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OS ADVRBIOS DE TEMPO E DE ASPECTO EM -MENTE E SUA ORDENAO: UMA ABORDAGEM HISTRICA
Eliana Crispim Frana Luquetti
Rio de Janeiro Fevereiro de 2008
Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras Comisso de Ps-Graduao e Pesquisa
OS ADVRBIOS DE TEMPO E DE ASPECTO EM -MENTE E
SUA ORDENAO: UMA ABORDAGEM HISTRICA
Eliana Crispim Frana Luquetti
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Lingstica da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Doutor em Lingstica. Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceio Cezario Co-orientador: Professor Doutor Mario Eduardo Toscano Martelotta
Rio de Janeiro Fevereiro de 2008
LUQUETTI , Eliana Crispim Frana Os advrbios de tempo e de aspecto em -mente e sua ordenao: uma abordagem histrica/ Eliana Crispim Frana Luquetti. 2008. 159 fls. Tese (Doutorado em Lingstica) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Rio de Janeiro, 2008. Orientadora: Maria Maura Cezario Co-Orientador: Mario Eduardo T. Martelotta 1 Advrbios. 2. Ordenao de palavras. 3. Funcionalismo I. Cezario, Maria Maura (Orientadora) II Martelotta, Mario Eduardo T. III Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras. IV Ttulo
Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras Comisso de Ps-Graduao e Pesquisa
OS ADVRBIOS DE TEMPO E DE ASPECTO EM -mente E SUA ORDENAO:
UMA ABORDAGEM HISTRICA Eliana Crispim Frana Luquetti
Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceio Cezario Co-Orientador: Professor Doutor Mario Eduardo Martelotta
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Lingstica da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Doutor em Lingstica. Aprovada por: Presidente, Profa. Doutora Maria Maura da Conceio Cezario Vice-Presidente, Prof.Doutor Mrio Eduardo Toscano Martelotta Profa.Doutora Maria da Conceio Paiva-UFRJ Profa. Doutora Deize Vieira dos Santos-UFRJ Prof. Doutor Afrnio Gonalves Barbosa-UFRJ Profa. Doutora Maringela Rios de Oliveira-UFF Suplentes: Profa. Doutora Christina Abreu Gomes-UFRJ
Profa. Doutora Maria do Rosrio da Silva Roxo- Univ. Estcio de S
Tese defendida em 25/02/2008.
Dedicatria Ao meu querido e amado Deus, pois O Senhor a minha rocha, a minha cidadela, o meu libertador; o meu Deus, o meu rochedo em que me refugio; o meu escudo, a fora da minha salvao, o meu baluarte. (Sl 18:2,3)
Esperei confiantemente pelo Senhor; ele se inclinou para mim e me ouviu quando clamei por socorro. Tirou-me de um poo de perdio, de um tremedal de lama; colocou-me os ps sobre uma rocha e me firmou os passos. E me ps nos lbios um novo cntico, um hino de louvor ao nosso Deus; muitos vero essas coisas, temero e confiaro no Senhor. (Salmos 40:1-3)
Agradecimentos
A Deus que sempre cuidou de mim, orientando, confortando e abenoando-me.
minha querida e amada me Suely por ter me ensinado o caminho do bem, da honestidade,
da persistncia, da esperana. Enfim, devo-lhe tudo quem sou.
Aos meus filhos, Fernanda e Pedro Henrique pela compreenso, carinho e existncia na minha
vida.
Ao meu esposo Wanderson Luquetti, pelo constante incentivo, pela infinita pacincia, pelas
palavras de conforto e amizade.
Aos meus irmos, Patricia, Douglas, Catiane e Viviane que so parte de mim. E,
principalmente as minhas irms Catiane e Viviane, pelo apoio e pelas palavras certas nos
momentos certos.
Aos parentes e amigos, pelo acompanhamento interessado. Em especial, Ernesto Frana, Clia
Viana, Thiara Frana, Thiago Frana, Pastor Leopoldo, Lenise Dutra, Ana Lcia Costa,
Aparecida Azevedo, pelo apoio e carinho constantes.
Professora Maria Maura Cezario pela grande confiana depositada em mim, pela amizade,
pelo apoio e incentivo constantes e fundamentais. E ainda, por ter me conduzido ao prazeroso
caminho da pesquisa e ensinando-me a importncia do nosso papel enquanto professores e
pesquisadores, atravs do seu exemplo e dedicao.
Ao Professor Mrio Eduardo Martelotta pela carinhosa acolhida no projeto Discurso e
Gramtica, pela prontido em ouvir e ajudar, pelo exemplo profissional.
Aos amigos Natlia Ilse, Jlia Nunes, rika Ilogti e Roberto Freitas Jr. Pela colaborao
preciosa nesta pesquisa.
A todos do projeto Discurso e Gramtica pela sincera amizade e pelos grandes e inesquecveis
momentos compartilhados.
SINOPSE
Anlise diacrnica da ordenao dos advrbios de tempo e aspecto em -mente na modalidade escrita do portugus, sob a perspectiva funcionalista, buscando investigar fatores funcionais e estruturais determinantes da colocao desses advrbios na clusula.
LUQUETTI , Eliana Crispim Frana. Os advrbios de tempo e de aspecto em -mente e sua ordenao: uma abordagem histrica. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2008. 159 fls. Tese de Doutorado em Lingstica.
Resumo
Este trabalho tem como objetivo observar as diferentes posies que os advrbios de
tempo e de aspecto em -mente tendem a assumir em diferentes momentos histricos, bem
como analisar a polissemia desses elementos em textos escritos em portugus nas seguintes
fases histricas: arcaica, sculos XVI, VXII, XVIII e XIX e portugus contemporneo.
Esta pesquisa, alm de testar novas hipteses, vem integrar e ampliar uma srie de
estudos que visam examinar, de modo mais geral, o processo de mudana de colocao dos
advrbios no decorrer do tempo (Moraes Pinto, 2002; Martelotta, Barbosa & Leito, 2002;
Martelotta, 2004; Martelotta & Processy, 2006; Andrade, 2005; Albani 2007; Freitas, 2004) e
outros trabalhos sobre o fenmeno em questo. A pesquisa demonstra que h fortes indcios
de mudana de posio do advrbio de tempo e aspecto em -mente ao longo da histria do
portugus.
De acordo com a hiptese geral, ao estudarmos cada sincronia devemos encontrar
motivaes para as diferentes posies ocupadas pelos advrbios de tempo e aspecto em -
mente na orao. A motivao d-se por um conjunto de fatores estruturais, semnticos,
cognitivos e/ou discursivos, a saber: a noo semntica; a estrutura sinttica da orao em que
est inserido o advrbio; o tipo semntico do verbo que compe a clusula, segundo Halliday
(1994) e outros fatores.
LUQUETTI , Eliana Crispim Frana. Os advrbios de tempo e de aspecto em -mente e sua ordenao: uma abordagem histrica. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2008. 159 fls. Tese de Doutorado em Lingstica.
ABSTRACT
This work aims to observe the different positions that the adverbs of time and look at
mind-tend to take on different historic moments, and examine the polissemia these elements
in texts written in Portuguese on the following historical stages: archaic, XVI, VXII, XVIII
and XIX and Portuguese contemporary.
This research, and test new hypotheses, comes integrate and extend a series of studies
to examine, more generally, the process of changing the placing of adverbs over time (Moraes
Pinto, 2002; Martelotta, Barbosa & Leitao, 2002; Martelotta, 2004; Martelotta & Processy,
2006; Andrade, 2005; Albani 2007; Freitas, 2004) and other works on the phenomenon in
question. The research shows that there are strong indications of a change of position of the
adverb of time and point-in mind throughout history of the Portuguese.
According to the general assumption, by studying each sync must find reasons for the
different positions occupied by adverbs of time and point-in mind in prayer. Motivation
comes about by a number of factors structural, semantic, cognitive and / or discourse, namely
the notion semantics, the syntactic structure of the prayer that is inserted into the adverb; the
kind of semantic word that composes the clause, according Halliday (1994) and others.
LUQUETTI , Eliana Crispim Frana. Os advrbios de tempo e de aspecto em -mente e sua ordenao: uma abordagem histrica. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2008. 159 fls. Tese de Doutorado em Lingstica.
Rsum
Ce travail vise observer les diffrentes positions que les adverbes en ment de temps
et d'aspect prennent pendant les moments historiques, et d'examiner la polysmie de ces
lments dans les textes crits en portugais sur les tapes historiques suivantes: archaque,
XVI, VXII, XVIII Et XIX et portugais contemporain.
Au dl de tester de nouvelles hypothses, cette recherche vient d'intgrer et d'tendre
une srie d'tudes pour examiner, de faon plus gnrale, le processus de modification du
placement des adverbes en ment dans le temps (2002 2002 2004; Martelotta & Processy,
2006; Andrade, 2005; Albani 2007; Freitas, 2004) et d'autres ouvrages sur le phnomne en
question. La recherche montre qu'il y a fortes indications de changement de position de
l'adverbe en ment de temps et daspect au long de l'histoire portugaise.
Selon l'hypothse gnrale, en tudiant chaque synchronisation on doit trouver les
raisons pour lesquelles les diffrentes positions occupes par les adverbes en ment de temps
et daspect dans la proposition. La motivation est donne par un certain nombre de facteurs
structurels, smantiques, cognitives et / ou discursifs, savoir: la notion smantique, la
structure syntaxique de la proposition que ladverbe est insr, le genre de mot smantique qui
compose la clause, selon Halliday (1994 ) et les autres.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Distribuio dos advrbios em -mente quanto ordem em relao ao verbo.
Tabela 2- Levantamento Geral dos dados dos corpora dos Advrbios de Tempo e de Aspecto
em mente.
Tabela 3 - Distribuio das posies dos advrbios de tempo e aspecto em mente X
sincronias.
Tabela 4 A relao entre a ordem do advrbio e a noo semntica no Portugus Arcaico.
Tabela 5 - A relao entre a ordem do advrbio e a noo semntica no Sculo XVI.
Tabela 6 - A relao entre a ordem do advrbio e a noo semntica no Sculo XVII.
Tabela 7 - A relao entre a ordem do advrbio e a noo semntica no Sculo XVIII.
Tabela 8 - A relao entre a ordem do advrbio e a noo semntica no Sculo XIX.
Tabela 9 - A relao entre a ordem do advrbio e a noo semntica no Portugus Atual.
Tabela 10 - A relao o tipo de verbo e ordem do advrbio de tempo e aspecto em mente no
Portugus Arcaico.
Tabela 11 - A relao o tipo de verbo e ordem do advrbio de tempo e aspecto em mente no
Sculo XVI.
