64
Gustavo Nonato Bertoldo OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA INSIGNIFICÂNCIA EM CONFRONTO AO DIREITO PENAL MÁXIMO Centro Universitário Toledo Araçatuba - SP 2019

OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

Gustavo Nonato Bertoldo

OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA

INSIGNIFICÂNCIA EM CONFRONTO AO DIREITO PENAL MÁXIMO

Centro Universitário Toledo

Araçatuba - SP

2019

Page 2: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

Gustavo Nonato Bertoldo

OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA

INSIGNIFICÂNCIA EM CONFRONTO AO DIREITO PENAL MÁXIMO

Trabalho de conclusão de Curso apresentado como

requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em

Direito à Banca Examinadora do Centro Universitário

Toledo, sob orientação do Prof. Mestre Jefferson Jorge da

Silva.

Centro Universitário Toledo

Araçatuba - SP

2019

Page 3: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

Gustavo Nonato Bertoldo

ESTUDANDO AS NORMAS DA ABNT

Trabalho de conclusão de Curso apresentado como

requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em

Direito à Banca Examinadora do Centro Universitário

Toledo, sob orientação do Prof. Mestre Jefferson Jorge da

Silva.

Aprovado em _02_de ___Abril____de __2019__

BANCA EXAMINADORA

Professor Mestre Jefferson Jorge da Silva

Professor Mestre Thiago de Barros Rocha

Professor Doutor Luiz Gustavo Boiam Pancotti

Centro Universitário Toledo

Araçatuba - SP

2019

Page 4: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

I have a dream.

Page 5: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pela capacidade, discernimento e oportunidades que

me concedeu para dar mais um passo em minha vida. Agradeço a minha família, que são

minha base e meu exemplo de vida. Agradeço aos meus amigos que me apoiaram e me deram

forças em muitos momentos. Agradeço a mim, por nunca ter desistido, mesmo defronte a

tantas adversidades. Agradeço, imensamente também, aos Promotores de Justiça de

Araçatuba, os quais me apoiaram a todo tempo, me inspiraram e me incentivaram para a

conclusão desta etapa. E em especial, ao meu Professor Mestre Jefferson Jorge, o qual além

de meu orientador tornou-se um grande amigo no decorrer destes cinco anos de graduação. À

todos, os meus mais sinceros agradecimentos.

Page 6: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo o estudo dos princípios da

intervenção mínima do Estado e do princípio da insignificância. Doutra ponta, faremos um

estudo da política do direito penal máximo, popularmente conhecido como política de

tolerância zero. Nessa consonância traçaremos uma comparação entre os três temas, ou seja,

de um lado os princípios norteadores do Direito Penal, e doutro uma teoria elaborada nos

países desenvolvidos (política de tolerância zero). Dessa maneira, procuraremos demonstrar

se o Direito Penal brasileiro utiliza de maneira coerente o poder punitivo dado pelo Estado.

Buscando, ao final, uma conclusão sobre o estudo e comparação desenvolvida. Ao final

concluiremos se atualmente o nosso país seria capaz de desenvolver tal política, ou se os

princípios da intervenção mínima e insignificância seriam mais coerentes para o nosso

ordenamento jurídico. Como metodologia utilizamos bases lógicas de investigação, com uma

abordagem qualitativa e quantitativa.

Palavras-chave: Direito Penal. Princípio da intervenção mínima. Princípio da insignificância.

Direito Penal Máximo.

Page 7: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

ABSTRACT

The present work of conclusion of course has as objective the study of the principles of the

minimal intervention of the State and of the principle of insignificance. On the other hand, we

will study the politics of maximum criminal law, popularly known as zero tolerance policy. In

this consonance we will draw a comparison between the three themes, that is, on the one hand

the guiding principles of Criminal Law, and on another hand a theory developed in developed

countries (zero tolerance policy). In this way, we will try to demonstrate if the Brazilian

Criminal Law consistently uses the punitive power given by the State. Seeking, in the end, a

conclusion about the study and comparison developed. In the end, we will conclude whether

our country would be able to develop such a policy, or whether the principles of minimum

intervention and insignificance would be more coherent for our legal system. As methodology

we use logical bases of investigation, with a qualitative and quantitative approach.

Keywords: Criminal Law. Principle of minimum intervention. Principle of insignificance.

Maximum Criminal Law.

Page 8: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 8

I NOÇÕES FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL .................................................... 10

1.1 Conceito, função e características do Direito Penal .......................................................... 10

1.2 Conceito de crime .............................................................................................................. 12

1.2.1 Aspecto formal ............................................................................................................... 13

1.2.2 Aspecto material ............................................................................................................. 13

1.2.3 Aspecto analítico ............................................................................................................ 14

1.2.4 A definição legal de crime no Brasil .............................................................................. 15

1.3 Princípios limitadores do poder punitivo estatal ............................................................... 15

1.3.1 Princípio da legalidade ................................................................................................... 16

1.3.2 Princípio da culpabilidade .............................................................................................. 17

1.3.3 Princípio da humanidade ................................................................................................ 17

1.3.4 Princípio da irretroatividade ........................................................................................... 18

1.3.5 Princípio adequação social ............................................................................................. 19

1.3.6 Princípio ofensividade .................................................................................................... 20

1.3.7 Princípio proporcionalidade ........................................................................................... 20

1.3.8 Princípio fragmentariedade............................................................................................. 21

1.3.9 Outros princípios ............................................................................................................ 21

II PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO ........................................ 23

2.1 Contexto histórico ............................................................................................................. 24

2.2 Conceito, critérios e característica do princípio da intervenção mínima ........................... 28

2.3 O princípio da intervenção mínima na América Latina e no direito penal brasileiro ....... 33

III PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA... ........................................................................ 36

3.1 Esboço histórico ................................................................................................................ 37

3.2 Conceitos, características e aplicação da insignificância .................................................. 40

3.3 Princípio da insignificância e excludente da tipicidade material ....................................... 46

3.4 Críticas ao princípio da insignificância .............................................................................. 48

3.5 Direito Penal Máximo: conceito e características ............................................................. 50

3.5.1 Teoria das janelas quebradas ........................................................................................... 52

Page 9: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

3.5.2 Comparação entre o direito penal máximo e os princípios da intervenção

mínima do Estado e insignificância .......................................................................................... 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................58

REFERÊNCIAS....................................................................................................................61

Page 10: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

8

INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico vive um conflito entre duas ideologias penais. De um lado, o

Law and order, também conhecido como Direito Penal Máximo, ainda crente na antiga

promessa do Direito Penal de acabar com a criminalidade, tendo como instrumento o

incremento da sanção penal. Por sua vez, ideologias como o princípio da intervenção mínima

e princípio da insignificância, resultados da evolução dos ideais iluministas da primazia da

razão e do antropocentrismo, sustentam que no Estado Democrático de Direito a intervenção

do Estado deve sempre ser a mínima possível.

Não há dúvidas que criminalidade tem crescido de maneira alarmante em todo o

mundo, principalmente no nosso país.

Observa-se que os delitos não se restringem às grandes metrópoles, como São Paulo,

Rio de Janeiro, Brasília etc. Hoje, infelizmente, é possível afirmar que esse câncer social está

alastrado em todas as cidades do território brasileiro, mesmo as cidades mais pacatas e

remotas estão sofrendo com todos os tipos de delitos.

Nesse ponto, pequenos crimes como furtos (art. 155, do CP) são os mais frequentes,

a uma, porquanto são de fácil consumação, a duas porque a lei penal brasileira possui

princípios limitadores do poder punitivo estatal.

O presente trabalho vai analisar até que ponto tais princípios limitadores são

importantes para o Direito Penal, e se o Direito Penal Máximo caberia em nosso país.

No capítulo 1, abordaremos as noções fundamentais do Direito Penal, tais como, o

conceito, funções e características. Veremos, também, os princípios limitadores do poder

punitivo estatal.

No capítulo 2, discorreremos sobre o princípio da intervenção mínima do Estado.

Segundo esse princípio, o Direito Penal só deve intervir em último caso, ou seja, quando os

outros ramos do ordenamento forem insuficientes para solução do problema.

Assim, podemos dizer que de acordo com esse princípio o poder punitivo estatal

seria a ultima ratio da sociedade.

No capítulo 3, faremos uma análise do principio da insignificância, que é o

argumento utilizado pelo judiciário para reconhecer a desproporcionalidade no uso do Direito

Penal em alguns casos, visando eliminar a aplicação de sanções graves a pequenos delitos.

Page 11: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

9

A principal ideia é que a lesão ao patrimônio, nestes casos, não é relevante o bastante

para justificar a repressão penal, embora à vítima possa recorrer ao Direito Civil para ver

reparado o prejuízo.

Dessa maneira, caso a conduta, apesar de ser formalmente típica, cause pequena

lesão ao bem jurídico tutelado, não existirá tipicidade material, o que transforma o

comportamento em atípico.

Como o comportamento é atípico, ele se torna indiferente ao Direito Penal e incapaz

de gerar condenação ou mesmo de dar início à persecução penal. Nesse caso, quem efetuou o

delito não será preso.

Além disso, no terceiro capítulo faremos uma análise ao Direito Penal Máximo.

Alguns juristas sustentam que ao verificar-se a ocorrência do pequeno delito, por vezes

flagrantemente cometidos, que trouxe prejuízos para o cidadão honesto, este seja punido com

rigor e sem benesses, porque escolheu ferir o ordenamento jurídico. Aqui, é possível observar

resquícios da política de tolerância zero.

O Direito Penal Máximo já foi utilizado com sucesso nos EUA, lá, pela primeira vez

após 30 anos de aumento dos índices de criminalidade nas grandes metrópoles, os delitos

apresentam grande redução. Ouve-se falar, também, na “broken windows theory‖ (teoria das

janelas quebradas).

Ao final, buscaremos realizar uma comparação/confrontação entre esses temas, pois

de um lado temos os princípios que de certa forma tiram o poder punitivo do Estado, e de

outro lado a política que aplica sanções em todo e qualquer delito, seja ele de grande ou

pequena relevância. A questão é, qual seria o mais adequado para o nosso país.

Utilizaremos como metodologia bases lógicas da investigação, que se inicia pela

percepção de uma lacuna nos conhecimentos acerca da qual formula hipóteses e, pelo

processo dedutivo, testa a ocorrência de fenômenos abrangidos pela hipótese.

Quanto à abordagem do problema a pesquisa é quantitativa e qualitativa. Podemos

dizer que é qualitativa porque em nosso projeto houve uma análise apresentando por dados, e

qualitativa porque o nosso objetivo é forçar o surgimento de aspectos subjetivos e atingem

motivações não explícitas, ou mesmo conscientes, de maneira espontânea.

Page 12: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

10

I – NOÇÕES FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL

1.1 Conceito, função e características do Direito Penal

Ao mencionarmos Direito Penal, pensa-se, rapidamente, em fatos humanos

classificados como crimes (delitos), pensa-se, também, nos responsáveis por tais atos, ou seja,

os criminosos (delinquentes), e, depois, nas consequências jurídicas (pena).

Sob esse prisma, o Direito Penal é o que define o fato-crime, dispõe sobre quem deva

responder e, ao final fixa as penas e medidas de segurança a serem impostas.

Para Bitencourt o Direito Penal apresenta-se como: ―Um conjunto de normas

jurídicas que tem por objetivo a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções

correspondentes – penas e medidas de segurança‖ (2011, p. 32)

Os bens resguardados por ele não interessam somente ao indivíduo, mas a

coletividade como um todo. Viver em sociedade exige o estabelecimento de regras

disciplinadoras entre os individuais que a compõe.

Assim ensina Francisco de Assis Toledo:

Usa-se também a expressão como sinônimo de ―ciência penal‖. No último sentido,

direito penal é um conjunto de conhecimentos princípios, ordenados metodicamente,

de modo a tornar possível a elucidação do conteúdo das normas penais e dos

institutos em que elas se agrupam, com vistas à sua aplicação aos casos ocorrentes,

segundo critérios rigorosos de justiça. É assim, a ciência penal uma ciência prática,

como ensina Welzel, não apenas porque se põe a serviço da administração da justiça

(Rechtspflege), mas com significado mais profundo, por ser uma teoria do agir

humano justo e injusto. (2002, p. 2)

O Direito Penal tem como principal função resguardar e garantir essas condições

indispensáveis da convivência em sociedade, é ele quem defende os bens jurídicos

fundamentais, entre eles a vida (bem de maior valia), a saúde, a liberdade, a propriedade,

arrolados entre os denominados bens jurídicos.

Segundo o professor Capez (2004), para o exercício do Direito Penal, operam-no, em

nome do Estado, as denominadas instâncias formais de controle, como a polícia (mantenedora

da ordem, investigativa ou judiciária), o Ministério Público (como órgão legítimo a promover

a ação penal pública) e o Poder Judiciário (para a função de judicante).

Infelizmente, nos dias atuais a criminalidade é um fenômeno social normal, porque

ocorre em todas as classes e camadas sociais, sem distinções. Para Durkheim (2010), o delito

Page 13: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

11

não é somente um fenômeno social normal, como também cumpre outra função importante, a

de conservar aberto o canal de mutação que a sociedade necessita.

Não obstante, quando tais crimes aos direitos dos indivíduos assumem proporções

maiores, os outros meios de controle social mostram-se impotentes e ineficazes, surgindo o

Direito Penal como ultima ratio social, aplicando o direito punitivo do Estado.

Nesse sentido, a definição ao direito penal é:

Definimos o direito penal como o conjunto de normas que ligam ao crime, como

fato, a pena como consequência, e disciplinam também as relações jurídicas daí

derivadas, para estabelecer a aplicabilidade das medidas de segurança e a tutela do

direito de liberdade em face do direito punitivo do estado (MARQUES, 2009, p.21).

Podemos dizer que se faz necessário aplicar sanções a tais atos infracionais,

porquanto de nada adiantaria o estabelecimento de normas e regras, se, em contrapartida, não

houvesse consequências rígidas para punir os praticantes.

Entretanto, essa proteção é exercida não apenas pela sanção pura e simples, mas

também pela intimidação social, mais conhecida como prevenção geral exercida mediante a

difusão do temor aos possíveis infratores.

Daí deriva-se uma das principais diferenças entre o Direito Penal e os demais ramos

do Direito, qual seja, a finalidade preventiva, ou seja, estabelecer normas proibitivas e

respectivas sanções, visando, acima de tudo, evitar o crime.

Nesse diapasão, podemos consignar que o Direito Penal não age apenas

punitivamente (como pensa a sociedade), sendo a prevenção, a meu ver, muito mais

vantajosa.

Não há duvidas que melhor seria se houvesse a celebração de compromissos éticos

entre o Estado e o indivíduo, porém esse é um passo que a sociedade brasileira ainda não

alcançou, infelizmente.

Pois bem, entrando nas características, o Direito Penal, que é a ciência cultural que

pertence à classe das ciências do ―dever ser‖ e não à do ―ser‖, pois as regras por ele impostas

―devem ser‖ observadas por todos no respeito aos mais relevantes interesses sociais.

É também uma ciência normativa porque tem como premissa o estudo da norma

(Direito Positivo), além disso, o Direito Penal faz uma escala de valores dessas normas, que

variam de acordo com o fato que lhe dá conteúdo, por isso é também valorativo.

Ensina Damásio (2011, p. 48) ―O Direito não empresta às normas o mesmo valor,

porém, esse varia, de conformidade com o fato que lhe da conteúdo―.

Page 14: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

12

Tem ainda a lei penal caráter finalista, na medida em que procura tutelar os bens

jurídicos fundamentais, ou seja, ele tem como premissa maior resguardar a ordem jurídica,

que só pode ser protegida pela ameaça legal de aplicação de sanções, como a pena.

E, finalmente, o Direito Penal é sancionador, por proteger a ordem jurídica aplicando

penas (sanções).

Essas são as principais características do Direito Penal contemporâneo.

Discute-se, ainda, se o Direito Penal é constitutivo, alguns autores afirmam que se

trata de direito constitutivo, pois possuí um ilícito próprio, que vem da tipicidade, uma sanção

(pena), e alguns institutos exclusivos, dentre eles o sursis.

