24
OS CENTROS DE CONVIVÊNCIA: DISPOSITIVOS HÍBRIDOS PARA A PRODUÇÃO DE REDES QUE EXTRAPOLAM AS FRONTEIRAS SANITÁRIAS 1 The Conviviality Centers: Device for the production of hybrid networks that extend beyond the boundaries sanitary Sabrina Helena Ferigato 2 Sérgio Resende Carvalho 3 Ricardo Rodrigues Teixeira 4 ___________________________ Artigo encaminhado: 15/03/2016 Aceito para publicação: 01/12/2016 RESUMO Esse trabalho tem como objeto de pesquisa a produção dos Centros de Convivência de Campinas junto às redes de Saúde. Trata-se de um dos produtos de tese de doutorado em Saúde Coletiva que teve como objetivo principal cartografar o que produz os Centros de Convivência e também o que os produzem. Para isso, foi utilizada a metodologia de pesquisa qualitativa, a partir do método da cartografia, incluindo a revisão bibliográfica e pesquisa de campo sobre o tema. O estudo apresenta como resultado uma proposição sobre a função dos Centros de Convivência e suas principais interfaces com as redes de Saúde, incluindo a análise de suas potências e limitações. Palavras-chave: Centros de Convivência e lazer; Intersetorialidade; Redes atenção em saúde. ABSTRACT This work was focused on the production of the Conviviality Centers of Campinas in the health networks. This is one product of the doctoral thesis in Public Health with aimed to make a cartography of the producing the Conviviality Centers and also what make then possible. Therefore, we used the methodology of qualitative-interventional research, based in the method of cartography, including literature review and field research. The result presents a proposition about the role of Conviviality Centers and 1 Artigo produzido a partir da pesquisa de Doutorado intitulada: “Cartografia dos Centros de Convivência de Campinas: Produzindo redes de encontros”; realizada do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, com financiamento de pesquisa pela CAPES. O vídeo resultado da pesquisa está disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=5- CwnhrCF0I. 2 Terapeuta ocupacional, doutora em Saúde Coletiva pela Unicamp, professora adjunta do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos. [email protected] 3 Médico sanitarista, doutor em Saúde Coletiva pela Unicamp. Professor associado do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. [email protected] 4 Médico sanitarista, doutor em Medicina preventiva pela faculdade de Medicina da USP, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. [email protected] Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016. 80

OS CENTROS DE CONVIVÊNCIA: DISPOSITIVOS …pepsic.bvsalud.org/pdf/cbsm/v8n20/v8n20a06.pdf · Sinteticamente, podemos definir os Centros de Convivência como dispositivos intersetoriais,

Embed Size (px)

Citation preview

OS CENTROS DE CONVIVÊNCIA: DISPOSITIVOS HÍBRIDOS PARA A PRODUÇÃO DE REDES QUE EXTRAPOLAM AS FRONTEIRAS SANITÁRIAS1

The Conviviality Centers: Device for the production of hybrid networks that extend beyond

the boundaries sanitary

Sabrina Helena Ferigato2 Sérgio Resende Carvalho3

Ricardo Rodrigues Teixeira4 ___________________________

Artigo encaminhado: 15/03/2016 Aceito para publicação: 01/12/2016

RESUMO Esse trabalho tem como objeto de pesquisa a produção dos Centros de Convivência de Campinas junto às redes de Saúde. Trata-se de um dos produtos de tese de doutorado em Saúde Coletiva que teve como objetivo principal cartografar o que produz os Centros de Convivência e também o que os produzem. Para isso, foi utilizada a metodologia de pesquisa qualitativa, a partir do método da cartografia, incluindo a revisão bibliográfica e pesquisa de campo sobre o tema. O estudo apresenta como resultado uma proposição sobre a função dos Centros de Convivência e suas principais interfaces com as redes de Saúde, incluindo a análise de suas potências e limitações. Palavras-chave: Centros de Convivência e lazer; Intersetorialidade; Redes atenção em saúde. ABSTRACT This work was focused on the production of the Conviviality Centers of Campinas in the health networks. This is one product of the doctoral thesis in Public Health with aimed to make a cartography of the producing the Conviviality Centers and also what make then possible. Therefore, we used the methodology of qualitative-interventional research, based in the method of cartography, including literature review and field research. The result presents a proposition about the role of Conviviality Centers and

1 Artigo produzido a partir da pesquisa de Doutorado intitulada: “Cartografia dos Centros de Convivência de Campinas: Produzindo redes de encontros”; realizada do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, com financiamento de pesquisa pela CAPES. O vídeo resultado da pesquisa está disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=5-CwnhrCF0I.

2 Terapeuta ocupacional, doutora em Saúde Coletiva pela Unicamp, professora adjunta do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos. [email protected]

3 Médico sanitarista, doutor em Saúde Coletiva pela Unicamp. Professor associado do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. [email protected]

4 Médico sanitarista, doutor em Medicina preventiva pela faculdade de Medicina da USP, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. [email protected]

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

80

their interfaces with health networks, including analysis of their strengths and limitations. Keywords: Conviviality Centers; Intersectionality; Health networks. 1 INTRODUÇÃO

Apresentaremos nesse trabalho um recorte de uma pesquisa de doutorado

que foi produzida com ênfase em uma Cartografia dos Centros de Convivência

(CECOs)5 da cidade de Campinas. Neste texto traremos um recorte que apresenta a

produção desses dispositivos especialmente junto às redes de saúde.

Sinteticamente, podemos definir os Centros de Convivência como dispositivos

intersetoriais, inseridos em um território e com ele articulado, com o objetivo de

promover espaços de convívio e participação social para todas as pessoas desse

território, incluindo àquelas que vivenciam diferentes formas de exclusão.

Essa pesquisa se realizou com base em conceituações teórico-práticas sobre

os Centros de Convivência e análise dos materiais produzidos em campo de

pesquisa no município de Campinas. Disponibilizaremos aspectos que são passíveis

de congruências e aproveitamento para o contexto dos Centros de Convivência em

todo o país.

Ou seja, se o objetivo da pesquisa mais ampla foi cartografar a produção dos

Centros de Convivência de Campinas, o objetivo desse artigo é apresentar o que se

expressou dessa produção junto às redes de atenção em saúde.

Para introduzir o assunto, é importante salientar o que entendemos por

“convivência”.

Em sua definição de dicionário, a convivência se traduz no ato ou efeito de

conviver. No setor saúde, a palavra “convivência” carrega em seu bojo uma série de

outras noções que no imaginário e na experiência do profissional da saúde estão

ligadas ao ato de conviver: criação de vínculos, redes de apoio, criação de sentido,

inclusão, criação de laços sociais, relações interpessoais, produção de

subjetividade, etc. Sabemos que essas noções, bem como os modos de

convivência, estão em permanente recriação, em variações contínuas, podendo

ampliar ou diminuir a potência de sujeitos e coletivos.

5 Utilizamos o termo Centro de Convivência (CECO) como uma escolha de pesquisa para padronizar na escrita os diferentes modos em que esse tipo de dispositivo é nomeado no Brasil: Centro de Convivência e Cultura, Centro de Convivência e Cooperativa, Centro de Convivência e Arte.

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

81

Podemos afirmar, em concordância com Deleuze & Guattari (1995) que não

existe um modelo de convivência ideal, como não existe uma comunidade

homogênea. A convivência é uma realidade essencialmente heterogênea e

culturalmente variável.

