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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Produções Didático-Pedagógicas
Versão Online ISBN 978-85-8015-079-7Cadernos PDE
II
Ficha para identificação da Produção Didático-pedagógica – Turma 2014
TÍTULO: A FUNÇÃO HUMANIZADORA DA LITERATURA: A QUESTÃO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
Autor: NEIDE BIODERE
Disciplina/Área: Língua Portuguesa / Linguística aplicada e ensino
de Língua Portuguesa.
Escola de Implementação do Projeto e sua localização:
Colégio Estadual Bento Mossurunga
Município da escola: Ivaiporã
Núcleo Regional de Educação: Ivaiporã
Professor Orientador: Paulo Roberto Almeida
Instituição de Ensino Superior: UEL
Relação Interdisciplinar:
Sociologia e arte.
Resumo:
A opção de realização deste trabalho foi pelo
formato de Unidade Didática, organizada a partir de
seleção de textos literários com atividades de leitura
relacionadas aos mesmos. Nessas atividades
privilegiei a leitura crítica com exercícios de análise
da linguagem e dos significados do texto. O objetivo
principal do trabalho é que ao aplicar os conteúdos
preparados o professor possa oferecer a seus
alunos perspectivas de leituras interessantes sobre
textos da literatura e que, a partir dessas atividades,
os alunos compreendam o uso da língua nesses
textos e suas variantes e, compreendam também a
função humanizadora da literatura, com sua
capacidade de levar ao homem o poder de refletir
sobre si e sobre as pessoas com as quais convive e
pode conviver. É importante ensinar a interpretação
por meio de análise crítica de textos literários,
fazendo com que os alunos pensem sobre a
realidade do homem e suas manifestações
linguísticas, que compreendam como estas são
retratadas nas obras, com suas especificidades para
que reconheçam manifestações de poder e
alienação, discriminação e posicionamentos.
Palavras-chave: Literatura; variação linguística; humanização
Formato do Material Didático: UNIDADE DIDÁTICA
Público:
3º ANO DO ENSINO MÉDIO
1 APRESENTAÇÃO
Professores,
A opção de realização deste trabalho foi pelo formato de Unidade Didática, a
qual está organizada a partir de seleção de textos literários com atividades de leitura
relacionadas. Nessas atividades privilegiei a leitura crítica com exercícios de análise
da linguagem e dos significados do texto. O objetivo principal do trabalho é que ao
aplicar os conteúdos preparados o professor possa oferecer a seus alunos
perspectivas de leituras interessantes sobre textos da literatura e que, a partir
dessas atividades, os alunos compreendam o uso da língua nesses textos e suas
variantes e, compreendam também a função humanizadora da literatura, com sua
capacidade de levar ao homem o poder de refletir sobre si e sobre as pessoas com
as quais convive e pode conviver. Ainda, os textos literários se apresentam em
diálogo com outros textos que representam as semelhantes temáticas e discussões
apresentados em outros gêneros, em outros discursos, com outras variantes da
língua.
A análise crítica de textos literários é importante, porque faz com que os
alunos pensem sobre a realidade do homem e suas manifestações linguísticas,
compreendam como estas são retratadas nas obras, com suas especificidades.
Essa leitura crítica pode transformar e humanizar, fazer o aluno olhar para dentro de
si, olhar à sua volta e refletir sobre o mundo.
Também é importante o reconhecimento dos temas discutidos pela literatura
em outros textos de outros tempos e em outras formas e discursos e linguagens
para que comparem as várias formas de manifestações e percebam como a
literatura manifesta opiniões e promove reflexões.
O ensino de literatura não está cumprindo seu principal objetivo que é
incentivar a leitura sensível e crítica, que transforme o leitor para que perceba todo o
jogo de palavras e compreenda as histórias, os temas poéticos e relacione com a
vida, com a sociedade, com as pessoas, seus problemas, sua linguagem. As aulas
de literatura, em sua maioria, baseiam-se em modelos ditados por livros didáticos
que por sua vez se preocupam em ensinar de forma rápida, por roteiros e modelos
que cumpram com o planejamento de conteúdos pré-estabelecidos e determinados
pelas questões cobradas em concursos e vestibulares.
Isso leva a um ensino superficial de leitura e que não produz leitores com
capacidade de abstrair temáticas e analisar criticamente um texto. É importante
refletir sobre uma prática que vise ao conhecimento de língua pelo contexto e pela
humanização da sociedade. Este trabalho se caracteriza por uma proposta de
intervenção que visa à aplicação de unidades didáticas elaboradas a partir de textos
literários e de variação linguística, visando à humanização por meio de incentivo e
sensibilização à leitura crítica. Para tal foram selecionados textos dos seguintes
autores: Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo
Neto, Jorge de Lima, Lima Barreto e, ainda, estabelecendo diálogos com outros
textos poéticos e musicais, estabelecendo a intertextualidade pela temática e
contextos de uso da língua.
