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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 1

Organizadoras

Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro

Sandra Medina Benini

BACIAS HIDROGRÁFICAS fundamentos e aplicações

1ª Edição

ANAP

Tupã/SP

2018

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2

EDITORA ANAP

Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista

Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.

Rua Bolívia, nº 88, Jardim América, Cidade de Tupã, São Paulo. CEP 17.605-310.

Contato: (14) 99808-5947 e 99102-2522

www.editoraanap.org.br

www.amigosdanatureza.org.br

[email protected]

Editoração e Diagramação da Obra - Sandra Medina Benini

Revisão Ortográfica - Smirna Cavalheiro

Ficha Catalográfica

Índice para catálogo sistemático

Brasil: Geografia

AM512b Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações / Juliana Heloisa

Pinê Américo-Pinheiro; Sandra Medina Benini (orgs). 1 ed. – Tupã:

ANAP, 2018.

220 p; il.; 14.8 x 21cm

ISBN 978-85-68242-82-7

1. Meio Ambiente 2. Bacia Hidrográfica 3. Água

I. Título.

CDD: 900 CDU: 913/49

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 3

CONSELHO DE EDITORIAL

Prof. Dr. Adeir Archanjo da Mota - UFGD Profa. Dra. Alba Regina Azevedo Arana - UNOESTE Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva Prof. Dr. Alexandre França Tetto - UFPR Prof. Dr. Alexandre Sylvio Vieira da Costa - UFVJM Prof. Dr. Alfredo Zenen Dominguez González - UNEMAT Profa. Dra. Alina Gonçalves Santiago - UFSC Profa. Dra. Aline Werneck Barbosa de Carvalho - UFV Prof. Dr. Alyson Bueno Francisco - CEETEPS Profa. Dra. Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão - UFPA Profa. Dra. Ana Lúcia de Jesus Almeida - UNESP Profa. Dra. Ana Lúcia Reis Melo Fernandes da Costa - IFAC Profa. Dra. Ana Paula Branco do Nascimento – UNINOVE Profa. Dra. Ana Paula Fracalanza – USP Profa. Dra. Ana Paula Novais Pires Profa. Dra. Ana Paula Santos de Melo Fiori - IFAL Prof. Dr. André de Souza Silva - UNISINOS Profa. Dra. Andrea Aparecida Zacharias – UNESP Profa. Dra. Andrea Holz Pfutzenreuter - UFSC Prof. Dr. Antonio Fábio Sabbá Guimarães Vieira - UFAM Prof. Dr. Antonio Marcos dos Santos - UPE Profa. Dra. Arlete Maria Francisco - FCT/UNP Profa. Dra. Beatriz Ribeiro Soares - UFU Profa. Dra. Carla Rodrigues Santos - Faculdade FASIPE Prof. Dr. Carlos Andrés Hernández Arriagada Profa. Dra. Carmem Silvia Maluf - Uniube Profa. Dra. Célia Regina Moretti Meirelles - UPM Prof. Dr. Cesar Fabiano Fioriti - FCT/UNESP Prof. Dr. Cledimar Rogério Lourenzi - UFSC Profa. Dra. Cristiane Miranda Martins - IFTO Profa. Dra. Daniela de Souza Onça - FAED/UESC Prof. Dr. Darllan Collins da Cunha e Silva - UNESP Profa. Dra. Denise Antonucci - UPM Profa. Dra. Diana da Cruz Fagundes Bueno - UNITAU Prof. Dr. Edson Leite Ribeiro - Unieuro - Brasília / Ministério das Cidades Prof. Dr. Eduardo Salinas Chávez - Universidade de La Habana, PPGG, UFGD-MS Prof. Dr. Edvaldo Cesar Moretti - UFGD Profa. Dra. Eliana Corrêa Aguirre de Mattos - UNICAMP Profa. Dra. Eloisa Carvalho de Araujo - UFF Profa. Dra. Eneida de Almeida - USJT Prof. Dr. Erich Kellner - UFSCar Prof. Dr. Eros Salinas Chàvez - UFMS /Aquidauana Post doctorado Profa. Dra. Fátima Aparecida da SIlva Iocca - UNEMAT Prof. Dr. Felippe Pessoa de Melo - Centro Universitário AGES Prof. Dr. Fernanda Silva Graciani - UFGD Prof. Dr. Fernando Sérgio Okimoto - UNESP Profa. Dra. Flávia Akemi Ikuta - UMS

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Profa. Dra. Flávia Maria de Moura Santos - UFMT Profa. Dra. Flávia Rebelo Mochel - UFMA Prof. Dr. Flavio Rodrigues do Nascimento - UFC Prof. Dr. Francisco Marques Cardozo Júnior - UESPI Prof. Dr. Frederico Braida Rodrigues de Paula - UFJF Prof. Dr. Frederico Canuto - UFMG Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai - UFSCar Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira - UEMS Profa. Dra. Gelze Serrat de Souza Campos Rodrigues - UFU Prof. Dr. Generoso De Angelis Neto - UEM Prof. Dr. Geraldino Carneiro de Araújo - UFMS Profa. Dra. Gianna Melo Barbirato - UFAL Prof. Dr. Glauco de Paula Cocozza - UFU Profa. Dra. Isabel Crisitna Moroz Caccia Gouveia - FCT/UNESP Profa. Dra. Jakeline Aparecida Semechechem - UENP Prof. Dr. João Cândido André da Silva Neto - UEA Prof. Dr. João Carlos Nucci - UFPR Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra - UFFS Prof. Dr. João Roberto Gomes de Faria - FAAC/UNESP Prof. Dr. José Aparecido dos Santos - FAI Prof. Dr. José Manuel Mateo Rodriguez – Universidade de Havana – Cuba Prof. Dr. José Queiroz de Miranda Neto – UFPA Prof. Dr. José Seguinot - Universidad de Puerto Rico Prof. Dr. Josep Muntañola Thornberg - UPC -Barcelona, Espanha Prof. Dr. Josinês Barbosa Rabelo - UFPE Profa. Dra. Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia - UFPB Profa. Dra. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro - UNIVBRASIL Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia - UFPR Profa. Dra. Karin Schwabe Meneguetti - UEM Prof. Dr. Leandro Gaffo - UFSB Profa. Dra. Leda Correia Pedro Miyazaki - UFU Profa. Dra. Leonice Seolin Dias - ANAP Profa. Dra. Lidia Maria de Almeida Plicas - IBILCE/UNESP Profa. Dra. Lisiane Ilha Librelotto - UFS Profa. Dra. Luciana Ferreira Leal - FACCAT Profa. Dra. Luciana Márcia Gonçalves - UFSCar Prof. Dr. Marcelo Campos - FCE/UNESP Prof. Dr. Marcelo Real Prado - UTFPR Profa. Dra. Marcia Eliane Silva Carvalho - UFS Profa. Dra. Márcia Eliane Silva Carvalho - UFS Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes - EQUOIA Engenharia Ambiental LTDA Profa. Dra. Margareth de Castro Afeche Pimenta - UFSC Profa. Dra. Maria Ângela Dias - UFRJ Profa. Dra. Maria Ângela Pereira de Castro e Silva Bortolucci - IAU Profa. Dra. Maria Augusta Justi Pisani - UPM Profa. Dra. María Gloria Fabregat Rodríguez - UNESP Profa. Dra. Maria Helena Pereira Mirante – UNOESTE Profa. Dra. Maria José Neto - UFMS Profa. Dra. Maristela Gonçalves Giassi - UNESC Profa. Dra. Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira - UFMT

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 5

Profa. Dra. Martha Priscila Bezerra Pereira - UFCG Prof. Dr. Maurício Lamano Ferreira - UNINOVE Prof. Dr. Miguel Ernesto González Castañeda - Universidad de Guadalajara - México Profa. Dra. Natacha Cíntia Regina Aleixo - UEA Profa. Dra. Natália Cristina Alves Prof. Dr. Natalino Perovano Filho - UESB Prof. Dr. Nilton Ricoy Torres - FAU/USP Profa. Dra. Olivia de Campos Maia Pereira - EESC - USP Profa. Dra. Onilda Gomes Bezerra - UFPE Prof. Dr. Oscar Buitrago - Universidad Del Valle - Cali, Colombia Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA Prof. Dr. Paulo Augusto Romera e Silva – DAEE - SP Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha - FCT/UNESP Prof. Dr. Paulo Cesar Vieira Archanjo Profa. Dra. Priscila Varges da Silva - UFMS Profa. Dra. Regina Célia de Castro Fereira - UEMA Prof. Dr. Renan Antônio da Silva - UNESP - IBRC Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino - UNICAMP Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara - UFSCar Profa. Dra. Risete Maria Queiroz Leao Braga - UFPA Prof. Dr. Rodrigo Barchi - UNISO Prof. Dr. Rodrigo Cezar Criado - TOLEDO Prudente Centro Universitário Prof. Dr. Rodrigo Gonçalves dos Santos - UFSC Prof. Dr. Rodrigo José Pisani - UNIFAL-MG Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho - UFGD Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araujo - UFMA Profa. Dra. Roselene Maria Schneider - UFMT Prof. Dr. Salvador Carpi Junior - UNICAMP Profa. Dra. Sandra Mara Alves da Silva Neves - UNEMAT Prof. Dr. Sérgio Augusto Mello da Silva - FEIS/UNESP Prof. Dr. Sergio Luis de Carvalho - FEIS/UNESP Profa. Dra. Sílvia Carla da Silva André - UFSCar Profa. Dra. Silvia Mikami G. Pina - Unicamp Profa. Dra. Simone Valaski - UFPR Profa. Dra. Sueli Angelo Furlan - USP Profa. Dra. Tânia Paula da Silva - UNEMAT Profa. Dra. Vera Lucia Freitas Marinho – UEMS Prof. Dr. Vilmar Alves Pereira - FURG Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto - FCAE/UNESP Prof. Dr. Xisto Serafim de Santana de Souza Júnior - UFCG Profa. Dra. Yanayne Benetti Barbosa

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ORGANIZADORAS DA OBRA

Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro Possui Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita

Filho” - UNESP (2007), Mestrado em Engenharia Civil com ênfase em Recursos Hídricos e

Tecnologias Ambientais pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP

(2010), Especialização em Gerenciamento Ambiental pela Universidade de São Paulo – USP

(2012), Doutorado em Biologia Aquática pelo Centro de Aquicultura da UNESP (2015) e Pós-

doutorado pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP (2017).

Atualmente é pesquisadora e professora titular permanente do Mestrado em Ciências

Ambientais da Universidade Brasil (UNIVBRASIL). Atua também como docente permanente no

Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Universidade Estadual Paulista “Júlio de

Mesquita Filho” – UNESP do Campus de Ilha Solteira. Tem experiência na área de gestão de

recursos hídricos, bacias hidrográficas, qualidade de água e ecotoxicologia. Participa dos grupos

de pesquisa “Ciências Ambientais e Saúde” e “Sustentabilidade Integrada dos Municípios” do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vinculados à

Universidade Brasil.

Sandra Medina Benini Professora e Pesquisadora do UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande-MT. Possui

Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Marília (1995), Bacharelado em

Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista (2005), Licenciatura em Geografia pelo Centro

Universitário Claretiano de Batatais (2014), Especialização em Administração Ambiental pela

Faculdade de Ciências Contábeis e Administração de Tupã (2005), Especialização em Engenharia

de Segurança do Trabalho (2008), Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita Filho (2009), Doutorado em Geografia na Universidade Estadual Paulista Júlio

de Mesquita Filho (2015), Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pelo PPGAU/FAU Mackenzie

(2016) e Pós-doutorado em Arquitetura e Urbanismo (PNPD/Capes) pela FAAC/UNESP - Campus

de Bauru-SP (2017). Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional,

Planejamento Ambiental e Direito Urbanístico, atuando principalmente nos seguintes temas:

políticas públicas, política urbana, gerenciamento de cidades e gestão ambiental.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 7

SUMÁRIO

Prefácio ........................................................................................... Antonio Cezar Leal

11

Capítulo 1 .........................................................................................

MUDANÇAS DE USO E COBERTURA DA TERRA E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL EM BACIAS HIDROGRÁFICAS

José Augusto de Lollo; Monique de Paula Neves; Leticia Tondato

Arantes; César Gustavo da Rocha Lima; Reinaldo Lorandi

15

Capítulo 2 ........................................................................................ SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA APLICADO NA DISCRIMINAÇÃO MORFOMÉTRICA DE BACIAS HIDROGRÁFICAS

Sérgio Campos; Marcelo Campos; Thyellenn Lopes de Souza; Mateus de Campos Leme; Letícia Duron Cury

41

Capítulo 3 .........................................................................................

GEOTECNOLOGIAS APLICADAS AO MANEJO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS: O CASO DA BACIA DO RIO LAVAPÉS EM BOTUCATU (SP) Ronaldo Alberto Pollo, César de Oliveira Ferreira Silva, Mikael Timóteo Rodrigues, Lincoln Gehring Cardoso, Bruno Timóteo Rodrigues

57

Capítulo 4 .........................................................................................

FRAGILIDADE AMBIENTAL DE UMA BACIA VISANDO O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Sérgio Campos, Marcelo Campos, Thyellenn Lopes de Souza, Mateus de Campos Leme, Letícia Duron Cury

73

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Capítulo 5 .........................................................................................

MONITORAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS E PARÂMETROS DE QUALIDADE DE ÁGUA EM BACIAIS HIDROGRÁFICAS Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro; Lucíola Guimarães Ribeiro

87

Capítulo 6 .........................................................................................

ANÁLISE DE PARÂMETRO DE QUALIDADE DAS ÁGUAS NA UGRHI 20, BACIA DO RIO AGUAPEÍ – OESTE DE SÃO PAULO

Amanda Rodrigues Correa; Paulo Cesar Rocha

109

Capítulo 7 .......................................................................................

UTILIZAÇÃO DA ESTATÍSTICA PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA EM BACIA HIDROGRÁFICA Fernanda Luisa Ramalho, João Batista Pereira Cabral, Assunção Andrade de Barcelos

123

Capítulo 8 ........................................................................................

PROPOSTA METODOLÓGICA DE AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS SUPERFICIAIS NAS BACIAS HIDROGRÁFICAS Luiz Sergio Vanzela, Evandro Roberto Tagliaferro, Cleber Fernando Menegasso Mansano, Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro

143

Capítulo 9 .........................................................................................

CONECTIVIDADE HIDRODINÂMICA DO RIO XINGU E A PLANÍCIE DE INUNDAÇÃO NO CONTEXTO DA USINA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE, ALTAMIRA – PARÁ Rita Denize de Oliveira, Paulo Cesar Rocha, Cristina do Socorro Fernandes Senna

155

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 9

Capítulo 10 .......................................................................................

RECUPERAÇÃO AMBIENTAL DE BACIAS HIDROGRÁFICAS: INQUIETAÇÕES PRESENTES NO DIÁLOGO ENTRE O QUADRO LEGAL INSTITUÍDO E A CIDADE Eloisa Carvalho de Araujo, Maria Eduarda Guida Frazão Leite, Rainer Holzer

179

Capítulo 11 .......................................................................................

OS MEIOS MORFODINAMICOS EM BACIAS HIDROGRÁFICAS: O CASO DO CÓRREGO DO CARMO NO MUNICÍPIO DE ITUIUTABA - MG Leda Correia Pedro Miyazaki ; Maria Cristina Moreira Penna

199

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 11

Prefácio

Nesses tempos em que nosso planeta Terra é estudado, analisado e

investigado em múltiplas formas, visões e perspectivas, seja mirando os

lugares, as paisagens e os horizontes ou vislumbrando-o com outros olhos

desde o espaço, torna-se fundamental conhecer com mais detalhes, com

proximidade, sua geografia e os caminhos criados pelo seu principal

elemento, a água, em um ciclo incessante, movimentando-se, renovando-se

e redistribuindo-se espacial e temporalmente pelas superfícies, formando

redes fluviais em bacias hidrográficas.

Consideradas um recorte da superfície terrestre adequado para o

olhar investigativo de pesquisadores e para atuação dos gestores das águas,

tendo em vista seus divisores de água e seus fluxos hídricos, paulatinamente

as bacias hidrográficas vêm sendo redefinidas como unidades hidrográficas,

bacias ambientais, unidades ambientais, bacias sociais, dentre outras

denominações que buscam expressá-las, valorizando-as como unidades que

possuem características naturais, sociais, econômicas, políticas, culturais,

dentre outras, que as particularizam e permitem sua análise integrada,

planejamento e gestão, ora com traços comuns, ora com diferenciações

importantes e específicas com áreas contíguas, cada vez mais

interconectadas, em diferentes escalas, com outros recortes

administrativos, legais, etc.

Seus divisores tornam-se flexíveis, de difícil identificação e

delimitação, tendo em vista as interconexões que ocorrem pelas redes de

abastecimento de água, transposições de água de rios, loteamentos que

mudam o relevo para adaptá-lo às construções, cortes e aterros para

rodovias e ferrovias, ações conservacionistas do solo e diferentes e

dinâmicos usos e coberturas da terra, que interceptam e (re)direcionam os

fluxos da água, com os impactos positivos e negativos decorrentes, e

redefinem as bacias hidrográficas.

Nessa perspectiva, estudar as bacias hidrográficas exige constante

debate sobre fundamentos e aplicações, como nos propiciam as professoras

Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro e Sandra Medina Benini, neste livro

Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações, no qual reúnem

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12

contribuições de pesquisadores de diferentes áreas, com estudos aplicados

em várias bacias hidrográficas e temáticas correlatas.

A produção do livro é da Editora ANAP – Associação Amigos da

Natureza da Alta Paulista, que tem desenvolvido um trabalho valioso e

profícuo de coleta, análise, organização e publicação de livros com

conhecimentos sistematizados nas instituições de ensino superior,

especialmente junto a programas de pós-graduação, e em Organizações Não

Governamentais, dentre outros, contribuindo para a valorização dos

pesquisadores e ambientalistas, para a ampla divulgação dos conhecimentos

e para seu acesso pelo público interessado.

A primeira edição do livro é composta por 11 capítulos. De forma

geral, os temas dos capítulos podem ser agrupados em pelo menos três

módulos, embora os temas se perpassem e permitam outros agrupamentos,

de acordo com as perspectivas de cada leitor.

No primeiro módulo temático, com estudos aplicados em bacias

hidrográficas de diferentes escalas e localização no país, pode-se agrupar o

Capítulo 1 – Mudanças de Uso e Cobertura da Terra e Degradação

Ambiental em Bacias Hidrográficas, de José Augusto de Lollo, Monique de

Paula Neves, Leticia Tondato Arantes, César Gustavo da Rocha Lima e

Reinaldo Lorandi; o Capítulo 2 – Sistema de Informação Geográfica Aplicado

na Discriminação Morfométrica de Bacias Hidrográficas, de Sérgio Campos,

Marcelo Campos, Thyellenn Lopes de Souza, Mateus de Campos Leme e

Letícia Duron Cury; o Capítulo 3 – Geotecnologias aplicadas ao manejo de

bacias hidrográficas: o caso da Bacia do Rio Lavapés em Botucatu, SP, de

Ronaldo Alberto Pollo, César de Oliveira Ferreira Silva, Mikael Timóteo

Rodrigues, Lincoln Gehring Cardoso e Bruno Timóteo Rodrigues; o Capítulo 4

– Fragilidade Ambiental de uma Bacia Visando o Desenvolvimento

Sustentável, de Sérgio Campos, Marcelo Campos, Thyellenn Lopes de Souza,

Mateus de Campos Leme e Letícia Duron Cury; e o Capítulo 11 – Os Meios

Morfodinamicos em Bacias Hidrográficas: o Caso do Córrego do Carmo no

Município de Ituiutaba – MG, de Leda Correia Pedro Miyazaki e Maria

Cristina Moreira Penna.

Nesses capítulos são apresentados fundamentos teóricos,

metodológicos, conceituais e legais para estudos aplicados em bacias

hidrográficas utilizando-se as geotecnologias para a caracterização

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 13

fisiográfica e análise das relações entre componentes naturais, identificação

da vulnerabilidade à erosão e fragilidade ambiental, das mudanças no uso e

cobertura da terra, dos desmatamentos e da degradação ambiental, suas

causas, impactos e consequências. São estudos que subsidiam o

planejamento ambiental e a gestão das bacias hidrográficas, notadamente

na elaboração de diagnósticos e prognósticos, (re) construindo-se cenários,

e na definição de ações para gestão, manejo, zoneamento e conservação

das bacias hidrográficas, especialmente de áreas protegidas pela legislação

ambiental, e na prevenção de eventos extremos, visando à sustentabilidade

ambiental das bacias hidrográficas.

No segundo módulo temático, podem-se agrupar o Capítulo 5 –

Monitoramento de Recursos Hídricos e Parâmetros de Qualidade de Água

em Bacias Hidrográficas, de Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro e Lucíola

Guimarães Ribeiro; o Capítulo 6 – Análise de Parâmetro de Qualidade das

Águas na UGRHI 20, Bacia do Rio Aguapeí – Oeste de São Paulo, de Amanda

Rodrigues Correa e Paulo Cesar Rocha; o Capítulo 7 – Utilização da

Estatística para Avaliação da Qualidade da Água em Bacia Hidrográfica, de

Fernanda Luisa Ramalho, João Batista Pereira Cabral e Assunção Andrade de

Barcelos; e o Capítulo 8 – Proposta Metodológica de Avaliação da Situação

dos Recursos Hídricos Superficiais nas Bacias Hidrográficas, de Luiz Sergio

Vanzela, Evandro Roberto Tagliaferro, Cleber Fernando Menegasso

Mansano e Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro.

Nesses estudos, os autores abordam a importância da identificação e

monitoramento da disponibilidade hídrica nas bacias hidrográficas,

expondo-se fundamentos, conceitos, metodologias e técnicas para

conhecimento das vazões e da qualidade das águas, com aplicação em

temas e áreas específicas. São estudos imprescindíveis para a gestão das

águas e à tomada de decisões em órgãos gestores e em colegiados,

especialmente para a efetiva aplicação dos instrumentos de gestão previstos

na legislação, tais como o plano de recursos hídricos em bacias

hidrográficas, a outorga de direitos de uso dos recursos hídricos, o

enquadramento de corpos hídricos em classes de uso e a cobrança pelo uso

dos recursos hídricos, dentre outros, para que se obtenham os resultados

pretendidos na gestão das águas.

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No terceiro módulo temático, podem-se agrupar o Capítulo 9 –

Conectividade Hidrodinâmica do Rio Xingu e a Planície de Inundação no

Contexto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, Altamira – Pará, de Rita

Denize de Oliveira, Paulo Cesar Rocha e Cristina do Socorro Fernandes

Senna; e o Capítulo 10 – Recuperação Ambiental de Bacias Hidrográficas:

Inquietações Presentes no Diálogo entre o Quadro Legal Instituído e a

Cidade, de Eloisa Carvalho de Araújo, Maria Eduarda Guida Frazão Leite e

Rainer Holzer.

Nesses capítulos, os autores analisam os impactos socioambientais

gerados por grandes empreendimentos humanos relacionados às águas,

como represas para geração de energia ou abastecimento público e a

urbanização, com modificações em formas e fluxos naturais, múltiplas

interfaces com as águas na produção das cidades e no saneamento básico,

ressaltando-se marcos legais e sua aplicação na recuperação e proteção dos

corpos hídricos, com benefícios para a qualidade ambiental.

O conjunto de abordagens sobre as bacias hidrográficas expresso no

livro evidencia que essas se tornam fundamentais para estudos que visam a

compreender (e alterar) as relações entre a Sociedade e a Natureza,

evitando-se os riscos decorrentes da degradação ambiental e da

insegurança hídrica. Nesse contexto, as bacias hidrográficas constituem-se

em espaços hídricos agregadores de temas para pesquisadores e

profissionais ligados à gestão das águas e à gestão ambiental, possibilitando

novos estudos, leituras, movimentos, aproximações e intervenções para a

união de povos, saberes e construção coletiva e democrática de pactos para

a sustentabilidade hídrica e ambiental.

Boa leitura!

Prof. Dr. Antonio Cezar Leal1

1Possui graduação em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1989), mestrado em Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (1995), especialização em Ensino de Geociências (1996), doutorado em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e pós-doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (2013). Atualmente é docente na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” do campus de Presidente Prudente.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 15

Capítulo 1

MUDANÇAS DE USO E COBERTURA DA TERRA E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL EM BACIAS HIDROGRÁFICAS

José Augusto de Lollo

2

Monique de Paula Neves3

Letícia Tondato Arantes4

César Gustavo da Rocha Lima5

Reinaldo Lorandi6

1 INTRODUÇÃO

Alterações no uso e cobertura da terra indicam discussões relevantes

em função do elevado número de mudanças ocasionadas nas bacias

hidrográficas por processos naturais e induzidos pelo homem (BELWARD;

SKOIEN, 2015). A expressão cobertura da terra representa atributos da

superfície e do subsolo (solo, relevo, águas superficiais e subterrâneas e

estruturas humanas), enquanto “uso da terra” diz respeito aos fins para os

quais a terra é utilizada pela população humana local (LAMBIN et al., 2000).

Condições não adequadas às condições naturais de uso e cobertura

da terra, associadas à falta de conservação e proteção dos recursos naturais,

desencadeiam inúmeros problemas de degradação ambiental. A visão

utilitarista do meio natural historicamente adotada pelas sociedades

humanas tem sido a principal responsável pelo uso dos componentes

ambientais como recursos dos quais se poderia lançar mão sem se

preocupar com o resultado da intervenção. A busca por alternativas para

2 Professor titular, Departamento de Engenharia Civil (UNESP), campus de Ilha Solteira. E-mail: [email protected] 3 Mestre em Geotecnia, Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana (UFSCar). E-mail: [email protected] 4 Engenheira agrimensora e cartógrafa, Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil (UNESP), campus de Ilha Solteira. E-mail: [email protected] 5 Professor assistente doutor, Departamento de Engenharia Civil (UNESP), campus de Ilha Solteira. E-mail: [email protected] 6 Professor sênior, Departamento de Engenharia Civil (UFSCar). E-mail: [email protected]

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16

gerenciar as mudanças decorrentes do uso e cobertura da terra de forma

mais eficiente vem gerando discussões de novas formas de gerenciamento

dos recursos naturais (TAELMAN et al., 2016).

De acordo com Cunha e Guerra (2003), a degradação ambiental em

bacias hidrográficas não pode ser avaliada somente sob o ponto de vista

físico, devendo ser consideradas as relações existentes entre a degradação

natural e as atividades da sociedade.

