para aqueles que combatem e preto para aqueles que
trabalham. Em Roma, a dimenso do preto parece ter perdido a conotao benfica
de fertilidade e fecundidade. A cor da morte o preto (ou cores escuras), a cor do
luto das vestes dos parentes do romano morto. No incio do Cristianismo, o preto e o
vermelho so as cores do inferno, as cores das trevas e do fogo eterno; cores que
representaro o Diabo durante muito tempo. Assim, os adjetivos ater e niger
possuem sentidos pejorativos: sujo, triste, lgubre, malvado, prfido, cruel, funesto,
mortfero.
Figura 1.8: Templo de Empdocles em Selinunte, de Restitution du Temple dEmpdocle
Selinunte. Fonte: GAGE, 1993, p. 21.
Figura 1.9: Afrescos de Pompia da Villa dos Mistrios e afresco da Villa de Fannius Synistor
em Boscoreale. Metropolitan Museum of Art. Fonte: GAGE, 1993, p. 21.
30
Figura 1.10: Charles Franois Mazois. Reconstruo de uma parede, edifcio de Eumachia,
Pompeia, 1829. Fonte: GAGE, 1993, p. 24.
Cientificamente, de forma geral, para Pedrosa, os filsofos da Antiguidade oscilavam
entre dois conceitos: o primeiro, dominante, que se referia cor como propriedade
dos corpos; o segundo, que os fenmenos da colorao eram frutos do
enfraquecimento da luz branca21. Este ltimo conceito permaneceu vivo durante a
Idade Mdia, e mesmo depois de Leonardo e Newton, foi capaz de influenciar
Goethe. Os objetos mais valiosos medievais eram feitos com materiais luminosos,
como ouro, prata e pedras preciosas, devido s atribuies metafsicas s cores
luminosas e a uma especulao desses materiais gerarem sua prpria luz. Na Idade
Mdia se encontram diversos sistemas de cores, derivados das teorias da
Antiguidade e da Cristandade. Segundo Gage:
O amor medieval de sistemas e cores nos deu estes diagramas magnficos, mas que no devem nos levar a supor que as cores eram um smbolo de alguma forma padro. A correlao de Byrtferth dos quatro humores, as quatro estaes, os quatro pontos cardeais, e assim por diante, foi apenas um dos muitos esquemas semelhantes que forneceram uma abundncia de cores para cada um dos quatro elementos
22 (GAGE, 1993, p. 87).
O Cristianismo desenvolve costumes relacionados com as cores, como aponta
Pastoureau sobre o preto23. Diversos animais foram proscritos, por sua cor preta e
sua associao com o maligno, tanto por catlicos no incio do Renascimento como
21
PEDROSA, 2010. P. 50. 22
The medieval love of systems wich gave us these magnificent diagrams should not lead us to suppose that colours were symbolic in any standard way. Byrtferths correlation of the four humours, the four seasons, the four points of the compass, and so on, was only one of many similar schemes which provided an abundance of colours for each of the four elements. 23
PASTOUREAU, 2011, p. 36.
31
por protestantes. Os corvos so os maiores exemplos, associados ao paganismo por
excelncia, presente em diversos mitos antigos. O corvo a ave que trai No, a
comedora de cadveres, o preto corrompido. Por outro lado, a pomba traz o ramo de
oliveira, o sinal da retirada das guas, o branco da virtude.
Figura 1.11: Atribudo a Byrtferth de Ramsey. Qudruplo sistema do Macrocosmo e do
Microcosmo, mostrando os elementos terra, fogo, gua e ar. C. 1080-90. Fonte: GAGE, 1993, p. 87.
32
Figura 1.12: John of Cuba. Hortus Sanitatis, as cores da urina. Claude Boutet. Fonte: GAGE,
1993, p. 126.
Figura 1.13: Miniatura de uma grande Bblia, pintada em Pamplona para o rei Sancho VII, o
Forte, em 1197. Amiens, Biblioteca municipal, ms. 108, folio 254, verso 3255. Fonte: PASTOUREAU, 2011, p. 39.