Com a elaboração deste trabalho, espero atingir os seguintes objetivos:
a) levar o aluno à reflexão, por meio de leituras e análises de obras literárias,
sobre as variantes da língua e a relação com os problemas sociais;
b) analisar a transformação e humanização do estudante através do trabalho
realizado com as leituras dos textos literários e buscando por meio de
entrevistas suas opiniões a respeito de temas discutidos pelos textos;
c) criar situações de produção de textos em que o aluno possa manifestar a
sua sensibilização sobre o preconceito linguístico e sua visão analítica em
relação à linguagem e aos contextos sociais.
Para aplicação e execução do projeto serão necessários os seguintes
recursos: livros de literatura de escritores brasileiros, TV pen-drive ou projetor de
slides; textos a serem buscados na internet, vídeos complementares sobre as obras
e textos utilizados.
As questões iniciais que direcionam esta unidade de ensino para o professor e
para o aluno são:
Como fazer para que o aluno compreenda o papel humanizador dos textos
literários? Como esse conhecimento pode contribuir para a formação do
aluno?
Como definir variações linguísticas e compreender a sua importância para o
ensino de língua portuguesa? Como compreender essas variações nos
textos literários e quais influências elas exercem para a construção do
sentido do texto?
É possível comparar o uso de variantes linguísticas em textos de diferentes
épocas como o poema de séculos atrás e músicas atuais? Como essas
comparações podem contribuir para o incentivo à leitura crítica e como essas
leituras podem sensibilizar para a compreensão da função humanizadora da
literatura?
1.1 CONSTRUINDO AS RESPOSTAS
Cândido (1989, p. 110), em seu artigo “Direitos Humanos e Literatura”,
destaca a importância da literatura na sociedade, demonstrando também como
deveríamos agir sobre direitos humanos, pois pensar sobre tal assunto “tem um
pressuposto: reconhecer que aquilo que consideramos indispensável para nós é
também indispensável para o próximo”. Pois é próprio do ser humano acreditar que
seus direitos sempre são mais urgentes que do outro.
Assim, temos os bens compressíveis, que seriam coisas, objetos de nosso
interesse, sem ser algo verdadeiramente necessário para nossa sobrevivência. E os
bens incompressíveis, que não podem ser negados a qualquer indivíduo, pois é algo
de que precisamos, aquilo que é necessário para uma vida digna: comida, saúde,
educação, e também a fruição da arte e da literatura, pois segundo Candido, ela age
no subconsciente e no inconsciente do ser humano. (CÂNDIDO, 1989).
Ainda, o autor ressalta que:
... é tarefa da escola possibilitar que seus alunos participem de diferentes práticas sociais que utilizem a leitura, a escrita e a oralidade, com a finalidade de inseri-los nas diversas esferas de interação. Se a escola desconsiderar esse papel, o sujeito ficará à margem dos novos letramentos, não conseguindo se constituir no âmbito de uma sociedade letrada. (DCES, 2008, p.48)
Daí a importância do reconhecimento das variações da língua em contextos
literários, porque o autor de textos literários revela a essência, buscando aproximar
ao máximo do personagem, caracterizando-o e nessa caracterização também entra
o sua fala, o seu discurso, o que compõe o personagem em sua ideologia, sua
crença, seu contexto sócio econômico.
Para se compreender bem esse complexo fenômeno de variação é
interessante o uso do texto literário, já que é rico em recursos e porque reflete a
própria realidade, criando mundos possíveis, espelhando a diversidade da
linguagem e a multiplicidade da sociedade. Por meio do texto literário, o professor de
língua materna pode refletir junto com o aluno sobre os recursos linguísticos da
obra, ampliando-lhe a competência linguística.
A conscientização da variação linguística capacita o aluno a dar mais
verossimilhança a um texto construído por ele, por exemplo, na elaboração de um
texto narrativo, em que haja diversidade de vozes de personagens e de lugares
sociais. De posse da diversidade de recursos linguísticos, a produção textual passa
a ser atividade criativa de exposição da variação linguística. Nela, o aluno perfaz o
caminho “uso > reflexão > uso”, proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais.
(1998, p. 40)
A variação linguística nos textos literários configura-se assunto abordado em
outras ocasiões por linguistas brasileiros: Dino Pretti, em Sociolinguística: Os Níveis
da Fala – Um Estudo Sociolinguístico do Diálogo Literário (1977), abordou-a em
textos do Romantismo e do Modernismo brasileiro; Uchôa (2002), num trabalho de
linguística aplicada voltado para o ensino da variação. Nosso trabalho é norteado
por tais autores.
Primeiramente, fundamentaremos nossa reflexão sobre variação linguística e
sobre seu uso literário, utilizando como base teórica autores como Herculano de
Carvalho, Eugenio Coseriu, Dino Pretti, Carlos Eduardo Falcão Uchôa e Travaglia.