Tabela 12 - A relao o tipo de verbo e ordem do advrbio de tempo e aspecto em mente no
Sculo XVII.
Tabela 13 - A relao o tipo de verbo e ordem do advrbio de tempo e aspecto em mente no
Sculo XVIII.
Tabela 14 - A relao o tipo de verbo e ordem do advrbio de tempo e aspecto em mente no
Sculo XIX.
Tabela 15 - A relao o tipo de verbo e ordem do advrbio de tempo e aspecto em mente no
Portugus Atual.
Tabela 16 - Relao ente o tipo de sujeito e a ordem do advrbio no Portugus Arcaico.
Tabela 17 - Relao ente o tipo de sujeito e a ordem do advrbio no Sculo XVI.
Tabela 18 - Relao ente o tipo de sujeito e a ordem do advrbio no Sculo XVII.
Tabela 19 - Relao ente o tipo de sujeito e a ordem do advrbio no Sculo XVIII.
Tabela 20 - Relao ente o tipo de sujeito e a ordem do advrbio no Sculo XIX.
Tabela 21 - Relao ente o tipo de sujeito e a ordem do advrbio no Portugus Atual
Tabela 22 - Ocorrncia de advrbios no Portugus Arcaico.
Tabela 23 - Ocorrncia de advrbios no Sculo XVI.
Tabela 24 - Ocorrncia de advrbios no Sculo XVII.
Tabela 25 - Ocorrncia de advrbios no Sculo XVIII.
Tabela 26 - Ocorrncia de advrbios no Sculo XIX.
Tabela 27 - Ocorrncia de advrbios no Portugus Atual
LISTA DE QUADROS
Quadro1 Distino entre Advrbio e Pseudo-advrbio
Quadro 2 - Subposies dos Advrbios em -mente
LISTA DE ABREVIATURAS
EC A essncia do cristianismo
OE Orto do esposo
SUMRIO
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS LISTA DE ABREVIATURAS
1 INTRODUO .......................................................................................................... 15
1.1 HIPTESES...............................................................................................................18
1.2 OBJETIVOS ............................................................................................................................................20
2 REVISO DE LITERATURA.................................................................................. 22
2.1 A QUESTO DA CATEGORIZAO .........................................................................................................22 2.2 ADVRBIO : ELEMENTO DO LXICO OU DA GRAMTICA ? ....................................................................26 2.3 ADVRBIOS: ESPCIES, FORMAS E SIGNIFICAO ...............................................................................27 2.4 VISO TRADICIONAL DOS ADVRBIOS ................................................................................................31 2.5 PESQUISAS SOBRE ADVRBIOS, SOB ORIENTAO DA LINGSTICA .................. .....................34 2.5.1 TIPOS DE ADVRBIOS .........................................................................................................................34 2.5.2 ESTUDOS SOBRE O ADVRBIO EM -MENTE E SOBRE ORDENAO DE ADVRBIOS ............................38 2.6 OS ADVRBIOS E A EXPRESSO DE TEMPO...........................................................................................54 2.7 OS ADVRBIOS RELACIONADOS CATEGORIA DE ASPECTO .....................................................56 2.8 A FORMAO DE ADVRBIOS EM -MENTE ............................................................................................60
3 PRESSUPOSTOS TERICOS................................................................................. 67
3.1 OS PRINCPIOS FUNCIONALISTAS ..........................................................................................................67 3.2 GRAMATICALIZAO E NVEIS DE ENCAIXAMENTO ENTRE CLUSULAS ...........................................70 3.3 GRAMATICALIZAO E ESTRUTURA SINTTICA ..................................................................................72 3.4 AS PRESSUPOSIES DISCURSIVAS DAS CONSTRUES SINTTICA .............................................73 3.5 CLASSIFICAES DOS VERBOS, BASEADA EM HALLIDAY (1994).........................................................75
4 METODOLOGIA ....................................................................................................... 80
4.1 CORPUS..................................................................................................................................................81 4.2 DESCRIES DOS FATORES DA ANLISE DOS ADVRBIOS DE TEMPO E ASPECTO EM MENTE ...........84
5 ANLISES DOS DADOS........................................................................................... 89
5.1 ANLISES DE FATORES..........................................................................................................................89 5.1.1 ORDEM DO ADVRBIO DE TEMPO E ASPECTO EM -MENTE ................................................................90 5.1.2 POSIO DO ADVRBIO ......................................................................................................................93 5.1.3 NOO SEMNTICA DO ADVRBIO ...................................................................................................96 5.1.4 TIPO SEMNTICO DO VERBO ............................................................................................................105 5.1.5 TIPO DE SUJEITO ..............................................................................................................................114 5.1.6 TIPO DE ORAO .............................................................................................................................122
6 CONSIDERAES FINAIS.................................................................................... 133
1 INTRODUO
Este trabalho tem como objetivo observar as diferentes posies que os advrbios de
tempo e aspecto em -mente tendem a assumir em diferentes momentos histricos, para
verificarmos se houve mudana na ordenao da frase da lngua portuguesa com relao a
esses tipos de advrbios. Para isso, coletamos dados de textos do portugus das seguintes
fases histricas: arcaica, sculos XVI, VXII, XVIII e XIX e portugus atual.
Este estudo, alm de testar novas hipteses, vem integrar e ampliar uma srie de
pesquisas que visam examinar, de modo mais geral, o processo de mudana de colocao dos
advrbios no decorrer do tempo (Moraes Pinto, 2002; Martelotta, Barbosa & Leito, 2002;
Martelotta, 2004; Martelotta & Processy, 2006; Andrade, 2005; Albani 2007; Freitas, 2004).
A motivao para o presente estudo veio do trabalho realizado na dissertao de
mestrado de Frana (2002), na qual foi feita uma anlise dos adjuntos adverbiais de tempo e
aspecto em narrativas orais e escritas contemporneas, sob uma perspectiva funcionalista.
Nesse trabalho, procuramos delimitar os valores que esses adjuntos apresentavam no texto
narrativo, assim como as tendncias de colocao que eles assumiam nas clusulas que
compunham o texto.
Esses adjuntos adverbiais de tempo e aspecto, de um modo geral, apresentavam uma
grande mobilidade na clusula, podendo ter suas tendncias de ordenao explicadas por
fatores de carter sinttico e discursivo.
Nessa dissertao (Frana,2002), utilizamos o corpus Discurso & Gramtica (Votre e
Oliveira: 1995), constitudo de um conjunto de entrevistas faladas e escritas, concedidas por
informantes de C.A. infantil e adulto, 4a e 8a sries e 2o e 3o graus, apresentando os seguintes
tipos de discurso: narrativa de experincia pessoal, narrativa recontada, relato de
procedimento, relato de opinio e descrio de local. Essa anlise, entretanto, se restringiu s
narrativas, j que partia do princpio de que os dois planos discursivos, figura e fundo,
apresentavam tendncias de ordenao diferentes no que diz respeito aos elementos adverbiais
estudados.
Os resultados obtidos nessa anlise mostraram que os adjuntos adverbiais
apresentavam a sua colocao de acordo com a sua funo dentro do tipo de discurso (figura
ou fundo) de que faziam parte.
No presente trabalho, h um aprofundamento da anlise dos advrbios em -mente
(somente os advrbios em -mente, diferentemente da dissertao de mestrado) em vrios
aspectos, uma vez que ampliamos os pressupostos tericos e o nmero de fatores a serem
testados. Alm disso, a distribuio das ordenaes possveis est muito diferente do que foi
feito em Frana, 2002. O foco agora o texto escrito e a diacronia. Para isso, analisamos
textos de diferentes gneros textuais ao longo dos sculos, da fase arcaica do portugus ao
perodo atual da Lngua.
Eis alguns exemplos de dados analisados nesta tese a partir dos quais possvel
verificar a grande variedade de ordenao:
(1) E porque me consta o mensionado Bacharel Manuyel Pacheco de Paiva, que
atualmente o ocupa, se achar em diligencia fora dessa cidade( Sculo XVIII ,cartas oficiais,
PHPB).
(2) Quer dizer cana e pena, porque as penas antigamente faziam-se de certas canas
delgadas(Sculo XVII ,Sermo do Pe. A.Vieira).
(3) Atualmente as coisas esto como costumavam ser mil anos atrs(Portugus
atual,EC p.9).
(4) ...deixamos boas coisas para trs muito freqentemente em nome da
independncia (Portugus atual,EC, p.31).
Nota-se que, no exemplo (1), o advrbio atualmente ocorre antes do verbo (ocupa); j
no exemplo (2), o advrbio antigamente, ocorre entre o sujeito (as penas) e o verbo (faziam-
se); no exemplo (3), o advrbio atualmente ocorre no incio da clusula (margem esquerda),
antes do sujeito (as coisas) e antes do verbo (esto); e, no exemplo (4), o advrbio
freqentemente, ocorre depois do verbo (deixamos). Portanto, verificamos que os advrbios
em -mente podem ocorrer antes ou depois do verbo; entre o sujeito e o verbo; no incio da
clusula; no final da clusula, enfim, h diversas possibilidades de posio desse advrbio na
clusula.
Ao pesquisarmos definies e classificaes sobre os advrbios, em gramaticais
tradicionais e nas de orientao lingstica, percebemos que essa uma classe bastante
complexa e colocada de forma pouco elucidativa, isto , em geral, definida e exemplificada
de modo simplista e pouco esclarecedora. Nesta pesquisa, estamos considerando como dados
advrbios que os estudiosos consideram ora como advrbios de tempo (como ultimamente,
primeiramente, antigamente), ora como advrbios de aspecto (freqentemente, novamente,
constantemente) e ainda como advrbios de modo, como por exemplo, o advrbio
rapidamente, que classificado tradicionalmente como advrbio de modo. Como tambm h
nesse advrbio traos semnticos ligados ao tempo, tambm o inclumos na anlise (cf. os
resultados do fator tipo semntico do advrbio).
Entendemos que necessria uma anlise mais profunda sobre os advrbios de tempo
e de aspecto em -mente, abarcando seus usos ou funes; suas posies na clusula e outras
caractersticas. Neste estudo, investigaremos questes como:
a) Por que o advrbio ora aparece no final, ora no incio da clusula, ora em outras
posies?
b) H fatores que contribuem para a ordenao desses advrbios num dado lugar da
clusula?
c) Existe uma posio fixa para determinados usos dos advrbios? Se existe, por que
isso acontece? Seria o tipo semntico do verbo que, com a freqncia de uso,
fixaria o advrbio numa dada posio?
d) H relao entre a semntica do advrbio e a posio em que ele aparece mais
freqentemente na clusula? H posies prototpicas para os advrbios em -
mente? Se h, houve alguma diferena de uso ao longo da histria do portugus?