De forma geral, a trade branco, vermelho e preto vista de forma ambgua no
Cristianismo: o branco a cor do Cristo, da luz, da pureza, dos anjos e virgens. O
vermelho a cor do sangue do Cristo, dos apstolos e dos mrtires, da Cruz e do
Esprito Santo. O preto a cor da penitncia e da Sexta-Feira Santa. Mas o
vermelho e preto tambm so cores do inferno. Na poca carolngia, o preto
33
adotado pelos monges beneditinos. tambm usado como sinal de penitncia e
aflio pelos religiosos. Nos contos populares essas cores tambm aparecem. Em
Chapeuzinho vermelho, uma menininha, vestida de vermelho, transporta um objeto
branco, e encontra o lobo preto. Em O corvo e a raposa, o corvo deixa cair um queijo
branco, apoderado pela raposa vermelha. A trade perder sua hegemonia com a
introduo do sistema de cores da herldica, no sculo XII. Quando fica
estabelecido o sistema dos sete pecados capitais, no sculo XIII, cada pecado
passa a ser associado a uma cor: orgulho e luxria com o vermelho, a inveja com o
amarelo, a gula com o verde, a preguia com o branco, a clera e a avareza com o
preto24.
Figura 1.14: Fra Angelico. O juzo final, c. 1431-32. Florena, Museu de So Marcos. Fonte:
PASTOUREAU, 2011, p. 49.
Segundo Pastoureau, foi na Idade Mdia que o maior sistema de cores ocidental
surgiu: a herldica. As armaduras medievais tornavam os cavaleiros irreconhecveis
e, pouco a pouco, o hbito de se pintarem e se reconhecerem por smbolos foi
sistematizado. A herldica surgiu, por volta do sculo XII, por razes militares, para
reconhecimento de combatentes e pelos torneios e seus brases. Sua fase clssica
se situa entre 1230 e 1380. Em pouco tempo sua utilizao se desmilitarizou,
admitindo-se, por volta de 1350, seu uso em toda a esfera cultural, incluindo a classe
agrcola. Na herldica, as cores so uniformes e no existem nuances. O que
interessa o imaginrio da cor; a fronteira que separa o emblema do smbolo
fluida. Da herldica se derivam as bandeiras, os uniformes, os cdigos de estrada,
emblemas desportivos, etiquetas e logotipos que vemos hoje na atualidade. Esse
sistema utiliza um nmero limitado de cores. Desde sua origem25
, existem seis:
24
Os sete pecados capitais, ou doenas espirituais, foram definidas pelo monge Evgrio Pntico, no sculo IV. 25
Cf. GAGE, 1993, 82-91.
34
branco (prata), amarelo (ouro), vermelho (goles), preto (sable), azul (azur) e verde
(sinople). O prpura (um cinza-violceo) apareceu no sculo XIII, mas foi raramente
utilizado. O vermelho pode ser de qualquer tom da famlia dos vermelhos, ou mesmo
cor-de-rosa. Trata-se de um vermelho conceitual. Pastoureau escreve, ainda, que:
O mesmo acontece com o azul do rei capeto26: pode ser azul celeste ou azul
ultramarino, sem nada perder das dimenses herldicas e simblicas
(PASTOUREAU, 1997, p. 95). A herldica tambm retira da cor preta sua
associao com o Diabo. Se o preto fosse uma cor negativa, no estaria presente
nos brases de imperadores e de ricos e poderosos. Com o perodo barroco, a
herldica ocidental ganha uma sobrevida de dois sculos, e ainda hoje est viva em
partes da Europa.
Figura 1.15: Armorial da Europa e do velocino de ouro, c. 1434-1435. Paris, Biblioteca do
Arsenal, ms. 4790, folio 34 (brases holandeses). Fonte: (PASTOUREAU, 2011, p. 67).