Nesse sentido, vários estudos tratando da relação entre a dinâmica

de uso e cobertura na bacia hidrográfica e degradação ambiental são

realizados, constituindo um dos principais recursos para subsidiar as ações

do poder público acerca do planejamento e gestão, com intuito de amenizar

os impactos das degradações ambientais em bacias hidrográficas

decorrentes do uso dos recursos naturais.

O artigo 1º, no inciso V, da Lei Federal 9.433/1997 (BRASIL, 1997),

dispõe sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), estabelece as

bacias hidrográficas como unidades físico-territoriais para o planejamento

ambiental. Desta forma, o diagnóstico deve considerar aspectos ambientais,

políticos, culturais e socioeconômicos de cada região hidrográfica,

valorizando assim as singularidades e estratégias de gestão na bacia (BRASIL,

1997).

A bacia hidrográfica (BH) tem sido amplamente utilizada como

unidade fundamental para análises ambientais, especialmente por permitir

a possibilidade de integração de componentes pertencentes a ela como:

geologia, geomorfologia, cobertura vegetal, clima e corpos d’água e, dessa

forma, compreender a paisagem como um todo (SANTOS, 2004; CRUZ,

2009), uma vez que grande parte dos danos ambientais na superfície

terrestre está situada nas bacias hidrográficas (ARAÚJO, 2005).

Assim, pode-se considerar que toda parcela de terreno se integra a

uma bacia hidrográfica (SANTOS, 2004), o que torna a bacia uma unidade

espacial de fácil reconhecimento e caracterização. Para Fernandes e Silva

(1994), a bacia é, portanto, um receptor das interferências naturais e

antrópicas em sua área (vegetação, clima, topografia, uso e ocupação, entre

outros). O que torna possível tratá-la como sistema fechado para análise e

considerar que as relações dos eventos se dão de forma “homogênea”.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 17

Para Tucci (1997) e Silveira (2001), a bacia hidrográfica constitui área

de captação natural das precipitações e, em função de suas vertentes,

desenvolve uma rede de drenagem constituída por cursos que confluem até

resultar um leito com ponto de saída (exutório).

As mudanças naturais e artificiais na cobertura vegetal de bacias

hidrográficas influenciam no seu comportamento hidrológico, resultando

em vários impactos ao ambiente e na disponibilidade de recursos hídricos

(TUCCI, 1997).

Mudanças na cobertura do solo e nas práticas de manejo da terra

têm sido consideradas os principais fatores que influenciam no sistema

hidrológico, gerando mudança no escoamento superficial, podendo afetar

as taxas de erosão e carga de sedimentos em uma bacia hidrográfica, assim

como a alteração da qualidade das águas superficiais (GIRMAY et al., 2009;

SHEN et al., 2010; ABDELWAHABET et al., 2014).

Segundo Miguel et al. (2012), a bacia hidrográfica é uma unidade

importante para a compreensão das mudanças no uso e ocupação do solo,

possibilitando traçar estratégias de conservação e planejamento ambiental.

Nessa visão, o conhecimento da distribuição e dos tipos de uso e ocupação

da terra podem ser indicador importante dos impactos sobre a bacia

hidrográfica.

Diversos estudos sobre a dinâmica do uso e cobertura da terra em

bacias hidrográficas têm sido realizados, os quais auxiliam na compreensão

de como as mudanças no uso da terra influenciam no meio ambiente

(MENESES et al., 2015).

A detecção das mudanças de uso e cobertura da terra permite

relacionar os impactos ambientais daí decorrentes e obter indicadores-

chave para análises ambientais a partir da mensuração espaço-temporal

dessas alterações (MEYER; TURNER, 1996).

De acordo com Chang (2008), muitos pesquisadores utilizam modelos

estatísticos em conjunto com Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e

dados de imagens de Sensoriamento Remoto (SR), para identificar como as

características da paisagem da bacia hidrográfica são associadas às variações

espaciais e temporais do meio.

Com o advento das imagens de satélite de alta resolução espacial e o

desenvolvimento de ferramentas mais elaboradas de análise em Sistemas

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18

de Informação Geográfica, o monitoramento das mudanças de uso e

ocupação da terra se tornou mais consistente, portanto realizado com maior

frequência. O Sensoriamento Remoto tem sido amplamente aplicado na

atualização dos mapas de uso/cobertura da terra, tornando-se uma das mais

importantes aplicações do Sensoriamento Remoto (LO; CHOI, 2004).

O uso conjunto de Sensoriamento Remoto e Sistemas de Informação

Geográfica proveem as ferramentas para a análise temporal e quantificação

das mudanças de uso e cobertura da terra, com baixo custo e melhor

precisão (RAWAT, 2015).

O uso de dados de Sensoriamento Remoto apresenta certas

vantagens no monitoramento e detecção da dinâmica da cobertura da terra,

pois possibilita o mapeamento de uma grande extensão territorial,

registrando dessa forma diferentes classes de uso e cobertura da terra com

alta resolução temporal e ampla disponibilidade, resultando na obtenção de

resultados mais precisos para a identificação dos elementos presentes na

imagem (VAEZA et al., 2010; HU et al., 2016).

Com o mapeamento do uso e cobertura da terra é possível monitorar

as mudanças, auxiliando na obtenção de informações da realidade

ambiental de determinada região e na avaliação ambiental para a busca de

soluções de problemas (TORRES, 2011; ROUNSEVELL et al., 2006).

Tal monitoramento pode ser efetivado por modelos computacionais

especializados. São considerados nos modelos os processos ambientais,

sociais, institucionais e econômicos, envolvendo uma série de variáveis que

possibilitam o estabelecimento de medidas para o planejamento o uso do

solo (EASTMAN, 2012; MAS et al., 2014).

Nesse contexto, nota-se a importância do uso de dados e

ferramentas adequadas para analisar e prever impactos das mudanças do

uso e ocupação da terra em bacia hidrográfica. Isso porque a mesma

propicia um conjunto de indicadores que permite a quantificação das

mudanças que ocorrem dentro da área de análise; logo, obter subsídios para

posteriores iniciativas para realizar o gerenciamento, manejo e conservação

da bacia hidrográfica.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 19

2 MUDANÇAS DE USO E COBERTURA E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

O processo de degradação ambiental está relacionado com diversas

atividades antrópicas que provocam efeitos negativos ou adversos no

ambiente, comprometendo o equilíbrio deste como um todo (BITAR, 1997).

Esses efeitos, por sua vez, resultam em perdas sociais, ambientais e

econômicas, e podem ainda trazer riscos à saúde e à segurança das pessoas.

Entre as atividades antrópicas responsáveis pela degradação

ambiental, podem-se citar a agricultura, pecuária, mineração, obras civis,

urbanização, muitas vezes decorrentes de um processo de ocupação

desordenado. Considerando a interação entre os diversos componentes do

meio, deve-se considerar que as mudanças do uso do solo podem ocorrer

em diferentes escalas, incorrendo em consequências como: alteração do

regime hídrico; das propriedades físico-químicas; redução da biodiversidade;

entre outras (ZUQUETTE et al., 2013).

Assim sendo, a avaliação das mudanças no uso e cobertura é uma

importante ferramenta em estudos ambientais, pois possibilita a avaliação

da degradação do solo e da sua influência nos processos hidrológicos,

geomorfológicos, pedológicos, climáticos e florestais. Vários estudos foram

desenvolvidos ao longo dos anos a fim de compreender as causas da

degradação e auxiliar na implantação de políticas de planejamento

ambiental nas bacias hidrográficas.

Tayyebi et al. (2015) avaliaram a influência das mudanças na

qualidade dos recursos hídricos de uma bacia em Ohio (EUA). Os autores

analisaram a permanência das classes do uso do solo no período de 1930 a

1990, bem como as modificações futuras, entre 2000 e 2050. Para o período

considerado, observou-se uma permanência das classes agrícola, floresta e

urbana, e para os cenários futuros transição entre as classes de floresta para

área urbana e de agricultura para área urbana. Nesse contexto, notou-se

que a maior ameaça à qualidade dos recursos hídricos são as áreas agrícolas

devido ao uso abundante de agrotóxicos; e quanto à disponibilidade, a

urbanização intensa pode ser a principal responsável pelos déficits hídricos.

Sendo assim, na bacia hidrográfica estudada, os limites do uso da água

tendem a exceder os padrões atuais, tornando-se críticos, demandando

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20

esforços de conservação e gestão para reduzir os níveis de poluentes e

permitir a recuperação dos ecossistemas degradados.

Além da avaliação da qualidade da água, pode-se também avaliar os

efeitos da mudança do uso do solo nos processos hidrológicos. Wijesekara

et al. (2012) desenvolveram pesquisa em uma bacia hidrográfica no sul do

Canadá, aplicando um modelo de simulação (CA Model) e um modelo

hidrológico (MIKE-SHE) abrangendo o período 1985-2001, e simulações

futuras para 2031. Verificou-se uma tendência de aumento de 65% das

áreas urbanas; 20% em áreas de pastagem; e redução em torno de 34% das

áreas de floresta (decídua e perene). Correlacionando tais resultados com

um modelo hidrológico, constatou-se que essas modificações implicariam

no aumento do fluxo superficial (Overland Flow) em 7,0%, e redução na

capacidade de infiltração de 2,3%, podendo comprometer a recarga

subterrânea e favorecer inundações com o aumento do escoamento

superficial.

Noutro trabalho, Leh et al. (2011) avaliaram a influência das

mudanças do uso do solo na ocorrência de processos erosivos para um

período de 20 anos (1986-2006), em uma bacia hidrográfica de 321 km² no

noroeste de Arkansas (EUA). Observou-se que em 1986, 36% da área total

eram afetados pela ocorrência de erosão, em 2006 o valor foi de 39%, e

para 2030 foi previsto aumento de 14%. Os autores constataram que os

maiores valores ocorreram em áreas de terra árida (Barren Land), sem

cobertura vegetal, gerando forte deposição no rio West Fork. As previsões

futuras indicaram aumento das áreas de risco de erosão em decorrência do

crescimento da urbanização.

Considerando ainda processos geodinâmicos, Mendoza et al. (2011)

analisaram as mudanças do uso na bacia hidrográfica Lake Cuitzeo (Cinto

Vulcânico – TMVM, México), usando imagens de satélite e ortofotos

(período 1975-2000). Foi observado que maiores taxas de desmatamento e

urbanização ocorreram no período de 1986-1996, fruto das pressões

humanas derivadas pela migração de famílias em função do terremoto que

aconteceu na Cidade do México em 1985. A região sofreu ainda impactos

devido ao aumento da emigração nos EUA.

Os trabalhos citados ilustram como as mudanças no uso e cobertura

do solo podem promover alterações ambientais variadas, no regime hídrico,

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 21

na qualidade dos recursos hídricos, e em processos geodinâmicos, além de

poder auxiliar na compreensão de problemas urbanos e sociais.

Para avaliar esses processos dinâmicos, diversas ferramentas foram

desenvolvidas, podendo-se citar o CLUE-S (Conversion of Land Use and Its

Effects at Small), DINAMICA EGO, CA-MARKOV e LCM (Land Change

Modeler), que são modelos baseados em abordagem indutiva, e que se

diferenciam em relação aos algoritmos de calibração; tipo de simulação;

métodos de avaliação de desempenho, e flexibilidade às demandas do

usuário (MAS et al., 2014).

O LCM, desenvolvido pela Clark Labs (EASTMAN, 2012), avalia os

efeitos das mudanças de uso e cobertura do solo por ferramentas que

permitem: analisar mudanças, modelar o potencial de transição, prever

mudanças, e avaliar as alterações sobre a biodiversidade (VÁCLAVÍK;

ROGAN, 2009; EASTMAN, 2009).

Entre os trabalhos existentes na bibliografia atual que utilizaram o

LCM, podem-se citar Senisterra e Gaspari (2014) na Argentina, considerando

um intervalo de 25 anos (1986-2011), e as classes de uso: agrícola; pecuária;

pecuária/agrícola (bovinos em pastos cultivados); agrícola/pecuária

(agrícolas com intercalações de pousio); e vegetação florestal, identificando

ganhos nas classes agrícola e agropecuária, decorrentes da conversão das

áreas de pastagem naturais e uso misto, mudanças essas que podem

comprometer a qualidade da água, além de aumentar o risco de erosão.

Além de avaliar as mudanças do uso, Castillo et al. (2014) aplicaram o

LCM para avaliar os impactos decorrentes da mudança do uso do solo em

uma bacia hidrográfica no litoral do Texas (EUA), considerando os anos de

1990 e 2010, com previsões para 2030, considerando as classes: urbana,

agrícola, pastagem, floresta, árida, e zonas úmidas. As principais mudanças

observadas decorreram da expansão da área urbana com possível aumento

de 70% para 2030, mudanças essas que podem gerar impactos significativos

nos ecossistemas e estuários costeiros.

Ainda no âmbito das previsões, no trabalho de Wilson e Weng (2011)

foram previstas mudanças entre 2010 e 2030, e seus efeitos na qualidade da

água, na bacia hidrográfica do rio Des Plaines, Illinois (EUA). Foram utilizadas

imagens de satélite e os softwares Idrisi e SWAT (Soil and Water Assessment

Tool) para estimar as concentrações de sólidos totais e fósforo. Nos mapas

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para 2020 foi previsto um aumento das áreas residenciais e redução das

áreas agrícolas e zonas úmidas. Para os cenários de 2030, verificou-se uma

trajetória similar ao período anterior, com redução mais expressiva das

áreas industriais e terrenos vazios, sendo constatado que, com relação à

qualidade da água em cenários futuros, as variações dependem não só do

uso do solo, mas também das mudanças climáticas. Os resultados

mostraram que o crescimento urbano pode auxiliar na redução dos sólidos

totais dissolvidos, e o crescimento de áreas industriais tende a favorecer o

aumento das concentrações de fósforo.

No Brasil, Piroli et al. (2017) avaliaram as modificações do uso do solo

na microbacia do córrego Monjolinho, localizada no município de Ourinhos

(SP). As análises de mudanças de cobertura (ganhos e perdas) e persistência

foram realizadas aplicando o módulo LCM. Em 1972 havia um predomínio

das classes de expansão urbana e ruas não pavimentadas, em 2014, em

decorrência do crescimento urbano, predominavam as áreas construídas e

ruas pavimentadas. As alterações modificaram a dinâmica do balanço

hídrico local, reduzindo as taxas de infiltração, tanto da água da chuva como

do escoamento superficial, ocasionando a ocorrência de inundações.

Com o intuito de avaliar a influência do uso do solo nos processos

geodinâmicos, Marteli (2015) aplicou o LCM na microbacia hidrográfica do

Córrego Caçula, Ilha Solteira (SP), considerando os anos 1975, 1994 e 2014.

No período 1975-1994 ocorreram reduções nas áreas agrícolas (47,18%) e

de vegetação densa (81,25%). Para o período de 1994 a 2014, o ganho mais

expressivo foi nas áreas urbanas. Segundo a autora, as mudanças do uso do

solo ao longo dos anos comprometeram as áreas críticas na bacia, como as

áreas de planície sem cobertura vegetal. Nessas áreas observou-se que a

impermeabilização excessiva pode potencializar a ocorrência de enchentes e

inundações. No entanto, nas áreas de campo compostas por pastagem a

remoção da cobertura vegetal densa pode favorecer o surgimento de

processos erosivos.

Por fim, destaca-se o trabalho de Leda et al. (2014), realizado na

subbacia do ribeirão da Prata (Lençóis Paulista, SP) para os anos de 1984 e

2014. As perdas no período foram nas classes de pastagem, silvicultura e

corpos d’água, e em contrapartida os ganhos nas áreas de cultivo de cana-

de-açúcar, área urbana e nas áreas de vegetação nativa. Foi possível

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 23

verificar que o acréscimo de vegetação nativa está relacionado com a

implantação da Lei 12.651/2012, que exige a recomposição das Áreas de

Preservação Permanente (APPs) ao longo dos cursos d’água e nascente.

A aplicação do LCM é extremamente vasta e possibilita a análise da

mudança do uso do solo, em bacias hidrográficas, com diferentes níveis de

complexidade. Além disso, os resultados obtidos podem ser correlacionados

com a avaliação dos recursos hídricos, de processos geodinâmicos, da

expansão urbana, entre outros. Nesse contexto, conclui-se que o LCM é uma

importante ferramenta de análise espacial, pois auxilia no diagnóstico do

uso em uma escala temporal e favorece a implantação dos projetos de

gestão e ordenamento territorial. Dessa forma, com os resultados obtidos

podem ser desenvolvidas propostas para que o uso do solo nas bacias

hidrográficas aconteça de maneira condizente com as características do

meio, favorecendo o equilíbrio ambiental.

3 APLICAÇÃO: O CASO DA BACIA DO RIO CLARO

O uso intensivo dos recursos naturais pelo homem e as pressões

ambientais decorrentes, o conhecimento das condições de uso e cobertura

da terra e sua dinâmica se tornaram essenciais para o adequado

planejamento territorial. Apesar da existência de instrumentos legais que

visam a disciplinar o uso dos recursos naturais e criar mecanismos de gestão

e gerenciamento para evitar ou reduzir impactos, tais medidas só podem ser

eficazes com o conhecimento adequado das condições ambientais locais.

Assim, estudos que conjuguem os condicionantes naturais e as

mudanças nos padrões de uso e cobertura da terra constituem a alternativa

adequada para identificar processos com vistas a propor intervenções.

Na bacia hidrográfica do rio Claro (SP) a dinâmica da ocupação

humana tem se revelado o principal gatilho da degradação ambiental, em

particular processos erosivos. Com tal visão, foi desenvolvido estudo na área

da bacia hidrográfica do rio Claro, com a caracterização das mudanças de

uso e cobertura desenvolvidas com o módulo Land Change Modeler (LCM)

no SIG Idrisi Selva (EASTMAN, 2012).

A bacia hidrográfica do rio Claro está localizada na Unidade de

Gerenciamento de Recursos Hídricos 09 do Estado de São Paulo (bacia do rio

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Mogi Guaçu). Em termos de relevo, situa-se na unidade morfoestrutural da

bacia sedimentar do Paraná (ROSS; MOROZ, 1997), com relevo

predominantemente denudacional, composto de colinas amplas e baixas,

com topos tabulares. A cobertura vegetal original era floresta latifoliada

tropical, que foi quase totalmente removida em função dos usos

agropastoris.

As classes pedológicas mais comuns são latossolos vermelho-

amarelos, nitossolos e argissolos (ROSSI, 2017). O clima local é do tipo

tropical úmido-seco, com quatro a cinco meses de seca, e chuvas

concentradas entre os meses de outubro e abril (MENDONÇA; DANNI-

OLIVEIRA, 2007).

Segundo São Paulo-IG (1981), as unidades geológicas que ocorrem na

bacia pertencem às formações sedimentares da bacia do Paraná (Santa Rita

do Passa-Quatro, Pirassununga, Botucatu, Pirambóia, Corumbataí, depósitos

sedimentares quaternários) e rochas intrusivas básicas.

Para a classificação do uso e cobertura na bacia foram usadas

imagens dos satélites Landsat 5, sensor Thematic Mapper (TM), e Landsat 8,

sensor Operational Land Imager (OLI), dos anos 1994, 2004 e 2014. As

composições utilizadas foram R5G4B3, para as imagens Landsat 5, e R6G5B4

para as imagens do Landsat 8, com composição falsa cor.

As imagens sintéticas, resultado das composições de bandas do

Satélite Landsat, foram organizadas segundo classificação supervisionada,

considerando as classes de uso e cobertura: área urbana, café, cana-de-

açúcar, eucalipto, lagoas, laranja, mata, mata ciliar, pastagem, solo exposto.

A subdivisão do primeiro nível de classificação (cobertura agrícola ou mata,

por exemplo) em subníveis (café, cana) considerou a necessidade de tratar

de forma diferenciada as relações de culturas específicas com o processo de

degradação do solo, segundo a proposta original de USGS (1976).

A partir da classificação de uso e cobertura do solo nas imagens foi

possível utilizar o LCM para a modelagem de mudanças, contendo os mapas

de transição entre classes de uso e cobertura, assim como perdas, ganhos e

persistências das classes, a fim de avaliar as alterações que ocorreram ao

longo desses vinte anos. O resultado das classificações é apresentado nas

Figuras 1 a 3.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 25

Figura 1 – Classificação de uso e cobertura da terra em 1994

Figura 2 – Classificação de uso e cobertura da terra em 2004

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Figura 3 – Classificação de uso e cobertura da terra em 2014

Entre 1994 e 2004 observa-se um crescimento da área de plantio de

cana-de-açúcar (de 8 para 18% da área da bacia); redução de área na classe

mata (combinando mata ciliar e outras unidades de mata), de 33% da área

para 28%; e ligeira redução nas áreas com solo exposto (38 para 33,8%) e de

pastagem (19 para 17%).

Apesar de representar pequena parcela da área total da bacia em

2004 (2,5% da área) o crescimento percentual da área urbana foi de 250%.

As demais classes de uso identificadas (laranja, café e lagoas) representam

pequenas áreas na bacia ou tiveram mudanças muito pouco expressivas. A

Figura 4a ilustra as mudanças entre as classes no período 1994-2004,

representadas na forma de ganho e perdas e a Figura 4b os percentuais das

classes que foram substituídas pelo cultivo de cana-de-açúcar na bacia.

Figura 4 – Ganhos e perdas de uso no período 1994-2004 (a); mudanças

mais significativas de para cana-de-açúcar no período (b)

(a) (b)

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 27

Outra forma de representação da dinâmica das classes de uso e

cobertura obtida do LCM é o mapa de mudanças (Figura 5). Dentre as

mudanças representadas, as mais notáveis são a substituição de áreas de

mata e mata ciliar por pastagens; e de mudanças de áreas das classes mata

e mata ciliar, pastagens, e solo exposto para cana-de-açúcar.

Dentre as mudanças observadas no período 1994-2004, aquelas

relativas à supressão de vegetação arbórea (mata e mata ciliar) e a

substituição desses usos por pastagens e cultivo de cana-de-açúcar são as

que merecem maior destaque. Em geral, a pecuária extensiva praticada em

áreas de pastagem no Brasil induz a processos erosivos e provoca

comprometimento da qualidade dos recursos hídricos superficiais, seja

diretamente pelo acesso do gado aos corpos hídricos, ou de forma indireta,

com o carreamento de sedimentos para os corpos d’água.

O crescimento da área de cultivo de cana-de-açúcar pode produzir

efeitos diversos em função das técnicas de cultivo e práticas

conservacionistas adotadas. Nos levantamentos de campo, foi possível

observar que essas ações podem ser variadas, mas que, em geral, as áreas

de cultivo de cana-de-açúcar na bacia do rio Claro não incorporam muitas

práticas conservacionistas, o que pode agravar os processos erosivos e a

degradação dos recursos hídricos.

Como os solos predominantes na bacia apresentam textura arenosa e

baixa compacidade, o desencadeamento de processos erosivos

influenciados pelo uso e cobertura da terra é notável mesmo em áreas de

baixas declividades, como indicam os registros dos processos erosivos (IPT,

2012).

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Figura 5 – Mapa de mudanças nas classes de uso e cobertura no período 1994-2004

No período 2004-2014 as mudanças mais notáveis ocorreram entre

as classes de uso e cobertura da terra (Figuras 2 e 3), podendo ser assim

sumarizadas: (1) houve grande expansão das áreas ocupadas por cana-de-

açúcar (de 18 para 34% da área); (2) observa-se crescimento de 14,3% nas

áreas de mata e mata ciliar (cuja soma cresce de 28% para 32% da área da

bacia); (3) há forte redução no percentual de áreas de pastagem (de 17%

para 4% da bacia); (4) significativa redução nas áreas de solo exposto (de

33,8 para 13% da bacia); e forte expansão (100%) da área urbana. As Figuras

6a (mudanças entre as classes no período 2004-2014) e 6b (percentuais das

classes que foram substituídas por cana) ilustram as principais mudanças.

Figura 6 – Ganhos e perdas no período 2004-2014 (a); mudanças mais

significativas de para cana-de-açúcar no período (b)

(a) (b)

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 29

A Figura 7 ilustra a dinâmica das classes de uso e cobertura no

período 2004-2014, sendo que é notável o crescimento da área de cultivo de

cana-de-açúcar em substituição as classes de uso solo exposto, pastagem,

mata e mata ciliar.

Dentre as mudanças representadas, as mais significativas são a

substituição de áreas de solo exposto por cana-de-açúcar e outros cultivos,

em particular eucalipto e café; e mudanças de áreas de cana-de-açúcar para

mata ciliar; e de áreas de pastagem para cana-de-açúcar e para mata.

Naturalmente, a redução de áreas de solo exposto, e sua substituição

por usos agrícolas, pode ser extremamente positivo, especialmente se os

usos agrícolas forem desenvolvidos com adoção de técnicas de cultivo e

práticas conservacionistas adequadas.

Figura 7 – Mapa de mudanças nas classes de uso e cobertura no período 2004-2014

No entanto, trabalhos de campo na bacia não permitiram identificar

outras técnicas e práticas de proteção do solo, além do preparo do solo em

curvas de nível para cultivo nas áreas de cana-de-açúcar. Como vantagem,

merece destaque que na época dos trabalhos de campo não se observava

fertirrigação na cultura de cana (ação que pode ocasionar degradação se

não bem desenvolvida).

A redução de áreas de pastagem em favor dos cultivos agrícolas e de

mata também pode representar algo positivo para a redução do processo de

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degradação. Como em outras áreas de cultivo de cana, a recomposição de

mata e mata ciliar para atender a instrumentos legais pode representar uma

tendência de melhoria nas condições ambientais das bacias hidrográficas.

Por fim, o recente aparecimento de áreas de cultivo de eucalipto

merece especial atenção no futuro, pois em função da declividade de áreas

exploradas e de práticas agrícolas, tal cobertura pode favorecer ou reduzir a

degradação ambiental.

4 APLICAÇÃO: O CASO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO DO MEIO

A Bacia Hidrográfica do Córrego do Meio (BHCM) está localizada no

município de São Pedro, situado no interior do Estado de São Paulo, entre as

coordenadas UTM 194000/199000m E, e 7507000/7491000m N, na Zona 23

Sul. A BHCM possui uma área de 48,06 km², na qual 5 km² correspondem a

uma porção da área urbana, e ordem de ramificação 5, segundo a

classificação de Strahler (1957). O ribeirão do Meio que drena a bacia de

estudo nasce na serra de São Pedro e percorre toda a área com uma

extensão de 41 km, até sua foz, no rio Piracicaba.

