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ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.9, n.17; p. 2013 2008 PAPILOMATOSE ORAL EM CÃES Fernanda Gosuen Gonçalves Dias 1 , Lucas de Freitas Pereira 2 , Cristiane Alves Cintra 3 , Cristiane dos Santos Honsho 4 , Luis Gustavo Gosuen Gonçalves Dias 5 1 Mestre em Medicina Veterinária de Pequenos Animais e Especialista em Odontologia Veterinária, Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca-SP, Brasil 2 Mestre em Medicina Veterinária de Pequenos Animais, Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca-SP, Brasil 3 Discente do Programa de Aprimoramento em Clínica Médica de Pequenos Animais, Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca, SP, Brasil 4 Prof a . Dr a . do Programa de Mestrado em Medicina Veterinária de Pequenos Animais, Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca-SP, Brasil 5 Prof. Dr. do Programa de Mestrado em Medicina Veterinária de Pequenos Animais, Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca-SP, Brasil e-mail do autor: [email protected] Recebido em: 30/09/2013 – Aprovado em: 08/11/2013 – Publicado em: 01/12/2013 RESUMO A papilomatose é uma doença infectocontagiosa viral comumente encontrada na espécie canina, sendo caracterizada pela formação de nódulos benignos na cavidade oral, pele, genitálias e olhos. Pode acometer animais de qualquer idade, porém os jovens são os mais afetados. O aspecto macroscópico dos papilomas orais é variável e os animais acometidos podem apresentar disfagia, halitose e salivação. O diagnóstico dessa enfermidade é baseado no exame clínico do paciente e histopatológico das lesões. Diferentes protocolos terapêuticos são instituídos quando as lesões não apresentam cura espontânea, entre eles cita-se a eletrocirurgia, remoção cirúrgica, crioterapia, auto-hemoterapia, autovacinas e fármacos homeopáticos, quimioterápicos e imunoestimulantes. Diante da ocorrência frequente da papilomatose em cães, o objetivo do presente trabalho é discorrer sobre o fator etiológico envolvido, os sinais clínicos, meios de diagnóstico, diferentes opções terapêuticas e medidas de profilaxia dessa afecção oral. PALAVRAS-CHAVE: cão, cavidade oral, doença viral, imunossupressão PAPILLOMATOSIS ORAL IN DOGS ABSTRACT The papillomatosis is a viral infectious disease commonly found in dog’s species, being characterized by the formation of benign tumors in the oral cavity, skin, genitals and eyes. Can affect animals of any age, but young people are the most affected. The macroscopic appearance of papilloma is variable and affected animals may have

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PAPILOMATOSE ORAL EM CÃES

Fernanda Gosuen Gonçalves Dias1, Lucas de Freitas Pereira2, Cristiane Alves Cintra3, Cristiane dos Santos Honsho4, Luis Gustavo Gosuen Gonçalves Dias5

1 Mestre em Medicina Veterinária de Pequenos Animais e Especialista em Odontologia Veterinária, Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca-SP, Brasil

2 Mestre em Medicina Veterinária de Pequenos Animais, Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca-SP, Brasil

3 Discente do Programa de Aprimoramento em Clínica Médica de Pequenos Animais, Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca, SP, Brasil

4 Profa. Dra. do Programa de Mestrado em Medicina Veterinária de Pequenos Animais, Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca-SP, Brasil

5 Prof. Dr. do Programa de Mestrado em Medicina Veterinária de Pequenos Animais, Universidade de Franca – UNIFRAN, Franca-SP, Brasil

e-mail do autor: [email protected]

Recebido em: 30/09/2013 – Aprovado em: 08/11/2013 – Publicado em: 01/12/2013

RESUMO

A papilomatose é uma doença infectocontagiosa viral comumente encontrada na espécie canina, sendo caracterizada pela formação de nódulos benignos na cavidade oral, pele, genitálias e olhos. Pode acometer animais de qualquer idade, porém os jovens são os mais afetados. O aspecto macroscópico dos papilomas orais é variável e os animais acometidos podem apresentar disfagia, halitose e salivação. O diagnóstico dessa enfermidade é baseado no exame clínico do paciente e histopatológico das lesões. Diferentes protocolos terapêuticos são instituídos quando as lesões não apresentam cura espontânea, entre eles cita-se a eletrocirurgia, remoção cirúrgica, crioterapia, auto-hemoterapia, autovacinas e fármacos homeopáticos, quimioterápicos e imunoestimulantes. Diante da ocorrência frequente da papilomatose em cães, o objetivo do presente trabalho é discorrer sobre o fator etiológico envolvido, os sinais clínicos, meios de diagnóstico, diferentes opções terapêuticas e medidas de profilaxia dessa afecção oral. PALAVRAS-CHAVE : cão, cavidade oral, doença viral, imunossupressão

