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OS PRIMEIROS QUE CHEGARAM INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO NEIDE BARROCÁ FACCIO ORGANIZAÇÃO

Os primeiros que chegaram

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Introdução à Arqueologia do Estado de São Paulo. Neide Barrocá Faccio (org.)

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Page 1: Os primeiros que chegaram

Apoio Técnico e Financeiro

Apoio Financeiro

OS PRIMEIROS QUE CHEGARAM

INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO

NEIDE BARROcá FAccIOORGANIzAÇÃO

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Page 3: Os primeiros que chegaram

OS PRIMEIROS QUE CHEGARAM

INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO

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NEIDE BARROcá FAccIOORGANIzAÇÃO

OS PRIMEIROS QUE CHEGARAM

INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Page 6: Os primeiros que chegaram

Copyright© Canal 6, 2014

Os primeiros que chegaram - Introdução à arqueologia do estado de São Paulo. Org. Neide Barrocá Faccio (pesq., ilustr.); - Presidente Prudente: [s.n.], 2014.

64 p. ; 21 cm.

ISBN 978-85-7917-300-4 1. Arqueologia brasileira. 2. Etno-história do Estado de São

Paulo. Arqueologia do Norte do Estado de São Paulo. I. Fac-cio, Neide Barrocá. II. Barone, Luiz Antônio. III. Cerdeira, Gabriel Loschiavo.

CDD: 704.0398

O811

Rua Machado de Assis, 10-35

Vl. América | CEP 17014-038 | Bauru, SP

Fone/fax (14) 3313-7968 | www.canal6.com.br

Conselho Editorial

Profª Drª Cássia Letícia Carrara Domiciano

Profª Drª Janira Fainer Bastos

Prof. Dr. José Carlos Plácido da Silva

Prof. Dr. Luís Carlos Paschoarelli

Prof. Dr. Marco Antônio dos Reis Pereira

Profª Drª Maria Angélica Seabra Rodrigues Martins

Page 7: Os primeiros que chegaram

7 Apresentação

8 O Índio: da origem do homem aos grupos indígenas brasileiros

Neide Barrocá Faccio

22 Breve etno-história do Estado de São Paulo

Luís Antonio Barone e Neide Barrocá Faccio

44 Arqueologia do Norte do Estado de São Paulo

Gabriel Loschiavo Cerdeira e Neide Barrocá Faccio

59 Referências

SUMáRIO

Page 8: Os primeiros que chegaram

6 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Este livro, produto do esforço acadêmico do

Laboratório de Arqueologia Guarani da UNESP

(LAG-FCT/Unesp), atende a distintos objetivos.

Em primeiro lugar, contempla a necessária ati-

vidade de divulgação científica, na medida em

que expressa e exterioriza o resultado de estudos

realizados pelos pesquisadores do Laboratório,

em diferentes projetos, formatados, agora, como

uma “introdução à arqueologia e etno-história

do Estado de São Paulo” (subtítulo do livro).

Por outro lado, se buscarmos outra chave clas-

sificatória, trata-se de um trabalho com vocação

paradidática, pensado que foi como um subsídio

para o ensino dos tópicos afins nas disciplinas

de História, Geografia e Sociologia do Ensino

Médio – embora o nível do texto permita tran-

quilamente que ele seja utilizado também em au-

las dessas áreas (acrescidas da antropologia) em

diferentes cursos superiores. Pode-se dizer que

esse nível de texto, bem como sua originalidade

– sobretudo no capítulo sobre a arqueologia do

Norte do Estado de São Paulo – mais o cuidado

com as referências científicas e a qualidade das

análises não o desabonam, em nada, como um

trabalho eminentemente acadêmico, mesmo que

os objetivos primeiros estejam consignados nas

rubricas didáticas e de divulgação científica.

Os três capítulos deste livro foram organiza-

dos de forma a manterem certa independência

entre si, o que facilita os fins didáticos. Mesmo

assim, “Os primeiros que chegaram” busca cla-

ramente apresentar o estado da arte da pesqui-

sa arqueológica no Estado de São Paulo (com

especial ênfase na sua região norte), a partir da

produção e ref lexão do grupo de pesquisa sedia-

do no LAG – FCT/Unesp. Neste sentido, além

APRESENTAÇÃO

Page 9: Os primeiros que chegaram

7ApresentAção

de um capítulo mais introdutório, de autoria de

Neide Barrocá Faccio (também organizadora do

livro), voltado a uma breve apresentação da ori-

gem do homem enquanto espécie, bem como da

discussão da origem do homem americano (e

paulista, se levarmos o contexto geográfico em

conta) – um texto com intenção claramente para-

didática – os dois capítulos seguintes dão conta

de diferentes dimensões dos estudos em arqueo-

logia. O segundo capítulo (Breve etno-história

do Estado de São Paulo) trata de uma abordagem

etno-histórica que dialoga com a arqueologia pré

-histórica, mas foca no contexto do encontro/

choque/entrecruzamento de culturas (notada-

mente amerínidas, africanas e europeias) que

formam o povo brasileiro e paulista. Escrito em

parceria da organizadora com Luís Antonio Ba-

rone, este capítulo tem também uma intenção

originalmente paradidática.

Completa esta obra o capítulo escrito pela or-

ganizadora em coautoria com Gabriel Cerdeira,

dando conta das pesquisas arqueológicas reali-

zadas no norte do Estado de São Paulo, um es-

forço de divulgação científica que em nada tem

a dever para trabalhos científicos stricto-sensu.

Este último capítulo pode ser usado como recur-

so didático, mas também pretende ser referência

para aqueles que pesquisam a arqueologia nessa

região do Estado.

Por fim, a equipe de autores agradece aos patro-

cinadores. Sem tais colaboradores esse empreen-

dimento de estudo e reflexão não teria oportuni-

dade de vir à luz. A extroversão do conhecimento

é uma das dimensões da atividade acadêmica que

devem ser fortemente valorizadas, sobretudo fren-

te aos desafios de alcançarmos uma sempre me-

lhor qualidade na Educação Básica.

Page 10: Os primeiros que chegaram

Este texto busca apresentar sinteticamente as teorias e os estudos

científicos realizados nas áreas da paleontologia humana e arqueolo-

gia brasileira, a fim de proporcionar uma melhor compreensão a res-

peito da presença da espécie humana pretérita (antes de 1492/1500)

no continente americano e no Brasil. Com uma origem que remonta

a 120 mil anos atrás, o ser humano ocupa essa área do planeta desde

pelo menos 50 mil anos. Os homens que aqui chegaram, provavel-

mente vindos da Ásia (via Estreito de Bering ou Oceano Pacífico), há

9 mil anos, já haviam ocupado todo o território americano.

O problema da origem do ser humano, do ponto de vista cientí-

fico, está intimamente relacionado à teoria da evolução das espécies,

estabelecida, primeiramente, a partir dos trabalhos de Charles Dar-

win (séc. XIX). Nessa área, sempre se caminha por meio de hipóteses

– às vezes, de difícil comprovação – que irão prover os cientistas de

ideias a respeito das questões que buscam esclarecer. O que parece

certo é que a superioridade biológica do chamado Homo sapiens sa-

piens (Homem sábio – o homem como nós conhecemos hoje) lhe ga-

O ÍNDIO: DA ORIGEM DO HOMEM

AOS GRUPOS INDÍGENAS BRASILEIROSNeide Barrocá Faccio

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O ÍNDIO: DA ORIGEM DO HOMEM AOS GRUPOS INDÍGENAS BRASILEIROS | NEIDE BARROcá FAccIO 9

rantiu a sobrevivência e um virtual domínio sobre as demais espécies

de seres vivos, desde há muitos milhares de anos.

Com relação à ocupação humana das Américas, mesmo antes da

chegada dos europeus, a superioridade técnica de distintos grupos

ameríndios lhes proveu o domínio sobre grande parte do território

continental, como é o caso das civilizações Asteca e Inca (nas regiões

do México e do Peru) ou das tribos agricultoras-ceramistas de linha-

gem tupi-guarani, nas terras onde hoje está o Brasil.

oriGeM do HoMeM

Há 4,2 milhões de anos surgiram os primeiros ancestrais do ho-

mem, na África. Dessa época até os dias atuais, podemos conhecer

quatro fases estruturais básicas, sendo elas Australopiteco, Homo

erectus, Homo sapiens de Neandertal e Homo Sapiens sapiens (Fi-

guras 1, 2, 3 e 4).

O Australopiteco se espalhou por toda a África. Caminhava ereto,

seu crânio possuía volume médio de 600 cm3 e, provavelmente, con-

feccionava ferramentas. Viveu no perído de 4,2 a 1,5 milhões de anos.

O Homo erectus originou-se de uma das espécies do Australopi-

teco que foram encontradas na Ásia, África e Europa. Caminhava ere-

to, seu crânio possuía um volume médio de 1 mil cm3, confeccionava

armas e artefatos de pedra e caçava animais de grande porte, como

búfalos, elefantes e rinocerontes. Ainda não era capaz de desenvolver

uma linguagem complexa. Viveu no período de 1,6 a 300 mil anos.

Os Homo sapiens de Neandertal foram encontrados na Ásia, Áfri-

ca e Europa. Essa espécie caminhava ereta, seu crânio possuía um

volume médio de 1450 cm3, confeccionava armas e artefatos com osso,

madeira, concha, dente e chifre. Eles caçavam grandes animais, deram

início às artes, ao sepultamento cerimonial dos mortos e ao uso de

Figuras 1, 2, 3 e 4 (da esquerda para a direita

e do alto para baixo): australopiteco, Homo

erectus, Homo sapiens de Neandertal e

Homo sapiens sapiens respectivamente.

Fonte: MAE/USP, 1988.

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10 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

colares de dentes, mas a língua não tinha tanta

mobilidade como teria a língua do Homo sapiens

sapiens. Surgiram há pelo menos 600 mil anos.

O Homo sapiens sapiens ou Homem de cro

-magnon é o homem moderno: seus primeiros

vestígios foram encontrados na Ásia, Europa e

África a partir de 125 mil anos; e a partir de 50

mil anos na Austrália e América. Entre suas prin-

cipais características estão o caminhar ereto e o

volume do crânio médio de 1.300 cm3. Possui tec-

nologia material avançada, realiza a arte da pintu-

ra policrômica nas paredes de cavernas ou abrigos

rochosos, estampas em ossos e madeira, escultura

e modelagem. Apresenta linguagem sofisticada.

A ciência trabalha com fatos. Dessa forma,

na medida em que os paleontólogos foram en-

contrando as estruturas físicas fossilizadas des-

ses ancestrais do homem, esses achados foram

datados e dispostos um ao lado do outro, em

uma linha cronológica. Quando analisamos es-

ses dados, podemos, a partir de fatos concretos,

chegar a algumas conclusões.

A linha evolutiva não segue exatamente a or-

dem apresentada nas figuras 1, 2, 3 e 4 (Australipi-

teco, Homo erectus, Homo sapiens de Neandertal

e Homo sapiens sapiens). É pouco provável que o

cérebro tenha aumentado de tamanho e depois di-

minuído (Homo erectus com 1 mil cm3, homem

de Neandertal com 1450 cm3 e Homo sapiens sa-

piens com 1300 cm3); tampouco o tamanho do

pescoço (do Australopiteco ao Homo erectus, o

pescoço aumentou de tamanho; no Homo sapiens

de Neandertal era muito curto e no Homo sapiens

sapiens era longo novamente).

Diante dos fatos, pode-se classificar o Neander-

tal como um ramo paralelo à evolução do homem

moderno. Entretanto, as datações mostraram que

a sobrevivência do Homo erectus, do homem de

Neandertal e do Homo sapiens sapiens está na sua

inteligência superior em grupo. O maior tamanho

do cérebro do Neandertal não significa necessaria-

mente maior inteligência e, por outro lado, caso o

Neandertal fosse mais inteligente que o Homo sa-

piens sapiens, essa inteligência seria individual

devido à dificuldade de transmitir ideias por meio

de uma comunicação sofisticada. Com isso, prova-

velmente, o Homo sapiens sapiens, apesar de ser

fisicamente mais fraco, pôde – por meio de uma lin-

guagem sofisticada – melhor elaborar estratégias de

guerra e aperfeiçoar suas armas, extinguindo os gru-

pos rivais (Homo erectus e homem de Neandertal).

Foi esse homem atual inteligente e com uma

linguagem sofisticada que ocupou a América por

volta de 48 mil anos, sendo chamado de índio pe-

los conquistadores europeus a partir de 1492.

a oriGeM do HoMeM aMericaNo

Estudiosos, desde longa data, vêm formulando

distintas teorias a respeito da origem dos amerín-

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O ÍNDIO: DA ORIGEM DO HOMEM AOS GRUPOS INDÍGENAS BRASILEIROS | NEIDE BARROcá FAccIO 11

dios. Essas teorias são confirmadas ou descartadas na medida em que os

estudos arqueológicos, etnográficos, linguísticos e biológicos avançam.

Atualmente sabemos que o homem não surgiu na América, mas que

está no continente há pelo menos 48 mil anos. A arqueóloga Brasileira

Niède Guidon pesquisa, desde 1978, um sítio arqueológico no sudeste

do Estado do Piauí, em São Raimundo Nonato. Trata-se do Sítio Toca do

Boqueirão da Pedra Furada, um grande abrigo rochoso situado no sopé

da cuesta arenítica. Os índios que ocuparam esse abrigo rochoso há 48

mil anos eram caçadores-coletores, e deixaram, na área do sítio, fogões

circulares confeccionados a partir de blocos caídos do paredão do abrigo

e artefatos de pedra. Os artefatos de pedra foram confeccionados a partir

de seixos de quartzo existentes no entorno do sítio e usados para cortar

ou quebrar ossos. Esse sítio possui datações que vão de 14 a 50 mil anos,

e sondagens na área desse sítio mostram que, a 1 m de profundidade,

ainda há material arqueológico, o que leva a arqueóloga Niède Guidon a

afirmar que “a área arqueológica de São Raimundo Nonato foi ocupada

pelo Homem desde há cerca de 60 mil anos” (GUIDON, 2002, p. 40).

Sabemos que o homem não teve origem na América, veio de fora há

pelo menos 48 mil anos. Então, de onde veio? Quais suas características

físicas? Quais rotas usaram? De quais meios de transporte dispuseram?

Se analisarmos o tipo físico dos indígenas americanos atuais, per-

cebemos certa semelhança de traços com os asiáticos (japoneses e

chineses). Entretanto, a descoberta de crânios americanos que não

se assemelham aos dos asiáticos ou dos índios atuais, mas sim aos

grupos pertencentes ao ramo oceânico das raças negras, nos leva a

questionar o porquê desses povos terem desaparecido. Para essa per-

gunta ainda não temos resposta, mas é certo que as Américas foram

ocupadas por asiáticos do grupo racial mongoloide e australianos do

grupo racial negroide (Figura 5).

Figura 5: crânio de 11.500 anos, encontrado

em Belo Horizonte/MG.

depois de sua reconstituição, os traços

faciais mostraram semelhança com os dos

africanos e aborígenes australianos.

