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Os muros de Udi (Underground do Uber Alles) Daniel Faria

Os muros de uberlândia

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O Underground UberAlles

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Page 1: Os muros de uberlândia

Os muros de Udi (Underground do

Uber Alles)

Daniel Faria

Page 2: Os muros de uberlândia

Sapo não esguicha veneno de propósito

(manchete do caderno científico da FSP)

Edições Gratuitas, 2010.

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Ler Swift em Udi

Por cinco horas Célia Se enfeitava (E quem seria mais rápido?) Com camadas e camadas De cremes, pomadas, óleos Perfumes e pós De todos os tipos. Estefânio, aproveitando-se Da folga da criada Entrou no quarto de Célia e

Fez as devidas anotações, E pra que não restem Dúvidas, o que segue É um inventário:

De cara, Estefânio deu com

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Um avental engordurado, Mas apostando em mera Coincidência seguiu em frente. Sobre a penteadeira viu

Uma escova com creme Caspas e fios de cabelo, Tudo tão misturado Entre pedaços amarelos De seborréia que mais parecia Um prato de exóticas Comidas tropicais. Ali ainda

Entre frascos de perfumes, óleos e Infusões cheirando a hortelã Um recipiente Com os restos de comida De entre os dentes De um ogro talvez Nadando entre gosmas Espessas de catarro: ali a dama Cuspia o refugo De seu hálito floral.

Pra melhor inspecionar Estefânio recorreu às virtudes

Da poderosa lente De aumento usada por Célia,

Capaz de multiplicar Por mil o tamanho Dos pontos de pus Ocultos em seu rosto delicado

E agigantar a meleca Que pendia recôndita Em seu nariz, compondo O piercing de esmeraldas.

Indo ao canto do quarto Atrás do biombo Estefânio sentiu O fedor mais intenso, Lento e adocicado De sua vida, como Se ele tivesse aberto A Caixa de Pandora Com seus vapores maléficos. Não acreditando Estefânio trouxe à luz

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O penico, Que por negligência, Da criada, guarnecia

Um troço parecido Com um bom naco

De carne assada. Os arabescos fedorentos Causavam náusea Como se saídos do fundo Da garganta do demônio, E seu tamanho mais lembrava O produto de um fila brasileiro, E por isso Lamentando-se Estefânio Canta: “Meu coração é uma piscina De sangue e merda E porra onde Célia nada, Porque, ai de mim!

Célia caga!” O pior pra Estefânio É que todas cagam E não há perfume que Não o lembre do quarto de Célia, nem máscara de creme Que não o assombre Com a massa de seborréia E caspas. Ele ainda aprenderá A abençoar a ordem que brota De tamanha confusão, As tulipas que repousam

Sobre o monte de estrume, A beleza arrancada Com afinco por cada

Musa-yahoo, como se lê Nas viagens de Gulliver.

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70 personagens de um romance

Inacabado de Lima Barreto

O medíocre aponta o dedo pra lua,

pra melhor ver o próprio dedo.

Citação tirada da placa inaugural da rodoviária de Uberlândia.

Primeiro Movimento É tudo sempre o mesmo Marlon. Eles vivem no mundo Da lua e escrevem Por encomenda, nos rigores do método Taylorista enfiam a viola no saco e tomam O café Melado de açúcar. Paus pra toda obra

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Fazem de tudo Pra “introjetar”

Que a corporation é uma corporação De ofício: de fato Se vê romantismo Nesse lance de relatório Artesanal. (Mas num ônibus ninguém Os distinguiria De uma excursão de gerentes de bingo). São fodidos Pedindo emprego, A missão da empresa é dizer que: A cidade é boa, a terra É fértil; ubérrima Diria Policarpo Quaresma, Um sonho tornado real. Segundo Movimento No coro dos infelizes Você pensa que é Especial porque usa a escrita Como escarradeira e não quer Ser confundido Com os gerentes de bingo: “Minha camisa Amarrotada É minha bandeira” ou A estátua tem Uma cabeça grande E brilhante E um corpo de dar Inveja Aos cães amestrados Com seus diplomas iluminados Pelo luar do sertão Mas as notas de rodapé São de barro (O sonho apocalíptico De Daniel).