PAPILLOMATOSIS ORAL IN DOGS

ABSTRACT

The papillomatosis is a viral infectious disease commonly found in dog’s species, being characterized by the formation of benign tumors in the oral cavity, skin, genitals and eyes. Can affect animals of any age, but young people are the most affected. The macroscopic appearance of papilloma is variable and affected animals may have

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dysphagia, halitosis and salivation. The diagnosis of this disease is based on clinical examination and histopathological lesions. Different therapeutic protocols are instituted when the lesions show no spontaneous healing, among them is cited the electrosurgery, surgical removal, cryotherapy, autohemotherapy, autovaccines and homeopathic drugs, chemotherapy and immunostimulants. Given the frequent occurrence of papillomatosis in dogs, the aim of this paper is to discuss the etiological factor, clinical signs, diagnostic methods, treatment options, and different measures of prophylaxis this oral disease. KEYWORDS: dog, oral cavity, viral disease, immunosuppression

INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA

A papilomatose oral, frequentemente encontrada na espécie canina (SANTOS et al., 2008; YHEE et al., 2010) é uma afecção infectocontagiosa (AZEVEDO et al., 2008), causada por um agente etiológico viral, do gênero Papilomavírus e família Papovaviridae (SILVA et al., 2011), sendo caracterizada pelo desenvolvimento de massas proliferativas neoplásicas benignas (denominadas de papilomas) (MONTEIRO et al., 2008; LANGE et al., 2013).

O agente etiológico é um vírus espécie-específico (SUNDBERG et al., 2000; BOLFER, 2011), de tamanho pequeno, possuindo cadeia dupla de material genético e genoma circular envolvido por capsídeo icosaédrico, o que o torna mais resistente às condições variáveis do ambiente (FERNANDES et al., 2009).

A replicação viral ocorre nas células basais do estrato germinativo que estão em divisão contínua (DOORBAR, 2005; VENUTI et al., 2011), causando acantomatose, hiperqueratose e hiperproliferação espontânea de células tumorais benignas nos locais acometidos (SCOPEL et al., 2010).

A ocorrência dessa doença infectocontagiosa é comum em todos os estados do território brasileiro e demais países (SCOPEL et al., 2010), não havendo descrições na literatura sobre a influência climática na incidência desta afecção viral (FERNANDES et al., 2009. As formas de transmissão são o contato direto ou indireto com secreções e sangue procedente dos papilomas ou de instalações e equipamentos previamente contaminados (CARNEY et al., 1990; BOLFER, 2011).

A morbidade da papilomatose é consideravelmente alta em hospitais e clínicas veterinárias, canis e ambientes fechados com grande quantidade e rotatividade de animais (SANTOS et al., 2008). O período de incubação da doença varia em torno de seis meses (SCOPEL et al., 2010). Essa afecção pode acometer cães de qualquer idade (SHIMADA et al., 1993), porém os jovens (com menos de um ano) e os imunodeprimidos são os mais comumente acometidos (NET et al., 1997; BIRICIK et al., 2008; LANGE et al., 2013).

Os papilomas orais em cães caracterizam-se por presença de massas salientes, únicas ou múltiplas, de tamanhos variados (MONTEIRO et al., 2008; FERNANDES et al., 2009), que inicialmente apresentam-se com aspecto liso e aderidos em regiões cutâneas e mucocutâneas, mas com a evolução rápida da doença tornam-se com aparência rugosa (semelhante a “couve-flor” ou “verruga”) e pedunculadas (Figura 1) (SCOPEL et al., 2010; BOLFER, 2011). Não há relatos atuais na literatura sobre a predisposição racial, sexual e de sazonalidade da doença na espécie canina (FERNANDES et al., 2009; SCOPEL et al., 2010).

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As massas pedunculadas podem se desprenderem facilmente, o que ocasiona

sangramentos locais com consequente aparecimento de miíases no local, odor desagradável e agravamento do quadro com contaminação bacteriana (FERNANDES et al., 2009). A coloração dos papilomas normalmente é branca acinzentada a negra e áreas de ulcerações podem ou não estar presentes (SHIMADA et al., 1993).