No decorrer desta dissertao, os sistemas de cores que surgiro aps a Idade
Mdia ficaro em evidncia, j que se vinculam aos progressos alcanados no
estudo da cor ao longo dos sculos.
26
Dinastia de reis franco-germnicos, iniciada por Hugo Capeto (938-996).
35
1.3 PEDAGOGIA DA COR
1.3.1 Panorama do estudo acadmico como forma de compreenso do estudo
da cor
Parte desta pesquisa procurou entender como a cor foi surgindo como uma rea
especfica do conhecimento artstico, de forma autnoma, e como percebida na
contemporaneidade. Para auxiliar a pesquisa, recorri s origens das academias de
arte para entender o surgimento das instituies e procurar evidncias mais precisas
de alguma disciplina que privilegiasse a cor em si e, consequentemente, apontasse
as principais referncias tericas. Entretanto, apenas no sc. XIX que podemos
dizer que a cor assume posturas mais independentes no ensino de arte.
Durante o Quatrocento, sob o patrocnio de Loureno, o Magnfico, e sob o comando
de Marsilio Ficino, na dcada de 1470, a utilizao de uma villa em Careggi recebeu
a denominao de academia, a primeira conhecida da era moderna. Esses eruditos
e amadores desenvolveram essa nova forma de convvio social culto, se
diferenciando do esprito escolstico das universidades, em torno da filosofia
platnica, do ceticismo ciceroniano, de sociedades astrolgicas semi-secretas e ao
aristotelismo no escolstico27. Para Leonardo, a pintura deve se afastar das artes
mecnicas para aproxim-la da cincia (artes liberais), onde o desenho o meio
intelectual predominante, da mesma forma que o seu ensino. A escultura, do seu
ponto de vista, permaneceria uma arte mecnica, por fazer transpirar e exaurir
fisicamente, situao modificada posteriormente pelo gnio de Michelangelo. Atravs
desse pensamento, artistas do Renascimento gozaram do prestgio intelectual. As
atividades das academias se dividiam em diversas reas do conhecimento, das
quais se destacam as correntes cientficas (fsica, qumica, histria natural) e as
relacionadas filologia e linguagem. Qualquer assunto pertinente pintura,
escultura e arquitetura devia ser includo28. A Academia de S. Luca, criada com a
direo de Federico Zuccari, segundo os princpios de Vasari de elevao do status
do artista em relao ao artesanato, em 1593, desloca o centro da arte e o ensino de
27
PEVSNER, 2005, p. 71-72. 28
A perspectiva deveria ser a primeira matria ensinada; depois a proporo, a cpia de obras dos mestres, no desenho a partir de relevos, no desenho com modelo-vivo e por fim a prtica de sua arte.
36
arte para Paris, para dentro da corte francesa. Os prncipes, como eram chamados
os diretores da instituio, incluam alguns dos maiores gnios da arte, como:
Bernini, Charles Le Brun e Antonio Canova. A Acadmie Royale de Peinture et de
Sculpture foi a nica instituio congruente com o absolutismo de Colbert. Impondo
o ingresso dos pintores na academia, o rei assegurava o predomnio de seu estilo,
barrando e anulando a difuso de outros estilos e talentos. O sistema de doze
professores impedia que a personalidade de um exercesse influncia preponderante
na academia. Este sistema hermtico desenvolveu um plano de arte nacional que
levaria a concepo de Vaux-le-Vicomte e Versalhes29.
Figura 1.16: Programa de ensino de arte na Frana do sc. XVIII. Gravura de C. N. Cochin, o
Jovem, de 1763, encontra-se na srie de ilustraes do verbete desenho da Encyclopdie de Diderot e dAlembert. Pode-se ver, esquerda, o desenho a partir de desenhos; ao centro,
o desenho a partir de modelo em gesso, e direita, ao fundo, o desenho a partir do nu. Fonte: PEVSNER, 2005, p.148.
Figura 1.17: Salo de esculturas em gesso, provenientes da AIBA (Academia Imperial de
Belas Artes). Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro - RJ.