Do mesmo modo em que não acreditamos em um padrão ideal de

convivência, também não queremos afirmar que um território só terá um espaço de

convivência potente se contiver nele um Centro de Convivência nos moldes dos que

apresentaremos. Nesse sentido, entendemos que a convivência pode se dar em

qualquer espaço e tempo onde se encontrem pessoas com a disponibilidade de

com-viver. Como um rizoma, a convivência pode se estabilizar em torno de uma

paróquia, de uma igreja, de um bar, de uma praça, de uma casa... Ela evolui por

hastes e fluxos subterrâneos, ao longo de vales fluviais ou de linhas de estradas de

ferro... (DELEUZE, 1992).

Às vezes, mais próximo da Imagem de um rio em constante movimento, e às

vezes,mais próximo da imagem de uma ferrovia pouco flexível, os CECOs podem se

constituir como mais um desses pontos, dessas hastes a partir das quais a

Convivência se estabiliza para um universo de novas conexões, sem se fechar em si

mesmo, sem a pretensão de ser origem ou centro dessa rede de convívio.

Propomos um Centro de Convivência, pensado como um sistema a-centrado6, quer

dizer, como uma rede maquínica produtora de agenciamentos e novas conexões.

Para sistematizar um recorte da produção da pesquisa nesse artigo,

primeiramente apresentaremos a metodologia utilizada, posteriormente,

elaboraremos um itinerário que contextualiza a produção dos Centros de

Convivência no Brasil, para por fim, sistematizarmos alguns dos problemas da

pesquisa: os Centros de Convivência, sua relação intersetorial e a produção dos

CECOs junto às redes de saúde.

2 PERCURSO METODOLÓGICO

Para a realização dessa pesquisa, optamos pelo uso da metodologia de

pesquisa qualitativa, com caráter participativo e interventivo. O método utilizado foi a

Cartografia, conforme proposto por Passos, Kastrup e Escóssia (2009), bem como

6 O caráter principal do sistema a-centrado é que as iniciativas locais são coordenadas sem a dependência de uma instância central, fazendo-se cálculo no conjunto da rede (Deleuze & Guattari, 1995).

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

82

por Ferigato e Carvalho (2011), a partir do referencial teórico da Filosofia da

Diferença, através de pesquisa de campo7.

O campo de pesquisa incluiu toda a rede de Centro de Convivência de

Campinas-SP, totalizando 10 serviços, distribuídos em 05 distritos sanitários.

A pesquisa de campo inclui a triangulação de diferentes técnicas de produção

de dados, entre eles: 1) a realização de grupos focais áudio-gravados e transcritos

com gestores, trabalhadores e usuários dos Centros de Convivência; 2) a habitação

do território de pesquisa (ALVAREZ; PASSOS, 2009), incluindo a permanência por

05 dias consecutivos em cada um dos 10 CECOs pesquisados no município,

totalizando 400 horas de habitação do território pesquisado. 3) Esse processo foi

registrado a partir da produção de diários de campo e registro de imagens. Ao fim do

processo de produção de dados, foi realizada uma oficina aberta de devolutiva e

validação dos resultados parciais do estudo contando com a participação de sujeitos

da pesquisa de todos os Centros de Convivência pesquisados.

A análise dos dados, em coerência com a metodologia proposta, se deu

processualmente, a partir da construção de eixos temáticos e da técnica de

interpolação de olhares (AZEVEDO, 2011). Assim, os dados produzidos em cada

etapa se interpolaram assistematicamente, compondo o texto da tese. Dessa forma,

o texto final é resultado de um plano comum de escrita a partir da expressão do

material resultante de diferentes métodos. Essa interpolação é também reflexo da

interpolação das linhas de força, de criação, de enunciados e de visibilidades que se

produziam nos CECOs e será perceptível no método de escrita desse artigo, onde

narrativas de usuários, gestores, e trabalhadores (destacadas em itálico), se

intercruzam com textos do pesquisador e de referências bibliográficas.

Nesse sentido, analisar o material produzido a partir das entrevistas, dos

diários de campo e da revisão bibliográfica é dar passagem aos enunciados, ao

visível nos CECOs, às narrativas de diferentes grupos, entremeados com aspectos

teóricos e contribuições do pesquisador.

7 O aprofundamento teórico prático sobre o método cartográfico utilizado dessa pesquisa foi desenvolvido e publicado em artigo especificamente escrito para isso, durante o curso da pesquisa. Para maiores informações ver: FERIGATO, S; CARVALHO, S. A Cartografia como método de pesquisa qualitativa em Saúde: Desafios para o devir-pesquisador. Interface: Comunicação, Saúde e Educação, v. 15, n. 38, 2011. p.663-675.

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

83

2.1 Contextualização dos Centros de Convivência no cenário nacional Em novembro de 2005, a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da

Saúde, desenvolveu uma cartilha intitulada “Reforma psiquiátrica e política de saúde

mental no Brasil”. Neste documento, esboça-se uma importante - porém não

definitiva - conceituação sobre os Centros de Convivência como dispositivos públicos que compõem a rede de atenção substitutiva em saúde mental e que oferecem às pessoas com transtornos mentais espaços de sociabilidade, produção cultural e intervenção na cidade. Estes Centros, através da construção de espaços de convívio e sustentação das diferenças na comunidade, facilitam a construção de laços sociais e a inclusão das pessoas com transtornos mentais. O valor estratégico e a vocação destes Centros para efetivar a inclusão social residem no fato de serem equipamentos concebidos fundamentalmente no campo da cultura, e não exclusivamente no campo da saúde. (...) São dispositivos públicos que se oferecem para a pessoa com transtornos mentais e para o seu território como espaços de articulação com a vida cotidiana e a cultura. Assim, a clientela dos Centros de Convivência e Cultura é composta, não exclusivamente por pessoas com transtornos mentais (BRASIL, 2005, s.n).

Desde o final da década de 80,teve início a implementação dos CECOs em

alguns municípios brasileiros, com principal destaque para São Paulo, no governo

da prefeita Luísa Erundina, além de Belo Horizonte e Campinas.

Na ocasião da pesquisa, a maior parte dos CECOs de Campinas-SP

funcionava na lógica descrita por Galletti (2007), para quem o mandato social dos

CECOs é a inclusão de pessoas em situação de exclusão, e não apenas daquelas

que são diagnosticadas com algum tipo de sofrimento psíquico ou patologia. Desse

modo, são incluídas nesse projeto pessoas com transtornos mentais, usuários de

substâncias psicoativas, pessoas com deficiências físicas e sensoriais, pessoas em

situação de rua e em risco pessoal ou social, além de idosos, adultos, adolescentes

e crianças da comunidade que simplesmente desejam frequentar os CECOs para

conviver, criar um laço, participar de uma oficina, incluir-se em algo compartilhado.

Referimos-nos ao gesto de incluir-se a partir da noção de inclusão como “a

fabricação de redes sociais” (GALLETTI, 2007, p.92).

Problematizando essa concepção de inclusão e de Centro de Convivência,

entendemos que os CECOs podem fazer mais do que “incluir pessoas excluídas”,

mas também criar um novo sentido para as produções coletivas de um território,

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

84

produzir novos modos de sociabilidade, ou ainda fabricar formas de sociabilidade

alternativas, das quais todos nós estamos excluídos, na medida em que, em um

contexto neoliberal, todos nós somos privados,em alguma medida, de viver um

modo de convivência que valorize a ação coletiva pelo projeto neoliberal de

sociedade.