Lembra Walter de Abreu Garcez que:

As normas jurídicas não se recolhem a comportamentos estanques, mas sim atuam

em harmonia no quadro de uma sistematização geral, sem que por tais correlações se

possa falar em acessoriedade, secundariedade ou complementabilidade e umas e

outras. A meu ver, data vênia, o Direito Penal é excepcionalmente constitutivo.

(1972, p. 14)

Observamos, em tempo, que como ciência jurídica o Direito Penal tem caráter

dogmático, uma vez que se fundamenta no direito positivo, exigindo-se o total cumprimento

de suas normas pela sua obrigatoriedade.

O caráter dogmático é muito importante para o nosso tema.

Por ser uma ciência dogmática exige-se, necessariamente, o TOTAL cumprimento

das normas, devemos refletir se a política de tolerância zero é o melhor meio para o

cumprimento normativo.

1.2 Conceito de crime

Antes de adentrar no conceito em si, importante salientar que na segunda metade do

século XIX, a doutrina alemã, sob forte influência do método analítico, é quem definiu o atual

conceito de crime, fato que ocorreu com ajuda de outros países, como Itália, Espanha,

Portugal, Grécia, Áustria e Suíça.

Page 15: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

13

Como relatado no tópico acima, o caráter dogmático é uma característica do Direito

Penal, e, em consequência desse caráter, podemos dizer que o conceito de crime é

essencialmente jurídico.

O crime pode ser conceituado sob os seguintes aspectos: material, formal e analítico.

1.2.1 Aspecto formal

O aspecto formal alcança apenas um dos aspectos do fenômeno criminal, o mais

aparente, que é a contradição do fato a uma norma, não penetra, contudo, em sua essência, em

seu conteúdo, em sua matéria.

Sob o aspecto formal, pode-se dizer, simplesmente, que crime é o fato humano

contrário a lei.

O conceito dado pelo professor Damásio (2011, p. 193) é, também, nesse sentido

―Sob o aspecto formal, crime é um fato tipico e antijurídico. A culpabilidade, como veremos,

tem outra natureza”.

Na visão de Fernando Capez:

É aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do

crime. A finalidade desse enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a

infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva seu

raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, na perspectiva da moderna dogmática alemã,

adota-se um conceito tripartido de delito, desde o início do século XX, com Fraz v.

Liszt e Ernest Beling, lecionando-se que crime é todo fato típico, ilícito

(antijurídico) e culpável. (2004, p. 253).

Assim, podemos concluir que o conceito de crime no aspecto formal é basicamente

qualquer ação legalmente punível.

1.2.2 Aspecto material

Diferente do aspecto formal, o material procura estabelecer a essência do conceito,

ou seja, por que determinada atitude é considerada criminosa e o outro não, por que aquele

cidadão que cometeu furto foi condenado, e aquele outro que praticou o mesmo ato não.

Page 16: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

14

Com efeito, a melhor orientação para obtenção de um conceito material de crime, é

dizer que é aquele que tem em vista o bem protegido pela lei penal. Analisando esses aspectos

é visível que o conceito material é mais abrangente que o formal, isso porque ele abrange

algumas ciências extrajudiciais como Sociologia, a Filosofia, a Psicologia etc.

Visto esse alargamento, o Mirabete sustentou:

Tem o Estado que velar pela paz interna, pela segurança e estabilidade coletivas

diante dos conflitos inevitáveis entre os interesses dos indivíduos e entre os destes e

o do poder constituído. Para isso, é necessário valorar os bens e os valores

individuais ou coletivos, protegendo-se, através da lei penal, aqueles que mais são

atingidos quando da transgressão do ordenamento jurídico‖ (2011 p. 80)

Podemos dizer que essa proteção é efetuada pela aplicação da sanção, e

consequentemente esses bens serão juridicamente tutelados pela lei.

A mesma visão foi exposta por Fernando Capez (2004), segundo ele o crime

(conceito material) pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou

descuidosamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a

existência da coletividade e da paz social.

1.2.3 Aspecto analítico

Além dos citados conceitos (aspectos) formal e material, faz-se necessária a adoção

de um conceito analítico de crime. Os dois conceitos mencionados anteriormente não são

suficientes para permitir à dogmática penal a realização de uma análise dos elementos

estruturais (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) do conceito de crime.

Dessa forma, o conceito analítico, predominante, conceitua o crime como a ação

típica, antijurídica e culpável. A punibilidade, apesar de considerada como ―a possibilidade de

aplicar-se a pena‖, não é elemento do crime, mas somente uma consequência.

Importante colocarmos o entendimento de Mirabete:

O conceito formal de delito com referencia aos elementos que compõe (melhor seria

falar-se em aspectos ou características do crime), de caráter analítico tem evoluído,

Battabline, embora reconheça que o delito é um todo unitário, decompõe-no em

elementos por razoes praticas, definindo-o como ―fato humano descrito no tipo e

cometido com culpa, ao qual é aplicável a pena‖ (2011, p. 81).

Page 17: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

15

O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável.

1.2.4 A definição legal de crime no Brasil

Nota-se que ao contrário dos Códigos Penais de 1830 e 1890, o atual Código Penal

(1940, com Reforma Penal) não define crime.

Dessa forma, a ei de ntrodução ao C digo Penal brasileiro (Decreto-lei n. 3.9114

41), limitou-se apenas a destacar as características que diferem as infrações penais

consideradas crimes daquele que constituem contravenções penais, as quais, como se sabe,

restringem-se à natureza da pena de prisão aplicável.

Faz a seguinte definição de crime: ―Considera-se crime a infração penal a que a lei

comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou

cumulativamente com a pena de multa, contravenção, a infração a que a lei comina,

isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativa―.

Nessa seara, floresce a preocupação em estabelecer um Direito Penal Mínimo, que

respeite de forma objetiva, o direito à vida, estruturando-se nos princípios basilares advindos

da Lei Maior, tais como: o princípio da dignidade da pessoa humana, da ofensividade,

princípio da legalidade e os princípios da intervenção mínima e da insignificância, temas do

nosso trabalho.

1.3 Princípios limitadores do poder punitivo estatal

Primeiramente, importantíssimo relatar que a legitimação formal do Direito Penal se

dá com a aprovação das leis penais em conformidade com a Constituição Federal, portanto

poderíamos chamar de princípios reguladores do controle penal de princípios constitucionais

fundamentais de garantia do cidadão.

Na perspectiva constitucional, nenhuma conduta pode, materialmente, ser

considerada criminosa se de algum modo não colocar em risco valores fundamentais da

coletividade.

Nesse sentido, Fernando Capez consignou:

Page 18: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

16

Imaginemos um tipo com a seguinte: manifestar ponto de vista contrário ao regime

político dominante ou opinião capaz de causar melindre nas lideranças políticas‖.

Por evidente, a par de estarem sendo obedecidas garantias formais de veiculação em

lei, materialmente esse tipo não teria qualquer subsistência, por ferir o princípio da

dignidade da pessoa humana e, assim, não resistir ao controle de compatibilidade

vertical com os princípios incertos na ordem constitucional. Na doutrina não existe

divergência a respeito. A polêmica circunscreve-se aos limite desse controle por

parte do Poder Judiciário (2004, p. 120)

Por esse motivo, nesse tópico faremos um resumo sobre os princípios limitadores do

poder punitivo estatal, entre eles estão os que serão abordados em nosso trabalho, ou seja, o

princípio da intervenção mínima e o princípio da insignificância. Todos esses princípios são

de garantia do cidadão, e estão amparados pelo novo texto constitucional de 1988 (art. 5º).

1.3.1 Principio da legalidade

O princípio da legalidade (reserva legal) constitui uma concreta limitação ao poder

punitivo estatal. Em outros termos, podemos dizer que pelo princípio da legalidade, a

elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei.

Esse princípio já está previsto no art. 4 da Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão. No direito brasileiro vem contemplado nos arts. 5, II, 37; e 84, IV, da Constituição

Federal de 1988.

Diz Rogério Greco:

O principio da legalidade possui quatro funções fundamentais: 1) Proibir a

retroatividade da lei penal (nullun crimen nulla poena sine lege praevia); 2) proibir

a criação de crimes e penas pelos costumes (nullun crimen nulla poena sine lege

scripta); 3) proibir o emprego da analogia para crimes, fundamentar ou agravar

penas (nullun crimen nulla poena sine lege stricta); 4) Proibir incriminacoes vagas e

indeterminadas (nullun crimen nulla poena sine lege ceta) (2008, p. 2)

Com efeito, a Constituição Federal de 1988, ao abrigar os direitos e garantias

fundamentais, em seu art. 5º, inc. XXX X, definiu: ―não haverá crime sem lei anterior que o

defina, nem pena sem prévia cominação legal‖.

Segundo Julio Fabbrini Mirabete:

Pelo princípio da legalidade alguém só pode ser punido se, anteriormente ao fato por

ele praticado, existir uma lei que o considere crime. Ainda que o fato seja imoral,

antissocial ou danoso, não haverá possibilidade de punir o autor, sendo irrelevante a

circunstância de entrar em vigor, posteriormente, uma lei que o preveja como crime.

(2011, pg. 51,).

Page 19: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

17

Assim restou clarividente que o princípio da legalidade tem grande afinidade com os

princípios abordados no trabalho.

Doutra ponta, a legalidade material nada mais é do que o enquadramento do

conteúdo da lei aos direitos e garantias fundamentais, previstos na Carta Magna.

Como se sabe, no Estado Constitucional de Direito, como no Brasil, a legalidade

demonstra que tal Estado é rígido por uma constituição.

Vale ressaltar, que o princípio da legalidade exige uma obediência incondicional à

constituição.

1.3.2 Principio da culpabilidade

De outra banda, preceitua o princípio da culpabilidade que ―não há crime sem

culpabilidade.‖ No entanto, decorre daí três consequências materiais: a) não há

responsabilidade objetiva pelo simples resultado; b) a responsabilidade penal não é pelo fato e

sim pelo autor; c) a medida da pena é a culpabilidade.

Em outras palavras, segundo o princípio da culpabilidade a pena só pode ser imposta

a quem, agindo com dolo ou culpa, e merecendo juízo de reprovação, cometeu um fato típico

e antijurídico.

Segundo Gustavo Octaviano Diniz Junqueira:

O princípio da culpabilidade tem duas vertentes: a) nullum crime sine culpa – não há

crime sem culpa ou dolo. Veda a possibilidade do reconhecimento da

responsabilidade objetiva em direito penal. Assim, não basta que fisicamente o

sujeito tenha lesado o bem jurídico; é preciso que tenha atuado com dolo e culpa. b)

a pena não pode ser maior que a reprovabilidade do sujeito pelo fato praticado, o que

impede que o Estado instrumentalize o sujeito como exemplo para prevenir novos

crimes. Inviabiliza ainda a possibilidade de o sujeito ser responsabilizado pelo que é,

e não pelo que fez (ao mesmo tempo que impede que o sujeito seja responsabilizado

pelo que é, e não pelo que fez – prevalência do direito penal do autor sobre o direito

penal sobre do fato). Se não há culpabilidade (reprovabilidade), não pode haver

punição. (2005, p.29)

Não podemos esquecer que o juízo de culpabilidade rejeita a responsabilidade penal

objetiva.

1.3.3 Princípio da humanidade

Page 20: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

18

Dando continuação ao rol de princípios limitadores do poder punitivo estatal, o

princípio da humanidade sustenta que a punição dada pelo Estado não pode, de maneira

nenhuma, atingir a dignidade da pessoa humana.

Encontramos posicionamento nesse sentido no Tratado de Direito Penal escrito por

Cezar Roberto Bitencourt:

A proscrição de penas cruéis e infames, a proibição de tortura e maus tratos nos

interrogatórios policiais e a obrigação imposta ao Estado de dotar sua infraestrutura

carcerária de meios e recursos que impeçam a degradação e a dessocialização dos

condenados são corolários do princípio da humanidade. (2011, p. 47)

Não obstante, lembra-nos, com razão, Jeschek, a despeito da adoção do princípio da

humanidade, que:

O Direito Penal não pode equiparar-se ao direito da assistência social. Serve, num

primeiro plano, à justiça distributiva de fazer valer a responsabilidade do autor pela

infração ao Direito, de modo que experimente a resposta da comunidade jurídica ao

fato por ele cometido. Por isso, não se pode renunciar aos prejuízos e sofrimentos,

ser inspiradas pelo princípio da humanidade. (1981, p. 30).

Portanto, esse princípio é o grande entrave para adoção da pena capital e da prisão

perpétua no sistema penal brasileiro.

1.3.4 Principio da irretroatividade

Insculpida na declaração Francesa dos Direitos Humanos do Homem e do Cidadão,

de 1789, a irretroatividade da lei penal, foi consagrada no art. 1º do Código Penal e no art. 5º,

inc. XXXIX, da Constituição Federal: não há crime sem lei anterior que o defina.

O art. 5.º, XXXIX, consagra a regra do nullum crimen nulla poena sine praevia lege.

Assim, de uma só vez, assegura tanto o princípio da legalidade (ou reserva legal), na medida

em que não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal, como o princípio

da anterioridade, visto que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia

cominação legal.

Por sua vez, a regra do inciso XL do art. 5, ao mesmo tempo que estabelecia a

irretroatividade da lei penal, in pejus, consolida a retroatividade da lei penal mais benigna.

Entretanto, necessário salientar que o princípio da irretroatividade vige somente em

relação a lei mais severa (art. 2º, do CP). E mais, elas não atingem leis temporárias ou

excepcionais.

Page 21: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

19

1.3.5 Princípio da adequação social

Segundo esse princípio, quando o sentimento social de justiça não for afetado pelo

comportamento humano, mesmo sendo ―considerado‖ como criminoso, não pode constituir

delitos, sob pena de a lei incriminadora padecer do vício de inconstitucionalidade.

Daí surge o princípio da adequação social.

Data vênia, temos criticas a essa teoria, a uma porquanto costume não revoga lei, a

duas porque pode o magistrado substituir o legislador e dar por revogada uma lei em vigência.

Mesmo assim, atualmente é impossível deixar de reconhecer sua relevância na

interpretação de um tipo penal. Por esse motivo, quando usamos esse princípio ao lado de

outros pode-se excepcionalmente levar à exclusão da tipicidade.

Ensina Junqueira:

A ideia de que a conduta adequada socialmente não merece tutela penal é óbvia, mas

a doutrina tem buscado resolver o problema de diversas maneiras. No presente

enfoque, afirmamos que apenas aparentemente o tipo descreve condutas

(eventualmente) socialmente adequadas. Na verdade, quando buscamos seu sentido

(e interpretar é buscar o alcance e sentido da norma), concluímos que jamais poderia

trazer como merecedora de tutela penal conduta aceita ou até mesmo fomentada pela

sociedade, como o caso da cirurgia plástica para alteração de sexo, da perfuração

para colocação de brincos ou da criação de risco permitido (viajar de avião). É

verdade que os mesmo problemas podem ser resolvidos em outros momentos, como

na teoria do crime especificamente na tipicidade, mas a inspiração é a mesma: o

conceito material de crime. Daí o estudo no presente tópico, sendo que acreditamos

ser uma decorrência da subsidiariedade. (2005, p. 37)

Consta frisar que não devemos confundir esse princípio com o princípio da

insignificância, pois naquele a conduta deixa de ser punida por não mais ser considerada

injusta pela coletividade, e nesse a conduta é considerada pouco lesiva.

O princípio da adequação social, concebido por Hans Welzel, possui dupla função.

Uma delas é a de restringir o âmbito de abrangência do tipo penal, limitando sua interpretação

e de excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade.

Por sua vez, a segunda função é dirigida ao legislador em duas vertentes. A primeira

delas orienta o legislador quando da seleção das condutas que deseja proibir ou impor, com a

finalidade de proteger os bens considerados mais importantes. Se a conduta que está na mira

do legislador for considerada socialmente adequada, não poderá reprimi-la valendo-se do

Direito penal.

Page 22: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

20

A segunda vertente destina-se a fazer com que o legislador repense os tipos penais e

retire do ordenamento jurídico a proteção sobre aqueles bens cuja conduta já se adaptaram

perfeitamente à evolução da sociedade.