Em seguida, analisaremos alguns textos literários e diálogos possíveis com textos
musicais.
Os objetivos desta unidade são: i) levar os estudantes a perceberem os
elementos que determinam a linguagem os elementos a partir da consciência da
variação que determinada forma linguística goza no seio da comunidade, orientar o
educando a perceber que a língua pode ser um elemento de poder e de
discriminação e, que a partir dessa consciência perceba o quanto influencia em
determinados contextos; ii) levar o estudante a adequar sua linguagem aos diversos
contextos, interlocutores e temas. Com isso, estaremos contribuindo para que os
alunos tornem-se “poliglotas” em sua própria língua, como propôs Bechara (2004),
cooperando para o desenvolvimento de sua competência linguístico-comunicativa,
item relevante para sua cidadania. Por fim, para dialogar e contribuir com o trabalho
do docente de língua materna, sugeriremos um modo de trabalhar tal conto em sala
de aula, privilegiando a diversidade de vozes e de opiniões, preconizando
consciência dos elementos condicionantes da variação. Isso nos permitirá apontar
que há lugar tanto para a língua popular (a qual é muito relevante na literatura),
quanto para a padrão nas aulas de língua, sem prescindir da importância desta para
a desenvoltura social do educando.
Coseriu (2004) estabelece que a competência em linguagem depende sempre
de sua tríplice dimensão: os níveis do saber linguístico dos falantes, presente em
cada ato comunicativo. Consideramos, portanto, pertinente que o ensino de língua
seja fundamentado nos três níveis do saber linguístico, a saber:
▪ o nível universal – apresenta-se como aquilo que (re)conhecemos por linguagem em si, o que permite ao homem conhecer a realidade e comunicá-la ao outro. A ele correspondem um tipo específico de conteúdo e um tipo de saber: a designação e o saber elocucional. ▪ o nível histórico – apresenta-se como o que se designa por língua, que é o conjunto de técnicas linguísticas historicamente determinadas. A ele correspondem também um conteúdo e um saber: o significado e o saber idiomático. ▪ o nível individual – apresenta-se como a fala, concreta no ato comunicativo humano e na qual se atualizam os dois primeiros níveis. Assim como aos outros, correspondem a ele um conteúdo e um saber:
o sentido e o saber expressivo.
A escola precisa trabalhar sempre com o saber linguístico dos estudantes,
desenvolvendo atividades que articulem esses três níveis, pois esse saber é
fundamental para que ele adeque sua linguagem às inúmeras situações de
comunicação.
Travaglia (2004) chama atenção para o papel da variação da linguagem no
ensino de língua portuguesa, preconizando que sua presença contribui para suprimir
preconceitos o educando na adequação de sua linguagem aos diversos contextos
comunicativos exigidos socialmente. Sendo assim, é de suma importância trabalhar
a variação em sala de aula, cujo domínio por parte do aluno tornar-se-á útil no
desenvolvimento de sua competência linguística.
2 PROPOSTAS DE ATIVIDADES
ATIVIDADE I ORIENTAÇÕES: Professor(a), as atividades abaixo são propostas para que o estudante analise criticamente os textos e para que ele consiga perceber que a linguagem varia conforme os personagens são
retratados pelo autor. É importante que ele sinta que o personagem pode ser percebido em sua completude e características pessoais, ideológicas, classe social, crenças, costumes, meio onde está inserido. Também, é interessante que os estudantes interpretem que os personagens são revelados sob pontos de vista de um narrador que, a partir de seus valores, também demonstram subjetividade em suas descrições e elaboração da variante linguística. Na atividade I, que foi elaborada a partir da crônica de Lima Barreto, espera-se que o estudante consiga responder as primeiras questões e também relacione o tema abstraído do texto para expor ideias sobre a discriminação linguística em outros contextos.
Analisando a crônica “Uma outra” de Lima Barreto
1- Qual o tipo de narrador da crônica? Quais suas características?
2- Na crônica, o autor estabelece a diferença entre o papel do doutor e a das
pessoas comuns. Como apresenta essa divisão?
3- Como as variantes da língua são demonstradas nessa divisão? Dê
exemplos.
4- Qual a crítica presente no texto?
