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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO ... · A poesia que relaciona o texto e a imagem, sugere grau de ... que compõem um poema. Aprendemos que, para Arnaldo

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

ARNALDO ANTUNES E A OBRA PSIA: recepções de leitura

Luis Carlos Cavalini1

Maria de Lourdes Rossi Remenche2

RESUMO: Este artigo expõe os resultados do projeto intitulado: ARNALDO ANTUNES E A OBRA PSIA: RECEPÇÕES DE LEITURA e tem por objetivo relatar a importância do trabalho ante a poesia experimental com os alunos do Ensino Médio. Esta produção constitui a última etapa do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE); espaço concedido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED/PR) ao docente de rede pública estadual para a sua formação e tem a fundamentação teórico-metodológica centrada no uso do Método Recepcional, elaborado pelas autoras Maria da G. Bordini e Vera T. Aguiar (1993), considerando os pressupostos da Estética da Recepção. O Projeto de intervenção pedagógica, e a Unidade didática, materiais centrais das discussões levantadas neste artigo, têm como objeto a obra Psia, publicada em 1986 e que lançou nacionalmente o referido multiartista como poeta. A escolha justifica-se pela necessidade do aluno-leitor perceber-se como coautor, como um sujeito ativo, elemento essencial à produção de sentido do texto, também porque a leitura expande sua proficiência, seu repertório cultural, sua visão de mundo e suas relações sociais cotidianas. Os tópicos do projeto levam a uma alternativa metodológica para o ensino e aprendizagem da poesia em sala de aula, dando enfoque à tríade autor-texto-leitor através das etapas da teoria recepcional, trabalhando com o horizonte de expectativas. PALAVRAS–CHAVE : Leitura. Poesia. Experimentalismo. Interação. Estética da

Recepção.

INTRODUÇÃO: Buscar novas experiências ante o trabalho com a poesia, na escola, é

instigar o aluno e leitor a conhecer e compreender as inovações que estão

acontecendo na arte com a palavra. Dessa forma, estimular o contato dos alunos

com a variedade de relações entre ela e a imagem, é proporcionar um olhar mais

crítico diante da arte contemporânea, afinal exemplos das artes gráficas e

composições incomuns cercam o leitor cotidianamente, inclusive na literatura.

Valorizar essa nova relação é estabelecer um elo mais forte entre o leitor -

que vê poesia não só de forma tradicional, no papel, mas também na multiplicidade

1 Professor PDE, Licenciado em Letras, Especialista em Interdisciplinaridade na Educação Básica. Vinculado ao Colégio Estadual São Cristóvão, em São José dos Pinhais. E-mail: [email protected]. 2 Professora Orientadora, Doutora em Semiótica e Linguística pela faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de São Paulo. Vinculada ao Departamento Acadêmico de Linguagem e Comunicação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná- UTFPR. E-mail: [email protected].

que a própria arte digital proporciona – e o professor que avança positivamente para

um trabalho docente mais amplo e significativo.

O leitor de hoje, não é o mesmo que há tempos e é neste ponto que o

trabalho com a experimentação poética feita por Arnaldo Antunes faz a diferença

para um melhor aproveitamento do tempo e espaço escolar que têm as aulas,

principalmente aquelas destinadas à literatura no Ensino Médio. Antunes traz

características essenciais para a poesia: o desafio do autor em levar ao leitor a

possibilidade de criticar a obra publicada, possibilitar novos olhares que fogem a

uma interpretação banal ou superficial, além de ampliar as possibilidades

expressivas e reflexivas no processo de criação artística contemporânea, nas mais

variadas artes.

Assim, este artigo foi desenvolvido a partir do Projeto de Intervenção

Pedagógica intitulado: Arnaldo Antunes e a obra Psia: recepções de leitura,

realizado no Colégio Estadual São Cristóvão – Ensino Fundamental e Médio, no

município de São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba, durante o

período de fevereiro a junho de 2014, como etapa prática do Programa de

Desenvolvimento Educacional da SEED/PR.

Trabalhar a leitura de poemas precisa ser um passo planejado pelo professor

dentro da sala de aula, pois além de ser uma oportunidade de pesquisa participativa

– na qual o envolvimento entre docente e os leitores envolvidos apropriam-se do

texto - há a percepção de coautoria, deslocando o aluno de mero leitor passivo a

sujeito produtor de sentidos. Destaca-se a importância da leitura, uma vez que – por

meio dela - o sujeito percebe seu nível de conhecimento, questiona, incorpora novas

ideias, amplia o aprendizado, construindo novos pensamentos.

Tendo em vista a formação do leitor criativo, capaz de interpretar um texto e

expressar ideias que foram produzidas atividades sob os encaminhamentos teóricos

da Estética da Recepção, destacada nas Diretrizes Curriculares Estaduais de nosso

estado, as quais apontam que esses pressupostos buscam a formação de um leitor

que interage com outros leitores, o texto e - por conseguinte - com o próprio autor,

sendo capaz de sentir e demonstrar o que sentiu.