Nesse cenário, desde a constituição de 88 e a criação do SUS (Sistema

único de Saúde), estamos experimentando, novos modos de organização da gestão

e da atenção à saúde. Cotidianamente, procuramos concretizar e manter vivos

princípios como os da universalidade, equidade, descentralização, integralidade e

participação social, ao mesmo tempo em que enfrentamos tentativas constantes de

seu retrocesso, processos de exclusão e desigualdades sociais provocadas pelo

projeto neoliberal. O CECO é um dos serviços que sintetiza esse desejo de

resistência e que habita esse paradoxo neoliberal – o paradoxo de intervir em

coletivos num contexto em que o coletivo se dá por meio de frágeis laços sociais.

“Vivemos em coletivos amedrontados nos quais os laços sociais se desfazem:

paradoxais coletivos sem laços sociais, nos quais o coletivo propriamente dito foi

sequestrado” (OLIVEIRA, 2009).

Analisando esse paradoxo, Teixeira (2004) nos chama a atenção para a

epidemia da desigualdade, da violência, do medo e a produção de indivíduos

“desnecessários” nas Políticas Neoliberais, que tem na diminuição da potência dos

coletivos ou na transformação do coletivo em um alvo do capital seus principais

objetivos. Nesse caminho, o mesmo autor nos introduz a questão: Como se poderia

alcançar algum sentido de público, onde o coletivo foi sequestrado?

Entre algumas pistas, apostamos no resgate da capacidade de iniciativa

política por diferentes grupos sociais, pela restauração no plano micropolítico dos

laços sociais enfraquecidos e na produção de redes afetivas.

No campo da saúde e das práticas intersetoriais, entendemos que alguns

dispositivos podem operar como autênticas técnicas de reconstituição e de produção

do laço social (TEIXEIRA, 2004) e para nós, os Centros de Convivência pode ser um

desses dispositivos.

De acordo com a última estimativa do Ministério da Saúde divulgada em 2010

na IV Conferência Nacional de Saúde Mental - o Brasil contava com pelo menos 51

Centros de Convivência implementados, sendo 19 deles no estado de São Paulo.

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

85

Esse dado já se mostra desatualizado, uma vez que no estado de São Paulo,

conforme levantamento realizado pelo I Encontro Estadual e Centros de

Convivência, temos hoje 37 Centros de Convivência concentrados em seis

municípios desse estado e não mais 19, como aponta o dado do Ministério da Saúde

de 2010.

Desde os dados produzidos pelo governo federal é identificada uma massiva

concentração de investimentos e de criação desses serviços na região sudeste, uma

vez que, a partir dos dados ministeriais, 51 dos CECOs implementados até 2008, 47

estavam situados nessa região.

Dentre os inúmeros movimentos que se mobilizaram para a construção dos

Centros de Convivência, gostaríamos de dar ênfase ao movimento da luta

antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica que, de acordo com Amarante (2001), se

estruturam a partir de dois pilares principais: A desinstitucionalização dos internos

com gradativo fechamento dos hospitais psiquiátricos e a busca de alternativas à

institucionalização como única resposta social à loucura, por meio da implementação

de equipamentos substitutivos (Centros de Atenção Psicossocial, Enfermarias de

Saúde Mental em Hospitais Gerais, os Serviços Residenciais Terapêuticos, Oficinas

de Geração de Renda e Centros de Convivência).

Os CECOs, no âmbito dessa Política tem se constituído como um importante

elemento para a desconstrução do modelo assistencial manicomial, em

composição com as práticas e serviços comunitários (QUINDERE; JORGE, 2010),

possibilitando a criação de interfaces entre as Políticas Públicas de Saúde Mental e

as práticas de promoção da saúde (CAÇAPAVA et al, 2009), prevenção e

tratamento, bem como interfaces com outros setores.

O interessante de dispositivos de base comunitária como os CECOs é que

eles buscam promover efetivamente o encontro entre sociedade e pessoas em

situação de vulnerabilidade social ou exclusão, uma vez que suas ofertas não se

restringem às pessoas com diagnósticos ou problemáticas específicas, mas a toda

comunidade e seu entorno. A princípio, o que une essas pessoas e as pessoas ditas

“normais” nestes espaços, é uma premissa de convivência e não apenas de cura,

prescritividade ou de normatização.

Além disso, esses dispositivos tem se potencializado não só como ferramenta

para o tratamento em Saúde Mental, mas para toda a rede de serviços que

compõem o SUS, o SUAS (Sistema único de Assistência Social) e as Políticas Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

86

Públicas Intersetoriais, já que mapeamos CECOs vinculados ao SUS (Atenção

Básica, à Saúde Mental), ao setor cultura, à Assistência Social e ao terceiro setor,

além de iniciativas comunitárias.

Valorizamos esse movimento diverso da constituição dos CECOs em

Campinas, pois ele expressa por um lado, o caráter transdisciplinar desse dispositivo

e por outro sua resistência em ser capturado por movimentos instituídos da Reforma

Psiquiátrica ou Sanitária.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O estudo apresenta como resultado uma proposição sobre a função dos

Centros de Convivência e suas principais interfaces com as redes de Saúde,

apresentado em eixos: (a) Os cecos e as fronteiras sanitárias; (b) as fronteiras da

clínica dos CECOs, (c) a singularidade dos CECOs na rede de saúde, incluindo a

análise de suas potências e limitações

3.1 . Os CECOS e as fronteiras sanitárias

No encontro do pesquisador com esses espaços, algumas das questões que

se colocaram inicialmente são: O que produzem os CECOs? Trata-se de um serviço

da saúde ou um serviço intersetorial? Qual é o lugar do CECO na rede de Saúde?

A partir da pesquisa realizada, tanto no campo de observações quanto, nos

grupos focais, houve uma convergência de gestores e trabalhadores que tenderam

em identificar o CECO como um “dispositivo da saúde com ações intersetoriais”.

Como apontado por algumas falas: É, pra mim é uma unidade de saúde com ações intersetoriais (...) A meu ver o CECO está na rede, é uma unidade de saúde por que tá na rede saúde, mas com ações intersetoriais, por que ele vai além da rede das unidades de saúde (Gestor 04 em grupo focal)

As transcrições dos grupos focais, tanto no grupo de trabalhadores quanto no

grupo de gestores, fica evidente que essa afirmativa se dá em meio a um conjunto

de agenciamentos que refletem a forma como os CECOS são viabilizados hoje no

município de Campinas, onde, do ponto de vista estrutural-financeiro, há um

investimento maior do setor saúde, como expresso em algumas falas:

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

87

Do ponto de vista da política tá na saúde (...) se dissermos é intersetorial... isso não existe na política orçamentária hoje (gestor 08 em grupo focal) Tem uma questão grande que é, como essas ações que a gente faz, sendo uma frente da saúde com ações de outras secretarias, como que a gente casa isso pra além daquela parceria de amizade, de coleguismo, muito da “classe C”. A “classe A” que deviria fazer essa amarração não faz.(...) O CECO que eu estou é intersetorial 200%, mas está muito claro que é a Saúde que toca financeiramente o projeto e as outras secretarias vão se “aprouxegando”. (Gestor 07 em grupo focal)