Acreditamos que esta pesquisa contribuir para o estudo sobre a ordenao dos
advrbios de tempo e de aspecto e suas funes na clusula na lngua portuguesa. Contribuir
tambm para melhor compreendermos a organizao textual.
1.1 Hipteses
As hipteses desse estudo so:
(a) Pressupomos que ocorreram mudanas na posio dos advrbios da sincronia do
portugus arcaico para o contemporneo. De acordo com trabalhos anteriores, como os
de Martelotta e Leito (1999) e de Martelotta, Barbosa e Leito (2001), a posio pr-
verbal (entre o sujeito e o verbo) era disponvel para toda e qualquer espcie de advrbio
e, hoje, ela s est disponvel para alguns - portanto, houve uma mudana no padro de
ordenao de alguns advrbios. Com relao aos advrbios de tempo e de aspecto em -
mente, acreditamos que deve haver uma posio prototpica para esse advrbio em
relao ao verbo, ao sujeito e ao complemento verbal nas diferentes sincronias, sendo
que, ao longo da histria do portugus, pode ter havido uma contnua fixao da posio
do advrbio em relao ao verbo, uma vez que estudos diacrnicos demonstram que a
ordenao dos termos foi se tornando cada vez mais fixa.
(b) Seguindo a proposta de Martelotta (2004) para os advrbios qualitativos, estamos
considerando que a mudana de ordenao dos advrbios de tempo e de aspecto em -
mente parece est relacionada ao processo de gramaticalizao de certas estruturas
sintticas. De acordo com Givn (1979), a clusula principal declarativa, afirmativa,
ativa, neutra menos pressuposicional, no sentido de que sua interpretao depende de
menos material infervel do que a interpretao das demais estruturas. Isso confere a esse
tipo de clusula (menos gramaticalizada) uma maior liberdade e variedade de elementos
significativos. Por outro lado, a distribuio dos elementos significativos, em todos os
outros tipos de clusula (mais gramaticalizadas), sempre mais restrita visto que esses
outros tipos de clusula tendem a exibir grande conservadorismo sinttico, sobretudo, no
que diz respeito ordenao vocabular. Portanto, partindo dessa proposta, esperamos
encontrar, no portugus arcaico, advrbios em posio pr-verbal (posio tpica dos
advrbios no latim) ocorrendo mais nas oraes mais gramaticalizadas (hipotticas e
subordinadas) do que nas menos gramaticalizadas, e, no portugus atual, nossa hiptese
de que ocorram menos advrbios em posies pr-verbais e que essas ocorrncias
envolvam frases estilisticamente marcadas.
(c) deve haver fatores de diferentes ordens que motivam o uso do advrbio em diferentes
posies na frase. Fatores como o papel semntico exercido pelo advrbio em -mente, o
tipo semntico do verbo, a presena ou ausncia do sujeito na frase, dentre outros,
devem influenciar a ordem que este ocupa na sentena.
1.2 Objetivos
Pretendemos estudar as posies assumidas pelos advrbios em -mente na clusula em
textos de diferentes gneros textuais das seguintes fases do portugus: portugus arcaico, dos
sculos XVI, XVII, XVIII, XIX e portugus atual, observando, principalmente, o papel da
freqncia de ocorrncia em dadas posies e a possvel gramaticalizao desses advrbios
com determinados tipos de verbo. Inicialmente, a opo por textos religiosos foi pela
disponibilidade de textos em documentos escritos em portugus arcaico, mas, quando
partimos para o levantamento de dados, verificamos que havia uma escassez de dados do
fenmeno em questo, sendo assim, decidimos investigar em outros gneros textuais.
Mas, ainda assim, procuramos manter uma certa uniformizao das tipologias, pois as
diferenas entre os usos dos advrbios encontrados poderiam ser atribudas a diferenas
textuais e no mudana lingstica.
Os principais objetivos desse estudo so:
1- analisar detalhadamente o uso dos advrbios de tempo e de aspecto em -mente no
portugus escrito;
2- acompanhar o uso da ordenao dos advrbios nos tipos de oraes ao longo do
tempo, analisando os dados tanto do portugus arcaico quanto do portugus atual, para
verificar se as construes mais gramaticalizadas (clusulas hipotticas e
subordinadas) so mais conservadoras, isto , favorecem a ocorrncia de advrbios em
posies pr-verbais (posies mais antigas), e se as menos gramaticalizadas
(clusulas principais e coordenadas) so mais inovadoras, propiciando a ocorrncia de
dados com advrbios em mente em ordenaes ps-verbais;
3- verificar se h indcios de mudana na sintaxe desse advrbio nas fases estudadas do
portugus: arcaica, dos sculos XVI, XVII, XVIII, XIX e portugus atual;
4- caracterizar as posies assumidas pelos advrbios de tempo e aspecto, apresentando
a freqncia de ocorrncia de cada ordem assumida;
5- identificar os fatores que influenciam a ordenao desses advrbios em contextos em
que eles podem ocupar posies diferentes nas clusulas, testando hipteses
relacionadas motivao de ordenao.
Para apreciao das questes aqui levantadas, apresentamos, no captulo 2, uma reviso na
literatura sobre os advrbios, sua ordenao, formao e origem, no captulo 3, os
pressupostos tericos que fundamentam esse estudo; no captulo 4, a metodologia utilizada
para codificao dos dados; no captulo 5, a anlise dos dados, interpretao dos resultados da
anlise quantitativa, assim como dos fatores e hipteses examinados; e, por fim, nos captulos
6 e 7, seguem algumas consideraes finais sobre os advrbios e a bibliografia,
respectivamente.
2 REVISO DE LITERATURA
Este captulo consiste numa breve explanao sobre a questo da categorizao e
estrutura da lngua, como tambm, a descrio de algumas abordagens sobre a definio,
classificao e/ou ordenao de advrbios na clusula. Aqui so apresentados trabalhos de
perspectiva tradicional, bem como os realizados em linhas de pesquisa lingstica que
estudam a Lngua em uso.
2.1 A questo da categorizao
Antes de apresentarmos as consideraes sobre a classe que rene os advrbios,
apresentaremos uma breve explanao sobre a questo da categorizao, uma vez que estamos
reunindo numa mesma classe geral advrbios que os estudiosos ora consideram de tempo
(ultimamente, por exemplo), ora de aspecto (freqentemente), ora de modo (rapidamente).
Alm disso, a prpria natureza da classe advrbio de difcil anlise, uma vez que rene itens
muito diferentes tanto com relao ordenao, como em relao semntica.
Tradicionalmente, as classes das palavras tm sido definidas segundo suas
propriedades semnticas, sintticas e morfolgicas. As gramticas tradicionais privilegiam o
aspecto semntico na conceituao do substantivo, do adjetivo e do verbo, e recorrem ao
aspecto funcional na conceituao da conjuno, da preposio e at mesmo do artigo, dos
pronomes e dos advrbios, que o foco do nosso trabalho, e, estes ltimos so conceituados
ainda pelo seu aspecto semntico, mas a anlise apresentada no d conta da sua impreciso.
Os autores de um modo geral tambm chegam concluso da impreciso dessa
categoria. Seja de um ponto de vista mais formal, como o de Camara Jr. (1976) ou o de
Bechara (1999), seja de uma perspectiva mais funcional, como a de Ilari et al. (1990) ou a de
Neves (2000), a categoria dos advrbios considerada bastante controvertida.
Constituda por tipos de natureza muito diversa, em termos semnticos, sintticos e
mesmo morfolgicos, esse conjunto parece no resistir a uma definio mais geral, capaz de
dar conta da totalidade de seus usos. Nesse sentido, a abordagem categorial prototpica,
segundo Taylor (1995), em conformidade com a concepo funcionalista que nos orienta,
apresenta-se como o tratamento mais adequado para os tipos desse conjunto to hbrido. De
acordo com tal concepo, podemos admitir que, numa dada classe, encontram-se membros
situados em pontos distintos em relao ao eixo categorial bsico, de acordo com o nmero de
traos compartilhados pelos mesmos.
Assim, encontramos constituintes que de modo mais visvel representam essa
categoria; em geral, so termos mais freqentes e identificados pela comunidade lingstica
como pertencentes categoria. Por outro lado, podemos registrar tambm termos que, por
conta da perda de traos categoriais, tendem a ocupar posio perifrica ou marginal em
relao ao padro, situando-se praticamente no limite ou na interseo com outra classe. Dos
advrbios aqui em anlise, os de tempo e de aspecto em -mente, conforme a perspectiva
exposta anteriormente, estariam situados em um ponto de maior afastamento em relao ao
eixo da categoria dos advrbios. Segundo Ilari et al. (1990) e Neves (2000), esses tipos de
advrbios caracterizam-se por sua funo no-predicativa ou no-modificadora, uma vez que
informaes acerca de tempo no incidem sobre ou afetam a predicao, mas os de aspecto
sim. Assim definidos, estariam tais constituintes predispostos a ocorrer em pontos de maior
afastamento em relao ao verbo, conforme prev o subprincpio de proximidade (Givn,
2001; Furtado da Cunha, Rios de Oliveira e Martellota, 2003), segundo o qual contedos
menos integrados so articulados por formas tambm menos integradas na superfcie textual.
Alm do aspecto relativo ao status dessa categoria, interessa-nos tambm mencionar a
questo da polissemia envolvida nos usos desses advrbios. De acordo com a hiptese
localista, podemos dizer que a referncia espacial seria a mais primria ou original; a partir
desse sentido mais concreto, teramos a derivao para tempo, de natureza mais abstrata, e, a
partir da, os sentidos lgicos ou textuais, como a referncia de modo, numa etapa de maior
abstratizao. Segundo Pontes (1992, p. 8-9), atravs do uso dos mesmos elementos
gramaticais, projetamos as categorias de espao para falar de tempo metaforicamente;
conforme a autora, trata-se de derivao de sentido desde tempos imemoriais. O interessante
nessa abordagem que os sentidos originais no so necessariamente descartados diante dos
mais recentes, o que vem a gerar polissemia dos usos adverbiais, principalmente na
articulao dos sentidos aspectuais, modais e temporais, muitas vezes sobrepostos.
Mattoso Cmara formulou na Estrutura da Lngua Portuguesa uma classificao
baseada em dois critrios, um misto e outro simples, que didaticamente satisfatria. Para ele,
os vocbulos formais do portugus se agrupam, primeiro, segundo a um critrio morfo-
semntico, em quatro classes: nome, verbo, pronome e conectivo. As trs primeiras classes
so constitudas basicamente de palavras variveis, a ltima de palavras invariveis.