5- Explique o significado das expressões do texto:
Conhecendo um pouco sobre o autor:
Os episódios vividos por Lima na infância e as dificuldades que enfrentou na vida adulta devido à pobreza e a sua condição étnica exerceram influência sobre a visão crítica do escritor. O racismo sempre foi ‘uma pedra no caminho’ do autor desde os tempos de escola, em que o menino Afonso Henriques Lima Barreto era um sujeito retraído e isolado, por conta de sua cor. Na faculdade, “sofria constantes reprovações injustas e experimentava frontalmente a discriminação racial. Seu sentimento de revolta, suas atitudes pessimistas e seu complexo de inferioridade aumentam” (Prado, 1980, p. 4), levando o autor ao alcoolismo ainda na juventude. Lima Barreto sempre se caracterizou por uma atitude de rebeldia. Apesar de acusado de praticar incorreções e mau gosto, o escritor sempre soube fazer uso abrangente da linguagem para a comunicação militante de sua arte. De fato, na obra de Lima Barreto é difícil estabelecer limites entre o intelectual profundamente consciente das questões políticas e sociais e a estilística de sua literatura, que insistia em não adotar estilo algum; entre o jornalista sem piedade e temor, que de forma mordaz mostrava o lado grotesto dos homens, e o mulato sensível, que enchia as páginas de seu diário íntimo de angústias, vergonha e ressentimentos sobre as armaguras de sua vida, “tão parecida ainda com a senzala, e que o chicote disciplinador de outrora ficou transformado na dureza da pressão, na dificuldade do pão nosso de cada dia” (Antonio Houaiss (1956), apud Candido, 1987, p. 46).
a) “É doutor e basta, mesmo que seja em filosofia e letras, coisas muito
parecidas com comércio e navegação.”
b) – “Pois não! Que doutor é esse que não sabe abrir porteira? Não foi essa
a reflexão do caboclo?”
5-Essa história revela a visão que o narrador tem das diferenças sociais?
Justifique sua resposta.
6-Quanto ao título da crônica, sem ler história o que ele pode sugerir? O que
essa escolha sugere em relação à história e à crítica presente no texto?
7-Assinale a alternativa correta de acordo com o texto:
a- O homem é supersticioso porque não possui estudos;
b- As pessoas se auto discriminam porque não possuem estudos e porque
falam outra variante da língua;
c- O homem se coloca em posição de inferioridade quando possui menos
estudos que o outro;
d- O título de doutor em uma sociedade onde as pessoas não possuem
estudos e também são menos favorecidas economicamente representa
status de grande valor e determina a classe social;
e- Ser doutor não significa saber tudo em todas as áreas;
8- “"Quá, seu doutô! Quá! Quem é doutô sabe um pouco de tudo". Quis explicar a
diferença que existia entre um engenheiro e um médico. Os caipiras, porém não
queriam acreditar”. Que tipo de variação de linguagem aparece neste trecho? Você
concorda que essas variações podem diferenciar as pessoas? Como?
9-A partir da leitura desse texto, escreva um texto relatando um fato que também
retrata uma experiência de discriminação motivada pela variação de língua utilizada
no contexto.
ATIVIDADE II
ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS: Professor(a), na atividade II, o estudante deverá ler e analisar os textos musicais percebendo as variantes linguísticas de contextos, inclusive percebendo as diferenças sociais marcadas pela linguagem. Também a época distingue alguns elementos importantes na discussão temática. É importante que ele consiga relacionar os textos com a crônica de Lima Barreto, analisando a intertextualidade, que se dá pela linguagem e tema.
1-Analise e compare os dois textos abaixo – músicas com autores diferentes em
momentos diferentes. Ainda, vamos analisar como elas dialogam com a crônica
“Uma outra de Lima Barreto”
Diálogos entre a literatura e a música Cálice - Criolo
Como ir pro trabalho sem levar um tiro
Voltar pra casa sem levar um tiro
Se as três da matina tem alguém que frita
E é capaz de tudo pra manter sua brisa
Os saraus tiveram que invadir os botecos
Pois biblioteca não era lugar de poesia
Biblioteca tinha que ter silêncio,
E uma gente que se acha assim muito sabida
Há preconceito com o nordestino
Há preconceito com o homem negro
Há preconceito com o analfabeto
Mas não há preconceito se um dos três for rico, pai.
A ditadura segue meu amigo Milton
A repressão segue meu amigo Chico
Me chamam Criolo e o meu berço é o rap
Mas não existe fronteira pra minha poesia, pai.
Afasta de mim a biqueira, pai
Afasta de mim as biate, pai
Afasta de mim a cocaine, pai
Pois na quebrada escorre sangue,pai.
Pai
Afasta de mim a biqueira, pai
Afasta de mim as biate, pai
Afasta de mim a coqueine, pai.
Pois na quebrada escorre sangue.
Analisando a música
1-A música de Crioulo dialoga com o tema abordado por Lima Barreto na crônica
“Uma outra”. Explique quais as semelhanças entre os dois textos.
2-A música Cálice faz uma intertextualidade com outra música que tem o mesmo
título, que é do músico Milton Nascimento. Pesquise e explique o que elas
apresentam de semelhanças e diferenças. (aconselhável ouvir as duas músicas,
perceber os ritmos, ouvir as letras, cantar)
3-Qual a principal crítica presente na primeira estrofe?