Fonte: National Geografic, 2000, p. 108.

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12 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Quanto às rotas utilizadas, a teoria mais acei-

ta aponta para uma imigração terrestre, do Velho

para o Novo Mundo, a partir da Sibéria (Ásia) pela

Beríngia (América do Norte). A distância entre os

lados americano e asiático era de 90 quilômetros

há 40 ou 60 mil anos. A Terra, então, estava na

última idade glacial (Chamada Wisconsin). Dessa

forma, a Beríngia constituía-se em trecho onde o

nível do mar era mais baixo, pois quando o gelo

se formou o nível dos oceanos baixou (Figura 6).

Figura 6: Um exemplo da variação do nível do mar na última idade glacial.

Fonte: Desenho adaptado da National Geographic, de dezembro de 2000.

Existe também a possibilidade de uma migra-

ção marítima pelo Oceano Pacífico, já que restos

de embarcações datados de 48 mil anos foram en-

contrados na Austrália, mostrando que nessa épo-

ca o homem já navegava. Nesse período da última

idade glacial, o nível do mar estava mais baixo, o

que permitiria longas viagens com pequenas em-

barcações, parando em ilhas emersas (Figura 7).

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O ÍNDIO: DA ORIGEM DO HOMEM AOS GRUPOS INDÍGENAS BRASILEIROS | NEIDE BARROcá FAccIO 13

Figura 7: Possibilidades das rotas de passagem do homem do velho para o novo mundo.

Fonte: Figuti, s/d.

a arQUeoLoGia e o TraBaLHo do

arQUeÓLoGo

As primeiras pesquisas arqueológicas no

Brasil foram iniciadas entre 1830 e 1840, por

iniciativa do naturalista dinamarquês Peter Wi-

lhem Lund, em grutas da região de Lagoa Santa

(MG). No Século XIX, foram criados o Museu

Nacional (Rio de Janeiro/1818), o Museu Pau-

lista (São Paulo/1893) e o Museu Paranaense

(Paraná/1876), que deram um cunho oficial e

científico às pesquisas arqueológicas de forma

efetiva. Contudo, até 1950, muitos amadores

coletaram indiscriminadamente materiais ar-

queológicos para suas coleções particulares. So-

mente em 26 de julho de 1961 foi criada a Lei

Federal n° 3924, visando proteger o patrimônio

arqueológico brasileiro. A partir dessa data, im-

pulsionou-se a formação de arqueólogos, sob a

orientação de pesquisadores estrangeiros. Esses

pesquisadores, de volta ao Brasil, orientaram a

formação de outros arqueólogos. Hoje, temos

no Brasil profissionais preparados para o estu-

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14 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

do das ocupações pré-coloniais, além de órgão e leis que cuidam da

preservação do nosso passado cultural.

Os arqueólogos realizam escavações na área de sítios arqueológi-

cos e, para isso, aplicam técnicas específicas da arqueologia, traba-

lhando em íntima cooperação com uma equipe interdisciplinar (geó-

grafos, etnólogos, botânicos, zoólogos, cartógrafos).

O primeiro passo da pesquisa arqueológica é a análise ambiental,

que inclui levantamento intensivo da fauna e da f lora remanescen-

tes, da litoestratigrafia, da hidrografia, do relevo e do clima. Simul-

taneamente, a área passa por um exame minucioso que visa detectar

a distribuição dos vestígios arqueológicos em superfície. O segundo

passo é a realização de sondagens, que permitem analisar a sucessão

de camadas sedimentares, a profundidade em que se encontram os

vestígios e a área do sítio. O terceiro passo é a decapagem pós-níveis

naturais em áreas selecionadas – com o objetivo de abordar o sítio

tridimensionalmente – e analisar as estruturas de atividade (fornos,

restos de cabana, áreas de confecção de cerâmica, áreas de lascamen-

to de pedra). Durante o trabalho de decapagem, cada centímetro de

espessura do solo é retirado com pazinha de pedreiro e pincel, recu-

perando todo vestígio da ocupação humana. Só depois de registrado

e descrito o seu contexto, o material é retirado para posterior análise

em laboratório (Fotos 1 e 2). Muitas das questões arqueológicas feitas

em laboratório requerem respostas das áreas das ciências biológicas,

geoquímicas e geofísicas.

Fotos 1 e 2: área de decapagem do Sítio

arqueológico Piracanjuba, Piraju, SP.

Projeto Paranapanema, 2002

Fonte: Faccio, 2002.

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O ÍNDIO: DA ORIGEM DO HOMEM AOS GRUPOS INDÍGENAS BRASILEIROS | NEIDE BARROcá FAccIO 15

o ÍNdio BraSiLeiro

Ocupações de grupos caçadores-coletores

Para compreender a história do indígena

brasileiro do período pré-colonial, é preciso re-

tornar ao passado. Mas desse passado não exis-

tem índios vivos. Esses índios que não podem

contar sua história com palavras nos deixaram

os elementos de suas culturas materiais e, mais

raramente, vestígios de suas estruturas físicas

sob as camadas estratigráficas da terra.

A ocupação indígena mais antiga pesquisada

até o momento está no Sudeste do Piauí e foi da-

tada de 48 mil anos antes do presente (GUIDON,

2002). Além dessa ocupação indígena, podemos

citar outras raras ocupações, também bastante

antigas, como o Sítio Abrigo da Lapa Vermelha,

localizado na região de Lagoa Santa em Minas

Gerais, datado de 25 mil anos antes do presen-

te (LAMING-EMPERAIRE, 1979) e o Sítio Ali-

ce Boer, localizado na região de Rio Claro (São

Paulo), datado de mais de 14.000 anos antes do

presente (Figura 8).

Figura 8: Localização de três sítios arqueológicos mais antigos do Brasil.

Page 18: Os primeiros que chegaram

16 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Todos esses sítios referem-se a grupos indí-

genas caçadores-coletores, que lascavam/pico-

teavam a pedra, trabalhavam com ossos, madei-

ra, dentes e chifres no intuito de confeccionar

instrumentos para garantirem a sobrevivência.

Tais homens usavam o fogo tanto para aquecer

a pedra apta ao lascamento e assim adquirir

maior plasticidade na confecção de seus artefa-

tos (facas, raspadores, pontas de f lecha), quanto

para se aquecerem, para o preparo de seus ali-

mentos e para se defenderem de animais fero-

zes. Esses grupos formavam bandos de até 50

pessoas, viviam da caça, pesca e coleta de ali-

mentos silvestres, constituindo-se em socieda-

des simples, frouxamente integradas por limi-

tadas concepções de parentesco, ampliadas por

alianças patrimoniais.

No período de 12 a 50 mil anos, o nível do

mar era mais baixo e havia uma extensa planície

costeira emersa. As f lorestas tropicais ocupavam

área muito pequena, predominando cerrados, as

caatingas, os pampas e as matas de araucária.

Nessa paisagem, os indígenas caçavam mamí-

feros de grande porte, como preguiças gigantes,

cavalos, lipoternos (parecidos com um elefante,

mas peludos). Os tigres-dentes-de-sabre também

conviviam nessa paisagem. Hoje, esses animais

estão extintos, provavelmente devido às mudan-

ças climáticas ocorridas a partir de 10 mil anos

atrás, quando o nível do mar subiu próximo do

nível atual, inundando a maior parte das áreas

de pastagem.

A partir de 10 mil anos, devido às mudanças

ambientais ocorridas e à consequente extinção

dos mamíferos de grande porte, o índio brasilei-

ro se viu obrigado a se tornar um caçador espe-

cializado e a criar novas formas de sobrevivência.

Saiu da área aberta (campo) para as áreas fecha-

das (de f lorestas), aprimorando a coleta e a pesca.

Em São Paulo, as ocupações de grupos caça-

dores-coletores são frequentes em áreas próxi-

mas aos rios Grande, Paraná, Paranapanema e

Tietê, e de pequenos córregos ou ribeirões em

terraços colúvio-f luviais marginais. Soma-se a

essas características a presença de mata galeria,

corredeiras e proximidade de rochas aptas ao las-

camento, seja na forma de cascalheira ou de af lo-

ramento rochosos.

Os principais vestígios deixados por esses

grupos são estruturas de combustão e a pedra

lascada, utilizada para:

• Trabalho em madeira (aplainamento; ali-

samento de galhos, confecção de abrigos,

arco e f lecha, bordunas, canoas);

• Preparo de alimentos animais e vegetais

(corte de carnes e frutas);

• Abate de animais e madeiras;

• Perfuração de objetos.

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O ÍNDIO: DA ORIGEM DO HOMEM AOS GRUPOS INDÍGENAS BRASILEIROS | NEIDE BARROcá FAccIO 17

Os índios caçadores-coletores souberam apro-

veitar economicamente a mata galeria, os ani-

mais (terrestres e aquáticos), as fontes de rochas

aptas ao lascamento, os rios e ribeirões presentes

na área de seus assentamentos e entorno. Essas

ocupações, atualmente, estão enterradas a mais

de 1 m de profundidade. Contudo, as profun-

didades em que são encontrados seus vestígios

variam de acordo com a característica específica

referente ao processo de sedimentação, seguido

por processos de retrabalhamento das camadas

estratigráficas de cada área. Nessas ocupações,

atualmente, o arqueólogo encontra pedra lascada

em sílex, quartzo, basalto e arenito silicificado.

Em sítios de grupos caçadores-coletores, as

estruturas de combustão estão associadas ao las-

camento da pedra, pois os índios aqueciam as

pedras em fogueiras, visando aumentar sua plas-

ticidade, a fim de facilitar o ato do lascamento.

Nessas ocupações de grupos caçadores-coletores,

é comum a presença de estruturas de combustão

associadas ao pré-tratamento térmico da rocha

apta ao lascamento.

A tecno-tipologia lítica desses grupos tem

por característica peças bastante elaboradas, en-

tre as quais se destacam artefatos como: raspa-

dor, furador, furador raspador, talhador, percutor

e ponta de projétil (Foto 3). Também são comuns

as lascas (Foto 4 e Figura 9) e os choppers (Foto 5

e Figura 10).

Foto 3: Pontas de flecha, Museu de arqueologia de iepê, SP.

Foto: Olavo Santilli Ekman Simões, 2014.

Page 20: Os primeiros que chegaram

18 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Figura 9, foto 4: Lasca, Museu de arqueologia de iepê, SP.

Fonte: Daves et al., 2014.

Figura 10, foto 5: chopper, Museu de arqueologia de iepê, SP.

Fonte: Daves et al., 2014.

O tamanho das peças varia de acordo com

a fonte de matéria-prima. Se a fonte de matéria

-prima for uma cascalheira, o comum são instru-

mentos limitados ao tamanho do seixo. Se a fonte

de matéria-prima for um aforamento rochoso, há

possibilidade de controlar o tamanho do instru-

mento e, nesse caso, são possíveis tanto instru-

mentos pequenos como grandes.

A técnica de lascamento utilizada por esses

índios era comumente a percussão direta com

percutores duros, resultando em peças com sec-

ção plano-convexa, que tinham os seus bordos re-

tocados de acordo com a função que pretendiam.

A utilização de percutores macios ou da percus-

são indireta é registrada com pouca frequência.

Os grupos pescadores do litoral: os sambaquis

Os sambaquis estão presentes em vários

pontos do litoral brasileiro – especialmente no

Sudeste e Sul – e localizados nas planícies lito-

râneas. Os sambaquis são testemunhos da ocu-

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O ÍNDIO: DA ORIGEM DO HOMEM AOS GRUPOS INDÍGENAS BRASILEIROS | NEIDE BARROcá FAccIO 19

pação indígena no período entre sete e dez mil anos, sendo que por

volta de mil anos atrás se tornaram raros. Os vestígios dessas ocupa-

ções são colinas artificiais ou morros de conchas/moluscos bivalves

de 50 a 500 m de comprimento, com diferentes alturas. Nessas coli-

nas, os arqueólogos evidenciam enterramentos, artefatos em concha,

dente, ossos e pedras. A indústria de pedra polida nesses assenta-

mentos é composta por machados, moedores, polidores e esculturas.

As esculturas em pedra, na maior parte dos casos, reproduziam a

forma de animais como peixes, antas, rãs, pássaros ou crocodilos,

sendo que quase todas têm um recipiente no centro (Foto 6).

Atualmente, os arqueólogos investigam a origem das conchas bi-

valves. Seriam carregadas para o local como material de construção

ou seriam lixos da cozinha desses índios?

Todas as evidências indicam que os índios do sambaqui possuíam

uma cultura pré-agrícola, baseada na pesca e na coleta de animais

marinhos. Os sítios sambaquis apresentam testemunhos de enter-

ramento (cerimonial) e de habitação (atividades diárias) e foram ocu-

pados por um longo período. As datações realizadas para esses sítios

mostram uma diferença de até mil anos entre o topo e a base do sítio.

Os grupos ceramistas agricultores

O cultivo de plantas juntamente com a presença da cerâmica e a

coleta intensiva conduziu provavelmente ao sedentarismo. A maior

parte dos grupos agricultores era ceramista, por isso é comum a as-

sociação da cerâmica à agricultura. Entre as ocupações mais antigas

de grupos ceramistas no Brasil estão os sítios da região de Santarém

(PA), datadas de sete mil anos, e os sambaquis do litoral paranaense,

datados de cinco mil anos.

Foto 6: Zoólito com recipiente no centro.

Fonte: De Blasis, s/d.

Page 22: Os primeiros que chegaram

20 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Segundo Roosevelt (2002), a pré-história da região amazônica

tem produzido significativas informações arqueológicas sobre a his-

tória dos povos e culturas indígenas. Os restos arqueológicos são

abundantes e bem preservados, representando uma longa e inovado-

ra trajetória de desenvolvimento indígena. A sofisticada cerâmica e

as estruturas dos sítios arqueológicos revelam padrões de economia,

demografia, ideologia e organização social.

De fato, a região amazônica foi o foco inicial da domesticação de

plantas (batata doce e mandioca) e da confecção da cerâmica nessa

parte do continente.

Na região Amazônica, entre os séculos II e XII, temos a cerâmica

da cultura marajoara, que apresenta uma grande variedade de formas

e funções (Foto 7) e, entre os séculos XIII e XVI, tem-se a cerâmica

da cultura Santarém, que possui vasos de grande complexidade, apre-

sentando elementos de forma humana ou animal (Foto 8).

Foto 9: cambuchí utilizado como urna funerária no Sítio arqueológico aguinha.

a vasilha tem 64 cm de altura e diâmetro do ombro igual a 1,40 m, iepê, SP.

Fonte: Faccio, 2011.

Foto 7: cerâmica Marajoara

com olhos humanos.

Fonte: De Blasis, s/d.

Foto 8: estatueta Santarém/Pa.

Fonte: Figuti, s/d.

Page 23: Os primeiros que chegaram

O ÍNDIO: DA ORIGEM DO HOMEM AOS GRUPOS INDÍGENAS BRASILEIROS | NEIDE BARROcá FAccIO 21

No estado de São Paulo, as pesquisas arqueológicas identificaram

os grupos agricultores Tupi e Guarani (Fotos 9 e 10), Kaingang (Foto

11) e Kaiapó (Foto 12). Contudo, muito ainda precisa ser pesquisado

para que se tenha um quadro completo.