Compareceram também algumas afirmações que vão para outra direção

Já eu, acho que tem planos diferentes… Acho que uma coisa é a gente pensar numa legitimação, por que a gente precisa de um financiamento (...) Tem um ponto de partida da saúde... a partir da década de 90 é a partir da ideia de pensar novas formas de produzir saúde que a gente começa a produzir a ideia de o que seriam hoje nossos CECOs. Mas por outro lado por que raios a saúde vai inventar um lugar que a gente tem que ficar o tempo todo dizendo o que a gente faz lá, e as pessoas dizendo que aquilo não é saúde, por que não tem remédio, não tem médico, não tem atendimento individual... e aí você cria essa pergunta: é intersetorial?Eu acho que pra além das práticas intersetoriais, tem uma abertura do campo da saúde pra outras cores que se deu no encontro com outros setores que afirmativamente não são da saúde. (Trabalhador 05 no grupo focal)

Isso nos mostra que a identificação dos CECOs com o setor saúde pela maior

parte dos profissionais, se dá, por um lado pela sua história, pela ressignificação do

cuidado e do conceito de saúde que ela quer afirmar e por outro, por um campo de

forças complexas que é uma das formas de tentar fortalecer sua viabilidade política,

como acrescenta alguns dos gestores: Se o CECO é um espaço da saúde? Acho que ele é hoje da saúde por ter aí achado uma brecha, pela promoção da saúde, qualidade de vida... A saúde deu mais brechas nesse sentido do que as outras secretarias e outros secretários. Mas eu acredito que é insuficiente pensar o CECO só pelo viés da saúde. Acho que a saúde responde uma parte, de repente, desse modo de produção que outras secretarias poderiam estar juntas e dar uma resposta um pouco maior para as questões cotidianas de hoje (...) Então pensar essas outras secretarias juntas pra construção dessas diretrizes seria uma coisa interessante. (Gestor 01 em grupo focal)

Para os usuários, as ações intersetoriais são claramente identificadas, mas ao

mesmo tempo, repetidas vezes, o CECO também é denominado como um espaço

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

88

de tratamento ou de terapia, mas um tratamento que se diferencia dos tratamentos

usuais. É impossível sem esse mundo você ter uma saúde, por que só com o remédio, não tem condição, o tratamento só com o remédio é um tratamento morto (...) Eu já tratei como um morto só com o remédio, não tem condição de vida, é a convivência que fez o tratamento pra mim (...) O CECO também precisa crescer mais. Pelo menos pra mim, o esporte foi fundamental como terapia, fiz Liang Cong, dança que só tem no CECO não tem em outros serviços (...) eu acho que o esporte e a cultura tem tudo a ver com o CECO, to pensando em retomar o esporte (Usuário 01 em grupo focal) O CECO é muito bom, eu participo de todas as atividades de lá. Pra mim é uma ocupação e uma terapia (...) a parte social é maravilhosa (...) Me parece que o tratamento no CECO, C.S e CAPS se complementam, você vai em um pra buscar tratamento, remédio, e no CECO pra descobrir que você não precisa ficar só se entupindo de remédio (Usuário 05 em grupo focal)

A ideia de identificar o CECO como um dispositivo da saúde que realiza

ações intersetoriais gera uma série de outras inflexões como: de que ideia de saúde

e de intersetorialidade estamos falando? Qual é a clínica que se produz no interior

dos CECOS? Que “tratamento vivo” seria esse?

Na avaliação dos pesquisadores, pensamos o CECO como um dispositivo

intersetorial. O CECO como um dispositivo da Saúde, só faz sentido, se pensarmos

a perspectiva da produção de saúde relacionada a todos os aspectos que dizem

respeito à defesa da vida, diferente da concepção hegemônica da ausência de

doença ou de supressão do sintoma, na qual o tempo prolongado e preciso e

espaço delimitado já dão de antemão as coordenadas dos modos possíveis de

existência. Tomamos o conceito de saúde não como valor absoluto. Saúde não

como um estado estático, mas como processo dinâmico que implica em perdas ou

em aquisições sempre gradativas. Saúde em graus variáveis, quase como se

fossem coeficientes relativos à singularidade do próprio sujeito ou a referenciais

sociais e históricos construídos (ONOCKO CAMPOS; CAMPOS, 2006).

O conceito de vida aqui, conforme nos ensina Pelbart (2003), deixa de ser

reduzido a sua definição biológica para se tornar energia a-orgânica. A questão não

é mais somente a do limite entre vida e morte, mas dos modos de viver e morrer

(ARAGON, 2007), incluindo a sinergia coletiva, cooperação social e subjetiva. Vida

significa afeto, inteligência, cooperação, produção de subjetividade e desejo – poder

de afetar e ser afetado (SPINOZA, 2008).

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

89

Você não precisa estar doente pra estar no CECO; não que se você estiver doente você não vai poder estar, mas não tem a necessidade; nesse sentido eu o vejo fazendo rede (...) Eu acho que tem uma questão que o CECO traz pra cena e pra rede de saúde que é uma problematização do próprio conceito de saúde, do sentido que se dá a ela na prática (gestor 01 em grupo focal) Fiquei pensando nas potências do CECO, uma lista grande. A primeira coisa é reduzir o sofrimento humano produzindo vida; por que reduzir sofrimento humano muitas vezes pode ser, por exemplo, se dando muita medicação e ao mesmo tempo reduzindo a alegria. Então como reduzir o sofrimento humano tendo a pessoa com os dois pés na vida. Acho que essa é uma potência do CECO, que parte dessa tecnologia. (gestor 08 em grupo focal).

Pensando a saúde em seu sentido mais ampliado, identificamos uma série de

indicadores de impacto que o CECO pode produzir para a potencialização da Rede

de Saúde e para a produção de cidadania de sujeitos individuais e coletivos:

Oferecimento de acesso ao Sistema de Saúde, de Educação, Cultura

Acesso ao mundo da produção e do trabalho criativo

Acesso e exercício de direitos: bens, serviços, lazer e exercício de cidadania.

Redução do número de internações (no caso de pacientes com transtornos

mentais) e redução da medicalização dos usuários em geral.

Fortalecimento da rede de saúde

Promoção de ações intersetoriais

Ampliação da rede social de apoio e de autonomia para sujeitos individuais e

coletivos

Criação de laços sociais para pessoas em situação de vulnerabilidade e para

a comunidade em geral

Ampliação do trânsito na/pela cidade

Inclusão social de heterogêneos grupos vulneráveis socialmente.

Ampliação da apropriação de sujeitos e coletivos em relação aos espaços

públicos que convívio.

3.2 As fronteiras da clínica nos Centros de Convivência

Ao propormos a produção de um espaço de convívio que propõe a mudança

do modo hegemônico de entender a saúde, esse espaço, naturalmente passa a

produzir novos modos de produção clínica ou diferentes modos de pensar a ação

terapêutica.