O verbo distingue-se no grupo, nessa primeira diviso, pelo paradigma flexional em
que se enquadra (apresenta variao modo-temporal e nmero-pessoal). O nome e o pronome,
por sua vez, so vocbulos dotados de nmero e gnero, exprimveis em uma e noutra classe
pelo mesmo mecanismo flexional. A distino entre eles repousa, de um lado, na natureza da
significao, e de outro, em certas propriedades morfossintticas exclusivas do pronome
(variao em pessoa e em caso)
Semanticamente, o nome nomeia e os seres, permitindo que o locutor e o ouvinte os
designem sem o reforo da situao ou do contexto verbal. O pronome por outro lado, efetua
uma referncia contextual ou situacional: quem diz aquela roupa estava na minha gaveta,
s est particularizando roupa e gaveta em funo de uma situao. Sabe-se apenas, por meio
de aquela e de minha, que a roupa em questo est distante dos interlocutores e que a
gaveta pertence ao locutor. Essa constatao, todavia, no esclarece tudo, uma vez que as
palavras distante e prximo tambm significam noes relativas e nem por isso so
pronomes. Basicamente, importa ter em vista a referncia situao em que se encontram os
interlocutores: os pronomes a incluem na significao dos enunciados. Sendo assim, pode-se
dizer Pernambuco fica distante de Santa Catarina em qualquer parte do Brasil, que o
significado da frase ser o mesmo; mas quem diz Pernambuco fica distante daqui designa
com o aqui o lugar em que, na qualidade de Emissor, se encontra. Logo, aquele, minha e
aqui tem uma significao situacional e so por isso, pronomes. Do ponto de vista mrfico,
boa parte dos pronomes apresenta formas distintas conforme a pessoa do discurso a que se
referem. Entre estes pronomes, os denominados pessoais tm formas distintas para cumprir
as funes de sujeito e complemento. Acrescenta-se, quanto ao aspecto mrfico que vrios
pronomes apresentam, ao lado das formas masculinas e femininas, h uma terceira forma
neutra (aquilo, em face de aquele/aquela).
O segundo critrio de Mattoso, de modo simples, redistribui os nomes, os pronomes e
os conectivos segundo caractersticas sintticas. O nome e o pronome podem ser substantivos,
adjetivos ou advrbios; os conectivos podem ser conjunes ou preposies. Estes papis s
podem ser identificados no contexto da orao ou do sintagma: em meus amigos ingleses,
amigos o ncleo da construo, classificado por isso como substantivo, ao passo que
ingleses, constituinte modificador, um adjetivo; por outro lado, em as crianas amigas,
crianas o ncleo e amigas funciona como adjetivo. Na mesma linha de raciocnio, diremos
que elas so meus amigas, elas, sujeito da orao, um pronome substantivo, enquanto
minhas, adjunto de amigas, um pronome adjetivo. Alm disso, o nome e o pronome podem
funcionar como advrbios se o termo que acompanham um verbo e podem dar lugar a
expresses preposicionadas. o que se passa com alto a aqui em Os garotos conversam alto
(cf. Os garotos conversam com entusiasmo) e em Os garotos conversavam aqui (cf. Os
garotos conversavam nesta sala).
Quanto aos conectivos, h, segundo Mattoso, os que ligam palavras (preposies) e os
que ligam oraes (conjunes). Assim, em casa de pedra, de uma preposio, cabendo,
porm, a enquanto o papel de conjuno em Vilma iria enquanto voc chorava.
Das consideraes feitas nas linhas anteriores, depreende-se a necessidade de se
repensar as caractersticas sinttico-semntico-discursivas dos advrbios para um estudo mais
atento dessa categoria.
2.2 Advrbio: elemento do lxico ou da gramtica?
Tradicionalmente, feita uma separao entre elementos do lxico ou lexemas e
elementos da gramtica, ou morfemas propriamente ditos.
Os elementos do lxico configuram imediatamente a realidade extralingstica e os
morfemas gramaticais remetem a uma significao intralingstica (significao externa e
objetiva). Os verbos plenos, substantivos e adjetivos so considerados elementos do lxico e
outras classes como conjunes, preposies, etc. so de modo geral considerados elementos
da gramtica, assim como as flexes, prefixos e sufixos. Mas h classes que apresentam
caractersticas de ambos os nveis. Uma dessas classes o advrbio, que ora se comporta
como um item do lxico (haja vista a possibilidade de criao de novos advrbios em -mente),
ora se comporta como elemento da gramtica.
No que se refere aos vocbulos derivados em -mente, torna-se inadequado, consider-
los morfemas lexicais ou lexemas fora de um contexto especfico, visto que alguns deles,
isoladamente no remetem realidade extralingstica (valores temporais, sociolgicos,
psicolgicos etc.), motivo pelo qual se prefere denomin-los vocbulos e no palavras.
Vale ressaltar que Cunha e Cintra (1985) consideram morfemas lexicais os
substantivos, os adjetivos, os verbos e os advrbios de modo e, morfemas gramaticais os
artigos, os pronomes, os numerais, as preposies, as conjunes, os demais advrbios, bem
como as formas indicadoras de nmero, gnero, tempo, modo ou aspecto verbal.
Alm disso, Brinton e Traugott (2005), que utilizam uma perspectiva funcionalista
semelhante que caracteriza este trabalho, consideram os advrbios, por suas caractersticas,
como elementos da gramtica.
Verifica-se que, alm de apresentarem todos os advrbios de modo como morfemas
lexicais, os gramticos mencionados denominam morfemas gramaticais no s os afixos e
desinncias (formas presas), como tambm as formas dependentes, na perspectiva de Cmara
Jnior, estabelecendo entre tais elementos uma relao de igualdade.
Com base nestes pressupostos, pergunta-se:
1) como considerar todos os vocbulos derivados em -mente, inclusive os desgastados pelo
uso automatizado, morfemas lexicais?
e, em conseqncia:
2) como denominar todos os advrbios no-marcados pela presena do sufixo -mente,
indistintamente, morfemas gramaticais?
2.3 Advrbios: espcies, formas e significao
Os advrbios so tradicionalmente caracterizados, priorizando os critrios semnticos
e formais. Sob o critrio semntico, o advrbio expressa circunstncias e, por outro lado, sob
o critrio formal, eles podem modificar um verbo, um adjetivo, outro advrbio, ou todo o
enunciado.
Comeando pelo critrio semntico, tem-se a idia de circunstncia. Entendemos
como circunstncia determinados indcios ou particularidades que caracterizam o contedo
expresso pelo termo ao qual o advrbio se refere. Sendo assim, pode-se entender como
expressando circunstncias dados informacionais bastante diferentes entre si, como tempo,
lugar, modo, causa e, at mesmo, intensidade. Mas difcil admitir que determinados tipos de
advrbios expressem circunstncias, como o caso, por exemplo, dos advrbios de dvida, de
afirmao e de negao, respectivamente exemplificados abaixo:
(1) Talvez amanh chova.
(2) Sim, choveu muito.
(3) No choveu muito.
Nestes casos, os advrbios destacados no expressam circunstncias, pelo menos de
acordo com a definio proposta acima, e sim uma atitude ou posicionamento do falante em
relao quilo que est falando. O mesmo ocorre com os advrbios abaixo:
(4) Com certeza, vai chover amanh.
(5) Felizmente, no choveu.
(6) Sinceramente, eu no gosto de chuva.
Nestes casos, ocorre nitidamente uma atitude ou posicionamento do falante em relao
ao que fala. Ducrot (1972) prope que estes advrbios referem-se ao prprio ato ilocucionrio
de afirmar, uma vez que qualificam o ato de dizer e no a coisa direta. Para ele, alguns
advrbios tm sua utilizao explicada apenas por uma teoria dos atos da fala ou teoria da
enunciao, cuja unidade o discurso.
Ducrot (1972) tambm apresenta alguns advrbios que indicam pressuposio: mal,
quase, exceto, tambm, somente, muito, pouco, entre outros. Embora alguns destes elementos
no sejam considerados tradicionalmente como advrbios, Ducrot (1972) os apresenta como
tal, afirmando que sua introduo no enunciado permite que determinado fato seja
pressuposto:
(7) Ele quase parou de fumar.
Nesta frase, o uso do elemento quase leva pressuposio de que "ele" tentou parar de
fumar.
Como se pode ver, a viso de que os advrbios exprimem circunstncias muito
limitada. H determinados tipos de advrbios cujo uso basicamente determinado por fatores
pragmtico-discursivos. E mesmo aqueles que funcionam normalmente como
circunstanciadores (de tempo, de lugar, de modo, de causa, de intensidade) muitas vezes so
usados para direcionar a interpretao do ouvinte, promover a organizao das informaes
no discurso alm de outras funes pragmtico-discursivas.
o caso, por exemplo, do advrbio de tempo j, que pode assumir um papel de
elemento de contra-expectativa, no sentido que Heine et al. (1992) do ao termo:
(8) A reunio j terminou?
Nesta frase, mais que uma noo temporal, o elemento j demonstra noo de contra-
expectativa do falante de que a reunio no tivesse terminado. Ou seja, a frase expressa o
contrrio da expectativa e o advrbio j a marca disto: um elemento de contra-expectativa.
Mas tambm de grande relevncia pensar no aspecto formal da definio de
advrbio. correto caracterizar os advrbios como elementos que se referem a um verbo, a
um adjetivo, a outro advrbio ou orao inteira? H autores que j tentaram questionar isto,
como, por exemplo, Silva Jr. e Andrade (1907: 155), que afirmaram que os advrbios podem
modificar substantivos:
(9) Gonalves Dias era verdadeiramente poeta.
Bomfim (1988: 9) questiona esta hiptese, afirmando que o termo poeta, no caso, no
pode ser entendido substantivamente, mas como um conjunto de qualidades atribudas ao
elemento que recebe a referncia. Assim, segundo autora, o elemento verdadeiramente
funciona, na realidade, como intensificador de poeta.
Por outro lado, pode-se pensar em outros exemplos, como os agrupados abaixo:
(10) A reunio na casa de Paulo foi proveitosa.
(11) O exemplo acima demonstra a hiptese.
(12) O pas precisa de pessoas assim.
Nestas frases, os termos sublinhados referem-se claramente aos substantivos que os
antecedem e expressam circunstncia (lugar nos exemplos 10 e 11 e modo no exemplo 12).