O objetivo principal deste artigo é revelar que o contato intenso com várias

experimentações poéticas de Arnaldo Antunes contribui de forma significativa para

que conquistas sejam alcançadas no ensino da Língua Portuguesa: mostrar que há

textos que interagem com o conhecimento de mundo do aluno- leitor, que é possível

interpretar um poema, mesmo que esse seja diferente daquilo que se perpetuou

como tradicional nas práticas de leitura em sala de aula. Também que a palavra

pode ser multifacetada e cada um dá ênfase conforme sua visão de mundo e suas

experiências.

Arnaldo Antunes expõe na obra Psia temas que rodeiam o homem

cotidianamente. O autor: poeta, cantor, artista plástico, compositor se baseia numa

proposta que dá ênfase à língua viva, dialógica, em constante movimentação,

permanentemente reflexiva e produtiva. Tal enfoque auxilia o professor, na adoção

de diferentes práticas de linguagem como ponto central do trabalho pedagógico de

leitura literária e é uma mudança, um avanço positivo diante do papel do ensino da

Língua Portuguesa, sobretudo nos anos finais da Educação Básica.

1. A leitura como interação entre sujeitos e constr ução de sentidos

O passo inicial dos estudos foi desenvolvido com leituras para a elaboração

do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola e, para isso, selecionamos

algumas leituras para fundamentar teoricamente a problemática que nos propomos a

estudar. O próximo passo foi a elaboração da Produção Didático – pedagógica,

constituída de uma Unidade didática pautada, sobretudo, no Método Recepcional

sugerido por Bordini & Aguiar (1993).

O professor não pode perder a oportunidade de trabalhar com a poesia em

suas aulas, pois ela é um instrumento que valoriza os seres humanos em seus

questionamentos, emoções, pensamentos e percepções. Nesse sentido, o trabalho

com a poesia que se mune de muitos recursos, ditos não tradicionais, não poderá

ser deixado de lado nas escolas, oportunizando a apresentação e ampliação dos

diversos pontos de vista dos leitores. Portanto, “a poesia é conhecimento, salvação,

poder, abandono”, destaca Otávio Paz (1982, p. 15).

Assim, o ponto central do desenvolvimento do projeto foi leitura de poemas

em sala de aula, colaborando para a interação entre sujeitos e re (construção) de

sentidos, auxiliando o aluno a perceber que o ato da leitura - sob o encaminhamento

da Estética da Recepção - não é decodificação de signos e aquele que lê não é

passivo diante do texto, mas um “sujeito” que interpreta o mundo, reconhece a

intenção do autor e que – pela leitura em diálogo com o escritor – tem o direito de

dar novas intenções ao objeto lido, ou seja, produzir novos sentidos.

Compreendendo o contexto de criação e o momento do ato da leitura,

levantou-se a possibilidade de ampliação do conhecimento social e a participação

efetiva no mundo letrado. Com a leitura de poemas e textos diversos, comparando

autores e conceitos de “poesia”, o leitor passou a perceber que ela pode estar

presente assistindo a filmes, músicas, apreciando uma escultura, uma tela, a

natureza.

Ocorre que a palavra poesia abrange sentidos que vão além da linguagem verbal, oral ou escrita. Ela também se refere a um universo muito mais amplo e menos exclusivo ou especializado que o do livro e da leitura. Que tem a ver com o universo todo da cultura, tem a ver com o ar que nos envolve, um filme pode ter poesia, um gesto comum ou excepcional, pode ter poesia. A poesia está no ar. (MORICONI, 2002, p.8-9).

Para Candido (1972), a literatura é vista como a arte que transforma o

homem. Ela atua sobre o leitor de forma a preencher sua necessidade de fantasia,

desempenhando uma função psicológica; é capaz de ampliar as percepções do

leitor sobre o mundo e sobre seus iguais, como função de conhecimento do mundo e

do ser.

Dinamizou-se tal discussão, expondo-se que, historicamente, o ensino de

Literatura no Ensino Médio, tem se fundamentado em um ensino estruturalista e

historiográfico, sendo abstrato e descontextualizado da realidade do aluno. A

aproximação do ser com a leitura deve estar a par com suas experiências pessoais,

valores, estilos de vida. Por isso, os escritos de Arnaldo Antunes acentuam a

complementaridade entre o texto e as relações sociais cotidianas. Na verdade,

percebeu-se um grau de reciprocidade muito grande entre leitor- texto- autor.

Foi essencial explorar com os estudantes a literatura como uma arte que,

como tal, participa de outras formas de comunicação artística, de um esforço

humano para melhor entender a realidade que nos cerca. Nessa perspectiva, a

literatura traduz a necessidade do homem em demonstrar seus sentimentos e

ampliar a compreensão de mundo (CANDIDO, 1985).

A poesia que relaciona o texto e a imagem, sugere grau de equivalência: não

é a palavra mais importante que os outros elementos que compõem um poema.

Aprendemos que, para Arnaldo Antunes, eles integram um ou variados sentidos. A

leitura e as sugestões que dela retiramos, também relacionam significações.

Com intenção de aprimorar a arte de ler um texto lírico individual ou

coletivamente e descobrir o prazer da leitura por meio da sonoridade e dos

elementos visuais que formam imagens no espaço branco da página, o estudo em

foco proporcionou uma nova visão aos alunos para uma linguagem bastante antiga,

trouxe à tona o gênero lírico com a intenção de resgatá-lo na escola. Também, ao

propiciar as atividades, desenvolveu-se a sensibilidade e expôs-se que o ato da

leitura irradia a apropriação de conhecimentos e reflexões acerca do importante

papel que cada um tem no mundo. A poesia deixa transparecer a subjetividade

humana.

2. A obra Psia e outros poemas: Uma metodologia baseada na Estéti ca da Recepção O proposto neste projeto foi trabalhar a leitura de poesia como interação entre

sujeitos e construção de sentidos, mediando os processos de produção de sentido.

Isso sob a égide da Estética da Recepção, surgida a partir das reflexões de Hans

Robert Jauss no final da década de 1960.

a estética da recepção apresenta-se como uma teoria em que a investigação muda de foco: do texto enquanto estrutura imutável, ele passa para o leitor...seguidamente marginalizado, porém não menos importante, já que é condição da vitalidade da literatura enquanto instituição social. (ZILBERMAN, 2009, p.10-11).

Além disso, as Diretrizes de Língua Portuguesa destacam que o ensino da

literatura deve ser pensado a partir dos pressupostos teóricos da Estética da

Recepção e da Teoria do Efeito, “visto que essas teorias buscam formar um leitor

capaz de sentir e de expressar o que sentiu, com condições de reconhecer, nas

aulas de literatura, um envolvimento de subjetividades [...] por meio da interação que

está presente na prática de leitura’’ (PARANÁ, 2008, p.58).

Para os alunos, o projeto propôs a ampliação das possibilidades de produção

de sentido para os textos poéticos. Nessa concepção, o ato de ler, sob o

encaminhamento da Estética da Recepção, não é decodificação de sistema de

signos com foco no texto, mas no “sujeito” que interpreta o mundo, reconhece a

intenção do autor e que – pela leitura em diálogo com o escritor – interage com o

texto e produz sentidos para os diferentes textos e contextos históricos.

Essa é a concepção de historicidade da teoria recepcional, pois é a

“relação de sistemas de eventos comparados num aqui-e-agora específico: a obra é

um cruzamento de apreensões que se fizeram e se fazem dela nos vários contextos

históricos em que ela ocorreu e no que agora é estudada” (BORDINI; AGUIAR,

1993, p.81).

Então, com conteúdos e abordagens dialógicas significativas à vida dos

alunos, se firmou a reflexão, e se percebeu a escola como um local de real

aprendizagem, visando ao aprofundamento da sensibilidade estética e

desenvolvimento da capacidade de pensamento crítico.

O Projeto de intervenção Pedagógica e a Unidade Didática seguiram o

método sugerido por Bordini & Aguiar (1993), que é dividido em cinco etapas: na

primeira, determinou-se o horizonte de expectativas e verificou-se o perfil dos alunos

com uma pequena investigação sobre suas experiências pessoais, valores, estilos

de vida, bem como o grau de conhecimento e o interesse literário da turma diante da

poesia.

A escola vive um tempo de transição, por isso foi dado um olhar diferenciado

de como trabalhar essa linguagem, usando um modo atrativo e estratégias

elaboradas de leitura verbal e não-verbal ante momentos de exploração variada de

poemas, imagens, sons, textos de diferentes gêneros e construções arquitetônicas

que nos cercam.

Conhecendo um pouco mais sobre os interesses dos estudantes, sabe-se de

onde partir e se determina as expectativas dos alunos. Eles visitaram a biblioteca

escolar e municipal, observaram as construções da cidade, os textos que circulam

nas ruas, além dos sons que mais despertam interesse. Foram até o laboratório de

informática para procurar poemas visuais na rede mundial de computadores e

registraram as observações e impressões de leitura.

Com essa sondagem, a pretensão foi a aproximação entre professor e o

conhecimento prévio dos alunos sobre o espaço da linguagem poética no cotidiano.

O segundo passo do método é denominado como atendimento do horizonte

de expectativas, e para estabelecimento de um vínculo com a poesia de Arnaldo

Antunes, foram elaboradas atividades que atendam às necessidades da turma

diante da literatura, em dois sentidos. O primeiro estabelece uma relação de

correspondência: os textos escolhidos para o estudo em sala de aula equivaleram às

expectativas do grupo. Depois, a metodologia foi organizada a partir de

procedimentos comuns aos alunos, isto é, para se obter o referido atendimento, não

houve grande revolução de técnicas ao propiciar as atividades.

Uma relação temporal muito distante foi usada como base para continuar o

estudo, já que os poetas da antiguidade: Símias de Rodes, Julius Vestinus,

Dosíadas e Teócrito, já uniam à “palavra” uma relação entre imagem e significado,

bem como o contemporâneo Manoel de Barros, que retoma relações incomuns para

o uso das palavras em seus poemas. Elas figuram de maneira diferente da usual, e

se ligam com imagens mentais transpostas nas páginas de um livro. Todos esses

escritores são fundamentais para a poesia de Arnaldo Antunes.

Os alunos muniram-se de um ensaio enfocando o percurso visual da poesia e

leram os poemas: “Despalavra” e “O poeta”, de Manoel de Barros. Sob esse aspecto,

o leitor do Ensino Médio, percebe que há textos que interagem com o seu

conhecimento de mundo e que ele tem a possibilidade de compreender o que o

poeta escreveu e pode dar sentido a partir do que particularmente acarreta como

válido, de acordo com o conhecimento que tem, valores pessoais, crenças. Assim,

“quando estamos lendo, estamos participando do processo (sócio-histórico) de

produção dos sentidos e o fazemos de um lugar e com uma direção histórica

determinada” (ORLANDI, 2004, p.59).

No terceiro passo, chamado ruptura do horizonte de expectativas, Bordini &

Aguiar (1993), destacam que um texto pode confirmar ou perturbar as expectativas

do leitor. Assim, a aplicação de atividade foi sobre temas que puderam incitar

contestações e oferecer condições ao aluno para modificar seus horizontes.

Contudo, tornou-se necessário que ele estivesse propenso a romper as suas

expectativas para iniciar em facetas desconhecidas e explorar horizontes novos.

Diante de um grupo envolvido nas mídias, enfocou-se a lírica de Arnaldo

Antunes como jogo de vozes e ações diante do poema: palavras e imagens

dispostas na página e a coexistência entre símbolos diferentes pedem ao leitor muito

mais do que apenas ler ou ouvir. Pedem observações e indagações.

No poema intitulado “Porque eu te olhava e você era o meu cinema, a minha

Scarlet” – parte do livro Psia, o eu lírico revela muita informação para ser explorada

em sala de aula. É interessante e perceptível características diferentes dos outros

vistos até aqui, causando rompimento das expectativas por combinar a cultura

popular com a cultura dita mais erudita, tal como o cinema. Estão lado a lado

personalidades da história do século XX com personagens literários - ora do século

XVI, ora do século XIX - um animal de desenho animado e uma escritora. Toda essa

mistura para compor um ambiente poético com tema amoroso.

Para não se restringir à leitura de livro impresso, pesquisas foram realizadas

no sítio oficial do autor, que disponibiliza poemas e textos afins. Observou-se a capa

e a “orelha” do livro Psia, bem como os textos: “São Paulo ZUL/ZWE 2201, “A

Surpresa”, “Lua nuvem”, “Depois do Zê” e “Sumo de mim”. Estes são poemas que

prendem a atenção do leitor pela imagem, além de possuírem certos elementos que

predominam em diferentes mídias. Por isso mereceram ser projetados em uma tela

para uma visualização mais ampla.

Em “Sumo de mim”, a exploração de um recurso importante: a vinculação

entre palavra e imagem, que é o resultado provocado pela retirada intencional de

uma letra ou a impressão manuscrita na página do livro. Ainda mais: o poema está

disposto numa sequência de páginas e a cada uma o texto vai se completando.

Porém, ao final temos a supressão de todos os signos escritos e a presença de um

quadro vazio. Uma ruptura muito grande às expectativas, haja vista que o leitor é

levado à próxima página e busca decifrar um enigma. Essa ausência provocativa

instiga a plena participação de cada um como coautor.

Nessa concepção, o ato de ler, sob o encaminhamento da Estética da

Recepção, não é decodificação de sistema de signos com foco no texto, mas na

relação leitor-texto-autor, pois o “sujeito” interpreta o mundo, reconhece a intenção

do autor e – pela leitura em diálogo com o escritor – interage com o texto e produz

sentidos para os diferentes textos e contextos.

[...] a leitura retoma sua condição de prática social, uma vez que o leitor se coloca como sujeito, não apenas objeto de ensino, e passa a perceber também o autor como sujeito. Nessas condições a leitura se transforma em interação, isto é, numa relação entre sujeitos que, pelo menos temporariamente, têm um objeto em comum e definem um objeto a partir de uma perspectiva semelhante, aquela proposta pelo autor, o que constitui um passo prévio necessário à leitura crítica em que o leitor resignifica a linguagem, constituindo seu próprio objeto, que poderá diferir daquele do autor. (KLEIMAN, 2002, p.100).

Dessa forma, compreendendo o contexto de criação e o momento do ato da

leitura, levanta-se a possibilidade de ampliação do conhecimento social e a

participação efetiva no mundo letrado.

O poema citado anteriormente causa um grande choque, pois – infelizmente -

a prática de leitura em sala de aula, na maior parte das escolas, ainda tem como

princípio básico o trabalho com a estrutura, um “aspecto julgado inaceitável por

Jauss: a afirmação da autonomia absoluta do texto, que se sobrepõe ao sujeito por

contar com uma estrutura auto-suficiente, cujo sentido advém tão-somente de sua

organização interna” (ZILBERMAN, 2009, p.10).

O fato é que ele oferece uma noção de simultaneidade e coincidência entre a

comunicação verbal e não-verbal: uma completa a outra e estabelece relações

dentre as manifestações poéticas contemporâneas.

Não é apenas Arnaldo Antunes que valoriza a arte gráfica, a justaposição de

elementos para a estruturação de seus textos, mas ele consegue perceber que a

tecnologia pode interferir positivamente na arte e tende a arraigar mais leitores,

aqueles que se identificam, neste início de século, com outras formas e gêneros

textuais diferentes dos tradicionais. Tanto que a ferramenta virtual, a rede mundial

de computadores, com suporte de pesquisa foi um auxílio imprescindível, pois

alcança mais facilmente os leitores de hoje. O sítio do próprio Arnaldo Antunes na

internet disponibilizou poemas para que se pudesse entender o processo de criação

do artista.

A organização desses textos, fora das convenções, pede um outro tipo de

leitor, quer um perfil de leitor acostumado ou que busca a complementaridade que

rege as relações entre palavra e imagem. Para os alunos, a apropriação dessa

ideia é algo desafiador por envolver a cultura universal e por denotar que tudo o

que nos rodeia no dia a dia pode ser tema para a poesia pós-moderna. A arte

poética consegue trazer à tona essa inquietação e uma nova essência à palavra

comum, usual.

A penúltima etapa, é o questionamento do horizonte de expectativas e volta-

se para a indagação do material que está sendo trabalhado. O aluno-leitor produz

sua análise comparando os textos mais simples a outros mais complexos. O paralelo

se dá entre o familiar e o novo, entre o próximo e o distante.

Foram distribuídos diversos livros didáticos de Língua Portuguesa,

principalmente do Ensino Médio, para percepção de como os textos são

tradicionalmente escolhidos para servirem de base aos alunos e como Arnaldo

Antunes conseguiu imprimir mudanças vertiginosas, causando muita perplexidade,

suscitando questionamentos sobre as expectativas na maioria dos leitores. Duas

entrevistas com Arnaldo Antunes e o estudo do poema “Átomo Divisível”,

questionam muitas certezas humanas, por meio da poesia.

O autor nos faz reinterpretar a palavra e o significado do real em “Átomo

Divisível”: são objetos, situações que a tradição histórica ou as crenças trouxeram-

nos como verdade absoluta. Toda poesia, sob esse enfoque, explica o que o mundo

real não consegue. Ela reestrutura nosso pensamento e mexe com a sensibilidade,

reinsere o leitor como um ser que pode mudar pensamentos e atitudes que, aos

poucos, há séculos, foram se construindo. Tem-se a sensação que as palavras do

poema, impressas em fundo preto, nos convidam a vê-las com mobilidade, não

estaticamente. Há uma ondulação que leva a pensar o poema sob o olhar da

transitoriedade, pois expondo paradoxos, interpela o leitor fazendo-o comparar

aquilo que o homem tem como convicção às novas possibilidades de significado que

o ser humano pode dar a si próprio e ao mundo que o cerca, através da linguagem

poética.

O questionamento leva a comparações que envolvem um processo avaliativo

constante, colocando o leitor como sujeito em ininterrupta reflexão com outros

leitores, outros textos e com a potencial ideia do autor ao produzi-los. Nessa fase,

os textos - de variados gêneros - acarretaram mais dificuldades de leitura e

interpretação, porém ampliaram o conhecimento e contribuíram para o

desenvolvimento da habilidade interpretativa ante a poesia pós-moderna de Arnaldo

Antunes.

“A surpresa” e “O que” são poemas que estão disponíveis também no blog

do próprio Arnaldo Antunes e serviram à ampliação do horizonte de expectativas

que é a finalização do processo. Neles, em separado ou em comparação entre

ambos, várias interrogações surgiram no ato da leitura. Esse foi um momento

importante, uma vez que questionar faz parte do processo de aquisição de

conhecimento do ser humano.

O conceito de verso, já não dá conta de explicar a poética desse autor e fica

claro que a arte, bem como o comportamento das pessoas , se remodela

respondendo às peculiaridades de cada época. Isso de maneira que, adequado com

a dimensão que a poesia contemporânea visual representa para os leitores de

literatura, a novidade, a sintonia do verso e da imagem com recursos tecnológicos

representa uma necessidade e não simplesmente uma escolha desse autor

performer.

A proposta foi trabalhar o método de recepção do texto literário, então certos

poemas funcionam como estímulo à ampliação de conhecimento sobre poesia pós-

moderna e que Arnaldo Antunes faz parte. O poema “O que”, publicado na obra

Psia, sugere uma possibilidade de leitura diferente da usual, bem como a permissão

para várias entonações. Isso se dá pela semelhança ou repetição dos poucos

vocábulos que compõem o texto, também pelo formato circular e ausência de

pontuação.

Além disso, “O que” foi letra para uma canção de grande sucesso do grupo

musical Titãs, mais precisamente é a 13ª faixa do disco denominado Cabeça

Dinossauro, de 1986, mesmo ano da publicação de Psia e tem, outra vez, Arnaldo

Antunes como compositor dessa reconstrução poética que está no encarte do disco.

Por isso “O que”, foi disponibilizado para leitura e audição. Também, produções em

áudio para estudo de poemas visuais foram pesquisadas na rede mundial de

computadores.

Assim, verifica-se que poeta consegue reunir elementos que predominam em

diferentes mídias, e que a sua produção artística sofre interferências positivas dos

avanços tecnológicos e tanto o texto como a imagem digital trazem informações que

são suas representações de mundo.

Esse efeito provocado pelas imagens associa-se, sobretudo, ao público que

ousa experimentar, mudar de status e que vê as novas mídias como elementos

ligados à sua vida. Nesse sentido, a literatura que tramita entre o texto e a imagem é

uma possível ferramenta para ampliar o conhecimento do leitor diante da poesia.

A última atividade da Unidade Didática foi a produção de um artigo. Os alunos

escreveram um texto demonstrando a sua opinião, como leitor, sobre esse novo

papel da poesia, que põe em relação de igualdade a escrita poética, a imagem e -

em alguns casos - o som. Bordini & Aguiar (1993) afirmam que os alunos, ao

notarem que as leituras realizadas se ligam à maneira como o autor e como eles

mesmos depreendem o mundo, acabam percebendo também que estão mais

exigentes consigo mesmos diante de um poema. A cada etapa vencida, tornaram-se

mais críticos e perspicazes nas inferências textuais, ampliando seu universo cultural.

Dessa forma, os leitores estarão ampliando suas expectativas e buscarão por

leituras variadas que possam - outra vez – satisfazer seus horizontes. Então, mais

se pode experimentar, compreender, contradizer, criar e recriar sentidos, tendo o

autor e o leitor, através do texto, uma contínua e inovadora relação.

3. Discussão e Resultados O projeto e o conjunto de atividades que formam a Unidade Didática foram

aplicados por um grupo de professores, principalmente das disciplinas curriculares

de Língua Portuguesa e Arte, de várias regiões do nosso estado, através do GTR-

Grupo de Trabalho em Rede e as reflexões acerca do proposto indicam que

professores e estudantes - quando instigados a trabalhar com conteúdos não

prontos ou absolutos - conseguem uma melhor relação de diálogo perante a própria

literatura e às relações sociais dentro da sala de aula.

Como discussão, essa rede gera considerações, aqui reescritas, e novas

leituras ou depoimentos por parte dos envolvidos, sendo publicadas as observações,

de forma a expor as avaliações perante o trabalho deles com a obra Psia.

Os participantes consideraram a proposta interessante, convidativa,

pertinente e motivadora com a finalidade de despertar o gosto pela leitura e com o

propósito de perceber que o texto poético - contemporâneo e inovador – pode ser

bem aplicado no ambiente escolar.

O professor “A” citou que foi relevante o projeto de intervenção proposto, no

que diz respeito à desautomatização dos hábitos de leitura dos alunos. Não se pode

dizer que os alunos não sejam leitores: acredita-se que eles leem e gostam inclusive

de textos poéticos - basta ver as publicações dos alunos em redes sociais; eles

gostam de mensagens de duplo sentido, de trocadilhos, de jogos de linguagem - o

problema é que, normalmente, esses alunos permanecem em um nível de leitura

bastante primário, baseados no popular, no folclore (e acrescenta-se a literatura de

massa - há muitos alunos leitores desse tipo de literatura).

Daí a relevância desse projeto: desautomatizar a leitura, tirar esses alunos da

chamada zona de conforto, questionar seus horizontes de expectativa e ampliá-los,

colocando esses sujeitos em contato com textos literários mais complexos, mais

desafiadores e instigantes. A palavra organizada e complexa do texto literário ajuda

o leitor a organizar também seu pensamento. Espera-se, assim, que os alunos-

leitores, ao ampliarem seus horizontes de expectativa, tornem-se indivíduos mais

questionadores e críticos, encontrando na palavra a força para sua transformação.

O professor “B” relata que todas as grandes transformações da história da

humanidade se deram devido ao conhecimento que o homem adquire e utiliza em

seu benefício. Esses conhecimentos, antes de interiorizados, processados e

propriamente construídos pelos indivíduos, são “informações”. Ao navegarmos pelas

redes sociais torna-se possível perceber o gosto pela leitura em especial pela

poesia, mas leituras breves e superficiais. É nesse momento que se torna viável,

agradável e necessário o trabalho do professor como mediador do conhecimento,

auxiliando no filtrar as informações, fontes, estabelecer os devidos recortes e

inculcar a intenções que visem à emancipação, autonomia de pensamento, ações e

atitudes permanentes em seus alunos. Essas funções, por vezes, extrapolam os

limites de suas disciplinas e há de se buscar subsídios em outras, para que haja um

aprendizado completo, integral, único e - ao mesmo tempo - múltiplo.

A partir da análise do Projeto de Intervenção Pedagógica proposto pelo

professor Luis Carlos Cavalini, a fórmula “EU + OBJETO = CONHECIMENTO”

realmente toma força e o SUJEITO assume o lugar central na construção dos

saberes; o aluno com todo o seu arsenal histórico no ambiente da educação formal

necessita de mediação para que lhe sejam propostos objetos a serem investigados e

provocação para a desestabilização de seu conhecimento preliminar; e entre estes

elementos estão a leitura e interpretação.

Tendo a Estética da Recepção como referencial teórico e metodológico, é

possível proporcionar ao aluno total autonomia no processo de construção de seu

conhecimento e retomada do status de sujeito nas relações que se estabelece na

tríade autor/obra/leitor promovendo também o desenvolvimento intelectual e afetivo;

pois a leitura e interpretação - ainda mais quando se trata da poesia/movimento ou

poesia/móvel de Arnaldo Antunes - proporcionam ao aluno o “tomar as rédeas” do

próprio conhecimento e faz com que ele se torne confiante e mais seguro de si, pois

tem embasamento teórico/histórico/sensível para expor suas opiniões. Sua

autoestima se eleva quando se torna gestor de seu conhecimento, pois o ato de

saber é algo prazeroso pra quem o possui ou o constrói. O aluno reconstrói

conceitos (re-conceitua) a partir do contexto no qual está inserido; cada um constrói

e reconstrói seu conhecimento conforme o chão que os seus pés pisam.

Já o professor “C” expõe que a intervenção junto aos educandos, com as

percepções da obra de Arnaldo Antunes é válida e os alunos poderão se identificar

com a natureza sensitiva do neoconcretismo de Arnaldo Antunes, pois se entende

que seus poemas não representam temas tradicionais mas, operaram uma nova

forma de percepção metalinguística.

O educando possui, em sua natureza multifacetada por influências de

mercado e mídias, uma "leitura de mundo" mais afeita ao inovador, contra os

ditames do opressor conservador que deixa-o estagnado e cristalizado, mantendo-o

sujeito às necessidades e vontades que operam por odes à ignorância.

Arnaldo, este oxigênio criativo, possibilitará o novo, numa oposição estética

às escolas literárias tradicionais. Somente para citar como exemplo, o aluno passa

sua vida de estudante cantando o Hino Nacional, evidentemente belo em suas

rebuscadas imagens parnasianas. Mas, apesar de sua riqueza imagética, o hino

acaba por parecer algo mítico, distante, não pertencente ao educando a não ser por

dever cívico. Os poemas do ex-Titã, por sua vez, com seu neoconcretismo sensorial

(Décio Pignatari se orgulharia), oferece algo possível e experimental, tal e qual a

natureza exige de um pré ou adolescente também ansioso por, muitas vezes,

ressignificação da própria existência.

Não bastasse, há ainda a chance do aluno apreender inúmeros aspectos

linguísticos com o entendimento sobre signo e significado, conotação e denotação,

rima, aliterações, figuras de linguagem , semelhanças e influência de haicais e assim

por diante.Aliás, as escolas literárias do pós- guerra tendem a oferecer transgressão

na medida certa para um aprendiz cujo senso crítico deve ser exercido visando

transformar sua comunidade.Niilismo, dadaísmo, concretismo e outros "ismos"

podem estar presentes na alma e na obra de Antunes, este paulista que diz algo

como "Saiba que Hitler foi Neném, assim como Eu e você" , que quebra paradigmas

que se aproximam de um universo complexo da modernidade tal e qual uma colcha

de retalhos riquíssima e multicolorida (como ambiente de nossas escolas

públicas).Por tudo isso e muito mais o poeta se faz urgente nas nossas salas de

aula, extremamente bem vindo por sua latente qualidade e comunicabilidade.

Sobre a unidade didática, algumas considerações são apresentadas e

demonstram um bom resultado de trabalho.

O professor “D” diz que a apresentação estética dos textos de Arnaldo

Antunes foi o seu diferencial, ou seja, o uso do espaço em branco, a distribuição das

palavras e frases pela página, assim como as imagens pediram do leitor duas

habilidades: ler e ver a poesia para que haja uma interpretação mais profunda.

Explicando: há muitas vezes a necessidade de associarmos significante ao

significado para que haja a compreensão do que o autor quis dizer. Semelhante aos

concretistas, Arnaldo não organiza suas ideias expressas de forma tradicional, não

há uma linearidade obrigatória.

Percebe-se uma atenção quanto ao tratamento gráfico que as palavras

adquirem nas páginas, ele faz uso de letras de tamanhos e tipos diversos, escreve a

mão, faz garranchos, usa neologismos. A palavra com e em Arnaldo tem uma

textura diferencial, ora gera significados “estranhos”, ora parece inteligível, mas para

os que entendem não há estranhamento. Psia tem isso. Uma palavra ganha

inúmeros matizes e multiplica-se em inúmeras formas textuais e interpretativas.

Quanto aos alunos, para muitos a poesia de Arnaldo foi uma novidade. Já

para outros foi algo estranho, sem sentido. Isto decorre da dificuldade que eles

possuem de realizar interpretações, indiferentemente se em prosa ou poesia, pela

falta de pré-requisitos, defasagens na aprendizagem. Além disso, não se pode negar

que a poesia é um gênero trabalhado bem menos que os demais. Mas, por outro

lado este estilo multimídia de Arnaldo Antunes foi ao encontro do mundo dinâmico e

imediato dos adolescentes. O fato de associar palavra+imagem+som gerou novas

semioses e ampliou o olhar do aluno. Principalmente, quando o aluno ouviu Arnaldo

“declamando” seus poemas. A imposição vocal dele é muito marcante e dá

realmente vida à palavra.

Diante do exposto, essas atividades do projeto, apoiadas em um

planejamento com atividades articuladas e coerentes com seus interlocutores, e com

uma sólida base teórica, contribuíram com a familiarização do aluno com a poesia.

Os alunos tinham uma ideia “formada” de que é difícil compreender um poema,

contudo este projeto teve todos os indicadores favoráveis para que esta visão fosse

transformada.

A última apresentação avaliativa da unidade coloca em pauta a produção de

texto como vínculo direto da leitura: a partir de tudo o que se lê, ouve e discute, é o

texto a herança daquilo que se aprendeu.

Assim, a professora “E” apresenta que a obra de Arnaldo Antunes é uma

forma sugestiva que desperta o interesse pela leitura e produção de texto, pois ele

irá trabalhar a partir de uma forma que tem significado, ou seja, é a poesia visual

que irá possibilitar um contato com a realidade através de diferentes olhares. É um

caminho para despertar o interesse, o estímulo e a inspiração do aluno e leitor para

que se envolva com a produção de texto, fazendo um elo entre a sua leitura, o seu

conhecimento de mundo, suas práticas de linguagem na sociedade e,

consequentemente, assumindo o que escreve.

Considerações finais A partir das concisas análises apresentadas neste trabalho, demonstrou-se a

variedade de relações entre palavra e imagem que marca a produção artística de

Arnaldo Antunes. Tornou-se, além disso, muito claro a característica intermidiática e

o aspecto plural - tanto artista como de seus textos - que se enriquecem desse

movimento constante de letras, palavras, formas e sugestões, com o intuito de

renovar a linguagem derivada de insistentes experimentações. A multiplicidade, na

arte de Arnaldo Antunes, em vez de ser uma ausência de unidade ou de estilo,

evidencia algo particular: há diálogo entre recursos aparentemente distantes, há

modos de expressão e tendências diversas, todas convergentes à vasta relação de

comunicação que nos envolve no cotidiano e, mesmo assim, é certo que não

conseguimos – às vezes - nos entender ou comunicar plenamente.

No ponto de vista do próprio Antunes (2004): “As palavras se desapegaram

das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos ouvidos, ou como a criação

se desapegou da vida. Mas temos esses pequenos oásis – os poemas-

contaminando o deserto da infertilidade”.

Poucas palavras para muitos dizeres, imagens estranhas, às vezes,

convidativas e familiares. O que, à primeira vista, parece ser um esvaziamento de

sentidos, acaba sendo uma abundância de resultados. É um mexer com as nossas

tradições. Arnaldo Antunes é um criador de interrogações em nossa mente e nós

mesmos criamos nossas respostas. É inquietante esse questionamento.

Os leitores têm percepção múltipla quando veem a “desordem” proclamada

pelo poeta, pois a palavra não é só letra, som e comunicação formal. Ela é arte e

como elemento artístico, é a revelação do íntimo humano, um reencontro do ser com

sua própria essência.

[...] o que mais se torna movente no pensamento criativo de Arnaldo

Antunes é o seu conviver, pelo lado interno da poesia, com todos os lados

das camadas visíveis e invisíveis da linguagem, nas suas mais complexas

vertentes semânticas e transracionais. Nesse processo, do avesso ao

reverso, o mundo se mostra assustado e crespo, desnomeado e rebatizado,

para que se faça mundo, primevo, desautomatizado (GONÇALVES, 2014).

A obra de Arnaldo Antunes expõe caminhos, se não novos, ao menos

abrangentes na arte contemporânea em nosso país, na medida em que ela tenta

captar as múltiplas relações humanas através de um grande mergulho na poesia.

Destarte, o papel do professor, nas aulas de literatura do Ensino Médio, deve

ser o de instigar seus alunos, proporcionar o contato com o texto e o autor,

tornando-os sujeitos que dialogam nesse processo ininterrupto de novidades que a

língua proporciona. O projeto: Arnaldo Antunes e a obra Psia teve esse intento.

Referências

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