29
Contrapondo-se ao sistema acadmico francs, a Holanda permitiu grande liberdade de criao e ensino aos seus artistas. Um artista como Rembrandt podia ter tantos alunos particulares quanto quisesse. No recebiam interferncias da guilda e nem de estilo, pintavam o que queriam, sem saber quem os compraria ou onde iriam parar.
37
Nos sculos XVIII e XIX, a doutrina neoclssica do Belo Ideal de J.J. Winckelmann
alavanca o vigor e a prioridade do desenho. O uso da cor e efeitos luminosos no
foram recomendados, retomando a velha questo entre a primazia do desenho
sobre a cor30. Encontra-se a defesa das disciplinas de geometria, perspectiva,
histria, mitologia, anatomia, teoria da arte e filosofia. No esprito tpico dos
neoclssicos e romnticos, os artistas vivem nos cumes do gnero humano e reinam
como soberanos. Percebemos a reivindicao do pensamento esttico desvinculado
das correntes estatais e institucionais, onde o artista livre e sua liberdade a
mxima expresso da inteligncia e evoluo da arte. A rotina cotidiana de uma
academia, como a Academia de Berlim, por volta de 1800, no apresenta uma
disciplina que destaque a cor em absoluto31.
As transformaes do pensamento romntico foram decisivas para a reconfigurao
do ensino de arte, porm a cor ainda no se manifesta como disciplina autnoma.
Em 1790, comeou a se esboar um movimento anti-acadmico, o Sturm und Drang,
recebendo aliados como os enciclopedistas. Anteriormente, Diderot e Voltaire
questionaram o valor das organizaes acadmicas, que incentivavam o talento raso
e prejudicavam o gnio. Os primeiros conflitos entre artistas e pensadores contra as
academias foi no campo da Weltanschauung na Alemanha, com Carstens32, e
depois na Frana, com Jacques Louis David33. Joseph Anton Koch, lder da escola
herica da pintura de paisagem romntica alem, comparou uma academia de arte a
uma enfermaria de doentes terminais, a um asilo de indigentes e a um queijo podre
de onde saem levas incontveis de artistas, como larvas. Overbeck, lder dos
30
Segundo Winckelmann, o desenho deve ocupar o primeiro, segundo e terceiro lugar em uma obra de arte, e Mengs afirma que lintelligenza del disegno, che dirige tutte le arti ( a inteligncia do desenho que orienta todas as artes). Reynolds classificava os mestres venezianos em uma categoria inferior aos romanos, florentinos e bolonheses. PEVSNER, 2005, p. 197. 31
Cf. PEVSNER, 2005, p. 222-223. 32
As cartas de Carstens so as primeiras crticas de um artista ao sistema acadmico. Ele diz que as academias degradaram tanto a arte que ela se satisfaz em desenhar vinhetas de livros. Suas crticas foram tomadas como arrogantes e mal agradecidas devido s bolsas de estudos e patrocnios recebidos pelas mesmas instituies que atacara. 33
Segundo Pevsner, os especialistas na arte do Antigo Regime (Lus XVI) foram ludibriados pela habilidade com que David tratou o suntuoso aparato histrico e fecharam os olhos ao verdadeiro significado de seu credo republicano e austeridade formal com que o expressou, at que um dia depararam com o citoyen David, deputado da conveno (PEVSNER, 2005, p. 239). David, como revolucionrio, foi membro ativo do perodo do Terror, comandou execues na guilhotina, votou a favor da execuo do rei e foi amigo prximo do paranico Marat, idealizado como mrtir em uma de suas telas mais emblemticas. David, o maior nome do neoclassicismo francs e fundador da Commune des Arts, foi proibido de ser enterrado em seu prprio pas.
38
Nazarenos, disse que nas academias todo sentimento nobre e todo pensamento de
valor so sufocados e encurralados. A introduo da Master Class proporcionou uma
opo individualista ao aluno que podia escolher seus mestres de acordo com suas
aptides, ao contrrio dos inmeros professores que