Os papilomas podem ser encontrados na região genital (AZEVEDO et al., 2008; SCOPEL et al., 2010), ocular e cutânea (Figura 2), porém, os locais mais comumente afetados em cães são os lábios, mucosa labial, língua, palato (Figura 3), esôfago, faringe (MEGID et al., 2001; BOLFER, 2011) e epiglote (SILVA et al., 2011). De acordo com MONTEIRO et al. (2008), essas regiões são as mais acometidas pela alta irrigação sanguínea que apresentam. Em um mesmo cão, pode ser observados papilomas em todas essas localidades de forma concomitante (MEGID et al., 2001; FERNANDES et al., 2009).

Dentre os sinais clínicos observados nos cães acometidos com papilomatose oral destacam-se disfagia, sangramento oral, salivação excessiva (SILVA et al., 2011), halitose, má-oclusão dentária em casos mais graves (AZEVEDO et al., 2008; BIRICIK et al., 2008) e infecções bacterianas secundárias (SHIMADA et al., 1993; BOLFER, 2011).

FIGURA 1: Imagem fotográfica de cavidade oral de cão, demonstrando a presença de múltiplos papilomas salientes na região labial superior e inferior direita, de tamanhos variados e não ulcerados. Nota-se que alguns apresentam aspecto liso (setas azuis), ao passo que outros, rugoso (seta amarela), todos com coloração branca acinzentada.

Fonte: Arquivo pessoal, 2010.

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O diagnóstico da papilomatose deve ser baseado na idade e no histórico do animal, no aspecto macroscópico das massas orais (SILVA et al., 2011), no exame histopatológico dessas nodulações (SANTOS et al., 2008; YHEE et al., 2010; MARINS et al., 2012) seguido de microscopia eletrônica (LANGE et al., 2013), análise da sequência de nucleotídeos (estudo citogenético) utilizando primers degenerados, além de avaliação por reação em cadeia de polimerase (MARINS et al., 2012).

FIGURA 2: Imagem fotográfica de cão, demonstrando presença de papiloma único em região cutânea mentoniana (seta), com aspecto rugoso, áreas de ulceração e ausência de aderência.

Fonte: Arquivo pessoal, 2012.

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Na histopatologia das massas orais é possível observar a presença de hiperplasia do epitélio pavimentoso estratificado (TOBLER et al., 2007; BIRICIK et al., 2008), com extenso crescimento do epitélio (SUNDBERG et al., 2000; MONTEIRO et al., 2008; LANGE et al., 2013) que pode se estender até a derme (FERNANDES et al., 2009). Observam-se também cristas epidérmicas extensas e profundas e papilas dérmicas que se projetam no sentido contrário às cristas, com tecido conjuntivo vascularizado, queratina tubular com conjuntivo, infiltrado mononuclear linfocitário com fibroblastos ativos e figuras de mitose (FALLAVENA et al., 1998). Exames hematológicos complementares também podem ser úteis para revelar doenças concomitantes à papilomatose (AZEVEDO et al., 2008; BIRICIK et al., 2008). O diagnóstico diferencial da papilomatose oral inclui todas as neoplasias que podem comprometer a cavidade oral (SHIMADA et al., 1993; SANTOS et al., 2008) como os epúlides, tumor venéreo transmissível e carcinoma de células escamosas (BOLFER, 2011; MARINS et al., 2012). Papilomas generalizados em outras regiões do corpo devem ser diferenciados de dermatofitoses, lesões cutâneas secundárias a fotossensibilização e alergias decorrentes da picada de ectoparasitas (HARTMANN et al., 2002). Por ser autolimitante (MAGLENNON & DOORBAR, 2012), na maioria das vezes, os papilomas possuem regressão espontânea (BIRICIK et al., 2008) em quatro a oito semanas após o aparecimento das massas, porém alguns casos tornam-se crônicos, principalmente quando o sistema imunológico do paciente não está reagindo corretamente (NICHOLLS et al., 1999; NICHOLLS et al., 2001; MAGLENNON & DOORBAR, 2012).

FIGURA 3: Imagem fotográfica de cavidade oral de cão, demonstrando a presença de múltiplos papilomas na mucosa labial inferior direita (seta vermelha), na região ventral da língua (seta azul) e palato mole (seta amarela). Fonte: Arquivo pessoal, 2010.