O município de São Pedro possui uma área territorial de 611,28 km²;

população estimada de 34.898 habitantes; PIB per capita de 17.688,94 reais

e IDHM (2010) 0,755. O turismo é a principal atividade econômica da região,

com destaque para os atrativos naturais, culturais e históricos. Em relação à

pecuária, destaca-se a criação de galinhas e bovinos, e quanto à produção

agrícola, predomina o cultivo de cana-de-açúcar (IBGE, 2018). A

geomorfologia da BHCM compreende três unidades geomorfológicas: serra

de São Pedro; cuestas basálticas (escarpa de serra) e depressão periférica

(IPT, 1981). Na área ocorrem rochas sedimentares das formações Itaqueri,

Pirambóia e Botucatu e rochas ígneas da formação serra Geral (PEJON,

1992).

Os solos presentes na bacia, de acordo com Oliveira e Prado (1989)

são latossolo roxo distrófico, latossolo vermelho escuro, latossolo vermelho

amarelo, argissolos, neossolo quartzoarênico, litossolos e gleissolos.

As características naturais (geologia e relevo) somadas às atividades

antrópicas propiciam o desencadeamento de processos erosivos lineares

acelerados, como ravinas e voçorocas. Dessa maneira, a degradação

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 31

ambiental na BHCM compromete não só as áreas rurais, mas também a área

urbana, ocasionando perdas ambientais, sociais e econômicas.

Para avaliar as mudanças do uso e cobertura da terra na BHCM foram

utilizadas imagens de satélite Landsat 5 (composição R4G3B2) e 8

(composição R5G4B3), dos anos de 1997, 2007 e 2017, com resolução

espacial de 30 metros.

O processamento das imagens foi realizado a partir da classificação

supervisionada no software TerrSet (Clark Labs), considerando as seguintes

classes de uso e ocupação: área urbana, pastagem, cana-de-açúcar,

eucalipto, mata e lago. Nas Figuras 8a, 8b e 8c são apresentados os

resultados da classificação do uso e cobertura do solo em 1997, 2007 e

2017.

Nos períodos de 1997 a 2007 pode-se observar uma ligeira redução

da área de pastagem (de 46,55 para 43,38% da área da bacia); redução nas

áreas de plantio de eucalipto (8,96 para 2,10%); na classe mata de 24,03%

da área para 19,53%; um crescimento expressivo da área de plantio de cana-

de-açúcar (de 9,46% para 23,26%); em 2007 houve ainda um acréscimo

(10,77% para 11,28%) da área urbana. Por fim, a classe lago com pouca

representação.

Além da classificação do uso e cobertura, também foi realizada a

modelagem das mudanças ao longo dos vinte anos na BHCM. A Figura 9a

ilustra as mudanças entre as classes no período 1997-2007, representadas

na forma de ganho e perdas e na Figura 9b podem ser observados os

percentuais das classes que foram substituídas pelo cultivo de cana-de-

açúcar na bacia.

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Figura 8(a) – Classificações de uso e cobertura do solo na bacia do córrego do Meio em 1997

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 33

Figura 8 (b) – Classificações de uso e cobertura do solo na bacia do córrego do Meio em 2007

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Figura 8 (c) – Classificações de uso e cobertura do solo na bacia do córrego do Meio em 2017

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 35

Figura 9 – Ganhos e perdas no período de 1997 a 2007 (a), mudanças significativas para cana (b)

(a) (b)

Para o período 2007-2017 as mudanças mais notáveis entre as

classes do uso e cobertura do solo (Figuras 1b e 1c) podem ser assim

sintetizadas: expansão das áreas ocupadas por eucalipto (de 2,10% para

10,12% da área); observa-se uma redução no crescimento de 19,53% nas

áreas de mata para 14,42% da área da bacia; redução no percentual de

áreas de pastagem (de 43,38 para 40,55% da área); diminuição das áreas de

cana-de-açúcar de 23,26 para 21,95%; em 2017 houve um acréscimo (11,28

para 12,78%) da área urbana. Por fim, a classe lago apresentou mudanças

pouco expressivas.

A Figura 10a ilustra as mudanças entre as classes no período 2007-

2017 e na Figura 10b podem ser observados os percentuais das classes que

foram substituídas pelo cultivo de eucalipto na bacia.

Outra maneira de representar as alterações ocorridas entre as classes

de uso e cobertura do solo é a partir dos mapas de mudança do uso do solo

obtidos pelo LCM, que estão representados nas Figuras 11a e 11b relativas

aos mapas dos períodos de 1997-2007 e 2007-2017, respectivamente.

Figura 10 – Ganhos e perdas, período 2007-2017 (a);

Mudanças significativas para eucalipto (b)

(a) (b)

0,00 3,00 6,00 9,00-3,00-6,00-9,00

Lago

Mata

Eucalipto

Cana-de-açúcar

Pastagem

Área urbana

Gains and losses between 1997 and 2007Gains and losses between 1997 and 2007

0,00 0,40 0,80 1,20 1,60 2,00 2,40 2,80 3,20 3,60

Lago

Mata

Eucalipto

Cana-de-açúcar

Pastagem

Área urbana

Contributions to Net Change in Cana-de-açúcarContributions to Net Change in Cana-de-açúcar

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Figura 11 – Mudanças de uso entre 1997 e 2007 (a), Mudanças do uso entre 2007 a 2017 (b)

(a) (b)

Dentre as mudanças ocorridas no período 1997-2007, as mais

evidentes são a substituição da pastagem, eucalipto e mata para o cultivo de

cana-de-açúcar; e de áreas de matas para pastagem.

A pastagem destinada à pecuária na BHCM acabou sendo alterada

para o cultivo de cultura anual, como é o caso da cana-de-açúcar. De modo

geral, essa cultura exige o uso de agrotóxicos e fertilizantes, portanto,

requer especial atenção com relação à qualidade dos recursos hídricos na

bacia quando não adotadas práticas e medidas voltadas para a conservação

do solo resultantes da conversão.

O aumento dessa cultura sobre áreas ocupadas por pastagem

extensiva pode apresentar também aspectos positivos no processo de

redução de degradação ambiental, sendo considerada uma atividade

agrícola altamente conservadora, quando utilizadas as práticas de

conservação do solo e de aptidão agrícola.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 37

A pastagem causa alguns efeitos no meio ambiente, como a

degradação da paisagem, empobrecimento do solo, e contribui ainda para a

ocorrência de processos erosivos. Em relação à erosão no solo, a BHCM

apresenta processos com diferentes características morfométricas, e nas

áreas agrícolas ocorrem com maior frequência nas áreas de pastagem,

devido principalmente à ausência da cobertura do solo. Tais processos

podem gerar perdas significativas de solo, afetando o abastecimento de

mananciais e interferindo na qualidade dos recursos naturais.

A supressão das áreas de mata em favor de pastagem pode resultar

um aumento no processo de degradação ambiental na bacia, visto que sua

retirada pode provocar alterações nas propriedades do solo e no regime do

escoamento superficial, favorecendo a ocorrência de processos erosivos e

compactação do solo, comprometendo a qualidade dos recursos hídricos

(LEITE et al., 2011).

Dentre as mudanças apresentadas para o período de 2007-2017,

nota-se a substituição de áreas de pastagem, das áreas de plantio de cana-

de-açúcar e mata para a cultura de eucalipto; e áreas de cultivo de cana-de-

açúcar para pastagem.

As observações em imagens de satélite mostraram que os processos

erosivos nas áreas de cultivo de eucalipto tendem a ser mais intensos

quando não aplicado um plano de manejo adequado em todas as etapas do

plantio e durante a colheita. Além disso, a substituição da mata pelos

eucaliptos provoca impactos físicos e químicos, contribuindo para a

degradação dos solos e cursos d´água.

A redução da área de cultivo de cana-de-açúcar e sua substituição

por pastagem apresentam alguns aspectos negativos, uma vez que essas

áreas de pastagens extensivas normalmente apresentam solos compactos

pelo pisoteio contínuo dos animais e baixa infiltração da água, resultando

uma área mais suscetível à degradação por processos erosivos.

É importante destacar que ao longo do período analisado (1997 a

2017) houve crescimento linear das áreas urbanas, que, por sua vez,

caracterizam-se por áreas de chácaras. Nesses locais observa-se a ausência

de obras de drenagem, principalmente nas estradas sem pavimentação, o

que contribui fortemente para a abertura de canais preferenciais e,

consequentemente, a ocorrência de erosão acelerada. Esses processos,

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especialmente quando ocorrem em áreas de solos arenosos, resulta a

deposição de sedimentos nos corpos d’água, podendo comprometer a

qualidade dos recursos hídricos e danos ambientais associados.

Por fim, pode-se dizer que a BHCM está exposta a fontes potenciais

de contaminação advindas das atividades agrícolas, por possuir diferentes

usos do solo e estar em constante mudança de culturas. Desse modo, é de

suma importância a realização de estudos em bacias hidrográficas em

diferentes datas, de forma a permitir comparação e quantificação das

mudanças sob diferentes cenários ambientais.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado

de São Paulo (FAPESP - Processo 2013/03699-5) e informam que "o presente

trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001".

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 41

Capítulo 2

SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA APLICADO NA DISCRIMINAÇÃO MORFOMÉTRICA DE BACIAS HIDROGRÁFICAS

Sérgio Campos7

Marcelo Campos8

Thyellenn Lopes de Souza9

Mateus de Campos Leme10

Letícia Duron Cury11

1 INTRODUÇÃO

Diversas pesquisas vêm mostrando que o uso inadequado dos

recursos naturais vem provocando impactos pela ação antrópica (QUEIRÓZ,

2008), sendo a caracterização física de uma bacia hidrográfica essencial para

a elaboração de futuros projetos agroambientais, pois os resultados

permitirão melhor compreensão do escoamento superficial.

A morfometria das bacias é de suma importância, pois atuam no ciclo

hidrológico, influenciando diretamente os aspectos relativos à infiltração, à

evapotranspiração e ao escoamento superficial e subsuperficial (RODRIGUES

et al., 2008).

O conhecimento das características físicas da bacia permite a

determinação do escoamento superficial numa região, possibilitando assim

medidas preventivas no controle de enchentes, identificando se esta é

suscetível a esse evento (FONTES et al., 2008).

7 Professor titular (UNESP), Botucatu. Responsável pela coordenação da pesquisa. E-mail: [email protected] 8 Professor doutor (UNESP), Tupã. E-mail: [email protected] 9 Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP), Botucatu. E-mail: [email protected] 10 Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP), Botucatu. E-mail: [email protected] 11 Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP), Botucatu. E-mail: [email protected]

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42

A morfometria é fundamental no diagnóstico de suscetibilidade à

degradação ambiental, determinação de zonas ripárias, planejamento e

manejo de bacias (MOREIRA; RODRIGUES, 2010), pois o monitoramento

contínuo dos recursos hídricos é essencial para a avaliação dos fenômenos

hidrológicos, envolvendo secas e inundações.

A política agrícola adequada necessita de embasamento técnico e

científico, com informações confiáveis e atualizadas do uso das terras, cujo

objetivo é racionalizar e viabilizar os planejamentos agrícolas regionais em

função da grande extensão territorial do nosso país.

Os dados georreferenciados obtidos por sensoriamento remoto e a

multiplicação de mapas temáticos permitem obter tais planejamentos com

muita rapidez em face do exame de um grande conjunto de variáveis

consideradas nos planejamentos de manejo do solo.

O sistema de informação geográfica (SIG) utiliza uma base de dados

georreferenciados com informação espacial, aspectos sociais, econômicos e

políticos, permitindo uma divisão temática que integra um SIG, a qual atua

em uma série de operações espaciais (TEIXEIRA et al., 1992).

Assim, a avalição do comprimento da rede de drenagem em função

da área de bacias permite associar os valores dos problemas com enchentes

e erosões do solo (TORRES et al., 2007).

O presente capítulo teve como objetivo a caracterização

morfométrica da bacia do córrego do Veado, Brotas (SP), de acordo com o

Sistema de Informações Geográficas Idrisi Selva, visando ao planejamento e

ao manejo integrado dos recursos hídricos da bacia.

2 BACIAS HIDROGRÁFICAS

O manejo de bacias hidrográficas em áreas com regime de

exploração apresenta grande dificuldade para o planejador conciliar a

conservação dos recursos naturais com a exploração econômica

desenfreada, principalmente quando os proprietários desconhecem os

aspectos da conservação da água, solo e recursos naturais, uma vez que o

tamanho da propriedade dificulta medidas de conservação ou inviabiliza na

questão de sobrevivência (BARROSO, 1987).

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 43

A correção do meio ambiente deteriorado é necessária no

gerenciamento das unidades de planejamento: naturais e políticas para a

recuperação das bacias hidrográficas que têm mostrado grande eficiência

em pesquisas de campo (ROCHA, 1991).

Para Fabrin (1995), o monitoramento florestal de bacias hidrográficas

através de bases digitais foi satisfatório com a utilização de SIG e imagens do

Landsat 5 TM na digitalização das curvas de nível, criação de base de dados

digitais e quantificação de áreas.

O ciclo de vida das árvores depende do equilíbrio dos ecossistemas,

pois as florestas têm importância fundamental na manutenção deste:

abastecer os lençóis freáticos, amenizar os efeitos erosivos sobre o solo, no

refúgio de animais silvestres, etc.

A cobertura vegetal é muito importante na conservação do solo, pois

permite o controle da erosão hídrica e eólica, porque o escoamento está

diretamente ligado à cobertura vegetal e a declividade do terreno, ou seja,

apresenta fortes implicações no processo erosivo dos solos (CASSOL, 1996),

assim, no combate no processo erosivo do solo é recomendável mantê-lo

coberto por vegetação para diminuir a velocidade do escoamento com a

utilização do plantio das culturas em curvas de nível.

O relevo influencia nas forças climáticas, variando as condições para

atividade orgânica, exposição da fauna e flora do solo direto à luz do sol e

misturando o solo mineral e material orgânico por ação de animais, bem

como influencia na a exposição do solo ao vento, a precipitação, a neve, o

gelo, nas condições para drenagem natural.

3 MORFOMETRIA DE UMA BACIA HIDROGRÁFICA

As mudanças ambientais prejudicam a qualidade de vida das pessoas,

sendo necessário estudar os processos ambientais, sociais e culturais para

melhor planejamento e manejo das áreas (NARDIN, 2005).

A bacia hidrográfica, por ser considerada uma unidade ideal no

planejamento dos recursos naturais do meio ambiente, permite melhor

aproveitamento hídrico e econômico-social na sustentabilidade ambiental

para a produtividade e qualidade de vida dos seus usuários (TUNDISI, J. G. et

al., 2008).

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A análise física, socioeconômica e ambiental das bacias hidrográficas

é aconselhável para a recuperação dos problemas ambientais, para a

produção, conservação, manejo e estudo detalhados envolvendo a água, o

solo, a vegetação, os animais, a biodiversidade e a produção florestal

sustentável (RODRIGUES, 2003).

A morfometria de uma bacia hidrográfica e a caracterização da zona

ripária são ferramentas importantíssimas no diagnóstico da suscetibilidade à

degradação ambiental, pois possibilita, por meio de representações gráficas,

a determinação de áreas a partir de parâmetros quantitativos (RODRIGUES,

2000), bem como as análises morfométricas relacionadas com o relevo, que

permitem obter resultados da formação geomorfológica ao longo do tempo

e espaço (NARDINI, 2005).

Esta seção permitiu o estudo da caracterização do relevo em relação

à morfometria e as condições de conservação da bacia do ribeirão do

Veado.

4 SISTEMA DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS - SIGs

Os SIGs vêm sendo utilizados nas mais diversas aplicações ambientais

que envolvem integração e análise de dados espaciais em diferentes escalas,

pois são muito eficazes na solução de problemas com a topologia de um

mapa e diversas projeções cartográficas (MATTIKALLI et al., 1995).

Calijuri et al. (1994) ao estudarem a determinação dos princípios de

funcionamento do sistema, implantaram um SIG na bacia hidrográfica do

ribeirão e represa do Loa, entre os municípios de Brotas e Itirapina(SP), o

qual permitiu melhor planejamento, manejo, conservação e exploração dos

recursos naturais da bacia.

Para Simões (1996), a avaliação de áreas de preservação permanente

com SIG-IDRISI mostrou que as técnicas de geoprocessamento foram

eficientes na determinação e análise destas, permitindo a sua atualização e

monitoramento, mostrando também a necessidade da elaboração de

projetos de recuperação dessas áreas no município de Botucatu.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 45

5 SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA – IDRISI SELVA

O Sistema de Informações Geográficas IDRISI foi desenvolvido pela

Clark University, Massashussets. De acordo com Teixeira et al. (1992), a

estrutura dos dados espaciais geométricos pode ser subdividida em raster e

vetorial, onde a estrutura vetorial considera um espaço geográfico contínuo

e a raster divide o espaço em elementos discretos, obtidos pela sua partição

em uma malha com linhas verticais e horizontais espaçadas regularmente,

formando células (pixels).

Corseuil (1996), utilizando o IDRISI para modelagem numérica de um

mapa temático de florestas, visando à visualização tridimensional de

camadas de informações, em cores e georreferenciadas, obteve resultados

significativos, mostrando que o método para o planejamento florestal é

viável.

Segundo Crósta (1996), o sistema de informações geográficas IDRISI

utilizado na delimitação, quantificação e caracterização das áreas de

preservação permanente permitiu a obtenção de informações de áreas

usadas indevidamente, ou seja, inadequadamente nessas áreas.

6 DESENVOLVIMENTO

A bacia do córrego do Veado localiza-se na porção norte do

município de Brotas-SP, entre as coordenadas UTM 791200 a 798450 de

longitude W Gr. e 7524450 a 7530400 de latitude S, apresentando uma área

de 2565 ha.

O clima predominante do município, segundo Koppen, é do tipo Cwa

– Clima subtropical úmido com invernos secos e verões quentes, na qual a

temperatura do mês mais frio é inferior a 18 °C e a do mês mais quente é

maior que 22 °C.

Na caracterização morfométrica da área foi utilizada a carta

topográfica de Brotas (IBGE, 1974), em escala 1:50.000, com curvas de nível

de 20 em 20 metros, para extração da rede de drenagem e da

planialtimetria (Figura 1).

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O software Idrisi Selva foi utilizado para vetorização das curvas de

nível, divisor de águas, rede de drenagem, bem como para elaboração da

morfometria, hierarquia da rede de drenagem (STRAHLER, 1952).

A delimitação da área da bacia permitiu obter os parâmetros

dimensionais da rede de drenagem, que permitem eliminar a subjetividade

na sua caracterização (OLIVEIRA; FERREIRA, 2001). A determinação desses

parâmetros permitiu o cálculo do maior comprimento (C), do comprimento

do curso principal (CP), do comprimento total da rede (CR), do perímetro (P)

e da área (A), as quais foram determinados pelo software Sistema de

Informações Geográficas Idrisi Selva utilizado para manipulação, tratamento

e análise dos dados gerados para a bacia (curvas de nível e rede de

drenagem).

Figura 1 - Planialtimetria e hidrografia da bacia do Córrego do Veado - Brotas (SP)

Fonte: Strahler (1952).

A hierarquização da rede de drenagem foi obtida conforme proposta

de Horton (1945) e modificada por Strahler (1957), onde parâmetro ordem

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 47

dos canais é o grau de ramificações e/ou bifurcações presentes em uma

bacia hidrográfica.

Os parâmetros da composição e padrão de drenagem analisados

foram: a densidade de drenagem (Dd), a extensão do percurso superficial

(Eps), a extensão média do escoamento superficial (I), a textura da

topografia (Tt), o coeficiente de manutenção (Cm), a rugosidade topográfica

(Rt) e o índice de forma (K), conforme Christofoletti (1969) e fator de forma

(Kf) foi determinado conforme metodologia preconizada por Almeida

(2007).

Densidade hidrográfica (Dh)

A densidade hidrográfica, relação existente entre o número de rios e

a área da bacia hidrográfica (CHRISTOFOLETTI, 1969), foi determinada

conforme Equação 1:

Dh = N . A-1

......................................... Eq. 1

Onde:

Dh - Densidade hidrográfica em km-2

N - Número total de rios

A - Área da bacia hidrográfica em km2

Declividade média

A declividade média de uma bacia, associada à cobertura vegetal,

tipo de solo e tipo de uso da terra (ROCHA; SILVA, 2001), foi obtida a partir

da Equação 2 e classificada quanto a forma de relevo por Lepsch et al.

(2001), conforme Quadro 1:

H = (D . L) 100/A ..................................... Eq. 2

onde:

H - Declividade média em %

D - Distância entre as curvas de nível em m

L - Comprimento total das curvas de nível em m

A - Área da microbacia em m2

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Quadro 1 - Classes de declividade e relevo

Classes de Declividade (%) Forma de Relevo

0-3 Plano

3-6 Suave ondulado

6-2 Ondulado

12-20 Forte ondulado

20-40 Montanhoso

40 Escarpado

Fonte: Lepsch et al. (2001).

Coeficiente de rugosidade (CR)

O coeficiente de rugosidade visa a determinar o uso potencial das

terras rurais, dependendo das características com agricultura, pecuária,

silvicultura por reflorestamento ou preservação permanente na definição

das classes de uso da terra em A (menor valor de CR) – terras apropriadas à

agricultura; B – terras apropriadas à pecuária; C – terras apropriadas à

pecuária e reflorestamento e D (maior valor de CR) – terras apropriadas

para florestas e reflorestamento (ROCHA; SILVA, 2001). As terras A, B, C e D

foram definidas através do cálculo da amplitude, diferença entre o maior e o

menor valor de CR encontrada para as bacias e o intervalo de domínio que é

a amplitude dividida por 4 (ROCHA; SILVA, 2001).

Densidade de drenagem (Dd)

A densidade de drenagem e o comprimento total dos rios pela área

da bacia foram obtidos a partir da Equação 3 (SILVA et al., 2004) e

classificados em três classes de interpretação conforme Quadro 2, segundo

Cristofoletti (1969):

Dd= l . A-1

.............................................. Eq. 3

Onde:

Dd - Densidade de drenagem em km/km2

L - Comprimento total dos rios ou canais em km

A - Área da bacia em km2

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 49

Quadro 2 - Classes de interpretação para os valores da densidade de drenagem

Classes de valores (km2) Densidade de drenagem

< 7,5 Baixa

7,5 a 10,0 Média

10,0 Alta

Fonte: Christofoletti (1969).

Índice de circularidade (IC)

O índice de circularidade, que é a relação entre o perímetro e a área

de uma bacia, foi determinado pela Equação 4:

TC=12,57 P2.......................................................... Eq. 4

Onde:

K - Índice de circularidade;

P - Perímetro da bacia em km

A - Área da bacia em km2

Coeficiente de Compacidade (Kc)

O coeficiente de compacidade é a relação entre o perímetro da bacia

e o perímetro de uma circunferência de um círculo de área à bacia (VILLELA;

MATTOS, 1975) que varia com o formato da bacia, varia com o tamanho

irregular da bacia, sendo maior nas bacias menos sujeitas a enchentes. Este

é determinado através da Equação 5:

Kc = 0,28 (P : A1/2

) ................................................ Eq. 5

Onde:

Kc - Coeficiente de compacidade

P - Perímetro em metros

A - Área de drenagem em m2

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50

Índice de circularidade

O índice de circularidade, quanto mais próximo da unidade 1,0, mais

se aproxima do formato circular, diminuindo à medida que se transforma

em um formato mais alongado (CARDOSO et al., 2006). Esse índice foi

determinado através da Equação 6:

IC= 12,57 (A / P2) ................................... Eq. 6

Onde:

IC - Índice de circularidade

A - Área de drenagem em m2

P - Perímetro em m

Fator de forma (Ff)

O coeficiente de compacidade e o índice de circularidade comparam

a bacia a um círculo e o fator de forma a um retângulo, porém, a forma da

bacia e a configuração do sistema de drenagem dependem da estrutura

geológica do terreno, sendo muito importantes porque quanto mais baixo

for o fator de forma menos sujeita a bacia será a enchentes (VILLELA;

MATTOS, 1975). Este fator foi determinado pela seguinte Equação 7:

F = A/L2

................................................... Eq. 7

Onde:

F - Fator de forma

A - A área de drenagem em m2

L - O comprimento do eixo da bacia em m

Razão de Relevo

A razão de relevo, relação entre a diferença de altitude dos pontos

extremos da bacia e seu comprimento (SCHUMM, 1956), demonstra que

quanto maiores os valores mais acidentado será o relevo na região e maior

será a declividade geral da bacia, portanto maior será a velocidade de

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 51

escoamento da água em relação ao maior comprimento do canal

(CARVALHO, 1981).

7 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos resultados para a bacia do córrego do Veado (Tabela 1)

mostra que a área é de 25,65 ha, o perímetro de 20 km e o fluxo de água na

direção E-W apresenta um comprimento de 7 km. O comprimento total da

rede de drenagem (35 km) mostra que a bacia apresenta poucos canais de

drenagem.

O fator de forma, importante na determinação do tempo de

concentração da água após uma precipitação, mostrou que esta apresenta

um fator de forma de 0,52 para o córrego do Veado, indicando que a bacia

tem o formato mais ovalado.

Tabela 1 - Características morfométricas da bacia Córrego do Veado, Brotas-SP

Características Físicas Unidades Resultados

Parâmetros dimensionais da bacia

Área (A) km² 25,65

Perímetro (P) km 20

Comprimento do rio principal km 7

Comprimento da rede de drenagem total (Cr) km 35

Comprimento das curvas de nível (Cn) km 122,1

Comprimento vetorial km 6,65,9

Características do Relevo

Coeficiente de compacidade (Kc) ----------- 1,11

Fator de forma (Ff) ----------- 0,52

Índice de circularidade (Ic) ----------- 0,87

Declividade média (D) % 9,52

Altitude média (Hm) m 705

Maior altitude (MA) m 842

Menor altitude (mA) m 568

Coeficiente de rugosidade (CR) ----------- 12,28

Padrões de drenagem da bacia

Ordem da bacia (W) --------- 3ª

Densidade de drenagem (Dd) km/km² 1,36

Coeficiente de manutenção (Cm) m/m² 3735,3

Extensão do percurso superficial (EPS) m 0,34

Gradiente de canais (Gc) % 12,02

Índice de sinuosidade (Is) --------- 1,06

Frequência de rios (Fr) --------- 0,77

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A forma e o relevo atuam na taxa e o regime de produção de água na

taxa de sedimentação.