1.3.6 Princípio da ofensividade

Veremos agora o princípio da ofensividade, que basicamente sustenta não haver

crime quando a conduta não tiver oferecido, pelo menos, um perigo concreto, real, efetivo ao

bem jurídico penalmente protegido.

Segundo Bitencourt:

O princípio da ofensividade no Direito Penal tem a pretensão de que seus efeitos

tenham reflexos em dois planos: no primeiro, servir de orientação à atividade

legiferaste, fornecendo substratos político-jurídicos para que o legislador adote, na

elaboração do tipo penal, a exigência indeclinável de que a conduta proibida

represente ou contenha verdadeiro conteúdo ofensivos a bens jurídicos socialmente

relevantes. (2011, p. 52)

Se não bastasse isso, o princípio da ofensividade considera inconstitucionais todos os

chamados ―delitos de perigo abstrato‖, pois segundo ele inexistem crimes sem concreta, real e

efetiva lesão ao bem jurídico.

1.3.7 Princípio da proporcionalidade

De outros ares, o princípio da proporcionalidade, que veremos agora, tem intima

ligação com o tema principal que será abordado, pois segundo ele deve haver uma

proporcionalidade entra a conduta a ser aplicada e o crime praticado.

Com efeito, diz Capez (2008, p. 130):

Para o princípio da proporcionalidade, quando o custo for maior que a vantagem, o

tipo será inconstitucional, porque contrário ao Estado Democrático de Direito. Em

outras palavras: a criação de tipos incriminadores deve ser uma atividade

compensadora para os membros da coletividade.

Utilizamos, ainda, um exemplo citado no livro do professor Capez que se refere a um

julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade na qual o Supremo Tribunal Federal

Page 23: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

21

suspendeu por liminar os efeitos de uma ação Medida Provisória n. 2.045 de 2000, a qual

proibia o registro de armas de fogo, por considerar não haver proporcionalidade entre os

custos sociais como desemprego e perda de arrecadação tributária e os benefício que

compensassem o sacrifício.

Vemos aqui, um exemplo latente da aplicação do princípio da proporcionalidade, a

qual procura eliminar, dentro do possível, toda e qualquer intervenção desnecessária do

Estado na vida privada dos cidadãos.

1.3.8 Princípio da fragmentariedade

Temos, ainda, o princípio da fragmentariedade que é consequência do princípio da

intervenção mínima, pois preceitua que o Direito Penal não deve proteger todos os bens

jurídicos, só os mais importantes, não os tutelando, também de todas as lesões, intervindo

somente nos casos de maior gravidade.

Nesse ponto:

Nem toda lesão a bem jurídico com dignidade penal carece de intervenção penal,

pois determinadas condutas lesam de forma tão pequena, tão ínfima, que a

intervenção penal, extremamente grave, seria desproporcional, desnecessária.

Apenas a grave lesão a bem jurídico com dignidade penal merece tutela penal.

(JUNQUEIRA, 2005, p. 37)

Portanto, é notório que esse princípio está totalmente relacionado com o tema

abordado em nosso projeto.

1.3.9 Outros princípios

Derradeiramente, necessário mencionar outros princípios que não foram abordados,

mas são igualmente relevantes, tais como: princípio da alteridade ou da transcedentalidade,

princípio da confiança, princípio da necessidade e da idoneidade, princípio da proibição da

analogia, princípio do estado de inocência, princípio do ―ne bis in idem”, entre outros.

Page 24: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

22

Aqui encerramos o tópico que abordou os princípios do Direito Penal, dando maior

ênfase aqueles que são considerados limitadores do poder punitivo estatal.

No próximo capítulo abordaremos o princípio da intervenção mínima, segundo

alguns autores esse princípio é a viga mestre do Direito Penal Democrático.

Page 25: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

23

II PRINCÍPIO DA INTERVENCÃO MÍNIMA DO

ESTADO

O princípio da intervenção da mínima diz que o Direito Penal só deve intervir em

último caso, quando os outros ramos do ordenamento se revelarem insuficientes para solução

do conflito.

O Direito Penal deverá intervir o mínimo possível nas relações sociais, e somente

será chamado para atuar quando a criação de um crime for estritamente necessária para a

tutela do bem e a garantia de direitos (é um princípio para quem cria leis).

Em comparação aos outros ramos do direito, o Direito Penal é a ultima saída, ou seja,

primeiro devemos tratar o fato com o Direto Civil, Direito Tributário, Direito do Trabalho,

Direito Administrativo, como por exemplo uma multa que é criada no Direito Administrativo

ou Tributário, criar uma indenização no direito civil pelo dano, contudo, se isso não for

suficiente cria-se o crime.

Portanto, comparado com os outros ramos do direito, o Direito Penal é subsidiário,

pois ele vai ser usado posteriormente, aqui nasce um dos princípios correlacionados com o

princípio da intervenção mínima, ou seja, princípio da subsidiariedade.

O Direito Penal é subsidiário em relação aos demais ramos do direito, sendo a última

saída para a tutela de um bem jurídico (ultima ratio).

Um exemplo é que na Constituição Federal de 1988 veio a tutela do meio ambiente,

na qual lesões ao meio ambiente deveriam ser punidas e são tuteladas pela Carta Magna.

Quem causava lesão ao meio ambiente tinha que indenizar, pagar o prejuízo, sanção

administrativa a empresa, uma multa, fechar ou interditar a empresa ate que ela concerte o

problema que esteja gerando um dano ao meio ambiente.

Ocorre que tais sanções não estavam resolvendo, pois as empresas estavam pagando

as multas e continuavam a afetar o meio ambiente, reparavam os danos, afetavam as famílias,

indenizavam, mas continuava a mesma coisa, então o Direito Civil e o Direito Administrativo

não estavam sendo insuficientes. Em razão disso, dez anos depois ao se perceber essa

insuficiência foi necessário chamar o Direito Penal para intervir, respeitando-se, assim, a

intervenção mínima, já que os outros ramos do direito não conseguiram tutelar esses bens,

criando, assim, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9605/98).

Page 26: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

24

Segundo esse princípio o Direito Penal deve intervir o mínimo possível nas relações

sociais, última saída, ultima alternativa, para que o Estado proteja bem jurídico, garanta

direitos, ou seja, não deve ser usado de qualquer forma. Só quando estritamente necessário, o

legislador só deve criar um crime quando for a última saída.

Portanto, quando se pega um bem jurídico, por exemplo um patrimônio, deve-se

olhar se precisa da intervenção penal, ou seja, ver as forma de lesões que esse bem suporta, se

o Direito Penal precisa atuar cria-se crime, e se não precisa deixa para os outros ramos. Como

por exemplo, um menino que está jogando bola na frente e quebra a janela da vizinha, apesar

de ser dano ao patrimônio ele pode ser resolvido no âmbito civil, ou até mesmo com a

conversa entre as partes, foi por falta de cuidado, e não foi uma conduta dolosa, (dano

culposo, por falta de cuidado).

Agora, se for com intenção deve-se incriminar, ou seja, responder por crime de dano

ao patrimônio, sim, na forma dolosa. Vale dizer que o dano ao patrimônio por falta de cuidado

não é crime, pois a sociedade não precisa do Direito Penal para resolver esse tipo de

problema.

Neste caso nós fragmentamos o bem tutelado, olhando as formas de violação dele, e

escolhendo o que realmente precisa de tutela penal, já que a intervenção é mínima.

Deve-se fragmentar um bem jurídico para que a intervenção penal incida somente

nos fragmentos, nas formas de lesão em que seja estritamente necessário, exemplo, dano

culposo não é crime. Um exemplo seria de uma pessoa que vem dirigindo uma bicicleta

desatentamente e bate no orelhão quebrando-o, aqui não houve crime.

Insta salientar que nem todo o fato lesivo é crime.

2.1 Contexto histórico

Quando surgiram os primeiros grupos sociais, vieram com eles alguns problemas

típicos da coletividade, os conflitos.

Page 27: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

25

Em razão disso, foi necessário criar alguns dogmas (regras) para garantir a harmonia

desses grupos, aplicando-se sanções aos que desrespeitavam tais regras. Todavia, nem sempre

pertenceu ao Estado o direito de aplicar tais sanções.

Antigamente, a punição fundava-se mais no caráter religioso, no Oriente Médio, por

exemplo, os delinquentes eram torturados e duramente castigados, tudo com escopo de

agradar os ―deuses‖.

A ei de Talião é muito conhecida, tinha como máxima ―olho por olho, dente por

dente”, pois a violência era retribuída com mais violência e crueldade.

Por sua vez, no Direito Romano, o chefe da família era o principal responsável pela

aplicação de sanções no seu grupo social, tal premissa é conhecida como pater familiae.

Segundo Nucci:

O Direito Romano, dividido em períodos, contou, de início, com a prevalência do

poder absoluto do pater famílias, aplicando as sanções que bem entendesse ao seu

grupo. Na fase do reinado, vigorou o caráter sagrado da pena, firmando-se o estágio

da vingança pública. No período republicano, perdeu a pena o seu caráter de

expiração, pois separou-se o Estado e o culto, prevalecendo então, o Talião e a

composição. Havia, para tanto, a possibilidade de se entregar um escravo para

padecer a pena no lugar do infrator, desde que houvesse a concordância da vítima –

o que não deixava de ser uma forma de composição, como bem lembra Pierangeli.

(2005, p. 58)

Ocorre que alguns filósofos e juristas ficaram incomodados com tais excessos e com o

caráter intimidador das penas, criando-se, assim, o Direito Penal como ciência.

Pode-se dizer que tal corrente foi enraizada pela obra do Marquês de Beccaria (Dos

Delitos e das Penas), tendo como principal premissa a proporcionalidade entre a pena aplicada

e a conduta praticada.

Na visão de Beccaria a medida dos delitos era:

Já notamos que a exata medida dos crimes é o prejuízo causado à sociedade. Eis

uma dessas verdades que, ainda que evidentes para o espírito menos anguto, porém

escondidas por um concurso singular de circunstancias, apenas são conhecidas de

um pequeno número de pensadores em todos os países e em todos os séculos. As

opiniões disseminadas pelos tiranos e as paixões dos déspotas abafaram as noções

simples e as ideias naturais que formaram sem dúvida a filosofia das sociedades

primitivas. Contudo, se a tirania oprimiu a natureza por uma ação insensível, ou por

impressões violentadas sobre os espíritos do vulgo, hoje, finalmente, as luzes de

nosso século desfazem os tenebrosos planos do despotismo, reconduzindo-nos aos

princípios da filosofia e indicando-no-los com mais certeza. Esperamos que a

perniciosa influência dos séculos passados não esteja perdida e que os princípios

naturais ressurjam entre os homens, apesar de todos os obstáculos que se lhes

opõem. A grandeza do crime não depende da intenção de quem o pratica, como

entenderam erroneamente alguns, pois a intenção do acusado depende das

impressões provocadas pelos objetos presentes e das disposições que vêm da alma.

Tais sentimentos variam em todos os homens e no próprio indivíduo, com a rápida

sucessão da ideias, das paixões e das circunstancias. Se a intenção fosse punida,

seria necessário ter não apenas um Código particular para cada cidadão, mas uma

Page 28: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

26

nova lei para cada crime. Frequentemente, com a melhor das intenções, um cidadão

faz à sociedade os maiores males, enquanto um outro lhe presta imensos serviços

com a predestinação de causar mal. (2007, p. 70)

Nesse contexto, é possível dizer que a ideologia da intervenção mínima é resultado

da evolução dos ideais iluministas da primazia da razão e do antropocentrismo.

Com efeito, essa foi a explanação de Beccaria sobre a origem das penas e o direito de

punir:

A moral política não pode oferecer à sociedade nenhuma vantagem durável, se não

estiver baseada em sentimentos indelegáveis do coração do homem. Qualquer Lei

que não estiver fundada nessa base achará a ceder. Desse modo, a menor forca,

aplicada continuamente, destrói por fim um corpo de aparência sólida, pois lhe

imprimiu um movimento violento. Façamos uma consulta, portanto, ao coração

humano; encontraremos nele preceitos essências do direito de punir. Ninguém faz

graciosamente o sacrifício de uma parte de sua liberdade apenas visando ao bem

público. Tais fantasias existem apenas nos romances (2007, p. 18).

Sem dúvidas, o caráter social e humanitário dessa obra foi um marco para o Direito

Penal, porque aqui nasceu a escola Clássica.

A esse respeito:

É inequívoco que o processo de modernização do direito penal somente teve início

com o Iluminismo, a partir das contribuições de Bentham ( Inglaterra), Montesquieu

e Volteire (França), Hommel e Feuerbach (Alemanha), Beccaria, Filangieri e Pagano

(Itália). Houve preocupação com a racionalização na aplicação das penas,

combatendo-se o reinante arbítrio do judiciário. A inspiração contratualista voltava-

se ao banimento do terrorismo punitivo, uma vez que cada cidadão teria renunciado

a uma porção de liberdade para delegar ao Estado a tarefa de punir, nos limites da

necessária defesa social. A pena ganha um contorno de utilidade, destinada a

prevenir delitos e não simplesmente castigar. (NUCCI, 2005, p. 60)

Posteriormente, surgiu a escola Positivista, que preocupava-se com o criminoso e as

circunstâncias que o levaram ao crime. Podemos dizer que nasceu aqui o caráter preventivo

do Direito penal.

Doutra ponta, no Brasil, as Ordenações Filipinas (1603), baseadas, praticamente, nos

preceitos religiosos, confundia o crime com o pecado e com a ofensa moral.

Depois de dois séculos, no ano de 1830, quando foi proclamada a independência, Dom

Pedro I sancionou o Código Criminal do Império. Com a Republica, em 1890, foi editado o

Código Criminal da República.

Ocorre que, surgiram várias leis para emendá-lo, razão pela qual um novo Código

Penal foi editado em 1940.

Page 29: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

27

Diversas foram as reformas que o Código Penal passou, tais como: Lei n. 7.210 de

1984, que regulou a execução da penas e das medidas de segurança; Lei n. 9.714 de 1998, que

no que concerne as penas restritivas de direito.

Nos dias hodiernos, a Constituição Federal adotou o princípio da humanidade das

penas, significando que o Estado, através da utilização das regras de Direito Penal, deve

pautar-se pela benevolência na aplicação da sanção penal, buscando o bem estar de todos na

comunidade, inclusive dos condenados, que não merecem ser excluídos somente porque

delinquiram, até porque uma das finalidades da pena é a ressocialização.

Ensina Rogério Greco:

Embora de difícil tradução, podemos construir um conceito de dignidade de pessoa

humana entendendo-a como uma qualidade irrenunciável e inalienável, que integra a

própria condição humana. É algo inerente ao ser humano, um valor que não pode ser

suprimido, em virtude da sua própria natureza. Até o homem mais vil, o homem

mais detestável, o criminoso mais frio e cruel, é portador desse valor. Podemos

adotar o conceito proposto por Ingo Wolfgang Sarlet, que procurou condensar

alguns dos pensamentos mais utilizados para definição do conceito de dignidade da

pessoa humana, dizendo ser ―a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano

que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e

comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres

fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho

degradante e desumano, como venham a lhe garantiras condições existenciais

mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação

ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão

com os demais seres humanos (2008, p. 8)

Determinou-se, então, que não haverá penas ―de morte, salvo em caso de guerra

declarada, nos termos do art. 84, X X‖, ―de caráter perpétuo‖, ―de trabalhos forcados‖, ―de

banimento‖, ―cruéis‖ (art. 5, X X).

Na realidade, a crueldade é o gênero do qual são espécies a pena de morte, de prisão

perpétua, de trabalhos forçados e banimento.

De toda a forma, a alínea ―e‖ do inciso X V (penas cruéis) deve ser entendida como

residual, isto é, quando a pena não estiver prevista nas alíneas anteriores, ainda assim

podendo-se caracterizar como cruel não deve ser assimilada pelo sistema penal.

Diz Pedro Lenza:

Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, sendo

que a lei considerará crime inafiançável a prática da tortura (art. 5, XLIII). A Lei n.

9455 de 1997 integrou a referida norma constitucional, definindo os crimes de

tortura. (2010, p.756).

Dessa forma, podemos observar que nas sociedades primitivas o Estado atuava em

demasia ao punir os delinquentes, pois os soberanos eram a lei.