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Nos casos que necessitam de tratamento, indica-se a identificação e correção da causa primária de imunossupressão (SANTOS et al., 2008; SILVA et al., 2011) associada a exérese cirúrgica dos papilomas, assim como eletrocirurgia, crioterapia com nitrogênio líquido, administração de fármacos antivirais e homeopáticos, realização de auto-hemoterapia, aplicação de vacina autógena, medicamentos imunomoduladores (SANTOS et al., 2008) e sessões de quimioterapia sistêmica ou intralesional (FERNANDES et al., 2009).

A remoção cirúrgica (NICHOLLS et al., 1999; SILVA et al., 2011) e a eletrocirurgia são indicadas em cães com papilomas orais isolados ou persistentes após os demais tratamentos não invasivos (MEGID et al., 2001; FERNANDES et al., 2009). O tratamento homeopático indicado em cães é com o fármaco Thuya 30CH (0,5ml/animal, por via oral, a cada 12 horas, durante 15 dias seguidos ou mais) e, em seguida, Nitric acid 30CH (na mesma dosagem, via oral, a cada 12 horas, por três dias consecutivos) (FERNANDES et al., 2009). De acordo com MONTEIRO & COELHO (2008), a ação da tintura alcoólica da Thuya parece estar relacionada à presença de um óleo volátil em sua composição que é imunoestimulante e purificador sanguíneo. MONTEIRO & COELHO (2008) também citaram que a tintura-mãe da planta Thuya occidentalis pode ser utilizada de forma tópica nos papilomas. A auto-hemoterapia consiste na retirada de sangue venoso do animal acometido por papilomatose (aproximadamente 20 mililitros de sangue sem anticoagulante) e aplicado nele mesmo imediatamente, por via intramuscular, com a finalidade de estimular o sistema imunológico pela ativação do sistema mononuclear fagocitário, o que pode aumentar o número de anticorpos circulantes, com custo relativamente baixo (HARTMANN et al., 2002; SILVA et al., 2011). Na autovacinação (ou vacina autógena), utilizam-se extratos provenientes dos próprios papilomas do paciente (aproximadamente cinco gramas) que são triturados e inativados com solução formalina a 0,04% e conservados em estufa durante 24 horas, para posterior aplicação por via intramuscular ou subcutânea, com intervalos de cinco dias e normalmente é feito seis aplicações (HARTMANN et al., 2002). Esta modalidade terapêutica, amplamente utilizada na espécie bovina (MEGID et al., 2001), tem o intuito de estimular a imunidade celular e humoral, porém a ocorrência de reações pós-vacinais locais não é rara (FERNANDES et al., 2009). BIRICIK et al. (2008) ainda relataram a utilização do antimicrobiano taurolidina em cães jovens com papilomatose oral, por via intravenosa, na dose de 45mg/kg associado com solução Ringer, a cada três dias, com resultados promissores após a quinta aplicação do produto e sem a ocorrência de efeitos adversos. Segundo esses autores, a taurolidina possui propriedade imunomoduladora, minimizando o crescimento e propagação dos papilomas e que até o presente momento, não há outros relatos na literatura sobre o uso desse fármaco em tal afecção oral.

Oferecer alimentação de boa qualidade ao paciente e mantê-lo em ambiente com poucos fatores estressantes também favorecem a eficácia do tratamento da doença, além de evitar casos de recorrências (HARTMANN et al., 2002; FERNANDES et al., 2009). O prognóstico da papilomatose é favorável desde que removida a causa primária de imunossupressão do paciente (NICHOLLS et al., 1999; SANTOS et al., 2008) e institua os tratamentos preconizados, o que também evita recidivas (BOLFER, 2011).

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DISCUSSÃO

O vírus da papilomatose já foi encontrado em mais de 20 espécies diferentes de mamíferos, bem como em aves e répteis (DOORBAR, 2005). Entre os mamíferos, os cães acometidos com infecções imunossupressoras ou debilitantes como a erliquiose, cinomose e parvovirose são mais suscetíveis à papilomatose (FERNANDES et al., 2009), pois as doenças concomitantes favorecem a replicação e manifestação clínica do vírus envolvido, já que o sistema imunológico desses animais não está totalmente maduro (BIRICIK et al., 2008; SANTOS et al., 2008; SCOPEL et al., 2010). Apesar de não ser uma doença comumente encontrada em felinos (CARNEY et al., 1990; SUNDBERG et al., 2000), MUNDAY et al. (2007) relataram a presença de papilomas na superfície dorsal do focinho de um gato de 12 anos de idade e CARNEY et al. (1990) descreveram a ocorrência em dois Persas. SUNDBERG et al. (2000) citaram que dos gatos acometidos com papilomatose, a maioria possuía o vírus da imunodeficiência felina concomitante.