4-Na música de Milton Nascimento qual o sentido da palavra Cálice?
5-E na música de Crioulo, qual o sentido da palavra “cálice”?
6-De acordo com o autor, por que a ditatura persegue Milton e a repressão persegue
Chico?
7-Mesmo dizendo que a sua poesia não tem fronteiras, pede o afastamento. O que
pede que seja afastado e por quê?
8- Explique os versos abaixo e dê a sua opinião sobre a visão do autor
“Há preconceito com o nordestino
Há preconceito com o homem negro
Há preconceito com o analfabeto
Mas não há preconceito se um dos três for rico, pai.”
9-Faça um levantamento das palavras que caracterizam a variante de linguagem de
cada texto lido.
10-Pesquise textos que trazem variantes linguísticas e caracterize essas variantes
de acordo com o contexto.
ATIVIDADE III
ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS: Agora, professores os estudantes terão que realizar a leitura da obra. Caso não haja a obra na biblioteca de sua escola, procure disponibilizá-la online para seus estudantes Depois da leitura, é importante que haja a exploração oral, com uma discussão sobre a mensagem dos textos, sobre a compreensão dos alunos sobre a obra, a contextualização da obra e do autor no período literário, bem como o estudo sobre o período histórico-político-social, a caracterização do movimento literário e das estéticas predominantes.
1- LEITURA DA OBRA “Bruzundanga” de Lima Barreto – (anexo 2)
Orientações didáticas:
Leitura da obra – disponibilizar a obra para os estudantes terem acesso à leitura.
Disponibilizar referências para a pesquisa sobre o autor, sobre o período literário e
estudos complementares;
Discussão oral sobre a obra - questionamentos sobre como são os personagens física
e psicologicamente, sobre os conflitos da história, análise dos espaços e sobre o
tempo das histórias.
Questões:
1. Fazer a resenha crítica da obra, respondendo às seguintes questões:
a)Como a obra foi organizada pelo autor?
b)Qual a descrição de sociedade feita por Lima Barreto? Que problemas ele
evidencia em suas descrições?
Segundo Campos (1988:24) Mais que temas, são
causas que Lima Barreto se cansou de polemizar: o
racismo, a política protecionista da República Velha, a
artificialidade dos intelectuais, a reverência ao
estrangeiro, o preconceito de classe (...) a briga por
dinheiro e poder
c)Como é a linguagem utilizada: formal, informal, coloquial, culta, etc A
escolha da linguagem interfere na leitura. Sim ou não? Por quê?
d)O que influenciou o autor seleção lexical na obra?
e)Qual a grande crítica presente na obra e como são apresentadas nas
crônicas?
f)Como a leitura dessa obra pode ajudar o leitor na compreensão de uma
sociedade e como essa leitura pode ajudar também a sociedade onde o
sujeito está inserido?
g)Qual o tema abordado por cada crônica?
h)Você considera a obra como satírica. Por quê?
i)Como a leitura desses capítulos em forma de crônicas podem ajudar o leitor
em sua vida pessoal?
j)Como a história pode contribuir para o leitor entender a população
brasileira?
2- Na crônica “OS SAMOIEDAS”, Lima Barreto satiriza a literatura bruzundanga.
Quais as principais críticas apresentadas e como elas refletem o
distanciamento da língua na sociedade?
3- Em “UM GRANDE FINANCEIRO”, Como o autor manifesta sua opinião sobre
a política e os políticos daquela sociedade?
4- Em “ A NOBREZA DA BRUZUNDANGA” o autor critica o valor da educação
na composição da sociedade. Como ele faz essa referência?
5- Em “A OUTRA NOBREZA DA BRUZUNDANGA” o autor se dedica a qual
tema e crítica?
6- Em “UM MANDACHUVA”, o autor explica como o presidente é escolhido.
Como era essa escolha? Qual a crítica sobre essas escolhas?
7- Em “ A SOCIEDADE”, capítulo XIII, como são estabelecidas as classes
sociais?
8-Em “UMA PROVÍNCIA”, há a descrição de Kaphet e os costumes dos mais ricos, belos, inteligentes e bravos indivíduos. Qual era o traço característico da população da província do Kaphet, da República da Bruzundanga? 9-No último capítulo em “OUTRAS HISTÓRIAS DA BRUZUNDANGA”, o autor destaca que o provo não dá valor aos poetas. Qual a razão dessa desvalorização? 10- No geral, qual a grande crítica da obra?