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

90

A terapêutica acontece de forma diferenciada, é um lugar de produção de várias coisas, de produção de saber, de conhecimentos, cultura, principalmente na saúde, a produção concreta de uma saúde coletiva, acho que é um espaço mais legitimo que hoje eu vejo isso acontecer (Gestor 08 em grupo focal) Por exemplo, no CS a gente vê as senhorinhas que enchem o saco da equipe, deprimidas... Elas chegam no CECO e viram a senhora do chá, do crochê... Então o CECO consegue produzir um outro lugar subjetivo, e isso muitas vezes tem efeito terapêutico, dentro daquilo que eu entendo como clínica, como ser terapêutico. O sujeito produz coisas ali que o fortalecem pra se apresentar no mundo de uma maneira diferente, ter laços mais saudáveis, escolhas saudáveis.(Gestor 03 em grupo focal) A função terapêutica do CECO é a arte de fazer desvios e acho que isso ficou muito forte pra mim. É você saber que existe sofrimento, ter escuta pra isso, mas fazer um desvio, desviar daquilo e poder olhar pra outras produções daquele sujeito. Quando você compartilha o caso na rede, enquanto a UBS tá dizendo o quanto aquele senhora é poliqueixosa ou quando o CAPS traz questões da crise, você entra com esse desvio... “Mas olha... A tarde ele produziu isso, fez capoeira, participou da culinária... Então você agrega na condução do caso... Acho que é nesse sentido, você colocar o sujeito na discussão de caso a partir de um outro lugar também, que não é o lugar do doente. (Gestor 03 em grupo focal)

“Produzir grupalidades e trocas”, “manter os dois pés na vida”, “perceber que

a saída não está apenas em se entupir de remédios”, “fazer rede”, “promover a

abertura do setor saúde para outras cores”, “criar possibilidades de viver diferente”,

“conviver”, tudo isso, nos leva a compreender que, no CECO, a noção de saúde está

intimamente relacionada com o aumento de potência de vida8, e sua clínica, com o

aumento da capacidade de experimentação de diferentes modos de existência, de

diferentes experiências. Poderíamos dizer que os CECOs, podem funcionar na rede

de saúde e na rede intersetorial como “um dispositivo ativador de experiência” ou em outras palavras como um “motor de experimentação” 9.

A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). Para

Bondía (2002) a experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com

algo que se experimenta, que se prova. A experiência é a possibilidade de que algo

nos aconteça ou nos toque. “O sujeito da experiência seria algo como um território

8 Para Spinoza (2008) o que aumenta uma potência de vida, aumenta a capacidade daquele corpo em perseverar em sua existência. Quanto maior é a capacidade de composição de um corpo com outros corpos, maior sua potência.

9 Utilizo as palavras “ativador de experiência” e “motor de experimentação” entre aspas, por serem termos utilizados por Deleuze e Guattari (1995) para definir a noção de programa no texto “Como criar para si um corpo sem órgãos”.

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

91

de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de

algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns

vestígios, alguns efeitos (...) o sujeito da experiência é, sobretudo um espaço onde

têm lugar os acontecimentos” (BONDÍA, 2002, p. 24).

Nesse sentido, podemos afirmar a construção de uma clínica que se direciona

para produzir processos de experimentação, aceitando o desafio de afirmar o corpo-

em-devir10, em resistência e, ao mesmo tempo, negar o corpo normativo,

estratificado, disciplinado, passivo, buscando colocar esse corpo disciplinado em

relação com experiências inéditas, em linhas de fuga e em campos de intensidade.

(FERRACINI, 2006).

Dizer “sim” à inclusão, à diferença, à possibilidade de se relacionar com o

outro, em resistência à opinião, à neutralidade e à cristalização dessas mesmas

relações, ou seja, “resistir ao Homem individual e centrado em uma identidade fixa

que expurga, através dessa identidade, o outro” (FERRACINI, 2006, p. 14,). Fazer,

portanto, da experimentação um dispositivo, um agenciamento de multiplicidades em

relação.

A partir desse referencial, o sujeito da experiência que trazemos à cena, se

definiria não apenas por sua atividade, mas também por sua receptividade, por sua

disponibilidade, por sua abertura para a experimentação do mundo e de si.

Consideramos aqui sujeitos da experiência não apenas os usuários, mas também

seus profissionais.

Neste sentido, o componente transformador do CECO, não estaria

relacionada a um profissional terapeuta, a um clínico ou a um profissional da saúde,

mas sugestivamente a um ethos cuidador, uma postura de suporte e de abertura

para o outro, para funcionar como um propiciador de experiências.

No entanto, na composição com a rede da saúde, essa extrapolação das

fronteiras sanitárias tradicionais se apresenta, ao mesmo tempo, como a maior

potência e também a maior fragilidade dos CECOs, na perspectiva de seus

trabalhadores e gestores:

10Corpo em Spinoza (2008): Enquanto seres individuados e finitos, somos compostos por partículas infinitamente pequenas, agrupadas em conjuntos infinitos, que em uma dada relação nos caracterizam. Composições extensivas fazem-se e se desfazem a todo o momento, marcadas por seus movimentos e repousos, lentidões e velocidades. Infinidades de possibilidades de composições se efetuam configurando, ao mesmo tempo, a finitude dos modos (corpos extensivos) e a infinitude de arranjos possíveis.

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

92

O CECO traz uma visão diferente de saúde, mas num contexto ainda tradicional, antigo. Pra mim essa é a maior qualidade e o maior desafio. Aí, eu vejo a gente entrar muito nas brechas. Toda vez que a gente tem que se confrontar com alguma coisa a gente acaba perdendo força, por que não temos o que as instituições tradicionais de saúde pedem, temos que ficar provando que o que fazemos tem impacto o tempo todo, para conseguir um mínimo de recurso... Então a gente vai pela margem e vai se infiltrando, mas quando a gente vê já estamos lá... (Gestor 07 em grupo focal)

Entendemos esse apontamento como uma experiência de um “devir menor”

dos CECOs entre as instituições de saúde. De acordo com Lima (2004), é

interessante apontar que apenas quando as atividades passam a ser instrumentos

menores – “a margem”, “subalternos” ou apenas “paliativos” - é que podem se aliar

numa batalha contra os modos hegemônicos de se produzir saúde. Estar à margem

da rede de saúde, neste momento era estar desinvestido pela gestão e ao mesmo

tempo estar liberto de alguns instrumentos disciplinadores e normatizantes da saúde

tradicional. Eu estava lembrando de uma reunião de coordenadores que eu participei e estava sendo apresentado dados da gestão da clínica e tinha algo sobre o que cada unidade faz a respeito de diabetes e hipertensão, e aí eu ficava pensando onde o CECO se encaixava... Então, coloquei meu incômodo, sobre como muitas vezes o CECO não se encaixa nas pautas e por que não se encaixa? Não sei se por responsabilidade do outro ou nossa, mas falta um pouco esse olhar (Gestor 03 em grupo focal)

Essa discussão chama nossa atenção pelo fato de que o CECO se apresenta

como um instrumento que se diferencia, é ‘esquisito’ perante a rede de saúde, mas

que oferta brechas para os profissionais da saúde construírem novos territórios na

clínica a partir de suas próprias linhas de escape. Tal multiplicidade e abertura é, ao

mesmo tempo, o que nos coloca em risco e aquilo que nos possibilita criar

estratégias inventivas de viver.

Nos meses de habitação do campo, posso afirmar que as práticas clínicas

eram sim visíveis e o tempo todo presentes, mas eram também presentes as

práticas culturais, artísticas, pedagógicas, corporais, esportivas, etc. Ou seja,

constatamos que os CECOS são dispositivos potencialmente promotores de ações

transdisciplinares e intersetoriais.

Entendemos que operar na transdisciplinaridade é realizar intervenções com

ênfase no trânsito de saberes, na invenção de práticas inovadoras (BARROS, 2003). Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

93

Como se cada disciplina fosse um retalho e os retalhos que aí se costuram criassem

formas sempre inacabadas: colchas capazes de aquecer redes intersetoriais.

A intersetorialidade, para Junqueira e Inojosa (1997), pode ser entendida

como a articulação de saberes e experiências no planejamento, na realização ou na

avaliação de ações, com o objetivo de alcançar resultados integrados em situações

complexas, visando a um efeito sinérgico no desenvolvimento social. Sob esta

perspectiva, podemos dizer que a intersetorialidade presente nos CECOs é mais

presente no âmbito da realização das ações e da avaliação do que no âmbito da

gestão.