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Terceiro Movimento Uberland – Ubermensch, É latim, é inglês É alemão É a finitude Do homem ocidental É a hermenêutica pós-moderna É o festival de citações A carta na manga e o bolso vazio À sombra dos clones De Roberto Justus. É o lirismo Do pesadelo acadêmico. É a poesia Sem charme Dos concursos, escrita Com os tipos dos carimbos1

Que não deveria ter sido Escrita,

Não merece ser lida.

1 Carimbo: etimologicamente, o ferro em brasa usado pra marcar os escravos que saíam de Luanda. Escravos como Aristóteles, mas sem o consolo da filosofia, fechada para o balanço. Falida.

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Um hotel em Udi

Hospedado no inferninho

O sujeito reage bem

Ao cheiro de esgoto

Impregnado nos lençóis

Lendo O Samurai Corporativo,

Vulgo

Pecuarista do ying yang.

"O mundo é rico

de inimigos".

No café da manhã

Page 10: Os muros de uberlândia

Sun Tzu apontou

O dedo indicador

Pra testa do discípulo

Usando o polegar

Como gatilho

Depois disse à recepcionista

"O seu chocolate

Está no frigobar"

& Sun Tzu disse:

"A buceta é a crise do liberalismo"

Page 11: Os muros de uberlândia

Welcome Mr Ego

1. O meio é a massagem. 2. A falta de classe é o motor da história. 3. O eu não é senhor No seu condomínio fechado. 4. Sun Tzu e Bill Gates subindo a ladeira. 5. Walter Benjamin era um sujeito Diferenciado. 6. Um cantinho e um violão. 7. Um laptop e a Arte da Guerra

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8. Um estilo e um reconhecimento. 9. Uma casa no second life, um avatar, um cartão de crédito e nada mais. 10. Um tipo assim na mão E um otimismo na cabeça. 11. É sempre bom lembrar Que um pastel vazio Está cheio de ar. (depois de ouvir Gilberto Gil na propaganda do Pão de Açúcar) 12. etc etc etc

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Opereta (pra ser encenada em qualquer hotel)

Ubu-Estilista entra no saguão do Uberplace. Oito olhos na cabeça grande,

muitas bocas, línguas grandes, cabelo arrepiado. Sobe lentamente pela escada. Em

cada andar deixa um dos seus quatro pares de óculos escuros, como se fossem

oferendas e ele um tipo de sacerdote. No quinto andar entra na Suíte Penitencial e da

varanda proclama, naquele ritmo tipicamente papal, de canto falado:

- Vocês sabiam que:

- Pobre prefere pepsi-cola porque é mais doce?

- A classe média prefere o amargo

da coca-cola?

- Os 2 princípios são a sanca e a cerca elétrica? Os pequenos e escuros

labirintos?

- Certas perguntas não devem ser feitas num açougue?

Page 14: Os muros de uberlândia

Nas outras varandas surgem as Capivaras, usando bigodinhos à Castro Alves,

vestidas como aquelas crianças da serenata de natal:

- Ó preclaro mecenas, prometemos:

- Estourar miolos de estudantes. Celebrar nossos aniversários bêbados,

caídos em frente às padarias. Mostrar nossas certidões de nascimento à polícia.

Ubu-Estilista responde:

- Que figuras exemplares!

- Vocês levarão dois brindes: um círculo dourado (no formato de um dos andares

do inferno) com o desenho de um mapa em traços negros. O mapa da mina pra vocês,

soldados rasos, pendurarem no pescoço. E ainda mais, um grosso e reluzente supositório

da Unimed, no modelo Maiêutica a Fórceps.

Uma das capivaras responde, depois de limpar os restos de strogonoff de frango

do bigode:

- Magnífico, sempre sonhei com esse dia top de linha, com secretárias obesas

que guardam poemas nas gavetas, desde minha infância imito o típico rastejar do

calango do Planalto Central, nada me impede de, um pouco mais colado ao chão, chegar

ao nível da lagartixa, tenho minh’alma carimbada pelas flores espinhosas do cerrado.

Ubu-Estilista encerra a cerimônia:

- Vocês têm um grande futuro pela frente, eu barganho com o presente. Quando

aqui cheguei, esta merda era só estrada de terra. Nenhum clubezinho sequer. Com

minhas mãos comecei a cavar esta vala, quer dizer lavar este vale, quer dizer gravar esta

mala que vocês de hoje em diante carregarão, sempre mais fundo, cavando uma

boquinha se me permitem a expressão. Só não vos chamo de cordeiros porque cordeiros

são apetitosos e não causam ânsia de vômito.