Foto 12: cerâmica aratu, Sítio Neves.

Fonte: Faccio, 2006.

Analisando as Fotos 9, 10, 11 e 12 verifica-se que a cerâmica de

cada um dos grupos indígenas possui características diferentes. A

cerâmica Guarani possui forma carenada, pintura policrômica, es-

pessura da parede que pode variar de 0,5 a 8 cm e tamanho dos vasos

que pode variar de miniaturas com 2 cm de altura a grandes com até

70 cm de altura. A cerâmica Kaingang é pequena se comparada com

a Guarani, possui paredes finas (até 0,8 mm), formas ovais e bru-

nidura (enegrecimento das paredes com fumaça de palha de milho

verde). A cerâmica dos Kaiapó, também conhecida por cajuzinho por

causa da forma de caju, chega a medir 1,10 cm de altura com a tampa,

possui forma piriforme e quase sempre apresenta paredes alisadas.

Foto 10: Fragmentos de vasilhas

indígenas guarani evidenciados no

Sítio arqueológico aguinha, iepê, SP,

em trabalho de campo realizado pela

equipe da Prof.ª Neide Barrocá Faccio.

estas peças estão expostas no Museu

de arqueologia de iepê, SP.

Foto: Olavo Santilli Ekman Simõe, 2007.

Foto 11: Forma da cerâmica (krukrü)

proveniente de sepultamentos em mon-

tículos de grupo kaingang, localizado

em Guararapes, São Paulo.

Fonte: Godoy, 1947.

Page 24: Os primeiros que chegaram

Antes da chegada dos europeus (espanhóis, portugueses, mas

também franceses) nas chamadas terras baixas da América do Sul,

cuja maior porção constitui o nosso país, uma população muito grande

ocupava os diferentes quadrantes desse subcontinente. Um número

de pessoas, difícil de estimar, que os historiadores calculam entre vá-

rias centenas de milhares e alguns milhões, viviam nas diferentes na-

ções indígenas, com seus territórios sobrepostos e permeáveis entre si.

No Brasil, seguramente, grandes populações habitavam o imenso

litoral, assim como as espaçosas várzeas de sua vasta rede hidrográfi-

ca, como a maior de todas, a amazônica. Não é impossível, segundo

Darcy Ribeiro (1995), que a população indígena das terras baixas da

América do Sul (excluindo-se, portanto, os Andes) já tivesse próxima

aos cinco milhões de pessoas no início do século XVI, quando os por-

tugueses aqui chegaram. Na mesma obra, Ribeiro calcula os falantes

do tronco tupi em 1 milhão – uma população igual à que vivia em

Portugal naquela época (1995).

BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULOLuís Antonio BArone e neide BArrocá FAccio

Page 25: Os primeiros que chegaram

23BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO | LUIS ANTôNIO BARONE E NEIDE BARROcá FAccIO

Essa população autóctone era bastante diver-

sificada, expressando características que con-

formavam tradições ceramistas específicas e

troncos linguísticos distintos – dos quais o mais

conhecido é o tupi-guarani. No entanto, mesmo

no interior desses conjuntos com similaridades

culturais às vezes muito pronunciadas, rivalida-

des e conflitos demarcavam divisões com ingre-

dientes bastante violentos.

A chegada dos europeus – sobretudo os por-

tugueses – marcou o início de uma grande trans-

formação étnica e populacional, caracterizada

pela miscigenação e pela subordinação e/ou ex-

termínio, por guerras ou epidemias, dos habitan-

tes indígenas. Assim, um misto de assimilação e

adaptação por um lado e morticínio por outro é

uma tendência da nossa formação colonial. Mais

tarde, a chegada de africanos escravizados acres-

centaria outras características ao nosso povo, na

sua origem fortemente mestiço.

A epopeia da colonização europeia nessa por-

ção do continente iniciou-se com a verdadeira

corrida entre portugueses e espanhóis pelo do-

mínio dos mares e das novas terras, no século

XV. A tradicional data de 22 de abril de 1500,

celebrada como “descobrimento do Brasil”, en-

cobre um histórico bem mais antigo de visita e

reconhecimento das terras do subcontinente sul

-americano – que pode ser recuado em décadas

(em 1438, teria sido visitado o litoral do atual Ma-

ranhão) – o que pode ser atestado em mapa da

“Ilha do Brasil”, de 1439.

A etno-história do que hoje é o Estado de São

Paulo confunde-se com, pelo menos, dois dos ca-

pítulos mais fundamentais da formação do povo

brasileiro. Um esboço dessa história, portanto,

desdobra-se desde o período colonial – e uma

“diferença” social e cultural dos paulistas nesse

contexto – até o período contemporâneo, no qual

São Paulo se torna o Estado mais desenvolvido do

país: a “locomotiva do progresso”. A dinâmica in-

terétnica de São Paulo tornou-o, primeiro, o “nú-

cleo central de mamelucos que realizaram a ex-

pansão brasileira” (RIBEIRO; MOREIRA NETO,

1992, p. 48); depois, a maior “colcha de retalhos”

cultural do país – juntando, na urbe, povos dos

quatro cantos do mundo. A apresentação desse

esboço, portanto, subdivide-se em duas partes,

privilegiando os dois processos que, embora su-

cessivos, são, cada qual por si, marcantes.

A colonização do Estado de São Paulo come-

çou antes mesmo de 1532, ano em que Martim

Afonso de Souza fundou a povoação que viria a se

transformar na Vila de São Vicente, a mais antiga

do Brasil. Antes disso, marinheiros portugueses

já haviam se instalado na costa, e formaram im-

portante arrimo para a colonização lusitana.

Dando continuidade à exploração da ter-

ra e em busca de novos gentios a evangelizar,

no cumprimento da missão que os trouxera ao

Page 26: Os primeiros que chegaram

24 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Novo Mundo, um grupo de jesuítas escalou a

Serra do Mar, chegando ao planalto de Piratinin-

ga, onde encontraram, segundo cartas enviadas

a Portugal, “uma terra mui sadia, fresca e de

boas águas”. Nesse lugar, fundaram um colégio,

em 25 de janeiro de 1554, ao redor do qual se

iniciou a construção das primeiras casas que da-

riam origem ao povoado de São Paulo de Pirati-

ninga. Em 1560, o povoado ganhou foros de vila,

sendo o principal polo irradiador da colonização

das terras interiores dessa porção do continente.

Vamos acompanhar a história do Estado de São

Paulo a partir desse contato interétnico, travado

ao longo dos séculos e que, a rigor e dada a dinâ-

mica populacional do Estado mais rico do país,

ainda não teve fim.

Originalmente, diferentes etnias ameríndias

tinham esse território como seu, mantendo rela-

ções muitas vezes de hostilidade, como os apa-

rentados Tupiniquim e Tupinambá (ambos do

tronco linguístico tupi-guarani) – cuja belicosi-

dade mútua chegava a despertar curiosidade no

colonizador dada a imensa semelhança entre os

dois grupos.

Monteiro (1984) cita, ainda, outras etnias,

como os Guaná (grupo pouco conhecido, pro-

vavelmente ancestral dos atuais kaingang) e os

Carijó (guarani), como vizinhos que conviviam

onde hoje se localizam as Regiões Metropolita-

nas de São Paulo e da Baixada Santista. Mais

para o norte, o mesmo autor (1984) identifica o

território Kayapó (ele fala dos Kayapós meridio-

nais), sendo o oeste do que hoje é o Estado de

São Paulo ocupado pelas etnias Kaingang e, mi-

noritariamente, pelos Oti-Xavante.

O mapa etno-histórico de Curt Nimuenda-

ju nos dá uma visão de conjunto sobre as zonas

ocupadas por cada um desses grupos, bem como

seus limites e sobreposições (Figura 11).

Page 27: Os primeiros que chegaram

25BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO | LUIS ANTôNIO BARONE E NEIDE BARROcá FAccIO

Figura 11: Famílias Línguisticas do estado de são Paulo, segundo nimuendaju, 1987.

Fonte: Adaptado por Faccio, 2011.

Page 28: Os primeiros que chegaram

26 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Quando o fundador e donatário-mor Mar-

tim Afonso de Souza oficializou a Vila de São

Vicente, em 22 de janeiro de 1532, ele já encon-

trou uma povoação de colonos, dos quais se des-

tacam os lendários João Ramalho e Antonio Ro-

drigues. A rigor, foi em 1502 que o explorador

Gaspar Lemos denominou a conhecida ilha de

Gohayó como “Ilha de São Vicente” – porque ele

também chegara ali no dia 22 de janeiro, data

que se comemora o dia de São Vicente Mártir.

A chegada de Martin Afonso de Souza deu

importância administrativa e política ao povoa-

do, tendo sido o primeiro numa série de insti-

tuições que moldariam o Novo Mundo de língua

portuguesa. Tal pioneirismo não livrou a região

de um período bastante turbulento, que deter-

minaria a fixação portuguesa nessa porção me-

ridional do litoral brasileiro.

A já existente beligerância entre tupinam-

bás e tupiniquins foi fortemente estimulada

na região do litoral pela chegada dos europeus.

Como episódio mais marcante do estímulo à

violência interétnica, cita-se a formação da Con-

federação dos Tamoios, quando os “Tamoios”

(tupinambás que habitavam entre os litorais

de São Vicente e do Rio de Janeiro), incitados

pelos franceses instalados na baía da Guanaba-

ra, revoltaram-se contra os portugueses e seus

aliados tupiniquins. Desse conf lito, em meados

do século XVI, resultou a extinção dos ditos Ta-

moios/Tupinambás e a expulsão dos franceses

da costa f luminense.

A guerra dos “Tamoios” tem uma importân-

cia grande no histórico da ocupação luso-brasi-

leira no território que entremeia a Vila de São

Paulo de Piratininga (a capital) e a Vila de São

Vicente (litoral). Quando os primeiros povoado-

res oficiais chegaram à região, por volta de 1530,

encontraram, já, dois portugueses – João Rama-

lho e Antonio Rodrigues, náufragos de viagens

de exploração – em posição de destaque junto às

comunidades tupiniquins (Antonio Rodrigues

para São Vicente e João Ramalho para Piratinin-

ga). Esses dois “fundadores” do Brasil se aliaram

aos tupiniquins e originaram linhagens de bra-

sileiros que foram os responsáveis pela coloniza-

ção dessa parte do Brasil.

Tem-se a povoação brasileira na região dos

municípios de São Bernardo e Santo André ini-

ciada justamente por João Ramalho, que teria

fundado uma vila (Vila de Santo André da Bor-

da do Campo), entre 1550 e 1553. A def lagração

do conflito entre franceses/tupinambás e por-

tugueses/tupiniquins levou ao abandono dessa

vila pioneira, em 1560. Essa guerra gerou suces-

sivos ataques a vários dos arraiais luso-brasilei-

ros do lado paulista, estimulando, inclusive, o

povoamento da Vila de Piratininga (São Paulo).

A população da antiga povoação de Santo André

teria, então, buscado refúgio na Vila de Pirati-

Page 29: Os primeiros que chegaram

27BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO | LUIS ANTôNIO BARONE E NEIDE BARROcá FAccIO

ninga (São Paulo), fundada pelos jesuítas Ma-

nuel da Nóbrega e José de Anchieta.

Os índios Tupinambás eram os habitantes

mais numerosos nessa parte do litoral brasilei-

ro, ocupando quase todo o litoral do Sudeste até

a Bahia. Costumavam construir suas tabas em

pontos altos, nas margens de rios, para sua pro-

teção. Excelentes canoeiros construíram suas

embarcações de cedros, guapuruvus e imbiri-

cus para o transporte de até 30 pessoas. Inci-

tados pelos brancos europeus, Tupinambás e

Tupiniquins (vizinhos de litoral, ocupando tam-

bém o planalto na região do alto curso do rio

Tietê) entraram em guerra, até reconhecerem

sua dependência dos estrangeiros.

Os tupinambás formaram, então, a “Confe-

deração dos Tamoios” – o termo Tamoios sig-

nifica os mais antigos da terra –, liderada por

Cunhambebe, para combater os portugueses.

Nessa época, o artilheiro alemão Hans Staden,

de passagem por essas terras, tornou-se prisio-

neiro desses índios. Alguns meses depois, con-

seguiu fugir e, de volta à sua terra, em 1557, re-

latou sua experiência num livro que se tornou

famoso, além de um documento importantíssi-

mo para a história do país.

Tentando controlar a rebeldia dos índios, em

1563 os jesuítas Manoel da Nóbrega e José de

Anchieta partiram de São Vicente com destino

à região dominada por tupinambás, conhecida

por Aldeia de Iperoig, com a missão de pacificar

os índios, por meio de um tratado de paz. Des-

confiados das verdadeiras intenções dos portu-

gueses, os tamoios tomam Anchieta como re-

fém durante cinco meses, até verem assegurada

“A Paz de Iperoig”.

Alguns historiadores acreditam que foi nes-

sa época que Anchieta escreveu, na praia de

Iperoig, muitos de seus 4.172 versos do famo-

so “Poema à Virgem”. Com a paz instalada e a

vitória dos portugueses/tupiniquins sobre os

franceses/tupinambás, os portugueses assegu-

raram a posse da região e fundaram a Vila Nova

da Exaltação à Santa Cruz do Salvador de Uba-

tuba – a atual Ubatuba.

João Ramalho, o colonizador antes citado,

é figura paradigmática do tipo de colonização

empreendido nesse território. Uma colonização

aventureira, móvel e mestiça. Assim, diferente-

mente da colonização de outras regiões, esses

homens, criando laços de parentesco – e forman-

do uma imensa prole de mestiços de europeus

e índias – penetraram o interior do continente,

enfrentando as agruras da “muralha” represen-

tada pelas serranias e pela f loresta densa.

A partir desses pioneiros, os jesuítas do

século XVI fundaram, em janeiro de 1554, o

Real Colégio de São Paulo de Piratininga, pa-

trimônio a partir do qual se contam os anos da

cidade de São Paulo. A tarefa de catequização

Page 30: Os primeiros que chegaram

28 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

dos índios, realizada pelos religiosos, mesclou-

se com a bárbara preação dos índios realizada

pelos colonos, eles próprios mestiços. A misci-

genação entre portugueses e indígenas foi uma

realidade formadora do povo dessa terra, embo-

ra os “brasileiros” atravessassem séculos, desde

as primeiras décadas da colonização, apresando

e escravizando (legal ou ilegalmente) indígenas.

Essa atitude agressiva dos mestiços luso-bra-

sileiros levou a que fossem criticados pelos reli-

giosos que catequizavam na porção espanhola da

bacia do rio Paraná, que os chamaram de “ma-

melucos” – referência aos belicosos guerreiros

islamizados do norte da África (RIBEIRO, 1995).