11-Retratar uma das crônicas para apresentação em grupo: Sugestões:
Filmagem de teatro adaptado da crônica feito pelo grupo;
Mesa redonda sobre a crônica;
Debate regrado sobre a crônica;
Teatro adaptado da crônica;
Contação da história da crônica;
ATIVIDADE IV
ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS: Professor(a), a atividade IV foi elaborada para que o estudante analise fragmentos de textos literários, estabelecendo a relação temática e a intertextualidade linguística por meio das características das variantes da linguagem. Peça para os alunos lerem as obras na íntegra e pesquisarem sobre o período literário em que as obras estão inseridas para que conheçam um pouco mais sobre a influência do período histórico-político-social e das estéticas predominantes. Importante disponibilizar para eles referências para leitura e também materiais expositivos sobre o período e sobre o autor.
Vamos analisar questão da variação linguística no fazer literário a partir
de dois fragmentos de textos literários importantes de nossa literatura. O
primeiro é do poema Y-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias, composto em
1851, peça literária reconhecida como monumento representante do
indianismo no movimento romântico no Brasil. O segundo, selecionado
no romance Feitiço da ilha do Pavão, de João Ubaldo Ribeiro (1997):
TEXTO 1
Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és! 185
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
“Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.”
(Y-Juca Pirama. Gonçalves Dias. Poesia completa, 1959)
TEXTO 2
Cadê tendente? Cadê Dão Filipe de Meulo Furutado? Cadê condenado pecador,
tendente estrumo?. UÁ! UÁ! Índio mata, índio dá carne de branco postadinha pra
guará, pra raposa, pra tatu, pra aribu, pra siri e pra mecê atecuri, na terra, no vento e
na maré! Índio pega toda gente e mata a dentada arrum-arrum, creque-creque,
ramo-ramo, racha cabeça, bebe sangue na coité, tuque-tuque ! Curuí-curuê, é com
vossimececê (RIBEIRO, J. U. O feitiço da ilha do Pavão, 1997, p. 36).
Questões:
1-Estabeleça uma comparação entre os dois discursos presentes nos textos,
considerando que os dois discursos apontados pertencem a figuras da mesma etnia
e cada um a seu modo representa o índio na formação da identidade brasileira.
2- Indique palavras do poema que são expressões que marcam o repertório
indígena? Pela quantidade, o que o texto sugere em relação ao vocabulário dos
índios naquela época? Justifique sua resposta
3-No segundo fragmento, como o autor caracteriza as manifestações linguísticas do
índio? É possível perceber dois estratos diferentes? Justifique sua resposta.
4- Por que o autor escolhe ocorrências de assimilação regressiva em Filipe por
Felipe; epêntese em Meulo por Melo, ou em Furutado por Furtado; aférese em
tendente por intendente; síncope em pra por para para escrever?
5-Com que intenção o autor usa o termo “postadinha”?
6-Quanto à composição, as onomatopeias que ocorrem são relevantes, por quê?
Copie os exemplos de onomatopeias e explique essas sonoridades.
ATIVIDADE V
ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS:
Professor, esta atividade propõe uma análise intertextual de poemas que tratam das variantes linguísticas de formas diferentes. Trabalhe para que ele perceba que no primeiro texto, o autor aborda indiretamente a diferença linguística pela própria manifestação comunicativa, já no segundo texto, o autor discute a própria metalinguagem na manifestação linguística de uma variação genuína e simples. Prepare uma discussão sobre essas questões com os alunos.
Leia o poema abaixo e realize a análise proposta: O Poeta da Roça Sou fio das mata, canto da mão grossa, Trabáio na roça, de inverno e de estio. A minha chupana é tapada de barro, Só fumo cigarro de paia de mío. Sou poeta das brenha, não faço o papé De argun menestré, ou errante cantô Que veve vagando, com sua viola, Cantando, pachola, à percura de amô. Não tenho sabença, pois nunca estudei, Apenas eu sei o meu nome assiná. Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre, E o fio do pobre não pode estudá. Meu verso rastero, singelo e sem graça, Não entra na praça, no rico salão, Meu verso só entra no campo e na roça Nas pobre paioça, da serra ao sertão. (...) Leia agora, um poema de um intelectual e poeta brasileiro, Oswald de Andrade, que, já em 1922, enfatizou a busca por uma "língua brasileira". Vício na fala Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados.
Patativa do Assaré era analfabeto (sua filha é quem
escrevia o que ele ditava), mas sua obra atravessou
o oceano e se tornou conhecida mesmo na Europa..
Questões para analisar os poemas
1- Quais palavras são consideradas variações de linguagem? Faça um levantamento
nos dois textos e explique essas variações de acordo com o contexto.
2- Ao ler, de qual meio o vocabulário é semelhante? Rural ou Urbano?
3- É possível ouvir pessoas nas cidades usando essas variantes?
4- Por que os autores escolheram essa variante para se expressar?
5- Quais os assuntos discutidos pelos dois poemas?
ATIVIDADE V
ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS:
Professor, nesta atividade abaixo, a proposta é o diálogo da poesia com as músicas, as quais abordam também uma variante específica da língua e que retrata de forma poética essa variante no estilo de música caipira. Espera-se que o aluno perceba o quanto uma variante retratada sem preconceito e com sensibilidade valoriza a forma de ver a linguagem elaborada a partir de textos literários e a relaciona a um meio social.