So casos diferentes do exemplo 9, onde o substantivo a que o advrbio se refere desempenha
funo de predicativo. Deve-se considerar estes casos advrbio ou no? Mais uma vez se
evidencia a necessidade de se repensar o conceito tradicional de advrbio.
Mas este trabalho se deter, mais especificamente, na ordenao dos advrbios de
tempo e de aspecto terminados em -mente. Mas interessante estarmos sempre repensando
seu papel na estrutura da Lngua.
Conforme props Givn (2001), a classe dos advrbios a menos homognea, tanto
do ponto de vista semntico quanto do morfossinttico. Essa heterogeneidade agravada pelo
fato de os advrbios funcionarem num plano de utilizao da lngua que tramita entre o campo
do lxico e a rea da gramtica, normalmente composta de elementos que assumem funes
voltadas para a organizao interna do texto ou para a orientao argumentativa que se quer
dar a ele. De fato, o rtulo advrbio designa um conjunto muito diferenciado de elementos, e
parece constituir uma categoria fluida, que tende a se adaptar s intenes comunicativas
envolvidas no discurso.
Tradicionalmente, os advrbios so caracterizados como elementos de base nominal
(apenas < a + penas, depressa < de + pressa) ou pronominal (aqui, hoje) que de um ponto de
vista formal, so invariveis, de um ponto de vista funcional (Cmara Jr: 1983) so termos
determinantes de um verbo ou de um nome (adjetivo e outro advrbio) e, de um ponto de vista
semntico, expressam circunstncias, como j foi explicitado anteriormente, ou seja, o
problema da generalizao das definies.
2.4 Viso Tradicional dos Advrbios
Com base no que observamos em Said Ali (1969), Melo (1970), Rocha Lima (1985),
Cunha & Cintra (1985) e Bechara (2000), podemos dizer que os advrbios so
tradicionalmente caracterizados, de um ponto de vista semntico, por expressarem
circunstncias e, de um ponto de vista formal, por modificarem um verbo, um adjetivo, outro
advrbio, ou toda a declarao, como se pode observar na definio de advrbio proposta por
Rocha Lima:
[...] palavras modificadoras do verbo. Servem para expressar as vrias circunstncias que cercam a significao verbal (...). Alguns h, at, que no acompanham a verbos, mas somente a adjetivos e advrbios. (ROCHA LIMA, 1985: 174).
No que se refere especificamente aos advrbios de tempo, as gramticas tradicionais
tambm no dizem muito. Apresentam a noo de tempo como uma das noes
circunstanciais expressas pelos advrbios e elencam uma srie de elementos, como: agora,
ainda, amanh, anteontem, antes, breve, cedo, depois, ento, hoje, jamais, logo, nunca,
ontem, sempre, tarde, entre outros. Tambm no se v, nas gramticas tradicionais, uma
relao entre determinadas noes aspectuais e a classe dos advrbios. Alis, a noo de
aspecto normalmente deixada de lado nas gramticas e as diferenas entre as noes
temporais diticas e no-diticas no so abordadas.
A respeito da ordenao dos advrbios, tema que nos interessa mais, os gramticos
tradicionais, de um modo geral, nada menciona. Apenas Cunha e Cintra (1985) e Bechara
(2000) falam algo sobre o assunto.
Cunha e Cintra (1985) se referem colocao adverbial em sua gramtica, afirmando
que "os advrbios que modificam um adjetivo, um particpio isolado ou outro advrbio
colocam-se de regra antes destes". Em seguida, propem que, com relao aos advrbios que
modificam o verbo, ocorre o seguinte:
a) Os advrbios de modo colocam-se normalmente depois do verbo.
b) Os advrbios de tempo e de lugar podem colocar-se antes ou depois do verbo.
c) O advrbio de negao antecede sempre o verbo.
Ainda acrescentam que os advrbios modificadores de outro advrbio, de um adjetivo
ou de um particpio isolado posicionam-se antes destes.
Os autores em questo propem tambm que "o realce do adjunto adverbial
expresso de regra por sua antecipao ao verbo", mas nada dizem em relao colocao de
cada tipo especfico de advrbio para fins de realce, muito menos o que ocorre neste sentido,
com os tipos de advrbios que j tendem a aparecer antes do verbo.
Entretanto, tratam a colocao desses advrbios em linhas muito gerais, uma vez que
se sabe, por exemplo, que os advrbios de modo so muito complexos. Alm disso, no dizem
o porqu de tal ordenao. Tambm no mencionam a posio de outros tipos de advrbios.
Bechara (2000) tambm menciona a questo da colocao dos advrbios, ao afirmar
que esses elementos no se referem apenas ao verbo, podendo assim aparecer em vrias
posies. Considera que a melhor proposta a de Llorach (2000): o analista deve ater-se s
relaes que cada advrbio contrai dentro do enunciado, quer no seu papel primrio de
adjacente circunstancial, quer por sua combinao com outras unidades no interior de um
grupo nominal unitrio. Como analisa Martelotta (2000), essa a posio tomada por muitos
trabalhos de base funcionalista, em que a colocao dos advrbios est relacionada ao seu
funcionamento no enunciado.
Em Bechara (2001:290), dito que o advrbio possui certa flexibilidade de posio,
uma vez que sua funo no est ligada apenas ao verbo, mas estende-se ao contedo
expresso pelo predicado e ao domnio do sujeito, podendo anteced-lo ou preced-lo. No
entanto, o autor no especifica em que contextos tais posies podem ocorrer.
Como se pode ver, as gramticas tradicionais so pouco elucidativas no que se refere
classificao e, sobretudo, ordenao de advrbios, apresentando propostas para os
diferentes tipos de advrbios que so bastante controversas: os advrbios de negao, por
exemplo, no antecedem sempre o verbo e podem ocorrer antecedendo o termo, na sentena,
que est sendo negado (Ex.: Eu chamei no a voc, mas a seu irmo). E afirmar que os
advrbios de modo colocam-se normalmente depois do verbo nada dizer diante da
complexidade da colocao deste tipo de advrbio na sentena e a outras propriedades
pertinentes a outros desses elementos.
2.5 Pesquisas sobre advrbios, sob orientao da Lingstica
2.5.1 Tipos de advrbios
Um dos trabalhos que apresenta uma profundidade sobre a ordenao dos advrbios
o de Ilari et al. (1990), que, em uma anlise detalhada dos advrbios e de sua ordenao,
propem que essa classe de palavras pode dividir-se em dois grandes tipos: predicativos e
no-predicativos.
Os advrbios predicativos caracterizam-se por constiturem argumentos de segunda
ordem. Assim como o verbo e o adjetivo atribuem uma ao ou qualidade ao sujeito, os
advrbios predicativos modificam a ao ou qualidade atribuda ao sujeito. Do ponto de vista
sinttico, esses advrbios podem modificar o sentido do verbo, do adjetivo ou de outro
advrbio. So exemplos desse tipo de advrbio: bem, muito, gratuitamente. Os no-
predicativos, por outro lado, no so compatveis com as idias de modificao de sentido e
de predicao de segunda ordem, apresentando funes bastante diferentes daquelas que
caracterizam os advrbios predicativos.
Interessam-nos, nesse trabalho, os advrbios predicativos. Nessa classe de advrbios
enquadram-se, segundo os autores, as seguintes subclasses:
a) Qualitativos - paralelos construo com substantivo, que expressa qualidade (comida
boa), esses advrbios modificam o sentido dos elementos a que se referem: Comer bem,
maravilhosamente bem. Entre esses advrbios encontram-se mal, assim, entre outros.
b) Intensificadores - relacionam-se tipicamente a verbos, adjetivos e advrbios,
intensificando-lhes o sentido: muito, mais, etc.
c) Modalizadores - aplicam-se a sentenas completas e indicam atitude proposicional:
certamente, felizmente, etc.
d) Aspectualizadores - so advrbios cujos traos semnticos correspondem a noes
aspectuais do verbo da sentena em que ocorrem: geralmente, diariamente, de vez em quando,
algumas vezes, etc.
Os qualitativos e os intensificadores apresentam caractersticas muito semelhantes
entre si, j que podem referir-se ao verbo, ao adjetivo ou a outro advrbio. Isso os diferencia
dos chamados modalizadores, que, segundo os autores, de um modo geral, qualificam a
assero, relacionando-se sentena inteira.
Quando se referem ao verbo, os advrbios qualitativos apresentam determinadas
restries seletivas quanto ao contedo do verbo que modificam, tendo, portanto, fundamento
argumental. Assim, alguns advrbios no podem referir-se a determinados verbos: o advrbio
gratuitamente, por exemplo, no pode ser atribudo ao verbo pagar.
Isso diferencia os qualitativos dos advrbios aspectualizadores, cuja restrio seletiva
se refere ao esquema tempo-aspectual do verbo: o advrbio geralmente, por exemplo, no
pode referir-se a uma forma verbal, de aspecto pontual e concludo, como, por exemplo, a
forma verbal caiu.
Curiosamente, Ilari et al. (1990), que propem um trabalho sobre ordenao, pouco
falam acerca das tendncias de colocao dos aspectualizadores. Alm disso, no mencionam
uma categoria de advrbios de tempo, mas de advrbios aspectualizadores, que indicam a
freqncia com que um verbo se reitera. Dos exemplos apresentados pelos autores, todos se
relacionam a noes tradicionalmente associadas ao conceito de aspecto iterativo: geralmente,
normalmente, diariamente, de vez em quando, s vezes, entre outros. Entretanto, os autores
nada dizem sobre elementos adverbiais associados a outras noes aspectuais, como
pontualidade ou duratividade ou mesmo sobre elementos adverbiais, como ontem, hoje e
amanh, por exemplo, que expressam informaes temporais diticas, que no se relacionam
noo de aspecto, mas categoria gramatical de tempo, que, por definio, possui natureza
ditica.
Outros autores, como veremos mais adiante, tambm acrescentam entre os tipos de
advrbios, termos que indicam noes semanticamente associadas a noes aspectuais. Um
exemplo de outro estudo sobre os advrbios e sua classificao o de Castilho (1999). Nesse
trabalho, os tradicionalmente chamados advrbios de tempo foram arrolados entre um grupo
de advrbios que o autor classificou como qualificadores aspectualizadores.
O autor define a predicao qualificadora como um processo semntico-sinttico por
meio do qual um operador incide sobre uma classe, modificando ou confirmando sua
inteno, isto suas propriedades especficas, ou traos semnticos ou semas, na terminologia
da Semntica estrutural. Em seguida afirma que a qualificao codificada gramaticalmente
pelos adjetivos, pelos advrbios predicativos e pelos adverbiais, representados por um
sintagma nominal ou por um sintagma preposicionado com valor adverbial.