A patogenia da papilomatose na espécie canina não é tão severa quando comparada aos bovinos de leite (NICHOLLS et al., 1999). Nesta última espécie, a enfermidade também é conhecida como “figueira dos bovinos ou verruga do gado”, gerando perdas econômicas significativas pelo acometimento no ganho de peso, produção de leite ou carne (MONTEIRO & COELHO, 2008) e depreciação do couro (MONTEIRO et al., 2008).

Ainda em relação à ocorrência da papilomatose em outras espécies animais, FALLAVENA et al. (1998) afirmaram que essa doença é infrequente em suínos, provavelmente pelo abate ser realizado precocemente, antes do aparecimento das lesões.

Em humanos, já foram identificados mais de 100 tipos diferentes de vírus do papiloma, baseado em distintos nucleotídeos (DOORBAR, 2005), porém as massas proliferativas decorrentes dessa doença são semelhantes às encontradas em cães (MAGLENNON & DOORBAR, 2012) e também contribuem para a progressão tumoral, principalmente no cólon uterino que é um grande causador de milhões de mortes em mulheres em todo o mundo (DOORBAR, 2005) e neoplasias orais como o carcinoma de células escamosas e outras potencialmente malignas (VENUTI et al., 2011). A frequência de casos de papilomatose em humanos também está diretamente relacionada com a presença de doenças imunossupressoras como o vírus da imunodeficiência adquirida (AIDS) e com o transplante de órgãos (MAGLENNON & DOORBAR, 2012).

No diagnóstico da doença, o exame histopatológico dos papilomas é de extrema importância por permitir a identificação de neoplasias intraepiteliais associados a viroses com caráter oncogênico (TOBLER et al., 2007; MONTEIRO et al., 2008). A imuno-histoquímica, microscopia eletrônica (SUNDBERG et al., 2000; VENUTI et al., 2011) ou técnicas moleculares também podem ser incluídas no diagnóstico da papilomatose (MUNDAY et al., 2007; TOBLER et al., 2007; SANTOS et al., 2008; MARINS et al., 2012), porém a realização de tais exames complementares fica limitada à instituições de ensino e pesquisas, devido ao alto custo (FERNANDES et al., 2009). De qualquer forma, na primeira técnica é possível detectar antígenos do vírus por meio de anticorpos mono ou policlonais (SUNDBERG et al., 2000; YHEE et al., 2010), como células CD41 e CD81, sendo o primeiro tipo celular predominante (NICHOLLS et al., 2001); já na microscopia

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eletrônica visualiza-se a estrutura hexazonal do vírus no interior do núcleo das células do estrato granuloso e as técnicas moleculares permitem a detecção do material genético e sequenciamento do vírus pela realização de reação em cadeia de polimerase (FERNANDES et al., 2009; MARINS et al., 2012).

Segundo MAGLENNON & DOORBAR (2012), a regressão espontânea dos papilomas está tipicamente associada com infiltrado de células T e macrófagos no epitélio e estroma subjacente ao tecido lesado, levando a eliminação rápida das massas tumorais. Apesar das diversas modalidades terapêuticas descritas (MEGID et al., 2001; SANTOS et al., 2008; SILVA et al., 2011), o tratamento da papilomatose ainda é contestado pois, não há protocolo altamente eficaz (pelo agente etiológico ser viral) e, além disso, a regressão espontânea das lesões dificulta a análise fidedigna dos produtos (FERNANDES et al., 2009). Neste contexto, a quimioterapia no local dos papilomas ou de forma sistêmica utilizando vincristina, bleomicina, ciclofosfamida ou doxorrubicina demonstraram resultados controversos e pouco eficientes em cães (SCOPEL et al., 2010). Outro fator dentro da terapêutica que vale a pena salientar é que, mesmo a autovacina sendo frequentemente indicada no tratamento da papilomatose, houve relatos recentes de ocorrência de carcinoma de células escamosas no local de aplicação da mesma (FERNANDES et al., 2009).

SILVA et al. (2011) utilizaram somente a auto-hemoterapia como protocolo terapêutico em um cão com papilomatose oral, porém aplicaram o sangue na base dos papilomas (quantidade variável com o tamanho dos mesmos), a cada quatro dias. Após cinco aplicações, as massas regrediram totalmente e não foram observados efeitos deletérios, assim como recidivas. Esses autores afirmaram que apesar dos bons resultados obtidos e do baixo custo dessa terapia, é necessário mais pesquisas sobre o assunto, abordando maior número de animais tratados.