Fernão Cardim, em 1585, em viagem de São

Vicente até Piratininga, citou que a capitania

tinha, à época, apenas quatro vilas: São Vicen-

te, Santos, Itanhaém e Piratininga (CARDIM,

1978). Em 1560, São Paulo ganhou foro de Vila

e pelourinho, mas a distância do litoral e o isola-

mento comercial a mantiveram, durante muito

tempo, numa condição sem muita importância.

Em 1681, foi considerada cabeça da Capitania de

São Paulo e, em 1711, a Vila foi elevada à cate-

goria de Cidade. Dela partiram as “bandeiras”,

expedições organizadas para procurar minerais

preciosos e índios a serem escravizados nos ser-

tões distantes. São Paulo nasceu, enfim, como

uma sociedade rústica, que falava tupi-guarani

(a chamada língua geral).

Se sua história inicial foi marcada pelo re-

lativo isolamento e intermitência na população

– em 1560, por exemplo, um grande ataque de

índios destruiu o núcleo original da cidade de

São Paulo e provocou seu esvaziamento tempo-

rário (TOLEDO, 2003) – entre os séculos XVII

e XVIII essa realidade foi sendo transformada.

No entanto, se a historiografia tradicional apon-

ta uma continuidade nesse “esvaziamento de-

mográfico”, pesquisas recentes afirmam o con-

trário: além de um incremento populacional, o

período assiste à consolidação de uma elite co-

merciante (BLAJ, 1998).

Essa condição especial, no entanto, teria tra-

zido mais fartura à alimentação dos paulistas

do que gozavam os “prósperos” habitantes das

capitanias exportadoras de açúcar. Segundo Ri-

beiro e Moreira Neto (1992), isso se deveu à am-

pla escravização dos índios e à captura de afri-

canos quilombolas, como quando da destruição

de Palmares. A pecuária teria sido uma mola

original da economia local (VIANNA, 1933;

SPIX; MARTIUS, 1981). A conhecida versão da

miséria paulista do período anterior ao ciclo

do ouro é negada por documentos da época da

União Ibérica, que dão conta de uma estratégia

de sonegação de tributos ao rei da Espanha de-

senvolvida pelos paulistas, sempre mal vistos

pelas autoridades coloniais da época, conforme

Ribeiro e Moreira Neto (1992).

Page 31: Os primeiros que chegaram

29BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO | LUIS ANTôNIO BARONE E NEIDE BARROcá FAccIO

Trabalhos clássicos acerca da formação do

povo paulista (HOLANDA, 1956, HOLANDA;

SCHADEN, 1976) apontam para a mudança nas

atividades e no caráter do paulista na primeira

metade do século XVIII. Os habitantes de Pi-

ratininga não seriam mais caçadores de índios,

aventureiros altivos e independentes. A figura

dominante, então, passou a ser a do fazendeiro

patriarcal e a do esperto comerciante urbani-

zado. Talvez, restasse desse primeiro período o

orgulho pelas conquistas territoriais – consoli-

dando o mito do “bandeirante”– e uma maneira

própria de se gozar as riquezas: segundo Spix e

Martius (1981), os ricos paulistanos não tinham,

no início do século XIX, o gosto refinado pelo

luxo europeu que outras capitais brasileiras de-

monstravam. Mesmo com o aburguesamento

de sua elite, a cidade, no início do século XIX,

ainda exibia seu casario de taipa – ainda segun-

do os mesmos autores (SPIX e MARTIUS, 1981,

p. 137) –, testemunho da origem rústica de sua

sociedade, híbrida de portugueses e indígenas

americanos do tronco linguístico tupi-guarani.

Esses mesmos autores, viajantes-pesquisa-

dores, calcularam a população paulistana, em

1815, em pouco mais de 25 mil pessoas: apro-

ximadamente 12 mil brancos, pouco mais de 5

mil “pretos” e quase 8 mil mulatos. Acrescida

aos habitantes das 19 vilas da comarca de São

Paulo, a população regional atingia pouco mais

de 128 mil pessoas (1981, p. 148-149).

Spix e Martius identificaram a ascendência

indígena da população local (p. 139) e a relativa

baixa população afrodescendente, sobretudo em

comparação com outras capitais brasileiras. So-

bre a composição étnica de São Paulo, no perío-

do imediatamente anterior à Independência, são

eloquentes as ilustrações dos autores de “Via-

gem pelo Brasil” (Figura 12).

Page 32: Os primeiros que chegaram

30 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Figura 12: duas “mulheres paulistanas” do início do séc. XiX.

Fonte: Spix e Martius, 1981.

Os autores chamam a atenção para a papada de mulher da esquerda, segundo eles, exibida com

orgulho e muito comum na região. Fruto de distúrbios da glândula tireoide, o chamado “bócio” de-

ve-se à carência de iodo na dieta dos moradores do planalto paulista.1

1 Essa moléstia não se manifestava na população litorânea brasileira porque o iodo está bastante presente em peixes e

frutos do mar.

Page 33: Os primeiros que chegaram

31BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO | LUIS ANTôNIO BARONE E NEIDE BARROcá FAccIO

A convivência dos colonos portugueses e

brasileiros com a população indígena configura

um misto de exploração, absorção e extermínio.

Durante o período colonial, não raro vilas se avi-

zinhavam de aldeias – como foi o caso da Aldeia

de Perohibe, no século XVI, que não distava

muitas léguas de São Vicente.

Por volta de 1542, o mar destruiu parte da

vila de São Vicente, inclusive sua igreja. Em 1545,

mesmo ano em que se ergueu uma nova matriz

em São Vicente, inaugurou-se o Porto de Santos,

que se desenvolveu como povoado adjacente a

São Vicente. Com o empreendimento e as ativi-

dades que desencadeou, Santos desenvolveu-se

mais intensamente e a vida foi se deslocando em

direção à nova cidade. O porto santista tornou-se,

no século XIX, o mais movimentado do país e

permanece, até hoje, como o mais importante da

América do Sul.

A vila do Porto de Santos, depois simples-

mente Vila de Santos, sendo o principal porto

do litoral paulista, teve desenvolvimento acima

das outras vilas litorâneas. Em sua história estão

registradas a economia açucareira, a dispersão

bandeirante, a época do café e a industrialização

do século XX.

A evolução histórica da região do litoral pau-

lista, na chamada “baixada santista”, está muito

ligada à evolução econômica do planalto paulista

e da relação entre a região portuária e a cidade de

São Paulo. O porto de Santos marca, então, essa

dinâmica socioeconômica.

Foi de Braz Cubas a ideia de transferir o por-

to da baía de Santos para o seu interior, em águas

protegidas, inclusive do ataque de piratas, contu-

mazes visitantes e saqueadores do povoado. Esco-

lhido o sítio denominado Enguaguaçu, no acesso

do canal de Bertioga, logo se formou um povoa-

do, motivo para a construção de uma capela e de

um hospital, cujas obras se concluíram em 1543.

O hospital recebeu o nome de Casa da Miseri-

córdia de Todos os Santos e foi a primeira Santa

Casa do Brasil. Em 1546, o povoado foi elevado

à condição de Vila do Porto de Santos. Em 1550,

instalou-se a Alfândega.

A penetração dessa nascente sociedade colo-

nial a leste levou ao povoamento do Vale do Pa-

raíba, ainda no primeiro século de colonização.

Como corredor natural de circulação entre a re-

gião de Santos/São Vicente e as baías de Parati,

Angra dos Reis e Guanabara (Rio de Janeiro), o

Vale do Paraíba foi precocemente ocupado pelo

colonizador europeu.

Dentre as localidades mais importantes do

Vale, destaca-se Guaratinguetá (em tupi-guara-

ni: “guará” = garça; “tinga” = branca; e “eta” =

muito, portanto, lugar de muitas garças bran-

cas). O século XVIII reservou à cidade, além dos

períodos do ouro e do açúcar, fatos de especial

significância religiosa. Em 1717, a imagem ene-

Page 34: Os primeiros que chegaram

32 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

grecida de Nossa Senhora da Conceição foi en-

contrada por pescadores nas águas do rio Paraí-

ba, dando origem à cidade de Aparecida.

Nesses séculos coloniais, a região do Vale do

Paraíba prosperou no comércio, na cultura de

cana-de-açúcar e pecuária, sempre movidas pela

mão de obra escrava – primeiro nativa, depois

trazida da África. No início do século XIX, ini-

ciou-se a expansão do café, que tomaria todo o

Vale do Paraíba. Ampliou-se, então, a presença

de africanos e afrodescendentes por toda a re-

gião, que f loresceu econômica e culturalmente.

Na segunda metade do século XIX, a mar-

cante presença de população afro-brasileira nes-

sa região compreendida entre o Vale do Paraíba

e o litoral, aliada ao espírito abolicionista que

começara a ganhar forma nos idos de 1870, fez

com que a cidade portuária de Santos tivesse

um papel importante no processo de abolição da

escravatura no país. Por volta de 1882, republi-

canos, liberais, abolicionistas e, enfim, boa par-

te da sociedade santista, se entregou ao traba-

lho de libertar o escravo em todos os pontos da

Província. Os santistas criam quilombos para

receber negros fugidos, sendo o de Jabaquara o

mais importante, e algumas famílias santistas

também abrigam refugiados.

A cultura do café, que partiu do Vale do Pa-

raíba, estendeu-se por todo o Planalto Paulista,

atingindo até algumas áreas da Baixada Santis-

ta, o que pressionava as autoridades para a ne-

cessidade de ampliação e modernização das ins-

talações portuárias – o que foi feito na década de

1880. Afinal, o café poderia ser exportado em

maior escala e rapidez. Da mesma forma, a limi-

tação da mão de obra escrava, que seria extinta

em 1888, fez com que, primeiro no planalto pau-

lista, depois no Vale do Paraíba, houvesse o em-

prego de trabalhadores assalariados imigrantes

(notadamente italianos), o que daria uma nova

característica cultural ao povo paulista.

Observando outra direção, a ocupação preté-

rita da região mais ao norte da Vila de São Paulo

perdeu-se no tempo, sendo registrada, quando

do início da colonização europeia (século XVI),

a presença de índios de fala Tupi e de outra et-

nia, os “Guarus” ou “Guarulhos”, de língua des-

conhecida, provavelmente do tronco linguístico

Macro-Jê (CALDARELLI et al., 2001). O destino

desses grupos indígenas foi o extermínio ou ab-

sorção pela sociedade brasileira que, desde en-

tão, se implantou nesse meio, através de uma

verdadeira “devastação” das matas e das gentes

(ABREU, 1934).

A fundação de vilas, estratégia adotada pelo

império português para a fixação humana no

território da colônia brasileira, disseminou-se

pelo território paulista. Como exemplo, temos o

caso de Jundiaí, localidade na qual os primeiros

colonizadores brancos chegaram em 1615, se-

Page 35: Os primeiros que chegaram

33BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO | LUIS ANTôNIO BARONE E NEIDE BARROcá FAccIO

guindo o processo de interiorização. Em 1655, já

se tem notícia da localidade de Mato Grosso de

Jundiaí – ou Vila de Nossa Senhora do Desterro,

atual Jundiaí – de onde partiriam os desbrava-

dores de uma zona mais ao norte, denominada

Campinhos do Mato Grosso, atual Campinas

(MELLO PUPO, 1969).

A pesquisa arqueológica aponta que, mui-

to tempo antes de o Brasil ser descoberto pelos

portugueses, indígenas da tradição tupi-guara-

ni viviam onde hoje se localizam cidades como

Campinas, Piracicaba e Sorocaba. “Vestígios

desta cultura, como fragmentos de cerâmica e

material foram encontrados em escavações sis-

temáticas realizadas nos sítios Tapajós e Rage

Maluf a partir de 1971” (AYTAI, 1988, p. 9). Este

último autor noticia que Hans Staden teria in-

cluído essa região em um mapa que indicava os

territórios Tupinambá de meados do século XVI

(AYTAI, 1988, p. 11).

A principal característica natural dessa área,

justamente o que lhe dá o nome, é o confronto

da mata fechada, característica do sertão pau-

lista, com uma região de campina – importante

para referência e pouso dos viajantes. A primei-

ra atividade econômica dessa área foi, exatamen-

te, ser ponto de passagem dos bandeirantes, que

seguiam por uma rota até Goiás.

Entre 1728 e 1744, foi registrada a doação de

várias sesmarias nessa região: Campinhos do

Mato Grosso, Estrada de Goiás (duas sesmarias

com esse nome), Ribeirão dos Pinheiros, rio Ja-

guari e rio Atibaia (MELLO PUPO, 1969). Ali

se estabeleceram agricultores, fornecedores de

víveres para os viajantes, tendo se desenvolvido

uma insipiente economia, baseada na lavoura

do milho, da mandioca e do feijão, além da cir-

culação de tropas.

Segundo Mello Pupo, tornou-se conhecida,

nessa época, não um assentamento humano es-

tável, mas um local de tráfego e pouso chama-

do “Pouso dos Três Campinhos” (1969, p. 26-27).

A primeira construção de uso coletivo erigida

pela população rural de Campinas constituiu-se

de um cemitério, que a pesquisa histórica do-

cumentou como já existindo em 1753 (MELLO

PUPO, 1969, p. 23).

O primeiro recenseamento do bairro (1767)

registrou 265 habitantes. Segundo o mesmo his-

toriador, esse número englobava também habi-

tantes do bairro da Rocinha (hoje Vinhedo), sem

os quais o número de moradores de Campinas

nessa época não ultrapassaria 185 pessoas (MEL-

LO PUPO, 1969, p. 28-30). Em 1772, os mora-

dores entre Jundiaí e Mogi Mirim demandaram

autorização eclesiástica para a edificação de uma

capela na paragem chamada “Campinas” – um

marco arquitetônico definitivo no estabeleci-

mento do bairro, já registrada em documentos

Page 36: Os primeiros que chegaram

34 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

em 1774 (MELLO PUPO, 1969, p. 43) – ano tido

como o da fundação de Campinas.

A partir da periodização proposta por Pardi,

Rangel e Coradel (1999) para o levantamento do

patrimônio arqueológico da região, essa época

corresponde ao período dos tropeiros (antes de

1777). Os primeiros habitantes não índios a se

fixarem na região foram os chamados “carguei-

ros”, que, vindos de Piracicaba, conduziam suas

mercadorias agrícolas para serem comercializa-

das em centros maiores como São Paulo e San-

tos, o chamado período dos tropeiros. O pouso

nessas paragens era atrativo, porque encontra-

vam ali condições adequadas para um pouco de

descanso (AYTAI, 1988).

Após esse período, ainda na segunda me-

tade do século XVIII, ganhou forma também

uma outra dinâmica econômica, política e social

na região, associada à chegada de fazendeiros

procedentes de Itu, Porto Feliz, Taubaté, entre

outras localidades. Esses fazendeiros buscavam

terras para instalar lavouras de cana e engenhos

de açúcar, utilizando-se para tanto de mão de

obra escrava.