Quanto aos chamados qualificadores aspectualizadores, o autor relaciona essa classe
de advrbios com a noo de aspecto, que possui natureza composicional, j que resulta da
interao do sentido lexical do verbo com o tempo em que foram conjugados, seus
argumentos, os adjuntos adverbiais a ele associados e o padro sinttico em que o verbo est
encaixado.
O autor centra suas anlises nas noes de perfectividade vs imperfectividade e
telicidade vs. atelicidade e prope a existncia de aspectualizadores imperfectivos e
perfectivos. Vejamos respectivamente dois exemplos dados pelo prprio autor:
(01)... ela teve escritrios durante... oito anos:: mais ou menos
(02) ajeitou os cabelos de um golpe
A importncia desse trabalho est no fato de o autor resgatar uma importante relao
entre aspecto e discurso, relacionando os usos desses advrbios aos dois planos discursivos
caractersticos da narrativa, propostos em Hopper (1979): figura e fundo. O autor prope que,
na narrativa por ele analisada, as aes imperfectivas ocorrem em fundo e tambm em figura,
contrariando a proposta de Hopper (1979), de que a imperfectividade tpica de fundo.
O trabalho de Castilho (1999), portanto, tem o valor de sofisticar mais um pouco a
noo de advrbio aspectual. Mas, alm de no mencionar questes relacionadas ordenao,
ainda no resolve os dois problemas bsicos j apontados. No analisa outras noes
aspectuais, alm da distino entre perfectividade vs imperfectividade e as noes
semanticamente prximas a ela. Nada menciona acerca dos elementos adverbiais que
expressam informaes temporais diticas, que no se relacionam categoria de aspecto, mas
de tempo.
Outro trabalho que merece meno o de Givn (2001), que chama ateno para o
fato de que advrbios podem indicar, no tempo, vrios aspectos temporais dos eventos e
caracterizam esses advrbios como advrbios de tempo e aspecto. Para o autor, no o verbo,
mas a clusula que constitui o escopo semntico destes advrbios, cujas caractersticas
morfossintticas so muito heterogneas.
Sem entrar em detalhes de anlise, o autor apresenta exemplos do ingls, que so
tipicamente aspectuais, como often, always, again, continuously, on and on, entre outros.
Podemos notar que o autor no se restringiu ao aspecto iterativo, na medida em que
apresenta o caso de continuously e on and on, por exemplo, que se relacionam a outras noes
aspectuais, como imperfectividade e progressividade. Por outro lado, apresentam tambm
exemplos de advrbios tradicionalmente temporais, como yesterday, tomorrow, entre outros.
Essa a tendncia que seguiremos aqui. Adotaremos uma classificao que leve em
conta as noes de tempo e aspecto, procurando refinar a anlise das relaes entre advrbios
e as diferentes noes aspectuais. Com base nisso, observaremos o comportamento desses
elementos nas diferentes fases do portugus, na modalidade escrita, tentando relacionar esses
dados com as diferenas em suas tendncias de ordenao.
importante tambm ressaltar que estamos lidando apenas com advrbios de tempo
e de aspecto em -mente.
2.5.2 Estudos sobre o advrbio em -mente e sobre ordenao de advrbios
Passamos agora a uma reviso dos estudos feitos sobre advrbios em -mente ou sobre
ordenao _ os dois focos principais desta tese _ sob o ponto de vista da cincia Lingstica.
A tese de Rodrigues (1994) apresenta um estudo de cunho variacionista com uma
perspectiva de comparabilidade funcional que analisa outras possveis funes dos vocbulos
derivados em -mente, alm dos adjuntos adverbiais. Afirma que esses vocbulos no
configuram isoladamente uma classe gramatical.
Ao analisar os dados e pressupostos tericos de diversos autores, Rodrigues pde
definir o advrbio como vocbulo de natureza nominal, modificador do verbo que, em
relao aos outros nomes, caracteriza-se por apresentar invariabilidade de gnero e nmero
(1994:159).
A autora estabeleceu uma oposio entre funo adverbial e quaisquer outras funes
que os vocbulos derivados em -mente pudessem exercer no corpus analisado.
Assim, adotou o termo pseudo-advrbio de Bonfim (1988), para agrupar essas
outras funes, a saber: 1) a discursiva (funcionam como marcadores); 2) a de modificador de
nome; 3) a de modificador de sintagma preposicional; 4) a de modificador de sentena; 5) a
de modificador do pronome.
Representou essa distino no seguinte quadro:
Quadro1 Distino entre Advrbio e Pseudo-advrbio
CLASSE Nomes derivados Em -mente
FUNES Advrbio Pseudo-advrbio: discursivo -modificador de nome -modificador do SP -modificador da sentena -modificador do pronome (Rodrigues,1994:161)
A autora descobriu que o tipo do verbo aliado classe do vocbulo que pertence
classificao semntica do nome em -mente foram os fatores condicionadores da funo dos
vocbulos derivados em -mente, que foram, na maioria das vezes, os pseudo-advrbios
(Rodrigues, 1994:162).
Outra pesquisa sobre itens em -mente a dissertao de Freitas (2004), na qual a
autora trata especificamente dos advrbios temporais e aspectuais em -mente na lngua oral
portuguesa, sob uma perspectiva funcionalista. Verifica que a posio mais tpica desses
advrbios na orao a pr-verbal quando ocorrem nas oraes formadas pela estrutura
padro da lngua portuguesa SVCo (sujeito, verbo e complemento). Alm disso, verifica que a
posio pr-verbal era predominante. Constatou, ainda, que h uma diferena de ordenao da
posio pr-verbal para ps-verbal, ou, pelo menos uma tendncia para isso, quando no h
um argumento verbal na posio adjacente e posterior ao verbo. Freitas verifica tambm que
certos itens em -mente como primeiramente e finalmente esto se gramaticalizando. Esses
deixam de expressar somente o tempo dos eventos e passam a organizar os eventos
cronolgicos em seqncia textual, funcionando, segundo a autora, como conectivo, vejamos
alguns exemplos dados pela autora:
(1) /.../ o meu filho mais velho tem trinta e dois anos, depois eu tenho um filho de vinte e oito,
ai h um intervalo de oito anos, eu tenho uma filha, (e finalmente com outro intervalo de seis
anos tem um garoto) (NURC-RJ, INQ. 084, 1.37).
(2) /.../ E: isso...como...como se faz?
I: primeiramente voc pega a calha... pega a calha e ::/ tem um:: lugar de colocar o :: porta
start... a voc tem que furar ... os dois buraquinhos do lado... se for lmpada de duas... porque
tem lmpada? Tem luminria de uma lmpada...de duas... tem lmpada de vinte/.../ (D&G,
Juiz de Fora, 2o grau, relato de procedimento).
Segundo Freitas (2004), nos exemplos (1) e (2) acima, os itens destacados possuem
caractersticas de ligao entre sentenas e contextos lingsticos, funcionando como
elementos de conexo.
Moraes Pinto (2002) fez uma anlise da colocao e da polissemia de alguns itens
adverbiais em -mente no portugus arcaico e no portugus do sculo XIX, com ateno aos
seus valores qualitativos e modalizadores.
O objetivo desta pesquisa foi demonstrar que alguns advrbios qualitativos e
modalizadores terminados em -mente sofreram, no decorrer do tempo, mudana na sua
polissemia do portugus arcaico at os dias atuais. Essa mudana sucessiva e unidirecional e
consiste num processo de gramaticalizao, com esses elementos passando de advrbios
internos clusula a advrbios sentenciais. Em certos casos, os valores qualitativos
encontrados no incio da trajetria desaparecem e os advrbios passam a assumir funes
pragmtico-discursivas.
Os diferentes valores semnticos desses elementos implicam diferentes colocaes e
funes na orao. No portugus arcaico, os advrbios qualitativos possuam grande
mobilidade na clusula, podendo ocupar diversas posies, inclusive a de tpico. A partir do
sculo XIX, algumas posies se tornaram indisponveis a esses advrbios, pois, com o
processo de gramaticalizao, conforme seus valores semnticos se modificavam, eles
passaram a ter um carter especfico e passaram a depender das caractersticas gramaticais de
sua nova funo. Esse trabalho tem grande relevncia para a presente tese, pois j nos aponta
alguns caminhos a ser trilhados, como em relao ao processo de gramaticalizao, a questo
ordenao no decorrer do tempo, alm dos fatores analisados que motivaram sua realizao
atravs dos sculos.
A pesquisa de Andrade (2005), sobre a ordenao das locues adverbiais de tempo
em 100 editoriais sob o arcabouo terico funcionalista, demonstrou que as locues
temporais no tm uma posio prototpica nesse gnero, apresentando apenas uma pequena
tendncia de ocorrncia na posio ps-verbal (55% dos dados). A autora observou que as
locues (tanto as pequenas como as mais longas), em editoriais tendem a aparecer nas
posies marginais clusula, ou seja, logo no incio da clusula ou no final, como nos
exemplos a seguir:
.
(3) Nas ltimas duas eleies, indiretas, no houve sequer desafiante. (12-JB/1999).
(4) a oportunidade de recuperar o verniz que o partido perdeu ao longo do caminho. (129-
JB/2004).
As locues, no gnero estudado, aparecem normalmente na posio de sujeito quando
este est ausente (sujeito oculto ou orao sem sujeito) ou est na posio ps-verbal. Neste
caso, ou seja, na ordem VS (verbo-sujeito), 74% das locues coletadas esto na posio pr-
verbal, como no exemplo:
(5) Nos ltimos dois meses, foi roubado o carro blindado do ministro da justia. (47-
JB/2003).
Mas, quando o sujeito est na sua posio prototpica, ou seja, na ordem SV, as
locues adverbiais aparecem 68% na posio ps-verbal, como no exemplo a seguir:
(6) A Libria nasceu em 1822, como ptria de ex-escravos americanos. (JB/2003).
Como Andrade, tambm verificaremos a posio dos advrbios em -mente e a relao
com a presena ou ausncia do sujeito.
Cezario, Ilogti e Costa (2005) verificaram que, em textos religiosos contemporneos,
as locues tendem a ocorrer na posio pr-verbal (62% dos dados), como no exemplo:
(7) minutos depois estava ali apenas a mulher e ele (CSP)
De todos os tipos semnticos estudados (locues diticas, durativas, reiterativas e
simultneas) pelas autoras, apenas as durativas tendem a ocorrer em posio ps-verbal
(72%).