3.3 A singularidade dos CECOs na rede de saúde: Arriscando uma definição transitória

Apesar de se reconhecer a extrema vulnerabilidade instaurada no momento

em que se procura traduzir em palavras, a complexa relação entre “sujeitos” e

determinados “objetos” (FABIÃO, 2008), especialmente quando nosso objetivo não é

definir um estado de coisa, arriscamos nessa pesquisa definir, mesmo que

transitóriamente o que são os CECOs.

A partir dos dados produzidos, podemos afirmar que o CECO se constitui

como um dispositivo multifacetado, um movimento, um sistema tão flexível e aberto

que dribla qualquer definição rígida de “saúde”, de “cultura” ou de “serviço”.

De modo geral, os CECOs são considerados como espaços que privilegiam a

participação e a construção coletiva através de atividades relacionadas à arte,

educação, lazer e cultura, funcionando por meio de oficinas com a participação de

diversos setores da sociedade, de maneira distinta em cada território. Quase sempre

essas atividades são realizadas com grupos de pessoas heterogêneas quanto ao

gênero, à idade e ao diagnóstico.

Desse modo, podemos caracterizá-los como dispositivos híbridos ativadores

de experiências que compõe a rede de saúde e que extrapolam as fronteiras

sanitárias, promovendo ações intersetoriais e transdisciplinares.

Entre as inúmeras frentes de ações dos CECOS, podemos dizer que sua

missão se caracteriza pela promoção de encontros, pela produção de cuidado em

rede e pela intervenção na cidade através de políticas de convivência e da ativação

de experiências.

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

94

No que tange às redes de saúde, o cuidado oferecido nos CECOs pode

promover uma importante ressignificação no sentido dos processos de saúde-

doença-intervenção, criando novas perspectivas no encontro entre profissionais e

usuários, além de estabelecer uma relação com a comunidade especialmente a

partir de suas potências e não apenas a partir de suas fragilidades ou riscos

identificados.

Seu compromisso de fortalecimento do território se dá a partir do

fortalecimento das relações que ali se estabelecem, das interações que as pessoas

exercem com seu bairro, com os espaços públicos, entre si e com suas vidas. Eu deixei de tomar 15 comprimidos por dia! Imagine só? Era comprimido pra tudo, né? Pro humor, pra comer, vitamina... tudo chegava a 15. Isso antes de eu fazer terapia no CECO, daí no CECO vem a convivência, o tear, as festinhas, as oficinas. Chegava o nosso aniversário e a gente comemorava na casa de um ou de outro “Seu aniversário vai ser na casa do fulano, e ia todo mundo lá fazer as coisas”, isso é conviver, e isso é viver e logo, logo os remédios foram sumindo. Será que esse dinheiro não podia voltar pro CECO? Pelo menos 20% do que era gasto com meus remédios devia voltar pro CECO (Usuário 01 em grupo focal).

Permeados pela ética do encontro e pela produção das diferenças, embora

sejam abertos a todas as pessoas, de todas as classes sociais que queiram se

inserir nele, os Centros de Convivência se destinam especialmente para pessoas

com diferentes limitações e vulnerabilidades, que optam voluntariamente por se

agregarem em torno de um objetivo, atividade ou interesse comum. Neste sentido,

os CECOs são um importante dispositivo para a criação de laços sociais para

grupos considerados marginalizados. Ali vão ter adolescentes que vão usar a questão do ping pong pra aprender a jogar melhor ping pong, vai ser isso, pra conhecer um amigo, sei lá... Vai ter outro adolescente que não vai conseguir entrar, que vai precisar de ajuda. Nesse sentido acho que a equipe tem que estar atenta. Talvez na casa do amigo ele nunca conseguiria jogar ping pong, mas no CECO, se ele é o desejo dele, como a equipe pode estar lá pra ajuda-lo? (Gestor 4 em grupo focal)

Sua característica de abertura à comunidade e ao mesmo tempo de fronteira

com diferentes setores faz dos CECOS um espaço que pode se constituir como uma

porta de entrada para a rede de saúde e ao mesmo tempo uma linha de fuga desta

mesma rede para aqueles que há anos tem seu convívio social restrito à espaços de

tratamento stricto senso, ou para aqueles que viam sua singularidade aprisionada à

um diagnóstico. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

95

Tudo isso já mostra a função do CECO pra rede que é ser uma porta de entrada. Nós não somos só encaminhadores de demandas, mas também somos porta de entrada por que a maioria das pessoas que chegam lá não são pessoas que chegam com encaminhamento, são demanda espontânea da comunidade, que passam ali, dão uma olhadinha e entram... (trabalhador 05 em grupo focal) O Tear das Artes foi uma porta que se abriu na minha frente. Eu fazia os tratamentos, que eu faço até hoje no C.S, então minha vida era do C.S pra casa e de casa pro C.S, não tinha vontade de sair, me fechava dentro de casa, não sabia que tinha e-mail, nada (...) Então, até que um dia eu tive coragem de ir conhecer o CECO, a coordenadora do C.S que me levou um dia lá pra conhecer e eu resolvi começar a participar. No começo eu achava que eu não ia conseguir aprender nada ali, naquele local; eu não tinha memória. Até hoje eu falo pra eles: nunca imaginei que algum dia ei ia conseguir fazer um pastel do começo ao fim, vender... Aos poucos isso foi me incentivando, né? Pra mim, eu fui aprendendo a sentir... é como uma coisa que clareou a minha mente que me vez voltar e querer estar com a sociedade, o convívio, a querer estar com pessoas. E isso me ajudou tanto, que até a medicação diminuiu, a psiquiatra foi abaixando e hoje em dia eu tomo muito menos medicamento do que eu tomava antes. (usuário 04 em grupo focal).

Neste contexto propomos pensar as práticas promovidas pelos CECOs em

sua possibilidade de funcionar como acontecimentos que reinauguram processos

coletivos, subjetivos e sensíveis e ao mesmo tempo, resgatam o próprio coletivo,

podendo operar a produção de coletivos como plano de criação (ESCÓSSIA, 2009).

Um plano coletivo de criação se dá a partir da inevitável relação entre o plano das

formas e das forças, entre o plano instituinte e instituído e que tem a potência de

ativar o plano intensivo, molecular permitindo movimentos de criação. Espaços como

esses podem criar instâncias locais de subjetivação coletiva (GUATTARI, 2006).

3.3.1. Ao encontro das limitações e dificuldades enfrentadas nos CECOs

A sustentação de um plano coletivo de criação não passa apenas pela

produção de potências. Nesse plano, encontramos também uma série de fatores

despotencializantes da força que os CECOs produzem ou podem produzir.A partir

da fala dos sujeitos da pesquisa, entre as dificuldades apresentadas por esse

dispositivo, podemos incluir:

a) A precariedade de alguns espaços físicos, tanto do ponto de vista da

infraestrutura, da acessibilidade quanto da manutenção, como relatam os

participantes dos grupos focais

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

96

La no caso do nosso CECO o que tá muito difícil é a estrutura, tá muito danificada (...) por exemplo, o piso é muito irregular, tem gente idosa e deficientes visuais lá. (Usuário 05 em grupo focal) Agora o que eu sinto de dificuldade é que é precária as condições do CECO que eu to, as condições são mínimas e isso é uma coisa que eu não abro mão e sempre digo. Não dá pra conviver com essa miséria gente! É pouca coisa... Às vezes eu vejo profissional tirarem dinheiro do bolso deles pra poder contribuir e esse não é o papel deles. (Usuário 01 em grupo focal)

Foucault (1987), ao descrever a estrutura das prisões em Vigiar e Punir, nos

mostrou como a arquitetura, o abandono ou o investimento em determinados

ambientes podem servir às estratégias do poder. Assim, nos resta refletir, a quem

serve o abandono e a precariedade de alguns CECOs?

b) A falta de investimentos políticos e financeiros por parte da Gestão.