De fato, foi por força e interesse desses fa-

zendeiros, ou ainda, por interesse do Governo

da Capitania de São Paulo, que o bairro rural

do Mato Grosso transformou-se em Freguesia

de Nossa Senhora da Conceição das Campinas

do Mato Grosso (1774); depois, em Vila de São

Carlos (1797), e em Cidade de Campinas (1842)

– já no período de implantação do complexo eco-

nômico cafeeiro. Ao final do século XVIII, essa

região já estava definitivamente incorporada ao

circuito econômico, produzindo, além de víve-

res, o valioso açúcar. Engenhos, escravos e toda

a maquinaria da exploração colonial estavam

presentes em Campinas.

A referida implantação de engenhos na região

também é um referencial histórico-econômico

importante na ocupação dessa área. Formou-se,

na virada dos séculos XVIII e XIX, o chamado

“polígono do açúcar paulista”, tendo como vérti-

ces Jundiaí, Itu, Piracicaba e Mogi Mirim.

Os cafezais – os grandes impulsionadores do

desenvolvimento econômico e social da região –

por sua vez, nasceram do interior das fazendas

de cana. A partir da economia cafeeira, a gran-

de região de Campinas passou a concentrar um

grande contingente de trabalhadores (primeiro

escravos, depois, livres) empregados em planta-

ções e em atividades produtivas rurais e urbanas.

No século XIX, portanto, com a implantação

do complexo econômico cafeeiro, a região iria vi-

ver um intenso surto de crescimento populacio-

nal e econômico. Segundo Cano (1990), a ideia

de complexo cafeeiro – um conjunto econômico

integrado e fortemente dinâmico – pressupõe,

além da atividade produtora de café, produção

de alimentos e outras matérias-primas, ativida-

Page 37: Os primeiros que chegaram

35BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO | LUIS ANTôNIO BARONE E NEIDE BARROcá FAccIO

de industrial, implantação de um sistema ferro-

viário, expansão do sistema bancário, atividade

comercial, criação de infraestrutura econômica

e urbana e atividade do Estado (1990, p. 20-21).

A região de Campinas foi palco, a partir de

meados do século XIX, das principais transfor-

mações que deram origem ao complexo cafeeiro

capitalista de São Paulo. Do município, parti-

ram as duas principais ferrovias do café, estabe-

lecendo-se também ali as indústrias de máqui-

nas e equipamentos de beneficiamento.

“As primeiras experiências com o trabalho livre

tiveram lugar em fazendas da região nas décadas

de 1840 e 1850 e a imigração em grande escala

com a adoção do regime do colonato contou com

a participação decisiva dos grandes fazendeiros

locais” (SEMEGHINI, 1988, p. 263).

Como exemplo desse pioneirismo na substi-

tuição da mão de obra escrava pela livre, pode-se

citar a Colônia dos Martírios – atual bairro de

Bom Jesus dos Martírios, em Amparo –, uma fa-

zenda voltada para a produção de café utilizando

trabalhadores livres já nos anos 1850, segundo

Lima (2006). Além de brasileiros, europeus che-

garam para laborar nessa e em outras fazendas.

Se voltarmos nosso olhar histórico para o oes-

te, segundo Morais (2007), na época da chegada

dos portugueses e espanhóis, índios guarani po-

voavam o vale do Paranapanema, mais a oeste da

vila de São Paulo, parte das possessões espanho-

las na América, posto que estavam além dos li-

mites do chamado Tratado de Tordesilhas. Jesuí-

tas vindos da Espanha fundaram as Missões do

Paranapanema; algumas, como Santo Inácio Me-

nor e Nossa Senhora de Loreto (FUNARI, 2002),

não estariam muito distantes do trecho em que o

Tietê se tornava navegável: os atuais municípios

de Anhembi, Porto Feliz e Boituva.

Segundo o Mapa Etno-histórico de Curt Ni-

muendaju (NIMUENDAJU, 1987), essa área era

território dos índios Guainás (ou Guaianazes).

Essa etnia, hoje extinta, pode ser ancestral dos

atuais Kaingangs (de língua Jê), e teria sofrido o

processo de aldeamento pelos jesuítas no século

XVI (MONTEIRO, 1984). O território era, por-

tanto, dividido entre Guaranis, Guainás (possí-

veis Kaingangs) e Xavantes.

Os mamelucos paulistas, autores da façanha

bandeirante, sempre que possível, se valeram dos

caminhos indígenas, conhecidos pelos guaranis

como peabirus. Essas vias margeavam o Para-

napanema, seguindo para o Oeste. Nessas inves-

tidas de preação de índios para a escravização,

que se intensificaram durante o século XVII, os

paulistas destruíram as Missões espanholas do

Paranapanema, provocando um despovoamento

do vale por quase dois séculos. Durante esse lon-

go período, apenas Kaingangs e Xavantes, etnias

Page 38: Os primeiros que chegaram

36 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

hostis aos colonizadores, circulavam pelos anti-

gos caminhos guaranis. Monteiro (1984) indica

que essa região entre o Paranapanema e o Tietê

teria sido palco de expedições de apresamento,

desde o final do século XVI.

Estudos históricos dão conta de que, através

dos caminhos de Peabiru, o português Aleixo Gar-

cia, liderando uma expedição que partiu do litoral

de Santa Catarina em 1524, chegou até as terras

da atual Bolívia (MARTINS, 2002). Embora se va-

lendo desse mesmo sistema de comunicação ter-

restre ameríndio, tal expedição teria atravessado o

rio Paraná mais ao sul, “na altura do arquipélago

fluvial da Ilha Grande, entre os atuais Estados do

Paraná e Mato Grosso do Sul” (2002, p. 38) – lon-

ge, portanto, do rio Paranapanema.

O rio Tietê e seus af luentes garantiram a pe-

netração dos paulistas pelo interior, na caça aos

índios. Mais tarde, a descoberta das Minas, obra

dos bandeirantes paulistas, fez com que a Co-

roa Portuguesa desmembrasse a província, com

vistas ao maior controle da extração de metais e

pedras preciosas. Apesar disso, ao longo de todo

o século XVIII, São Paulo continuava sendo o

quartel-general, de onde não cessavam de partir

as “bandeiras”, responsáveis pela ampliação do

território brasileiro a sul e a oeste – na proporção

direta do extermínio das nações indígenas que

colocavam resistência ao empreendimento. Até

o final do século XVIII, no entanto, a ocupação

das terras paulistas ainda era bastante esparsa.

Organizavam-se expedições regulares no

período sem chuvas, as Monções, destinadas

ao transporte f luvial de cargas e passageiros

em direção ao rio Paraná – e daí, às minas de

Cuiabá e Goiás. O porto usado como partida

das Monções deu origem ao atual município

de Porto Feliz. Sobre a ocupação perpetrada

pela população não índia registra-se que, no fi-

nal do século XVII, fazendas foram instaladas

nessa região e uma capela foi erigida, nos pri-

meiros decênios do século XVIII, próxima ao

porto, então chamado Porto de Araritaguaba.

Em toda essa região estabeleceu-se lavoura e

pecuária, com vistas ao suprimento das regiões

mineradoras. Também uma significativa produ-

ção de açúcar e aguardente foi gerada na região,

sobretudo a partir do século XVIII. A região

também ganhou uma grande importância no

chamado ciclo do tropeirismo, sendo Sorocaba

um ponto de referência nesse circuito comercial

e produtivo que garantiu uma forte integração

econômica do Centro-Sul do Brasil, desde o sé-

culo XVIII (FURTADO, 2000).

A partir da exploração mineiradora de ferro,

ocorrida no Morro de Araçoiaba, teve início um

arraial no início do século XVII. Anos depois, a

partir de autorização da Coroa Portuguesa em

1682, foi instalada a Fábrica de Ferro de Ipane-

Page 39: Os primeiros que chegaram

37BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO | LUIS ANTôNIO BARONE E NEIDE BARROcá FAccIO

ma – onde hoje está sediada a cidade de Iperó,

nos arredores de Sorocaba. Além da população

originária (ameríndios do tronco linguístico tu-

pi-guarani), para lá acorreram colonos e escravos,

durante todo o período colonial. Registra-se, tam-

bém, a colaboração maçiça de afrodescendentes

livres na famosa Fábrica de Ferro Ipanema, bem

como a corrida de trabalhadores imigrantes (ita-

lianos, espanhóis etc.) a partir da segunda meta-

de do século XIX.

Somente a partir de meados do século XIX,

reiniciou-se o povoamento da área do vale do Pa-

ranapanema, do lado paulista. Borelli (1984, p.

48) informa sobre a penetração de mineiros na

região entre o Tietê e o Grande, sobretudo no pe-

ríodo de declínio da mineração (início do século

XIX). Esse fato econômico também provocou a

chegada de trabalhadores oriundos das minas –

somados aos da região do Médio Tietê – ao Vale

do Paranapanema. Esses “novos habitantes” se

estabeleceram ali de forma rústica, praticando

uma agricultura basicamente de subsistência e

com raros contatos com os circuitos socioeconô-

micos mais dinâmicos. Esses primeiros coloni-

zadores teriam cumprido a função da frente de

expansão (MONBEIG, 1983).

No mesmo período (meados do século XIX),

vindos da direção contrária (sentido Oeste-Les-

te), uma nova leva de Guaranis, movidos pela

procura da “Terra Sem-Males”, instalou-se na

região. O confronto entre índios e posseiros foi

amenizado pela intervenção do governo da pro-

víncia, que entregou a “tutela” dos guarani a um

grupo de padres capuchinhos (MORAIS, 1998).

Praticamente ao lado do patrimônio de São

Sebastião do Tijuco-Preto, cuja capela data da

década de 1850, estabeleceu-se o aldeamento de

“Pirã-yú” (em guarani, “peixe dourado”). Os in-

dígenas, mal-vistos, foram transferidos, antes do

final do século, para um local mais distante e,

por causa da total decadência desses aldeamen-

tos, foram levados, em 1912, para a reserva Ara-

ribá, na região de Bauru (MORAIS, 2007).

Mais abaixo, seguindo o curso do Paranapa-

nema, a “história oficial” registra apenas que os

pioneiros tiveram que enfrentar os ataques de

índios “botocudos” – nome genérico dado pelos

colonizadores a grupos indígenas de diferentes

etnias não tupi, geralmente mais hostis que es-

tes no encontro com os europeus. Embora não se

tenha evidência direta, certamente esses índios

eram Kaingangs ou Xavantes, ocupantes tradi-

cionais da região e bem mais hostis que os inte-

grantes de etnias tupi-guarani.

Melatti (1976) dá conta de três frentes de ex-

pansão da sociedade brasileira sobre o planal-

to ocidental paulista, a partir do século XVIII

– pecuaristas mineiros, cafeicultores e policul-

tores. Nesses períodos históricos já se sabia de

populações indígenas vivendo na região, então

Page 40: Os primeiros que chegaram

38 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

conhecidas como índios Coroados. Essa foi, na

verdade, a primeira denominação específica

dada aos índios Kaingang, etnia ligada ao tron-

co linguístico Jê, que habitava os vales dos rios

do Peixe e Feio/Aguapeí.

O que teria sido uma convivência pacífica

entre os indígenas e os primeiros posseiros no

início do século XIX, durante a expansão da ca-

feicultura – a autêntica frente pioneira da econo-

mia capitalista na região – já no final desse mes-

mo século, passou a ser extremamente violenta.

Com a construção da Estrada de Ferro Noroeste

na região, povoações de agricultores eram im-

plantadas ao longo do seu percurso. Foi a época

dos “bugreiros”, profissionais em extermínio de

populações indígenas. Nas palavras de Von Ihe-

ring, um estudioso do Museu Paulista do início

do século XX: “os kaingang são um empecilho

para a colonização das regiões do Sertão que

habitam, parece que não há outro meio que se

possa lançar mão, senão o seu extermínio” (PI-

NHEIRO, 1999, p. 22).

Essa polêmica opinião de um importante in-

telectual paulista do início do século XX expres-

sa, mais que qualquer consenso das camadas

mais cultas da época, a realidade do que foi o

contato entre a frente pioneira que avançava pelo

planalto ocidental paulista e a etnia mais popu-

losa da região Oeste do Estado.

O surgimento do Serviço de Proteção Indíge-

na (SPI), uma resposta institucional ao massacre

das populações indígenas encontradas pela fren-

te pioneira no oeste paulista (RIBEIRO, 2004),

garantiu um restrito espaço de subsistência aos

Kaingang, no final da segunda década do século

XX. Os Postos Indígenas Vanuíre (hoje localizado

no município de Arco-Íris, vizinho e desmembra-

do do município de Tupã) e Icatú (em Braúna, na

região de Penápolis) foram as únicas parcelas de

terra que ficaram para os kaingang. Cita-se, tam-

bém, que, de acordo com a política do SPI, outras

etnias foram transferidas para essas áreas – caso

dos krenak, trazidos de Minas Gerais para Vanuí-

re, em meados do século XX.

A atividade cafeeira exerceu grande inf luên-

cia na ocupação do território, no crescimento de-

mográfico e econômico das regiões por onde pas-

sou; porém, provocou significativas alterações

ambientais, como a devastação da vegetação, de-

gradação do solo, processos erosivos instalados

após o abandono das áreas e, consequentemente,

os impactos nos recursos hídricos, além de dizi-

mar o remanescente da população indígena.

Na segunda metade do século XIX, iniciou-se

a construção das ferrovias para o escoamento da

produção do café; e as matas passaram a ser der-

rubadas, também, para alimentar as caldeiras das

locomotivas a vapor e para a fabricação de dormen-

tes e postes. Os primeiros traçados limitavam-se

Page 41: Os primeiros que chegaram

39BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO | LUIS ANTôNIO BARONE E NEIDE BARROcá FAccIO

às regiões mais produtivas (área de terra roxa),

só após 1905 novas linhas foram construídas vi-

sando atender às necessidades dos fazendeiros e

aos avanços do povoamento. Também a geopolí-

tica nacional foi determinante nessa ocupação,

exemplificada na construção da Estrada de Ferro

Noroeste do Brasil, que, iniciando em Bauru, atra-

vessou a então Província de Mato Grosso e chegou

até a fronteira com a Bolívia.

Não deve ser esquecido um fator que veio

inf luenciar decisivamente a área agrícola e mo-

dificar radicalmente o sistema de utilização de

mão de obra: a libertação dos escravos. Com

o término do regime servil, os plantadores de

café se viram obrigados a buscar trabalhadores

livres, recorrendo à imigração, principalmente

europeia (depois, também a asiática), com o es-

tímulo do setor governamental.

Esses imigrantes concorreram essencialmen-

te para que a agricultura brasileira iniciasse o pro-

cesso de diversificação que a caracterizou no sé-

culo XX. Assim, juntamente com os fazendeiros

plantadores de café, um grande número de traba-

lhadores rurais (nativos + imigrantes) deslocou-se

para o interior do Estado, promovendo a ocupação

extensiva dos terrenos, aumentando as áreas agrí-

colas, implementando e/ou valorizando outras

culturas, ampliando as vilas e transformando-as

em cidades, criando as novas urbes, tudo isso em

uma velocidade explosiva e sem precedentes.