O coeficiente de compacidade de 1,11 e o fator de forma baixo 0,52

permitiram constatar que a bacia é pouco suscetível a enchentes. Portanto,

os parâmetros mostram que a bacia não possui formato circular, tendendo

para a forma alongada, elíptica (SANTOS, 2001), mostrando que esta

apresenta menor risco a enchentes sazonais, o que foi confirmado pelo

índice de circularidade de 0,87, que permitiu constatar a bacia não possui

formato próximo ao circular, isto é, apresenta forma alongada.

Os baixos valores de Dd, Fr e Razão, associados à presença de rochas

permeáveis (TONELLO et al., 2006), facilitam a infiltração da água no solo

com a diminuição do escoamento superficial, do risco de erosão e

degradação ambiental, pois quanto mais elevados forem esses valores mais

intenso é o processo de erosão do solo (RODRIGUES et al., 2008).

A densidade de drenagem de 1,36 km/km2

classificá-la como baixa,

pois os valores são menores que 7,5 km/km2

(CHRISTOFOLETTI, 1969),

enquanto esse índice é considerado pobre, indicando que a bacia apresenta

baixa drenagem.

A sinuosidade, fator controlador da velocidade de escoamento da

água, demonstra que o rio segue exatamente a linha do talvegue, devido ao

baixo grau de sinuosidade (SILVA et al., 2009).

O valor médio da extensão do percurso superficial (0,34) e o do

coeficiente de manutenção (735,3) permitiram constatar a presença de

solos permeáveis na bacia.

A declividade média na bacia do córrego do Veado, Brotas (SP), da

ordem de 9,52, permitiu classificá-la (CHIARINI; DONZELLI, 1973) como

relevo ondulado, impróprio para o cultivo de culturas anuais, mas indicado

para o uso de pastagens associado à rotação com culturas anuais, que

podem ser exploradas com culturas permanentes porque dão certa

proteção ao solo, uma vez que são terras sujeitas à erosão e a prática da

conservação do solo é imprescindível (LEPSCH et al., 2001).

As atividades agrícolas em áreas impróprias e de forma inadequada

deve ser considerada uma prática de risco, pois se as práticas

conservacionistas não forem utilizadas as bacias certamente sofrerão com

perdas de solos por erosão.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 53

A declividade alta tem relação direta com os processos erosivos

devido à maior velocidade de escoamento superficial e menor infiltração das

águas no solo, pois propicia modificação na regulagem do sistema

hidrológico e produção de água na bacia.

O coeficiente de rugosidade de 12,28 permitiu classificar a bacia para

vocação com uso de reflorestamento (Classe C), uma vez que os altos

valores do coeficiente de rugosidade mostram que essas têm probabilidade

de sofrer os efeitos da erosão, sendo necessário medidas preventivas, com a

implementação de áreas cobertas pela vegetação.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As técnicas de sensoriamento remoto em conjunto com o emprego

de produtos orbitais do Landsat mostraram ser eficientes na determinação

do uso do solo, integração de dados georreferenciados na elaboração de um

banco de dados que é fundamental no planejamento de uso do solo numa

bacia e no atendimento à legislação ambiental.

A morfometria da bacia permitiu concluir que as variáveis

morfométricas serão importantíssimas nos futuros planejamentos e gestões

ambientais regionais.

A bacia apresenta altos riscos de suscetibilidade à erosão e

degradação ambiental, sendo fundamental o aumento da cobertura vegetal

e das zonas ripárias para conservação dos serviços ambientais.

O fator de forma e a densidade de drenagem, classificados como

baixos, permitem constatar que o substrato tem permeabilidade alta com

maior infiltração e menor escoamento da água.

O Sistema de Informações Geográficas Idrisi Selva foi uma excelente

ferramenta na confecção dos mapas temáticos, monitoramento e gestão

dos recursos hídricos da bacia.

O coeficiente de rugosidade permitiu classificar a bacia para vocação

com uso por Pecuária/Reflorestamento (Classe C), pois os altos valores

mostram que essas têm maiores chances de sofrer os efeitos da erosão,

necessitando de medidas para prevenção e proteção com cobertura vegetal.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 57

Capítulo 3

GEOTECNOLOGIAS APLICADAS AO MANEJO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS: O CASO DA BACIA DO

RIO LAVAPÉS EM BOTUCATU (SP)

Ronaldo Alberto Pollo

12

César de Oliveira Ferreira Silva 13

Mikael Timóteo Rodrigues

14

Lincoln Gehring Cardoso 15

Bruno Timóteo Rodrigues

16

1 INTRODUÇÃO

O gerenciamento de recursos hídricos foi regulamentado pela

legislação brasileira com o objetivo de disciplinar e melhorar continuamente

o manejo dos mesmos, projetando e prevenindo conflitos para diminuir

custos, bem como danos em termos qualitativos e quantitativos aos

recursos hídricos.

Uma das primeiras legislações a inserir o gerenciamento de recursos

hídricos como participante da gestão pública foi a Política Estadual de

Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos

Hídricos do Estado de São Paulo, com base na Lei Estadual 7.663, embasada

fundamentalmente no reconhecimento do valor econômico da água,

buscando “a descentralização do poder para quem administra os recursos

naturais”.

A União implementou a Política Nacional de Recursos Hídricos no ano

de 1997 pela Lei 9.433, visando a consolidar um avanço na valoração da

12 Doutor em Agronomia, Departamento de Engenharia Rural/FCA/UNESP/Botucatu-SP. E-mail: [email protected] 13 Mestrando em Irrigação e Drenagem, FCA/UNESP/Botucatu-SP. E-mail: [email protected] 14 Pós-doutorando em Agronomia, FCA/UNESP/Botucatu-SP. E-mail: [email protected] 15 Prof. Titular, Departamento de Engenharia Rural/FCA/UNESP/Botucatu-SP. E-mail: [email protected] 16 Doutorando em Agronomia/FCA/UNESP/Botucatu-SP. E-mail: [email protected]

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água, observado em seu artigo 1º, incisos I e II: “A água é um bem de

domínio público e dotado de valor econômico”. Estabeleceu diferentes

ferramentas de gestão que, desde que efetivamente implementadas pelos

usuários dos recursos hídricos e órgãos gestores, permitem a

compatibilização dos diferentes interesses no uso e ocupação dos solos das

bacias hidrográficas (TUCCI, 2002).

A criação da Agência Nacional de Águas (ANA) em 2000, que detém

participação na execução da Política Nacional dos Recursos Hídricos, foi mais

um passo para maior participação popular, acadêmica e técnica ao

gerenciamento de recursos hídricos por meio dos Conselhos Nacional e

Estadual de Recursos Hídricos.

Nesse contexto, postas as disposições jurídicas que servem de base

às ações de intervenção e manutenção da qualidade ambiental dos recursos

hídricos, cabe analisar a interface entre as definições legais e o

conhecimento científico e tecnológico disponível aos estudos ambientais em

nível de bacia hidrográfica.

Assim, o presente capítulo buscou identificar as potencialidades do

uso de ferramentas de geoprocessamento como gerador de subsídios para

tomada de decisão de manejo de bacias hidrográficas. Nesse texto serão

apresentadas as variáveis primordiais ao entendimento da dinâmica

ambiental de uma bacia hidrográfica e suas respectivas estratégias de

estudo com uso de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) tomando como

estudo de caso a bacia hidrográfica do rio Lavapés, no município de

Botucatu-SP.

2 MANEJO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS

Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2015), ciclo

hidrológico é a contínua interação das águas continentais com a atmosfera,

interação originada de forças gravitacionais e térmicas (do Sol), que

provocam, de forma cíclica, a evaporação das águas dos oceanos e dos

continentes e posterior precipitação de acordo com as condições

atmosféricas. Segundo Lima e Freire (1976), o ciclo hidrológico envolve os

processos físicos da evapotranspiração, chuva, infiltração, percolação,

escoamento superficial, subsuperficial e de base, além da vazão, que

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 59

representam os diferentes caminhos pelos quais a água circula nas três fases

do sistema Terra: hidrosfera, litosfera e atmosfera.

A água na superfície terrestre interage com o solo por fenômenos

como infiltração e escoamento superficial, que são os mais significativos em

nível de bacia hidrográfica (outros fenômenos de menor intensidade podem

ser identificados como o escoamento subsuperficial e a ascensão capilar),

sendo a infiltração o fenômeno ambientalmente mais benéfico (SANTANA,

2003), já que promove a recarga dos aquíferos, e o escoamento superficial o

fenômeno ambientalmente mais oneroso, já que provoca a ocorrência de

efeitos nocivos à paisagem e à bacia hidrográfica, como deslizamentos de

encostas e erosão.

Bacias hidrográficas são consideradas regiões separadas entre si pela

sua topografia (divisores de águas), cujas áreas funcionam como receptores

naturais das águas da chuva, ou seja, onde ocorre pelas suas características

geográficas e topográficas, a captação de água (drenagem) para um rio

principal e seus afluentes (GOLDENFUM, 2001). É composta basicamente de

um conjunto de superfícies, chamadas vertentes, e de uma rede de

drenagem formada por cursos d’água confluentes, resultando em um leito

único no exutório (SILVEIRA, 2001), comumente é considerada como uma

determinada “área de terreno que drena água, partículas de solo e material

dissolvido para um ponto de saída comum, situado ao longo de um rio,

riacho ou ribeirão” (DUNNE; LEOPOLD, 1978).

Os parâmetros morfológicos mais comuns em estudos de bacias

hidrográficas são o uso e tipo de solo, área, forma, declividade da bacia,

elevação, declividade do curso d’água, ramificação dos cursos d’água

(ordem de afluente), tipo de rede de drenagem e densidade de drenagem,

dentre outras fórmulas empíricas que a caracterizam (CHRISTOFOLETTI,

1980).

A bacia hidrográfica, considerada a unidade de estudos hidrológicos,

segundo a Lei Federal 9.433/1997 (BRASIL, 1997), ainda abarca uma enorme

quantidade de variáveis (algumas possivelmente desconhecidas ou de difícil

mensuração) que geram grande complexidade e incerteza em sua

caracterização e manejo, sendo primordial estudar seus principais

componentes e identificar suas correlações e interações. Assim, a análise e

planejamento territorial para fins de avaliação de disponibilidade hídrica e

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conservação devem tomar como unidade espacial de estudo a bacia

hidrográfica.

3 INTERAÇÃO ÁGUA-SOLO-ROCHA-ATMOSFERA

O solo é formado a partir da rocha-matriz, ou rocha-mãe, material

rochoso de origem magmática ou metamórfica, através da ação de agentes

de intemperismo, como elementos climáticos (chuva, gelo, vento,

temperatura, etc.), que, com o tempo e a ação conjunta de organismos

(fungos, liquens, insetos, minhocas, plantas seres biológicos) realizam

transformações nas rochas, diminuindo o seu tamanho e fragmentando-as,

tornando-as um material desagregado, compondo a parte mineral do solo,

que se mistura com a matéria orgânica. Essa mistura faz com que o material

que veio do desgaste das rochas forneça nutrientes para as raízes das

plantas (LEMOS; SANTOS, 1996).

Em síntese, o solo é formado pela mistura da sua parte mineral com a

matéria orgânica, água e o ar (que ocupam os espaços vazios, ou interstícios

do solo), interagindo com os agentes intempéricos, que transformam os

materiais.

O solo possui uma variação de camadas que são chamadas de

horizontes, que são uma organização estratificada do solo, com colorações

diferentes. Normalmente, o primeiro horizonte é mais escuro que os outros,

já que contém matéria orgânica e cobertura vegetal, porém, dependendo do

tipo e das condições climáticas, pode estar seco e claro devido à carência da

matéria orgânica, tornando-o um solo deficiente. Os horizontes também

apresentam variações de permeabilidade, impactando na infiltração e,

consequentemente, na recarga de aquífero.

A poluição do solo (contaminação deste através de substâncias

capazes de provocar alterações significativas em sua estrutura natural)

ocorre devido à desordem na exploração do meio ambiente, ação antrópica,

depositando no solo elementos químicos estranhos, prejudiciais às formas

de vida microbiológica (CAMARGO et al., 2009).

O acúmulo de resíduos sólidos e de produtos químicos como

fertilizantes, pesticidas e herbicidas, e gases poluentes que se agrupam no

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 61

solo, formando uma camada escura e grossa de poluentes, são as principais

causas da poluição do solo (CAMARGO et al., 2009).

Estudos pedológicos são essenciais para o planejamento

ambientalmente adequado do solo em todas as áreas, como geomorfologia,

ecologia, agronomia, entre outros. Avaliam desde a formação do solo, a

partir do intemperismo da rocha até os seus componentes desde a

superfície à rocha mãe, é uma ciência muito precisa e que só tem a ajudar

para a preservação do planeta, pois sabe descrever as necessidades e

cuidados que são necessários para o solo.

Cunha (1995) considera que mudanças significativas em

componentes das bacias hidrográficas, como desmatamento da zona ripária

(mata ciliar), assoreamento de margens, deposição de resíduos sólidos,

aumento de área impermeável e de escoamento superficial podem

ocasionar impactos à jusante da bacia, bem como nos fluxos energéticos de

sólidos e substâncias dissolvidas, que, dependendo da escala e intensidade,

podem modificar a dinâmica geomorfológica da bacia bem como seu

funcionamento como produtora de água.

Define-se impacto ambiental como a projeção de “mudança em um

parâmetro ambiental, num determinado período e numa determinada área,

que resulta de uma dada atividade, comparada com a situação que ocorreria

se essa atividade não tivesse sido iniciada” (WATHERN, 1998). Assim,

diagnosticar, quantificar e, sempre que possível, predizer um impacto

ambiental em componentes ambientais de uma bacia hidrográfica é um

passo necessário na busca da sustentabilidade.

4 USO DE GEOPROCESSAMENTO PARA IDENTIFICAÇÃO DE COMPONENTES

AMBIENTAIS

A identificação, a avaliação e o gerenciamento de componentes

ambientais ganharam novas possibilidades com o avanço das ferramentas

computacionais que facilitaram a manipulação e extração de informações.

Com as análises dos dados geográficos sistematizados e integrados a um SIG

foi possível maior entendimento, auxiliando no planejamento,

gerenciamento e tomada de decisão.

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Nesse contexto, pode-se definir sistema de informação geográfica

(SIG) como um sistema computacional que permite a integração e

manipulação de informações, com o objetivo de compor um banco de dados

para melhor compreensão da área de estudo.

Geoprocessamento representa um conjunto de tecnologias

computacionais que opera sobre registros cartográficos georreferenciados,

capazes de realizar análises complexas, permitindo o desenvolvimento

constante de informações ambientais com novas aplicações em

Sensoriamento Remoto (SR), Sistema de Informação Geográfica (SIG) e o

Sistema de Posicionamento Global (GPS), promovendo a geração de

produtos cartográficos, desde curvas de nível a mapeamentos de uso e

ocupação da terra.

Em geral, os produtos resultantes da integração de dados de diversas

fontes analisadas por um SIG podem representar espacialmente fenômenos

climáticos, humanos, sociais e econômicos. E essas representações

mapeadas por um SIG trazem melhor conhecimento de dada região,

possibilitando a geração de subsídios para futuras decisões (SILVA;

MEDEIROS, 2017).

Um dos principais desafios é avaliar o caráter espacial de variáveis

agroambientais para planejamento e ordenamento do uso da terra para fins

de conservação e manutenção sustentável de culturas. Ferramentas

disponíveis a esses fins são a geoestatística e a modelagem espacial, ambas

integradas ao geoprocessamento.

A geoestatística surgiu na África do Sul, quando Krige (1951), um

engenheiro de minas, analisando valores de concentrações de ouro,

verificou que sua variância tinha características espaciais, ou seja, havia uma

relação entre as concentrações de ouro e as distâncias entre amostras.

Dessa maneira surgiu o conceito da geoestatística como variáveis

regionalizadas, que considera a dependência espacial de um parâmetro e

suas coordenadas geográficas. Matheron (1965) formalizou esse resultado

de Krige e desenvolveu a geoestatística, sendo um de seus principais

métodos, a krigagem, uma homenagem ao pioneiro.

Geoestatística não se limita apenas a obter um modelo de

dependência espacial de uma variável, mas também pretende estimar

valores de pontos em locais não coletados, ou seja, interpolar

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 63

espacialmente. Através de tratamento matemático, os métodos

geoestatísticos buscam realizar essa interpolação por meio da minimização

do resíduo entre valores estimados e reais através de uma série de

condições derivadas dessa dependência espacial. Por exemplo, um dos

métodos mais conhecidos, a krigagem, consiste em ponderar valores

situados na vizinhança de um fenômeno espacialmente regionalizado,

obedecendo a critérios de não tendenciosidade, baseando-se no método de

interpolação desses dados mediante sua posição geográfica.

Com a geoestatística é possível analisar e organizar os dados

amostrados espacialmente a partir da semelhança entre pontos próximos

georreferenciados, possibilitando a aplicação de modelos espaciais para

analisar parâmetros do solo, vegetação, água, geologia e agricultura.

A modelagem espacial aplica equações e modelos computacionais

para predizer fenômenos físicos, químicos ou biológicos de acordo com sua

dependência espacial e eventos que geram impacto para o meio ambiente e

para os seres humanos, buscando diagnosticar tendência que permita o

gerenciamento do meio ambiente de maneira sustentável.

Inúmeras são as aplicações dessas ferramentas e as ações vinculadas

ao monitoramento, planejamento, manejo e gestão na caracterização de

espaços geográficos urbanos e rurais terão melhor resultado se trabalhadas

com auxílio de um SIG. Em uma bacia podem-se extrair, como exemplo, as

seguintes aplicações de manejo:

a) mapeamento espaço-temporal da cobertura e uso da terra;

b) zoneamentos diversos (ambiental, socioeconômico, entre

outros);

c) monitoramento de áreas de proteção ambiental e de risco;

d) identificação da rede de drenagem;

e) estudos de modelagens hidrológicas.

Vale ressaltar, em relação à questão dos riscos ambientais, a

questão da segurança hídrica como parâmetro em gerenciamento de

recursos hídricos e recursos naturais. A segurança hídrica, de acordo com

Melo e Johnsson (2017), é a garantia de disponibilidade de água para os

usos múltiplos que supra as demandas da sociedade e de sua proteção

contra impactos negativos advindos de eventos hidrológicos extremos. É

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essencial para a preservação ambiental, manutenção da biodiversidade e

bem-estar humano, tornando-se assim uma ferramenta primordial ao

desenvolvimento sustentável.

5 A BACIA DO RIO LAVAPÉS E SEUS COMPONENTES AMBIENTAIS

A bacia hidrográfica do rio Lavapés possui uma área de 11.154,58

hectares e situa-se no município de Botucatu-SP, entre as coordenadas

geográficas 48°20’ a 48°22’ de longitude Oeste do meridiano de Greenwich

e 22°42’ a 22°56’ de latitude Sul da linha do Equador e deságua no rio Tietê,

antes da barragem da usina hidrelétrica de Barra Bonita.

A bacia hidrográfica pertence à Unidade de Gerenciamento de

Recursos Hídricos (UGRHI) 10 (Comitê de Bacias Hidrográficas

Sorocaba/Médio Tietê). Tem sua classificação climática de Koeppen tipo

Cwa com temperatura média anual de 20,7 °C e precipitação média anual de

1.358,6 mm, ocorrendo uma precipitação média no mês mais chuvoso e

mais seco, respectivamente, de 223,4 mm e 37,8 mm, com altitude de 840

metros (CEPAGRI, 2018). Segundo Rossi (2017), os solos ocorrentes na bacia

hidrográfica são: argissolos; latossolos; neossolos e nitossolos e uma porção

desta está inserida na área do Sistema Aquífero Guarani no Estado de São

Paulo, segundo Cetesb (2018), onde também se encontra inserida a área de

estudo.

A Figura 1 expõe os mapas de altitude, declividade, rede de

drenagem e solos com a área urbana da bacia hidrográfica do rio Lavapés-

SP.

Diversos trabalhos foram e têm sido elaborados na bacia hidrográfica

do rio Lavapés, em razão da sua importância local, apresentam potenciais

recursos hidrológicos e florestais, que podem ser utilizados para uma análise

conjunta aos mapas da Figura 1. Resultados análogos de declividade são

apresentados, utilizando interpolação e geoestatística, em Orsi (2004).

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 65

Figura 1 – Mapas de altitude, declividade, rede de drenagem, solos e ocupação urbana da bacia

do rio Lavapés em Botucatu, Estado de São Paulo (SP)

Fonte: Rossi (2017) e SMA (2018).

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É visível o predomínio de altas declividades (maiores que 45 graus),

que denotam a vulnerabilidade da bacia quanto à erosão pluvial e eólica,

fatores agravados pela falta de planejamento territorial, como visto pelo uso

da terra, determinado por meio de técnicas de geoprocessamento por

Campos et al. (2004), Campos (1997) e Rodrigues (2015), que, juntos,

abrangem o período de 1996 a 2010, no qual foi diagnosticado o avanço da

pastagem e culturas sobre áreas de grande declividade. Simões (1996) e

Santos et al. (2015) encontram um cenário ainda mais crítico com conflitos

de uso da terra em áreas de preservação permanente (APP), mostrando a

alta fragilidade ambiental da bacia devido ao uso irregular da terra.

Leopoldo (1989) e Valente et al. (1997) verificaram irregularidades quanto

às cargas de poluição rural e urbana recebidas pela rede de drenagem da

bacia, assim como Conte (1992) diagnosticou a presença de espécies

químicas dissolvidas, como magnésio, em alta quantidade, indicando maior

dureza da água na bacia.

De acordo com Oliveira (2013), a bacia tem formato alongado com

baixa tendência à inundação, baixo escoamento superficial e boa infiltração.

Cabe destacar os apontamentos feitos por Santos (2017) quanto ao

uso da terra ao redor de nascentes, que majoritariamente estão em área

antropizada (tanto urbana como rural), que, em seu estudo, realizou a

modelagem hidrológica da bacia em suas diferentes formações geológicas

(Formação Adamantina, Serra Geral e Piramboia/Botucatu) e solos, como os

apresentados na Figura 1, encontrando a possibilidade de altos picos de

chuva na bacia, sendo necessário, então, aliar planejamento e controle de

uso da terra em áreas vulneráveis (como APPs e áreas de grande

declividade) para não provocar maior fragilidade ambiental.

Com base na avaliação em nível de bacia, um estudo pontual foi

realizado para diagnosticar a qualidade ambiental do entorno de uma

nascente, sua represa e curso d’água inseridos na bacia hidrográfica do rio

Lavapés dentro do município de Botucatu, SP, indicados na Figura 2. Foram

utilizadas imagens do Google Earth Pro dos anos de 2006, 2011, 2014, 2016

e 2017, para avaliar por meio de análise temporal de imagens de satélite a

evolução do uso da terra e manejo nesse ponto de estudo.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 67

Figura 2 – Localização e imagens da nascente com erosão causada após plantio de cana-de-

açúcar na bacia do rio Lavapés em Botucatu, Estado de São Paulo (SP)

Fonte: Google Earth Pro (2018).

Em 2006, Figura 2, houve predomínio de pastagem com práticas

mecânicas de conservação de solo e média densidade vegetativa com

espécies arbóreas espalhadas no entorno da nascente, que possui em sua

extensão uma represa com 2.082 m2 de lâmina de água protegida por uma

expressiva vegetação ciliar. A declividade varia, segundo Santos (2013), de 3

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a 8% nas proximidades de seu divisor, variando de 8 a 40% ao redor da sua

nascente e curso d’água, caracterizando um relevo suave ondulado à forte

ondulado.

O predomínio da cobertura vegetal original nesta área era

predominantemente cerrado até a década de 1970, quando começou o

processo de desmatamento para implantação das pastagens, que, segundo

Campos et al. (1998) afirmaram, entre o período de 1962 a 1989 houve uma

redução da ordem de 93% da vegetação de cerrado na região.

Observa-se no ano de 2011 (Figura 2) a supressão total dos

indivíduos florestais espalhados pela área e o preparo do solo para a

implantação da cultura de cana-de-açúcar, que não apresentou erosão até

2014, sendo toda área agrícola coberta por cana com a presença de

carreadores e estradas rurais, porém, mantendo-se vegetação ciliar no

entorno da nascente, represa e córrego.

Ainda na Figura 2, no ano de 2016, observa-se uma intervenção

mecânica de amenização do rompimento entre curvas de nível próximo à

nascente, que provavelmente ocorreu no ano de 2015 (pois não há imagem

disponível deste ano), com severas alterações ambientais no solo,

evidenciando danos à nascente, vegetação ciliar, represa e canal de

drenagem, causados pelo assoreamento e depósito de sedimentos advindos

da área erodida próxima à cabeceira.

Mesmo com a intervenção no sentido de realocação das curvas de

nível, no ano seguinte, pela imagem de 11/05/2017 (Figura 2), observa-se a

ocorrência de uma erosão do tipo voçoroca de grande extensão,

degradando e dificultando ainda mais a recuperação da área e o retorno dos

serviços ambientais proporcionados no passado por ela.

Em imagem de 24/07/2017 (Figura 2) novamente realizou-se uma

tentativa de prática mecânica de conservação do solo próxima a nascente,

alocando distâncias menores entre curvas de nível dentro do processo de

recuperação da área agricultável.

Dentre as várias ocorrências na área de estudo, o uso do solo com

pastagem desde 1970 até 2011, ou seja, por mais de 40 anos, manteve o

equilíbrio do ambiente com muitos indivíduos florestais espalhados pela

região, com manejo e conservação do solo, que garantiram a manutenção

dos ambientes naturais como matas ciliares e corpos d’água.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 69

Entretanto, no período entre 2011 e 2017, ou seja, em seis anos, com

a implantação da cultura canavieira, foram causados maiores impactos,

comparados ao período anterior, nos ambientes naturais, muitos deles

irreversíveis, comprometendo os serviços ambientais da bacia em

decorrência da erosão hídrica, da falta de planejamento e o manejo de

práticas inadequadas de conservação do solo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas décadas foi crescente a utilização dos recursos naturais,

assim como o surgimento de problemas ligados ao meio ambiente frente à

expansão das atividades humanas no meio agrícola.

Diante disto, tecnologias de manejo ambiental devem ser aplicadas

para assegura, diante das particularidades de cada paisagem, menor

impacto ao ambiente, direcionando estudos científicos sobre o

ordenamento territorial, monitoramento sobre a produção de água e a

recuperação da biodiversidade como alternativas para assegurar mudanças

nas diversas formas de conciliação entre produção agrícola e a proteção

ambiental.