Page 15: Os muros de uberlândia

O dom de ser observado

O sol te fisgou

No flagrante delito

De caminhar pelas ruas.

O sol tem dedos

Azuis e unhas afiadas

No ofício das sanguessugas.

O sol se retorce por dentro

Do meu couro cabeludo

Page 16: Os muros de uberlândia

Como se o seu cérebro

Fosse massa de modelar.

O sol é uma puta, ou melhor

O sol é um olho vigilante

Que joga o clarão sobre você,

Imigrante ilegal, atrás

Dos muros da cidade qualquer.

O sol está grudado em sua pele

E nas paredes quentes do meu apartamento.

O sol torrou meus olhos

E se esconde no capuz preto

Porque sabe que é culpado

Porque, no íntimo,

Reconhece que o sol é um justiceiro

Cheio de razão, apesar

De você ser frio e verde escuro

Por dentro.

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Udi Grudi

A cidade é de carne

Seu sangue é lodo, tubulações

Subterrâneas onde circula

O rio canalizado

(Assassinado), o rio onde nada

Meu avô, que morreu delirando

Com pescarias.

A cidade é a terra

Das minhas pernas

Crivadas de raízes e pequenas plantas

Que arranco, pacientemente.

Page 18: Os muros de uberlândia

Se tento fugir

Da cidade é em mim

Que encontro refúgio, e se completo

Minha saída do labirinto

De carne e lodo e musgo que sou

Eu me encontro novamente

Na cidade.

Sou um emaranhado

Infértil

De lodo urbano, mas

Que minha carne seja salva

Junto com a carne da cidade

Que me habita, que eu seja

Condenado como um verme

Roendo sua carniça, qualquer coisa

Menos a ilusão de um nome próprio.

Page 19: Os muros de uberlândia

Udipalestra

“Começando pelos verbos: atravessar, repensar, instigar, inserido e

focar.”

“é legal que o Vesúvio tenha inserido suas lavas em Pompéia, porque

agora temos um sítio arqueológico intacto e instigante”

“a lava preservou o salão das pinturas eróticas”

“mas focou a pica do prefeito de Pompéia, pão e circo de auditório

cultural”

“e se o Vesúvio tivesse estourado sobre Uberlândia? repensaríamos os

vestígios que restariam, por exemplo a lista telefônica (o instigante mapeamento

da cidade) AÇOUGUES/ACRÍLICO AÇÚCAR/ADVOGADOS

ADVOGADOS/ALARMES AR/AREIA BISCOITOS/BLOQUEADORES

BOMBAS/BOUTIQUES CABELEIREIROS/CAÇA

CAMINHÕES/CAMISETAS CHURRASQUEIRAS/CIRURGIÕES

Page 20: Os muros de uberlândia

COFRES/COLCHÕES CONTROLE/CÓPIAS CÓPIAS/CORTINAS

DEDETIZAÇÃO/DEMOLIÇÕES DESENTUMPIMENTO/DIGITAÇÃO

ENTULHO/ENXOVAIS ESCOLAS/ESPUMAS EVENTOS/FACULDADES

FACULDADES/FANTASIAS FERRO/FESTAS FLORICULTURAS/FOGÕES

FRANGOS/FUNERAIS GUINDASTES/HOSPITAIS

INTERNET/JOALHEIROS LIMPEZA/LINGERIE MÉDICOS/METAIS

MOTOCICLETAS/MOTOSSERAS NOIVAS/ÓCULOS

ÔNIBUS/ORTOPEDIA PAPELARIAS/PÁRA-CHOQUES POÇOS/´PORTAS

PROTÉTICOS/PSICÓLOGOS SELF/SEX TANQUES/TATUAGENS

TERAPIA/TERRAPLANAGEM TURISMO/ULTRASSONOGRAFIA

VIGILÂNCIA/ZÍPERES

os cus carbonizados de Pompéia. Mas, como um buraco pode ser

carbonizado? Tem aí um problema de método.”

“O cu é uma mistura de carne e veias extremamente sensível, você só

focou no buraco. É isso o que aconteceria se o Vesúvio explodisse em

Cuberlândia”

“O sonho do hospital próprio”

“Boca inserida na cloaca do caixa eletrônico: finalizando, finalizando,

finalizando.” “E nunca perder o gancho de vista”

Page 21: Os muros de uberlândia

O pensamento parece uma coisa à toa

Mastigando perdas

Como se fossem pedras

Dentadas, lâminas polidas

Em cristalina

Água de esgoto, ou

Entre peixe e refração,

Anzol banzo

Quando estou onde estive

E não sou, & enfim

Aquário de canibais

Ornamentais

Page 22: Os muros de uberlândia

É a cidade submersa

Em pensamentos alheios,

Cheia de si, e daí

Saio de mim.

Caio na real. E daí.

A cidade está fora de si.

Page 23: Os muros de uberlândia

La Boetie em Udi (Ou

Network Canastrões Iltda)

O segredo do Um

Está escondido nas festas

E jogos que ele promove, está

Escondido nas sentinelas

Que o protegem, contudo

O segredo do Um

Não é o mesmo que suas armas

Por bem dispostas que estejam

Nem o mesmo que seus cavalos,

Por mais velozes, o segredo do Um

Não tem a transparência das taças

De vinho, nem é plano

E frio como os tabuleiros de xadrez;

Page 24: Os muros de uberlândia

O Um sempre é servido por 4 ou 5

Que o sustentam

Como os canhões de ar

Que mantêm o suspense

Dos números nas loterias nacionais e

Estes 5 ou 6 são os favoritos do Um,

Os sócios dos bens de suas pilhagens,

Cúmplices de suas crueldades

E estes 5 ou 6 são sustentados

Por outros 600 que crescem às suas sombras

E são coletores de impostos, corsários

Em miniatura

E quem se divertir em tecer esta rede

Logo chegará aos 1.000 aos 100.000

Aos milhões que com estas cordas

Se agarram ao Um, quando um simples

Não bastaria,

E assim visto ao revés

5 ou 6 suportam os males

Causados pelo Um para poderem

Causar outros males aos 600

Que calam o sofrimento para causarem

Outros males aos milhares que restam

E estes se entredevoram

Em torno do espólio que lhes sobrou, enfim

Este é o segredo do Um,

Sua lastimável fraqueza e seu (quase)

Indevassável poder.

Page 25: Os muros de uberlândia

Alegoria

Há um cão agonizando sobre o asfalto. Ele tem os olhos amarelos, a língua

esbranquiçada e a respiração lenta e funda de quem morre lentamente. Dolorosamente.

Sua pele lacerada está cheia de carrapatos com o dorso tatuado em listras negras que

formam pequenos roteiros geográficos, pontilhados de flores amarelas. A pele do cão

está grudada no asfalto. Nas poucas vezes em que ele tentou se movimentar, o asfalto

arrancou um bom pedaço de couro e mais uma ferida se abriu em sua pele. Eu sinto a

dor deste cão porque seus nervos se misturaram aos nervos do asfalto e o asfalto está

ligado a mim por meio dos raios de calor constantemente jogados na minha cabeça. Eu

sinto a dor deste cão e por alguns momentos sinto que sou este cão. Da mesma forma

que o asfalto, o sol também brinca de arrancar a dor da minha pele. Também vivo

lentamente, ou morro lentamente o que dá no mesmo.

Page 26: Os muros de uberlândia

A memória tem seu preço

A memória não mora

Na cabeça, é na boca

Do estômago

Que se come a memória.

Pergunte ao gato

Que persegue um besouro

A lógica da alegria –

Ele sabe o motivo.

Mas logo esquece o que sabe

E esquece que esquece

E vive fora do tempo

Das suas perguntas e não entende

Porque você lambe o osso

Page 27: Os muros de uberlândia

Das lembranças, como uma besta

Faminta.

É no vômito

Criado pela bílis dos mercenários

Injetado como soro intravenoso

Em seu fígado

Que se respira a memória, e tem mais

Você nunca vai se esquecer disso:

Por um precinho camarada os mercenários jogarão o gato morto

num aterro qualquer de Uberlândia, em troca você leva um buraco pesado como

chumbo entubado em seu esôfago

como recordação.

Page 28: Os muros de uberlândia

Mais notícias de Udi

Ou, é aí que você se engana

Um rio foi picotado e circula debaixo do asfalto com dificuldade, os canos são

suas pernas

Mecânicas ao passo que ele anda em Udi

Como quem se despede.

O nome do rio é método e tem comigo uma porção de citações convenientes pra

nos fazer acreditar que nascemos na pior das eras já que você não pode se contentar com

a irrelevância e o merecido esquecimento, e o outro assunto sério além da teoria é a

política e aí é preciso admitir que mesmo não sendo fracassado Hugo Chávez não tenho

o charme das derrotas de Che Guevara e eu não me convenço dele mesmo com o boné

venezuelano trazido pelo seu amigo, o último comunista

depois da morte de Aldo Rebelo (você morreu engasgado com os trechos

de Gilberto Freyre e Eduardo Prado, mais ácaros de plenário e hemorróidas na língua).

Page 29: Os muros de uberlândia

Mas falando em filosofia barata poderia dizer que isto não é um charuto e que

nossa última revolução foi implantar o comunismo no colégio dos tarados salesianos e

do professor de religião que queria ver o “terceiro olho” dos alunos,

Pelo menos o ateísmo livrou meu rabo.

Depois disso a queda foi visível e minha verdade

é a farsa, revolvida por pequenas e cirúrgicas

auto-sabotagens, deixar claro que não tenho meu estilo

meu estilo é cheio de si (quer dizer, de uma terceira pessoa, do alheio).

Mas nem isso dá pra se levar a sério, a sua consciência perversa é uma profissão

De fé como outra qualquer, um amontoado de clichês, nada mais,

literatura não é o álibi perfeito e ressentimento não é autenticidade, não sou eu aqui,

entendeu?, é a cópia da minha cópia e você também é a cópia de uma idéia qualquer.

Complexo de Max Weber, Melancolia Uspiana com o Fim dos Tempos,

Neurastenia do Escritor que só Consegue se Repetir, Megalomania Deuleziana,

Esquizofrenia do Legislador Platônico, Blogueiros Abúlicos, Histeria do Reacionário

Afônico, Euforia do Ego Dilacerado pelos Mil Acessos, Nacional-Desenvolvimentismo

Congênito Ambidestro, Fobia de Todos os Tipos,

Alguma coisa se salva entre a gente.

Page 30: Os muros de uberlândia

Carnaval em Uberlândia

Vitrines sem luz –

Lojas fechadas, só

As pessoas no shopping.

Page 31: Os muros de uberlândia

Conciliábulo

Mas porque eu deixaria como rastro

O amor que você,

Cobra me cobra pra

A mar como quem anda armado

Ou se armadilha em

Deserto, desterro ou arquipélago, se

Em sua ilha de amigos belicosos

Rastejar se oferece no cardápio frio

Entre seus perdões de chumbo

Pelo que você não tem, alma –

Ulcera engrenagem vazia, concílio

Devorador de sangue, vômito

Inodoro que o amor desmente,

Ou repudia.

Page 32: Os muros de uberlândia

Bêbado, eu mijava

Na carcaça do gato morto.

Os olhos são as primeiras

Partes de um cadáver

A serem comidas pelos vermes &

Por isso o gato

Parecia ter três cus –

Isso antes de ele ter

Se tornado um fedorento

Casaco de pele para o asfalto

De Uberlândia.

Distantes, as vozes

Se perdiam em suas confabulações,

Formigavam os muros da cidade,

Teciam os acordos que

Page 33: Os muros de uberlândia

As manteriam despertas para o dia.

Eu queria ser esquecido

Como o gato morto, não

Deixar pegadas

No calçamento e que minha

Sombra fosse calcinada pelos seus muros.

Eu morria sem que você

Pronunciasse meu nome:

Um carniça

Não pode assinar tratados de paz

Nem propor composições bélicas, como diziam

Os poucos que se arriscavam a andar a pé e

Tampavam o nariz

E saltavam a carniça do gato,

Entres os muros protetores

E as cercas elétricas da cidade posto de gasolina.

Page 34: Os muros de uberlândia

Ler A Bolsa e a Vida

De Le Goff em Udi, segundo a doutrina do Acaso Objetivo

Na parte inferior do cérebro, na região que a ciência denomina de estriado,

reside o vício financeiro do jogador que se apaixona pelo risco. O estriado, ao provocar

ondas de calor que sobem pelo intestino do seu proprietário, também indica a presença

da buceta mais desejada de uma festa, razão pela qual o indivíduo que tem o estriado

volumoso geralmente acaba se acasalando com jovens advogadas, não importa quão

feias. O que este tipo de incauto não sabe é que do estriado sai um canal invisível que,

descendo pelo cu, faz uma ligação direta com o mais profundo dos infernos. A jovem

advogada com quem ele contraiu matrimônio, por ser ótima defensora das moedas que

ele insiste em não devolver vomitando, terá que passar o resto dos seus dias definhando

ao lado de seu túmulo, orando interminavelmente, prostituindo-se para os imensos

Page 35: Os muros de uberlândia

fantasmas dos banqueiros culturais. O coitado somente então entenderá que aquela

incômoda ardência em seu rabo não era fruto de prosaicas hemorróidas, mas sim um

presságio de que ele teria que passar a eternidade sentado num chão abrasivo, sob uma

sufocante chuva de fogo.

Hoje mesmo eu conheci uma dessas jovens e infelizes senhoras. Ao passar pelo

lúgubre cemitério mais conhecido como Procon, uma voz me intimou a entrar num de

seus mausoléus (o pertencente à família de mafiosos Nossocaixão). O lugar fedia a

miojo misturado com guaraná Mineiro. A moça mais parecia uma velhaca decrépita

enquanto me convidava para ser seu companheiro de refeição. “Ela deve estar querendo

dividir com os pobres o dinheiro conquistado de modo sórdido por seu marido”, pensei.

Porém, saí dali assustado quando a vi tirando o prato de dentro de uma daquelas gavetas

onde se guardam defuntos. O prato estava cheio de sapos e serpentes, que pelo fedor

deviam ter sido cozidos no enxofre.

Page 36: Os muros de uberlândia

O curso-fantasma

Um fantasma ensinando conceitos

Vazios a outros fantasmas,

Na boca do estômago de um grande fantasma, ou seja

O grande fantasma habitado

Por fantasmas contabilistas, fantasmas coletores de palavras

Mortas na respiração de um deus quase morto,

O grande animal envenenado

Com carne e vidro moído, ou seja

Vidro moído, a matéria-prima transparente

Na fabricação dos fantasmas, a multidão

Delirante dos fantasmas, a hemorragia divina,

Page 37: Os muros de uberlândia

As pessoas de vidro,

Os conceitos vazios, as palavras

Mortas na ponta da língua do fantasma

Orador e suas palavras de vidro moído, ou seja

Tudo isso

Colado no suor das pequenas metrópoles delirantes

Fantasmas, pesadelos de fantasmas herdeiros

De um fantasma que enterra fantasmas.

Page 38: Os muros de uberlândia

Santidade barata, quase gratuita

Melhor não ter nascido seria

Melhor ser esquecido, historiadores

Do futuro vomitarão este miasma

Pra cima dos inocentes?

O encanamento enferrujado sob

As avenidas rasgadas como planícies

No meio de um vale desértico

Se misturou como um enxerto

Em suas veias, querida.

Quantas derrotas até chegar aqui,

Você vive nos parâmetros

Dessa metodologia, ancorada.

Page 39: Os muros de uberlândia

Mas, se você guarda as ofensas

Como um tesouro? Como você gosta de dizer

Elas te permitem fazer um gancho

Com o mundo & se quando você

Abre a boca se nota que a saliva

Foi substituída pela lama que restou

Da devastação do cerrado, querida,

Em suas lentas, pegajosas palavras?

Eu sei, não é você

Nem sou eu, a culpa é do tempo,

Fazemos bem em ser esquecidos

Enterrados em pleno deserto, ao invés

De cemitérios.

Nunca foi tão fácil ser confundido

Com anjos, você suspira, parece ter se esquecido

Que você mesma cuspiu lama

Nas asas encardidas de uma coisa parecida.

Page 40: Os muros de uberlândia

Mimetismo imperfeito

A orquídea finge ser

Jesus plastificado

Como um galã esquecido

Dos filmes de sábado à noite,

Com o charme dos fumadores de haxixe,

Num convite estendido

Na pintura desbotada, azul.

A orquídea se faz passar

Por um bêbado que se emociona

Em lágrimas de cerveja

Page 41: Os muros de uberlândia

E se esquece da severidade imposta

Pela vida de imigrante e office boy

Ex-morador do zoológico de Brasília.

Atônitas, crianças

Que medem a distância das estrelas

Correndo com lanternas

Lêem Mein Kampf nos bueiros,

Livro em que a palavra

Deus é repetida mais de vinte vezes

Pelo autor que só tinha um testículo

(As crianças precisam atestar

O mal frente à inocência

Despetalada a cada dia):

As orquídeas colonizaram o mundo

Por meio de disfarces:

A imitação imperfeita

Das flores

Desdobra primaveras.

Page 42: Os muros de uberlândia

Na antevéspera de fugir

Gato se esconde no lençol –

O medo dos ecos

Que agora moram na sala.

* * *

Os ecos chegaram primeiro

Os ecos serão os últimos

Depois da luz apagada e da porta –

Trancados por fora.

* * *

Sala branca, território

Page 43: Os muros de uberlândia

Livre para os barulhos da rua:

Gritaria de ecos na sala vazia.

* * *

Gato se esconde na mala –

Conversa de ecos

Na sala desabitada.

* * *

Onde o gato se meteu? –

Ecos conversam

Sobre o medo na sala branca.

* * *

Gato e ecos trocam

Idéias sobre o vazio:

Luz apagada, sala sem móveis,

Mala enviada como relíquia

No caminhão de mudanças.

* * *

Na chegada eram dois

Gatos e oito ecos, na saída

Um gato a menos e quatro

Ecos a mais.

* * *

Gatos se tornam ecos

Page 44: Os muros de uberlândia

Quando morrem na cidade

Vazia, ecos são guardados

Nas malas, como relíquias.

Nas malas vão vestígios das salas, vazias.

Page 45: Os muros de uberlândia

Entrar – sair – do – no – Inferno Você é um pretenso filósofo um pretenso poeta um pretenso outsider um pretenso professor um pretenso qualquer coisa da mesma forma que os outros estão pretensamente alegres pretensamente tristes pretensamente na sua, quer dizer na deles, em suma o Inferno é mera pretensão como outra qualquer, não interessa qual é a sua das máscaras que são pretexto de música que é pretexto de vida que é pretexto de longas caminhadas que são pretexto de morte que é um pretexto do Inferno que é um pretexto de você que é um mero pretexto, quer dizer talvez um mágico faça sumir o gato do apartamento como pretexto tardio e isso vai se repetir inúmeras vezes sempre como pretexto de outra coisa, você vai dizer que não era bem isso o gato pode ter sido enforcado, deixa eu dizer de novo de outro jeito, agora vai mas vai se repetir como os erros de uma máquina estressada, assim: A sua língua é subliminar, todas as línguas são subliminares na montanha-russa supralunar, não estamos falando de torre de babel, certo?, não tem nada a ver, estamos falando de onde tudo o que se diz é pretexto de uma música inexistente, não há música nos ruídos, mas eles querem dizer alguma coisa ou você quer dizer alguma coisa naquilo que eles poderiam querer dizer, você não é um compositor sacramentado, você às vezes não suporta os ruídos, quer dizer “conversas”, eles têm que ser combinados como se alguém mudasse aleatoriamente a sintonia do rádio e isso, no final das contas, desse como resultado alguma música, algum esboço de música que é, aí está, quer dizer o Inferno, esta música dos diabos Você pode inventar algo assim como uma montanha russa platônica e tecer comentários sobre a esfera de cristal, o éter, isso como alegoria, será mesmo que não é literal?, sobre a natureza líquida do tempo etc, os outros pensam que ele deve estar mentindo, cheio de pretensões ou pretextos, vão te filmar e colocar no youtube pra você ver lá o seu fantasma que (como todas as aparências) não mente, quer dizer mas a questão não é quem está fingindo e sim o que está sendo fingido quando todos estão fingindo, se todos não caíram, com você, dentro daquela velha história do mentiroso que só engana a si mesmo, o mais dantesco dos otários Outros vomitam. Você sabe: é seu o vômito deles e as aparências (por isso, os fantasmas) não mentem, quer dizer Você pode caminhar à vontade neste lugar em que nada muda de lugar você vai ter a sensação de caminhar em círculos mas aqui não há círculos você caminha em linha reta, para onde?, com sede, uma sede tão profunda que te faz criar caretas, taí, você virou uma caricatura, mas é aquela velha história da máscara que esconde o que mesmo? nada e do pesadelo de uma pessoa que bebe água, mas a água é ar e a sede continua e a pessoa acorda e percebe aliviada que era apenas sede mesmo e vai beber água e percebe que a água virou ar de novo, quer dizer as tais máscaras que ficam grudadas na cara, como as aparências (por isso os fantasmas) não mentem O Inferno não está para além da vida, está logo abaixo da vida, é o que sustenta a vida e permite suas caminhadas e devaneios, o Inferno não é um castigo, é mais um pretexto para redenções súbitas e passageiras, isto é, pequenas passagens para o Paraíso,

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que também, por si mesmo, não é nada, sendo o Paraíso um pretexto do Inferno – ambos, pretextos da Realidade que por fim não é nada além de ruídos que solicitam, conclamam, forçam a barra no sentido de que alguma melodia saia desse vômito todo Por exemplo, e isso é literal, você pode pensar em mergulhar observando com a devida concentração os olhos que ficam negros quando ocultos por uma máscara dourada – não se trata de uma máscara “poética” de um carnaval veneziano – e a garota que está usando a máscara não simboliza nada, além de ser bonita, nada de metáforas, por favor, trata-se apenas de uma forte variação de eletricidade, um curto-circuito como aquele que te fez desviar os olhos quando você ainda estava pretensamente em si, no pleno controle de suas (risíveis) capacidades então você resolveu se preservar, quer dizer hoje não, ainda sinto uma pedra, quer dizer uma perda, na boca do estômago e agora momentos depois você caiu no limiar dos olhos que devem estar por trás da máscara, já que é pra brincar de pop cult cite o campo gravitacional das naves em guerra nas estrelas, você se lembra quando ela tirou a máscara, foi antes de tudo, naquela hora em que tudo era pretexto, mas no exato instante em que, em que mesmo?, alguém grita e os seus (quer dizer, não os dela) olhos explodem

Você por um momento pensa em como seria bela uma recaída romântica, numa hora dessas?, e cantar a luz negra de um destino cruel ilumina esse teatro sem cor onde estou representando o papel de palhaço do amor e ri notando o que poderia ter de literal nisso tudo Agora se o seu amigo te revelar que enfim você está morto há uns dez minutos, e um seu brother não mentiria numa hora dessas, e você sabe muito bem no que isso vai dar, em nada, porque tudo é alegoria (principalmente o Paraíso, o Inferno e a Realidade), aí você está frito rapaz, você definitivamente estará morto, até quando Não é nada disso o que ele diz Não me venha com essa você pode se lembrar do Dom Quixote que não via um elmo no lugar de um penico ele dizia que aquilo era um elmo enquanto para os outros aquilo era um penico, aquilo não é nada além de aquilo, mas aquilo não presta pra nada, é como vômito, ao contrário de elmo ou penico que não existem, mas, sei lá, servem pra alguma coisa, você não serve pra nada como a perda não serve pra nada e nem mesmo as máscaras servem pra nada, o que não impede que Dom Quixote seja ou aja como ou fingisse ser um louco, como numa doença psiquiátrica cujo sintoma é fazer-se de louco, a loucura de quem pretende ser louco, ou aquela frase tipo Napoleão Bonaparte foi um louco que acreditou ser Napoleão Bonaparte, ou como diria um desses psicólogos de poltronas televisivas, cada um vive a sua fantasia

Para os outros você e seus erros visíveis e risíveis é um lance inesperado, do seu ponto de vista, você e seus erros risíveis e visíveis, ah não, isso é inacreditável, quer dizer, por fora a surpresa e por dentro a perplexidade com as suas cagadas e você sempre achou canastrão e ridículo o choro simulado sem lágrimas e agora você está no Inferno e não tem lágrimas para chorar e melhor não falar de perdas, quer dizer derrotas, mas é só disso que você está falando, certo?, nas entrelinhas é isso, ponha mais essa na conta do vômito, de qualquer coisa que seja aquilo, melhor não comentar, aí é que você se engana, o Inferno não é o amor que ainda ontem se enforcou com o próprio cinto e

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deixou um bilhete tão cheio de revelações como não se esqueça de pagar a conta da luz etc, o papo é outro Você estará grunhindo quando disser que são todos porcos E todo esse egocentrismo, peraí, não vai dar em nada, você vai sair do Inferno como entrou, de mãos vazias, e quanto aos pequenos paraísos e pelo menos a eletricidade, é isso aí, nada vai dar em nada, você vai ser, na pior das hipóteses, uma paródia, um pretexto, algo assim como o sábio da montanha, na melhor uma sabedoria possível seria ficar nos ruídos sem procurar uma música, mas a partir de então você só falará por ruídos e mais uma vez sua sabedoria será inútil, e se isso fará de você um santo, um otário ou um xarope tanto faz A viagem foi boa, uma festa dos infernos