O total domínio da região pela sociedade bra-

sileira iria apagar quase toda presença da cultu-

ra kaingang na região. Ao longo das primeiras

décadas do século XX, os kaingang foram redu-

zidos e, praticamente, desapareceram. As exce-

ções são vistas nos descendentes desse povo que

habitam o Posto Vanuíre, no Museu Municipal

de Tupã e na prática de usar topônimos de ori-

gem indígena – como o nome da cidade de Tupã,

assim como o vizinho município de Iacri (curio-

samente, o nome de um guerreiro que teria re-

sistido bravamente à expansão dos brasileiros).

Mais especificamente com relação ao histó-

rico de ocupação do oeste paulista, no início do

século XX, uma deficiência de conhecimento

varria os órgãos oficiais com relação à região de-

nominada “sertão paulista”. Nesse período, en-

tendia-se por “sertão” todas as terras localizadas

a oeste das últimas habitações feitas por pionei-

ros em direção ao Estado do Mato Grosso. O po-

voamento do que já era denominado “Interior”

se restringia a recém-formados patrimônios e

cidades que serviam de entrepostos para a pro-

moção do desbravamento das terras nativas em

direção às barrancas do rio Paraná.

No início do século, o Governo organizou

várias expedições que tinham por propósito re-

conhecer com maiores detalhes os rios Paraná,

Tietê, Feio e Peixe. Denominada de “Comissão

Geographica e Geológica do Estado de São Pau-

Page 42: Os primeiros que chegaram

40 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

lo”, essa organização estadual passou a consti-

tuir diferentes “Turmas” objetivando estudos

mais completos dos respectivos rios.

O conhecimento desses rios apontava que, ao

sul do Tietê, existiam dois rios de expressivida-

de. O mais próximo era chamado de rio Feio –

devido seu trajeto sinuoso e altas matas que da-

vam uma sensação selvagem das mais intensas.

O outro, localizado mais ao sul do primeiro, era

denominado rio do Peixe, justamente pela rique-

za da pesca em suas nascentes. O que norteava

o imaginário desses estudiosos da época era que

o rio do Peixe, por possuir uma largura menor

e localizar-se num relevo propenso para o norte,

era um af luente do rio Feio.

Os trabalhos da comissão puderam conferir

que, depois de receber as águas do então denomi-

nado “Rio Presidente Tibiriçá”, o leito do rio Feio

tornava-se cheio de corredeiras e tinha um sal-

to de 16 metros – denominado então Salto “Dr.

Carlos Botelho”. Dividiu-se então, grosso modo, o

rio Feio em duas partes. A alta, localizada acima

do principal Salto desse trecho acidentado, e a

baixa, após a referida cachoeira. Tal divisão per-

sistiu após alguns estudos que comprovaram a

unicidade do Feio e Aguapeí, o que levou a dupla

denominação do curso d’água. Assim, passou a

ser chamado de rio Feio a parte alta, enquanto

o rio Aguapeí constituiu a designação das águas

abaixo do Salto Botelho.

A expedição do rio do Peixe, por outro lado,

tinha como propósito confirmar a tese de que os

rios Peixe e Tigre eram apenas um. Tais prog-

nósticos intensificaram-se, principalmente após

a confirmação de que o Feio e o Aguapeí se trata-

vam de um único rio e o deságue do Peixe nesse

curso d’água não foi confirmado, tendo em vista

apenas o encontro de af luentes pequenos.

A propagação das notícias de que a “turma”

anterior que realizara a Expedição do rio Feio en-

contrara efetivos vestígios da presença de índios

causou um clima difícil de ser amenizado pelos

líderes da “Comissão”. Muitos sertanejos, saben-

do das dificuldades cotidianas do desbravamento,

diante do hostil trabalho em meio às matas, recu-

saram-se a participar desse tipo de empreitada e,

para complicar mais ainda a organização, estavam

mais apavorados diante das repercussões dos ata-

ques de silvícolas à Expedição anterior.

Abaixo do ribeirão da Confusão – af luente do

rio do Peixe, cujo nome evoca o encontro violen-

to entre expedição e indígenas – os índios, sur-

preendentemente, permitiram que a Turma exe-

cutasse os trabalhos sem interrupção até vencer

a região das cachoeiras. A partir desse ponto, no

entanto, os vestígios começaram a aparecer mais

frequentemente: as trilhas eram vistas em gran-

de quantidade, ora indicando a travessia do rio,

ora margeando-o. Conforme a expedição descia

o rio, muitos objetos eram vistos, como prova de

Page 43: Os primeiros que chegaram

41BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO | LUIS ANTôNIO BARONE E NEIDE BARROcá FAccIO

que os indígenas deixavam seus lugares rapida-

mente, sem se importar com seus instrumentos.

Os Coroados, denominação antiga atribuída

aos Kaingang, passaram a ser considerados “bra-

vios”. Na medida em que o reconhecimento dessa

área foi efetivando-se, os confrontos, geralmente

rápidos, se davam pela investida dos sertanejos

em meio a retiradas dos índios que, em grande

parte, sofriam com o processo de aculturação

daqueles que invadiam suas terras. Esse conta-

to hostil com índios, que marcou a Expedição do

rio do Peixe, contribuiu para denominações de

af luentes localizados próximos aos atritos. Exem-

plos foram as designações “Ribeirão do Fogo” e

“Ribeirão das Caingangs”, ambos relacionados

ao contato nada amigável com os “Coroados”.

Tal processo de colonização trouxe conse-

quências irretratáveis para a cultura indígena

que habitava as terras. É justamente essa invasão

do espaço silvícola que marcará o período de ocu-

pação nas terras do Espigão PeixeAguapeí. Os

nativos, na maioria dos casos, acabaram fugin-

do para lugares mais distantes ao perceberem as

investidas dos sertanejos, enquanto outra parte

desse mesmo grupo étnico sofreu transforma-

ções no modus vivendi, adequando-se às relações

sociais dos colonizadores.

Sertanejos independentes e dispostos a con-

quistar um pedaço de chão passaram a embre-

nhar-se em grandes glebas, que, continuamente,

sofriam impasses com relação aos verdadeiros

donos. Num segundo plano, totalmente excluídos

desse processo, os indígenas já não conduziam

suas atividades nesses espaços conquistados. A

dominação dos colonizadores e o desaparecimen-

to paulatino de qualquer vestígio indígena cons-

tituíram a tônica das décadas de 1920 e 1930.

A expansão decisiva da sociedade brasilei-

ra sobre esse território – entre o vale do médio

Paranapanema e a região hoje conhecida como

Pontal do Paranapanema – deu-se a partir do

terceiro quarto do século XIX, tendo o povoa-

do de Conceição de Monte Alegre como ponto

de referência. De Conceição de Monte Alegre,

patrimônio fundado na “Boca do Sertão” em

1873, passaram, durante mais de 30 anos desde

o final da década de 1870, centenas de coloniza-

dores que ocuparam a extensa área do Pontal do

Paranapanema. Hoje, Conceição de Monte Ale-

gre é distrito do município paulista denomina-

do Paraguaçu Paulista, próximo aos municípios

de Assis, Marília e Presidente Prudente.

Essa ocupação, no entanto, teve como seu

principal indutor a chegada da Estrada de Ferro

Sorocabana, a partir dos anos 1910. O período

marca, também, o extermínio total dos grupos

indígenas que viviam na região. A ferrovia, esti-

muladora da cultura cafeeira, o processo de gri-

lagem dessas terras, as conturbadas tentativas

de regularização fundiária das primeiras glebas

Page 44: Os primeiros que chegaram

42 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

(que, a rigor, até hoje não foram concluídas), são

características comuns no histórico de ocupação

dos municípios da região, segundo Leite (1998).

Se a ocupação do território brasileiro pelos

colonos luso-brasileiros se iniciou no século XVI,

a partir do litoral, até dois séculos após 1500, o

planalto ocidental paulista (indo-se da antiga

área produtora de açúcar, na região entre Cam-

pinas e Sorocaba para o norte e noroeste) teve

pouca atenção por parte da sociedade brasileira

– excetuando-se pela passagem de aventureiros

em busca de ouro e riquezas de outras regiões.

Do ponto de vista etno-histórico, esse território

sempre comportou uma grande heterogeneida-

de étnica. Segundo um estudioso do tema,

o planalto ocidental paulista poderia ter facil-

mente servido como região de intenso tráfego de

elementos culturais, via de escoamento e corre-

dor de inf luências porque sitiado, a um lado, pe-

las serras de Piratininga e o litoral atlântico; por

outro pela região do Chaco que se forma a oeste

da bacia do Paraná; ao norte pelos campos e ma-

tas do Brasil central; e ao sul pelos campos fér-

teis do Paraná e os pampas (...) cada uma dessas

áreas geográficas ocupadas por populações indí-

genas culturalmente diferentes – Guarani (Mbia

e Nhandeva), Tupi, Guaicuru-Mbaia, Aruak, Jê,

entre outras... (MANO, 1998, p. 25).

Antes das frentes de colonização, no século

XIX, várias “bandeiras” passaram pela região,

desde o primeiro século de Brasil. Segundo Me-

latti (1976), não se subjugaram indígenas nesse

território do oeste paulista talvez pela sua pouca

densidade populacional, aliada à agressividade

frente à possibilidade de apresamento e ao fato de

não falarem línguas do tronco Tupi. Aos Tapuias,

nome genérico dado a várias etnias não incluídas

no tronco Tupi, só cabia uma atitude violenta.

A partir das informações do Mapa Etno-his-

tórico de Curt Nimuendaju (NIMUENDAJU,

1987), a área norte do Estado (entre a margem

Norte do Tietê e o rio Grande, divisa com Minas

Gerais) teria sido parte da grande região Kaiapó

– que se estenderia justamente da margem Nor-

te do médio rio Tietê e encamparia todo o norte

paulista, o triângulo mineiro, o nordeste do Mato

Grosso do Sul e o sul de Goiás. Os Kaiapó seriam

indígenas do troco linguístico Macro-Jê, da famí-

lia Jê, assim como os seus “vizinhos” Kaingang,

cujo território se confrontaria com a “kaiapônia”

ao longo do médio e baixo Tietê, pelo sul.

Os Kaingang (que podem ser os antigos

“Guainá”) ocuparam a margem Sul do Tietê,

estendendo seus domínios, em São Paulo, até o

vale do Paranapanema. A literatura etno-histó-

rica e etnológica é bem mais rica para este se-

gundo grupo do que para os Kaiapó paulistas.

A razão disso seria o contato mais recente da

Page 45: Os primeiros que chegaram

43BREVE ETNO-HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO | LUIS ANTôNIO BARONE E NEIDE BARROcá FAccIO

sociedade brasileira com a etnia Kaingang – a

partir do início do século XX, quando da ocupa-

ção do oeste paulista. Sobre os Kaiapó, antigos

habitantes do quadrante Norte do Estado, quase

nenhum registro se tem.

Monteiro (1984) localiza mais ao sul a pre-

sença kaiapó na região de São Paulo (tendo seu

suposto território estendido até à região de Cam-

pinas e a todo o Sul de Minas). Esses Kaiapó

meridionais (ou bilreiros) teriam resistido à in-

vasão colonizadora do século XVI, sendo deno-

minados genericamente de Tapuias (esse era o

nome dado, pelos colonos, aos nativos de língua

não Tupi). Numa primeira etapa, sua estratégia

foi a fuga – o recuo sistemático diante do brasi-

leiro – para o interior do seu grande território.

No século XVIII, pressionados pelo movimento

minerador, os Kaiapó reagiram violentamente, o

que levou ao seu virtual extermínio (MONTEI-

RO, 1984, p. 25).

Foi a partir da segunda metade do século XIX

que essa região foi devidamente incorporada ao

circuito econômico do café – através da expansão

da frente pioneira até a região de São José do Rio

Preto, cujo primeiro arraial data de 1852. Já com

vocação de polo irradiador da ocupação, no final

do século XIX, pioneiros dessa região começam

a instalar fazendas de café, retalhando o “sertão

do rio Preto”. A única via de acesso era a estrada

boiadeira, que ligava S. José do Rio Preto ao Porto

do Taboado (no rio Paraná). As sucessivas crises

da cafeicultura levaram a que as terras de gran-

des fazendas fossem loteadas, ampliando, no iní-

cio do século XX, a ocupação da região, através

da policultura.

O forte contato interétnico marcou, ao longo

de séculos, a formação do povo paulista e a ocu-

pação do seu território. O avanço da sociedade

brasileira (ela mesma, mestiça), destruiu a orga-

nização dos povos indígenas e trouxe, na sua es-

teira, primeiro o elemento africano, depois, um

diversificado conjunto de grupos imigrantes (eu-

ropeus e asiáticos) que vão enriquecer a história

e a cultura do Estado de São Paulo.

Page 46: Os primeiros que chegaram

SítioS ArqueológicoS do Norte do eStAdo de São PAulo

A área Norte do Estado de São Paulo é conhecida como território

dos Kaiapó. Os vestígios das ocupações desses grupos indígenas têm

sido associados à Tradição Arqueológica Aratu-Sapucaí. Muitas vezes

é encontrada, junto à cerâmica dessa tradição, cerâmica da Tradição

Tupi-guarani, mas em pequena quantidade, o que sugere contato entre

Kaiapó e Tupi.

Os sítios arqueológicos da Tradição Aratu-Sapucaí apresentam

forma circular, constituída por anéis concêntricos de habitações e,

no centro, uma praça. De acordo com Schmitz et. al. (1982), essa an-

tiga forma de disposição de moradias pode ser observada ainda hoje

entre grupos contemporâneos pertencentes ao tronco linguistico Jê,

como é o caso dos Kaiapó.

ARQUEOLOGIA DO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULOgAbriel loSchiAvo cerdeirA e Neide bArrocá FAccio

Page 47: Os primeiros que chegaram

45ARQUEOLOGIA DO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO | GAbRIEL LOSchIAvO cERDEIRA E NEIDE bARROcá FAccIO

SiStemAS regioNAiS de ocuPAção e

trAdiçõeS ArqueológicAS

O conceito de tradição é corriqueiro na bi-

bliografia arqueológica e está presente em gran-

de parte dos trabalhos produzidos no âmbito

dessa ciência. Segundo Moraes, tradição é uma

palavra que deriva do latim tradere, possuindo o

caráter de transmitir alguma informação para

alguém guardar (MORAES, 2007, p. 16).

“Essa transmissão ocorre em contextos so-

ciais diversos, relacionados a um tempo, lugar e a

códigos simbólicos, garantindo que o conceito de

tradição seja dinâmico” (MORAES, 2007, p. 16).

No Brasil, o uso desse conceito está fortemente

associado ao Programa Nacional de Pesquisas

Arquelógicas – PRONAPA, que “foi o responsá-

vel pela criação das tradições e fases da pré-histó-

ria brasileira” (FERNANDES, 2001, p. 175), tendo

sido coordenado por Meggers e Evans no período

entre 1960 e 1970, o que marcou a “influência

teórico-metodológica da escola histórico-cultu-

ral norte americana na arqueologia brasileira”

(DIAS, 2003, p. 8).