De acordo com relatos disponíveis nos diários de campo e grupos focais,

verificamos um discurso bastante presente a respeito da falta de investimentos nos

CECOs por parte dos três entes federativos. No que tange especialmente aos

municípios, percebemos que essa falta de investimento, pode gerar esvaziamento

de profissionais e em consequência de usuários em alguns CECOs, com seu natural

enfraquecimento. O desafio, pensando na linha do que foi dito é de fato mostrar a importância do CECO e conseguir incentivo de RH, de material, de olhar aquilo como importante, por que hoje, de fato, sempre que algo precisa ser priorizado o CECO sempre está em último lugar. (Gestor 03 em grupo focal) De vez em quando o pessoal faz uma campanha e faz um jantar dançante junto com o C.S pra ajudar e conseguir um investimento, porque é difícil ter dinheiro e a gente precisa (...) Não vamos esperar a prefeitura trazer por que ela não vai trazer. Então a gente junta o pessoal, faz bazar, faz várias coisas (Usuário 07 em grupo focal).

c) A necessidade de superação da sujeição de alguns CECOs à um modo de

produção hegemônica na saúde.

Ao longo de nossa trajetória junto aos CECOs, pudemos identificar em

algumas situações uma sujeição do processo de trabalho dos CECOs aos modos

hegemônicos de produção de cuidado e de gestão em saúde. Essa sujeição aparece

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

97

de várias formas: seja sob o ponto de vista da gestão direta, seja do ponto de vista

da atenção. Percebemos ainda, pontos de tensão entre o desejo dos trabalhadores

e gestores dos CECOs de se diferenciar do modo hegemônico de produzir saúde e

ao mesmo tempo uma constante necessidade, captada em seu nível discursivo, de

se ‘encaixarem’ ou ‘terem a aprovação’ do restante da rede de Saúde sobre o

trabalho desenvolvido no CECO. E o grande desafio que eu vejo é a gente provar para o próprio núcleo de saúde que é uma frente de trabalho concreta da clínica ampliada que a gente vem falando a tempos anteriores (Gestor 02 em grupo focal) A maior frustração é o tempo todo você ter que ficar se auto-afirmando. Dizer que aquele lugar é bom, que aquele lugar é potente, que você também tá produzindo saúde e as pessoas te questionarem o tempo todo daquilo. Acho que essa é a maior dificuldade de trabalhar no CECO. (Trabalhador 05 em grupo focal)

Quando nos referimos à necessidade de superação desse tipo de

subordinação, não significa ignorar o restante da rede de Saúde ou a necessidade

de compor com ela, mas pensamos que essa é uma superação necessária, pois

parte do reconhecimento de que para criar o novo é inevitável desconstruir o

existente e viver o conflito com a tradição e a ordem social, nesse caso, com a

tradição do setor Saúde.

d) A dificuldade para a oficialização de uma Política municipal para os CECOs. Nosso desafio é essa gestão central oficializar essa política e investir na oficialização dessa política (...) quando que nós vamos ter gestores no nível central com coragem, e não só coragem acho que vontade política e dedicação mesmo para estabelecer essa política municipal de convivência (Gestor 05 em grupo focal).

Esse desafio tem em seu bojo uma das grandes questões que vivem os

CECOs hoje: como incluir a singularidade constituinte dos processos sociais em

conformações institucionais, sem que isso precise significar novas codificações e

cerceamento da atividade dos CECOs em seu movimento instituinte? Em outras

palavras: O desafio é: que estrutura é essa que o CECO tem que ter pra conseguir dar conta do seu querer. Pra mim tem que ser algo que consiga dar continência para todo esse querer, mas também que não esteja amarrado de uma institucionalidade que não permita a promover brechas inclusive em si mesmo enquanto estrutura; por que pra mim o CECO tem que ter essa condição de inclusive se

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

98

surpreender em relação à sua missão. Como conseguir estruturar sem amarrar. (Gestor 08 em grupo focal)

Essa questão inclui aspectos teóricos, éticos, políticos e filosóficos que

devemos explorar quando pensamos no trabalho dos CECOs.

O desafio da gestão dos CECOs de se consolidar como política sem perder a

dimensão da singularidade e da criação, também aparece do ponto de vista do

cuidado, da produção de lazer, da produção de cultura.... O que está sendo

problematizado são os riscos de captura dos CECOs pelas políticas hegemônicas

setorizadas, captura no sentido despotencializante do termo, onde o controle que

acompanha sua institucionalização é proporcionalmente maior do que seu

movimento de autocriação.

Diversos filósofos da diferença, em especial Foucault, Deleuze e Guattari, nos

sensibilizam a estar atentos aos riscos de movimentos instituintes e criadores, serem

capturados pelos movimentos instituídos e conservadores. Uma vez capturados - os

contra discursos - eles correm o risco de ser recodificados, recolonizados pelo

discurso unitário, que depois de tê-los desqualificado e ignorado, quando

apareceram, estão agora prontos a anexá-los ao seu próprio discurso e aos seus

efeitos de saber-poder” (FOUCAULT, 2004, p.173).

Como um movimento instituinte no interior do setor Saúde, os CECOs não

fogem do “risco de fechar-se na instituição, mesmo que aberta e no território”

(NICÁCIO; CAMPOS, 2007).

Oliveira e Passos (2011) chamam a atenção para o perigo de uma modulação

da relação de tutela operada pelas instituições para o controle da subjetividade que

pode estar sendo constituído em novos dispositivos da saúde, como a rede de

serviços substitutivos ao manicômio, dos quais os CECOs faz parte.Em situações

como essa, para eles, o poder torna-se invisível, podendo insistir inclusive nos

espaços ditos “abertos” como é o caso dos Centros de Convivência.

Não queremos com isso, dizer que os CECOs funcionam nesta lógica, mas

afirmar que eles não estão livres de viver momentos dessa captura ou encarná-la

em seu funcionamento.Contribui para isso, o fato de que o mercado hoje se

converteu no principal dispositivo de reconhecimento social. As práticas de

convivência tendem a orientar-se cada vez mais em função deste reconhecimento e

cada vez menos em sua potência como veículo de composição das diferenças:

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

99

modo menos experimental e mais mercadológico de subjetivação. A criação

experimental e a vida mínguam em decorrência da dissociação entre ética e estética

produzida nesse processo. (FERIGATO; SY; CARVALHO, 2011).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos com esse texto apresentar um recorte de uma ampla pesquisa

realizada pelo período de 4 anos na rede de Centros de Convivência de Campinas.

O objetivo maior desse recorte foi o de trazer os aspectos da pesquisa que

discorriam sobre uma possível definição de Centros de Convivência com base em

sua produção junto à rede de saúde cartografada ao longo do trabalho de pesquisa.

Para isso, apresentamos um breve histórico do movimento de construção dos

CECOs no cenário nacional e o contexto de sua inserção nas redes de Saúde para

posteriormente nos aprofundarmos nos dados produzidos em âmbito local.

Os resultados da pesquisa apontam alguns indicadores importantes sobre os

CECOs como dispositivo potencializador e articulador da rede de Saúde e nos

fornecem subsídios para a afirmação dos CECOs como dispositivos potenciais para

a ativação de experiências produtoras de vida que extrapolam as fronteiras

sanitárias.

Esta constatação, por outro lado, não deve nos cegar para a produção de

questionamentos e reflexões críticas sobre as formas de atenção e de gestão que

estão sendo constituídas nesses espaços dada a inseparabilidade da convivência

em relação às dimensões ético-políticas da vida, dimensões que sempre devemos

estar atentos para evitar a produção de “existências capturadas a céu aberto”

(OLIVEIRA; PASSOS, 2011) ou a construção de modelos normativos de convívio.

Os dados produzidos ao longo da pesquisa apontam para produção de

narrativas que expressam a potência intrínseca aos Centros de Convivência para a

produção de redes de saúde, de intersetorialidade, de intervenção na cidade, de

criação de laços sociais, de movimentos de empoderamento social e de afirmação

das diferenças.

Dispositivos como esse, com potencial tão grande de promoção, prevenção,

tratamento e reabilitação em saúde podem ser viabilizados a baixos custos

financeiros quando comparados com os demais equipamentos da rede de saúde, no

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

100

entanto, continuam sendo um privilégio para poucos municípios e, por conseguinte,

para poucos cidadãos e cidadãs brasileiras.

Por entender que a ampliação dos espaços de ação coletiva e de produção

de novos sentidos em paisagens subjetivas que afirmem a vida é essencial para a

saúde, apostamos na necessidade de ampliação de investimentos em todo território

nacional nos Centros de Convivência como uma Política de defesa da vida.

REFERÊNCIAS ALVAREZ, J.; PASSOS, E. Cartografar é habitar um território existencial. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (orgs). Pistas do Método da cartografia: Pesquisa-Intervenção e Produção de Subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 131-149. AMARANTE, P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001. ARAGON, L. E. P. O Impensável na Clínica: virtualidades nos encontros clínicos. Porto Alegre: Sulina, Editora da UFRGS, 2007. AZEVEDO, B. M. O ensino da gestão no curso de graduação de medicina da FCM/UNICAMP: possíveis encontros entre universidade e serviços de saúde, 2011. Dissertação de mestrado em Saúde Coletiva. Departamento de Saúde Coletiva. Faculdade de Ciências Médicas. Unicamp, 2011 BARROS, R. B. Reforma psiquiátrica brasileira: resistencias e capturas em tempos neoliberais. In: CONSELHO Federal de Psicologia (Org.). Loucura, ética e política: escritos militantes. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p.196-206 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005. BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, p. 20-28, 2002. CACAPAVA, J. R.; COLVERO, L. A.; PEREIRA, I. M. T. B. A interface entre as políticas públicas de saúde mental e promoção da saúde. Saude soc. [online], v. 18, n. 3, p. 446-455, 2009. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed 34, 1995. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é a filosofia? São Paulo: Editora 34, 1992.

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

101

ESCÓSSIA, L. O coletivo como plano de criação na Saúde Pública. Interface – Comunicação, Saúde e Educação, v. 13, supl. I, p. 968-694, 2009. FABIÃO, E. Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Sala Preta, Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Eca/USP, São Paulo, n. 08, p. 235-248, 2008. FERRACINI, R. Invisibilidade e Virtualização do Corpo-em-Arte: Presença=Não-Presença. In: IV Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, 2006, Rio de Janeiro. Memória ABRACE. Rio de Janeiro: UNIRIO, p. 297-298, 2006. FERIGATO, S.; CARVALHO, S. A Cartografia como método de pesquisa qualitativa em Saúde: Desafios para o devir-pesquisador. Interface: Comunicação, Saúde e Educação, v. 15, n. 38, p. 663-675, 2011. FERIGATO, S.; SY, A.; CARVALHO, S. R. Explorando las fronteras entre la Clínica y el Arte: relato de una experiencia junto al Frente de Artistas del Borda. Salud Colectiva, Buenos Aires - AR, v. 7, n. 3, p. 347-363, 2011. FERIGATO, S. H. Cartografia dos Centros de Convivência de Campinas: produzindo Redes de Encontros. Campinas, 2013. Tese de doutorado em Saúde Coletiva. Departamento de Saúde Coletiva. Universidades Estadual de Campinas (UNICAMP) FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Lígia M. Ponde Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1987. FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 10ª ed, Rio de Janeiro: Graal, 2004. GALLETTI, M. C. Itinerários de um serviço de Saúde Mental na cidade de São Paulo: trajetórias de uma saúde poética. São Paulo. Tese de doutorado em Psicologia Clínica – PUCSP, 2007. GUATTARI, F. Caosmose: um novo paradigma estético. Trad. Ana Lúcia de Oliveira. São Paulo: Ed. 34, 2006. JUNQUEIRA, L. A. P.; INOJOSA, R. M. Desenvolvimento social e intersetorialidade: a cidade solidária. São Paulo, FUNDAP, 1997. LIMA, E. A. Oficinas, laboratórios, ateliês, grupos de atividades: Dispositivos para uma clínica atravessada pela criação. En: COSTA, C. M.; FIGUEIREDO, A. C. Oficinas terapêuticas em saúde mental - sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria; 2004. NICACIO, F.; CAMPOS, G. W. S. Afirmação e produção de liberdade: desafio para os centros de atenção psicossocial. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 18, p. 143-151, 2007. OLIVEIRA, G. N. Breve percurso para a produção de uma cartografia: devir, intervir, durar, cuidar, narrar, agenciar. In: CARVALHO, S. R.; FERIGATO, S.; BARROS, M. E. Conexões: Saúde Coletiva e Políticas de Subjetividade. São Paulo: Hucitec; 2009.

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

102

OLIVEIRA, J.; PASSOS, E. Novos perigos pós desospitalização: Controle a céu aberto nas práticas de atenção em saúde mental. In: CARVALHO, S. R.; FERIGATO, S.; BARROS, M. E. Conexões: Saúde Coletiva e Políticas de Subjetividade. São Paulo: Hucitec; 2009. ONOCKO CAMPOS, R. T.; CAMPOS, G. W. S. Co-construção de autonomia: o sujeito em questão. In: CAMPOS, G. W. S.; MINAYO, M. C. S.; AKERMAN, M.; DRUMOND JÚNIOR, M.; CARVALHO, Y. M. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Editora Hucitec/Fiocruz, 2006. PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L (orgs). Pistas do Método da cartografia: Pesquisa-Intervenção e Produção de Subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009. PELBART, P. P. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003. QUINDERE, P. H. D; JORGE, M. S. B. (Des)construção do modelo assistencial em saúde mental na composição das práticas e dos serviços. Saúde soc. [online], v.19, n. 3, p. 569-583, 2010.

SPINOZA, B. Ética. Trad. Tomaz Tadeu. 2ª Ed. Belo horizonte: Autêntica editora, 2008. TANAKA, O. Y.; MELO, C. Uma proposta de abordagem transdisciplinar para avaliação em Saúde. Interface (Botucatu) [online], v. 4, n. 7, p. 113-118, 2000. TEIXEIRA, R. R. As redes de trabalho afetivo e a contribuição da saúde para a emergência de uma outra concepção de público, 2006. In: Conferência Rethinking “the Public” in Public Health: Neoliberalism, Structural Violence, and Epidemics of Inequality in Latin America. Center for Iberian and Latin American Studies.University of California, San Diego, 2004. Disponível em: http://www.corposem.org/rizoma/redeafetiva.htm. [Acesso em 20/07/2015].

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p.80-103, 2016.

103