Por se tratar de uma área de afloramento do Sistema Aquífero

Guarani no Estado de São Paulo, estratégias de uso com menores impactos

e proteção ambiental destas águas se fazem continuamente necessárias

através dos órgãos estaduais de fiscalização e gestores dos recursos hídricos

superficiais e subterrâneos, na busca pela preservação dos recursos naturais

e por um desenvolvimento sustentável para estas áreas.

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o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal e altera o art. 1° da Lei 8.001, de 12 de março de 1990, que modificou a Lei n°7.990 de 28 de dezembro de 1989. Brasília: DOU, 1997.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 73

Capítulo 4

FRAGILIDADE AMBIENTAL DE UMA BACIA, VISANDO O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Sérgio Campos17

Marcelo Campos18

Thyellenn Lopes de Souza19

Mateus de Campos Leme20

Letícia Duron Cury21

1 INTRODUÇÃO

As mudanças ambientais ocorrem devido ao desenvolvimento

industrial, crescimento populacional e ao desmatamento das florestas, para

o uso e exploração do solo inadequadamente, sem proteção de diversos

impactos ambientais e capacidade produtiva.

A bacia como unidade de planejamento ambiental, características de

um sistema natural delimitado, de regiões altas, onde se encontram

nascentes dos rios, córregos, áreas de encostas e de baixadas e problemas

com a água, a solução está diretamente relacionada ao manejo e

manutenção (SANTOS, 2004).

A utilização da geotecnologia permite a análise ambiental de forma a

entender as alterações do comportamento espacial, bem como vem

permitindo o estudo ambiental e como um todo (PIRES et al., 2012).

As imagens de satélite vêm sendo usadas na identificação dos

fenômenos naturais, ação humana e análises das áreas com vegetação, tipos

de solo e recursos hídricos com grande vantagem, por de custo baixo e fácil

17 Professor titular (UNESP), Botucatu. E-mail: [email protected] 18 Professor doutor (UNESP), Tupã. E-mail: [email protected] 19 Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP), Botucatu. E-mail: [email protected] 20 Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP), Botucatu. E-mail: [email protected] 21 Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP), Botucatu. E-mail: [email protected]

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obtenção, fornecendo informações para solução de problemas ambientais

(SANTOS et al., 1993).

A bacia hidrográfica é composta por áreas drenadas por um rio e seus

afluentes, em regiões mais altas do relevo, onde as águas fluviais escoam

superficialmente ou infiltram-se no solo para formação de nascentes e do

lençol freático (BARRELA, 2001).

O estudo dessas bacias vem se intensificando cada vez mais com o

advento do geoprocessamento, em que o conjunto de conceitos, métodos e

técnicas permite, através de uma base de dados georreferenciados por

computação eletrônica e técnicas de mapeamento, a obtenção de mapas

temáticos que servirão de ferramentas para o gestor tomar decisões

(XAVIER-DA-SILVA, 1994).

Assim, o mapa de fragilidade ambiental, ferramenta utilizada pelos

órgãos públicos na elaboração do planejamento ambiental, permite avaliar

as potencialidades do ambiente em relação às suas características naturais.

Desta forma, este capítulo tem por objetivo identificar e analisar a

fragilidade ambiental da bacia hidrográfica do Ribeirão Lavapés – Botucatu

(SP), por meio do uso de geotecnologias, visando ao desenvolvimento

sustentável da bacia (ROSS, 1994).

2 FRAGILIDADE AMBIENTAL

A fragilidade ambiental é o grau de suscetibilidade de dano aos

ambientes com risco, ocasionados em condições naturais e ações

antrópicas, provocadas pelo inadequado uso e ocupação da terra (BATISTA;

SILVA, 2013).

A análise da fragilidade ambiental e sua síntese, de acordo com

documento cartográfico, é um instrumento importante para o planejamento

ambiental com desenvolvimento sustentado, tecnológico, econômico e

social (ROSS, 1994).

As avaliações da fragilidade ambiental são baseadas em fatores

intrínsecos do solo, do potencial de erosão das chuvas, da declividade e da

cobertura vegetal. Esse conhecimento dos níveis de fragilidade numa bacia

hidrográfica possibilita compreender a adequação do uso da terra (SPÖRL,

2001).

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 75

A análise multicriterial em ambiente SIG permite a elaboração de

mapa de fragilidade ambiental, através do cruzamento de planos de

informações integrados com a utilização de pesos de importância, obtidos

para tomada de decisão, utilizadas nos Processo Hierárquico Analítico (AHP)

e a Combinação Linear Ponderada (CLP) (EASTMAN, 2012).

A sobreposição de mapas para determinação do uso adequado da

terra, de acordo com a análise de multicritérios e o SIG permitem obter

respostas para tomada de decisão do usuário (EASTMAN, 2012).

3 GEOTECNOLOGIAS E GEOPROCESSAMENTO

As geotecnologias, conjunto de tecnologias baseado na coleta,

processamento, análise e informações geográficas, possuem premissas de

processamento digital de imagens de satélites, elaboração de bancos de

dados georreferenciados, quantificação de fenômenos da natureza, permite

uma visão abrangente do ambiente (GUERRA; MARÇAL, 2006).

As geotecnologias são ferramentas integradas, processos e entidades

disponíveis para o desenvolvendo de metodologias de aplicação no

diagnóstico e prognóstico dos riscos e potencialidades ambientais para o

desenvolvimento social das sociedades.

Câmara (1996) definiu o geoprocessamento como um ambiente

tecnológico e abrangente, sendo o conjunto de técnicas relacionadas com

coleta, armazenamento e tratamento de definições espaciais e

georreferenciadas que podem ser utilizadas em sistemas específicos a cada

aplicação que, de alguma forma, utiliza-se do espaço físico geográfico.

Para Pereira e Silva (2001), o geoprocessamento é um conjunto de

tecnologias, métodos e processos para o processamento digital de dados e

informações geográficas (Figura 1).

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Figura 1 – Conjunto de ferramentas do geoprocessamento

Fonte: Brasil (2007).

4 DESENVOLVIMENTO

Esta pesquisa foi desenvolvida na bacia do ribeirão Lavapés (Figura

2), município de Botucatu (SP), por ser uma área muito importante e

representativa do município onde a paisagem sofreu uma nítida

transformação. A área situa-se entre as coordenadas geográficas: 22o 42' a

22o

56' de latitude S e 48o 20' a 48

o 22' de longitude W Gr., abrangendo

10.281,89 ha.

Figura 2 – Localização da bacia do rio Lavapés, Botucatu (SP)

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 77

O clima predominante do município, segundo o sistema Köppen, é do

tipo Cfa – clima temperado chuvoso e a direção do vento predominante é a

sudeste (SE).

A temperatura média anual regional (MARTINS, 1989) é de 20,2 o

C,

sendo as temperaturas médias dos meses mais quentes de 23,2 oC e de 16,9

oC nos meses mais frios.

A precipitação média anual é de 1.447 mm, sendo a precipitação

média nos meses mais chuvoso de 223,4 mm e 37,8 mm nos mais secos.

As classes de solos ocorrentes na bacia hidrográfica do rio Lavapés

foram: argissolo vermelho-amarelo distrófico (PVAd1), latossolo vermelho-

amarelo distrófico (LVAd), nitossolo vermelho distroférrico (NVdf), gleissolo

háplico (GXbd), neossolo litólico eutrófico (RLe), latossolo vermelho

distroférrico (LVdf), latossolo vermelho distrófico (LVd) (PIROLI, 2000).

A vegetação predominante é do tipo floresta estacional

semidecidual, na área da frente da cuesta; cerradão no reverso da cuesta e

na depressão periférica é do tipo mata ciliar, ao longo da rede de drenagem

(JORGE, 2000).

No georreferenciamento da bacia foi utilizado o menu

Reformat/Resample do SIG-IDRISI, no qual os pontos de controle foram

obtidos de cartas topográficas de Botucatu (IBGE, 1973) para determinação

das coordenadas de cada ponto para elaboração do arquivo de e

correspondência.

Como base cartográfica para elaboração do mapa de uso do solo foi

utilizada a imagem de satélite de 2011, bandas 3,4 e 5 do Sensor TM do

LANDSAT 5, da órbita 220, ponto 56, quadrante A, passagem de 2011, bem

como o Sistema de Informações Geográficas – SIG Idisi Selva para análise

dos objetos de estudo.

Para vetorização do limite e da rede de drenagem da bacia do rio

Lavapés – Botucatu (SP) foi utilizado o software CartaLinx.

Depois desta etapa, a imagem foi georreferenciada de acordo com o

menu Reformat/Resample no IDRISI, e posteriormente exportada para o

IDRISI através do menu Database Query, módulo Analysis, para

determinação das áreas e porcentagens de usos.

Para a obtenção do mapa de uso e ocupação do solo da imagem de

satélite de 2011, inicialmente foi elaborada uma composição colorida com a

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combinação das bandas 3, 4 e 5, obtida a partir da imagem de satélite digital

do LANDSAT – 5, da órbita 220, ponto 76, quadrante A, passagem de 2011,

escala 1:50000 (Figura 3).

Figura 3 – Composição RGB – 543 da imagem de satélite Landsat 5

Esta composição foi utilizada porque permite boa interpretação

visual dos objetos-alvo, permitindo a análise e identificação dos elementos

padrão de uso da terra, em função das cores das bandas do sensor TM,

como a tonalidade de rosa para área urbana, área desmatada e solo

exposto; tonalidades de verde para reflorestamento adulto e área de

mata/capoeira); azul para corpos d’água e materiais em suspensão, rios,

lagoas, represas e oceano e cor preta para água limpa e área queimada

(FLORENZANO, 2011).

Após o georreferenciamento a imagem foi recortada de acordo com

o módulo Reformat/window extraindo-se somente a área da bacia, que foi

exportada para o software CartaLinx.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 79

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os solos de textura arenosa (Figura 4 e Tabela 1), RQotípico, RLe,

NVdf e PVAd1 abrangendo 4650,02 ha (45,31%), com estruturas frágeis e

suscetíveis à erosão, possuem baixa fertilidade natural e a possibilidade de

ocorrer erosão aumenta com a diminuição de sua cobertura vegetal.

Figura 4 – Classes de solo da bacia do rio Lavapés, Botucatu (SP)

Fonte: Piroli (2002).

O solo hidromórfico (GXbd) cobre 1.731,34 ha (16,87%) da

microbacia, presente em baixadas e no entorno de cursos d’água, áreas

encharcadas, que apresentam baixa fertilidade.

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Tabela 1 – Unidades de solo (PIROLI, 2000) e fragilidade ambiental da bacia do rio Lavapés, Botucatu (SP)

Unidades de solo Sigla Área Fragilidade

ambiental Pesos

ha %

Argissolo vermelho-amarelo distrófico

PVAd1 366,47 3,57 Muito baixa 1

Latossolo vermelho-amarelo distrófico

LVAd1 35,51 0,34 Baixa 2

Nitossolo vermelho distroférrico

NVdf 2.745,61 26,75 Baixa 2

Gleissolo háplico TB GXbd 1.731,34 16,87 Alta 5 Neossolo litólico eutroférrico RLe 542,36 5,29 Baixa 2 Latossolo vermelho distroférrico

LVdf 2.326,13 22,67 Baixa 2

Latossolo vermelho distrófico LVd 1.520,41 14,81 Baixa 2 Neossolo litólico eutrófico RLe 542,46 5,29 Baixa 4 Neosssolo quartzarênico distrófico

RQotípico 995,48 9,70 Muito baixa 5

Os solos de textura média (LVAd1, LVd e LVdf) abrangem a maior

parte da área com 3.881,85 ha (37,82%).

As classes de declive de 0 a 6% com 3.931,92 ha (Figura 5 e Tabela 2),

relevo plano a suavemente ondulado, ocuparam mais de 38% da área. Essas

áreas compostas com relevo plano a ondulado (CHIARINI; DONZELI, 1973) e

por Lepsch et al. (2001) são consideradas próprias para o plantio de culturas

anuais com a utilização de práticas simples de conservação do solo,

podendo assim controlar o processo erosivo do solo com um simples plantio

em nível da cultura.

As áreas com declividade (6 a 12 %) com 4.289,36 ha (41,89%), relevo

ondulado, em que as mais significativas são indicadas para o plantio de

culturas anuais com o uso de práticas complexas de conservação do solo

(LEPSCH et al., 2001).

O relevo forte ondulado (12 a 20%), próprio para cultivo com culturas

permanentes, exigem menor mobilização do solo, o que propicia menores

riscos de erosão como o cultivo com culturas permanentes como café, cana-

de-açúcar, pastagens, etc.), conforme Lepsch et al. (2001), as quais

predominam em 12,81% (1.315,29 ha).

O relevo acidentado (CHIARINI; DONZELI, 1973), com declividade de

20 a 40%, próprio para o desenvolvimento com pecuária e silvicultura,

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 81

destina-se à preservação ambiental, evitando assim a erosão do solo

(LEPSCH et al., 2001).

Figura 5 – Classes de declividade da bacia do rio Lavapés, Botucatu (SP)

Tabela 2 – Classes de declividade e fragilidade ambiental da bacia do rio Lavapés, Botucatu (SP)

Classes de

Declive em % Relevo

Área Fragilidade

Ambiental Pesos

ha %

0 – 3 Plano 688,76 6,71 Muito baixa 1

3 – 6 Suavemente ondulado 3.243,16 31,60 Muito baixa 1

6 – 12 Ondulado 4.299,36 41,89 Baixa 2

12 – 20 Forte ondulado 1.315,29 12,81 Média 3

20-40 Acidentado 622,58 6,07 Alta 4

40 Montanhoso 94,06 0,92 Muito alta 5

O uso e ocupação do solo na bacia (Figura 6 e Tabela 3) têm ocorrido

principalmente com a cultura da cana-de-açúcar, que abrange 2.948,65 ha

(28,73%), mostrando a vocação da área para agricultura.

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Figura 6 – Classes de uso e ocupação do solo da bacia do Rio Lavapés – Botucatu (SP)

Tabela 3 – Classes de uso e ocupação do solo e fragilidade ambiental da bacia do rio Lavapés – Botucatu (SP)

Usos Área Fragilidade

ambiental Pesos

ha %

Cana-de-açúcar 2.948,65 28,73 Média 3

Vegetação natural 215,76 2,10 Muito alta 5

Represa 18,11 0,18 Muito alta 5

Reflorestamento 9,85 0,10 Média 3

Mata ciliar 1.696,24 16,53 Muito alta 5

Área urbana 2.816,92 27,45 Muito alta 5

Pastagem 1.396,08 13,60 Baixa 2

Cerrado 105,08 1,02 Muito alta 5

Pedreira 14,23 0,14 Muito alta 5

Agroindústria 7,34 0,07 Muito alta 5

Outras culturas 9,99 1025,85 Alta 4

ETE Sabesp 0,09 9,10 Muito alta 5

Total 10.263,21 100

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 83

A vegetação natural e as matas ciliares abrangem a área da bacia com

1.912,00 ha (18,63%), sendo a terceira em ordem de ocorrência, bem como

as pastagens com 1.396,08 ha (13,60%).

A área urbana, segunda classe mais significativa na bacia vem

totalizando 1.396,08 ha (27,45%).

A fragilidade ambiental média e alta (Figura 7 e Tabela 4) com uma

área de 6.735,34 ha (66,23%) vem ocorrendo em grande parte da bacia, que

é composta por relevo suavemente forte ondulado a ondulado e por solos

nitossolo vermelho distroférrico e latossolo vermelho, os quais possuem

fragilidade alta e média de acordo com suas características físicas; uso do

solo pela classe área urbana e a cultura da cana-de-açúcar possui fragilidade

média.

A classe 'Muito Alta' apresentou uma área total de 1.700,24 ha

(16,72%), porque apresenta declividade mais acentuada e relevo

montanhoso que possui classe alta; solo RQotípico e RLe com fragilidade

alta e uso do solo por pastagem classificado com fragilidade alta.

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Figura 7 – Fragilidade ambiental da bacia do rio Lavapés – Botucatu (SP)

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 85

Tabela 4 – Fragilidade ambiental da bacia do Rio Lavapés – Botucatu (SP)

Classes de fragilidade Área (ha) % do total

Muito alta 1.700,24 16,72

Alta 3.283,53 32,29

Média 3.451,81 33,94

Baixa 1.709,15 16,80

Muito baixa 23,06 0,22

Total 10.167,79 100

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise multicriterial utilizada na avaliação da fragilidade ambiental

da bacia do rio Lavapés – Botucatu (SP) permitiu classificá-la como

fragilidade alta a média, merecendo maior atuação, pois, se mal planejada,

tenderá à degradação através de erosões do solo.

A técnica de sensoriamento remoto possibilitou uma análise

integrada dos elementos da bacia, que apresentou resultado satisfatório.

A bacia é predominantemente composta por nitossolo vermelho

distroférrico e latossolo vermelho distroférrico (49,42%), com declividade

variando de 3 a 12 (73,49%) e uso da terra pelas classes cana-de-açúcar e

área urbana (56,18%), mostrando a grande vocação para agricultura.

As classes de fragilidade ambiental 'Alta' e 'Média' merecem maior

atenção, pois representam quase 2/3 da área, mostrando que mal planejada

e sem precauções, tendem a ser facilmente degradadas.

A análise da fragilidade, importante instrumento de planejamento

ambiental uma vez que permite identificar os pontos frágeis, fornece

subsídios para a elaboração de planos de manejo em áreas naturais e

unidades de conservação.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 87

Capítulo 5

MONITORAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS E PARÂMETROS DE QUALIDADE DE ÁGUA EM BACIAS HIDROGRÁFICAS

Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro

22

Lucíola Guimarães Ribeiro23

1 INTRODUÇÃO

O crescimento populacional, o modelo de desenvolvimento

socioeconômico e as necessidades em atender às distintas atividades

humanas, trazem como consequência um cenário preocupante em relação à

deterioração dos recursos naturais, principalmente no que tange aos

aspectos qualitativos e quantitativos dos recursos hídricos (COSTA;

TEIXEIRA, 2010).

As atividades humanas podem alterar a qualidade das águas

superficiais por meio de fontes de poluição pontual e difusa nas bacias

hidrográficas. As fontes pontuais são caracterizadas por lançamentos

individualizados, como, por exemplo, descarga de esgotos ou efluentes

industriais. No caso das fontes difusas, não são identificados lançamentos

em pontos específicos, como, por exemplo, aporte de nutrientes

provenientes da drenagem urbana.

De acordo com Braga et al. (2005), a poluição das águas é

caracterizada por todas as alterações indesejáveis que ocorrem em suas

características físicas, químicas ou biológicas que possam acarretar efeitos

adversos à vida aquática ou às atividades dos seres humanos.

A poluição das águas tem um grande preço, seja pela

indisponibilidade de água de boa qualidade ou pelo efeito na redução da

22 Doutora em Aquicultura na área de Biologia Aquática, professora titular, pós-graduação em Ciências Ambientais, Universidade Brasil. E-mail: [email protected] 23 Mestre em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos, Departamento de Água e Energia Elétrica do Estado de São Paulo. E-mail: [email protected]

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qualidade de vida das pessoas. Por isso, compreender como ocorre a

degradação do sistema hídrico é o primeiro passo (TERCINI, 2014).

O controle da qualidade da água assim como, o monitoramento

qualitativo e quantitativo desse recurso permite identificar as atividades

humanas que apresentam potenciais degradantes aos corpos d´água,

servindo como ferramenta fundamental para a gestão dos recursos hídricos

(BARRETO et al., 2014). Além disso, o monitoramento possibilita estabelecer

os usos prováveis de água e auxilia no enquadramento dos corpos d’água.

Os órgãos ambientais responsáveis por regulamentar o uso da água

instituíram o Índice de Qualidade da Água (IQA) como referência para o

diagnóstico e monitoramento, além de determinar as distintas condições de

sua utilização como na alimentação, no abastecimento doméstico e

industrial, na irrigação, na limpeza pública, na infraestrutura energética, na

pesca e no lazer.

O índice de qualidade da água é uma ferramenta pertinente, pois

sintetiza as informações sobre diversos parâmetros físicos, químicos e

microbiológicos, buscando informar a população e orientar as ações de

gestão da qualidade das águas (ANA, 2005).

As informações do índice de qualidade das águas são

constantemente utilizadas nos Planos Estaduais de Recursos Hídricos e nos

Planos de Bacias Hidrográficas, em que nessas análises pode ocorrer a

ausência de muitas informações. Por esse motivo, tanto os órgãos gestores

como os Comitês de Bacias Hidrográficas têm que olhar de forma mais

criteriosa para esse índice.

Nesse contexto, é necessário avaliar os parâmetros de qualidade de

água de forma individualizada e abordar os fatores relevantes que

interferem nas propriedades da água e que causam sérios danos aos

recursos hídricos. É essencial também que o Comitê de Bacia Hidrográfica

tenha um olhar mais criterioso para com os ecossistemas aquáticos, pois

esses sofrem grandes interferências com a degradação da qualidade das

águas.

A água é utilizada para atender a diversos usos, porém, quando esses

usos são realizados de forma inadequada, podem ocasionar sua

deterioração. Por isso, analisar a qualidade da água é importante para que

se possa preservar e garantir a utilização desse recurso e seus múltiplos

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 89

usos. Sendo assim, surgiu a necessidade de se criar medidas para garantir a

proteção e o uso sustentável dos recursos hídricos. Em 1997 foi estabelecida

a Lei Federal 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos

(BRASIL, 1997), a qual traz como seus instrumentos os Planos de Recursos

Hídricos; o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos

preponderantes; a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; a

cobrança pelo uso de recursos hídricos; a compensação a municípios; e o

Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.

A Lei Estadual 7.663/1991 estabelece normas de orientação à Política

Estadual de Recursos Hídricos, assim como ao Sistema Integrado de

Gerenciamento de Recursos Hídricos no âmbito do Estado de São Paulo. Seu

objetivo é garantir que a água possua qualidade e possa ser consumida, de

acordo com os padrões de qualidade determinados como aceitáveis por

seus usuários no Estado de São Paulo. Entre alguns princípios que atendem

a Política Estadual de Recursos Hídricos, estão inseridos o gerenciamento

descentralizado, participativo, integrado, e a adoção da bacia hidrográfica

como unidade físico-territorial de planejamento e gerenciamento (SÃO

PAULO, 1991).

Nesse contexto, o presente capítulo apresenta os principais aspectos

relacionados ao monitoramento dos recursos hídricos no Estado de São

Paulo, enquadramento dos corpos hídricos e os parâmetros de qualidade de

água utilizados para monitoramentos em bacias hidrográficas.

2 MONITORAMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS

A influência de fenômenos naturais e interferências humanas em

função do uso e ocupação do solo modificam a qualidade dos recursos

hídricos por meio da geração de efluentes domésticos, industriais ou da

introdução de compostos na água pelo uso inadequado de defensivos

agrícolas no solo (VON SPERLING, 1996). O acompanhamento sistemático

dos corpos d’águas por meio do monitoramento é imprescindível, pois

assegura informações sobre a qualidade e quantidade de água necessária

para verificar a adequação nos diversos usos (ZEH et al., 2015).

O monitoramento dos recursos hídricos fornece informações a

respeito das características físicas, químicas e biológicas da água por meio

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de amostragens estatísticas, e compreende a coleta de dados e de amostras

de água em locais específicos (georreferenciados), que são efetuadas em

intervalos regulares de tempo, no qual possibilita fornecer subsídios que

possam ser usados na definição das condições presentes de qualidade da

água (ANA, 2017).

A rede de monitoramento é determinada de acordo com o tipo de

informação que se deseja extrair e pode variar desde a detecção de

desconformidade em relação aos padrões de qualidade do corpo d’água, até

a definição das tendências temporais da qualidade dos recursos hídricos

(CAPANEMA, 2015).

A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) é o órgão

responsável por avaliar a qualidade das águas superficiais por meio de duas

redes de monitoramento: a de águas doces, que teve início em 1974, e a de

águas salinas e salobras, iniciada em 2010. O monitoramento da qualidade

das águas superficiais em corpos d'água doce é realizado por três redes de

amostragem manual e uma rede automática, conforme apresentado no

Quadro 1 (CETESB, 2016). Esse monitoramento é realizado de forma

integrada com a Agência Nacional de Águas (ANA).

A realização contínua de um monitoramento permite acompanhar,

analisar, mensurar e determinar a qualidade das águas, de modo a garantir

um padrão aceitável para seu uso, bem como determinar medidas de

controle e gerenciamento dos recursos disponíveis; sendo assim, esse

aspecto se torna importante devido à intensidade dos usos da bacia

hidrográfica (SOUZA; GASTALDINI; ARAÚJO, 2015).

Para que se tenha um efetivo gerenciamento dos recursos hídricos é

necessária uma constante e simultânea avaliação da quantidade e qualidade

das águas, com o intuito de apresentar o real estado dos recursos hídricos,

seu potencial e os possíveis problemas agravados devido à contaminação e

poluição das águas (TUNDISI; MATSURA-TUNDISI, 2011).

A CETESB definiu 60 variáveis de qualidade da água (físicas, químicas,

hidrobiológicas, microbiológicas e ecotoxicológicas) consideradas mais

representativas (Quadro 2), em que cerca de 70% dessas variáveis são

determinadas na rede básica de monitoramento (CETESB, 2016).

A rede de monitoramento tem como objetivos: subsidiar a realização

do diagnóstico da qualidade das águas superficiais do Estado; avaliar a

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evolução temporal da qualidade das águas superficiais; identificar áreas

prioritárias para o controle da poluição das águas; auxiliar no diagnóstico e

controle da qualidade das águas doces usadas para o abastecimento

público; dar subsídio para a execução dos Planos de Bacia e Relatórios de

Situação dos Recursos Hídricos e ajudar na implementação da Lei

11.445/2007 relativa à Política Nacional de Saneamento Básico (CETESB,

2016).

Quadro 1 – Informações sobre as redes de monitoramento integradas CETESB/ANA de água

doce no Estado de São Paulo

Tipo de monitoramento

Objetivo Início da

Operação N° de

pontos

Frequência da

avaliação

Variáveis avaliadas

Rede básica

Fornecer um diagnóstico geral dos recursos hídricos no Estado de São Paulo

1974 425 Bimestral Físicas,

químicas e biológicas

Rede de sedimento

Complementar o diagnóstico da coluna d´água

2002 32 Anual Físicas,

químicas e biológicas

Balneabilidade de rios e

reservatórios

Informar as condições da água para recreação de contato primário/banho à população

1994 30 Semanal/ Mensal

Biológicas

Monitoramento automático

Controlar fontes poluidoras domésticas e industriais, bem como controle da qualidade da água destinada ao abastecimento público

1998 14 Horária Físicas e químicas

Fonte: CETESB (2016).