Page 30: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

28

Não obstante, tais medidas foram sendo abandonas com o decorrer do tempo, devido a

evolução da sociedade e do direito, até porque os legisladores e os operadores do direto

contam com princípios norteadores do poder punitivo Estatal, alguns desses princípios foram

brevemente citados no capítulo anterior.

2.2 Conceito e características do princípio da intervenção mínima

É importante destacar, desde logo, que os princípios do Direito Penal constituem a

face orientadora da aplicação das normas abstratamente previstas em lei aos casos concretos

emergentes dos conflitos sociais.

Logo, podemos dizer que princípio, no sentido jurídico, significa uma ordenação que

se irradia e imanta o sistema normativo, proporcionando alicerce para a interpretação,

integração, conhecimento e eficiente aplicação do direito positivo.

Existem princípios expressamente previstos em lei, enquanto outros estão implícitos

no sistema normativo. E, ainda, os que estão enumerados na Carta Magna, denominados de

princípios constitucionais (explícitos e implícitos). A intervenção mínima é um princípio

constitucional implícito.

O princípio da intervenção mínima é conhecido também como ―ultima ratio‖, isso

porque, segundo ele o Direito Penal só deve preocupar-se com a proteção dos bens mais

importantes, ou seja, o Direito Penal só pode ser invocado quando todos os outros meios que

protegeriam o bem tutelado forem insuficientes.

Assim leciona Rogério Greco:

O princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, é o responsável não só pela

indicação dos bens de maior relevo que merecem a especial atenção do Direito

Penal, mas se presta também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalização.

Se é com base nesse princípio que os bens são selecionados pra permanecer sob a

tutela do Direito Penal, porque considerados como os de maior importância, também

será como fundamento nele que o legislador, atento ás mutações da sociedade, que

com sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado, eram da maior

relevância, fará retirar do nosso ordenamento jurídico penal certos tipos

incriminadores. (2008, p. 54)

Encontramos um julgado nesse sentido:

Ao direito se comete a função de preservar a existência mesma da sociedade,

indispensável à realização do homem como pessoa, seu valor supremo. Há de ser

mínimo e subsidiário. (STJ, REsp. 402419/RO, Rel. Min. Hamilton Cavalhido, 6 T.,

DJ 15/12/2003 p. 413)

Page 31: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

29

A sanção penal estabelecida para cada delito deve ser aquela ―necessária e suficiente

para a reprovação e prevenção do crime‖ (na expressão acolhida pelo art. 59 do CP),

evitando-se o excesso punitivo, sobretudo com a utilização abusiva da pena privativa de

liberdade.

Vários princípios citados no capítulo anterior estão ligados com o princípio da

intervenção mínima, tais como, legalidade, humanidade, culpabilidade, adequação social e

fragmentalidade, todavia, os princípios da proporcionalidade e subsidiariedade merecem

maior relevância.

Assim destaca Nucci:

Proporcionalidade é o que se espera da harmônica aplicação dos princípios

constitucionais e das normas infraconstitucionais. Por isso, o princípio esparja-se por

todos os ramos do Direito, adquirindo especial relevo na esfera penal. Não teria

menor sentido, levando-se em conta a proteção subsidiária que o Direito Penal deve

assegurar aos conflitos sociais, sustentando-se na adequada posição de intervenção

mínima, prever penas exageradas para determinados delitos considerados de menor

importância, bem como estipular sanções ínfimas para aqueles que visam à proteção

de bens jurídicos considerados de vital relevo. (2005, p. 37)

No tocante ao princípio da subsidiariedade, o Direito Penal deve ser o último

instituto a ser utilizado para proteger os bens, é a ultima ratio. Se outros ramos jurídicos

forem suficientes, deverão ser utilizados, os danos culposos não são abrangidos pelo penal.

Ex. Dano de veículo ocasionado culposamente, será resolvido na esfera cível.

Destarte, ao elaborar tipos penais incriminadores deve o legislador inspirar-se na

proporcionalidade, sob pena de incidir em erros, com arranhões inevitáveis a preceitos

constitucionais, tais como o princípio da intervenção mínima.

Como se sabe, no Estado Democrático de Direito, o povo é detentor da titularidade da

soberania. Dessa forma, é possível afirmar que o Direito Penal exerce um poder secundário,

subsidiário, pois é o povo que aliena a parcela necessária para que o poder do Estado se

constitua.

Portanto, o princípio da intervenção mínima quer dizer que o Direito Penal não deve

interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei

penal não deve ser observada como primeira opção (prima ratio) do legislador para compor

os conflitos existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e

ético da sociedade, sempre estarão presentes.

Nesse sentido leciona o professor Damásio E. de Jesus:

Page 32: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

30

Procurando restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a

definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas e

cruéis, a criação de tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade, só

devendo intervir o Estado, por intermédio do Direito Penal, quando os outros ramos

do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita.‖ (2003, p.10).

Dessa forma, segundo ele o Estado não deve recorrer de plano às duras sanções

impostas pelo Direito Penal.

Segundo Capez:

Estatui que o Direito Penal só deve intervir em último caso, ou seja, quando os

demais ramos do ordenamento se revelarem insuficientes para a solução do conflito.

Desse modo, o estudante que tenta sair da biblioteca pública com uma revista

debaixo do braço, ou o empregado que mexe nas coisas do patrão, realizam condutas

cuja lesividade não chega a reclamar a imposição de uma repressão criminal,

podendo ser exemplarmente punidas no campo cível, trabalhista ou administrativo.

Se a sociedade consegue a maior parte de seus conflitos sem a interferência do

direito penal, qual seria a razão para emprega-los nesses casos? Ficará reservado

como ultima ratio, devendo ser convocado apenas para situações de real gravidade.‖

(2004, p. 125/126)

Com efeito, só haverá Direito Penal naqueles raros episódios típicos em que a lei

descrever um fato como crime; ao contrário, quando ela nada disser, não haverá espaço para

uma atuação criminal.

Nesse contexto, é importante enfatizar que o princípio abordado possui dois

destinatários principais, são eles: o legislador e o operador do direito.

Ao legislador o princípio exige cautela no momento de eleger as condutas que

merecerão punição criminal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento. Somente

aqueles que, segundo comprovada experiência anterior, não puderam ser convenientemente

contidos pela aplicação de outros ramos do direito deverão ser catalogados como crimes em

modelos descritivos legais.

Ao operador do direito, recomenda-se não proceder ao enquadramento típico quando

notar que aquela pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros

ramos menos agressivos do ordenamento jurídico.

Sem dúvidas, o operador do direito deve estar ligado às mutações da sociedade, que

com sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado, eram da maior relevância,

fazendo retirar do ordenamento jurídico-penal certos tipos incriminadores.

Podemos utilizar como exemplo o furto de um chocolate em um supermercado já

solucionado com o pagamento do débito e a expulsão do inconveniente freguês, não há

Page 33: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

31

necessidade de movimentar a máquina persecutória do Estado, tão assoberbada com a

criminalidade violenta, o crime organizado, o narcotráfico, etc.

Segundo Mirabete:

O crime não se distingue das infrações extrapenais de forma qualitativa, mas apenas

quantitativamente. Como a intervenção do Direito Penal é requisitada por uma

necessidade mais elevada da proteção à coletividade, o delito deve consubstanciar

em um injusto mais grave e revelar uma culpabilidade mais elevada; deve ser uma

infração que merece a sanção penal. O desvalor do resultado, o desvalor da ação e a

reprovabilidade da atitude interna do autor é que convertem o fato em um ―exemplo

insuportável‖, que seria um mal precedente se o Estado não o reprimisse mediante a

ação penal. Isso significa que a pena deve ser reservada para os casos em que

constituam único meio de proteção suficiente da ordem social frente aos ataques

relevantes. (2001, p 104,)

Nesse ponto, segundo esses autores a história nos tem demonstrado que a violência e

a prisão não são a solução para os problemas de insegurança na sociedade, para a

criminalidade.

Segundo esse princípio a sanção penal não deve ser considerada mais como solução

de todos os conflitos sociais, pois é incontestável que o endurecimento da pena não

representa, assim como o aumento de leis penais, uma melhora ou diminuição da

criminalidade.

Temos como principal exemplo o nosso país, pela infinidade de leis, não obstante a

criminalidade só aumenta.

Alguns juristas afirmam que falta a elaboração de mecanismos de políticas públicas

para que tais leis sejam aplicadas de maneira coerente, buscando sempre o ponto de vista do

direito penal mínimo, que não condiz com a severidade das penas.

Assim nos ensina Nucci:

Caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, deve-se abrir mão da opção

legislativa penal, justamente para não banalizar a punição, tornando-a, por vezes,

ineficaz, por não cumprida pelos destinatários da norma e não aplicada pelos órgãos

estatais encarregados da segurança pública. Podemos anotar que a vulgarização do

direito penal, como norma solucionadora de qualquer conflito, pode levar seu

descrédito (2010, p. 47)

O Direito Penal deve conseguir a tutela da paz social obtendo o respeito à lei e aos

direitos dos demais, mas sem prejudicar a dignidade, o livre desenvolvimento da

personalidade ou a igualdade e restringindo ao mínimo a liberdade.

Nesse ponto, ensina Fabrine:

Apenas a condutas deletérias da espinha dorsal axiológica do sistema global

histórico cultural da sociedade devem ser tipificadas e reprimidas. Não se devem

incriminar os fatos em que a conduta não implique risco completo ou lesão a

Page 34: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

32

nenhum dos bens jurídicos reconhecidos pela ordem normativa constitucional. O

ordenamento positivo, pois, deve ter como expcional a previsão de sanções penais e

não se apresentar como um instrumento de satisfação contingentes e particulares,

muitas vezes servindo a interesses políticos do momento para aplacar o clamor

público exacerbado pela propaganda. (2011, p. 104).

Elaboramos pesquisas na jurisprudência recente de nossos Tribunais, e verificamos

que o princípio da intervenção mínima vem sendo bastante utilizado, em consonância com os

princípios que lhe são decorrentes.

Isso pode ser comprovado a partir da leitura do acórdão proferido pelo Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul.

Senão vejamos:

Denúncia. Delito do art. 243 da lei 8.069/90 (oferecimento de bebida alcoólica).

Rejeição. Mantida. Considerando os princípios da intervenção mínima do direito

penal e da adequação social, mantém-se a rejeição da denúncia que imputou a um

jovem de 19 anos de idade o crime do art. 243 da Lei 8.069/90, porque teria

oferecido a outro jovem, este com 15 anos de idade, uma lata de cerveja, quando

ambos se encontravam no interior de um clube social. DECISÃO: Apelo ministerial

desprovido. Unânime. (TJRS - AC 70019592260 - 7ª C. Cr. - Rel. Sylvio Baptista

Neto - J. 09.08.2007).

Nesse caso, o Direito Penal deve ser visto como subsidiário aos demais ramos do

direito.

Também já entendeu o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO. COMPORTAMENTO SOCIALMENTE

REPROVÁVEL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1.

A missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais

relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter

fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes e em casos de

lesões de maior gravidade. 2. O princípio da insignificância considera necessária, na

aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de uma mínima

ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido

grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica

provocada (precedentes HC 84.412, STF, Rel. Min. Celso de Mello). 3. Se parece

claro que o furto de uns "poucos litros de água potável" não ensejaria o acionamento

da máquina jurídico-penal do Estado, pela inexpressividade da lesão jurídica

provocada, por outra volta, não se deve olvidar que tal conduta se mostra bastante

reprovável, sob o ponto de vista de sua repercussão social. Inaceitável a

complacência do Estado para com aqueles que, em condições de arcar com as

respectivas contraprestações, venham a usufruir irregularmente e de forma gratuita

de bens e serviços públicos, em detrimento da grande maioria da população. 4.

Recurso parcialmente conhecido e provido. (STJ - RESP 406986 - MG - 6ª T. - Rel.

Min. Hélio Quaglia Barbosa - DJU 17.12.2004).

O caso acima demonstra claramente o caráter subsidiário do direito penal, porquanto

ele busca tutelar apenas os bens jurídicos mais relevantes.

Page 35: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

33

2.3 O princípio da intervenção mínima na América Latina e no direito penal brasileiro

Em nosso contexto latino-americano, apresenta-se um argumento de reforço em favor

da mínima intervenção do sistema penal.

É possível afirmar que toda a América está sofrendo as consequências de uma

agressão aos direitos humanos, que afeta o nosso direito ao pleno desenvolvimento, que se

encontra consagrado no art. 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A Organização dos Estados Americanos reconhece através da jurisprudência

internacional da Comissão dos Direitos Humanos, que declara ter sido violado direito ao

desenvolvimento em El Salvador no Haiti.

Nesse ponto, se a intervenção do sistema penal é, efetivamente, violenta, e sua

intervenção pouco apresenta racional e resulta ainda mais violenta, o sistema penal nada mais

faria que acrescentar violência àquela que, perigosamente, já produz o injusto que

continuamente somos submetidos.

Com isso, o Direito Penal deve, sem dúvidas, corresponder ao princípio da intervenção

mínima na América Latina, não somente pelas razões que se apresentam como válidas nos

países centrais, mas também em face de nossas características periféricos, que sofrem os

efeitos da agressão aos Direitos Humanos de violação do direito do desenvolvimento.

Mais precisamente, no Brasil, o princípio da intervenção mínima tem sido aplicado

com grande frequência pelo Supremo Tribunal Federal.

Senão vejamos:

EMENTA: Habeas Corpus. Descaminho. Imposto não pago na importação de

mercadorias. Irrelevância administrativa da conduta. Parâmetro: art. 20 da Lei

nº 10.522/02. Incidência do princípio da insignificância. Atipicidade da conduta.

Ordem concedida. A importação de mercadoria, iludindo o pagamento do imposto

em valor inferior ao definido no art. 20 da Lei nº 10.522/02, consubstancia conduta

atípica, dada a incidência do princípio da insignificância. O montante de impostos

supostamente devido pelo paciente (R$ 189,06) é inferior ao mínimo legalmente

estabelecido para a execução fiscal, não constando da denúncia a referência a outros

débitos congêneres em seu desfavor. Ausência, na hipótese, de justa causa para a

ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevante não pode ter

relevância criminal . Princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da

necessidade e da intervenção mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de

lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. Precedentes. Ordem concedida para o

trancamento da ação penal de origem. (STF/HC 96376 / PR Julgamento em

31/08/2010)

E mais:

Princípio da insignificância — Identificação dos vetores cuja presença legitima o

reconhecimento desse postulado de política criminal — Conseqüente

descaracterização da tipicidade penal em seu aspecto material — Delito de furto

Page 36: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

34

simples, em sua modalidade tentada — Res furtiva no valor (ínfimo) de R$ 20,00

(equivalente a 5,26% do salário mínimo atualmente em vigor) — Doutrina —

Considerações em torno da jurisprudência do STF — Pedido deferido. O princípio

da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização material da tipicidade

penal. O princípio da insignificância — que deve ser analisado em conexão com os

postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima> do Estado em matéria

penal — tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada

na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado — que considera

necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos

vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma

periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do

comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada — apoiou-se,

em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter

subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por

ele visados, a do Poder Público. O postulado da insignificância e a função do direito

penal: de minimis, non curat praetor. O sistema jurídico há de considerar a

relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos

do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria

proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam

essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se

exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O

direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor

— por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes — não

represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico

tutelado, seja à integridade da própria ordem social." (HC 92.463, Rel. Min. Celso de

Mello, julgamento em 16-10-07, DJ de 31-10-07). No mesmo sentido: HC 93.288,

Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 11-3-08, DJE de 24-10-08.

Sem dúvidas, essas decisões deveriam ser usadas com mais frequência, a fim de

modificar a estereotipada visão de que o sistema carcerário brasileiro é considerado como um

dos piores do mundo.