As autoras observam que as locues que aparecem inseridas entre o sujeito e o verbo
ou entre o verbo e o complemento/predicativo esto em oraes com baixssima
transitividade, como as com verbo de ligao ou com modal e verbo de ligao:
(8) A aclamao depois da consagrao tambm pode ser cantada (p.74, l.11 CEV)
(9) Nossas msicas devero ser ao mesmo tempo carismticas e profticas (p.84, l.28 CEV)
J as oraes com mais traos positivos de transitividade tendem a ter as locues em
posies marginais, como abaixo em que a locuo A seguir ocorre na margem esquerda de
uma orao altamente transitiva:
(10) (...) rangeu os dentes, mudou de cor, fez a pior carranca do universo, prendeu as mo e
deu um grito de raiva. A seguir levantou o soldado pela roupa, virou o rosto e disse (...) (p.
143, CSP).
Essa pesquisa importante para a presente tese, pois tambm ser testada a relao
entre semntica do elemento adverbial e ordenao. A questo da transitividade ser vista
indiretamente ao estudarmos a relao entre tipo semntico do verbo e a posio do advrbio.
Albani (2007) verificou que a posio tpica do advrbio sempre era pr-verbal no
portugus arcaico e ps-verbal no portugus contemporneo. Todos os fatores estudados
indicam que, no portugus arcaico, a ordem era mais livre e mais motivada, enquanto no
portugus atual a ordem mais fixa. Segundo ele, h um forte indcio de mudana na
ordenao do advrbio sempre em textos religiosos.
Seu trabalho foi importante para esta tese, pois uma pesquisa de ordem diacrnica e
que traz resultados interessantes quanto fixao de posio de advrbios. Muitos dos fatores
testados por ele tambm foram testados por ns, como a relao entre tipo semntico de verbo
e ordenao de advrbio. Com relao a esse fator, Albani destaca que, no portugus atual, o
advrbio sempre quase que categoricamente se apresenta na posio ps-verbal quando o
verbo relacional intensivo (verbo de ligao).
Uma pesquisa de grande importncia para o nosso trabalho a realizada por
Martelotta (1994) que; analisa, em uma perspectiva funcional, a ordenao dos
circunstanciadores temporais. Esses compreendem os advrbios, adjuntos, oraes adverbiais
e operadores argumentativos que expressam a noo do tempo. O corpus utilizado
constitudo de entrevistas elaboradas pelo Censo de Variao Lingstica, Competncias
Bsicas de Portugus e NURC. Para o estudo diacrnico dos operadores argumentativos,
foram utilizados textos antigos, como: Vigeu da Consolao (1959), A demanda do Santo
Graal (1944), O Bosco Deleitoso (1950), dentre outros.
O objetivo do estudo do autor buscar fatores discursivos que motivem a colocao
desses circunstanciadores na sentena. Em outras palavras, o autor prope demonstrar que os
argumentadores discursivos seguem leis e tendncias de colocao diferentes dos demais
circunstanciadores. A ordenao dos argumentadores discursivos deve-se a dois processos de
mudana semntica: metfora espao> (tempo) > texto (Heine et al., 1991) e presso de
informatividade. ( Traugott e Heine, 1991).
O primeiro processo de mudana consiste em um elemento de valor espacial assumir
um sentido temporal e, depois, passar a expressar relaes lgicas no discurso. Por exemplo:
O operador argumentativo a, originalmente um ditico espacial, pode tambm ser usado
para seqenciar (temporalmente) os eventos e expressar uma idia de conseqncia em
relao s sentenas anteriormente mencionadas (Martelotta 1994:5).
A mudana por presso de informatividade d-se quando um elemento lingstico
adquire um novo valor atravs de um processo de inferncia conversacional em certos
contextos. Um exemplo citado por Martelotta o do operador argumentativo ainda cujo uso
de marcador de contra-expectativa, por um processo de inferncia passa a assumir um valor
inclusivo semelhante ao do termo tambm (1994:6).
O autor ressalta que geralmente esses dois processos de mudana ocorrem juntos
quando se trata do aparecimento de operadores argumentativos que tendem a perder sua
mobilidade original para assumir posies mais fixas na sentena. Esse processo de
gramaticalizao foi estudado nos seguintes operadores argumentativos: a, depois, logo,
ento, j e ainda.
Ao apresentar a ordenao dos circunstanciadores temporais, propriamente ditos,
Martelotta adota o princpio de Hopper e Thompson (1980) de que o discurso narrativo
apresenta duas estruturas denominadas figura e fundo, estendendo-o ao discurso no-
narrativo.
Distingue figura e fundo, primeiramente, opondo a inteno do falante ao direcionar o
fluxo do discurso para a narrativa ou para a no-narrativa: se o falante est narrando, eventos
e situaes no-narrativas funcionam como fundo; e, ao contrrio, se o falante est
comentando ou descrevendo, eventos e situaes narrativas funcionam como fundo, servindo
para evidenciar este comentrio ou esta descrio (1994:2-3).
Uma outra distino entre figura e fundo realizada atravs da anlise de traos
semntico-gramaticais. Assim, na narrativa, os eventos funcionam como figura quando so
marcados pelos traos [=especfico], [=perfectivo], [=cintico], [pontual] e funcionam como
fundo quando marcados pelos traos [-especfico], [-perfectivo], [-cintico], [-pontual].
J no discurso no-narrativo, os eventos que funcionam como figura so marcados
pelos traos [-especfico], [+perfectivo], [+cintico], [+pontual] e funcionam como fundo,
aqueles marcadores por [-especfico], [-perfectivo], [-cintico], [-pontual].
Com o objetivo de verificar as tendncias de posies desses circunstanciadores de
tempo, Martelotta os classificou em:
a)Circunstanciadores de tempo determinado- so aqueles que indicam, de forma precisa, o
momento em que ocorre o evento. Cita como exemplos: ontem, hoje, semana passada,
quando ele chegou etc.
b)Circunstanciadores de tempo indeterminado- expressam a noo de que os eventos e
situaes perduram no tempo indeterminadamente. Exemplifica com: sempre, geralmente,
atualmente, nunca etc.
c)Circunstanciadores iterativos- denotam a freqncia com que os eventos no-especficos
ocorrem ao longo do tempo, como s vezes, duas vezes por semana, de vez em quando etc.
d)Circunstanciadores de simultaneidade- expressam a concomitncia entre eventos e
situaes. Como os exemplos, citam: enquanto isso, ao mesmo tempo etc.
e)Circunstanciadores delimitativos- delimitam os eventos e as situaes, indicando o incio
e/ou fim de sua permanncia no tempo, como: h trs anos, at hoje, durante dois meses etc.
O autor conclui que existe uma tendncia determinada para a colocao dos
circunstanciadores temporais na sentena. Essa depende da fora que a informao, carregada
pelo circunstanciador, assume dentro da estrutura do discurso em que ele ocorre.
O circunstanciador tende a aparecer em posies pr-verbais, quando traz
informaes temporais anlogas aos traos semntico-gramaticais do discurso em que ocorre.
Esta relao semntica empurra o circunstanciador para as posies pr-verbais, enfatizando-o
ou topicalizando-o (1994:201).
No entanto, se no h essa relao semntica, o circunstanciador tende a ocorrer nas
posies ps-verbais, ou at no ocorrem em tipos de discurso cujos traos semntico-
gramaticais so no-anlogos ou incompatveis com a informao temporal por ela expressa
(1994:201). Dessa forma, os circunstanciadores de tempo determinado tendem a ocupar
posies pr-verbais em figura narrativa e no-narrativa, uma vez que a fora informativa que
assumem nestes contextos os leva a ser topicalizados ou enfatizados.
Os circunstanciadores de tempo indeterminado e os circunstanciadores de
simultaneidade tm como tendncia o aparecimento na posio pr-verbal em fundo narrativo
e no-narrativo, devido tambm fora informativa assumida que os leva a topicalizao ou
nfase.
No que se referem aos circunstanciadores iterativos, esses apresentam maior
ocorrncia nas posies pr-verbais em fundo narrativo e no-narrativo e em figura no-
narrativa, j que esses tipos de discursos so marcados pelo trao [-especfico], estimulando a
iteratividade.
Por fim, os circunstanciadores delimitativos possuem uma mobilidade de colocao
maior, porque apresentam duas caractersticas distintas: por um lado, funcionam como um
circunstanciador de tempo determinado (indica o momento especfico em que se inicia e/ou
termina o evento). Por outro lado, expressam a durao de eventos especficos imperfectivos,
ou de eventos no-especficos ao longo do tempo, acrescentando caractersticas semntico-
gramaticais tpicas de fundo (1994:229).
Quanto colocao dos operadores argumentativos, Martelotta afirma que, devido ao
processo de gramaticalizao que sofrem, no seguem as mesmas tendncias de ordenao
dos circunstanciadores propriamente ditos. A gramaticalizao faz com que o elemento exera
funes argumentativas, restringindo a sua possibilidade de colocao na sentena. Tal
colocao passa a depender mais das caractersticas gramaticais especficas de suas novas
funes, que se manifestam em contextos especficos, assumindo posies mais fixas dentro
da sentena (1994:229-230).
O trabalho de Martelotta (1994) foi muito importante para presente tese, sobretudo, no
que se refere s posies estabelecidas, como tambm no que se refere a alguns parmetros da
transitividade, anlise bastante detalhada dos circunstanciadores de tempo, buscando fatores
que influenciam a sua colocao na sentena luz da teoria funcional.
Ressaltamos que o autor estuda os advrbios em geral, enquanto, esta tese trata apenas
dos advrbios de tempo e aspecto em -mente.
Frana (2002) parte da tese de Martelotta e faz uma anlise dos adjuntos adverbiais de
tempo e aspecto em narrativas orais e escritas contemporneas, procurando delimitar os
valores que esses adjuntos apresentavam no texto narrativo, assim como as tendncias de
colocao que eles assumiam nas clusulas que compunham o texto. Esses adjuntos
adverbiais de tempo e aspecto, de um modo geral, apresentam uma grande mobilidade na
clusula, podendo ter suas tendncias de ordenao explicadas por fatores de carter sinttico
e discursivo.