Diálogo entre a poesia e as músicas
Agora faça a análise dos textos abaixo
1-Faça uma relação das ocorrências fonéticas que caracterizam o dialeto caipira nos
fragmentos das letras musicais abaixo e analise o tipo de variante ocorrida.
2-Explique a escolha lexical e da variação nestes textos.
NOTA: No modo de expressão caipira, há muitas músicas consideradas sérias, mostrando a personalidade naturalmente saudosa do caipira, descendente do português emotivo e saudoso por natureza. Pode-se dizer que a música caipira está para o brasileiro o que o fado está para o português, e a viola, o instrumento que faz parte da vida do caboclo, é descendente da viola medieval portuguesa.. … comum notar traços claros do falar caipira na retirada do fonema /r/ do final dos verbos no infinitivo, assim como na supressão do plural redundante, como podemos notar em : /contá/ e / as história/.
3-Faça uma mudança de variante no primeiro texto e verifique as mudanças no
conteúdo.
4-As músicas utilizam a mesma variante dos poemas anteriores? Justifique sua
resposta com palavras dos textos.
5-As músicas falam sobre o mesmo assunto dos poemas? Justifique com
vocabulários dos textos.
A cruz do caminho Autores: Anacleto Rosas Jr. e Arlindo Pint Declamado Puxe a cadeira seu moço, Sente aqui um bocadinho, Vo conta o que significa Aquela cruiz do caminho. Seu moço todas as história cuntece por causa do amor, Mas esta é bem diferente, Não tem muié não sinhô Onde essa cruiz tá fincada, Naquele pedaço de chão, Há tempo foi interrado, Zico da Conceição. O Zico da Conceição, Cantadô i bom violero, E tinha a voiz mais bunita, De tudo o sertão intero. Quando garrava na viola, E começava a cantá, Cantava moda bunita, Fazia a gente chorá. Cantado Fizemo a urtima viage Foi l· pro sertão de Goiai. Fui eu e o Chico Mineiro também foi um capataiz. Viajemo muitos dia pra chega em Ouro Fino aonde nois passemo a noite numa festa do Divino.
A festa tava tão boa mas ante não tivesse ido o Chico foi baleado por um home desconhecido. Larguei de compra boiada. Mataram meu cumpanheiro. Acabou o som da viola, acabou seu Chico Mineiro. Despoi daquela tragédia fiquei mais aborecido. Não sabia da nossa amizade. Porque nóis dois era unido. Quando eu vi os seus documentos me cortou meu coração vim sabe que o Chico Mineiro era meu ligítimo irmão
3 CRONOGRAMA DAS AÇÕES A SEREM REALIZADAS NA EXECUÇÃO DA PRODUÇÃO DIDÁTICA
Período Ações
Agosto-2015
Divulgação do projeto para os alunos, convite para que se inscrevam e sensibilização para que participem do projeto em horário de contra turno. Início do curso com os alunos para a aplicação das atividades, inicialmente, com exposição dos conteúdos.
Será trabalhada a atividade I.
Setembro-2015
Continuidade da aplicação das atividades em forma de aula, com exposição, leitura e estudos dirigidos.
Será trabalhada a atividade II e III
Outubro-2015
Continuidade da aplicação com a atividade IV e V. Encerramento do curso e avaliação.
REFERÊNCIAS
BAGNO, M. Preconceito Linguístico. O que é como se faz. 50. ed. Rio de janeiro: Loyola, 2008, p. 207 BAGNO, M. Mas o que é mesmo variação linguística? In: —————— Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola, 2007, p.35-57. CANDIDO, Antonio. Direitos humanos e literatura. In.: FESTER, A. C. Ribeiro e outros. São Paulo: Brasiliense, 1989. __________. A literatura e a formação do homem. Ciência e Cultura. 24 (9): 803-809, set, 1972. COSERIU, Eugenio. Do sentido do ensino da língua literária. In: Confluência, Nº 05, 1993, p. 29-47. ICHIKAWA, C. S. Variação Linguística e o ensino de ortografia: Uma variação teórica. Unopar Cient., Ciênt. Hum. Educ., Londrina. , v. 4, n. 1, p. 43-46, jun.2003 LAJOLO, Marisa. O que é literatura. São Paulo: Brasiliense, 1981 (Col. Primeiros Passos). BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais – Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental – língua portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental MEC, 1998. PRETI, Dino. Sociolinguística os níveis de fala um estudo sociolinguístico. Nacional: São Paulo, 1974
TRAVAGLIA, L. C. Concepção de gramática. Gramática e interação. São Paulo: Cortez, 2005, p. 24-37. UCHÔA, Carlos Eduardo Falcão. O ensino da gramática: caminhos e descaminhos. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. ______. Texto e ensino: análise da variação linguística na narrativa literária. Confluência, Nº 24, 2002, p. 83-97. ______. Fundamentos linguísticos e pedagógicos para um ensino abrangente e produtivo da língua. Confluência, Nº 19, 2000, p. 62-75. SITES http://www.culturabrasil.org/zip/bruzundangas.pdf http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp
ANEXO 1
Lima Barreto
Uma outra
- É um engano supor que o povo nosso só tenha superstições com sapatos
virados, cantos de coruja; e que só haja na sua alma crendices em feiticeiros, em
cartomantes, em rezadores, etc. Ele tem, além dessas superstições todas, uma
outra de natureza singular, partilhada até, como as demais, por pessoas de certo
avanço mental.
Dizia-me isto, há dias, um meu antigo companheiro de colégio que se fizera
engenheiro e andava por estes Brasis todos, vegetando em pequenos empregos
subalternos de estudos e construção de estradas de ferro e até aceitara simples
trabalhos de agrimensor. Em encontro anterior, ele me dissera: "Antes eu tivesse
ficado nos correios, pois ganharia agora mais ou menos aquilo que tenho ganho com
o 'canudo', e sem canseiras nem maçadas". Quando se formou já era amanuense
postal.
Tendo ele, daquela vez, me falado em superstição nova do nosso povo que
observara, não pude conter o meu espanto e perguntei-lhe com pressa:
- Qual é?
- Não sabe?
- Não.
- Pois é a do doutor.
- Como?
- O doutor para a nossa gente não é um profissional desta ou daquela
especialidade. É um ser superior, semidivino, de construtura fora do comum, cujo
saber não se limita a este ou aquele campo das cogitações intelectuais da
humanidade, e cuja autoridade só é valiosa neste ou naquele mister. É onisciente,
senão infalível. É só ver como a gente do mar do Lloyd, por exemplo, tem em grande
conta a competência especial dos seus diretores - doutor. Todos eles são tão
marítimos como um nosso qualquer ministro da Marinha nouveaugens, entretanto,
os lobos-do-mar de todas as categorias não se animam a discutir a capacidade de
seu chefe. É doutor e basta, mesmo que seja em filosofia e letras, coisas muito
parecidas com comércio e navegação. Há o caso, que tu deves conhecer, daquele
matuto que se admirou de ver que o doutor por ele pajeado, não sabia abrir uma
porteira do caminho. Lembras-te? Iam a cavalo...
- Pois não! Que doutor é esse que não sabe abrir porteira? Não foi essa a
reflexão do caboclo?
- Foi. Comigo, aconteceu-me uma muito boa.
- Qual foi?
- Andava eu perdido numas brenhas com uma turma de exploração. O lugar
não era mau e até ali não houvera moléstias de vulto. O pessoal dava-se bem
comigo e eu bem com ele. Improvisamos uma aldeia de ranchos e barracas, pois o
povoado mais próximo ficava distante umas quatro léguas. Morava eu num rancho
de palha com uma espécie de capataz que me era afeiçoado. Dormia cedo e erguia-
me cedo, muito de acordo com os preceitos do homem Ricardo. Uma noite não
devia passar muito das dez - vieram bater-me à porta. "Quem é?" perguntei. "Somos
nós." Reconheci a voz dos meus trabalhadores, saltei da rede, acendi o candeeiro e
abri a porta. "Que há?" "Seu doutô! É u Feliço qui tá cô us óios arrivirados pra riba.
Acode qui vai morrê..." Contaram-me então todo o caso. O Felício, um trabalhador
da turma, tinha tido um ataque, ou acesso, uma súbita moléstia qualquer e eles
vinham pedir-me que acudisse o companheiro. "Mas", disse eu, "não sou médico,
meus filhos. Não sei receitar". "Quá, seu doutô! Quá! Quem é doutô sabe um pouco
de tudo". Quis explicar a diferença que existia entre um engenheiro e um médico. Os
caipiras, porém não queriam acreditar. Da mansidão primeira, foram se exaltando,
até que um disse a outro um tanto baixo, mas eu ouvi: "A minha vontade é aprontá
esse marvado! Ele u qui não qué é i. Deixa ele!" Ouvindo isto, não tive dúvidas. Fui
até ao barracão do Felício, fingi que lhe tomava o pulso, pois nem isso sabia,
determinei que lhe dessem um purgante de óleo e...
- Eficaz medicina! refleti.
- ...depois do efeito, umas cápsulas de quinino que sempre tinha comigo.
- O homem curou-se?
- Curou-se.
- Ainda bem que o povo tem razão.
Vida urbana, 6-3-1920
ANEXO 2 bruzundangas.pdf - http://www.culturabrasil.org/zip/bruzundangas.pdf