A presença da escola americana na arqueolo-

gia brasileira, por meio do PRONAPA

se caracterizou por trabalhos prospectivos pa-

dronizados, concentrados ao longo de cursos de

rios e voltados ao estabelecimento de cronolo-

gias relativas ou absolutas. As intervenções nos

sítios, geralmente, restringiram-se a coletas de

superfície assistemática de amostras mínimas

para elaboração de seriações, de acordo com as

orientações do método Ford, acompanhadas de

sondagens de pequena extensão, realizadas em

níveis artificiais de 10 cm, sendo os resultados

obtidos sistematizados através dos conceitos de

fase e tradição, adaptados das propostas de Wil-

ley e Phillips (DIAS, 2003, p. 9).

Dessa forma, foi com o PRONAPA que sur-

giu o conceito de tradição arqueológica, presente

em grande parte dos trabalhos de arqueologia

até hoje. Entre as tradições que foram estuda-

das pelo PRONAPA, temos, como exemplo, Tu-

piguarani, Aratu, Uru, Itararé-Taquara, Umbu,

Humaitá, entre outras.

Essas tradições são “unidades arqueológicas

artificiais, que não podem ser confundidas com

culturas” (MORAIS, 1999/2000, p. 201). As tra-

dições são elaboradas tendo como base, sobretu-

do, as características presentes na cultura mate-

rial cerâmica ou lítica, segundo Fernandes (2001).

Sendo assim, o PRONAPA, baseado na “escola

norte america” buscou reconhecer o maior nú-

mero de sítios arqueológicos em um curto perío-

do de tempo. Isso levou à utilização e prevalência

do fóssil-guia, baseando-se nas características da

cerâmica e do lítico para o reconhecimento das

tradições e fases (MORAES, 2007).

Page 48: Os primeiros que chegaram

46 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Os trabalhos do PRONAPA apresentam uma

descrição do contexto físico em que o sítio está

inserido; contudo, as estruturas dos sítios não

foram analisadas, segundo Moraes (2007). Des-

sa forma,

o PRONAPA ironicamente rejeitou os aspectos

não materiais presentes nos assentamentos pré

-históricos pesquisados e o empírico, extrema-

mente revelador, ficou em segundo plano. Desta

forma, praticamente todos os sítios pesquisados

que apresentavam cerâmicas similares, eram

classificados como sendo de uma mesma tradição

arqueológica (FERNANDES, 2001, p. 199/200).

Considerando esse problema, presente no

conceito de tradição utilizado pelo PRONAPA, e

posto o fato de que as tradições são compostas

“de um articificialismo classificatório de todo

incompatível com uma disciplina que busca,

dentre outros propósitos, levantar e analisar o

cotidiano das comunidades do passado” (MO-

RAIS, 1999/2000, p. 201), pode-se reconhecer

que esse conceito é débil, embora continue sen-

do amplamente utilizado.

O arqueólogo José Luiz de Morais propõe a

utilização do conceito de sistema regional de po-

voamento, que é definido por uma “coordenação

entre sítios ou conjunto de sítios de certa região,

demonstrando relações concomitantes por con-

temporaneidade, similaridade ou complementa-

ridade” (MORAIS, 1999/2000, p. 202).

Entretanto, cabe deixar claro que Morais

(1999/2000) não defende o fim do uso das tra-

dições, haja vista que os sistemas regionais de

povoamento propostos têm como base operacio-

nal as tradições construídas ao longo da história

da arqueologia brasileira.

A utilização da definição de sistemas regio-

nais busca um aperfeiçoamento da perspectiva

da arqueologia regional, usando conceitos como

padrão de assentamento e análise espacial (MO-

RAIS, 1999/2000), garantindo uma associação

entre dados etnográficos, históricos, cultura ma-

terial e particularidades regionais.

Sendo assim, busca-se aqui, ao descrever a

arqueologia e etno-história da região norte do

Estado de São Paulo, trabalhar com a definição

e compreensão de sistemas regionais de povoa-

mento. Quando se fizer necessário, no entanto,

o conceito de tradição será utilizado.

Page 49: Os primeiros que chegaram

47ARQUEOLOGIA DO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO | GAbRIEL LOSchIAvO cERDEIRA E NEIDE bARROcá FAccIO

SiStemAS regioNAiS de

PovoAmeNto iNdígeNAS do Norte

do eStAdo de São PAulo

Segundo Morais (1999/2000), o Estado de

São Paulo é composto por diferentes sistemas

regionais de povoamento. Os sistemas presentes

no Estado de São Paulo são Aratu-Sapucaí, Gua-

rani e Kaingang. Na área ao norte do Estado de

São Paulo encontra-se localizado o Sistema Re-

gional de Povoamento Aratu-Sapucaí (Figura 13).

Figura 13: macrossistema de agricultores indígenas

Fonte: Morais, 1999/2000.

Page 50: Os primeiros que chegaram

48 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

SiStemA regioNAl de ocuPAção ArAtu-

SAPucAí

O sistema regional de ocupação Aratu-Sa-

pucaí evidenciado no norte do Estado de São

Paulo está associado à tradição arqueológica

Aratu-Sapucaí, que é cosiderada característica

do Brasil Central (MORAIS, 1999/2000).

A tradição Aratu-Sapucaí é resultado da fusão

das tradições Aratu e Sapucaí criadas pelo PRO-

NAPA. A primeira foi identificada por Calderón,

na Bahia, e recebeu esse nome em alusão à cidade

industrial, na qual foram encontrados os sítios que

serviram de base para a criação da tradição (CAL-

DERÓN, 1967/1968; SCHMITZ et. al., 1982). A

segunda foi estabelecida por Schmitz (1978) no

Estado de Goiás (MORAIS, 1999/2000).

A fusão entre as tradições Aratu e Sapucaí

ocorreu por elas estarem ligadas ao mesmo hori-

zonte agrícola e possuirem elementos gerais mui-

to semelhantes (SCHMITZ et. al., 1982, p. 49).

Sendo assim, “elas foram [oficialmente] reunidas

em uma só em uma reunião ocorrida em Goiana,

em 1980”, segundo Medeiros (2007, p. 37).

Em levantamento bibliográfico, não verifi-

cou-se nenhum trabalho que possua como tema

central o sistema regional de ocupação Aratu-

Sapucaí. O único trabalho consultado que usa o

conceito de sistema regional de ocupação Aratu-

Sapucaí é a obra de Morais (1999-2000), mes-

mo que fazendo somente uma breve descrição.

Levando em conta esse aspecto, usa-se como

base para a compreensão do sistema regional de

ocupação Aratu-Sapucaí os trabalhos que abor-

dam a tradição em questão. Assim, tendo como

referência os sítios associados a essa tradição, po-

demos dizer que o sistema regional Aratu-Sapu-

caí ocupa uma vasta área, uma vez que foram en-

contrados sítos arqueológicos associados a ele em

diversos Estados do Brasil (CARVALHO, 2003).

Os Estados que apresentam sítios associados

à tradição Aratu-Sapucaí são Bahia, Espírito San-

to, Minas Gerais, Tocantins, Goiás, São Paulo e

Paraná, segundo Schmitz e Rogge (2008), que

elaboraram uma figura com a localização das

ocorrências da Tradição Aratu-Sapucaí no Brasil

(Figura 14).

Page 51: Os primeiros que chegaram

49ARQUEOLOGIA DO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO | GAbRIEL LOSchIAvO cERDEIRA E NEIDE bARROcá FAccIO

Figura 14: localização das áreas de ocorrência da tradição Aratu-Sapucaí.

Fonte: Schmitz e Rogge, 2008, p. 49.

O padrão de assentamento associado à Tradição Aratu-Sapucaí é caracterizado por aldeias em

área a céu aberto, com um grande número de pessoas,1 em ocupações de longa duração (MEDEI-

ROS, 2007, p. 37).

1 As aldeias associadas à Tradição Aratu-Sapucaí podem ter tido mais de mil moradores (SCHMITZ; ROGGE, 2008).

Page 52: Os primeiros que chegaram

50 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Na Tradição Aratu-Sapucaí, as aldeias são

extensas, chegando até mesmo a alcançar 500

metros, sendo organizadas em formato linear

ou em anéis concêntricos, podendo variar de

um até três, ao redor de uma praça central va-

zia (MORAIS, 1999-2000; CARVALHO, 2003;

OLIVEIRA, 2005).

Segundo as palavras de Carvalho, nas aldeias

da Tradição Aratu-Sapucaí, “as cabanas eram ali-

nhadas ou dispostas em círculo ao redor de uma

praça central, lembrando os aldeamentos Macro-

gê do Brasil Central como os Kayapós e Xavan-

tes” (CARVALHO, 2003, p. 108).

Fernandes, a respeito das aldeias associadas

à Tradição Aratu-Sapucaí, escreve que “as habi-

tações apresentam proporções de 10 a 15 metros

e estão sempre dispostas em linhas, com peque-

nas distâncias uma das outras ou com tendên-

cias circulares” (FERNANDES, 2001, p. 192).

Verificando o padrão de assentamento, é

possível notar um comportamento topográfico

recorrente nos sítios arqueológicos que foram

analisados nos trabalhos que compõem essas

referências. Sendo assim, os sítios da Tradição

Aratu-Sapucaí “estão instalados em regiões coli-

nares, perto de rios [...] Ocupam as meias encos-

tas das elevações suaves ou os baixos terraços,

e estendem-se por amplas superfícies, com até

500 m de diâmetro” (MEDEIROS, 2007, p. 39).

Morais, ao abordar sobre o sistema regio-

nal de ocupação Aratu-Sapucaí, também aponta

para o uso preferêncial de colinas amplas para

edificação de assentamentos por parte da popu-

lação desses sistemas (MORAIS, 1999-2000;

CARVALHO, 2003).

O posicionamento do sítio em relação à fon-

te de recursos hidrícos também pode ser usado

como um elemento para caracterizar a estra-

tégia de ocupação do espaço de um grupo cul-

tural. Dessa forma, verificar a localização dos

sítios da Tradição Aratu-Sapucaí em relação aos

rios e/ou córregos é importante quando estuda-

mos o padrão de assentamento.

A bibliografia consultada defende que os po-

vos da Tradição Aratu-Sapucaí ocupavam prefe-

rencialmente locais próximos a pequenos córre-

gos. O fato de esses “grupos não procurarem os

grandes cursos d’água para seus locais de habita-

ção sugere que eles se moviam preferencialmen-

te por via terrestre” (HENRIQUES, 2006, p. 12).

Dessa forma, os sítios da Tradição Aratu-Sapu-

caí encontram-se próximos a pequenos córregos,

ficando, entretanto, distantes dos rios mais cau-

dalosos e importantes das bacias hidrográficas da

área que habitam (CARVALHO, 2003, p. 108).

A vegetação, como os recursos hídricos, tam-

bém é utilizada para caracterizar um estilo de

padrão de assentamento característico de um

determinado grupo cultural. Sendo assim, o

Page 53: Os primeiros que chegaram

51ARQUEOLOGIA DO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO | GAbRIEL LOSchIAvO cERDEIRA E NEIDE bARROcá FAccIO

sistema regional de povoamento Aratu-Sapucaí

é associado aos “domínios de matas e cerrados”

(MORAIS, 1999/2000, p. 209).

Sobre a organização de assentamentos em

relação à vegetação, nota-se que:

as áreas em que predomina o Cerrado parecem

ter sido aproveitadas para assentamento os maio-

res enclaves f lorestados, na verdade ricas áreas

de tensão ecológica, que lhes proporcionariam

o domínio simultâneo de um variado gradien-

te ambiental. Nas áreas de Floresta tropical se-

mi-decídua do Sudeste e Sul, a proximidade de

enclaves de Cerrado parece ter sido igualmen-

te importante para estabelecer assentamentos

(SCHMITZ; ROGGE, 2008, p. 48-49).

Em relação a outros elementos que podem

servir para caracterização de um padrão de as-

sentamento da Tradição Aratu-Sapucaí, pode-se

dizer que os

sítios atribuídos a essa tradição vêm sendo en-

contrados [...] em áreas de clima quente a sub-

quente, com solos suficientes para agricultura,

cobertas por f lorestas, regadas por abundantes

chuvas anuais, mesmo se estas são interrom-

pidas por diversos meses secos (SCHMITZ;

ROGGE, 2008, p. 48).

Ainda em relação ao uso de recursos natu-

rais, Fernandes (2001) chama atenção para a

coleta de “gastrópodes e bivalves, dentre eles o

caramujo-do-mato ou caramujo-berrador (Mega-

lobulimus complexo oblongus)” (FERNANDES,

2001, p. 183). A presença de vestígios desses

animais foi localizada em grande quantidade no

Sítio Água Limpa, associado à Tradição Aratu-

Sapucaí (idem). A grande incidência de vestígios

associados a esses animais indica “que a sua car-

ne, rica em cálcio, era muito apreciada” (idem).

Fernandes também fez um levantamento

sobre os animais que eram caçados pela popu-

lação do Sítio Água Limpa, chegando à seguin-

te conclusão:

a caça está representada sobretudo pelos mamí-

feros: anta (Tapirus terrestris), porco-do-mato ou

queixada (Tayassu sp.), veado mateiro (Mazama

sp.), tatus da família Dasypodidae, entre outros,

que contém uma carne rica em proteínas, e os

répteis: teiú (Tupinambis teguxim), jibóia (Boa

constrictor) e sucuri (Eunectes murinus), animais

que podem ter sido utilizados não só como fonte

alimentar, mas também para outros fins (FER-

NANDES, 2001, p. 183).

Os dados apresentados por Fernandes (2001)

são importantes para se compreender a dieta da

população associada à Tradição Aratu-Sapucaí,

Page 54: Os primeiros que chegaram

52 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

o que por consequência se ref lete na seleção de

um local para a construção de assentamentos

por parte dessa população. Contudo, esse ainda

é um dado isolado, e deve-se levar em conta o

fato de o Sítio Arqueológico Água Limpa apre-

sentar vestígios que são associados a outras tra-

dições arqueológicas.

Além de estudar o padrão de assentamento

e o uso de recursos naturais, para caracterizar

melhor o sistema regional de ocupação Aratu-Sa-

pucaí é necessário explorar aspectos da cultura

material apresentada por esse povo.

A Tradição Aratu-Sapucaí é associada a po-

vos agricultores, sendo assim, no rol de objetos

da cultura material2 dessa tradição temos objetos

confeccionados em argila e em rocha (HENRI-

QUES, 2006, p. 12).

A cerâmica Aratu-Sapucaí tem característi-

cas próprias, e, por isso,

não se confunde com a de populações agrícolas

vizinhas, que são a Uru e a Tupiguarani, nem

com a cerâmica da tradição Una e da tradição Ita-

raré, de populações nas quais o cultivo é menos

desenvolvido e a caça e a coleta são mais aparen-

tes (SCHMITZ; ROGGE, 2008, p. 51).

2 “As urnas piriformes, com mais de 50 litros, são como

que fósseis guia, ao lado dos machados semilunares, na

vinculação de sítios à tradição Aratu” (HENRIQUES,

2006, p. 48).