Em bovinos, MEGID et al. (2001) relataram que a utilização oral e/ou parenteral do imunoestimulante Propionibacterium acnes (Infervac®) demonstrou bons resultados no tratamento da papilomatose cutânea. Esses autores acreditam que com a fagocitose do medicamento por macrófagos, ocorra produção de citocinas, estimulação de células natural Killer, além de incremento de anticorpos timo dependente. De acordo com os mesmos pesquisadores, em cães, a administração semanal deste fármaco (dose de 2 mg/animal, por via intramuscular até o desaparecimento das lesões) também proporcionou resposta satisfatória contra a papilomatose oral, com regressão total das nodulações após seis aplicações e sem a ocorrência de efeitos colaterais. Além disso, o custo desse produto é relativamente baixo.

Apesar de FERNANDES et al. (2009) indicarem a utilização da homeopatia com Thuya na potência de 30CH para cães, em bovinos, MONTEIRO & COELHO (2008) prescreveram na de 12 CH, também por via oral, porém a cada 24 horas, durante 60 dias seguidos.

Por ser a papilomatose uma doença infectocontagiosa (AZEVEDO et al., 2008) aconselha-se como forma de controle, a separação dos animais acometidos, já que até o momento não há vacinas disponíveis no mercado contra tal afecção (MONTEIRO et al., 2008; MARINS et al., 2012). Porém, modelos animais como os cães, coelhos, macacos, bovinos e roedores estão sendo empregados em diversos estudos com o intuito de tentar a produção de um produto vacinal eficaz contra a papilomatose (DOORBAR, 2005; MAGLENNON; DOORBAR, 2012; MARINS et al., 2012). Nesse sentido, VENUTI et al. (2011) referiram que o modelo bovino tem sido

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o mais útil (apesar dos custos elevados na manutenção desses animais durante a experimentação e a complexidade no manejo) e rentável para a compreensão do potencial oncogênico da papilomatose, devido ao papel central de uma proteína (oncoproteína E5) na transformação celular. De acordo com esses autores, essa proteína viral tem a capacidade de transformar células, favorecendo assim a carcinogênese e a modulação imunológica dos pacientes acometidos.

De acordo com FERNANDES et al. (2009), cães que já apresentaram a doença podem se tornam resistentes à reinfecção. Por outro lado, DOORBAR (2005) e MAGLENNON & DOORBAR (2012) citaram que em humanos, a reativação latente do vírus com ou sem o aparecimento da doença clínica, pode ser desencadeada por supressão no sistema imunológico, fatores hereditários, administração de fármacos imunodepressores, após transplantes de órgãos (principalmente renal), irritação e traumatismos mecânicos crônicos no local já acometido anteriormente, pela incidência contínua de radiações ultravioletas ou quaisquer outras alterações que possam causar alterações no material genético das células. Esses autores afirmaram também que os estudos referentes à latência da papilomatose ainda são restritos, quando comparados com outras infecções virais. Mesmo a papilomatose apresentando alta morbidade (FERNANDES et al., 2009), a mortalidade é relativamente baixa, pois é uma doença autolimitante, na maioria das vezes (MEGID et al., 2001; BOLFER, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A papilomatose é uma doença infectocontagiosa oportunista, frequentemente encontrada na cavidade oral de animais da espécie canina, principalmente nos acometidos por afecções imunossupressoras concomitantes e como o desenvolvimento dessa afecção é progressivo, o diagnóstico associado a medidas terapêuticas e profiláticas precoces podem proporcionar melhora na qualidade de vida dos pacientes.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, F. F.; GAMBA, G.; PICCININ, A. Papilomatose canina. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária , v. 6, n. 10, p. 1- 4, 2008. BIRICIK, H. S.; CABALAR, M.; GULBAHAR, M. Y. Oral papillomatosis in a dog and its therapy with taurolidine. Acta Veterinaria Brunensis , v. 77, n. 1, p. 373-375, 2008. BOLFER, L. Papilomatose canina. Informativo Univet News , v. 1, n. 6, p. 5-5, 2011. CARNEY, H. C.; ENGLAND, J. J.; HODGIN, E. C.; WHITELEY, H. E.; ADKISON, D. L.; SUNDBERG, J. P. Papillomavirus infection of aged Persian cats. Journal of Veterinary Diagnostic Investigation , v. 2, n. 1, p. 294-299, 1990. DOORBAR, J. The papillomavirus life cycle. Journal of Clinical Virology , v. 32, n. 1, p. 7-15, 2005.

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