Nesse caso não foi aplicado o princípio da intervenção mínima:

VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL - Fitas de vídeo falsificadas, destinadas à

locação - Absolvição - Impossibilidade - Delito configurado - Condenação mantida -

A locação de fitas de videocassete, reproduzidas sem a necessária autorização da

entidade competente, caracteriza o delito de violação de direito autoral, enquadrável

na figura do § 2º do artigo 184 do Código Penal, não aproveitando ao agente a

alegação de desconhecimento da falsificação, se atuava na condição de proprietário

de uma videolocadora, sendo, portanto, responsável pela aquisição dos produtos

comercializados pelo estabelecimento - Princípio da intervenção mínima ou "ultima

ratio" - Inaplicabilidade ao caso concreto - A "pirataria" prejudica não só os direitos

dos artistas e autores, mas toda a indústria e o comércio legal, aumentando ainda

mais o desemprego, reduzindo o recolhimento de tributos, além de macular a

imagem do Brasil no exterior, em detrimento, pois, de toda a sociedade, devendo,

então, ser reprimida também penalmente - Suspensão condicional do processo -

Descabimento na fase recursal - Tendo sido criado para evitar transtornos de um

processo criminal, já estando o processo findo e a sentença proferida, não há mais

razão lógica ou jurídica para a aplicação do "sursis" processual - Prestação

pecuniária - Proximidade do mínimo previsto para a espécie, não havendo que se

falar em demasia - Manutenção - Recurso conhecido e desprovido. (Apelação

Criminal n. 1.0223.99.030270-3/001 - Comarca de Divinópolis - Relator: DES.

GUDESTEU BIBER - Data do Julgamento: 16/08/2005).

Como já dito, o Brasil vive um dilema entre duas ideologias penais. De um lado o

direito penal máximo. Por outro lado, a ideologia da intervenção mínima.

Page 37: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

35

Com efeito, com a lei 9099/95, tentou-se consagrar no Brasil o discurso da

intervenção mínima, ela proporcionou a suspensão condicional do processo e a exigência da

representação em alguns tipos delitivos, além da transação para delitos de pequeno potencial

ofensivo, demonstrando grande intenção de descriminalização.

Quando foi remetido aos Juizados Especiais todos os crimes de menor potencial

ofensivo, e a pena máxima não fosse superior a um ano de prisão, incluiu as contravenções,

além de condicionar a persecução das lesões leves, culposas ou dolosas, à representação do

ofendido.

Pode-se dizer que os Tribunais brasileiros vem temperando os rigores das leis penais

com soluções consentâneas com a moderna política penal.

Apesar de ter melhorado, é claro que a legislação penal brasileira necessita ser

revista, todavia, não para se criar novas figuras penais, despenalizar condutas, aumentar ou

reduzir drasticamente as penas.

Nota-se também, como nos julgados acima, que o princípio da insignificância está

umbilicalmente ligado ao princípio da intervenção mínima, pois para a aplicação de ambos é

necessária a presença de uma mínima ofensividade da reprovabilidade do comportamento e

inexpressividade da conduta lesão jurídica.

Leciona Nucci:

Com relação à insignificância (crime de bagatela), sustenta-se que o direito penal,

diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultima ratio, no sistema

punitivo, não se deve ocupar de bagatelas. (2008, p. 216)

O próximo capítulo abordará de forma abrangente o princípio da insignificância e

sua importância no tocante a exclusão de lesões ínfimas.

Page 38: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

36

III PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Não há dúvidas que o princípio da insignificância está intimamente relacionado com

o princípio da intervenção mínima, pois, as condutas mínimas devem ser redigidas pelo

princípio da insignificância, que encontra fundamento no princípio da intervenção mínima.

São penalmente irrelevantes os fatos que provoquem lesões insignificantes aos bens

jurídicos. É excludente supralegal de tipicidade, demonstrando que lesões ínfimas ao bem

jurídico tutelado não são suficientes para, romper o caráter subsidiário do Direito Penal,

tipificar a conduta.

É um princípio decorrente da lesividade, lesões insignificantes, mínimas, pequenas

deverão ser desconsideradas, não caracterizando crime e gerando atipicidade do fato.

Hoje esse é um princípio muito amplo, não se restringe mais a crimes patrimoniais

como anteriormente, portanto não é só para os furtos de um, dois, três reais, obviamente que

esses casos são os de maiores incidências, contudo, se abre para muitos crimes como crime

contra a honra, crimes militares, crimes contra administração pública, algumas lesões

corporais e inclusive para os crimes tributários.

Não obstante, para as seguintes hipóteses em que de acordo com o STF não se aplica

a insignificância.

Não tem insignificância em crime com violência ou grave ameaça à pessoa (roubo),

Também não cabe no crime de tráfico de drogas (art. 33, lei 11.343/06), deve ficar

salientado que não cabe insignificância para o crime de tráfico de drogas, existem algumas

decisões em que o porte de droga para uso pode ser considerado como insignificante, mas se a

pessoa for pega vendendo apenas um comprimido de êxtase em uma festa, aqui não caberia

insignificância, pois a conduta vender é um dos verbos do art. 33, da Lei 11.343/06.

Crime de falsificação de moeda (art. 289, CP), da mesma forma não tem

insignificância no que tange ao valor falsificado, por exemplo, uma pessoa que falsifica uma

nota de dois reais deverá ser punido. O STF diz esse não é crime patrimonial, ou seja, a

preocupação não é com o valor, e sim com a com a confiança que se tem na moeda circulante

no país, pois um real falso que circula já pode gerar temor na população.

Vale lembrar que falsificações grosseiras não caracterizam o crime, porem não se

aplica a insignificância e o fato será considerado atípico em razão de crime impossível.

Page 39: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

37

Apesar de existirem alguns parâmetros para aplicação da insignificância, existe uma

exceção na qual vai se verificar o caso concreto, em crimes tributários (Lei 8.137) o STF

trabalha com critério objetivo, considerando insignificantes lesões de até 20 mil reais, com

base nos parâmetros definidos na lei de execução fiscal para cobrança de dívida.

Vale salientar que esse valor anteriormente estava no montante de R$ 10 mil , porém,

com a previsão dos arts. 1º, I, e 2º, da Portaria nº 75, de 22 de março de 2012, passou para R$

20 mil.

Frisa-se, ainda, que a evolução histórica da quantia adotada pelo STF como requisito

para seu reconhecimento, comparam-se os valores tomados como base para a aplicação do

princípio da insignificância a crimes contra o patrimônio e enfatiza-se o papel do Direito

Penal, ainda mais quando analisado em sua vertente de Direito Penal Tributário.

Dessa forma, se no âmbito tributário não se cobra divida de 20 mil, porque não vale a

pena, imagine no direito penal.

O princípio da insignificância gera atipicidade do fato, em razão da ausência de

tipicidade material, de acordo com o STF.

O STF diz que para que seja típico para o direito penal ele tem que ter tipicidade

formal, que é o próprio artigo de lei, somado a tipicidade material é a lesão concreta ao bem

jurídico (principio da lesividade). Consequentemente, uma lesão que seja insignificante, por

mais que seja lesão a bem alheio, não será suficiente para geral tipicidade material, e sem

atipicidade material o fato se torna atípico para o Direito Penal.

3.1 A origem do princípio da insignificância

Não é possível dizer com certeza a origem do princípio da insignificância, há

controvérsias sobre esse tema.

Alguns autores afirmam que ele nasceu no direito romano, eles sustentam que o

brocardo “mínima non curat praetor, de minimis non curar praetor ou de minimis praetor

non curat”, já tinha um caráter de insignificância, pois segundo o brocardo o pretor não cuida

de coisas pequenas/mínimas, delitos de bagatelas. Diomar Ackel Filho é um dos autores que

sustentam essa origem.

Os pretores tinham como principal função administrar a justiça, seus cargos eram

vitalícios, estabeleciam as audiências do fórum.

Page 40: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

38

Carlos Vico Mañas compartilha tal entendimento:

pode-se afirmar que o princípio já vigorava no direito romano, pois o pretor, em

regra geral, não se ocupava de causas ou delitos insignificantes, seguindo a máxima

contida no brocardo minimis non curat pretor. (1994, p. 56)

Por sua vez, existem outros entendimentos, nos quais no direito romano naquela

época o conhecimento acerca da legalidade penal era muito pequeno, e que o brocardo citado

acima era apenas uma máxima, sendo o Direito Romano alicerçado pelo Direito Privado. O

principal autor que sustenta essa tese é Mauricio Antonio Ribeiro Lopes.

Ensina Lopes:

Não se pode desvincular o princípio da insignificância do princípio da legalidade

[...]. A insignificância não é exceção à legalidade, mas princípio complementar

densificador de seu conteúdo material. Onde não se valoriza a legalidade, qual será o

papel da insignificância? Ao contrário de grande parte da doutrina, menos atenta a

esse aspecto, entendo que o que justifica modernamente o princípio da

insignificância e sua aceitação no Direito Penal não é seu caráter opositor ao direito

positivo, qual fosse uma solução extrajurídica para problemas aplicativos daquela

modalidade descritiva de direito,mas a sua natureza intrínseca à normatividade

jurídica.

O princípio da insignificância, conquanto possa ser extralegal, não é extrajurídico,

tampouco contrajurídico. É um princípio sistêmico, decorrente da própria natureza

fragmentária do Direito Penal. Para dar coesão ao sistema penal é que se o fez.

Sendo, pois, princípio específico do Direito Penal, não consigo relaciona-lo com a

(paradoxalmente) máxima minimis non curat praetor, que serve como referência,

mas não como via de reconhecimento do princípio. (2000, p. 41-42)

Como dito acima, há uma grande controvérsia sobre o assunto, tanto é que Guzmám

Dalbora consignava que o Direito Romano até tinha uma rasa ideia sobre o principio da

insignificância, não obstante, esse conhecimento não se relaciona com a atual conjectura da

insignificância.

Este autor chega afirmar, até mesmo, que os juristas romanos não tinham

conhecimento da máxima ―mínima non curat praetor”, e que este adágio tem melhor

enquadramento no pensamento liberal dos humanistas.

Neste sentido, é o magistério de Dalbora :

Parece-nos, com efeito, que o adágio mínima non curat praetor tem que haver

surgido com muita maior probabilidade entre os humanistas que o que é lícito supor

a propósito dos juristas da Recepção. (...) Desta sorte, que os humanistas

construíram o apotegma mínima non curat praetor, que, conforme restou explicado,

tem um sentido eminentemente liberal e refratário a qualquer imposição autoritária,

não parece – dentro, por suposto, das possibilidades de uma conjectura –

hipoteticamente infundado (1996, p. 62-65)

Antes mesmo de adentrar nas características e no conceito do princípio da

insignificância, é notório que ele está intimamente ligado com o princípio da legalidade, até

Page 41: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

39

porque, alguns autores consagrados salientam que a insignificância só veio surgir com o

advento do Iluminismo, ou seja, período em que a legalidade teve seu auge.

Com efeito, assim consigna Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari Prestes:

Também se afirma que teve sua origem, juntamente com o princípio da legalidade,

durante o Iluminismo, como forma de limitação do poder absolutista do Estado. A

Declaração Universal da dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu

artigo 5°., implicitamente, faz referência ao princípio insignificância, revelando que

a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade, o que cria um caráter seletivo

para o Direito Penal e o desprezo às ações insignificantes. (2003, p. 36)

Em harmonia com o art. 5°. da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do

Cidadão de 1789, o art. 8°, da mesma Declaração, diz que é preciso de uma verdadeira lesão

ao bem jurídico tutelado para que haja interferência do Direito Penal.

Senão vejamos:

Artigo 8° - A Lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias,

e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada

antes do delito e legalmente aplicada.

Nota-se, claramente, que esse dispositivo evidenciou os princípios da intervenção

mínima, legalidade, anterioridade da lei penal e da fragmentariedade. E como é sabido, o

princípio da insignificância está implicitamente ligado a eles.

É incontestável que Beccaria teve grande relevância na construção na construção do

princípio da legalidade, e por consequência no princípio da insignificância, ensina Lopes:

Dentro desse panorama merece destaque específico Beccaria, com seu opúsculo Dei

delitti e delle pene. Ali, com extremo vigor, concluía que ―apenas as leis podem

indicar as penas de cada delito e que o direito de estabelecer leis penais não pode ser

senão da pessoa do legislador, que representa toda a sociedade ligada por um

contrato social. Adiante, quando fala da medida dos delitos, Beccaria expressa que

―a exata medida do crime é o prejuízo causado à sociedade. Aí está uma dessas

verdades que, ainda que evidentes para o espírito menos arguto, porém escondidas

por um concurso singular de circunstâncias, apenas são conhecidas de um pequeno

número de pensadores em todos os países e em todos os séculos. (2000, p. 41).

Temos, ainda, uma terceira corrente, que sustenta que o princípio abordado só veio

surgir no período pós guerra, ou seja, após a primeira metade do século XX. Isso porque,

segundo esses autores, com a iminência da guerra houve grande escassez de alimentos e

mantimentos, o que motivava a população (faminta e destruída) praticar pequenos furtos a fim

de saciar a fome. Dessa forma, esses pequenos delitos foram denominados como crimes de

bagatela (Bagatelledelikte).

Page 42: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

40

É possível dizer que os delitos de pequena monta tiveram maior incidência nessa

época, contudo, é certo que o princípio da insignificância está umbilicalmente ligado ao

princípio da legalidade, portanto, também pode ter nascido com as ideias liberais dos filósofos

iluministas.

Não podemos deixar de relatar que a formulação teórica do princípio estudado pode

estar ligado à possibilidade de restringir o alcance da tipicidade que pregava Claus Roxin em

1964.

O ponto inicial, utilizado por Roxin, foi o crime de constrangimento ilegal. Mais

tarde, com suporte na fragmentariedade e subsidiariedade do Direito Penal, defendeu-se a

ampliação do princípio da insignificância para afastar a tipicidade de outras condutas, tais

como o furto.

Ivan Luiz da Silva leciona sobre o tema:

O recente aspecto histórico do Princípio da Insignificância é, inafastavelmente,

devido a Claus Roxin, que, no ano de 1964, o formulou com base de validez geral

para determinação geral do injusto, a partir de considerações sobre a máxima latina

minima non curat praetor.Conquanto a formulação atual do Princípio em debate

tenha sido realizada por Roxin, encontramos vestígios dele na obra de Franz von

Liszt, que, em 1903, ao discorrer sobre a hipertrofia da legislação penal, afirmava

que a legislação de seu tempo fazia uso excessivo da pena e, ao final, indaga se não

seria oportuno restaurar a antiga máxima latina minima non curat praetor.(...) Assim,

não obstante a formulação contemporânea do Princípio da Insignificância, não há

como se ocultar que sua origem se encontra no antigo brocardo romanístico minima

non curat praetor, ou de minimis praetor non curat, como aparece mencionado em

numerosos autores que desde o século XIX o invocam a pedem sua restauração:

Carrara, von Liszt, Quintiliano Saldaña, Claus Roxin, Baumann, Zaffaroni, dentre

outros. (2006. p. 87)

Nos dias hodiernos, não há dúvidas que o princípio da insignificância está sendo

amplamente estudado e tem grande importância para o Direito Penal, pois com o crescimento

descontrolado da violência, possibilitando ao magistrado um veredito mais coerente com o

sistema constitucional e democrático do que com a letra fria da lei.

3.2 Conceito, critérios e aplicação do princípio da insignificância

Como já mencionado no capítulo acima, princípio tem a ideia de começo, momento

em que determinada coisa teve origem.

Page 43: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

41

Nesse ponto vale mencionar, que o princípio da insignificância não tem previsão

legal no direito brasileiro, sendo considerado, todavia, princípio auxiliar de determinação da

tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica.

Nota-se, de antemão, que a insignificância está relacionada com outros princípios do

direito. Dessa forma, faremos um breve comentário sobre esses princípios, dado a importância

de cada um na estruturação do princípio da insignificância.

Por se tratar de ciência de natureza social e lidar com seres humanos, não cabe ao

direito adotar critérios rígidos e absolutos. Logo, o operador do direito deve aplicar o razoável

a cada caso concreto.

Daí surge um dos princípios que solidificam a insignificância, qual seja, o princípio

da razoabilidade.

Outro princípio que serve de base para a bagatela é o princípio da igualdade, pois

para não se desvirtuar o sentido da norma penal, e consequentemente conduzir a graves

injustiças, a equidade deve ser utilizada pelo seu caráter de justiça social.