Segundo Henriques (2006), a coleção cerâ-

mica da Tradição Aratu

se caracterizaria por vasilhames piriformes e

globulares de variados tamanhos, destacando-se

grandes potes para armazenagem de líquidos e

grãos, urnas funerárias, pequenas vasilhas ge-

minadas, rodelas de fuso que atestam a fiação do

algodão, cachimbos [...], além de pratos e tigelas

(HENRIQUES, 2006, p. 12).

Oliveira (2005) argumenta que as formas da

cerâmica associadas à Tradição Aratu-Sapucaí

podem estar vinculadas à fonte de subsistência

do povo dessa tradição, que acredita ter sido o

cultivo do milho.

Em relação aos tipos da cerâmica Aratu-Sa-

pucaí foram evidenciados o corrugado, o corru-

gado-ungulado, o roletado e o inciso (FERNAN-

DES, 2001). Na cerâmica dessa tradição, nota-se

a presença de engobo de grafite (MEDEIROS,

2007). Nas palavras de Calderón (1967/1968), a

cerâmica da Tradição Aratu apresenta “superfí-

cies bem alisadas e carentes de decorações típi-

cas. Entretanto, o engobo com grafite é bastante

frequente” (CALDERÓN, 1967-1968, p. 166).

Ainda sobre a decoração da cerâmica Aratu-

Sapucaí, Schmitz e Rogge (2008) escrevem que:

Page 55: Os primeiros que chegaram

53ARQUEOLOGIA DO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO | GAbRIEL LOSchIAvO cERDEIRA E NEIDE bARROcá FAccIO

As superfícies externas desse vasilhame são ali-

sadas, algumas vezes engobadas ou com pintu-

ra vermelha, com uma incisão, um entalhe, um

rolete não obliterado, uma fila ou faixa de cor-

rugados junto à borda. Raramente aparecem pe-

quenos apêndices mamilonares, em botão ou asa

(SCHMITZ; ROGGE, 2008, p. 51).

Em relação à confecção da cerâmica da tra-

dição Aratu-Sapucaí, temos o emprego da técni-

ca do roletado e “na preparação da pasta, além

da argila, de acordo com a região, eram usados

elementos minerais (areia quartzosa, hematita,

grafite, mica) e vegetais (algum tipo de cariapé)”

(SCHMITZ; ROGGE, 2008, p. 51).

Além da descrição da cerâmica para melhor

compreensão da Tradição Aratu-Sapucaí e por

consequência o Sistema Regional de Ocupação

Aratu-Sapucaí, é necessário conhecer a sua in-

dústria lítica, que apresenta “inúmeros artefatos

como machados, quebra-cocos, batedores, bi-

gornas. Nas lascas, destacam-se os raspadores”

(CARVALHO, 2003, p. 50).

Sobre o material lítico da Tradição Aratu-Sa-

pucaí, Schmitz e Rogge escrevem:

O material lítico se compõe de seixos percutores,

quebra-cocos, polidores, raspadores laterais, lâ-

minas polidas de machado com garganta ou se-

mi-lunares, mãos-de-pilão picoteadas e martelos,

talhadores lascados e lascas com algum retoque

ou usadas diretamente (SCHMITZ; ROGGE,

2008, p. 51).

Segundo Nery (2010), as lâminas de macha-

do, que são produzidas por meio do polimento de

rochas basálticas, podem ser consideradas ferra-

mentas muito importantes para os povos agricul-

tores da Tradição Aratu-Sapucaí (NERY, 2010).

A presença predominante de mãos-de-pilão e

machados nos sítios da Tradição Aratu-Sapucaí

serve para reforçar a teoria de que essa população

possuía uma economia de subsistência, baseada

no cultivo do milho e também da batata-doce.

Sendo assim, o preparo da área de roçado exigia

o emprego desses instrumentos (HENRIQUES,

2006, p. 12).

A Tradição Aratu-Sapucaí foi constituida

sem ser diretamente associada a uma família

linguística (CALDERÓN, 1967-1968). Dessa

forma, ela difere da Tradição Tupi-guarani que

é associada à família dos tupi-guarani. Contu-

do, alguns autores têm se esforçado na busca

por associar essa tradição com algum grupo

etnográfico (CARVALHO, 2003; OLIVEIRA,

2005; AFONSO; MORAES, 2007; SCHMITZ;

ROGGE, 2008; NERY, 2010). Essa associação é

importante, pois permite buscar mais elemen-

tos para a compreensão do Sistema Regional de

Assentamento Aratu-Sapucaí.

Page 56: Os primeiros que chegaram

54 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Dessa forma, a Tradição Aratu-Sapucaí tem

sido associada aos povos falantes do dialeto Ka-

yapó, que pertence à família Jê do tronco linguís-

tico Macro-jê (CARVALHO, 2003; OLIVEIRA,

2005; AFONSO; MORAES, 2006; SCHMITZ;

ROGGE, 2008; NERY, 2010). Essa associação é

aportada na morfologia do assentamento da Tra-

dição Aratu-Sapucaí. Além disso, ao verificar as

áreas em que foram identificados os sítios, ve-

mos que elas em sua maioria correspondem a

zonas que foram ocupadas no período histórico

pelos Kayapó (CARVALHO, 2003; OLIVEIRA,

2005; AFONSO; MORAES, 2006; SCHMITZ;

ROGGE, 2008; NERY, 2010).

A existência dessa associação permite que

se desenvolvam trabalhos com base em etnogra-

fias feitas sobre os Kayapó (POSEY, 1987), resul-

tando em pesquisas que buscam a inserção do

material arqueológico em seu contexto cultural

(NERY, 2010).

Contudo, essa questão deve ser analisada

com muito cuidado, tendo em vista a existência

da diferença entre os termos Kayapó e Cayapó.

O termo Kayapó, com K, faz referência a índios

que estão localizados na região norte de Goiás

e sul do Pará. Já o termo Cayapó, com C, está

associado a índios que ocupavam o sul de Goiás,

o sudeste do Mato Grosso, o nordeste do atual

Mato Grosso do Sul, o noroeste de São Paulo

e uma parte do Estado de Minas Gerais (VAS-

CONCELOS, 2009).

A relação entre o sistema regional de ocu-

pação Aratu-Sapucaí com os grupos Kayapó e

Cayapó vem sendo estudada por vários pesqui-

sadores, e cabe ressaltar que esse assunto não

é de fácil resolução, tendo em vista que a dis-

cussão é difícil até mesmo para estudiosos das

áreas de etnologia e de linguística. Dessa forma,

podemos abrir questões sobre essas discussões,

porém não nos cabe propor respostas.

ArqueologiA dA região Norte do

eStAdo de São PAulo

Considerando a descrição geral sobre os sis-

temas regionais de ocupação que estão associa-

dos à região norte do Estado de São Paulo, po-

demos fazer aqui uma breve descrição sobre os

trabalhos de arquelogia realizados nessa área.

A história da região norte do Estado de São

Paulo ainda tem muito a revelar, tendo em vista o

reduzido número de trabalhos realizados. Além

disso, existe o fato de essa região estar localizada

em uma faixa de transição entre diferentes siste-

mas de ocupação, o que amplia sua importância

para a arqueologia (FERNANDES, 2001).

Page 57: Os primeiros que chegaram

55ARQUEOLOGIA DO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO | GAbRIEL LOSchIAvO cERDEIRA E NEIDE bARROcá FAccIO

Segundo Fernandes:

No norte do Estado de São Paulo [...] existem ape-

nas três sítios, que são normalmente identificados

como sendo da Tradição Aratu-Sapucaí ou sim-

plesmente localizados em área de sua inf luência.

São eles: Água Limpa, Maranata – localizado no

município de Olímpia, onde foi identificado um

sítio de grandes proporções, com muitos vestígios

cerâmicos e ossos humanos – e o Água Verme-

lha – localizado junto ao reservatório do mesmo

nome, onde também foi reconhecido um grande

sítio a céu aberto, com a presença de cerâmicas

em formas duplas e cônica e fusos perfurados

(FERNANDES, 2001, p. 201-202).

Contudo, num levantamento bibliográfico

sobre os estudos arquelógicos na região norte

do Estado de São Paulo, observa-se que, depois

dos estudos produzidos por Fernandes (2001),

outros sítios associados ao sistema regional de

povoamento Aratu-Sapucaí foram evidenciados

na região.

Como resultado desse levantamento biblio-

gráfico, consegue-se identificar 26 sítios ar-

queológicos que são associados ao sistema re-

gional de povoamento Aratu-Sapucaí, os quais

foram evidenciados nas regiões norte, nordeste

e noroeste do Estado de São Paulo.

Entre esses sítios, destacam-se os Sítios Ar-

queológicos Anhumas I, Anhumas II e Água

Limpa, estudados dentro do Projeto Turvo, coor-

denado pela Prof.a Dra. Márcia Angelina Alves,

com apoio do MAE/USP (BELÓ, 2007).

Segundo Beló, o projeto Turvo existe desde

1993 e tem como objetivos detectar, registrar,

mapear e pequisar sítios arqueológicos situa-

dos no Município de Monte Alto, para auxiliar

na compreensão da história indígena do Vale

do Rio Turvo (BELÓ, 2007). Graças à existên-

cia desse projeto, tem-se atualmente um estudo

aprofundado sobre o sítio arqueológico Água

Limpa. Dentre as obras que visam estudar esse

sítio citam-se: Fernandes, 2001; Fernandes,

2003; 2005; Beló, 2007.

Outro sítio arqueológico que foi objeto de

estudo aprofundado é o Água Branca, analisa-

do por Afonso e Moraes, 2005-2006/2007. Ali,

foram evidenciados vestígios associados a dife-

rentes tradições arqueológicas, mas ele tem sido

considerado parte do sistema regional de po-

voamento Aratu-Sapucaí (AFONSO; MORAES,

2005-2006; AFONSO; MORAES, 2007).

No Sítio Arquelógico Água Branca, houve a

identificação de um assentamento anelar, ele-

mento que é considerado característico do sis-

tema regional de povoamento Aratu-Sapucaí

(AFONSO; MORAES, 2005-2006; AFONSO;

MORAES, 2007).

Page 58: Os primeiros que chegaram

56 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

Além desse estudo, deve-se considerar o fato

de que já se passaram uma década desde os es-

tudos feitos por Fernandes (2001). Sendo assim,

pode-se dizer que houve mudanças no que se co-

nhece da arqueologia dessa região. A ampliação

do número de trabalhos de arqueologia de con-

trato tem aumentado o número de sítios identifi-

cados associados à Tradição Aratu-Sapucaí.

Em relação à atuação do Laboratório de Ar-

queologia Guarani (LAG) na região norte do Es-

tado de São Paulo, pode-se dizer que sua atuação

tem sido marcante, haja vista que o LAG passou

a atuar na região a partir de 2009, desenvolven-

do trabalhos acadêmicos. O trabalho do LAG já

garantiu a identificação de 25 sítios arqueológi-

cos associados ao Sistema Regional de Povoa-

mento Aratu-Sapucaí, além de um sítio arqueo-

lógico histórico (FACCIO, 2010).

Somente no ano de 2010, foram identificados

seis sítios na área da bacia dos rios Turvo/Grande,

pela equipe do LAG, coordenada por Neide Barro-

cá Faccio (2010). Os Sítios Turvo I, Turvo II, Turvo

III, Turvo IV, Turvo V-A e Turvo V-B foi objeto

de estudo, em nível de iniciação científica (NERY,

2010). Entre os trabalhos desenvolvidos pelo LAG

sobre esses sítios, também temos Nery (2010);

Cerdeira e Faccio (2011); Favarelli, Nery e Faccio

(2010); Rodrigues e Faccio (2010); Silva e Faccio

(2010) e Faccio (2010). Portanto, a descoberta

desses sítios tem garatindo o desenvolvimento

de uma série de trabalhos acadêmicos, tornando

maior o número de dados sobre a região.

Além dos sítios escavados na região da ba-

cia hidrográfica do Turvo/Grande, o LAG fez

mais descobertas que contribuem para o conhe-

cimento da arqueologia no norte do Estado de

São Paulo, tendo em vista que, no ano de 2011,

foram prospectados e escavados mais quatro sí-

tios, que também foram associados, até o mo-

mento, à Tradição Aratu-Sapucaí. Contudo, os

estudos na área desses quatro sítios ainda estão

em andamento.

Esses novos sítios arqueológicos estão loca-

lizados em duas bacias hidrográficas diferentes.

Na bacia hidrográfica do Baixo Pardo/Grande,

foram evidenciados os Sítios Arquológicos Bal-

samira, Rosário G2 e Bela Vista do Jacaré; na ba-

cia hidrográfica do Sapucaí-Mirim/Grande, foi

evidenciado o Sítio Arqueológico Cervo.

Além desses, outros 16 sítios foram descober-

tos pela equipe do LAG, totalizando 26. Sua loca-

lização pode ser visualizada na Figura 15.

Page 59: Os primeiros que chegaram

57ARQUEOLOGIA DO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO | GAbRIEL LOSchIAvO cERDEIRA E NEIDE bARROcá FAccIO

Figura 15: Sítios arqueológicos levantados pelo lAg no norte do estado de São Paulo.

Fonte: Faccio, 2010.

Dessa forma, pode-se considerar que a re-

gião norte do Estado de São Paulo ainda carece

de estudos; contudo, ao se observar os últimos

anos, pode-se verificar o aumento de pesquisas

e a identificação de novos sítios arqueológicos

nessa região. Ressalta-se que o aprofundamento

do estudo da região é importante, tendo em vista

que tem sido considerada uma região de frontei-

ra entre diferentes sistemas regionais de povoa-

mento, como defende Morais (1999-2000).

Ainda sobre a variedade de vestígios pre-

sentes nos sítios arqueológicos localizados na

região norte do Estado de São Paulo, Afonso e

Moraes relataram que: “os sítios ceramistas re-

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58 Os primeirOs que chegaram – intrOduçãO à arqueOlOgia dO estadO de sãO paulO

f letem contexto extra-regionais com inf luências

do norte (tupinambá), do sul e do oeste (Guara-

ni) e do noroeste (Aratu-Sapucaí-Uru) de uma

forma bastante complexa e que necessita ser

melhor estudada” (AFONSO; MORAES, 2005-

2006, p. 69).

Com base no apresentado, pode-se dizer que

a região norte do Estado de São Paulo deve ser

mais estudada, pois há uma forte presença do

sistema regional de povoamento Aratu-Sapucaí.

Contudo, deve-se lembrar que, na mesma região,

foram encontrados vestígios associados a outras

tradições, permitindo-se considerar o norte do

Estado uma área de fronteira, rica em diversida-

de cultural durante o período pré-colonial (MO-

RAIS, 1999-2000; AFONSO; MORAES, 2005-

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Sobre o livro

Formato 21 x 21 cm

Tipologia Scala (texto) Scala Sans (títulos)

Papel Couché 115g/m2 (miolo) Supremo 250g/m2 (capa)

Projeto Gráfico Canal 6 Editora www.canal6.com.br

Revisão Júlia de Lucca

Capa e Diagramação Karina Tenório

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NEIDE BARROcá FAccIOORGANIzAÇÃO

UNIEVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - FCT FCT- UnespPresidente Prudente - SP

OS PRIMEIROS QUE CHEGARAM

INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO