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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · estudos e as reflexões contidas em obras literárias ... Aristóteles, em Ética a ... de uma vida virtuosa ou não. Novamente

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

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COTIDIANO ESCOLAR CONTEMPORÂNEO: estudo sobre hábitos

e costumes do professor

Joanistela Gonçalves Mendes de Araújo1

Terezinha de Oliveira2

Resumo: Neste artigo teceremos algumas considerações relativas ao estudo dos hábitos e costumes do professor no cotidiano escolar. Nessa abordagem, tomamos como referência os estudos e as reflexões contidas em obras literárias clássicas a respeito do homem, da educação, dos hábitos e dos costumes sociais. Nossa intenção é contribuir para a construção de práticas docentes na educação básica, apresentando, particularmente aos professores do Col. Est. Dr. José Gerardo Braga - E.F.M./Maringá, reflexões sobre os dilemas da educação em nossa contemporaneidade. Oferecendo elementos teóricos para a compreensão da escola como ambiente próprio do conhecimento historicamente produzido, pretendemos contribuir para o entendimento da figura do professor como sujeito mediador/condutor relevante no processo de ensino, contribuindo para que ele possa atingir aqueles que são a verdadeira razão de nosso estudo: os estudantes adolescentes. O estudo dos clássicos da literatura, particularmente das questões relacionadas aos hábitos e costumes, pode instigar a elaboração de novas práticas docentes que sejam criadoras e transformadoras. Palavras-Chave: Clássicos. Hábitos. Professor.

1.Introdução

Este texto, apresentado em consonância com a exigência da SEED-PR para

efeito de conclusão do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE (2013 -

2014), é resultado do estudo e da reflexão de alguns professores da educação

básica do Paraná. Procuramos promover um estudo do cotidiano escolar,

correlacionando-o às análises desenvolvidas por autores clássicos a respeito de

hábitos e costumes sociais, de forma a contribuir para a formação de novos hábitos

e práticas docentes.

Considerando a escola como um espaço privilegiado para o processo de

formação dos indivíduos, mostramos quão fundamental é o exercício da reflexão

acerca do papel do docente e da adoção de um comportamento pautado na

‘conduta e no exemplo’ para a formação intelectual e moral das crianças e

adolescentes.

De nossa perspectiva, o professor deve ser orientado a conhecer, estudar e

problematizar a literatura clássica que aborda hábitos e costumes, relacionando

essas abordagens com sua própria vida profissional e com a aprendizagem do

aluno.

1 Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná. [email protected] 2Profª Drª Orientadora PDE da Universidade Estadual de Maringá. [email protected]

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Por isso, consideramos relevante que os docentes estudem e debatam os

significados sociais dos hábitos3 e costumes norteadores de suas atitudes, tendo

como referência autores da literatura clássica, como Aristóteles (384 a. C. - 322 a.

C.), Sêneca (4 a. C.? - 65 d. C.), Hugo de São Vítor (1096 - 1141), Tomás de

Aquino (1224-5 - 1274), Erasmo de Rotterdam (1465 -1536), William Shakespeare

(1564 – 1616), Voltaire (1694 - 1778), dentre outros que, ao refletir sobre aspectos

históricos e sociais fundamentais, favoreceram a compreensão do homem e da

sociedade de seu tempo.

Ao situar o conhecimento no centro do processo educativo, esses autores

clássicos contribuíram para as reflexões dos professores envolvidos no processo

de implementação PDE (2013 - 2014). Tendo contado com os conhecimentos

apresentados nas obras lidas, os docentes tiveram parâmetros para analisar sua

prática pedagógica cotidiana, podendo reinserir-se no centro do processo

educativo.

Cabe destacar que a escola é o espaço de vivência e aprendizado,

constituindo-se em instância na qual reverberam as diversas facetas das

contradições sociais, sejam aquelas relacionadas à superação das dificuldades

enfrentadas no campo material e intelectual, sejam aquelas que exemplificam o

processo de embrutecimento, no qual se naturalizam os hábitos cotidianos

reveladores do esfacelamento da civilidade em nossa contemporaneidade.

O homem é um ser que necessita de aprendizagem para viver em

sociedade. Nesse sentido, suas capacidades e potencialidades devem ser

exploradas, como afirma Rotterdam em De Pueris (Dos Meninos), (2008, p. 37):

[...] Árvores crescem ao sabor da natureza improdutivas ou dando frutos

silvestres. Cavalos nascem até mesmo sem utilidade, todavia, posso

assegurar, os homens não nascem. Eles são o resultado de uma

modelagem. [...] A razão faz o homem. [...] se a aparência fizesse homens,

as estátuas seriam parte do gênero humano. (ROTTERDAM, 2008, p. 37).

3Consideramos o significado de hábitos com base na concepção de Aristóteles: “[...] as virtudes [...] adquirimo-las pelo exercício [...] as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las fazendo [...]”. (Aristóteles, 1973, p. 267).

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É justamente pela intenção de enfatizar a necessidade do estudo que, em

consonância com a passagem acima, reproduzimos uma afirmação de Rotterdam

(2008, p. 53): “[...] chamo de aprendizagem o uso do hábito oriundo da natureza,

mas aperfeiçoado pela razão. Sim, a natureza postula a razão. A aprendizagem,

fora do controle racional, fica flanqueada a muitos erros e perigos”. Ao afirmar que

o hábito se aprende, logo deve ser ensinado com base em finalidades específicas,

o autor fortalece nossa ideia de que o estudo sobre hábitos e costumes na

literatura clássica pode se refletir e influenciar as práticas pedagógicas.

2. O estudo de textos clássicos, hábitos e costumes do professor

Para a realização deste trabalho, orientamo-nos pelo método da história

social, de Marc Bloch (2001), que afirma: “[...] À história, mesmo que fosse

eternamente indiferente ao homo faber ou politicus, bastaria ser reconhecida como

necessária ao pleno desabrochar do homo sapiens.” O homem, ao se fazer

homem, faz sua história, deixando um legado para a compreensão da sociedade

de seu tempo. Segundo o referido método, “[...] são os homens que a história quer

capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal. Já o bom

historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali

está a sua caça.” (Bloch, 2001, p. 54)

Destacamos que os textos clássicos indicados para leitura e reflexão

favorecem a compreensão da educação como processo social e da escola como

espaço de transmissão e produção de conhecimento. Portanto, é necessário

analisar o ambiente escolar como um espaço específico para a prática do

conhecimento, mas sem perder de vista sua conexão com a totalidade social em

suas múltiplas contradições.

Enfim, o objetivo do Projeto de Intervenção Pedagógica Escolar foi,

juntamente com os professores do Colégio Estadual Dr. José Gerardo Braga –

E.F.M./Maringá, interessados nessa abordagem, realizar um estudo sobre hábitos

e costumes, tendo como referência obras da literatura clássica que pudessem

influenciar as práticas pedagógicas. Ou seja, o objetivo foi realizar com os

professores da educação básica o estudo e a leitura do referencial teórico clássico

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a respeito de hábitos e costumes. Por meio da literatura, “da arte de ler” (Hugo de

São Vítor, 2001), por exemplo, tivemos a possibilidade de relacionar o

conhecimento resultante do longo processo de construção da história com a

dinâmica social contraditória produzida na esfera do cotidiano atual.

Aristóteles (384 a. C. - 322 a. C), Sêneca (4 a. C.? - 65 d. C.), Hugo de São

Victor (1096 - 1141), Tomás de Aquino (1224-5 - 1274), Erasmo de Rotterdam

(1465 -1536), William Shakespeare (1564 – 1616), Voltaire (1694 - 1778), ao refletir

sobre os dilemas sociais de seus momentos, não se furtavam a indicar as razões e

as possíveis soluções para os problemas analisados por eles. Ainda que tenham se

deparado com questões sociais relativas às diferentes temporalidades históricas,

realizaram algo comum: abordaram temas fundamentais da construção de

sociabilidades, quais sejam: ética, virtude e vício, temas que formam os ‘hábitos’

historicamente transmitidos pelo método do ensino e da aprendizagem.

Vista assim, a educação ganha centralidade, pois se apresenta como

elemento fundamental para a construção de uma sociedade, definindo a formação

do homem, aspecto essencial à civilidade propriamente dita.

Aristóteles, em Ética a Nicômaco (1973), afirma:

Sendo, pois, de duas espécies a virtude, intelectual e moral, a primeira, por via de regra, gera-se e cresce graças ao ensino – por isso requer experiência e tempo; enquanto a virtude é adquirida em resultado do hábito [...]. Por tudo isso, evidencia-se também que nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza; com efeito, nada do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário a sua natureza. (ARISTÓTELES, 1973, p. 267).

Nessa passagem, o autor enfatiza a virtude intelectual e moral do homem

não como processo natural, mas como parte dos conhecimentos adquiridos ao

longo do processo de aprendizagem e ensino. Da mesma forma, os hábitos tecidos

no cotidiano podem ser incorporados, propiciando que as virtudes estejam em

permanente aperfeiçoamento. Nesse caso, a formação do homem humanizado

(portador da virtude) dependerá da informação/formação recebida e apreendida ao

longo do seu processo de educação, considerando-se, evidentemente, as

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possibilidades e potencialidades de cada indivíduo, posto que a prática social é

indispensável à incorporação e ao aperfeiçoamento dos valores transmitidos.

Portanto, para promover a reflexão a respeito das relações humanas, do

processo que acompanha a trajetória do indivíduo desde seu nascimento e elevar o

hábito de educar à primeira condição entre as múltiplas ações necessárias à

formação da pessoa, é indispensável recuperar a valorização da razão/educação e

dos seus fundamentos teleológicos.

Os hábitos que adquirimos definem as condições de uma vida virtuosa ou

não. Novamente Aristóteles nos ensina: “[...] As excelências, então, não se geram

em nós nem por natureza, nem contra a natureza, mas por sermos constituídos de

tal modo que podemos, através de um processo de habituação4, acolhê-las e

aperfeiçoá-las” (ARISTÓTELES, 2009, p. 40).

No cotidiano são reveladas as contradições da vida, do ser humano; da

mesma forma, é no cotidiano, por meio do exercício de hábitos de excelência, que

podemos compreendê-lo e encontrar mecanismos para superar suas adversidades.

O estudo de uma literatura humanista referente à filosofia, à educação e à história

da educação permite compreender os hábitos e costumes historicamente

construídos, expressando as relações temporais com o passado, o que é

fundamental quando se procura apreender o âmago da vida social, com suas

contradições.

Os professores da educação básica, que participaram da implementação do

projeto e do GTR (Grupo de Trabalho em Rede), ao apreenderem os significados

históricos e sociais da educação, das virtudes intelectuais e morais analisadas

pelos clássicos, tiveram a possibilidade de se apropriar de um conhecimento

imprescindível à compreensão dos hábitos e costumes do docente em nossa

contemporaneidade, bem como das práticas e contradições sociais, econômicas e

culturais que interferem diretamente na produção do conhecimento.

Já afirmava Erasmo de Rotterdam em De Pueris (Dos Meninos): “Seria de

recordar que nada melhor do que a sabedoria aliada à instrução para se

4 Utilizamos a tradução do grego de António de Castro Caeiro, da obra Ética a Nicômaco.

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conquistarem riqueza, dignidade, poder e mesmo boa saúde, coisas essas tão

suplicadas aos céus para os filhos” (ROTTERDAM, 2008, p. 34).

A escola deve desejar, então, que seus alunos se reconheçam como

indivíduos pertencentes a uma sociedade e atuantes em seu processo de

construção: “[...] não é o caso tu me dizeres que todas as virtudes são tênues nos

seus princípios, e que com o passar do tempo adquirem dureza e robustez”

(SÊNECA, 2012, p. 35). Assim, à medida que o tempo passa as virtudes ensinadas

na mais tenra idade e praticadas, cotidianamente, consolidam-se.

A escola é o ambiente do conhecimento científico historicamente produzido

pela humanidade; nela se encontram indivíduos portadores das capacidades de

aprender e ensinar. No entanto, apesar da longa convivência nesse espaço, muitas

vezes pouco se aprende, quase nada se ensina, ou, quando a aprendizagem

acontece, é de grande fragilidade. Oliveira (2009), em A importância da leitura de

escritos tomasianos para a formação docente, salienta:

[...] Tomás de Aquino pensava o Ser, ou seja, uma pessoa dotada de inteligência e, exatamente, por isso, capaz de aprender e conhecer. Do ponto de vista desse autor, para o mestre, os homens não nasciam sabendo. Ao contrário, deveriam estar em um processo contínuo de aprendizagem. (OLIVEIRA, 2009, p. 77).

Portanto, sendo o ‘ser’ uma pessoa dotada de inteligência e o ensino o

instrumento para o desenvolvimento da inteligência individual latente, torna-se

imprescindível debater o processo de aprendizagem praticado no ambiente escolar.

É necessário contextualizá-lo no interior da educação e de nossa

contemporaneidade bem como dos novos desafios e infindáveis possibilidades de

construção – por meio do desenvolvimento das virtudes - de um novo homem. Foi

justamente procurando contribuir para esse fim que realizamos este estudo. Sua

finalidade foi refletir e agir em prol do desenvolvimento de ações educativas

envolvendo professores, direção e equipe pedagógica.

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3. A materialização do projeto

A apresentação do projeto e a divulgação do curso de extensão –

implementação do PDE, sob o título: Cotidiano Escolar Contemporâneo: estudo

sobre hábitos e costumes do professor, causou grande expectativa entre os

colegas de magistério, tanto pela proposta da leitura de textos clássicos ou dos

outros autores mencionados, quanto pelo cronograma de atividades apresentado.

Precisamos fazer algumas adequações nas datas previstas para os encontros em

razão das inúmeras atividades programadas no calendário escolar/2014.

A execução das ações previstas no Projeto de Intervenção na Escola,

realizado no Col. Est. Dr. José Gerardo Braga – E.F.M./Maringá, contou com a

participação de professores(as) que atuam em diversas áreas do conhecimento,

como História, Filosofia, Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Ciências, Matemática,

Educação especial, Educação Física e Pedagogia, os quais lecionam tanto no

ensino fundamental quanto no médio.

A metodologia utilizada foi: leitura prévia dos textos selecionados para

posterior apresentação dos resultados; análise coletiva, sem prejuízo, é claro, das

interpretações dos cursistas, na medida em que o estudo individualizado foi

indispensável para o debate coletivo e para a necessária troca de impressões. Os

encontros eram finalizados com questionamentos que faziam aflorar o interesse

pela retomada das leituras.

De modo geral, os cursistas enfatizaram as questões relativas ao cotidiano

docente, dentre as quais: conflitos no ambiente escolar entre professores e alunos;

indisciplina dos alunos no cumprimento do regimento escolar, indiferença dos pais

e responsáveis pelo acompanhamento da vida escolar de suas crianças e

adolescentes; dificuldades da aprendizagem. Além desses temas, foi mencionada a

preocupação dos professores com a distorção idade/série/conteúdo. Cabe destacar

que os participantes enfatizaram sua percepção de que os alunos se encontram

sem perspectivas de futuro e que esta seria a causa primeira do desestímulo e da

inação desses alunos.

Coube-nos, na mediação e na condução do grupo de estudo, destacar que

os autores sugeridos para leitura e reflexão, a saber, Aristóteles (384 a. C. - 322 a.

C.), Tomás de Aquino (1224-5 - 1274), William Shakespeare (1564 – 1616),

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Hannah Arendt (1906 – 1975) e Júlio Groppa Aquino, apontavam a educação como

processo social e que, com base neles, devemos entender que a escola deve ser

apreendida como espaço de transmissão e produção de conhecimento. Da mesma

forma, enfatizamos a necessidade de percebermos o ambiente escolar como um

lugar/espaço específico para prática do conhecimento, mas sem perder de vista

sua conexão com a totalidade social em suas múltiplas contradições.

Com efeito, partimos do pressuposto de que pensar a questão da criança

implica questionar o cotidiano escolar uma vez que este é concebido como

espaço/momento para o desenvolvimento das práticas de aprendizagem e ensino.

Entendemos que a literatura clássica, expressando a praxis educativa dos

autores, é um importante instrumental de teses e práticas indispensáveis à

compreensão dos múltiplos significados sociais, contidos nos estudos sobre

hábitos e costumes, e, assim, contribui para a recuperação dos elementos

civilizatórios. Ou seja, o conhecimento dessa literatura é essencial para a

reconstrução de práticas sociais, de vida e pedagógicas, com vistas ao

restabelecimento da escola como ambiente contraditório de convívio, da produção

e busca do saber historicamente produzido.

A seguir, apresentamos algumas impressões dos professores da rede

estadual de ensino, inscritos no GTR (Grupo de Trabalho em Rede) referente ao

Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola (PIPE). Nas interações entre os

cursistas que realizaram suas postagens, observamos que as argumentações e as

reflexões estavam de acordo com a atividade proposta. Os docentes manifestaram-

se sobre a pertinência da problemática levantada na justificativa do projeto, a

relevância dos objetivos elencados, as possibilidades de articulação teórico-prática

do tema proposto e a contribuição do estudo para a educação básica. Por meio

dessa interação, os docentes puderam também fazer comparações entre as

diversas realidades escolares, em suas semelhanças e diferenças.

O tema proposto foi considerado instigante pelos participantes do GTR,

como podemos conferir nas palavras do prof. SR: “[...] O tema é muito instigante e

ao mesmo tempo, interessante, pressupondo a discussão sobre os problemas

educacionais que nos aflige (sic) [...] Este momento proposto pela profª Joanistela,

por meio do GTR, é de exercitarmos um pouco dessa reflexão teórica e, a partir

dela, procurar compreender os hábitos e costumes do profissional docente.”

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A profª ML observa: “Realmente este tema é instigante demais, pois faz

parte do nosso dia a dia. [...] o projeto da Joanistela, vai nos ajudar bastante,

vamos nos unir e pensar nos grandes estudiosos da literatura clássica [...]”. De

forma semelhante, afirma a profª N: “[...] as escolas públicas parece (sic) depósito

de crianças, muitas vezes os pais não estão preocupados se seus filhos estão

aprendendo. Vamos juntos trocar ideias, o pouco que conseguirmos resgatar já

será alguma coisa. Este é um tema bem atual, que nos mostra a realidade e nos

faz refletir o quanto o papel da escola vem mudando.”

Com base na análise das postagens e das interações entre os participantes,

foi possível construir uma visão geral do Projeto de Intervenção Pedagógica na

Escola (PIPE) e constatar claramente a relevância do tema proposto, ou seja, do

estudo de hábitos e costumes por meio da literatura clássica, cuja finalidade era a

reflexão e, quiçá, a mudança das práticas docentes destinadas à produção do

conhecimento nas crianças e adolescentes.

Nas afirmações dos professores, foi possível verificar a preocupação com a

mudança da prática docente. Segundo a professora ML, é necessário que “Ocorra

(Sic) mudanças nos hábitos e atitudes no dia a dia, mas também a conscientização

dos docentes a partir dos clássicos da literatura. Que estas mudanças sejam

aplicadas na prática, que não fiquem apenas nas leituras.” Afirma o prof. P: “[...]

Refletir sobre os costumes que impedem o docente de buscar inovações na sua

prática cotidiana em sala de aula [...]”. A professora E sugere: “[...] 1. Conteúdo:

Ética e sua relação com o cotidiano escolar nos clássicos. Abordagem do texto

sobre o Ensino (De Magistro) e A Prudência a virtude da decisão certa, de Tomás

de Aquino. Leitura dialogada, refletindo com os colegas sobre a escolha da

profissão de professor e este como o mediador da relação aprendizagem/ensino.”

Foi destacada também a possibilidade de a leitura dos textos clássicos e as

demais atividades propostas no projeto serem implementadas nas escolas em que

os cursistas atuam: “A produção didática pedagógica é excelente, pois existe uma

necessidade permanente de reflexões sobre as nossas práticas docentes [...]”

(profª A); “Com certeza eu usaria, pois o projeto traz os clássicos da literatura para

análise, com temas passíveis de discussões que perpassam a realidade da

Educação atual” (profª E).

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Os participantes que socializaram suas considerações declararam-se

favoráveis à leitura dos clássicos sobre hábitos e costumes, destacando sua

relação com o cotidiano escolar. Ficou evidente o interesse dos professores por

essa leitura, entendendo-a como subsídio teórico para a sensibilização de seus

pares quanto à construção de novas práticas docentes.

Assim, procuramos destacar que os textos clássicos sugeridos para leitura e

reflexão reforçam a compreensão de que a educação é um processo social e que a

escola é um espaço de transmissão e produção de conhecimento.

4. Considerações finais

Conforme ficou demonstrado neste artigo, a leitura, o estudo e a reflexão

sobre hábitos e costumes por meio da literatura clássica são instrumentos teóricos

imprescindíveis aos professores da educação básica da rede de ensino do Estado

do Paraná.

Para nós, os professores da rede pública devem ser vistos como

sujeitos/referências para a produção do conhecimento no Ser em formação. Eles

são aqueles que, pela conduta/exemplo, ensinam hábitos ou vícios para os que

estão sob sua responsabilidade educativa, quais sejam, as crianças e

adolescentes.

Nas interações entre os docentes cursistas que participaram do processo da

materialização do tema, em suas argumentações e reflexões podemos observar a

aceitação das atividades propostas. Ao compartilhar suas reflexões sobre o projeto,

a produção didático-pedagógica, o cronograma de ações e a implementação do

projeto, eles apontaram sugestões de atividades e de encaminhamentos

articulados com a teoria/prática.

No entanto, posteriormente aos estudos, verificamos que parcela considerável

dos docentes cursistas manteve inalterados seus hábitos cotidianos e suas práticas

docentes, situação reveladora de que não houve a desejada internalização dos

conteúdos estudados.

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Embora a totalidade dos professores envolvidos nos estudos dos textos

clássicos tenha considerado relevante o tema proposto para a reflexão a respeito

dos hábitos de sua prática docente, alguns demonstraram-se incapazes de

revolucionar sua vida profissional. Quais seriam os motivos de tal situação? A

resposta implica a necessidade de novas problematizações acerca do tema e a

consciência de que ainda temos muito a pesquisar.

Apesar dessas dificuldades, continuamos convictos de que é necessário

insistir na recuperação dos autores clássicos, como Aristóteles (384 a. C. - 322 a.

C.), Sêneca (4 a. C.? - 65 d. C.), Hugo de São Vítor (1096 - 1141), Erasmo de

Rotterdam (1465 -1536), Voltaire (1694 - 1778), Tomás de Aquino (1224-5 - 1274),

William Shakespeare (1564 – 1616), bem como dos contemporâneos, Hannah

Arendt (1906 – 1975) e Júlio Groppa Aquino, dentre outros. Ao refletir sobre

aspectos históricos e sociais fundamentais para a compreensão do homem, da

sociedade e também ao situar o conhecimento no centro do processo educativo,

esses estudiosos contribuíram, inquestionavelmente, para que o professor, dotado

desses conhecimentos, possa analisar sua prática pedagógica cotidiana, recolocar-

se no centro do processo educativo e, por conseguinte, propiciar às crianças e aos

adolescentes o conhecimento.

Referências

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