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Quadro 2 – Variáveis de qualidade da água da rede básica de monitoramento integrado da

CETESB/ANA de água doce no Estado de São Paulo

Tipo de parâmetro

monitorado Principais variáveis* Variáveis adicionais**

Físicos

Condutividade elétrica, sólidos dissolvidos totais, sólido total, temperatura da água, temperatura do ar e turbidez

Cor verdadeira, nível da água, salinidade, transparência, vazão

Químicos

Alumínio dissolvido, alumínio total, bário total, cádmio total, carbono orgânico total, chumbo total, cloreto total, cromo total, demanda bioquímica de oxigênio (DBO 5,20), ferro dissolvido, ferro total, fósforo total, manganês total, mercúrio total, níquel total, nitrogênio amoniacal, nitrogênio Kjeldahl, nitrogênio-nitrato, nitrogênio-nitrito, oxigênio dissolvido, pH, potássio, sódio, substâncias tenso ativas reagidas com azul de metileno e zinco total

Alcalinidade total, arsênio total, bifenilas policloradas, boro total, carbono orgânico dissolvido, compostos orgânicos voláteis, compostos orgânicos semivoláteis, demanda química de oxigênio, dureza, fenóis totais, fluoreto total, herbicidas b, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, microcistinas, óleos e graxas, pesticidas organocloradas, pesticidas organofosforadas, potencial de formação de trialometanos, saxitoxina

Hidrobiológicos Clorofila-a e feofitina a Comunidades fitoplanctônica e zooplanctônica

Microbiológicos Escherichia coli Giardia e Cryptosporidium

Ecotoxicológicos Ensaio de toxicidade crônica com o microcrustáceo Ceriodaphnia dubia

Ensaio de toxicidade aguda com a bactéria luminescente – Vibrio fischeri (Sistema Microtox®), Ensaio de Mutação Reversa (Teste de Ames)

Bioanalíticos Atividade Estrogênica por BLYES

* Principais variáveis – monitoradas em mais de 70% dos pontos da rede.

** Variáveis adicionais – monitoradas em menos de 70% dos pontos da rede.

Fonte: CETESB (2016).

O monitoramento dos recursos hídricos visa a realizar a mensuração

ou avaliação de parâmetros de qualidade e quantidade de água, podendo

ser contínua ou periódica, sendo empregado com a finalidade de conduzir o

progresso das condições da qualidade e quantidade da água ao longo do

tempo (CAPANEMA, 2015). Além disso, o monitoramento permite identificar

locais com menores índices de contaminação, e, consequentemente,

fornecer indicações adequadas sobre o que pode ser conservado e qual o

valor dessa conservação (TUNDISI, 2009).

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3 QUALIDADE DOS RECURSOS HÍDRICOS

Avaliar e mensurar de forma precisa e eficiente a qualidade da água é

essencial para definir os usos múltiplos dos recursos hídricos e o

desenvolvimento sustentável em bacias hidrográficas, pois a intensa

interação dos seres humanos com o meio natural altera constantemente o

meio ambiente e provoca impactos nos mananciais.

O termo qualidade da água não se restringe a determinação de certo grau de pureza da água, mas de suas características desejáveis para diferentes usos. Inclui as características físicas, químicas e biológicas da água, que podem ser alteradas por poluentes de diversas origens. As alterações no sistema hídrico geram prejuízos econômicos para a região, redução da captura de peixes, aumento nos custos com a saúde da população e dos custos para obtenção e tratamento da água (SILVA, 2015, p. 265-266).

Segundo Martins et al. (2017), deve-se conhecer a qualidade das

águas em todos os corpos hídricos, pois essas informações são capazes de

ajudar a estabelecer mecanismos estratégicos que proporcionem a

conservação, a recuperação e o uso racional dos recursos hídricos,

diminuindo os conflitos e orientando as atividades econômicas.

Para o desenvolvimento das atividades econômicas, industriais,

agropecuárias e o abastecimento humano, a água doce é um componente

fundamental e apresenta características de qualidades bem variadas

(REBOUÇAS; BRAGA; TUNDISI, 2006). A qualidade da água é definida por

suas características físicas, químicas e biológicas e também pela forma como

é utilizada.

A água para consumo humano pode ser obtida por meio de

mananciais superficiais ou subterrâneos. Para o consumo, a água está

sujeita a várias restrições específicas de qualidade, que são estabelecidas

pelos padrões de potabilidade desse recurso (REBOUÇAS; BRAGA; TUNDISI,

2006).

Portanto, avaliar a qualidade da água e os fatores que interferem na

sua deterioração é necessário para se obter uma gestão e planejamento

adequados de uma determinada região.

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4 ENQUADRAMENTO DOS CORPOS HÍDRICOS

A qualidade da água pode ser avaliada por meio de parâmetros

físicos como temperatura, turbidez e sólidos totais; parâmetros químicos

como o potencial hidrogeniônico (pH), nitrogênio, fósforo, oxigênio

dissolvido e demanda bioquímica de oxigênio; e pelos parâmetros

microbiológicos como as bactérias do grupo coliformes. Os valores limítrofes

para cada parâmetro de qualidade de água variam de acordo com a classe

dos corpos hídricos.

A Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA)

357, de 17 de março de 2005, estabelece uma classificação para os corpos

d´água e determina diretrizes ambientais para o seu enquadramento, assim

como os limites para cada parâmetro de qualidade de água superficial. Essa

legislação é complementada e alterada pela Resolução Conama 430, de 13

de maio de 2011, que define as condições e padrões de lançamento de

efluentes.

As águas doces são enquadradas em 5 classes segundo a qualidade

requerida para seus usos preponderantes: I – classe especial, II – classe 1, III

– classe 2, IV – classe 3, e V – classe 4 (CONAMA, 2005). Para as águas doces

da classe especial, as condições naturais dos corpos hídricos devem ser

mantidas, enquanto para as demais classes a Resolução Conama 357/2005

estabelece limites máximos para os parâmetros físico, químico e

microbiológico da água. No Quadro 3 são apresentadas as classes de

qualidade de água doce e seus respectivos usos relevantes ainda de acordo

com a mesma Resolução.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 95

Quadro 3 – Classes de qualidade de águas doces e seus respectivos usos preponderantes

Classificação Usos preponderantes

Classe especial

a) abastecimento humano com desinfecção; b) preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas; e, c) preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral.

Classe 1

a) abastecimento para consumo humano, após tratamento simplificado; b) proteção das comunidades aquáticas; c) recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho; d) irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película; e, e) proteção das comunidades aquáticas em terras indígenas.

Classe 2

a) abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional; b) proteção das comunidades aquáticas; c) recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho; d) irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto; e e) aquicultura e atividade de pesca.

Classe 3

a) abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional ou avançado; b) irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras; c) pesca amadora; d) recreação de contato secundário; e e) dessedentação de animais.

Classe 4 a) navegação; e b) harmonia paisagística.

Fonte: Resolução Conama 357 (2005).

5 PARÂMETROS DE QUALIDADE DE ÁGUAS SUPERFICIAIS

5.1 SÓLIDOS TOTAIS

O sólido é definido como um estado da matéria distinguido pela

rigidez, por uma forma própria e pela existência de um equilíbrio com o

líquido proveniente da sua fusão. Assim, toda substância que possua essas

características e que estejam presentes nas águas naturais e residuárias

mesmo após processos como a secagem e a calcinação podem ser

denominadas como sólidos (SABESP, 1999).

Os sólidos em suspensão são partículas passíveis de retenção por

processos de filtração, estão distribuídos em sedimentáveis e não

sedimentáveis. Sólidos dissolvidos são constituídos por partículas de

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diâmetro inferior a 10-³ μm que se mantém em solução após a filtração,

sendo distribuídos de forma voláteis ou fixos (BRASIL, 2006; BRASIL, 2014).

O aporte de sólidos nos ambientes aquáticos pode ocorrer de forma

natural, por meio dos processos erosivos, organismos e detritos orgânicos,

ou de forma antropogênica, por meio de lançamento de resíduos sólidos e

esgotos nos corpos hídricos.

As informações obtidas por meio dos sólidos totais auxiliam no

acompanhamento da eficiência dos sistemas de tratamento para águas

naturais e residuais. No caso da água potável, a ocorrência dos sólidos

implica na sua qualidade, pois uma quantidade excessiva de qualquer tipo

de sólido (totais, em suspensão e dissolvidos), influencia negativamente na

cor, turbidez e nos parâmetros microbiológicos. Os sólidos também

intervêm na entrada de luz fazendo com que ocorra a diminuição da

fotossíntese no corpo hídrico (CETESB, 2016).

Os sólidos presentes nos recursos hídricos também podem causar

prejuízos à biota aquática, pois, dependendo da sua concentração, quando

sedimentam no leito dos rios comprometem a desova de peixes. Além disso,

bactérias e resíduos orgânicos podem ficar retidos nos sólidos no fundo dos

rios promovendo a decomposição anaeróbia. Elevados teores de sais

minerais, principalmente sulfatos e cloretos, estão associados à tendência

de corrosão em sistemas de distribuição de água, além de conferir sabor às

águas (BRAGA et al., 2005; CETESB, 2016).

De acordo com a Resolução Conama 357/2005, o limite para sólidos

dissolvidos totais é de 500 mg.L-1

para corpos d´água de classes 1, 2 e 3. Para

a classe 4 não há limite estabelecido na legislação.

5.2 TEMPERATURA DA ÁGUA

A temperatura da água dos corpos hídricos pode ser de origem

natural por meio da transferência de calor por intermédio da radiação,

condução e convecção (atmosfera e solo) ou de origem antropogênica por

meio de águas de torres de resfriamento e despejos industriais. Esse

parâmetro pode influenciar nas propriedades da água, como, por exemplo,

na densidade, viscosidade, oxigênio dissolvido e interferindo na vida

aquática.

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A temperatura da água permite caracterizar os corpos d’água, pois

modifica a taxa de reações químicas e biológicas, a taxa de transferência de

gases, altera a solubilidade de gases, varia a massa específica

(estratificação), influencia na velocidade das reações químicas e nas

atividades metabólicas e indica a intensidade de calor, sendo que sua

unidade de medida é dada em graus Celsius (°C) (VON SPERLING, 1996;

BRASIL, 2014).

A latitude, a altitude, as estações do ano, o período do dia, vazão e a

profundidade também alteram a temperatura da água (BRAGA et al., 2005;

BRASIL, 2014; CETESB, 2016). Quando ocorre a elevação da temperatura da

água, tem-se como consequência o aumento das taxas de reações químicas

e biológicas, com a transferência de gases e a diminuição da sua

solubilidade. Assim, o aumento da temperatura pode ocasionar a impactos

negativos nos ecossistemas naturais.

A temperatura exerce uma função essencial no meio aquático,

condicionando os efeitos de uma série de variáveis físico-químicas.

Geralmente, conforme a temperatura da água aumenta, de 0 a 30 °C, a

viscosidade, a tensão superficial, a compressibilidade, o calor específico, a

constante de ionização e o calor latente de vaporização diminuem,

enquanto a condutividade térmica e a pressão de vapor aumentam (CETESB,

2016).

Os organismos aquáticos exibem limites de tolerância térmica

superior e inferior, temperaturas ótimas para crescimento, temperatura

preferida em gradientes térmicos e limitações de temperatura para

migração, desova e incubação do ovo (CETESB, 2016). A Resolução Conama

357/2005 não determina um limite de temperatura para corpos d´água.

5.3 TURBIDEZ

O parâmetro de turbidez é definido como o grau de atenuação de

intensidade que um feixe de luz sofre ao atravessar a água. Alterações na

turbidez da água são associadas à presença de sólidos em suspensão, tais

como partículas inorgânicas de areia, silte, argila e detritos orgânicos, como

algas e bactérias (BRASIL, 2006; PORTO, 2012; CETESB, 2016). Esses sólidos

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em suspensão podem desequilibrar o ecossistema aquático, pois servem

para abrigo de microrganismos patógenos.

Existem vários fatores que podem alterar a turbidez na água, como o

lançamento de esgoto doméstico ou industrial, atividades de mineração,

solo exposto que pode ser mobilizado e transportado rumo ao corpo d'água,

erosão das margens dos rios em estações chuvosas, que é intensificada pelo

uso e ocupação inadequado do solo (VON SPERLING, 2005; CETESB, 2016).

Elevados valores de turbidez diminuem a fotossíntese da vegetação

enraizada submersa e das algas, devido à redução da penetração da luz

solar, prejudicando a oxigenação do meio, isso pode afetar o

desenvolvimento das plantas ocasionando a baixa produtividade de peixes,

ou seja, a turbidez pode influenciar nas comunidades biológicas aquáticas

(IGAM, 2008).

De acordo com a Resolução Conama 357/2005, o limite aceitável de

turbidez é de 40 UNT para cursos d´água de classe 1 e 100 UNT para classe 2

e 3. Para classe 4, não há limite determinado para esse parâmetro.

5.4 DEMANDA BIOQUÍMICA DE OXIGÊNIO

A demanda bioquímica de oxigênio (DBO) da água é definida como a

quantidade de oxigênio essencial para oxidar a matéria orgânica por

decomposição microbiana aeróbia para uma forma inorgânica estável (VON

SPERLING, 2005). A DBO é um parâmetro de qualidade de água importante e

muito utilizado para mensurar a eficiência de estações de tratamento de

esgoto sanitário e efluentes industriais, representando a quantidade de

oxigênio consumida em um período de tempo de 5 dias a uma temperatura

de incubação de 20 °C.

Os lançamentos de despejos de origem predominantemente orgânica

ocasionam o aumento da DBO num corpo hídrico, pois a presença de um

alto teor de matéria orgânica pode induzir ao completo esgotamento do

oxigênio na água, provocando o desaparecimento de formas de vida

aquática, ou seja, interfere no equilíbrio dos ecossistemas aquáticos, além

de propiciar sabores e odores desagradáveis e causar prejuízos aos filtros de

areia utilizados nas estações de tratamento de água (CETESB, 2016). A

concentração de DBO nos ambientes aquáticos de água doce varia de

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 99

acordo com a classe de uso definida na Resolução Conama 357/2005

(Quadro 4).

Quadro 4 – Concentração da demanda bioquímica de oxigênio permitida para águas

doces, de acordo com as classes de usos estabelecidas na

Resolução Conama 357/2005

Classificação Concentração da demanda bioquímica de oxigênio (DBO)

Classe especial As condições naturais dos corpos hídricos devem ser mantidas

Classe 1 Até 3,0 mg.L-1

Classe 2 Até 5,0 mg.L-1

Classe 3 Até 10,0 mg.L-1

Classe 4 Valor não determinado na resolução

Fonte: Resolução Conama 357 (2005).

5.5 FÓSFORO TOTAL

O fósforo é um nutriente fundamental para os processos biológicos

em ecossistemas aquáticos. Esse nutriente atua no crescimento e

desenvolvimento do fitoplâncton e das macrófitas aquáticas, no entanto,

em elevadas concentrações na água propicia o crescimento exacerbado dos

organismos fotossintetizantes provocando a eutrofização dos corpos d´água.

O fósforo pode se apresentar nas águas sob três formas diferentes. Os fosfatos orgânicos são a forma em que o fósforo compõe moléculas orgânicas, como a de um detergente, por exemplo. Os ortofosfatos são representados pelos radicais, que se combinam com cátions formando sais inorgânicos nas águas e os polifosfatos, ou fosfatos condensados, polímeros de ortofosfatos. Esta terceira forma não é muito importante nos estudos de controle de qualidade das águas, porque sofre hidrólise, convertendo-se rapidamente em ortofosfatos nas águas naturais. (CETESB, 2017, p. 18).

Naturalmente, o fósforo é inserido em pequenas quantidades nos

corpos hídricos por meio da decomposição de vegetais e plantas. Porém, as

principais fontes de fósforo nos ambientes aquáticos são os esgotos

domésticos que contêm detergentes à base de fosfato, a matéria orgânica

de origem fecal, os efluentes industriais e a água proveniente da drenagem

de áreas urbanas e agrícolas.

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100

Outra fonte significativa vem da prática de aquicultura. Os sistemas

de cultivo de peixes podem causar a inserção de fósforo no meio aquático

por meio das rações e, consequentemente, da excreção dos animais (WOLFF

BUENO et al., 2008). A concentração de fósforo total nos ambientes

aquáticos de água doce varia de acordo com a classe de uso estabelecido na

Resolução Conama 357/2005 (Quadro 5).

Quadro 5 – Concentração de fósforo total permitida para águas doces, de acordo com as

classes de usos estabelecidas na Resolução Conama 357/2005

Classificação

Concentração de fósforo

Ambiente lêntico

Ambiente intermediário (tempo de

residência: 2 a 40 dias) e

tributários diretos de ambiente

lêntico

Classe especial As condições naturais dos corpos hídricos devem ser mantidas

Classe 1 0,020 mg.L-1 0,025 mg. L-1

Classe 2 0,030 mg.L-1 0,050 mg.L-1

Classe 3 0,050 mg.L-1 0,075 mg.L-1

Classe 4 Valor não determinado na resolução

Fonte: Resolução Conama 357 (2005).

5.6 NITROGÊNIO TOTAL

O nitrogênio é um elemento importante nos ambientes aquáticos,

pois participa da composição das proteínas, da clorofila, dos ácidos

nucleicos, enzimas, hormônios e outros compostos biológicos essenciais

para os seres vivos. As fontes desse nutriente nos corpos hídricos são

variadas, podendo ser provenientes da decomposição de matéria orgânica,

esgoto doméstico ou industrial, detergentes, excretas de animais,

fertilizantes, defensivos agrícolas e intemperismo do solo.

Nos corpos hídricos, o nitrogênio pode estar nas formas: molecular

(N2), amônia (NH3), nitrito (NO2-) e nitrato (NO3

-). Elevadas concentrações de

amônia nos ambientes aquáticos são prejudiciais aos peixes, por ser uma

forma tóxica para esses seres vivos. No caso de águas utilizadas para

consumo humano, deve-se ter cuidado com a presença de nitrato que é

responsável por causar a meta-hemoglobina.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 101

A maior quantidade de nitrogênio dissolvido na água está na sua

forma orgânica devido à importância do processo biológico para que o

nitrogênio se origine nos rios. Em águas poluídas, a forma e a concentração

de nitrogênio variam. Em rios com pouca oxigenação, resultante de excesso

de matéria orgânica, a amônia pode alcançar até 80% do nitrogênio

inorgânico dissolvido (DELLAGIUSTÍNA, 2000).

O nitrogênio é essencial para que haja o crescimento de algas.

Quando em excesso, pode acarretar um desenvolvimento expressivo desses

organismos, e esse fenômeno é conhecido como eutrofização (CETESB,

2016). O nitrogênio nos processos bioquímicos de conversão da amônia a

nitrito e desse a nitrato, implica no consumo de oxigênio dissolvido do meio

e esse processo pode afetar a vida aquática (VON SPERLING, 2005).

A concentração de nitrogênio amoniacal total nos ambientes

aquáticos de água doce varia de acordo com a classe de uso estabelecida na

Resolução Conama 357/2005. De acordo com essa resolução, o limite

aceitável de nitrogênio amoniacal total para cursos d´água de classe 1 e 2 é

de 3,7 mg.L-1

em água com pH menor ou igual a 7,5, conforme o valor de pH

aumenta há maior restrição para a concentração de nitrogênio amoniacal

total. Para cursos d´água de classe 3, em pH menor ou igual a 7,5 é aceitável

concentrações de até 13,3 mg.L-1

. No caso de água doces classificadas como

4, não há um valor estabelecido para esse parâmetro.

5.7 OXIGÊNIO DISSOLVIDO

A concentração de oxigênio dissolvido (OD) nos corpos hídricos é

essencial para garantir a presença de vida e equilíbrio dos ecossistemas

aquáticos. A concentração desse parâmetro de qualidade de água pode ser

expressa em miligramas por litro (mg L-1

) ou porcentagem de saturação. O

aporte de oxigênio dissolvido na água ocorre por meio do processo de

fotossíntese realizado pelo fitoplâncton e por difusão desse gás a partir da

atmosfera devido à diferença de pressão.

Em águas limpas, a concentração de oxigênio dissolvido é geralmente

mais elevada, com valores superiores a 5 mg L-1

, exceto se houver condições

naturais que causem baixos valores deste parâmetro. As águas que recebem

esgotos domésticos ou industriais apresentam menores concentrações de

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102

oxigênio dissolvido, devido ao consumo desse gás no processo de

decomposição da matéria orgânica pelos microrganismos (ANA, 2017).

Durante a estabilização da matéria orgânica, as bactérias utilizam o

oxigênio nos seus processos respiratórios, podendo ocasionar a redução do

oxigênio dissolvido no meio e se esse gás for totalmente consumido, ele

pode gerar condições anaeróbias e produzir maus odores no curso d’água

(VON SPERLING, 2005).

As águas ricas em nutrientes (eutrofizadas) têm a capacidade de

apresentar concentrações de oxigênio superiores a 10 mg L-1

, isso acontece

especialmente em lagos e represas onde o excessivo crescimento das algas

faz com que durante o dia, devido a fotossíntese, os valores de oxigênio

fiquem mais elevados, porém, durante a noite não ocorre a fotossíntese, e a

respiração dos organismos faz com que as concentrações de oxigênio

diminuam bastante, podendo causar a mortandade de peixes (ANA, 2017).

O oxigênio dissolvido é um parâmetro de importante na

composição dos Índices de Qualidade de Águas (IQAs) no Estado de São

Paulo, sendo que a sua concentração tem a maior ponderação na

determinação do IQA (CETESB, 2016). A concentração de OD permitida para

os corpos hídricos de água doce depende da classe de uso estabelecida na

Resolução Conama 357/2005 (Quadro 6).

Quadro 6 – Concentração de oxigênio dissolvido permitida para águas doces, de acordo com as

classes de usos estabelecidas na Resolução Conama 357/2005

Classificação Concentração oxigênio dissolvido (OD)

Classe especial As condições naturais dos corpos hídricos devem ser mantidas

Classe 1 Não inferior a 6 mg L-1

Classe 2 Não inferior a 5 mg L-1

Classe 3 Não inferior a 4 mg L-1

Classe 4 Superior a 2 mg L-1

Fonte: Resolução Conama 357 (2005).

5.8 POTENCIAL HIDROGENIÔNICO

O potencial hidrogeniônico refere-se à concentração de íons de

hidrogênio H+ no meio líquido e varia de 0 a 14. O pH igual a 7,0 indica

neutralidade do meio, valores acima de 7,0 refletem condições alcalinas da

água e valores abaixo de 7,0 correspondem a meios ácidos. As atividades

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 103

antrópicas, principalmente lançamento de efluentes domésticos e

industriais, interferem nos valores de pH dos corpos d´água.

Esse parâmetro de qualidade de água tem influência no equilíbrio

químico que ocorre nas etapas de tratamento de água e no controle da

operação de estação de tratamento de esgotos. O pH é um parâmetro muito

significativo nos estudos no campo do saneamento ambiental (CETESB,

2016).

O pH influencia nos ecossistemas aquáticos naturais devido aos seus

efeitos na fisiologia de várias espécies (ESTEVES, 1998). Além disso, também

tem o efeito indireto onde determinadas condições de pH, contribuírem

para a precipitação de elementos químicos tóxicos como metais pesados;

outras condições podem exercer efeitos sobre as solubilidades de nutrientes

(CETESB, 2016). Independente da classe de uso do manancial de água doce,

o valor de pH deve estar entre 6,0 e 9,0 (CONAMA, 2005).

5.9 COLIFORMES TERMOTOLERANTES

Os coliformes termotolerantes são definidos como bactérias gram-

negativas, em forma de bacilos, oxidase-negativas, distinguidas pela

atividade da enzima β-galactosidase. Essas bactérias podem crescer em

ambiente contendo agentes tensoativos e fermentar a lactose nas

temperaturas de 44 a 45 °C, com produção de ácido, gás e aldeído

(CONAMA, 2005).

Esse grupo de bactérias é encontrado naturalmente no intestino dos

seres humanos e animais, e são indicadores de poluição por esgoto

doméstico sendo a Escherichia coli (E. coli) uma das bactérias eliminadas em

grande quantidade nas fezes de seres humanos e de animais

homeotérmicos, e que nos indica uma poluição exclusivamente fecal

(CETESB, 2008; SILVA; ARAÚJO, 2017). A E. coli também pode ocorrer em

solos, plantas ou outras matrizes ambientais que não tenham sido

contaminados por material fecal.

De acordo com a densidade dos microrganismos indicadores, pode-se

pressupor uma relação dos microrganismos patógenos transmitidos pelo

uso ou ingestão da água e analisar o grau de poluição do corpo hídrico.

Várias doenças estão correlacionadas com a veiculação hídrica, tais como:

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104

amebíase, giardíase, gastroenterite, febres tifoide e paratifoide, hepatite

infecciosa, disenteria bacilar e a cólera (WHO, 1996), além dessas doenças, a

água está ligada à propagação de verminoses como: esquistossomose,

ascaridíase, teníase, oxiuríase e ancilostomíase (WHO, 1996).

Para Libânio, Chernicharo e Nascimento et al. (2005), a maioria das

doenças de veiculação hídrica são ocasionadas em decorrência da ingestão

de microrganismos patogênicos, sendo esses especialmente de origem

entérica, tanto de animais quanto de humanos.

Assim como os demais parâmetros de qualidade de água, os valores

permitidos para coliformes termotolerantes em corpos hídricos de água

doce varia de acordo com a classe de uso estabelecida na Resolução

Conama 357/2005. Segundo essa resolução, o parâmetro de coliformes

termotolerantes pode ser substituído pela concentração da bactéria E. coli

segundo os limites estabelecidos pelo órgão ambiental competente.

O limite permitido para coliformes termotolerantes em águas doces

conforme a classe de uso é apresentado no Quadro 7. Ressalta-se que o

limite previsto para esse parâmetro biológico não poderá ser excedido em

pelo menos seis amostras coletadas durante o período de um ano, com

frequência bimestral (CONAMA, 2005).

