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OS PECADOS DE
ROBERTO
A solidão
Talvez a solidão seja a pior coisa que alguém possa enfrentar. Muitos
procuram suprir esse vazio com a companhia de amigos, outros criam cães,
mas nada preenche esse buraco no coração reservado para esse sentimento.
Roberto vive, pela vida, tentando andar de mãos dadas com a felicidade, mas
parece que sua estrada tem sempre uma esquina, onde os desencontros são
constantes.
Sempre de cabeça baixa e com os olhos virados pro chão, Roberto
agonizava a sua vontade de viver. Conhecido por sua passividade e sua
introspecção, ele caminhava sempre no mesmo compasso, não desafinava na
vida e sempre pedia desculpas por incomodar com sua presença. Jamais
ergueu a voz e nunca olhou torto pra ninguém. Sujeito bom, todos falavam.
Mas Roberto não queria ser bom, queria ser notado, mas como? Roupas
sempre discretas, voz controlada e gestos medidos, faziam com que ele
passasse despercebido por todos e pela vida.
A solidão é um vazio cheio de fantasmas, que assusta e verga o corpo
com sua força. Roberto vive com a sua companhia constante e, em sua casa, a
única voz que se ouve é a da TV, que passou a ser sua companheira cotidiana.
Roberto não quer mais viver essa situação e, de algum jeito, tem mudar
esse quadro. Talvez se entregando ao carnaval que a vida oferece, ou às
festas que o final de semana oferece, ele possa conhecer alguém que ocupe o
vazio da existência. Resolve dar chance para a esperança e, num dado dia,
aventura-se pela noite. Entra num bar e senta-se distante de tudo, afinal, é
querer demais que alguém que vivia enclausurado em sua casa comporte-se
de outra forma.
Discretamente, acomoda-se e chama o garçom. Sua voz quase não sai,
a timidez impera. Pede uma cerveja e uma coisa para beliscar; ele sabe que
faz muito tempo que não bebe, e de barriga vazia o álcool pode “pegar”. O
garçom trás a cerveja, e ele próprio se serve. Olha para os lados e percebe que
é o único, naquele ambiente, que está bebendo sozinho. As mesas em volta
transbordam de alegria, enquanto a dele paira o silêncio. Ele observa toda
aquela felicidade e pensa por que só ele não encontra a sua.
Roberto passa a frequentar esse bar semanalmente, e mantém acesa a
esperança de que, numa noite dessas, apareça a tão almejada companhia que
preencha o vazio da sua vida. A vida passa sem graça e normalmente para
Roberto, por isso, até os fins de semana onde ele tenta dar chance ao acaso,
também, estão mornos. Quando já se esvaía a última gota de sonho, Roberto
nota que sua vida, naquele momento, poderia mudar. De repente chega ao bar
uma mulher que, só com sua beleza, preenche todo o local. Seu coração bate
como nunca havia batido e seus olhos brilham e fitam aquele monumento.
Roberto sente um calor e o coração cheio de vontades e desejos, coisa que, há
muito tempo, não sentia. Mas como se aproximar daquela mulher? Ele se
pergunta. Ele bem sabia que perdeu o jeito com as mulheres, era praticamente
um misantropo introvertido e tímido. Mas nada que algumas doses de
conhaque não solucionassem esse problema. Bebe com a sede da certeza de
que aquela mulher era o que faltava para a sua vida. Depois de muitas doses e
muitos ensaios, ele vai até a sua pretendente. Até os medrosos têm momentos
de coragem; quando acuados algo desperta a fúria e, assim, Roberto foi.
Ela foi receptiva e não esboçou, em momento algum, que ele o
desagradava. Conversaram e beberam durante horas e Roberto estava, enfim,
sentindo o fogo da paixão. Carolina, esse era o nome da alegria que Roberto
conhecera. A noite termina e Roberto sai com a esperança de reencontrá-la
novamente. A vida já não estava mais sem graça e repetitiva.
Roberto agora era outro homem, sorria e cantarolava, vivia suspirando
pela vida. Os colegas de trabalho estranharam no começo, mas depois viram
que aquele sisudo e triste já não mais existia. A vida passava e Roberto e
Carolina se encontravam cada vez mais, e trocavam confidencias e juras de
felicidade, mas ainda havia segredos para serem descobertos. Numa noite em
que se bebeu pouco e se confidenciou mais, Carolina fala:
- Amor, você precisa saber mais de mim.
- Saber o quê, querida?
- Saber do meu passado, o que eu vivi, tudo de mim e eu preciso
também te conhecer.
- Eu te amo, e parece que te conheço há muito tempo.
- Nós já não somos crianças, e temos um passado e...
- O meu você já sabe.
- Mas o meu você nem sequer conhece a primeira página.
- E o que você esconde?
- Escondo nada! Eu pensei que o nosso caso terminasse em algumas
noites e, por isso, não senti necessidade de me expor pra você.
- Expor como?
- Contar sobre mim.
- E o que você tem pra contar?
- Que sou recém separada, que tenho dois meninos, dois cachorros e
um papagaio.
- Graças a Deus que é só isso! Aliviado, Roberto suspira.
- Mas você não ouviu direito?
- Ouvi sim, e nada mudou!
Os dois então se beijam, demoradamente, e vão para a casa de
Roberto. Fazem amor como quem quer acordar o mundo e se entregam ao
prazer e ao desejo. Roberto, enfim, parece estar completo.
A vida segue seu rumo normal e Roberto sente a necessidade de tomar
uma decisão. Decisão essa que irá mudar o destino de sua vida. Convida
Carolina para jantar e faz a pergunta:
- Carolina, quer vir morar comigo?
Pega de surpresa, ela gaguejou e chorou.
- Meu amor, você é o homem que mais amo, e aceito sim.
Roberto preenche o vazio da sua vida, mas esquece que Carolina não
vem só, mas com uma família completa. Roberto nem pensou nisso, há muito
tempo vivia só, por isso resolveu dar uma chance para o amor, mesmo que ele
viesse com companhia. Carolina se muda de mala e cuia; com crianças,
cachorro, papagaio, e enche aquele silêncio de catedral com o som de vida.
Mas o que Roberto não esperava é que o som, depois de um
determinado tempo, viraria barulho. As crianças corriam pela casa e faziam da
sala seu playground, enquanto os cachorros latiam até fazer calo nas cordas
vocais de Roberto, que gritava com tudo. Carolina colocava no micro system
músicas que mais pareciam berros. Roberto sentia-se cada vez mais
incomodado em sua casa. Procurava, às vezes, a solidão do banheiro, mas
com criança em casa, até ali era impossível se sentir só.
Carolina, quando não colocava música nas alturas, gritava com as
crianças. Os cachorros latiam até para a sombra e o papagaio não parava de
tentar falar; era demais para Roberto. Resolveu demorar mais na rua e achar
motivo para sair, mas aí as coisas pioravam, as brigas homéricas varavam
noite adentro. Ele já não sabia mais o que fazer e vivia preso dentro de uma
euforia que lhe causava revolta. Roberto, então, grita sozinho no quarto, como
quem quer desabafar:
- Eu não aguento mais!
Carolina não ouviu, pois estava com o som nas alturas, enquanto as
crianças brigavam entre si e o papagaio tentava cantar e os cachorros latiam.
Roberto se desesperava.
Meses passam e essa balbúrdia só aumenta, e a solução para esse
problema parece não existir. Roberto então pensou: tenho que dar um fim nisso
tudo. Num gesto tresloucado e desequilibrado compra “chumbinho” (veneno de
rato) e coloca na comida que comeriam logo mais. Não deixou de colocar na
ração dos cachorros nem na do papagaio. Carolina serve o jantar e... Dentro de
alguns minutos o silêncio volta para aquela casa. Roberto calou, de vez, a
euforia que tanto procurou, pois fim no que nunca deveria ter começado.
Assiste impassível a morte de todos e depois se recolhe à sua solidão antiga. A
solidão talvez seja a melhor companheira para quem só a conhece.
A paixão
A paixão desatina o coração e vai aos poucos vencendo a lucidez. Sem
regras e deveres, ela vai ganhando o seu território e colocando as suas
bandeiras. O fogo da paixão queima e faz, com aquele que pega em sua brasa,
arder de emoções.
Roberto sentiu tal fogo e estava ardendo de paixão. Vivia pelos cantos
cantando e sonhando acordado, e a sua vida parecia mais um conto de fadas.
No começo, apenas admirava a beleza de Carolina, mas depois da
apresentação, pois a beleza é a primeira que se apresenta, ele sentiu seu
coração bater de uma maneira diferente. Começou a segui-la com os olhos e
admirá-la de longe. Roberto decidiu que a queria de qualquer jeito, mas não
sabia como se aproximar. Carolina não estava solteira e namorava Mateus,
parecia apaixonada, pois o casal vivia pelas ruas dando provas do seu amor.
Cada carinho explícito do casal era uma punhalada no coração de Roberto.
- Marcos, meu coração dispara só em ver Carolina. Falou Roberto.
- Então você está apaixonado? Mas você sabe que ela tem namorado e
parece apaixonada por ele. Comentou Marcos.
- É um idiota, um playboy! Ela só gosta dele porque ele tem um carrinho.
- Não é bem assim! Eles namoram há muito tempo e, quando ela o
conheceu, ele tinha apenas uma bicicleta velha.
- Eu lembro, mas, e daí? Não muda nada, ele continua um idiota!
- A paixão, às vezes, cega a gente, você tem que ter cuidado.
- Eu quero a Carol pra mim e pronto!
- Mas como você vai fazer? Você vai ter paciência pra esperar o
romance dela acabar e depois tentar conquistá-la? Mas te digo amigo, parece
que esse romance não acaba tão cedo.
- Vá rogar praga pra outro, sua “cassandra”.
- Tem tanta mulher sozinha, por quê...
- Porque eu quero ela!
- Você é quem sabe!
Roberto parecia decidido em conquistar sua grande paixão, mas ele
sabia que até a aproximação seria difícil. Carolina não era de sair muito e,
quando saía, geralmente, estava acompanhada de seu namorado. Roberto,
com o tempo, começou a segui-la, vivia feito uma sombra atrás dela, mas ainda
não achou oportunidade de se apresentar. Até que, um dia, teve uma ideia
estapafúrdia, mas, talvez, desse certo. Resolveu simular um assalto, contratou
um menino e deu as instruções. Queria ser o herói de Carolina e. assim, quem
sabe, ela o notasse. Os dias passavam e a oportunidade desse ato heroico não
concretizava. Foi quando, sem menos esperar, ele a avistou entrando em uma
loja de roupas e, imediatamente, ele ligou para seu cúmplice para colocar em
prática o combinado. Eles não esperaram muito, e Carolina saiu com a mão
cheia de compras, foi quando, num susto, viu-se sendo roubada. Assustada,
fez o que todos fazem:
- Socorro, ladrão! Gritou, apavorada, Carolina.
Mas, mal ela sabia, seu herói apareceu do nada e saiu correndo atrás do
falso meliante. Não demorou muito e voltou com as coisas roubadas de
Carolina.
- Foi só isso que aquele vagabundo roubou? Perguntou Roberto.
- Você conseguiu recuperar tudo. Surpresa e ofegante, falou Carolina.
- Peguei aquele ladrão e dei uma lição nele. Falei pra ele nunca mais
roubar uma menina linda. Roberto enfim conseguiu fazer seu primeiro elogio.
- Obrigada, mas o que eu faço para agradecer a você?
- Que tal tomarmos um suco para acalmar?
- Acho uma boa ideia.
Roberto e Carolina sentaram-se numa lanchonete próxima, falaram
sobre o ocorrido e também coisas amenas. Passaram a tarde numa conversa
informal, mas Roberto não se declarou, apenas mostrou que ela poderia contar
sempre com ele. Depois de horas de conversa, eles se despediram, e Roberto
não deixou de perguntar o telefone dela. Educadamente, ela lhe deu, num
gesto de agradecimento e confiança.
- Sabe quem me deu o telefone? Falou Roberto com Marcos.
- Quem? Respondeu Marcos.
- Carolina. Não falei que conseguiria me aproximar dela.
- E daí, ela te deu alguma esperança?
- Não, mas vai dar!
- E como você conseguiu?
- Vou te contar.
Roberto contou toda a façanha para o amigo e depois confessou que foi
tudo uma armação. Marcos então lhe falou:
- Você é maluco? Isso é coisa de doido!
- No amor e na guerra vale tudo!
- E a ética fica onde?
Roberto estava deixando a emoção falar mais alto. A paixão
desenfreada estava vendando seus olhos para uma coisa chamada sensatez.
Noutro dia, Roberto telefonou para Carolina, queria saber como ela
estava depois daquele incidente. Era um motivo para manter mais um contato.
Já passada a emoção da hora, ela o atendeu com frieza, afinal, tinha
namorado. Roberto sentiu que ela estava distante, mas, mesmo assim, a
convidou para sair. Ela agradeceu, mas disse não. Desligou o telefone e
engoliu a seco o choro, limpou uma lágrima que correu pela face e balbuciou
algumas palavras.
- Você vai ser minha, Carolina, minha!
Realmente, ele estava decidido, mas tinha um obstáculo pela frente.
Mateus era seu calo, sua pedra que precisava ser retirada do caminho. Como?
Ele pensou em várias coisas, mas nada que fosse definitivo. Um romance de
anos para acabar tinha que ter uma coisa forte e que deixasse Carolina bem
decepcionada. Os dias passavam e ele voltou a segui-la de longe, olhava o
romance dela e Mateus e engolia a raiva. Mas, certo dia, ao ver passar uma
gestante por sua frente, teve uma ideia. Resolveu fazer outra armação, e desta
vez seria contra Mateus. Com algum dinheiro que havia guardado para
comprar sua tão sonhada moto, resolveu desviar para dar asas a seu plano.
Foi em uma das favelas de sua cidade e lá procurou uma gestante. Contou-lhe
o plano e ofereceu dinheiro. A gestante era solteira e o pai sumiu pelo mundo.
Uma arma perfeita para Roberto (o desespero de uma futura mãe solteira).
Tudo combinado, mas Roberto queria a cena em um local apropriado,
que deixasse Mateus sem reação e envergonhasse Carolina.
O dia chegou finalmente, e foi na festa da cidade. Carolina e Mateus
estavam felizes junto dos amigos, quando de repente...
- É por isso que você sumiu, por causa de outra mulher? Você me
engravidou e depois me largou, seu cafajeste. Falou a gestante.
- Você está falando comigo, é? Respondeu Mateus.
- É com você mesmo, Mateus! Por que me abandonou depois que me
engravidou?
Carolina foi pega de surpresa e quis uma explicação de Mateus.
- Quem é essa mulher, Mateus? Quero saber.
- Eu nem sei quem ela é, amor.
- Agora você não sabe, mas quando me levava pra cama e dizia que me
amava você me conhecia muito bem, seu vagabundo. Gritou a gestante.
- Mas eu não te conheço, menina. Você está me confundindo com outro.
- É você mesmo Mateus.
Carolina então saiu correndo, chorando e Mateus, sem reação, não
sabia como se comportar na frente de todos. Enquanto isso, Roberto fingia
estar passando por ali e, então, foi atrás de Carolina. Ela correu e parou numa
esquina, sentou e chorou até soluçar. Roberto logo apareceu para confortar.
Ela frágil e, ao mesmo tempo, com raiva, aceitou tal companhia.
A gestante, depois da confusão, saiu em meio a multidão e se perdeu.
Sua tarefa foi cumprida e, enquanto isso, Mateus, desesperado, procurava
Carolina. Mal sabia ele que ela estaria entregue ao seu algoz. Roberto a levou
daquele local e ela estava entregue à raiva. Ela disse que queria tomar umas
cervejas e Roberto, prontamente, atendeu ao seu pedido. Ela bebeu até cair
nos braços de quem lhe causara tal angústia e Roberto, certamente, não
perderia tal oportunidade. Levou Carolina para a sua casa e a amou sozinho,
pois, no estado em que ela estava, ela mal sabia o que estava acontecendo.
Carolina amanheceu nos braços de Roberto e, assustada, levantou-se num
pulo e perguntou:
- O que houve?
- Você não lembra, amor? Nós nos amamos a noite toda.
- Isso não podia ter acontecido.
Carolina se arrependeu da noite, mas ainda guardava a raiva de Mateus.
Queria explicações e foi procurá-lo. Mateus contou-lhe que não conhecia
aquela menina e que nunca a traiu, mas os fatos eram fortes e Carolina não
acreditou. A sua raiva fez com que ela contasse que passou a noite com outro
homem e que agora ela já tinha um novo amor. Mateus não acreditou na
história e insistiu na verdade que estava com ele, mas nada adiantou. Carolina
só queria acreditar no que viu.
Roberto conseguiu separar o casal e, consequentemente, também teve
sua primeira noite de amor. Carolina não queria mais ver Mateus e sua
vingança era desfilar com um novo amor. Ainda o amava, mas seu orgulho
estava ferido demais. Ela então resolveu dar uma chance pra Roberto, mas
deixou tudo às claras. Falou que não sentia nada por ele e que ainda amava
seu ex.. Roberto concordou e disse que a faria gostar dele como ele a ama.
A vida passa e Carolina não se entrega a Roberto, mesmo ele fazendo
de tudo para agradá-la. Enchia-a de flores, de cartões românticos, de elogios,
mas ela se esquivava dos beijos, negava as noites de amor e procurava meios
de afastá-lo, sempre. Roberto então conversa com Marcos.
- Tudo eu faço por Carolina, mas ela só me evita.
- Eu ainda não entendi como você a conquistou. Mas, tudo bem.
- Isso não interessa agora. O que eu quero é que ela me ame e esqueça
de vez aquele idiota.
- Esse é o preço que você vai ter que pagar por entrar no meio de um
relacionamento.
De longe, Mateus vê Roberto e Marcos conversando e espera Roberto
se afastar para se aproximar de Marcos.
Ele se apresenta e conta que acha que Roberto armou pra ele. Marcos
já havia desconfiado da conduta do amigo, mas sublimava. Resolveram ir atrás
da gestante e esclarecer tudo para Carolina. Marcos topou na hora e foram,
portanto, investigar. A vida passava e Mateus não tinha êxito em sua busca,
nem Roberto na sua empreitada.
Roberto já não sabia mais o que fazer para que Carolina abrisse o
coração. Estava se consumindo de ciúmes e raiva, já não mais controlava as
suas emoções. Enquanto Mateus procurava, incessantemente, a sua
absolvição. Carolina era um eterno eco do não, e Roberto engolia a seco sua
paixão e ódio. Num gesto desesperado, resolveu arrancar da boca um eu te
amo, mas ela continuou negando. Ele então esbravejou e a esbofeteou. Ela
caiu e disse que ele nunca mais a procurasse. Roberto ajoelhou e pediu
perdão, mas nem assim conseguiu.
Roberto insistia nesse romance e chegou a tal ponto de invadir a casa
de Carolina para dizer do seu amor. Ela, novamente, o expulsou. Ele não sabia
mais como fazer pra provar seu amor.
Numa noite sombria e chuvosa, ele entrou em desespero e resolveu
declamar pela última vez seu amor. Mas, naquela mesma noite, Mateus e
Marcos haviam encontrado a gestante que contribuiu para a mentira.
Imediatamente, os três foram até a casa de Carolina. Enquanto isso, Roberto
tentava pela última vez provar sua paixão. Carolina ouviu atentamente, mas,
novamente, lhe deu um não. Roberto desesperado falou que sua paixão era
pra sempre e que provaria, enfim, o seu amor. Puxou uma arma e apontou
para a própria cabeça e, enquanto isso, batiam na porta Mateus, Marcos e a
gestante. Quando, de repente, ouve-se um tiro. Mateus arrombou a porta e viu
no chão Carolina. Roberto acertou bem no coração dela, que já caiu morta.
Roberto estava catatônico e ficava repetindo sem parar:
- Agora meu amor, você vai saber que eu te amo, pois vou ficar o resto
da minha vida sozinho, pensando em você.
A paixão comete suas loucuras e procura desculpas nas emoções e na
parcialidade.
O vício
Muitos, quando não veem saída para os problemas, se afundam, ainda
mais, nas soluções errôneas que procuram. O que antes se resumiria em uma
simples equação com resultado inteiro, passa a ser fracionada e com fórmulas
cada vez mais complexas. A solução, várias vezes, está na frente, mas
complica-se com alguns vícios que o problema, muitas vezes, traz.
Roberto estava vendo sua vida desmoronar, seu castelo parecia feito de
areia e estava sendo demolido, dia a dia. Acabara de receber uma notícia, um
tanto quanto, desesperadora; perdera seu emprego às vésperas do Natal. E
agora? Agora, Roberto teria que dar a notícia para a sua esposa. Volta para
casa cabisbaixo e taciturno; um resto de homem cheio de sombras e demônios.
- Carolina, tenho uma péssima notícia para te dar.
- O que Roberto? Não vem me dizer que bateu o carro de novo?
- Não! Pior ainda, acabei de ser demitido!
- Puta que pariu, o que você está dizendo?
Nessa hora, Roberto falou mais alto e se irritou.
- Eu já falei, porra, perdi o emprego.
- E o que vamos fazer da nossa vida?
- Calma, pra tudo tem um jeito.
- Mas, esse jeito, tem que ser logo, porque a barriga não espera.
- Mas, ainda, vou receber meus tempos de serviço e depois o seguro
desemprego. Nesse intervalo eu procuro emprego.
- Ainda bem, vamos rezar pra tudo dar certo.
- Cadê as crianças?
- Estão na casa do vizinho.
Roberto, então, entrou em seu quarto e foi tomar um banho, mas, como
não podia mostrar fragilidade para a sua família, chorava embaixo do chuveiro,
copiosamente. Ele passava segurança para Carolina, mas sabia que as coisas
iriam complicar. Ele sabe que a busca pelo emprego não está fácil e a procura
tem que ser logo e urgente. O tempo, para quem não produz, corre mais veloz
e vai, aos poucos, deixando para trás as oportunidades, e ele não queria
perder tempo.
Carolina era uma esposa compreensiva e apoiava o marido sempre.
Claro que, às vezes, saía do eixo e se descontrolava, mas nada que fosse
grave. Roberto sabia que tinha uma esposa companheira e que poderia contar
com ela para o que desse e viesse. Os filhos, muito bem educados, até então
estudavam em colégios particulares, mas com as contenções de despesas que
viriam logo, isso iria mudar.
A vida segue o seu rumo normal, mas fora do padrão desejado do casal.
As coisas começaram a se espremer e cortes foram feitos. As crianças já não
se matricularam em colégios particulares e o lazer familiar passou a ser a
televisão. Tudo para manter ainda uma mesa a contento.
Os meses que viriam seriam dolorosos. Roberto procurava, mas, apenas
encontrava o não, e cada dia que passava era algo que ele tinha que despedir
da sua vida. As contas aumentavam e o que ganhava do seguro-desemprego
não bastava. Precisava colocar as fianças em dia, por isso resolveu vender o
carro, seu sonho de muitos anos. Mais uma vez no chuveiro, suas lágrimas
rolaram ralo abaixo. Carolina fazia de tudo para manter a família unida e
procurava animar Roberto, sempre, que o via querendo desistir.
- Calma, amor, tudo vai dar certo!
- Mas eu procuro e não encontro nada, flor de lótus. Ele sempre a
chamava de flor de lótus, numa forma carinhosa, como um apelidinho que, de
vez em quando, ele deixava escapar.
- Vai aparecer trabalho, você é muito bom no que faz.
- Mas, se demorar mais tempo, não sei o que vou fazer, minha flor de
lótus, ou melhor, vender.
- Com esse dinheiro do carro, dá para a gente aguentar mais uns meses.
- Mas, agora, vou ter que ir de ônibus e, se de carro já era difícil, imagine
a pé.
De repente, as crianças entram correndo em casa e falam com Roberto:
- Pai, a gente quer um tênis, igual ao do Luizinho, o senhor dá pra
gente?
Carolina então responde:
- Mas esses tênis de vocês ainda estão novos.
- Não, mãe, já está até soltando o solado.
Roberto então fala.
- Cláudio, Joaquim, papai vai explicar uma coisa. Papai tá...
Resolveu não contar a verdadeira situação, pois, naquela idade, eles
nada poderiam fazer e então:
- Papai vai comprar o tênis de vocês.
Carolina interrompe e diz:
- Mas hoje não, e vão logo para a cama, pois já está tarde.
- Amanhã tem aula, vão dormir, vão. Falou Roberto.
- Valeu pai! Oba, oba!
As crianças saíram eufóricas com o futuro presente que iriam receber,
mas Carolina falou.
- Roberto, não é hora de comprar tênis para as crianças. Estamos
contando até moedas e não podemos gastar em vão.
- Eles são meninos ótimos e merecem. Faz tempo que não ganham
nenhuma gude, não vai fazer falta.
Roberto cumpriu o prometido e, noutro dia, trouxe de presente o tênis
das crianças, e mais um não como seu o presente. Roberto parecia cansado e
desestimulado, ainda mais quando viu sua esposa costurando para fora para
ganhar alguns trocos para ajudar na renda da casa. E como de costume, o
chuveiro o viu chorando mais uma vez. Roberto recebeu, pela última vez, o seu
seguro-desemprego, e com muitas contas atrasadas, não amortizou nem a
metade das dívidas. Carolina passou a ter clientela e já conseguia manter a
mesa com pratos cheios e, enquanto isso, Roberto corria atrás do seu tão
almejado emprego.
Certo dia, depois de mais um não, ele parou num bar e, pela primeira
vez, embriagou-se. Voltou pra casa trôpego e brigando sozinho com a vida.
Bateu na porta, pois sua condição não o deixava colocar a chave na maçaneta.
- O que aconteceu, Roberto? Parece que você bebeu! Surpresa, falou
Carolina.
- Eu bebi minha desilusão, meus nãos e essa vida que nada me oferece.
Sem conseguir falar, ele sussurrava.
- Vem, vou te dar um banho. Ainda bem que as crianças estão dormindo.
- Eu te amo, Carol, te amo... Roberto a beijava enquanto dizia que a
amava.
- Eu também, mas vamos tomar um banho para curar essa cachaça
toda.
Carolina deu um banho em Roberto e o colocou na cama, ele logo
apagou. Dessa vez, quem chorou foi Carolina, mas não procurou esconder as
lágrimas. Sentou em sua máquina de costura e foi trabalhar até mais tarde.
Roberto acordou envergonhado, mas Carolina não comentou nada.
Serviu o café, mandou as crianças para a escola e foi costurar. Roberto a olhou
e depois do café saiu em busca de trabalho. Chegou à noite e mais uma vez
embriagado, e Carolina, novamente, o acolhia e lhe cuidava.
Os meses passavam e nada de Roberto arrumar emprego. Esta situação
estava lhe deixando transtornado, por isso aliviava suas frustrações na bebida.
Na mesa, agora, faltavam certos alimentos e ambos viviam contando as
migalhas para pagar contas extras. O natal estava próximo e Roberto e
Carolina queriam apenas de presente um emprego. As crianças pediam
brinquedos para Papai Noel e, dessa vez, o bom velhinho iria esquecer o
endereço daquela casa.
Na noite de natal, Carolina ganhou mais dinheiro e, com muito esforço,
conseguiu fazer uma pequena ceia, mas teve que costurar triplicado, afinal, no
natal, todos querem roupas novas. E foi graças a esse desejo que ela
conseguiu aumentar a renda naquele mês.
Roberto, mais uma vez, chegou bêbado, virou rotina, e, dessa vez
explodiu:
- Eu não aguento mais! Por que Deus não me leva logo?
As crianças assistiram tudo e começaram a chorar, enquanto Carolina
tentava acalmar o marido. Ela quis levá-lo para o banheiro, mas num gesto
grosseiro ele a empurrou e ela caiu. Nessa hora, Roberto curou a embriaguez.
- Meu Deus, o que eu fiz?
Carolina pegou as crianças e foi para o quarto, enquanto Roberto se
martirizava no velho sofá.
Os dias passavam e Carolina se desdobrava para fazer dinheiro e
Roberto se entregava ao vício. Já desistira de procurar emprego e agora se
tornara um estorvo para Carolina. Roubava dinheiro, quebrava as poucas
coisas da casa e esbravejava por qualquer coisa. Deixara de ser aquele
homem pelo qual Carolina tinha amor e respeito.
Muitos não têm equilíbrio para enfrentar situações adversas e se
entregam ao primeiro vício, como se ali estivesse a solução para todas as
mazelas. Enquanto Carolina se desdobrava para manter comida na mesa,
Roberto trabalhava para destruir o seu próprio lar. Dominado pelo vício, já não
tinha mais força de vontade e era um trapo caminhando pela vida. A família
estava em cacos e Carolina já não suportava mais aquela situação. Certo dia,
raro por sinal, que Roberto estava sóbrio, ela falou:
- Roberto, tenho uma notícia para te dar!
- O quê?
- Eu vou me separar de você. Não aguento mais sua bebedeira, você
está acabando com você e comigo.
- Só por que estou desempregado e sem dinheiro, você quer me
abandonar?
- Você sabe que não é bem assim! Eu ainda te amo e vou porque você,
ao invés de procurar me ajudar, está fazendo das nossas vidas um inferno.
- Se me ama, por que não fica?
- Eu vou dar um tempo na casa de minha mãe. Vou deixar você pensar
um pouco no que fez da gente. Lá eu continuo costurando e te mando sempre
algum.
- Quer dizer que você vai embora mesmo, e ainda quer me sustentar?
Pode ficar com seu dinheiro, eu me viro por aqui.
- Você é quem sabe!
- E, quando você vai?
- Hoje mesmo! Já arrumei tudo e as crianças também já sabem.
- Você também quer tirar meus filhos de mim? Eu já não tenho nada e
ainda perco você e as crianças?
- Você não nos perdeu! Você sabe onde minha mãe mora, é só passar
por lá e nos ver, mas esteja sóbrio.
Depois dessa conversa, Carolina pegou as crianças e foi embora.
Roberto assistiu à cena de longe e chorou, dessa vez, sozinho na sala.
Confortou-se, mais tarde, com goles de cachaça e, mais uma vez, embriagou-
se.
Roberto se viu sozinho e sem ninguém para frear seu vício; ele se
entregara cada vez mais à bebida. Alimentava-se mal e o pouco dinheiro que
ganhava com bicos, gastava em bebidas. Estava cada vez mais debilitado e
definhava a olhos vistos. Parecia querer se matar, mas a pouca fé que lhe
restava não deixava cometer tal delito. Então mascarava seu suicídio com
doses homeopáticas de morte.
Carolina e as crianças continuavam na casa da mãe e nada sabiam do
que acontecia com Roberto. Foi quando uma amiga contou-lhe que o
encontrou dormindo na calçada, bêbado, um trapo, ela emendou. Carolina
percebeu que Roberto não havia mudado e decidiu, de uma vez por todas,
esquecê-lo.
Roberto, cada vez mais um resto de homem, sem moral e honra, vivia
entregue às bebidas e, agora, por final, às drogas. Parecia querer se destruir e
se afundava, cada vez mais, no submundo da vida. Os meses passaram e
Carolina estava refazendo a sua vida e encontrou um novo amor. Parecia ter
esquecido Roberto. As crianças já eram adolescentes pré-vestibulandos e,
apesar de tudo, queriam saber do pai. Roberto vendeu a casa, e a cheirou e a
bebeu toda. Não morava mais naquela cidade, alguns diziam. Anos se
passaram e Carolina resolveu viajar com seus filhos e seu novo marido.
Estavam felizes, as coisas voltaram a normalidade e o problema financeiro já
não mais existia. Seu novo marido era um advogado bem sucedido e
apaixonado pela família que ganhou completa.
Numa certa noite, resolveram deixar o carro e sair a pé para jantar.
Andavam todos felizes pela rua, quando avistaram um mendigo na calçada,
deitado em papelões e vestido de andrajos.
O mendigo levantou vagarosamente, estendeu a mão e falou:
- Uma esmola, pelo amor de Deus.
Carolina parecia reconhecer a voz daquele homem, mas não queria crer.
Um barbudo, maltrapilho, não, ela pensou, não o conheço.
As crianças olham aquele mendigo e continuam andando, enquanto
Carolina tira uma moeda e oferece. O mendigo percebe a moeda e fala:
- Que Deus te dê em dobro, senhora!
Carolina então responde:
- Amém!
De braços dados com seu novo amor ela olha para trás e ouve o que
jamais esqueceria.
- Vá com Deus, Flor de lótus, que eu, há muito tempo, já não estou com
ele.
Carolina tremeu, quase desmaiou, mas se conteve. Era Roberto aquele
resto de ser humano que estava ali, agora ela tinha certeza. Olhou, mais uma
vez, para trás, mas não parou, já não havia mais o que fazer. Agora, quem
chorou debaixo do chuveiro para esconder as lágrimas foi Carolina. Roberto se
perdeu pela vida e esta foi a última vez que ela teve notícia dele.
A compulsão
- Todo homem tem que plantar uma árvore, ter um filho e escrever um
livro! Falou Roberto.
- Mas você, até hoje, não fez nenhum desses três itens que citou.
Respondeu Marcos.
- Mas, ultimamente, ando com mil ideias; acho que escreverei primeiro
um livro.
- Mas você nunca escreveu nem cartinha de amor.
- Mas, de uns dias pra cá, parece que estou efervescendo de ideias.
- E o filho e a árvore, esses são mais fáceis.
- Não sou ecologista e filhos, como disse o poeta, é melhor não tê-los.
- Mas como vai saber?
- Prefiro acabar a poesia no não tê-los.
Entusiasmado com a ideia de escrever um livro, Roberto volta para sua
casa e logo senta em frente ao seu computador. Realmente, a inspiração
parece queimar, e logo surgem as primeiras frases. Passa a noite inteira
escrevendo, levantando, apenas, para ir ao banheiro e bebericar um café. O
dia amanhece e ele nem nota, só quando o sol entra pela fresta de sua janela,
Roberto percebe que a noite já findou. Arruma-se rapidamente e vai para o
trabalho. Sua cabeça não pensa em outra coisa, apenas em terminar o
romance que começou na noite passada. Encontra na volta para casa Marcos
e, logo, lhe conta o feito de ter escrito, a noite toda.
- Marcos, comecei meu romance, do jeito que estou escrevendo, acho
que termino antes do que eu pensava.
- Vá devagar, Roberto, tudo tem seu tempo e você também tem o seu.
- Falando em tempo, já estou perdendo de escrever. Cada minuto
perdido é uma página que vai ficando em branco. As ideias, meu amigo, estão
jorrando e não posso deixar que se percam. Depois a gente se fala.
Sem se despedir, Roberto sai com sofreguidão e vai direto para a frente
do computador. Está obcecado. As teclas do seu computador não param e ele
parece escrever, compulsivamente. Alimenta-se escrevendo e, quando precisa
fazer as necessidades básicas, leva um caderninho, no qual, vai anotando seus
rascunhos. A noite segue nesse ritmo desenfreado e, novamente, ele desperta
o dia. Sua obsessão está tomando uma dimensão gigantesca, pois chegou ao
ponto de comprar um notebook para, quando tiver um momento vago,
escrever. Seu trabalho já não rendia, pois ficava, a todo momento, fugindo de
suas obrigações para dar vazão à sua criatividade.
- Roberto, Roberto. Gritou Marcos.
- Fala logo, que estou com pressa! Ofegante, respondeu Roberto.
- E aí cara, você sumiu! Tem feito o quê?
- Escrevendo meu romance e agora não te conto.
- O quê?
- As ideias são tantas que, além do romance, estou escrevendo contos,
poesias, crônicas.
- Mas por que você não se detém apenas no romance que você
começou?
- Porque as ideias saltam da cabeça. Olha, tenho que ir, depois nos
falamos.
- Espera um pouco!
Já de longe, Roberto respondeu:
- Não tenho tempo.
Roberto não sabia impor limites para a sua criatividade e estava se
entregando, compulsivamente, à sua inspiração. Chegava em casa, comia
besteiras e não se preocupara mais com a aparência. Estava com a barba por
fazer e, sem perceber, andava, há dias, com a mesma roupa. Seus amigos
perceberam a mudança, mas nada do que falavam adiantava. Roberto estava
determinado em escrever e vivia apenas para isso. Sua produção parecia
enorme, pois não havia tempo para o descanso. Mas vendo que a sua vida
social não existia, Marcos convenceu uma antiga namorada de Roberto para
convencê-lo a sair. Com muito esforço, ela obteve um sim. Marcaram num bar
e, Roberto, até o último segundo, escrevia. Não percebeu que tomou banho e
na pressa vestiu a mesma roupa que, há dias, estava. A barba já saia do rosto
e o cabelo desalinhado lhe dava um ar de desleixado. Carolina e Marcos
esperavam no bar e, enquanto Roberto não chegava, os dois conversavam:
- Roberto está mudado, não se assuste. Falou Marcos.
- Mudado como?
- Ele está doente.
- Como assim?
- Está com compulsão em escrever.
- Quer dizer que agora ele é escritor?
- Podemos dizer que sim.
De repente, Marcos falou:
- Olha ele ali, graças a Deus, eu pensei que ele não viria.
- Onde, não estou vendo.
- Aquele ali na frente. Apontado com o dedo.
- Aquele ali! Carolina falou espantada.
Roberto aproxima-se e cumprimenta os dois.
- Olha, vou avisando que não posso demorar, só vim porque Carol
insistiu.
- Mas você está mudado mesmo, Roberto. Falou Carolina.
- Vamos tomar umas cervejas e jogar papo fora. Faz tempo que não
saímos. Falou Marcos.
Roberto, a princípio, aceitou os desejos dos amigos sem refutar, mas,
notava-se que ele estava incomodado ali.
- Você parece estar desconfortável aqui? Perguntou Carolina pra
Roberto.
- Não, não, só estou pensando que tenho que escrever. Respondeu
Roberto.
- E você está escrevendo sobre o quê? Quis saber Carolina.
- Sobre tudo, faço romance, poesias, contos, crônicas; tudo que me vem
na cabeça.
- Roberto é perdulário de talentos. Comentou Marcos.
- Mas dá um tempo, vamos nos divertir. A propósito, gostei do novo look,
dá um ar de mais sério. Elogiou Carolina.
A noite passa e Roberto não aguentou. No momento em que Carolina foi
ao banheiro retocar a maquiagem e Marcos foi flertar com uma mulher; ele
retirou do bolso umas folhas em branco, uma caneta e começou a rabiscar
algo. Carolina chegou e viu a cena.
- Posso ver o que você tanto escreve?
- Não, você só vai ver quando estiver pronto. Irritado, respondeu
Roberto.
- É uma poesia? Quis saber Carolina.
- Não falo nada.
Marcos retorna à mesa e vê que o amigo não resistiu e começou a
escrever.
- Mas até aqui, Roberto? Falou Marcos.
- Não existe local, nem hora, para escrever. Respondeu Roberto.
- Deixa ele, Marcos, vamos beber enquanto ele trabalha. Falou Carolina.
Nesse momento, Roberto decidiu ir embora.
- Olha, acho que já deu pra mim. Tenho que ir.
- Fica só mais um pouquinho. Com carinho, pediu Carolina.
- É sério, tenho que terminar meus escritos.
Foi falando e saindo, enquanto Marcos comentava com Carolina.
- Estou preocupado com Roberto, isso não é normal.
- Deixa ele, vamos nos divertir.
Roberto anda a passos largos, desembestadamente, e ansioso para
chegar em casa e continuar a escrever. Abre a porta ofegante e, nem bem tira
a roupa direito, vai direto para o computador.
Os dias passam e Roberto parece, cada vez mais, entregue à sua
obsessão. Não aparece mais ao trabalho e, raramente, sai para a rua. Passa
seus dias escrevendo o que ninguém sabe e nem desconfia o quê. É quando,
depois de vários dias, ele resolve sair e ir ao mercado. Visivelmente abatido,
barbudo e com a mesma roupa que usava há meses atrás, ele encontra
Marcos que assustado fala:
- Roberto, é você mesmo meu amigo?
- Sou eu sim, por quê?
- Cara, você está muito magro, está com a mesma roupa que te vi, há
muito tempo. Para com essa besteira de escrever, você está se acabando.
- Olha Marcos, tenho que comprar umas coisas e estou sem tempo,
depois nos falamos.
Roberto entrou no mercado e Marcos, apenas, viu o amigo partir
novamente em busca da sua obsessão.
Meses passam e Marcos não tem mais notícias do amigo. Soube que
abandonara até o trabalho e nem mesmo os vizinhos conseguem dar notícias.
Marcos, preocupado, liga para Carolina e resolvem, então, os dois irem até a
casa de Roberto. Chegando, batem na porta, mas não conseguem resposta
alguma. Marcos, então, fala.
- Acho que devemos entrar de qualquer jeito.
- Mas será que ele saiu?
- Com certeza, não! Ele está aí.
- O que fazemos, então?
- Não sei, realmente eu não sei.
Depois de muitas dúvidas eles resolvem chamar a polícia e explicar a
situação. Mas não tiveram êxito, pois os policiais falaram que não podiam
invadir uma casa sem a ordem judicial. Voltaram para o ponto de partida.
Marcos então toma uma decisão.
- Vamos arrombar a porta, Carol.
- Acho que essa é a melhor solução, eu agora estou preocupada.
Marcos conseguiu arrombar a porta e, então, os dois entram e logo
veem Roberto estirado no chão envolto a papéis, notebook e bebidas. Marcos
corre para ver o amigo e descobre que ele estava morto. Carolina chora e diz:
- Mas ele tá morto mesmo?
Marcos choroso responde:
- Morto sim! Não sei como ele morreu, talvez, de inanição. Ele já nem se
alimentava direito, não dormia e parece que estava bebendo muito. Olha a
quantidade de garrafas de vodca que estão vazias?
- Meu Deus, ele se entregou à escrita.
Quando, enfim, Marcos resolve ver o que tanto o amigo escrevia. Foi
quando teve uma surpresa. Nos papéis, no computador e no notebook havia
apenas uma frase escrita, repetidamente. Era uma vez... nada mais além.
Roberto morreu de compulsão por tentar escrever.
O ódio
O amor e o ódio caminham lado a lado, separados apenas por uma linha
tênue. De um simples olhar pode nascer a paixão, e vice-versa, mas, a
convivência também mata o que nasce com idílios. O que são virtudes passam
a ser defeitos, e qualquer pequeno gesto se transforma em um monstro. E,
assim, o amor vai se esvaindo, e dele a semente do ódio começa a germinar.
Roberto, há muito tempo, vivia com Carolina, mas o romance estava
desgastado. A rotina diária e as brigas cotidianas fizeram arrefecer aquilo que
começou em chamas e agora nem um vendaval consegue acender a brasa da
paixão. As desavenças constantes e a vida a dois estava insuportável, o
convívio massacrava a paz de ambos. Os dois, que juraram amor eterno,
estavam se alimentando, apenas, de ódio, o amor parecia ter sido perdido em
alguns anos atrás. Nem nas lembranças restava esse sentimento.
Carolina, apesar de tudo, ainda tinha vontade de rejuntar os cacos e
seguir de mãos dadas pela vida com Roberto, mas ele era apenas patada e
grosserias. O amor, mesmo, só existia por Rodrigo, único filho do casal e
orgulho dos pais. Rodrigo é o filho que qualquer pai tem motivos para ser feliz.
Bom aluno, pratica esporte, ético, educado e além de tudo, exemplo de ser
humano. Roberto e Carolina jamais discutiram na frente do filho. Rodrigo,
apesar de ter 14 anos, já entende muito bem a situação dos pais e procura, de
alguma maneira, amenizá-la. Sempre com sorriso e com uma palavra amiga,
ele vai querendo consertar o que já não tem mais jeito.
- Pai, novamente tirei um nove na prova de matemática. Dá próxima vou
tirar dez, errei uma besteirinha. Falou Rodrigo
- Você, meu filho, é um gênio! Você é a única coisa boa que restou.
Respondeu Roberto.
- Meu filhinho, mais uma vez é o melhor aluno? Alegre, gritou Carolina.
- Mais uma vez sim, mãe! Errei só uma questão. Falou Rodrigo.
Depois desse momento família, Rodrigo vai para o seu quarto, enquanto.
na sala. Roberto e Carolina ensaiam uma discussão. Qualquer olhar
desencontrado era motivo para um embate. O casal vivia numa linha tênue,
entre a moral e o respeito. Atacavam-se amiúde, e fazia da convivência um
inferno.
- Você é um grosso, não tem nenhum respeito por mim. Vive pagando
prostituta para conseguir prazer. Revoltada, falou Carolina.
- Melhor do que me deitar com uma vadia como você. Pensa que não sei
do seu casinho com seu chefe? Você não é nenhuma santinha! Refutou
Roberto.
- Você é um canalha, seu filho da puta.
- Não xinga minha mãe, sua piranha. Roberto nessa hora foi pra cima de
Carolina e ergueu a mão, foi quando Rodrigo, de repente, apareceu e gritou:
- Não, pai, não bate nela!
- Eu não vou bater em sua mãe, Rô!
- Seu pai, apenas, está nervoso. Vá pro quarto estudar, vai meu amor!
O Casal procurava preservar, a qualquer custo, o filho, nem que para
isso engolissem a seco a vontade de explodir um com o outro. Mas, eles
sabiam que era necessário deixar Rodrigo fora de tudo isso, afinal, um filho
como esse não merece ver cenas como essa que ele presenciou.
A paz é selada, momentaneamente, mas o casal, no regaço do seu
quarto, não esconde as emoções e, dessa vez, partem para as agressões
físicas.
- O meu desejo é que você morra, Carolina!
- E você acha que eu quero o que de você?
- Eu não sei por que não te mato.
- Mata, se você for homem!
- Não me provoque, sua puta.
- Puta é a sua mãe, seu viado.
Roberto então partiu para cima de Carolina e lhe deu uma bofetada.
Carolina, no mesmo instante, jogou o copo com água em Roberto, que lhe
acertou na cabeça. Aquela zoada toda fez com que Rodrigo batesse na porta
do casal, mas ambos não podiam abrir, pois estavam ensanguentados.
Falaram sem abrir a porta que a televisão é que estava alta. Rodrigo insistiu e
perguntou que barulhos eram aqueles. A desculpa foi que Roberto havia
tropeçado e derrubado o abajur do quarto. Depois desse interrogatório de
Rodrigo, os dois o mandam ir para o quarto dormir, pois já estava tarde. No
quarto, agora calados, os inimigos vão limpar a sujeira e os restos da agressão.
O sangue da violência escorre na face dos dois.
Rodrigo sabe da situação dos pais, mas o que ele pode fazer de melhor
é mostrar para os dois que sempre se sai melhor no que se propõe a fazer.
Dessa maneira, ele sente que o casal comunga da mesma ideia e, por
instantes, reina a paz. Mas a vida do casal estava em cacos, porém ambos
tinham seu escape, melhor dizendo, viviam em traição. Carolina mantinha um
caso com o segurança da empresa para quem trabalhava e Roberto vivia entre
prostitutas e casinhos eventuais. Chegavam ao ponto de passar o final de
semana fora, com desculpa de que viajariam a trabalho. Você mente e eu finjo
que acredito; esse era o lema escrito nas entrelinhas da vida do casal.
As agressões físicas aumentavam, cada dia mais, e o respeito que já
não existia, de uma vez por todas, foi abolido. Carolina não aguentava mais
apanhar e Roberto estava ferido n’alma com as traições dela. Um barril de
pólvora pronto para explodir.
Os anos passam e nada modifica o comportamento do casal, apenas,
Rodrigo faz algo pela família. As vésperas de saber o resultado do vestibular,
Rodrigo ouve a discussão de seus pais pela primeira vez. Escondido atrás da
porta, coisa que nunca fez, pois achava uma invasão de privacidade, ele se viu
obrigado a ouvir. Amadureceu e sua omissão durante esses anos não ajudou
em nada a melhorar a situação.
- Por que você não vai embora com seu amante, sua puta?
- Eu quero ir e vou levar o Rodrigo comigo.
- Então você admite que tem uma amante, piranha?
- E daí, se eu tiver?
- Você não tem nenhum respeito por seu filho?
- Não meta nosso filho nessa conversa. E você que sai com piranhas e
ainda paga. E você ainda quer falar em respeito?
- Eu queria que você morresse!
- E eu, que você desaparecesse da vida.
Rodrigo volta para o seu quarto e chora. Ele não imaginava que a
situação estava nesse nível.
Os dias passam e Rodrigo vai em busca do resultado do vestibular; ele
acha que, se passar para medicina, talvez ,as coisas se acalmem em sua casa.
O sonho dos seus pais é vê-lo doutor e ele, mais do que nunca, quer dar essa
notícia aos pais. Vai ansioso em busca do resultado e...
- Passei, passei, passei!!! Grita eufórico Rodrigo.
Rodrigo volta correndo para a casa, afinal, iria realizar o sonho dos pais
e, quem sabe, colocar paz em sua família.
Em casa, Roberto e Carolina discutem no quarto. Os motivos são os
mesmos, mas, dessa vez, a briga passa dos limites. Carolina abre a gaveta do
criado mudo e puxa o revólver, ameaça matar Roberto. Esse, por sua vez, diz
que ela não é mulher para isso e parte pra cima dela. Os dois se agarram e
Roberto tentar tirar o revólver de Carolina, e nesse tira não tira, Rodrigo entra
de supetão e eufórico no quarto do casal. Quando, de repente, um tiro é
deflagrado.
- Meu Deus! Gritou desesperado Roberto.
- Não, não! Bradou Carolina.
O tiro acertou bem no coração de Rodrigo, que caiu já morto com o
sonho nas mãos dos pais.
- O que fizemos? Perguntou chorando Carolina.
- O nosso ódio matou nosso filho, isso é o que fizemos!
A insônia
A noite parecia uma tortura para Roberto. Costuma deitar sempre às
23:00h, mas, sempre, se levantava às 23:30h. Não conseguia pregar o olho.
Roberto tentava de tudo, contava carneirinhos, procurava não pensar em nada,
mas o sono nunca vinha. Passava as noites debruçado em livros e assistindo
aos programas noturnos de TV.
Roberto resolve procurar ajuda. Vai a um médico conhecido e narra o
seu problema:
- Dr° Carlos, eu passo as minhas noites em claro, não consigo dormir.
- Acho que você pode estar estressado! Afirmou Carlos.
- E o que o senhor me receita?
Roberto sai do hospital com a certeza que sua angústia estaria
resolvida. Agora, a sua ansiedade é para chegar a noite e poder, enfim, ter
uma noite tranquila de sono. Toma seu copo com leite e com o sonífero que
Dr° Carlos passara, veste seu pijama e vai deitar com um sorriso que tudo
estaria resolvido. Deitou placidamente e... O sono, novamente, não veio.
Roberto tomou outro comprimido e nada adiantou.
Viu novamente o dia nascer e, mais uma vez, passou a noite entre livros
e televisão. Seu problema com o sono parecia não ter solução, então, resolveu
fazer de toda essa agonia ponto positivo.
Nitidamente, Roberto estava, cada dia, mais cansado e rabugento; o
descanso lhe faltava e as horas de sono que não tinha estavam lhe deixando
mal humorado. Em seu trabalho rendia cada vez menos, seu dia era uma
eterna reclamação, mas a noite... Sozinho em seu quarto e sem a companhia
que ele tanto queria, o sono; começou a produzir. Estava lendo de tudo, de
gibis a filosofia, de revistas pornôs a literatura, lia desbragadamente. E quando
não estava com livros, assistia aos programas televisivos e, não foi à toa, que
nessa enxurrada de programas religiosos, ele até embarcou em um desses e
tentou realizar um milagre para o seu problema. O pastor pregava do outro lado
da TV, e ele fingia acreditar do lado de fora, mas o sono nem com reza braba
lhe chegou.
Roberto parecia despertar o sol e acordar a humanidade, pois nem
cochilos tirava durante a noite. Até quando ele iria suportar tudo isso, nem ele
mesmo sabia. Quantos dias, um ser humano pode aguentar sem pregar o
olho? Roberto já tirava sarro de toda essa situação:
- Acho que nunca vou precisar dormir. Lacerda!
- Você precisa procurar uma ajuda, isso não é normal! Afirmou Lacerda.
- Veja como estou! Ando lendo muito mais, estou atualizadíssimo e,
desse jeito, minha cultura aumentou muito.
- Mas todo ser humano precisa de sono.
- Pra quê?
- Pra descansar e começar tudo de novo.
- Besteira!
Roberto estava, na realidade, se transformando e nem percebia. Seu
comportamento estava diferente, mas para ele tudo estava normal. As pessoas
lhe davam bom dia no trabalho e ele respondia ferozmente; bom dia por quê?
Os dias de Roberto eram intermináveis e, assim, sua vida seguia nessa
roda-viva. Já não queria mais procurar solução para o seu problema, mas
transformá-lo em combustível para seus desejos. Frequentava bibliotecas,
diurnamente, em busca de mais livros, e à noite devorava-os. Mas, nem os
livros conseguiam fazer companhia, e então quis aprender a tocar um
instrumento. Bateria foi o que escolheu. Escolheu esse instrumento num desejo
de não deixar o mundo também dormir e, assim, ter companhia em sua agonia
extrema. Trabalhava durante o dia e à noite usava as baquetas na bateria.
Ninguém reclamava do barulho, pois a casa de Roberto não ficava próxima a
ninguém; o vizinho mais perto ficava a 100 m.
Os dias passavam e para Roberto parecia que a vida não andava, tudo
estava parado, estagnado. Pensou até em namorar, mas seu mau humor
saltava aos olhos, e amor sem humor não existe. Solitário noite adentro, olhava
a vida não passar e sua rotina se repetir mais do que o normal. Com o passar
dos dias, ou melhor, das noites, aprendeu a tocar a bateria e dela fez a sua
companhia. Durante algum tempo, ela lhe fez companhia pela noite, mas tudo
tem seu tempo de duração, só sua insônia não.
Roberto, visivelmente abatido, agora já não mais andava com seu mau
humor; passou a ficar introspectivo e calado. Em seu trabalho, às vezes,
parecia um fantasma, nada mais lhe chamara a atenção, nem mesmo as coxas
torneadas de Catarina. Roberto parecia desligar o dia e acender a noite e, na
noite, na solidão de sua casa é que ele encontrava a sua vida. Muito tempo já
se passou e Roberto não pregava o olho, nem mesmo quando assistia à
televisão, cochilava. Aquela situação estava lhe levando ao desespero total e,
sendo assim, veio-lhe a ideia. Roberto, em meio aos livros, ao instrumento
musical (bateria), companheiros por muito tempo, tomou uma decisão.
Resolveu, de uma maneira grosseira, o seu problema de insônia. No auge da
angústia, do desespero, achou a sua cura. Com um revólver, que já tinha há
muito tempo, puxou o gatilho, no qual, o projétil atravessou seu crânio. Roberto
caiu em cima da sua cama. Em cima do criado mudo um bilhete: Enfim, o sono
dos justos!
A traição
- Eduardo, acabei de fazer um seguro em nome da minha esposa. Se,
por acaso, ela vier a morrer, o seguro me dará um milhão de reais. Comentou
Roberto com seu amigo.
- Rapaz, isso é grana pra caramba. Dá pra fazer o que quiser e ainda
sobra.
- Eu posso pegar qualquer mulher e não aquela que tá lá em casa. Já
cansei dela, pra falar a verdade.
- E ela, pensa o que de você?
- Sei lá, Eduardo! Ela nem quer saber de mim, parece que tem outro e
se tiver, ótimo.
- Você não gosta mais dela?
- O bom mesmo era se ela batesse as botas.
- Aí você ficava rico, e não esqueça aqui do seu velho amigo.
- Claro que não, porra!
Roberto acabara de fazer um seguro milionário e, premeditadamente, já
planejava meios de colocar a mão naquele dinheiro que viria com gotas de
sangue da traição. Eduardo era um amigo de longa data, mas sua conduta não
era das melhores. Vivia de pequenos golpes e, em seu currículo, estariam duas
prisões por agressão e uma por ameaçar de morte a um cobrador. Devia a
todos e negava com a cara de caloteiro que Deus lhe deu. Roberto passava
sempre a mão na cabeça do amigo, pois sabia muito bem dos deslizes que
Eduardo cometeu, certamente, em algum momento da vida, iriam lhe servir.
Roberto era astuto e perspicaz, seu olhar parecia estudar tudo em sua volta e
seus gestos eram premeditados. Até o momento, nada arranhava a conduta
dele, mas suas atitudes, às vezes, prenunciavam uma sombra em sua
personalidade.
- Carolina, seu macho está de volta! Eufórico, gritou Roberto.
- Que macho, Roberto? Quisera fosse! Respondeu Carolina.
- Quando eu quero lhe fazer um agrado, você vem com patadas. Não
sabe mais o que é carinho, é mulher?
- Você, carinhoso? Parece até piada! É pra rir, é?
- Debocha não, mulher. E olha só, vamos sair pra comer na rua.
- Por que você está bonzinho assim?
- Decidi que temos que nos dar bem, só assim vamos ser felizes.
Depois de muita conversa, Roberto e Carolina saem e vão a um
restaurante popular, e lá comem, bebem, como um casal apaixonado. De
repente, aparece fortuitamente Eduardo, e aproxima-se como quem nada quer.
- E aí, casal de pombinhos!
- Senta aí e janta com a gente. Convidou Roberto.
- Eu pensei que esse jantar fosse romântico, mas tem gente que não se
toca mesmo. Irritada, comentou Carolina.
- Calma Carolzinha, eu só vim cumprimentar vocês. Podem ficar à
vontade.
- Senta aí, porra! E come com a gente. Parece que você não está
acostumado com as patadas de Carol?
- Já que você insiste, eu sento. Foi ele quem me obrigou, viu Carol?
- Gosta de uma boca livre! Comentou Carolina.
Os três jantam, mas Carolina não abre a boca, ouve as besteiras do
marido e de seu amigo e não interage. A noite, que para Carolina seria
romântica, acabou numa conversa de botequim. Papo vai e papo vem, Carolina
pede para ir embora, e Roberto, gentilmente, atende ao pedido da esposa. Ela
parece não entender tanta gentileza, mas isso lhe agrada muito. Eduardo
continua no restaurante, diz ao amigo que vai à caça e que não é casado nem,
tampouco, castrado.
- Como você é grosso! Falou Carolina.
- Foi só uma brincadeira. Respondeu Eduardo.
- Vamos, mulher. A noite ainda promete muita coisa. Roberto parecia
estar entregue às emoções e queria continuar a noite em seu leito. Chegaram
em casa e Roberto mal deixou Carolina se trocar e logo foi lhe agarrando.
Carolina não entendeu, mas aceitou os carinhos e se entregou. Os dois se
amaram loucamente, e Roberto parecia insaciável.
Noutro dia, Roberto se encontra com Eduardo, que logo lhe indaga:
- Você tava todo meloso, você não é assim!
- Claro que não! Mas resolvi fazer as pazes com a patroa.
Roberto ainda não confiava plenamente em Eduardo e não quis expor
seus planos.
- Aí tem coisa, Roberto, me conta.
- Contar o quê, eu não posso querer viver bem com minha esposa?
- Até ontem você falava mal dela, e hoje ela é a mulher da sua vida. Já
sei!!!
- Sabe o quê?
- É o seguro que você fez, não é?
- Nada disso, eu só quero paz.
- Vou fingir que acredito! Olha, mas se tiver algo por trás, pode contar
comigo.
Eduardo percebeu que Roberto planejava algo, mas não sabia o quê.
Enquanto isso, Roberto dava continuidade em seu teatro. Foi a uma floricultura
e comprou rosas, tudo para Carolina. Chegou em casa com aquele buquê e
com versos pobres decorados, ofertou para Carolina.
- Por que tudo isso, Roberto?
- Porque eu te amo!
- Mas é a primeira vez que você me traz rosas.
- É a primeira e não a última.
Carolina não entendia o porquê desse comportamento, mas não achava
de todo ruim. Roberto cada vez a procurava mais e a vida do casal estava,
literalmente, um mar de rosas. Roberto passou a ser um marido exemplar, e
todos da vizinhança aplaudiam o novo homem nascido.
Os dias passam e Roberto continua com o seu teatro, mostrando para
todos que ama Carolina e que a respeita. Mas Eduardo sabe muito bem que
atrás daquele romântico existe um ator e uma causa. De tanto insistir que algo
estava errado em seu comportamento, foi que Roberto resolveu abrir o jogo:
- Vou te contar porque, há muito tempo, eu estou me comportando como
um marido exemplar.
- Estou doido pra saber!
- Sabe aquele seguro que eu fiz? Eu, há muito tempo, estou querendo
recebê-lo.
- Mas você só recebe se Carol morrer.
- Isso mesmo!
- Mas se você está tão apaixonado, se ela morrer você vai sofrer de
desgosto!
- Isso tudo é uma encenação. Só estou fingindo.
- Eu sabia! Você nunca foi bobalhão desse jeito.
- É pra todo mundo não desconfiar.
- Desconfiar do quê?
- Se algo de estranho acontecer com Carolina.
- O que, por exemplo?
- Ela vir a morrer.
- Mas ela está saudável, não está?
- Mas a pessoa só pode morrer de doença?
- O quê?
- Isso mesmo! Você é meu amigo ou não é? Eu sei que você não é
nenhum santinho e que já foi preso várias vezes...
- Duas só.
- Mas foi preso! Dá pequenos golpes e tentou até matar um cara. Só não
matou porque ele fugiu e você não tinha boa mira e errou os tiros.
- Mas ele também queria me matar, e então eu tinha que matá-lo
primeiro.
- E por que você não deu queixa na polícia?
- Porque senão quem ficaria preso era eu!
- Eu sei que você deu um golpe nele, e ele descobriu e ficou furioso.
- Tudo bem! Você sabe de tudo isso, e o que isso tem a ver?
- Eu quero te propor um negócio.
- Que negócio?
- Você gosta de dinheiro ou não?
- Gosto, e muito! Fala logo!
- Se a Carol morrer eu recebo um milhão, certo?
- E daí?
- Você gosta ou não de dinheiro?
- Já falei que sim!
- Aí é que você entra.
- Como assim?
- Eu lhe dou 10% de um milhão se você calar a Carol.
- Em outras palavras, matar!
- Sim, isso mesmo!
- Eu nunca matei ninguém, nunca mesmo!
- Será?
- Juro!
- Mas, não quer os 10%?
- Eu quero, mas deixa eu pensar esta noite. Amanhã, eu lhe dou a
resposta.
Eduardo saiu com aquele fantasma na cabeça e Roberto foi para casa,
continuar o seu teatro para Carol. Jantaram e ele a amou loucamente, naquela
noite; parecia que estava se despedindo da parceira. Carolina logo dormiu,
enquanto Roberto sonhava acordado com seu milhão. Ela estava imóvel,
parecia um preâmbulo do seu futuro escrito por Roberto. Ele a olhava com
olhos de carrasco, e cada piscada parecia feri-lo, letalmente.
Noutro dia, Roberto e Eduardo se encontram e a resposta já está na
boca de Eduardo.
- Sim, eu aceito a sua proposta!
- Ótimo, agora temos que planejar tudo e não podemos vacilar.
- E como vai ser?
- Vou te contar!
Roberto tem tudo planejado há muito tempo e então, enfim, vai colocar
seu plano em prática. Entrega uma arma para Eduardo e lhe diz:
- Hoje à noite vou fingir sair para comprar algo no supermercado e vou
ficar por um bom tempo lá, até todos me virem, e nessa hora é que você vai
entrar lá em casa e, por fim naquela vadia. Vou deixar a porta aberta e,
normalmente, ela fica de costas para a porta da sala assistindo àquelas
novelas tolas; você então atira e rouba o que puder.
- Roubar o quê?
- O que puder, pra todos pensarem que é um assalto. Depois de umas
duas horas eu volto e ligo pra polícia.
- E eu?
- Você vai para a sua casa e fica por lá. Não se preocupe que, quando
eu receber o dinheiro do seguro, eu dou a sua parte. Eu não traio não.
- Eu vou sair por volta das 19h e você vai entrar lá às 19h20,
combinado?
- Combinado!
O plano de Roberto parecia ter tudo pra dar certo, no horário marcado
ele saiu, mas o que ele não contava foi quando entrou em sua casa. Carolina
ainda estava viva, e ele então assustado perguntou:
- Tudo bem, querida?
- Tudo, amor da minha vida!
- Roberto sentiu que algo estava errado, e o que tinha acontecido para
Eduardo não por fim em Carolina. Foi quando, de repente, Eduardo apareceu
com a arma em punho.
- Olá Roberto. Falou Eduardo apontando a arma para ele.
- O que está acontecendo aqui? Assustado, perguntou Roberto.
- Você não queria me matar e mandou o Du fazer o serviço? Ele veio,
mas o que você não sabia, idiota, é que eu e ele somos amantes, há muito
tempo.
- Mas você dizia que o odiava.
-Você não andava dizendo que me amava, eu também sei mentir!
- Mas, se vocês me matarem, não vão ganhar nada!
- Eu também fiz um seguro em seu nome, idiota, e o valor é de dois
milhões.
- Vocês dois me traíram!
- Eu não! Sempre fui seu amigo, mas entre você e uma mulher, eu
prefiro a sua mulher e ainda mais se for rica. Falou Eduardo.
- Então quer dizer que você vai me matar? Quase clamando, falou
Roberto.
Eduardo então atira, e Roberto agoniza no chão as suas últimas
palavras:
- Traidoreeeeeeeeeessssss!
Eduardo deflagra outro tiro, e Roberto dá adeus ao seu milhão e à sua
vida.
O pior ainda estava por vir. Eduardo abraça Carolina e ela sussurra em
seu ouvido.
- Obrigado, querido!
- Faço tudo por você, minha vida!
- Inclusive me deixar sozinha e rica?
Nem bem terminou de pronunciar a última frase, Carolina cravou uma
faca no coração de Eduardo, que caiu no meio da sala e, instantaneamente,
morreu. Carolina provou como se deve trair.
Mário Paternostro