Nesse contexto, é possível afirmar que a ligação entre a equidade e a insignificância,

é uma das bases de sustentação da bagatela como força excludente de crime.

Para Moraes (2006, p. 31) ―estão proibidas as diferenças arbitrais, as discriminações

absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida que se desigualam, é

exigência do pr prio conceito de Justiça‖.

Algumas vezes a sanção penal, mesmo aplicada no menor grau, torna-se, em

verdade, mais grave que o grau de reprovabilidade da conduta do agente. Surge, nesse caso, o

tratamento desigual do indivíduo, motivo pelo qual há necessidade de mecanismos para

excluir a tipicidade, qual seja, princípio da insignificância.

Por sua vez, o princípio da subsidiariedade também dá sustento ao objeto de estudo

nesse capítulo, pois o Direito Penal deve ser o último instituto a ser utilizado para proteger os

bens, é a ultima ratio.

No tocante a fragmentariedade, só os bens jurídicos mais importantes devem ser

protegidos pelo Direito Penal, ou seja, apenas os ataques mais intoleráveis são punidos, daí

que surge a aplicação da insignificância.

Outro princípio que se correlaciona com a insignificância é o da adequação social,

pois destina-se para orientar o legislador na escolha de condutas a serem proibidas ou

impostas, bem como na revogação de tipos penais.

E por fim, o princípio da proporcionalidade que tem como premissa evitar

intervenções desnecessárias e excessivas.

Page 44: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

42

Logo, o princípio da proporcionalidade serve como fundamento ao da

insignificância, porque este concretiza a proporcionalidade existente entre o fato delituoso e a

reação do Estado, visando realizar a justiça em seu sentido material.

Em tempo, podemos citar outros princípios que também se relacionam com a

insignificância, quais sejam, princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da legalidade

e princípio da ofensividade.

Após breve análise dos princípios fundamentadores, passaremos a discorrer sobre o

princípio da insignificância propriamente dito.

O princípio da insignificância não presume a completa anuência social da ação, mas

apenas uma consonante tolerância dessa conduta por sua insuficiência de graveza.

Ensina Capez:

Klaus Tiedemann chamou-o de princípio da bagatela, excluindo o juízo de tipicidade

condutas que se amoldam a determinado tipo penal sob o ponto de vista formal, mas

não apresentar relevância material no concreto. Nessas circunstâncias, pode-se

afastar liminarmente a tipicidade penal, porque na verdade o bem jurídico não

chegou a ser lesado. Na verdade, o princípio da bagatela no direito brasileiro,

consoante lembra Paganella Boschi, sendo considerado, contudo, princípio auxiliar

de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no

brocardo minimis non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a

finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão

insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu

enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na

lei e o comportamento iníquo realizado. É que no tipo somente estão descritos os

comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão,

os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal

está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem

sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se

incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de

alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico. O Superior Tribunal de Justiça, por

intermédio de sua 5º Turma, tem reconhecido a tese da exclusão da tipicidade nos

chamados delitos de bagatela, aos quais se aplica o princípio da insignificância, dado

que à lei não cabe preocupar-se com infrações de pouca monta, insuscetíveis de

causar o mais ínfimo dano à coletividade. (2004, p. 121/122).

Como observa Damásio de Jesus, ―esse princípio tem sido adotado pela nossa

jurisprudência nos casos de furto de material insignificante, lesão insignificante ao fisco,

maus tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta, lesão corporal de

pequena singeleza etc‖. (2011. p. 10).

O crime de bagatela serve como um norte de interpretação aos aplicadores do direito,

ou seja, atua como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal para evitar situações

dispares.

Observa-se, portanto, que o princípio da insignificância sustenta que o Direito Penal

não pode preocupar-se com ninharias, da mesma forma que não podem ser admitidos tipos

Page 45: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

43

incriminadores que descrevam condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o bem

jurídico.

Lopes discorre sobre o assunto:

O princípio da bagatela surge como recurso teleológico para integração semântica e

política do direito penal e não para ser utilizado como substrato vago, de ânimo de

ocasião, acarretando, daí, tão-só imprecisão, a incerteza denotativa e, por fim, a total

imprevisibilidade da reação estatal a condutas legalmente típicas (1994, p. 102).

Após conceituarmos o princípio, importante demonstrarmos alguns critérios

necessários para a sua aplicação.

Segundo Nucci existem três critérios para aplicação da insignificância:

Há três regras, que devem ser seguidas, para a aplicação do princípio da

insignificância. 1) o bem jurídico afetado não pode ser de grande valor para a vítima;

2) não pode excessiva quantidade de um produto unilateralmente considerando

insignificante; 3) não pode envolver crimes contra a administração pública, de modo

a afetar a moralidade administrativa. (2010, p. 216)

Dentre as regras destacadas por Nucci, entendemos que a de maior relevância é a de

que o bem jurídico afetado não pode ser de grande valor para a vítima. Isso porque, para

algumas pessoas certos bens podem ser insignificantes, contudo, para outras ele poder ter

valor significante, tanto materialmente quanto sentimentalmente.

Um exemplo que pode ser citado é de uma pessoa que furta uma cesta básica da rede

de Supermercados Pão de Açúcar, para essa grande empresa o furto de tais produtos

certamente são insignificantes, por outro lado, se o furto da cesta básica ocorre na casa de um

homem que vive com um salário mínimo por mês e tem 6 filhos menores de idade, certo é que

esses produtos farão falta ao decorrer do mês, ou seja, aqui a cesta básica teria significância.

Nesse ponto:

Furto simples. Subtração de sessenta reais, em espécie. Rejeição da tese de

atipicidade (bagatela). Numerário de utilidade e significância à vítima. Conduta

típica. Privilégio reconhecido, com redução pontual das penas, substituição da

privativa de liberdade por restritiva de direitos e estipulação do regime inicial aberto.

Condenação mantida‖. (TJSP. Apelação Criminal com Revisão 990081158795.

Relator(a): André Carlos de Oliveira. Comarca: Araraquara. Órgão julgador: 8ª

Câmara de Direito Criminal D. Data do julgamento: 13/03/2009.)

Foi decidido ainda:

Nos delitos patrimoniais, os objetos subtraídos portam valores relativos, pelo que

não se pode inferir da inexistência do crime pela irrelevância do objeto, sem se

cotejar o valor da res com as condições econômicas de cada vítima. O que se mostra

desprezível para alguns pode vir a ter importância transcendental para outros‖

(tratando do futo de uma galinha, de quem tinha apenas um galo, duas galinhas e

poucos frangos) (TACRIM/SP, RJDTACRIM 4/99).

Page 46: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

44

No tocante a excessiva quantidade de um produto unilateralmente considerado

insignificante:

A quantidade de mercadoria apreendida em poder do acusado (cerca de 4.000 maços

de cigarros de fabricação nacional, destinados a exportação) não autoriza, in casu, a

aplicação do princípio da insignificania. (REsp. 193.367- RO, 5ª T. rel. José Arnaldo

da Fonseca, v.u., 20.05.1999, DJ21.06.1999, p.191)

No que se refere ao crime contra a administração pública:

Não se aplica o chamado ―princípio da insignificância‖ quando a hip tese engloba

crimes contra a administração pública em razão da efetiva ofensa ao bem

juridicamente tutelado. A aferição da insignificância é matéria afeta ao juízo da

intrução e não do habeas corpus. Óbice da Súmula. RHC 8.357-GO 5ª t. rel. Edson

Vidigal, 15.04.1999, v.u, DJ 25.10. 1999, p.99)

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o princípio da insignificância

só deve ser aplicado quando balizado pelos seguintes vetores objetivos: a) a mínima

ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o

reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão

jurídica provocada.

Nesse sentido:

O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os

postulados da fragmetariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal

– tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, a presença de

certos vetores, tais como a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) a

nenhuma periculosidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade

do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se,

em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de um caráter subsidiário

do sistema penal reclama e impõe, em razão dos próprios objetivos por ele visados, a

intervenção mínima do Poder Público. (STF, HC 84687/MS, Rel. Min. Celso de

Mello, 2. T. DJ 27/10/2006, p. 279. )

Vale ressaltar outro julgado proferido pelo STF:

Rejeitou-se, ainda, a aplicação do principio da insignificância, porquanto esta, como

causa supralegal de excludente de tipicidade, exige a presença cumulativa dos

seguintes requisitos: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma

periculosidade da ação; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento

e, d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Nesse sentido, asseverou-se que

não se revelariam suficientes para caracterizar a insignificância do delito apenas a

pequena potencialidade lesiva da infração e o perigo concreto para a Administração

Militar (HC 90.977-MG, 1. T., Rel Cármen Lúcia, 08/05/2007, v. u. Informativo)

Observa-se que a doutrina e a jurisprudência não chegaram a um consenso quanto

aos requisitos necessários para o reconhecimento do princípio da insignificância,

consequentemente, provocando a absolvição, por exclusão de tipicidade.

Acentua-se que na aplicação do princípio da insignificância devem ser considerados

somente os aspectos objetivos do fato, excluindo-se outros de caráter subjetivo.

Page 47: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

45

Com isso, entendemos que os critérios de avaliação do desvalor da ação e o desvalor

do resultado são os que conferem maior objetividade na verificação da insignificância penal

de determinada conduta tipificada.

Por oportuno, insta recordar que Francisco de Assis Toledo, apontava que a gradação

qualitativa e quantitativa do injusto permite que o fato penalmente insignificante seja excluído

da tipicidade penal.

Nota-se que os parâmetros para a aplicação do princípio da insignificância não há

uma regra legal a ser seguida. Motivo pelo qual, as jurisprudências dos Tribunais estão sendo

utilizadas como um norte para a aplicação desse princípio.

Colecionamos alguns julgados:

O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do

tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado

apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente,

em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade

ao bem jurídico tutelado pela norma penal, o que consagra o postulado da

fragmntariedade do direito penal. (STJ. Resp. 849035, Rel. Min. Arnaldo Esteves

Lima, 5 T. DJ 7/5/2007).

Com efeito:

O princípio da insignificância é um instrumento de interpretação corretiva da larga

abrangência formal dos tipos penais e, para sua aplicação, prescinde de menção em

lei, pois decorre do Estado Democrático de Direito, constante na Constituicao

Federal de 1988. (TJMG, AC 1.0460.03.012807-4/001, Rel. Des. Pedro Vergara, DJ

2/6/2007)

E mais :

O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL:

"DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a

relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos

do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria

proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam

essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se

exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O

direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor

- por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente,

por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à

integridade da própria ordem social. HABEAS CORPUS Relator(a): Min. CELSO

DE MELLO Julgamento: 19/10/2004 Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação: DJ 19-11-2004 PP-00037 EMENT VOL-02173-02 PP-00229

Conferir, ainda:

Page 48: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

46

Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria

denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja

necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas. Assim,

no sistema penal brasileiro, por exemplo, o dano do art. 163 do Código Penal não

deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar

prejuízo de alguma significação para o proprietário da coisa; o descaminho do art.

334, parágrafo 1, d, não será certamente a posse de pequena quantidade de produto

estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou cujo

valor indique lesão tributária, de certa expressão, para o Fisco; o peculato do art. 312

não pode estar dirigido para ninharias como a que vimos num volumoso processo no

qual se acusava antigo servidor público de ter cometido peculato consistente no

desvio de algumas poucas amostras de amêndoas; a injuria, a difamação e a calúnia

dos arts. 140, 139, 138, devem igualmente restringir-se a fatos que realmente

possam afetar significamente a dignidade, a reputação, a honra, o que exclui ofensas

tartamudeadas e sem conseqüências palpáveis; e assim por diante. (Francisco Assis

Toledo, Princípios Básicos do Direito Penal, p. 133)

Sendo o delito uma ofensa a um interesse dirigido a um bem jurídico relevante,

preocupa-se a doutrina em estabelecer para um princípio para excluir do Direito Penal certas

lesões insignificantes.

Como se vê nos casos acima, não há dano de furto quando a coisa alheia não tem

qualquer significação para o proprietário da coisa.

Da mesma forma não existiria contrabando se o agente estivesse como posse

pequena quantidade de produto estrangeiro de valor reduzido, que não cause lesão de certa

expressão para o fisco; como não haveria peculato quando o servidor público se apropria de

ninharias do Estado; não existiria crime contra a honra quando não se afeta significativamente

a dignidade, a reputação, a honra de outrem; não haveria maus tratos quando não se ocasiona

prejuízo considerável ao bem estar corporal; não ocorreria dano ao patrimônio público de

pequena monta; não existiria estelionato quando o agente utiliza de fraude para não pagar a

passagem no metrô.

Pode-se concluir que é indispensável que o fato tenha acarretado uma ofensa de certa

magnitude ao bem jurídico protegido, para que se possa concluir por um juízo positivo de

tipicidade.

A excludente de tipicidade pelo princípio da insignificância será abordada no

próximo tópico.

3.3 Princípio da insignificância como excludente da tipicidade material

Page 49: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

47

Como elemento derradeiro do fato típico tem-se a tipicidade, que nada mais é que a

correspondência exata, a adequação perfeita entre o fato natural, concreto, e a descrição

contida na lei.

Pode-se dizer que o tipo penal tem duas funções, a primeira é a garantia, já que se

aperfeiçoa e sustenta o princípio da legalidade do crime. A segunda é a de identificar a

antijuridicidade do fato a sua contrariedade ao ordenamento jurídico.

Praticado um fato típico, presume-se também a sua antijuridicidade, presunção que

cessa diante da existência de uma causa que exclua.

Existem as excludentes supralegais, que afastam a tipicidade, embora não estejam

expressamente previstas no Código penal, como ocorre com a adequação social e

insignificância.

Com a evolução do Direito Penal, para que o fato seja penalmente punível, não é

mais aceitável o juízo de tipicidade apenas em sua extensão formal, sendo preciso analisar,

igualmente, sua face material.

A tipicidade material reúne a imputação objetiva, a imputação subjetiva e o resultado

jurídico. Em razão disso, o fato materialmente típico é o que fere concretamente o bem

jurídico protegido pela norma.

A corrente majoritária na doutrina e na jurisprudência brasileira entende que o

princípio da insignificância torna materialmente atípica conduta que tenha uma afetação

insignificante ao bem jurídico tutelado por determinada norma.

Rogério Greco leciona no mesmo sentido:

Analisando em sede de tipicidade material, abrangida pelo conceito de tipicidade

conglobante, tem a finalidade de afastar do âmbito do Direito Penal aqueles fatos

que, à primeira vista, estariam compreendidos pela figura típica, mas que, dada à sua

pouca ou nenhuma importância, não podem merecer a atenção do ramo mais radical

do ramo jurídico. Os fatos praticados sob o manto da insignificância são

reconhecidos como de bagatela. (2008, p. 06).

Portanto, o princípio da insignificância atua excluindo a tipicidade material porque o

fato cometido não gerou risco ao bem jurídico tutelado, ou porquanto o resultado jurídico não

foi atingido de forma relevante, inexistindo, assim, em ambos os casos a dimensão valorativa

do tipo penal.

Nessa órbita:

A excludente da tipicidade (do injusto) pelo princípio da insignificância (ou da

bagatela), que a doutrina e a juris,prudência vem adimitindo, não está inserta na lei

brasileira, mas é aceita por analogia, ou interpretação interativa, desde que não

contra legem. Não há como confundir, por exemplo, pequeno valor da coisa

subtraída com valor significante ou ínfimo, no primeiro caso há somente um

abrandamento da pena, no segundo há exclusão da tipicidade. Somente uma

Page 50: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

48

quantidade de maconha totalmente inexpressiva, incapaz inclusive de permitir ―o

prazer de fumar‖, poderá ter o condão de tornar atípica a ação de seu portador. No

Estado do Rio Grande do Sul, já se absolveu réu acusado pelo crime pelo crime de

posse de entorpecente por ser mínima (1 grama) a quantidade do tóxico, mas o

Tribunal de Justica acabou não aceitando tal orientação, mantendo aquela dos

Tribunais Superiores. (BITENCOURT, 2011, p. 102)

Na falta de um resultado jurídico relevante, pois as agressões ao bem jurídico

realizadas ocorrem de maneira insignificante, não existirá tipicidade penal.

Confira-se nesse sentido:

Furto simples tentado (art. 155, caut, c/c, o art. 14, II, ambos do CP). O valor ínfimo

da res furtivaI, sem força para causar dano relevante ao patrimônio da vítima, não

gera repercução na seara penal, à míngua de efetiva lesão do bem jurídico tutelado

(princípio da insignificância). Absolvição que se impunha com força no art. 386, III,

do CPP. Sentença monocrética corfirmada. Apelo provido. (...) Nestes lindes, em

reforço aos argumentos constantes da sentença recorrida, registro que o auto de

avaliação indireta (fl. 21/v.) dá conta que os bens subtraídos possuem o valor de R$

60,86 (sessenta reais e oitenta e seis centavos). Ou seja, o valor da rei furtivae

equivalia a 33,81% do salário mínimo vigente à época do fato (R$ 180,00). Logo, a

conduta imputada a ré é insignificante e não justifica a repressão penal, em virtudade

da sua desproporcionalidade em relação aos danos supostamente ocasionados pela

conduta denunciada. Portanto, é plenamente aplicável ao caso o princípio da

insignificância, ante a irrelevância da conduta da ré S. para o direito penal (delito de

bagatela), à mingua de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, o que conduz a

pretensão punitiva (imprópria) deduzida ao veredcto absolutório centrado no art.

386, , do CPP‖ ( Ap. 70.009.794.884- Caxias do Sul, 6ª C. rel. Aymoré Roque

Pottes de Mello, 23.12.2004, v.u boletimAASP 2494, out. 2006)

Portanto, o princípio da insignificância, equivale à desconsideração típica pela não

materialização de um prejuízo efetivo, pela existência de danos de pouquíssima importância.

3.4 Críticas ao princípio da insignificância

Como já visto no tópico anterior, o princípio da insignificância tem grande

dificuldade no tocante a fixação de critérios e parâmetros precisos, em razão disso, alguns

doutrinadores estabelecem algumas objeções a sua aplicação.

Por não estar legislado, a corrente mais formalista sustenta ser inaplicável o

princípio.

Ocorre que a insignificância nada mais é do que importante construção dogmática,

solidificada em conclusões de ordem político-criminal, que busca solucionar situações de

injustiça provenientes da falta de relação entre a conduta reprovada e a pena aplicável.

Page 51: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

49

Existe, também, objeções sobre a indeterminação conceitual, pois segundo esses

autores a indeterminação de conceito pode gerar riscos a segurança jurídica.

Outra objeção é no tocante a previsão legal de tipos privilegiados, contravenções

penais e infrações penais de menor potencial ofensivo.

Nesse ponto, consigna-se que os sistemas penais que expressamente criminalizem

condutas menores não podem aceitar o princípio da insignificância.

No nosso país, o Código Penal prevê figuras privilegiadas, tais como, o furto (art.

155, § 2º, do CP), o estelionato (art. 170 do CP) e a receptação (art. 180, § 3º, do CP). Além

disso, encontra-se em vigor o estatuto das contravenções penais, ou seja, infrações penais

consideradas de menor gravidade.

Dessa maneira, nessas hipóteses, a interpretação restritiva dos respectivos

dispositivos legais, com a consequente afirmação de atipicidade material das condutas,

significaria aplicação da analogia contra legem, violadora, assim, do princípio da legalidade.

A nosso ver, trata-se de conclusão errônea, porquanto nada impede que, feita a

valoração normativa da ofensa, nos moldes anteriormente sugeridos, o intérprete reconheça

que, de tão ínfima, não subsume-se sequer aos tipos privilegiados e contravencionais.

Como se vê, é necessário ter cautela na aplicação do princípio da insignificância para

evitar a impunidade de comportamentos que, embora provoquem danos de menor monta,

sejam significantemente reprováveis ou revelem alguma periculosidade social, bem como

para não se incentivar, pela possibilidade de afastamento da sanção penal, a habitualidade ou

a proliferação ao ataque aos bens tutelados pelo ordenamento jurídico.

Encontramos um julgado nesse sentido:

Princípio da insignificância. Reconhecimento do crime de bagatela no furto de bem

que foi avaliado em R$45,00. Impossibilidade. É impossível aplicar o princípio da

insignificância, consubstanciado no chamado crime de bagatela, no furto de animal

avaliado em R$45,00, porque isso só pode acontecer na subtração de bens de valor

juridicamente irrelevantes, como uma flor, um palito ou um alfinete (TAC SP, AC,

Rei. Mesquita de Paula).

Há críticas ainda no sentido de que se perde muito tempo, gasta-se dinheiro com a

nomeação de advogados, custos de funcionários, para se chegar ao final e concluir pela

atipicidade da conduta dos agentes, em evidente desproporcionalidade entre a utilidade e

efetividade da justiça criminal.

Derradeiramente, alguns Tribunais sustentam que o nosso ordenamento jurídico não

acolheu a teoria da bagatela, não cumprindo ao Judiciário deixar de tutelar os bens

expressamente destacados pelo legislador nos diplomas legais. Segundo eles, o princípio da

Page 52: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

50

insignificância não está a merecer qualquer amparo, porque não há respaldo jurídico em se

considerarem corretas condutas como furtar, receptar e roubar.

Após essa breve análise das críticas ao princípio estudado, nota-se que elas não têm o

condão de eliminar a validade do princípio da insignificância como instrumento político-

criminal e sistemático de descriminalização.

Por sua vez, abordaremos agora um método que vai na contramão dos princípios da

insignificância e intervenção mínima, pois segundo ele todos os delitos devem ser punidos, é

o chamado Direito Penal Máximo.

3.5 Direito penal máximo : Conceito e carácterísticas

Pode-se dizer que essa corrente parte da premissa de que o Direito Penal é a solução

eficaz para conter todos os males relacionados com a violência existente no seio social,

portanto, sua utilização, além de importante é imprescindível.

Diferentemente dos capítulos acima, que sustentaram que o Direito Penal deve ser

visto como ultima ratio da sociedade, o Direito Penal Máximo preocupa-se com todo e

qualquer bem, não importando o seu valor, devendo ser utilizado como prima ratio.

Segundo o Direito Penal Máximo, todo o comportamento que se desvia da boa

conduta social, independentemente do grau de importância, merecem o juízo de censura a ser

levado a efeito pelo Direito Penal.

A mídia tem papel fundamental para a disseminação do Direito Penal Máximo, isso

porque, profissionais não habilitados, tais como, jornalistas, apresentadores de programas

sensacionalistas (Datena) e repórteres, chamam para si a responsabilidade de criticar as leis

penais.

Com isso, eles fazem a sociedade crer que com a criação de novos tipos penais,

afastamento de determinadas garantias processuais e penas mais severas, seriam as medidas

ideais para uma vida mais harmônica e tranquila, afastando-se, assim, aqueles cidadãos não

adaptados.

Tomemos como exemplo o advento da Lei n.º 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos),

que amparado pela norma constitucional, conforme assevera o artigo 5.º, inciso XLIII, da

Constituição Federal, causou grande discussão no meio jurídico principalmente por seu valor

motivacional.

Page 53: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

51

Não há dúvidas que tal advento legislativo foi determinado pela força midiática

provocada por determinados crimes que assustaram a nossa sociedade, tais como: extorsão

mediante sequestro, homicídios e execuções promovidos por grupos de extermínio (Milícias),

atuação maciça de grupos e facões criminosa (Comando Vermelho e PCC), crimes

relacionados à liberdade sexual com resultado morte, terrorismo e, atualmente, o tráfico ilícito

de entorpecentes.

Entretanto, por se sentir pressionado pela força da mídia, os legisladores acabam

criando normas desproporcionais ou elaboradas as pressas, tudo com o fito de aplacar a

sensação de insegurança e impunidade que paira sobre o seio da sociedade.

Pois bem.

O Direito Penal Máximo é também conhecido como Movimento de Lei e Ordem.

Pode-se dizer que o Movimento de Lei e Ordem é política criminal que tem como

objetivo transformar conhecimentos empíricos sobre o crime, propondo alternativas e

programas a partir se sua perspectiva.

Esse movimento iniciou-se na década de 70 nos Estados Unidos e ganhou amplitude

até os dias atuais, com a ideia de repressão máxima e alargamento de leis incriminadoras.

Nesse sentido leciona Cervini:

Um dos princípios do "Movimento de Lei e Ordem" separa a sociedade em dois

grupos: o primeiro, composto de pessoas de bem, merecedoras de proteção legal; o

segundo, de homens maus, os delinquentes, aos quais se endereça toda a rudeza e

severidade da lei penal. Adotando essas regras, o Projeto Alternativo alemão de

1966 dizia que a pena criminal era "uma amarga necessidade numa comunidade de

seres imperfeitos". É o que está acontecendo no Brasil. Cristalizou-se o pensamento

de que o Direito Penal pode resolver todos os males que afligem os homens bons,

exigindo-se a definição de novos delitos e o agravamento das penas cominadas aos

já descritos, tendo como destinatários os homens maus (criminosos). Para tanto, os

meios de comunicação tiveram grande influência.1994, p. 5).

O Direito Penal Máximo, e consequentemente a Medida de Lei e Ordem, sofreram

uma ramificação, em meados de 1991, e ficou conhecida também como Política de Tolerância

Zero.

Essa ramificação surgiu não com o intuito primordial de diminuir a criminalidade,

como prega o Direito Penal Máximo, mas de refrear a insegurança das classes altas e médias

da sociedade, tirando os ―excrementos humanos‖ de suas vistas recriminando severamente

delitos menores tais como embriaguez, a jogatina, a mendicância.

Por derradeiro, percebe-se que o Direito Penal Máximo, a Medida de Lei e Ordem e

a Política de Tolerância Zero, desabrocharam devido as classes mais favorecidas da

sociedade, movidos pela mídia, clamarem por segurança, mas em verdade, pretende-se a

dizimação dos pobres das ruas das grandes cidade, colocando todos atrás das grades, longe da

Page 54: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

52

vista da sociedade para que o Estado os tranque e ―jogue a chave fora‖. Porquanto em

decorrência de pequenos crimes são adotadas penas de crimes hediondos, para dar exemplo e

demonstrar sensação de segurança à esta pequena parte da sociedade

3.5.1 Teoria das janelas quebradas

No ano de 1982 dois criminologistas americanos James Wilson e George Kelling

desenvolveram uma teoria denominada como ―Broken Windows Theory”, ou seja, Teoria das

Janelas Quebradas. Essa teoria tinha como objetivo evidenciar a relação de causalidade que

existe entre a desordem e a criminalidade nas grandes metrópoles.

A pesquisa desenvolvida pelos criminologistas tinha por alicerce uma experiência

executada por um psicólogo americano Philip Zimbardo.

Esse psicólogo deixou um automóvel num bairro de classe alta na cidade de Palo

Alto, Califórnia. Ele observou que na primeira semana o carro permanecia intacto, todavia

após quebrar uma janela do veículo, ele estava totalmente quebrado e roubado por grupos

vândalos e criminosos que transitavam por ali.

Na visão dos autores, o fato de se quebrar a janela de um prédio e imediatamente não

consertá-la pode desencadear uma onda de criminalidade.

Nesse sentido:

O programa de tolerância zero tem sua origem, em grande medida, em função de um

famoso artigo publicado por James Q. Wilson em parceria com George Kelling, no

ano de 1982, na revista norte-americana Atlantic Montly. O artigo intitulou-se

―Broken Windows: the police and neighborhood safety‖. A idéia central do

pensamento ali desenvolvido é o de que uma pequena infração, quando tolerada,

pode levar ao cometimento de crimes mais graves, em função de uma sensação de

anomia que viceja em certas áreas da cidade. A leniência e condescendência com

pequenas desordens do cotidiano não devem ter sua importância minimizada. Ao

contrário. Não se deve negligenciar essa importante fonte de irradiação da

criminalidade violenta. Esse pensamento é metaforicamente exposto com a teoria

das janelas quebradas. ―Psic logos sociais e chefes de polícia tendem a concordar

que se uma janela de um prédio é quebrada e não é consertada, todas as demais

janelas serão imediatamente quebradas.‖ A Teoria é expressada através de um

interessante exemplo. Dois carros foram abandonados, sem placas, com o capô

aberto em duas ruas de diferentes cidades. Uma, em Palo Alto, Califórnia. Outra no

Bronx, Nova York. O carro parado no bairro do Bronx é imediatamente depenado,

em não mais que 10 minutos. Os primeiros a chegar ao veículo foram pai, mãe e um

filho (de uma mesma família) que levaram o radiador e a bateria. Em pouco tempo,

o carro foi totalmente depredado. Em um prazo de vinte e quatro horas o carro servia

de playground para as crianças. A maior parte dos vândalos estava bem vestida, e

eram brancos. O carro, nas mesmas condições, estacionado em um bairro de elite em

Palo Alto, não foi tocado no prazo de uma semana. O pesquisador, então, destruiu

uma janela do veículo com um martelo e em poucas horas o veículo foi igualmente

depenado. Isto foi feito, da mesma forma, por pessoas brancas aparentemente

respeitáveis.Segundo os autores, a explicação da diferença das posturas das

comunidades explica-se pela sensação se anomia no Bronx, pela freqüência com

Page 55: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

53

que carros são abandonados, coisas são roubadas e pela anterior experiência de

vandalismos por quem conhece que ali ―ninguém dá bola‖ para as coisa. (Revista

Internacional de Direito e Cidadania, outubro/2009, p. 166)

Tomemos como exemplo hipotético uma fabrica que há poucos meses foi desativada,

nesses meses ela continuou intacta, até o momento que um jovem resolveu quebrar uma das

janelas de sua fechada.

Depois de alguns dias, todas as janelas da antiga fábrica estavam quebradas, pois os

outros jovens e vândalos perceberam que ali não existia autoridades para conservar a ordem

na localidade. Como as janelas já estavam quebradas, os vândalos passaram a criar mais

coragem e pichar todo o prédio, deixando aquela fábrica com aspecto de abandono total.

Ao perceberem que as autoridades não tomaram providencias sobre a pichação, que é

algo mais fácil de ser notado do que simplesmente persianas quebradas, os vândalos e

andarilhos invadiram a antiga fábrica.

Por ali ficaram muitos dias, e novamente nada aconteceu. Em razão disso, passaram

a utilizar drogas dentro do prédio e, posteriormente ali passou ser utilizado não só como local

de consumo, mas como ponto de tráfico.

Com medo da traficância no local, os vizinhos e comerciantes ao redor da fábrica

começaram a mudar do local gradativamente, as suas casas passaram a ser vandalizadas da

mesma forma que ocorreu na antiga fábrica, criminosos de outros bairros passaram a residir

nessas residências.

Em pouco tempo, aquele que era um bairro tranquilo, sem muita violência, se

transformou num local dominado pela criminalidade, onde os mais variados tipos de crimes

ocorriam corriqueiramente sem que nada acontecesse.

Foi ai que as autoridades notaram que aquele bairro estava ―perdido‖, e tentaram

intervir, contudo, os criminosos instalados ali há muito tempo, com recursos e armas,

impediam que as autoridades entrassem no local.

Dessa forma, após esse exemplo hipotético e ilustrativo, fica mais fácil visualizar

qual é o fundamento da Teoria das Janelas Quebradas, qual seja, que os pequenos delitos

devem ser punidos, pois se isso não ocorrer certamente acarretará maiores consequências, ou

seja, delitos cada vez mais graves.

Apesar do exemplo ser meramente ilustrativo a Teoria das Janelas Quebradas já foi

utilizada nos EUA, pois lá houve a aplicação da Política de Tolerância Zero, que tem como

fundamente essa teoria. Isso ocorreu mais precisamente na cidade de Nova Iorque.

Page 56: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

54

Encontramos o artigo elaborado por Amanda Soares Gomes sobre o uso dessa teoria

em Nova Iorque:

A criminalidade em Nova York teve um crescimento lento e constante ao longo dos

anos 70 e 80 em virtude da tolerância aos pequenos ilícitos. As pessoas que

pichavam não eram contidas, e os números de grupos vândalos aumentavam. O

problema no metrô (transporte subterrâneo de Nova York) era ainda mais grave por

ser um local fechado, à noite deserto, e que era muito utilizado pelos nova-iorquinos.

Em 1993 concorriam para a prefeitura de Nova York o David Dinkins (até então

prefeito) e Rudolf Giuliani (prefeito eleito 1994-2002) ambos prometiam combater a

criminalidade de maneira eficiente. A principal reclamação da população era a cerca

dos grupos de jovens que limpavam os pára-brisas dos carros sem a autorização dos

donos e exigiam o pagamento pelo feito de forma agressiva que causava medo nas

pessoas e isso era considerado pelos nova-iorquinos uma falta de ordem e

autoridade. Quando Rudolf ganhou as eleições de Nova York ele trouxe para a

polícia Willian Bratton que atuou como Comissário da Polícia da Cidade de Nova

York, que antes já havia contratado o Kelling.Com a chegada do novo comissário

Kelling começou a incentivá-lo com livros e ideias. Bratton foi encarregado a

solucionar o problema do metrô. Quando ele começou a fazer uma análise do estado

em que se encontrava o metrô percebeu algumas janelas quebradas, sendo as

principais: as pessoas que pulavam as catracas (o que causava um prejuízo muito

grande para os cofres públicos), a desordem e a criminalidade. Bratton teve uma

pequena dificuldade para colocar em prática a política criminal, pois os policiais

estavam acostumados a combater os crimes mais violentos (homicídios, estupros,

roubos, dentre outros) e não delitos menores. Superado esse obstáculo começou a

aplicar a Broken Windows Theory. Uma das primeiras medidas tomadas foi impedir

que pulassem as catracas; logo, quando os outros desordeiros perceberam que

aqueles que pulavam estavam sendo repreendidos, eles desistiam de ter a mesma

conduta. Para realizar as prisões dos puladores de catraca, os policias geralmente

ficavam a paisana, em traje civil, e quando o pulador de catraca chegava, olhava

para os lados, não via policial e pulava, era imediatamente preso. Aqueles que

praticavam mendicância eram levados para abrigos. Os que pichavam os trens e

paredes eram presos e rapidamente a ―arte‖ era apagada. Os policiais americanos

perceberam que as pessoas que pulavam as catracas, estavam armadas ou tinham

mandados de prisão contra si, ou seja, dessa forma combatendo aquele delito menor

evitou-se que aqueles que estavam armados praticassem outros crimes. É importante

ressaltar que nem todos que cometem crimes menores necessariamente cometerão

um crime grave, porém se não encontrarem alguma repressão, a tendência que se

cometa um delito grave é maior. Em poucos meses Bratton e a sua equipe conseguiu

diminuir a criminalidade no metrô significativamente, portanto uma janela quebrada

será era consertada. Solucionado o problema do metrô, foi a vez de recuperar as ruas

de Nova York. E começaram agindo contra os grupos de vândalos que lavavam os

pára-brisas e extorquiam dinheiro dos motoristas. Essa conduta era punida com

Page 57: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

55

serviços comunitários não levava a prisão, as pessoas eram intimadas e muitas não

cumpriam a determinação judicial, cujo o descumprimento, autorizava que fossem

presos. As prisões foram feitas (os outros ficavam com medo da sanção), o que

atormentava os nova-iorquinos por anos acabou-se em semanas. O resultado da

aplicação da Broken Windows Theory foi a redução de forma satisfatória da

criminalidade em Nova York que anteriormente era conhecida como a ―Capital o

Crime‖. Hoje a cidade é considerada a mais segura dos Estados Unidos.

No Brasil é muito comum pessoas deixarem os lares por conta da criminalidade,

como se vê nas grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro.

Não se sabe ao certo se seria conveniente a utilização da Teoria das Janelas

Quebradas no Brasil, porém esse tema será abordado no próximo tópico.

3.6 Comparação entre o Direito Penal Máximo e os princípios da intervenção mínima do

e insignificância

Nesse tópico faremos uma abordagem dos três temas principais do nosso trabalho,

quais sejam, o princípio da intervenção mínima, princípio da insignificância e o Direito Penal

Máximo.

Os dois primeiros temas abordados são bem diferentes do Direito Penal Máximo,

isso porque, naqueles buscava-se afastar o Estado de pequenos delitos que não atingem de

forma severa o bem jurídico tutelado.

No tocante ao princípio da intervenção mínima, as relações sociais serão reguladas

pelos outros ramos do direito, cabendo, em ultimo caso, a sanção penal, ultima ratio.

A ultima ratio, dessa forma, vai legitimar o Direito Penal somente quando

fracassarem todos os outros meios (políticas sociais), quando se torna difícil o convívio

social.

O princípio da insignificância tem grande ligação com o princípio da intervenção

mínima, todavia, reúne quatro condições essenciais para ser aplicado: a mínima ofensividade

da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade

do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada.

Vejamos alguns trechos da sentença prolatada pelo ilustre Juiz de Direito Ronaldo

Tovani, substituto da comarca de Varginha, Minas Gerais, que concedeu liberdade provisória

a Alceu da Costa, vulgo ―Rolinha‖, preso em flagrante por ter furtado duas galinhas e ter

Page 58: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

56

perguntado ao delegado: ―Desde quando furto é crime neste Brasil de Bandidos?‖. O ilustre

magistrado lavrou então sua sentença em versos, apreciemos da original manifestação:

No dia cinco de outubro

Do ano ainda fluente

Em Carmo da Cachoeira

Terra de boa gente Ocorreu um fato inédito

Que me deixou descontente.

O jovem Alceu da Costa

Conhecido por ―Rolinha‖

Aproveitando a madrugada

Resolveu sair da linha

Subtraindo de outrem

Duas saborosas Galinhas

(...)

Desta forma é que concedo

A esse homem da simplória

Com base no CPP

Liberdade provisória

Para que volte para casa

E passe a viver em glória.

Se virar homem honesto

E sair dessa sua trilha

Permaneça em cachoeira

Ao lado de sua família

Devendo, se ao contrário,

Mudar-se para Brasília‖.

Em resumo, o conceito do princípio da insignificância é o de que a conduta praticada

pelo agente atinge de forma tão ínfima o valor tutelado pela norma que não se justifica a

repressão. Juridicamente, isso significa que não houve crime algum.

Mais precisamente na realidade brasileira, dos 340 Habeas Corpus autuados no

Supremo Tribunal Federal entre 2008 e 2010 pleiteando a aplicação do princípio da

insignificância, 91 foram concedidos, número que equivale a 26,76% do total.

(http/www.direito.it/categorias17.com.br)

Não obstante, existe o movimento contrário denominado como Direito Penal

Máximo, que tem como máxima que qualquer conduta fora da normalidade social deve

penalizada, ou seja, punir todo e qualquer delito, tendo como uma de suas vertentes a política

de Tolerância Zero.

Segundo o Direito Penal Máximo, todo o comportamento que se desvia da boa

conduta social, independentemente do grau de importância, merece se penalizado

judicialmente.

Page 59: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

57

Podemos citar como exemplo, as pessoas que pulavam as catracas para entrar

gratuitamente no metrô de Nova Yorque, mesmo sendo uma pequena infração as autoridades

passaram a coibir tais condutas, tudo isso para evitar crimes mais graves.

O exemplo citado acima também pode se relaciona com outra vertente do Direito

Penal Máximo, conhecida como Teoria das Janelas Quebradas, na qual pequenas condutas

devem ser punidas para que não causem prejuízos maiores.

Após essas explanações, é notório que tanto os princípios da invenção mínima e

insignificância, quanto o Direito Penal Máximo, possuem pontos positivos e também pontos

negativos.

Mas acreditamos que para o sistema penal brasileiro, a utilização da insignificância é

muito relevante, mesmo não estando legislada.

Page 60: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

58

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil a criminalidade vem aumentando cada vez mais, contudo, para tentarmos

solucionar os nossos problemas, concluímos que não podemos nos basear somente na

experiência de sucesso nova-iorquina (Direito Penal Máximo, que teve como correntes a

Política de Tolerância Zero e a Teoria das Janelas Quebradas).

Senão vejamos.

Em primeiro lugar, importante salientar que a sociedade brasileira e a sociedade

norte-americana são bem distintas, não que uma seja melhor que a outra. O que as diferem são

a cultura, a grande desigualdade social, a política e legislação.

No que se refere a cultura, a própria sociedade brasileira não toleraria a punição de

todos os seus comportamentos antissociais, aos quais já está acostumada cotidianamente.

Aqui, estamos acostumados com o famoso ―jeitinho brasileiro‖, onde condutas criminais são

vistas com bons olhos, ou seja, consideramos de alto status agir desta forma, como se isto

significasse ser uma pessoa articulada, bem posicionada socialmente, capaz de obter

vantagens inclusive ilícitas, consideradas imorais por outros países.

Para o mundo jurídico esse tipo de conduta assume um sentido negativo, significando

não só ludibriar, mas violar normas, leis e convenções sociais, se tornou uma forma

dissimulada de status social tipicamente brasileiro, no qual são usados recursos como apelo e

chantagem emocional, laços familiares, recompensas, promessas, dinheiro, e outros ou

francamente antiéticos para obter favores para si ou para outrem, às vezes confundido ou

significando suborno ou corrupção.

Nos dias hodiernos é normal ignorar as leis em favor das amizades, assim, elas ficam

cada vez mais desmoralizadas e incapazes de se impor. Além disso, o fato de afastar as leis e

seus castigos típicos é uma prova de boa-vontade e um gesto de confiança, o que favorecia

boas relações de comércio e tráfico de influência.

Podemos citar alguns exemplos, tais como, o pagamento de propina, para ser

aprovado no exame da carteira de habilitação de motoristas, dar dinheiro para o policial de

trânsito não aplicar uma multa. Aqui, infelizmente, esses tipos de condutas não são

necessariamente considerados subornos, mas apenas apelos ao uso de flexibilidade,

complacência.

Page 61: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

59

Diferentemente, nos EUA, as leis não admitem permissividade alguma, e possuem

franca influência na esfera dos costumes e da vida privada. Popularmente dizendo, lá, ou

―pode‖, ou ―não pode‖.

Dos exemplos citados acima, podemos extrair outro grande problema, a corrupção,

isso porque, o policial que aceita propina está praticando corrupção.

Contudo, devemos observar tal conduta de modo mais amplo, pois muitas vezes os

funcionários públicos são mal remunerados, o que os levam a ganhar esse dinheiro por fora.

Não podemos defender tais condutas, todavia, é nítido que o Estado tem grande parcela de

culpa nesse problema.

Outro motivo que inviabilizaria o Direito Penal Máximo no Brasil é a grande

desigualdade social, fator que propulsiona a criação de empregos no submundo, tais como as

pessoas que vendem balas nos sinais, os famosos flanelinhas que ―guardam‖ carros,

ambulantes, pessoas que pegam recicláveis, etc... Aqui, esse tipo de trabalho não pode ser

visto como nos EUA, pois se essas pessoas não usarem esses meios para ganhar dinheiro vão

passar fome.

Se não bastasse isso, por sermos um país subdesenvolvido não temos condições de

custear uma política criminal como a de Tolerância Zero, para sua implementação, seria

necessária a construção de mais presídios, contratação de policiais, dentre outras medidas.

E mais, não teríamos abrigos para todos os andarilhos, desabrigados e mendigos

como nos EUA, lá, todos que praticavam mendicância eram levados para abrigos, fato que

também diminuiu a criminalidade.

Dessa forma, é possível concluir que a nossa sociedade não está preparada para uma

política severa como esta, razão pela qual devemos utilizar sim o princípio da insignificância

e também o princípio da intervenção mínima, pelo menos por enquanto.

Necessário destacar que o nosso ordenamento jurídico acertou em alguns pontos,

como a suspensão condicional do processo e a transação penal.

A Suspensão Condicional do Processo está prevista no art. 89 da lei 9.099/95, ela é

uma forma de solução alternativa para problemas penais, que procura evitar o início do

processo em delitos cuja pena mínima não ultrapassa 1 (um) ano, quando o acusado não for

reincidente em crime doloso e não esteja sendo processado por outro crime.

É importante ressaltar que o Direito Penal não é responsável por resolver todos os

problemas da sociedade. É necessário que as autoridades competentes criem políticas de

prevenção para que a ordem seja mantida, e também socialização para aqueles que venham a

transgredir a norma jurídica.

Page 62: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

60

Não há duvidas que é melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los, Beccaria já

dizia que o meio mais seguro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos

inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação.

Page 63: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

61

REFERÊNCIAS

ACKEL FILHO, Diomar. Princípio da Insignificância no Direito Penal. Julgados do

Tribunal de Alcada de São Paulo. São Paulo. Lex. N. 94. P. 72. 77. 1998.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Ed. São Paulo. Ed. Saraiva, 2011.

BECCARIA, Cesare, Dos Delitos e das Penas, Ed. Martin Claret. 2007.

CAPEZ, Fernando. Direito Penal (Parte Geral). Ed. Saraiva, 2004.

_____, Fernando. Curso de direito penal. 3ª ed. São Paulo, Saraiva, 792p. 2008.

CERVINI, Raul. Incidencia de la "mass media" en la expansión del control penal en

Latinoamérica, Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Editora Revista dos

Tribunais, 1994.

DALBORA, José Luiz Guzmán. La insignificancia: especificación y redución valorativas

em el ámbito de lo injusto típico. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT,

ano 4, n. 14, p. 41-81, abr./jun./1996.

DURKHEIM, Emili. Direito Processual Penal. Ed. Impetus, Niterói, 2010.

GARCEZ, Walter de Abreu, Curso Básico de Direito Penal, Ed. Bushtsky. São Paulo. 1972.

GOMES, Amanda Soares. Teoria das Janelas Quebradas. A desordem e a Criminalidade.

Agosto de 2009. Disponível em: <http://www.jefersonbotelho.com.br/2009/08/15/teoria-das-

janelas-quebradas-a-desordem-e-a-criminalidade/>. Acesso em: 15 de dezembro de 2018.

GRECO, Rogério, Código Penal comentado. Ed. Impetus. Niterói . RJ. 2008.

JESCHEK, Hans- Heinrich. Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, 2. Vol, Barcelona,

1981.

JESUS, Damásio. Direito penal (Parte Geral). São Paulo. Ed. Saraiva, 2011.

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Elementos do Direito – Direito Penal. Ed. Premier

Máxima, 2005.

LENZA, Pedro. Direito Penal Esquematizado. Editora Saraiva. 2010.

LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. ed. Rev.

atual. e ampl. São Paulo: RT, 2000.

MAÑAS, Carlos Vico. O Princípio da Insignificância como Excludente da Tipicidade no

Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994.

Page 64: OS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA …

62

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas, Bookseller,

478p. 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo. Ed. Atlas. 2011.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional: 20a Ed. São Paulo: Atlas, 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 2. Rio de Janeiro. Ed. ampliada e

atualizada: Editora Revista dos Tribunais. 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – Parte Geral e Parte Especial. Ed.

Revista dos Tribunais. São Paulo. 2010.

PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O Princípio da Insignificância como causa de

excludente da tipicidade no direito penal, 1. ed. Porto Alegre: Memória Jurídica Editora,

2003.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 5, p. 165-

176, outubro/2009.

SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal brasileiro. Curitiba:

Juruá, 2006.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, STJ, REsp. 402419/RO, Rel. Min. Hamilton

Cavalhido, T., DJ 15/12/2003 p. 413) Disponível em:

<http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp.> Acesso em: 15 de dezembro de

2018.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA STJ - RESP 406986 - MG - 6ª T. - Rel. Min. Hélio

Quaglia Barbosa - DJU 17.12.2004). Disponível em:

<http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp>. Acesso em: 15 de Dezembro de

2018.

SUPREMO TRIBUAL FEDERAL, STF/HC 96376 / PR Julgamento em 31/08/2010),

Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/ Acesso em: 09 de Janeiro de 2019.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do direito penal. São Paulo. Ed. Saraiva,

2002.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, TJSP. Apelação Criminal com

Revisão 990081158795. Relator(a): André Carlos de Oliveira. Comarca: Araraquara. Órgão

julgador: 8ª Câmara de Direito Criminal D. Data do julgamento: 13/03/2009.) . Disponível

em: <http://www.tjsp.jus.br/>. Acesso em: 09 de Janeiro de 2019.