Um dos fatores mais importantes foi o plano discursivo. A autora verificou que
tendiam a serem enfatizados, ocupando posies pr-verbais, os adjuntos que apresentavam
traos semntico-gramaticais anlogos aos traos semntico-gramaticais do plano de discurso
em que apareciam; enquanto os adjuntos adverbiais de tempo e aspecto determinados no
apresentaram resultados estatsticos que ratificassem a hiptese postulada; j os adjuntos
adverbiais de tempo e aspecto indeterminados tendiam a ocupar posies pr-verbais em
fundo, porque este tipo de discurso caracteriza-se pela presena de situaes no-especficas;
e ainda, os adjuntos adverbiais de tempo e aspecto de simultaneidade tendiam a ocorrer em
fundo e em posies pr-verbais. Isto ocorria porque o discurso de fundo tende a apresentar
traos semntico-gramaticais (no-especficos) marcados pela simultaneidade; j os adjuntos
adverbiais delimitativos, embora no tenham apresentado tendncia muito forte, pareciam
buscar as posies ps-verbais em figura j que expressavam a durao de eventos especficos
imperfectivos, ou de eventos no-especficos ao longo do tempo, apresentando traos
semntico-gramaticais tpicos de fundo; enquanto aos adjuntos adverbiais de tempo e aspecto
iterativos tendiam a ocorrer em posies pr-verbais de fundo, porque este tipo de discurso
marcado pela presena do trao no-especfico; e, alm disso, a ordenao vocabular,
portanto, no podia ser explicada por fenmenos estritamente sintticos.
Portanto, a estrutura organizacional do texto influenciava a colocao dos adjuntos
adverbiais de tempo e aspecto.
O estudo de Pereira (1999) verifica a ordenao das oraes adverbiais de tempo,
desenvolvidas e reduzidas, num corpus constitudo por 108 cartas pessoais, escritas entre
1937 e 1987. Esse trabalho, baseado nas teorias variacionista e funcionalista, busca identificar
os fatores cognitivos e discursivos que motivam a variao da ordem de algumas dessas
oraes, tornando-as fixas na sentena.
Os dados foram separados em dois grupos: 1)oraes temporais com ordenao
varivel (total ou parcial) e 2) oraes temporais de ordem fixa ou categrica. Segundo a
autora, o primeiro grupo foi submetido a uma anlise estatstica multivariacional atravs do
pacote de programas VARBRUL. O segundo foi analisado qualitativamente:
Pereira observou as seguintes posies da orao temporal:
a)Anteposio: corresponde s oraes temporais situadas na margem esquerda da orao
ncleo.
(11) Um dia desses fui pedir uma xcara de ch e s ela estava l.
Quando pedi que ela fizesse, ela tremeu de alegria e disse...
b) Posio: corresponde s oraes temporais situadas na margem direita da orao com que
se combinam.
(12) Escreva-me contando assim que tiver um tempinho.
c) Intercalao: corresponde s oraes temporais situadas no interior da orao ncleo,
quebrando a fluidez da idia apresentada nesta orao.
(13) M. vou parando por aqui seno quando voltar no tenho novidades pra te contar.
Verificou que no houve diferena marcante entre posposio e anteposio. Percebeu,
tambm, que muitas das oraes temporais intercaladas eram reduzidas de infinitivo e curtas
(cerca de quatro palavras cada uma), o que proporcionava uma melhor fluidez do discurso,
facilitando de certa forma o processo comunicativo.
Dentre os vrios fatores analisados, destacamos o que se refere aos tipos de verbo do
segmento temporal. Os verbos foram codificados a partir de trs classificaes baseadas em
Dik (1989) e Braga (1996):
1-Ao (realizao e atividade)
2-Processo (mudana e dinamismo)
3-Situao (posio e estado)
Os resultados mostram que o tipo de verbo do enunciado temporal mais freqente
seguido do processo, e o menos freqente a situao. A autora relata que os resultados para
o tipo de verbo das oraes isoladas no se mostram eficientes, portanto considerou para a
anlise a correlao dos tipos de verbos das oraes que compem o enunciado temporal
(1999:72). Dessa forma, constatou que as oraes com verbos de ao tendem a vir na
segunda posio, independentemente de constiturem o ncleo ou o satlite do enunciado
temporal (...) oraes com verbos de situao e processo tendem a vir na primeira posio,
quando associadas a uma orao com verbo de ao, funcionando como pano de fundo para
os eventos mais dinmicos codificados na segunda orao (1999:72-73).
Outro fator que tambm colocamos em evidncia aquele que concerne distribuio
de informao. Pereira analisou o tipo de informao codificada pela orao ncleo e pela
orao temporal. Ambas as oraes foram classificadas conforme as categorias: novo, velho e
infervel, nos termos de Prince (apud Pereira, 1999). Os resultados mostram que oraes
temporais que codificam informao velha, j mencionadas no discurso anterior, so mais
propensas anteposio. Sendo assim, Oraes temporais que codificam informao nova,
no mencionada no contexto e nem infervel dele, so preferencialmente pospostas (...) o
contexto mais favorvel anteposio da orao temporal aquele em que se relacionam uma
orao ncleo nova e uma orao temporal com informao velha (1999:88).
No que diz respeito s oraes temporais de ordem fixa, verificou que os bloqueios
mais freqentes reversibilidade das oraes pospostas so: as com o focalizador sozinho e as
que esto ancoradas num constituinte da orao anterior.
Quanto anteposio da orao temporal, os resultados mostraram que os fatores mais
relevantes para a fixao dessas oraes so: em primeiro lugar, as relaes anafricas, em
segundo lugar, as expresses cristalizadas, em terceiro lugar, a seqncia discursiva.
A relevncia do trabalho de Pereira para o presente estudo justifica-se por tambm
investigar fatores que tendem a motivar a ordenao dos elementos em anlise.
Lessa (2007) se props investigar a ordenao de circunstanciais temporais (advrbios
e sintagmas preposicionados com valor circunstancial) na modalidade escrita do portugus e
do ingls, levando em conta, principalmente, fatores de ordem discursiva. A autora constatou
que, para se abordar a questo da ordem no marcada, deveria considerar as duas lnguas
(portugus e ingls) de forma distinta.
Quanto aos resultados obtidos nesse estudo, verificou-se que os advrbios tendiam a
ordem no marcada no ingls a anteposio verbal. J em relao aos Spreps, no houve
como tirar essa concluso, devido grande variabilidade na orao.
Alm disso, em relao ao posicionamento mais detalhado dos circunstanciais de
tempo na clusula, observou-se que os advrbios em portugus ocupavam as posies ME
(margem esquerda) e PM2 (entre o verbo e objeto) com mais freqncia, enquanto no ingls,
eles preferiam a PM1(entre o sujeito e o verbo). Este fato no ingls pde ser explicado,
principalmente, em virtude de os advrbios menores possurem uma ordem mais rgida. Os
Spreps em portugus possuam uma clara preferncia pela margem direita da orao,
enquanto que, em ingls, os Spreps apresentaram grande variabilidade nas duas margens da
orao.
Portanto, a funo discursiva dos circunstanciais possui grande influncia na
ordenao de advrbios e Spreps nas duas lnguas.
Esse estudo sobre Ordenao de Circunstanciais Temporais em Portugus e Ingls:
posies e papis discursivos foram importantes por tambm investigar as posies que esses
constituintes ocupam na clusula.
Nesta tese, examinamos os seguintes fatores: a posio dos advrbios, a noo
semntica do advrbio, o tipo semntico do verbo, o tipo de sujeito, o tipo de orao, dentre
outros.
Esta reviso permitiu-nos conhecer, mais profundamente, as questes abordadas
acerca dos advrbios em geral, sobretudo, aquelas referentes sua classificao e s suas
posies na clusula e, com certeza, foi esclarecedora ao longo desse estudo.
2.6 Os advrbios e a expresso de tempo
Tempo e aspecto so duas categorias gramaticais que expressam noes temporais. A
categoria de tempo ditica, j que sua utilizao depende diretamente do momento em que o
enunciado foi proferido. Por outro lado, isso no ocorre com a categoria de aspecto.
As noes de tempo e de espao so partes substanciais das relaes do homem com o
mundo. Os dois so delimitados: o tempo, em minutos, horas, dias, meses, sculos; o espao,
em centmetros, metros, milhas, etc. Todos so referncias necessrias na vida de cada um de
ns. Portanto, a lngua que falamos est repleta de recursos, para que possamos situar nossas
aes em relao aos dois: agora, antes, depois, ainda - para tempo; aqui, acol, alm - para o
espao.
Qualquer ato de comunicao situado no tempo e no espao. Na simples situao de
comunicao - o dilogo - o indivduo que fala refere-se a si mesmo como eu que designa seu
ouvinte como tu/voc. Ao referir-se ao espao em que se encontra o indivduo que fala
identifica-o como aqui; e ao referir-se ao momento em que fala, pode design-lo como agora.
Eu, voc, aqui e agora no nomeiam indivduos, lugar e poca determinados e
constantes, mas apenas "o indivduo que fala", algum a quem ele se dirige, e o "lugar" e
"momento" em que ocorre o dilogo. Seus referentes no so, portanto, objetivos e externos
fala (como Joo, Paula, na sala e s 2 horas), mas situacionais e exclusivos do ato de falar,
fora do qual no podem ser reconhecidos e os elementos utilizados para designar a esses
referentes so chamados diticos (termo derivado de uma palavra grega que significa "indicar,
mostrar, apontar")
A categoria gramatical de tempo, segundo Lyons (1979) diz respeito s relaes
temporais que so expressas por contrastes gramaticais sistemticos. Os gramticos
tradicionais, na anlise do grego e do latim, apresentam trs contrastes dessa natureza:
passado, presente e futuro. A categoria de tempo relaciona o tempo da ao indicada pelo
verbo, em relao ao momento em que o falante produz seu enunciado, o que significa que o
tempo uma categoria ditica.
A pessoa que fala, ou escreve, "comanda", por assim dizer, a atividade discursiva,
normalmente transformando-a, ou colaborando para transform-la, numa complexa rede de
atos de significao que tm no eu, no aqui e no agora do discurso seus pontos de referncia.
A indicao do tempo como categoria de linguagem verbal parte dessa interao
comunicativa, ou ainda dessa atividade discursiva, tempo, que tem no momento da
enunciao seu ponto principal de referncia.
Nesse sentido, os advrbios que expressam a categoria de tempo seriam aqueles que
apresentam valor ditico, localizando os eventos na linha do tempo, em relao ao momento
da produo de enunciado. So eles: ontem, hoje e amanh, logo mais, quarta-feira passada,
alm de depois, anteriormente, posteriormente (em contextos em que est ancorado ao
momento da fala, ou seja: depois, anteriormente ou posteriormente ao momento da fala), etc.
Em alguns casos, os advrbios temporais podem no ser diticos, ou seja, podem
localizar na linha do tempo, sem tomar como referncia o momento da fala, mas a concluso
do evento anterior, ou qualquer ponto no tempo j mencionado no texto. o que ocorre, por
exemplo, em depois da aula e antes do jogo, que constituem indicaes temporais no-
diticas, j que localizam o evento na linha do tempo, t