Quadro 7 – Limite permitido de coliformes termotolerantes para águas doces para cada 100 mL

de amostra, de acordo com as classes de usos estabelecidas na Resolução Conama 357/2005

Classificação Limite permitido para coliformes termotolerantes por 100 mL de água

Classe especial As condições naturais dos corpos hídricos devem ser mantidas

Classe 1 200 coliformes

Classe 2 1000 coliformes

Classe 3 25000 coliformes

Classe 4 Não há limite estabelecido para essa classe

Fonte: Resolução Conama 357 (2005).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O monitoramento da qualidade da água em bacias hidrográficas é

essencial para ações de planejamento do uso e ocupação do solo, assim

como para tomada de decisões em relação aos usos múltiplos das águas

superficiais. Além disso, alterações na qualidade da água podem

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 105

comprometer a biota aquática, a saúde humana e a disponibilidade desse

recurso natural com qualidade adequada para as futuras gerações.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – projeto

CAPES/ANA AUXPE N° 2717/2015, Programa de Mestrado Profissional em

Rede Nacional em Gestão e Regulação dos Recursos Hídricos – ProfÁgua.

REFERÊNCIAS

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Brasil. Brasília, DF, 2005. 179 p. AGÊNCIA NACIONAL DAS ÁGUAS – ANA. Rede nacional: redes de monitoramento. [S. l.], 2017.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 109

Capítulo 6

ANÁLISE DE PARÂMETRO DE QUALIDADE DAS ÁGUAS NA UGRHI 20, BACIA DO RIO AGUAPEÍ – OESTE DE SÃO PAULO

Amanda Rodrigues Correa

24

Paulo Cesar Rocha25

1 INTRODUÇÃO

A água é um elemento fundamental para a vida, responsável por

manter o equilíbrio do meio ambiente e indispensável para as atividades

humanas (SETTI et al., 2001). Entretanto, as diferentes intervenções

antrópicas no meio ambiente acabam por prejudicar o equilíbrio da

natureza, comprometendo a disponibilidade deste recurso para as futuras

gerações (SANTOS; LEAL, 2014). A importância do manejo sustentável da

água para o bem-estar das populações e para o desenvolvimento é o

fomentador que subsidia as ações voltadas à gestão dos recursos hídricos

(LOPES; TEIXEIRA, 2012).

A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997) (BRASIL,

1997) estabelece as bases legais para a gestão dos recursos hídricos no

Brasil, determina como diretriz de ações a gestão integrada e como unidade

territorial de planejamento a bacia hidrográfica, estabelecendo como

instrumentos de gestão: o enquadramento dos corpos d’água em classes

segundo os usos preponderantes, a cobrança pelo uso da água, a outorga do

direito de uso, o sistema de informações sobre recursos hídricos e a

compensação aos municípios (PORTO; PORTO, 2008).

Como previsto na Lei 9.433/1997, o enquadramento dos corpos

d’água tem por objetivo certificar às águas qualidade conciliável com os usos

mais exigentes a que foram destinadas e diminuir os custos de combate à

poluição das águas através de ações preventivas permanentes.

24 Mestranda do PPGG-Mestrado Profissional, FCT/UNESP; PEA. E-mail: [email protected] 25 Professor assistente, doutor, PPGG-Mestrado Profissional – FCT/UNESP. PQ CNPq E-mail: [email protected]

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110

De acordo com Leal (2000), o instrumento de enquadramento deve

resultar de um processo de planejamento da bacia hidrográfica que torne

compatível a oferta com as demandas dos recursos hídricos e ambientais,

sendo assim, as classes dos corpos d’água e qualidade das águas estão

diretamente ligadas aos usos da água e do solo na bacia hidrográfica, em

que para ser atingida a classe pretendida será necessário um conjunto de

ações voltadas para a gestão dos recursos hídricos e ambientais; sendo o

instrumento de enquadramento então um referencial de qualidade a ser

alcançado a curto, médio e longo prazo.

A Resolução Conama 357/2005 (CONAMA, 2005) instituiu

parâmetros e variáveis a serem adotados nos processos de análise da

qualidade e enquadramento dos corpos d’água em todo o território

brasileiro, e desde a sua implantação esta resolução vem sendo tomada

como referência para diversas pesquisas acadêmicas (CUNHA et al., 2013).

O monitoramento da qualidade da água é uma ação de extrema

importância não somente para fins de abastecimento público, mas também

para subsidiar as ações voltadas à conservação da natureza. Nesse sentido

não há um padrão ou um único indicador de qualidade de água que seja

aplicável a qualquer sistema hídrico. No entanto, a combinação de

parâmetros em índices vem sendo uma ferramenta amplamente utilizada

nos estudos de qualidade de água (TOLEDO; NICOLELLA, 2002). Na avaliação

da qualidade das águas é considerada uma amostra, em que seus

componentes avaliados são classificados em parâmetros físicos, químicos ou

microbiológicos (BELONDI, 2003).

A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB),

utiliza desde 1975 o Índice de Qualidade das Águas (IQA) como ferramenta

de gerenciamento ambiental, e em 2002 incorporou às suas análises índices

mais específicos que refletem a qualidade da água destinada a seus

múltiplos usos como o Índice de Qualidade de Águas Brutas para

Abastecimento Público (IAP), Índice de Preservação de Vida Aquática (IVA), e

Índice de Balneabilidade (IB) (CETESB, 2011).

As mudanças nas características físicas e químicas da água são

influenciadas por vários fatores como geologia, declividade, clima, cobertura

vegetal, tipos de solos, assim como pelo tipo de uso e cobertura da terra na

bacia hidrográfica, as interações desses atributos condicionam a quantidade

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 111

de sedimentos e os gradientes dos compostos químicos que são carreados

nos corpos d’água conferindo as características de sua qualidade

(GONÇALVES, 2011).

O objetivo do presente capítulo é apresentar uma análise dos

parâmetros de qualidade das águas em pontos de monitoramento na UGHRI

– 20, salientando as desconformidades encontradas em relação aos padrões

e às variáveis de qualidade das águas estabelecidas pela Resolução Conama

357/2005. A análise abrangeu os anos de 2003, 2007, 2011 e 2015 com a

finalidade de identificar as mudanças ocorridas na qualidade das águas,

relacionando com os aspectos legais, naturais e de uso da terra da bacia

hidrográfica.

2 APLICAÇÃO DO CASO

Para este estudo foram utilizados os dados de qualidade das águas

obtidos nos relatórios anuais de qualidade das águas superficiais publicado

pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São

Paulo (CETESB), órgão responsável pelo monitoramento da qualidade das

águas no Estado de São Paulo. Na rede básica de monitoramento são

utilizadas cerca de 60 variáveis para caracterização da qualidade da água,

sendo classificadas com os parâmetros físicos, químicos, hidrobiológicos,

microbiológicos e ecotoxicológicos, considerados representativos, porém

para este estudo foram analisados somente os parâmetros físico-químicos.

Para auxiliar na visualização e interpretação dos resultados foram

elaboradas tabelas com os dados selecionados referentes aos anos

analisados. Os dados extraídos se referem a todas as amostragens feitas

durante os anos estudados, no ano de 2003 as amostragens tiveram uma

periodicidade semestral, totalizando duas por ano, para os anos de 2007,

2011 e 2015 as amostragens tiveram periodicidade bimestral, onde

totalizaram seis amostragens durante os anos estudados.

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112

Área de estudo

A Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI-20) está

localizada no oeste do Estado de São Paulo, abrangendo a bacia hidrográfica

do rio Aguapeí, esta, juntamente com a bacia hidrográfica do rio do Peixe,

integram o comitê de Bacias Hidrográficas dos Rios Aguapeí e Peixe. De

acordo com a Divisão Hidrográfica Estadual em vigência, existem 32

municípios com sede no território da UGRHI-20, possuindo uma área

territorial de 9.562,5 km² e uma área de drenagem de 13.196 km², tendo

como principais rios e reservatórios compondo sua rede hidrográfica o rio

Aguapeí, rio Tibiriçá, rio Iacri, córrego Afonso XIII e ribeirão das Marrecas

(CBH-AP, 2013). A UGRHI-20 limita-se ao norte com a bacia do rio Tietê, a

oeste com o rio Paraná, a leste com a serra dos Agudos e ao sul encontra-se

com a bacia do rio do Peixe (CBH-AP, 2008).

De acordo com o Relatório da Situação das Bacias Hidrográficas do

Aguapeí e Peixe (2014), na UGRHI-20 a cidade de Marília sedia o maior polo

industrial dentre as outras cidades inseridas na UGRHI, os setores de

serviços e comércio impulsionam a economia regional nas áreas urbanas;

nas áreas rurais se destacam nas atividades de agricultura e pecuária as

lavouras de café, cana-de-açúcar e milho, além das atividades de extração

mineral de areia em afluentes do rio Aguapeí e extração de argila em

municípios na margem do rio Paraná. A vegetação natural remanescente

ocupa aproximadamente 6,5% da área da UGRHI expressada pela floresta

estacional semidecidual e formação arbóreo-arbustiva em região de várzea.

Foram analisadas as variáveis de qualidade das águas de três pontos

de monitoramento localizados na UGRHI-20, sendo eles: CASC 02050,

enquadrado com classe 2 e localizado no reservatório Cascata, no alto curso

do rio Tibiriçá, onde cabe salientar que neste ponto há captação de água

para o abastecimento público da cidade de Marília/SP; o ponto de

monitoramento AGUA 02100 está localizado no médio curso do rio Aguapeí,

enquadrado também com classe 2, e o ponto AGUA 02800 localizado no

baixo curso do rio Aguapeí, enquadrado com classe 2, salientando também

que este ponto está inserido em uma Unidade de Conservação de Proteção

Integral. A Figura 1 apresenta a distribuição espacial dos pontos na UGRHI-

20.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 113

Figura 1 – Pontos de monitoramento da qualidade da água na UGRHI-20

Fonte: Cetesb (2013), acessado em março de 2018.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta etapa destacam-se apenas as variáveis de qualidade das águas

que não estão em conformidade com a Resolução Conama 357/2005. Para

isso, foram elaborados quadros demonstrativos considerando apenas as

inconformidades. A Tabela 1 representa os valores recomendados pela

Resolução para as variáveis que apresentaram inconformidades neste

estudo e a Tabela 2 representa os valores das variáveis em

desconformidade.

Tabela 1 – Valores de referência para as variáveis analisadas

Variáveis Unidade Padrão Conama

357/2005

Alumínio dissolvido mg/L < 0,1 Fósforo total mg/L < 0,03 Fenóis totais mg/L < 0,003 Ferro dissolvido mg/L < 0,3 Mercúrio mg/L < 0,0002 Manganês mg/L < 0,1 Oxigênio dissolvido mg/L >5 DBO (5,20) mg/L < 5 Turbidez UNT < 100

Fonte: Adaptado de Resolução Conama 357/2005, acessado em março de 2018 e organizado pelos autores.

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114

Tabela 2 – Pontos de monitoramento e suas respectivas variáveis em desconformidade

Fonte: CETESB (2003, 2007, 2011, 2015), acessado em março de 2018.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 115

Análise dos parâmetros

Alumínio dissolvido

No ponto CASC 02050 o alumínio dissolvido teve uma diminuição

progressiva nas concentrações, em que a partir de 2007 a variável não mais

apresentou desconformidade em relação ao período analisado, registrando

a maior concentração em maio de 2003, de 0,95 mg/L, e a menor

concentração, 0,19 mg/L, em fevereiro de 2007.

No ponto AGUA 02100 o alumínio dissolvido se manteve alterado em

quase todas as amostragens, variando de 0,11 mg/L em dezembro de 2011 a

4,23 mg/L em fevereiro de 2003.

No ponto AGUA 02800 o alumínio dissolvido registrou concentrações

desconformes entre 0,108 mg/L a 8,9 mg/L, sendo o maior valor registrado

em fevereiro de 2003 e o menor valor em agosto de 2015.

O aporte de alumínio na natureza ocorre naturalmente através da

ação do intemperismo de rochas e minerais; entretanto, pela ação antrópica

o alumínio pode ser introduzido no ambiente pela emissão de gases,

efluentes entre outras formas (TARPANI, 2012).

Fósforo total

No ponto CASC 02050, o fósforo total apresentou a maior

concentração, de 0,18 mg/L, em junho de 2007, e a menor concentração, de

0,031 mg/L, em dezembro de 2015.

No ponto AGUA 02100 o fósforo total se manteve alterado nas

amostragens de 2003 e 2007, porém para as amostragens de 2011 e 2015

não houve registro de desconformidade, sua variação esteve entre 0,046

mg/L em abril de 2003, e 0,15 mg/L em junho e dezembro de 2007.

No ponto AGUA 02800 o fósforo total teve uma variação

desconforme entre 0,044 mg/L a 0,179 mg/L, destacando que a partir de

2011 não apresentou mais valores desconformes; sendo o menor valor

registrado em fevereiro de 2005 e o maior valor em dezembro de 2005.

A presença de fósforo em águas naturais ocorre principalmente

devido às descargas de esgotos sanitários, sendo a matéria orgânica fecal e

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116

os detergentes de uso doméstico as principais fontes, efluentes de

indústrias como de fertilizantes, pesticidas e químicas em geral, além dos

frigoríficos e laticínios e também as águas drenadas das áreas agrícolas e

urbanas acarretam o aumento do fósforo em águas naturais (CETESB, 2016).

Oxigênio dissolvido

No ponto CASC 02500 o oxigênio dissolvido apresentou eventual

desconformidade, ocorrendo apenas uma vez no período analisado, sendo o

valor de 3,2 mg/L em outubro de 2007.

No ponto AGUA 02100 o oxigênio dissolvido apresentou

desconformidade principalmente nos meses de dezembro e fevereiro dos

anos amostrados, registrando sua menor concentração, de ˂ 0,5 mg/L, em

abril de 2015 e sua maior concentração, de 4,9 mg/L, em dezembro de 2015.

No ponto AGUA 02800 o oxigênio dissolvido apresentou somente

uma eventual desconformidade registrada em fevereiro de 2011.

O oxigênio dissolvido na água é um dos gases mais importantes que

regem a dinâmica dos ecossistemas aquáticos sendo as principais fontes

desse gás na água provenientes da atmosfera e da fotossíntese (ESTEVES,

1998).

Silva e Hermes (2004 apud GONÇALVES, 2011) acrescentam ainda

que a disponibilidade do oxigênio dissolvido na água detém do balanço

entre a quantidade consumida pelos organismos aquáticos e a quantidade

produzida na água pelos organismos aquáticos e fotossintetizantes,

considerando tal variável como uma das principais utilizadas que

caracterizam a poluição das águas.

Fenóis totais

No ponto CASC 02050 a variação na concentração dos fenóis totais

oscilou entre 0,004 a 0,007 mg/L, sendo a menor registrada em agosto de

2011 e a maior em fevereiro de 2011.

A presença de fenóis e derivados na água está associada a descarga

de efluentes industriais como as indústrias de processamento de borracha,

adesivos, colas, resinas e siderúrgicas (CETESB, 2016).

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 117

Ferro dissolvido

No ponto CASC 02050 o ferro dissolvido apresentou

desconformidade nos anos de 2011 e 2015, registrando menor

concentração, de 0,33 mg/L, em dezembro de 2011 e maior concentração,

de 0,43 mg/L, em agosto de 2015.

No ponto AGUA 02100 o ferro dissolvido começou a apresentar

desconformidade a partir das amostragens de 2007, registrando 0,38 mg/L

em agosto de 2011 e 1,05 mg/L em dezembro de 2007.

No ponto AGUA 02800 o ferro dissolvido em relação aos anos

analisados começou a apresentar desconformidade somente a partir de

fevereiro de 2007, oscilando entre 0,31 mg/L em junho de 2007 e 1,73 mg/L

em fevereiro de 2007.

O aumento da concentração de ferro em águas superficiais decorre

na estação chuvosa devido ao carreamento de solos pelos processos

erosivos das margens, há também importante contribuição de efluentes de

indústrias metalúrgicas (CETESB, 2016).

Mercúrio

No ponto CASC 02050 o mercúrio teve eventual desconformidade

registrando 0,0003 mg/L em agosto de 2011.

No meio aquático as fontes antropogênicas de mercúrio se originam

principalmente das atividades das indústrias cloro-álcali de células de

mercúrio, resíduos de processos de mineração e fundição, efluentes de

tratamento de esgoto, indústria de tintas, entre outros (CETESB, 2015).

Manganês

No ponto CASC 02050 o manganês aparece desconforme somente

em 2015, quando é registrada a menor concentração, de 0,118 mg/L, em

fevereiro e maior concentração, de 0,26 mg/L, em dezembro.

No ponto AGUA 02100 o manganês apresentou desconformidade

para os anos 2003 e 2007, já para 2011 e meados de 2015 não apresentou

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alteração fora do padrão, voltando a estar desconforme em dezembro de

2015, registrando 0,11 mg/L.

No ponto AGUA 02800 o manganês registrou sua menor

concentração, de 0,111 mg/L, em dezembro de 2015, e a maior, de 0,19

mg/L, em fevereiro de 2007.

O manganês ocorre naturalmente nas águas subterrâneas e

superficiais, porém, as atividades antrópicas ocasionam o aumento de sua

concentração nas águas, a utilização do manganês e seus compostos está

atrelada principalmente às indústrias de aço, baterias, ligas metálicas,

vidros, fertilizantes entre outros (CETESB, 2016).

Demanda bioquímica de oxigênio

No ponto CASC 02050 a DBO apresentou menor valor de 6 mg/L em

fevereiro, abril, outubro e dezembro de 2007 e dezembro de 2011, sendo a

maior de 13 mg/L registrada em junho de 2007.

No ponto AGUA 02100 a DBO apresentou somente uma eventual

alteração registrada em abril de 2015.

A DBO (demanda bioquímica de oxigênio) é um indicador do

consumo do oxigênio dissolvido pelos microrganismos decorrente de seus

processos metabólicos para a estabilização da matéria orgânica (VON

SPERLING, 1996). Silva e Araújo (2017) ressaltam que a variável DBO possui

uma forte tendência sazonal, ocasionada pela precipitação pluvial que

influencia o aumento da entrada de sólidos e matéria orgânica na água,

aumentando a demanda bioquímica do oxigênio.

Turbidez

No ponto AGUA 02100 a turbidez esteve alterada exclusivamente no

mês de dezembro dos anos de 2003, 2007 e 2015 variando de 141 UNT a

267 UNT.

No ponto AGUA 02800 a turbidez registrou desconformidade em três

amostragens dos períodos analisados, sendo o valor maior de 112 UNT em

outubro de 2011 e 135 UNT em dezembro de 2003.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 119

De acordo com Von Sperling (1996), a turbidez é caracterizada pelo

nível de interferência da passagem de luz através da água, ocasionada pelos

sólidos em suspensão, ocorrendo de forma natural através das partículas de

rocha, argila, silte, algas e outros microrganismos. A erosão das margens dos

canais fluviais acentuada pela má conservação do solo é um dos exemplos

que justificam o aumento da turbidez na água, o despejo de efluentes

domésticos e industriais também ocasionam elevações nos níveis de

turbidez (CETESB, 2016). Os níveis de turbidez se mostram particularmente

elevados em regiões com solos com tendência à erosão, no qual a

precipitação faz o carreamento dessas partículas, onde as águas da maioria

dos rios brasileiros se mostram naturalmente turvas por conta da ocorrência

de fortes chuvas (VON SPERLING, 1998).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos dados analisados o estudo permitiu verificar que, sob a

perspectiva espacial, as variáveis em inconformidade foram

predominantemente as mesmas nos três pontos analisados, que apenas no

ponto CASC 02050 difere as variáveis fenóis totais, mercúrio e turbidez,

sendo este ponto um reservatório onde há captação de água para

abastecimento, e as ações de monitoramento e gestão deveriam ter mais

atenção visto que muitas variáveis apresentaram inconformidades.

Em relação ao tipo de parâmetro, as variáveis de ordem química

tiveram predominância nos padrões de inconformidade em todos os pontos

analisados, a variável física turbidez aparece em desconformidade somente

no médio e baixo curso do canal fluvial.

As variáveis alumínio dissolvido, fósforo total, ferro dissolvido e

manganês foram as variáveis que mais se destacaram, aparecendo em

desconformidade em todos os pontos e recorrente em todos os anos

analisados. Pela ação antrópica, esses minerais provêm de efluentes e águas

residuárias, pois na natureza esses minerais decorrem da dissolução das

rochas pelo intemperismo, e o aumento da concentração desses minerais na

água remete a um estágio de degradação da bacia tendo em vista o

processo de ocupação, onde grande parte da mata nativa foi convertida em

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120

terras para outros usos não mais exercendo sua função nas dinâmicas

naturais, sendo uma delas a retenção de sedimentos.

Sendo a água um recurso essencial que pode se converter em um

recurso não utilizável decorrente da degradação que vem sofrendo, deve-se

prevenir esta situação, controlando o lançamento de efluentes, e

promovendo a conservação da bacia.

Em suma, o monitoramento da qualidade da água é uma

ferramenta essencial para o planejamento e a gestão do ambiente, pois só

assim é possível conhecer as características e entender as transformações

do ambiente, visando à garantia que as legislações vigentes sejam

cumpridas certificando os usos múltiplos da água conforme estabelecidos

em lei.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 123

Capítulo 7

UTILIZAÇÃO DA ESTATÍSTICA PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE

ÁGUA EM BACIA HIDROGRÁFICA

Fernanda Luisa Ramalho26

João Batista Pereira Cabral

27

Assunção Andrade de Barcelos 28

1 INTRODUÇÃO

Segundo a Lei 8.171/91, as bacias hidrográficas constituem-se em

unidades básicas de planejamento do uso, da conservação e recuperação

dos recursos naturais (BRASIL, 1991). Para Tucci (1993), a bacia hidrográfica

é uma captação natural da água da precipitação que faz convergir os

elementos para uma única área de saída, exutório, ou seja, a seção de um

rio a define.

A bacia hidrográfica pode sofrer mudanças ou alterações no

comportamento hidrológico tanto em função de aspectos físicos como

geomorfológicos, pedológicos, geológicos, climáticos e vegetação, não

deixando de considerar as ações antrópicas. Devido à complexidade em

analisar os sistemas lóticos, tais características são fundamentais para o

ciclo hidrológico da bacia, influenciando na produção de sólidos em

suspensão, na infiltração, na evaporação, na quantidade de água produzida,

no escoamento superficial, entre outros (BRAGA, 2012; ROCHA et al., 2014).

Consequentemente, essas alterações podem vir a refletir na qualidade das

águas que, nesse sentido, torna-se necessário o uso de indicadores de

26 Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected] 27 Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Jataí. E-mail: [email protected] 28 Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Jataí. E-mail: [email protected]

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qualidade de água (parâmetros físicos, químicos e biológicos) de maneira a

correlacionar as alterações ocorridas na bacia (RIBEIRO et al., 2016).

Para Toledo e Nicolella (2002), cada sistema lótico possui

características próprias, o que torna difícil estabelecer uma única variável

como indicador-padrão para qualquer sistema hídrico. Nesse sentido, a

busca em trabalhos de campo é a obtenção de índices de qualidade de água

que reflitam resumida e objetivamente as alterações, com ênfase para as

intervenções humanas, como o uso agrícola, urbano e industrial

(COUILLARD; LEFEBVRE, 1985). É importante lembrar que os índices e

indicadores ambientais surgiram como resultado da crescente preocupação

social com os aspectos ambientais do desenvolvimento, processo que

requer um número elevado de informações em graus de complexidade cada

vez maiores (CETESB, 2015).

Ribeiro et al. (2016) ressalvam que informações sobre a qualidade

das águas no país ainda são insuficientes ou inexistentes em várias bacias.

Apenas nove unidades da Federação possuem sistemas de monitoramento

da qualidade da água considerados ótimos ou muito bons, cinco possuem

sistemas bons, e treze apresentam sistemas fracos ou incipientes (ANA

2015).

Desde meados da década de 1960, optou-se por utilizar indicadores

que auxiliam na agregação ponderada de parâmetros selecionados, pois são

muitas as variáveis de análises. Assim, um dos métodos utilizados na

formulação de índices de qualidade de água se baseia na técnica

multivariada da análise fatorial, segundo Ribeiro et al. (2016), que

representa uma forma exploratória de conhecer o comportamento dos

dados a partir de uma dimensão reduzida do espaço original dos parâmetros

(MOURA, 2010; MULHOLLAND et al., 2010; HAIR et al., 2009).

O cenário de tendências do Estado de Goiás envolvendo ambiente,

dinâmica demográfica, saúde, economia e investimentos apontam para a

necessidade de um direcionamento voltado a ações que consolidem o

desenvolvimento sustentável na região.

Diante dessas suposições o objetivo deste capítulo é avaliar a águas

do Córrego Matriz em Cachoeira-Alta/GO em quatro períodos distintos, a

fim de identificar por meio da correlação de Pearson, quais parâmetros

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 125

físicos, químicos e biológicos devem ser levados em consideração no estudo

da qualidade das águas.

2 APLICAÇÃO: ESTUDO DE CASO DA BACIA

A qualidade da água reflete nas condições ambientais da bacia

hidrográfica, sendo assim, conhecer as características de qualidade da água

amplia o conhecimento ecológico do ecossistema e possibilita detectar

alterações provenientes da atividade humana.

Para Souza e Gastaldini (2014), a utilização da correlação de Pearson

(r) melhor caracteriza a qualidade da água, pois a correlação das variáveis dá

confiabilidade aos resultados.

Devido à grande quantidade de variáveis que compõem os

parâmetros de qualidade da água, a interpretação desses resultados torna-

se difícil e dispendiosa. Deste modo, os métodos de análise multivariada de

dados têm sido cada vez mais utilizados em estudos ambientais devido à sua

fácil aplicação e por reduzirem o número de dados em subgrupos menores

correlacionados entre si, como destaca Menezes, et al. (2014). Com isso,

podemos citar alguns trabalhos que utilizam esses tipos de análise (MOURA,

et al., 2013; MENEZES et al., 2014; SOUZA; GASTALDINI, 2014; ROCHA;

CABRAL; BRAGA, 2014; RAMALHO, 2015; BARCELOS, 2015).

Esse método usualmente conhecido para medir a correlação entre

duas variáveis é também conhecido como Coeficiente de Correlação do

Momento Produto. Este foi o primeiro método de correlação, estudado por

Francis Galton e seu aluno Karl Pearson, em 1897 (LIRA, 2004).

O coeficiente de correlação linear de Pearson (r) é uma medida

estatística que mede o grau de associação entre duas variáveis, sendo sua

variação entre -1 e 1. Quanto mais próximo dos extremos do intervalo de

variação, mais correlacionadas estão as variáveis em questão (TRIOLA,

1999). Para Lira (2004), diferentes formas de correlação podem existir entre

as variáveis. O caso mais simples e mais conhecido é a correlação simples,

envolvendo duas variáveis, X e Y.

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3 METODOLOGIA

3.1 ÁREA DE ESTUDO

A região centro-oeste do Estado de Goiás, em especial os

municípios de Caçu e Cachoeira-Alta, tiveram sua economia baseada em

atividades agrícolas e pecuárias e, nas últimas décadas, a produção de cana-

de-açúcar e a implantação de empreendimentos hidráulicos como usinas

hidrelétricas (UHE) ou pequenas usinas hidrelétricas (PCH) nos rios vêm

alterando o uso da terra na região. Embora essas atividades permitam um

avanço socioeconômico da região, existe uma grande chance de a qualidade

da água dos rios ser deteriorada e inviabilizar o seu uso.

Dentre os diversos córregos da região, o córrego Matriz, cuja bacia

possui uma área de 69,42 km² (ROCHA, 2012; BRAGA, 2012; CORDEIRO,

2013; NASCIMENTO, 2014) é considerado o principal afluente da UHE Barra

dos Coqueiros, que transporta sedimentos e nutrientes para o reservatório.

A bacia do córrego Matriz encontra-se localizado no município de

Cachoeira Alta/GO, na região sul do Estado do Goiás (Figura 1).

Figura 1 – Localização da bacia do córrego Matriz, em Cachoeira Alta (GO)

Fonte: Alves (2015).

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 127

O município de Cachoeira Alta possui área territorial de 1.654,554

km² e população de 10.553 habitantes e faz fronteira com os municípios de

Caçu, Rio Verde, Aparecida do Rio Doce, Quirinópolis, distando,

aproximadamente, 344 km/h da capital Goiânia. Faz parte da bacia

hidrográfica do Rio Claro. Suas águas superficiais são formadas pela UHE-

Barra dos Coqueiros, com uma área aproximada de 531 km² e uma área

inundada de 25,48 km² (BRAGA, 2012).

3.2 ANÁLISE DA ÁGUA

Foram definidos quatro pontos de amostragem no curso d’água, de

modo a abranger os diferentes modelos de uso da terra. A distância entre os

pontos de amostragem foi estabelecida conforme a escala cartográfica e

com auxílio do Google Earth, junto com a plotagem das coordenadas

geográficas obtidas pelo equipamento de localização terrestre via satélite

(Global Position System – GPS) levando em consideração aos pontos de

amostragem. As amostras de água foram coletadas em quatro campanhas,

em períodos distintos, entre meses de junho de 2015 a março de 2016.

Sendo que a primeira campanha de coleta foi realizada em 14 de junho de

2015. A segunda campanha aconteceu em 12 de setembro de 2015. A

terceira campanha ocorreu em 5 dezembro de 2015. Por fim, a quarta

campanha foi realizada em 5 de março de 2016.

As amostras de água foram obtidas na camada mais superficial do

corpo d'água (epilímnio), onde tende a ocorrer as maiores temperaturas, o

que, junto com o aporte de nutrientes, aumenta a produtividade de

organismos nas camadas superficiais (ESTEVES, 1998; CABRAL et al., 2013).

Os parâmetros avaliados foram: oxigênio dissolvido (OD), coliformes

termotolerantes (CT), potencial hidrogeniônico (pH), demanda bioquímica

de oxigênio (DBO), nitrogênio total (NT), fósforo total (PT), temperatura (T),

turbidez (Turb.) e resíduos totais (RT).

Os parâmetros de OD, pH e T foram obtidos in situ, utilizando-se a

sonda multiparâmetro OAKTON PCD 650. Já os parâmetros de PT, DBO, NT,

Turb, RT e CT foram analisados em laboratório. Os métodos de análises para

cada um dos parâmetros seguiram os procedimentos descritos na APHA

(1995), como descritos no Quadro 1.

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Quadro 1 – Metodologias empregadas nas análises da água da bacia do córrego Matriz/GO

Parâmetros Método Equipamentos

pH Sonda Multiparâmetro, marca OAKTON, modelo PCD 650 Waterproof Portable Meter Kit

PT Vanadomolíbdico Fotocolorímetro at-100 PB série E005901 da

marca Alfakit Ltda.

NT NTD Fotocolorímetro at-100 PB série E005901 da

marca Alfakit Ltda.

OD Sonda Multiparâmetro, marca Oakton, modelo PCD 650 Waterproof Portable Meter Kit

T Sonda Multiparâmetro, marca Oakton, modelo PCD 650 Waterproof Portable Meter Kit

Turb. Turbidímetro Turbidimeter, modelo HI 83414, marca

Hanna

RT Gravimétrico Estufa, bomba a vácuo e balança

gravimétrica

DBO Incubação Frascos de DBO, bombinhas de aquário e

incubadora de DBO

CT Membrana filtrante Estufa, bomba a vácuo

As amostras coletadas foram armazenadas em garrafas de

polietileno e conservadas em temperatura de 4 °C. Para as análises de RT e

Turb, as amostras foram coletadas em garrafas de 500 ml. As análises de PT

e NT em garrafas de 600 ml, conservadas em ácido sulfúrico (H2SO4). Para as

análises de DBO, as águas foram armazenadas em garrafas de polietileno,

revestidas com papel alumínio. Nas análises de coliformes termotolerantes,

a água é conservada em recipiente de polietileno autoclavável atóxico,

contendo 50 ml, revestido de papel alumínio. Depois de coletadas e

armazenadas, realizou-se análise no laboratório.

3.3 ANÁLISE ESTATÍSTICA

Para avaliar o grau de relacionamento entre duas variáveis e

identificar com precisão quanto uma variável interferiu no resultado da

outra, foram gerados diagramas de dispersão de Pearson, conforme descrito

em Callegari-Jacques (2008). Para avaliar a significância do coeficiente de

correlação, utilizou-se o teste de hipótese de Student.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 129

O valor crítico da distribuição de t de Student dos quatros pontos

amostrais adotados foi avaliado segundo o nível de significância de 90%

unilateral, em que gl foi de 3, correspondendo ao valor de (1,638).

Uma vez determinada a existência de correlação (r), as mesmas

foram classificadas qualitativamente, de acordo com a Quadro 2.

Quadro 2 – Avaliação qualitativa do grau de correlação entre as variáveis analisadas

R Correlação

0 Nula

0 – 0,3 Fraca

0,3 – 0,6 Regular

0,6 – 0,9 Forte

0,9 – 1 Muito Forte

1 Plena ou Perfeita

Fonte: Callegari-Jacques (2008).

Com esses métodos estatísticos, é possível selecionar características

de maior participação em cada componente e definir as características

físico-químicas e biológicas da água que deverão ser monitoradas,

reduzindo-se, assim, os custos com análises de características de menor

importância na qualidade das águas, como descrevem Bertossi et al. (2013).

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A utilização da análise de Correlação de Pearson permitiu identificar a

relação entre os parâmetros de qualidade da água e estabelecer as

melhores variáveis de correlação. Na análise apresentada na Tabela 1, foram

discutidos somente os gráficos de maior coeficiente de determinação, com

grau de significância de 90%, segundo o Teste Student das variáveis físico-

químicas da água.

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Tabela 1 – Correlações de Pearson e Teste Student entre as variáveis físicas, químicas e

biológica do córrego Matriz, Cachoeira Alta/GO. Período das quatro campanhas (junho,

setembro, dezembro/2015 e março/2016

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 131

A Tabela 1 mostra que a extração da matriz de correlação possibilita

a escolha das variáveis mais significativas, as quais têm um papel destacado

na interpretação da proposta de estudo.

Os parâmetros de DBO, OD, Turb., RT e T mostraram maiores

coeficientes de correlações com maior número de variáveis; ao contrário,

NT, PT, CT mostraram comportamento diametralmente oposto. Na pesquisa

realizada por Toledo e Nicolella (2002) em uma microbacia em Guaíra/SP,

observou-se que PT mostrou comportamento oposto também, tornando-se

uma variável de menor importância na composição dos fatores comuns.

Por outro lado, Ramalho (2017) realizou com os mesmos resultados,

análises feitas segundo a Resolução Conama 357/2005 e pelo IQA-CETESB, e

observou que os parâmetros NT, PT, CT foram essenciais para o

enquadramento do corpo hídrico e para os resultados finais da qualidade da

água do córrego Matriz/GO, tendo consequências principalmente nos

resultados segundo a Resolução, que apresentou como águas de classe 3

devido os resultados de PT.

As correlações realizadas com NO3 na campanha 1 (C1) foram

irrelevantes, pois os resultados dessa variável foi 0,0 em todos os pontos,

não apresentando correlações com as outras variáveis. Na campanha 2 (C2),

apresentou uma correlação forte negativa significativa com o PT e CT (-

0,80). A campanha 3 (C3) teve correlação forte negativa com DBO (-0,81) e

CT (-0,82) e campanha 4 (C4) forte negativa significativa com CT (-0,62).

Quanto maiores os resultados das variáveis que correlacionam com o NT

menor será o resultado desse. Isso acontece porque ocorre a decomposição

do NT (amonificação), ou seja, quando o nitrogênio entra na cadeia

alimentar, ele passa a constituir as moléculas orgânicas dos consumidores,

atuando sobre os produtos de eliminação desses consumidores e do

protoplasma de organismos mortos, as bactérias mineralizam o nitrogênio,

produzindo gás amônia, NH3 e sais de amônio, NH4+ (BAIRD, C.; CANN, M,

2011).

Entre os maiores coeficientes de correlações, foram encontradas

quatro negativas, que ocorreram entre DBO x T, T x Turb., T x OD e DBO x

OD. Os dois maiores coeficientes foram entre pH x Turb e RT x OD, seguidos

de Turb x RT.

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A relação entre pH e temperatura (Figura 2) apresentou coeficiente

de correlação muito forte negativa e significativa no mês de

dezembro/2015, em que r²=0,93, demonstrando que, quanto menor for a T

da água mais alcalino será o valor encontrado de pH, fato esse também

constatado por Rocha et al. (2014), no trabalho feito com afluentes do

reservatório da UHE-Barra dos Coqueiros/Goiás.

Figura 2 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro Temperatura (°C) e pH, na terceira

campanha (dezembro/2015), na bacia do córrego Matriz

Observou-se uma correlação perfeita significativa de turbidez e pH,

r=1,00 no mês de junho/2015 e correlação forte nos meses de setembro e

dezembro de 2015, r=0,62, r=0,80, respectivamente, e correlação forte

negativa em março de 2016, r=-0,62. O coeficiente de determinação (r²)

indicou, no mês de junho, que 90% dos dados estão ajustados na linha de

tendência (Figura 3), o que demonstra que, dependendo dos sedimentos

que estão em suspensão, pode-se alterar o pH da água, demonstrando que

o aumento ou diminuição do pH está diretamente relacionado com os íons

presentes na água.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 133

Figura 3 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro turbidez e pH, na primeira campanha (junho/2015), na bacia do córrego Matriz

Essa presença de íons na água pode ser verificada no mês de

dezembro/2015, ao se realizar a correlação entre pH e RT (Figura 4) que foi

classificada como muito forte positiva e significativa com r=0,95. A linha de

tendência mostra que 89% dos dados estão ajustados na linha de tendência.

Figura 4 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro RT e pH, na terceira campanha

(dezembro/2015), na bacia do córrego Matriz

Petruf et al. (2011), na pesquisa realizada no Ribeirão Morangueira,

Maringá/PR, observaram que as oscilações dos valores de pH da água

estavam relacionadas com as concentrações de íons presentes na água,

originadas da ionização de ácido carbônico e das relações de íons de

carbonato com a molécula de água. Isso explica a relação entre o pH,

Turbidez e RT.

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No estudo do pH e OD (Figura 5) verificou-se os dados estão

ajustados à linha de tendência no mês de dezembro/2015, com r²=0,85,

sendo a correlação entre essas duas variáveis classificada como muito forte

e significativa. Nas campanhas seguintes, junho/2015, apresentaram

correlação forte (r=0,74), setembro/2015, regular (r=0,56) e março/2016,

correlação regular negativa de r=-0,56. Os resultados mostraram que o

aumento do OD mg/L na água pode interferir no resultado de pH.

Figura 5 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro OD mg/L e pH, na terceira campanha

(dezembro/2015), na bacia do córrego Matriz

Apesar da solubilidade que controla o pH e que são dependentes da

presença de oxigênio na água, apenas a campanha 3 apresentou a

correlação desses dois parâmetros, sendo o Ponto 1 (P1) mais ajustado na

linha de tendência. Às vezes, pode-se mostrar uma correlação, mas os

parâmetros não apresentam ligação entre si, podendo ter outro parâmetro

interferindo nesse resultado, como exemplo a T, que apresentou uma

correlação com pH e OD, sendo que o P1 ficou o mais próximo da linha de

tendência dessas correlações, ou seja, o P1 foi decisivo nesses resultados.

A variável fósforo apresentou correlação forte com pH (0,70) na C1,

forte negativa significativa na C4 com DBO (-0,74), Turb. (-0,72), OD (-0,74),

forte positiva na C4 com T (0,81) e CT (0,90). Os resultados dos parâmetros

de PT x CT foram os que se apresentaram mais próximos da linha de

tendência (r²=0,81), como representado no Figura 6.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 135

Figura 6 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro CT e PT, na quarta campanha (março/2016), na bacia do córrego Matriz

Para a CETESB (2009), a principal fonte de Pt é a matéria orgânica

fecal e os detergentes empregados domesticamente, isso explica o

resultado da correlação entre Pt x CT da pesquisa, visto ser a área de estudo

uma região sem industrialização e cidade sendo utilizado para atividades

agropastoris. A C4 apresentou os maiores resultados de Pt em todos os

pontos.

Ao fazer uma análise geral, observa-se que o OD x DBO x T estão

diretamente relacionados entre si, pois quanto maior a T maior serão os

valores de DBO mg/L e menores são os valores encontrados do OD mg/L.

Isso acontece devido à solubilidade do OD mg/L estar relacionado com a T e

quando observamos valores inferiores desse OD mg/L, podemos indicar

presença de matéria orgânica na água e uma T maior.

Analisando os parâmetros de OD mg/L e Turb., observa-se que

apresentaram uma correlação forte significativa na C3 (0,88) e muito forte

significativa na C4 (0,98). Para a Cetesb (2009), o OD mg/L está relacionado

com a Turb., pois a fotossíntese das algas nas águas é importante fonte de

oxigênio e quando o corpo hídrico encontra uma água turva isso dificulta a

penetração de raios solares e apenas poucas espécies conseguem

sobreviver. Apesar de os resultados serem positivos, essa correlação em

linhas gerais é negativa, ou seja, quanto maior o valor de turbidez na água

menor será OD mg/L encontrado.

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Outra correlação similar do OD xTurb. é a relação dos parâmetros de

OD mg/L e RT, observando-se que apresentaram na linha de tendência 99%

dos dados ajustados no mês de março/2016, apresentando uma correlação

perfeita significativa (1,00). Apesar de apresentar uma correlação muito

forte (0,90), não foi significativo no mês de dezembro. Já o mês de

junho/2015 apresentou uma correlação fraca (0,18) e setembro/2015

relativa (-0,38). A quantidade de RT e OD mg/L nas águas é sazonal, varia

entre o período seco e o período chuvoso. Então, quanto maior a

quantidade de chuva, maior será sua vazão e logo altera seu OD mg/L e

maior serão os sedimentos presentes na água.

A correlação entre T e DBO na primeira campanha (junho/2015), com

r=0,91, apresentou uma correlação muito forte significativa, e segunda

campanha (setembro/2015), com r= 0,67 teve correlação forte significativa e

na terceira campanha (dezembro/2015), apresentou r=-0,93, muito forte

negativa significativa. Apesar de a campanha 3 apresentar uma correlação

negativa, a T e DBO apresentam uma relação positiva, ou seja, a

temperatura altera devido à presença de matéria orgânica e esgoto

presentes na água. Além desses fatores, existe a presença de bactérias que

auxiliam na oxidação de todo esse material em decomposição, quanto

maiores os resultados do DBO maior será a T encontrada na água.

Os parâmetros de OD mg/L e DBO mostraram que o mês de

junho/2015, com r=96, teve uma correlação muito forte significativa, o que

resultou em 93% dos dados ajustados na linha de tendência. Já o mês de

setembro/2015, com r=-0,96, teve uma correlação muito forte negativa

significativa (Figura 7), apresentando uma linha de tendência inversa,

mostrando os dados 92% de ajustamento. A tendência dos resultados de OD

mg/L e DBO seria de seguir o mês de setembro, em que quanto maior o OD

mg/L na água, menor seria DBO, ou seja, quanto maior o OD mg/L, menor

seria a quantidade de bactérias para oxidar a matéria orgânica da água. Mas

o resultado do mês de junho deve estar relacionado com a vazão do curso

d’água.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 137

Figura 7 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro DBO mg/L e OD mg/L, na segunda campanha (setembro/2015), na bacia do córrego Matriz

As variáveis de Turbidez e T demonstraram uma correlação muito

forte negativa significativa no mês de março/2016, em que r=-0,95 e sua

linha de tendência apresentou 89% de dados ajustados. No mês de

junho/2015, teve uma correlação regular negativa (-0,41), em setembro

forte (0,87) e em dezembro forte negativa (-0,68). Apesar de ter

demonstrado uma significância na relação dos parâmetros, para Rocha et al.

(2014), no trabalho feito com afluentes do reservatório da UHE-Barra dos

Coqueiros/Goiás, não teve relação, pois apresentaram apenas 35% de dados

ajustados na linha de tendência.

A análise de RT e T não é muito diferente dos parâmetros analisados

anteriormente (Turbidez e T). Ao observar sua linha de tendência, depara-se

com 87% de dados ajustados. Apenas no mês de setembro/2015 os

parâmetros apresentaram uma correlação muito forte positiva significativa

(0,93), no mês de junho/2015, fraca (0,05), em dezembro/2015, forte

negativa (-0,84), em março/2016, forte negativa (-0,88). Assim, quanto

maior a temperatura, maior será seu RT.

Os parâmetros de T e OD mg/L apresentaram seus dados ajustados

na linha de tendência, em 88%, no mês de junho/2015 (Figura 8), sua

correlação foi de muito forte negativa significativa (-0,94), seguidos do mês

de setembro/2015, forte negativo (-0,68), dezembro/2015, muito forte

negativo significativo (-0,92) e sua linha de tendência em 85% dos dados

ajustados e no mês de março/2016, correlação forte (0,89). Ou seja, quanto

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maior a temperatura, menor será o resultado de OD. O mesmo se observa

na pesquisa realizada por Siqueira, Aprile e Miguéis (2012), no rio

Parauapebas (Pará), pois o OD se refere ao oxigênio molecular dissolvido na

água. Então, essa concentração vai depender da temperatura, pressão

atmosférica, salinidade, atividades biológicas e características hidráulicas

(corredeiras, cachoeiras).

Figura 8 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro Temperatura (°C) e OD mg/L, na

primeira campanha (junho/2015), na bacia do córrego Matriz

Como a solubilidade dos gases em água diminui com a elevação da

temperatura, a quantidade de oxigênio que se dissolve a 0 °C é mais que o

dobro da que se dissolve a 35 °C. Desse modo, águas de rios ou lagos

aquecidos contêm menos OD (FIORUCCI; BENEDETTI FILHO, 2005).

Os parâmetros de RT e Turbidez estão diretamente relacionados

entre si, pois o RT indica quantidade de sedimentos na água, ou seja, quanto

maior for a quantidade de sedimentos na água, mais turva a água se

tornará. Assim, apresentaram 93%, 86% e 96% (setembro, dezembro e

março, respectivamente) de dados ajustados na linha de tendência (Figura 9

A e B). Isso resultou na correlação muito forte significativa para o mês de

setembro/2015 (0,97), dezembro/2015 (0,93), março/2016 (0,98). Esses

meses estão relacionados com a presença de chuva e como junho/2015 não

teve indício de chuva, apresentou assim uma correlação forte (0,75), mas

não significativa.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 139

Figura 9 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro Turbidez e RT, na segunda campanha

(setembro/2015) e quarta campanha (março/2016), na bacia do córrego Matriz

Com 96% de dados ajustados na linha de tendência, os CT e RT

apresentaram uma correlação muito forte (Figura 10), significativa no mês

de junho/2015 (0,98). O mês de setembro/2015 teve correlação relativa

(0,47), dezembro/2015, fraca negativa (-0,17) e março relativa negativa (-

0,42). Isso indica que, dependendo do material em suspensão presente na

água, pode-se alterar significativamente essa água, alterando a qualidade da

mesma.

Figura 10 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro CT e RT, na primeira campanha

(junho/2015), na bacia do córrego Matriz

O uso de indicadores de qualidade de água consiste no emprego de

variáveis que se correlacionam com as alterações ocorridas na bacia do

córrego Matriz, sejam essas de origem antrópica ou natural. Por isso, é de

extrema importância a correlação dessas variáveis para auxiliar na análise

de qualidade.

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140

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao observar as análises feitas nessa seção, detectou-se que algumas

variáveis não tiveram importância na correlação, como o fósforo, por

exemplo, que apresentou correlação muito forte significativa na última

campanha apenas com CT, com DBO foi apenas forte significativa na última

campanha.

O DBO apresentou maior influência com os parâmetros temperatura,

OD, turbidez em todas as campanhas, podendo ser considerado um bom

parâmetro para estudo da qualidade das águas.

A análise estatística ajudou na compreensão e identificação das

correlações entre os parâmetros físico-químicos, ratificando os resultados

encontrados e sua relação com o processo de uso da terra da bacia.

Diante dos gráficos analisados, os parâmetros que mais

apresentaram correção muito forte foram: pH, temperatura, oxigênio

dissolvido, resíduos totais, demanda bioquímica de oxigênio, demonstrando

que um parâmetro interfere diretamente no outro, isto pode estar

relacionado à presença de íons presente na água, possivelmente pela

intemperização e dissolução das rochas e ao tipo de uso e ocupação da

bacia.

Essas variações podem estar relacionadas com o uso e ocupação das

terras da bacia hidrográfica do córrego Matriz, no qual boa parte está

voltado à pecuária extensiva. Portanto, ao realizar uma análise espaço-

temporal observam-se as transformações ocorridas no curso d’água devido

ao acesso do gado para dessedentação.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 143

Capítulo 8

PROPOSTA METODOLÓGICA DE AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS SUPERFICIAIS NAS BACIAS HIDROGRÁFICAS

Luiz Sergio Vanzela

29

Evandro Roberto Tagliaferro30

Cleber Fernando Menegasso Mansano

31

Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro32

1 INTRODUÇÃO

Os recursos hídricos são essenciais à vida no planeta e ao

desenvolvimento socioeconômico humano, sendo que sua escassez em

disponibilidade e qualidade pode resultar em colapso na produção agrícola e

industrial, bem como na saúde pública e nos ecossistemas.

O crescimento populacional mundial esperado até 2050,

considerando a atual eficiência do uso dos recursos hídricos, é uma

preocupação, assim como o aquecimento global, pois se estima um

aumento significativo na população que sofrerá com escassez de água

(WWAP, 2018). Cabe ainda ressaltar que dentre as consequências esperadas

com o aquecimento global até o ano de 2100, está a redução da

disponibilidade hídrica em algumas regiões do planeta (IPCC, 2007),

podendo piorar este cenário (exemplo de grandes metrópoles sem água já

em 2018, como cidades na África do Sul, devido à má gestão dos recursos

hídricos).

Assim, é necessário que haja um planejamento integrado nas bacias

hidrográficas de modo a compatibilizar a disponibilidade hídrica com o

29 Doutor em Agronomia, professor titular, Pós-Graduação em Ciências Ambientais, Universidade Brasil. E-mail: [email protected] 30 Doutor em Administração Empresarial e Comércio Internacional. Professor Titular, Pós-Graduação em Ciências Ambientais, Universidade Brasil. E-mail: [email protected] 31 Doutor em Aquicultura, pesquisador, Pós-Graduação em Ciências Ambientais, Universidade Brasil. E-mail: [email protected] 32 Doutora em Aquicultura na área de Biologia Aquática, professora titular, Pós-Graduação em Ciências Ambientais, Universidade Brasil. E-mail: [email protected]

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144

consumo, para que seja mantida a sustentabilidade da água em qualidade e

quantidade.

Uma forma de avaliar se o uso dos recursos hídricos superficiais nas

bacias hidrográficas é sustentável, é a classificação da situação da

disponibilidade hídrica. Para isso, é necessário conhecer e comparar as

vazões totais disponíveis e consumidas na bacia ou sub-bacia hidrográfica.

Dependendo da quantidade consumida em relação à disponível, classifica-se

a situação da disponibilidade, onde as classes são normalmente nomeadas

boa (confortável ou normal) até preocupante (ruim ou crítica).

Neste capítulo propõe-se uma metodologia para a classificação da

disponibilidade hídrica superficial. A inovação proposta é a subdivisão da

vazão consumida em três vazões distintas, sendo a vazão de demanda

mínima, vazão de demanda média e vazão de demanda máxima. Essas

subdivisões permitirão prever melhor a situação da disponibilidade hídrica

pela comparação entre disponibilidade e o consumo.

2 VAZÃO DISPONÍVEL

Nas bacias hidrográficas, dependendo da finalidade de aplicação, as

vazões dos cursos d’água superficiais podem ser avaliadas ou determinadas

de três formas: vazões máximas, vazões médias e vazões mínimas (TUCCI,

2002).

As vazões máximas são normalmente aplicadas ao

dimensionamento de obras hidráulicas em zonas urbanas ou rurais, com a

finalidade de amortecimento, condução controlada e/ou infiltração dos

volumes excedentes gerados pelos eventos chuvosos extremos. Dentre

essas obras hidráulicas, destacam-se os vertedouros de barragens, rede

pluvial de drenagem urbana, travessias aéreas, canalizações, bacias de

contenção e terraceamento.

Entretanto, quando se trata de estudos sobre a disponibilidade

hídrica, as vazões utilizadas são as médias e mínimas. As vazões médias

geralmente são aplicadas aos estudos de avaliação e/ou caracterização da

disponibilidade hídrica em bacias hidrográficas ou regiões hidrográficas

(TUCCI, 2003). As vazões médias podem ser expressas em valores absolutos,

como a vazão média de longo período (também conhecida como plurianual),

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 145

ou em valores relativos, sendo a mais comum a vazão específica (vazão

disponível por unidade de área da bacia hidrográfica).

As vazões mínimas são utilizadas como referência na implantação de

projetos de captação de água, permitindo compatibilizar, de forma

sustentável, a vazão consumida de uma atividade/empreendimento com a

vazão disponível do curso d’água. Por isso, no Brasil, a máxima captação

superficial em bacias ou sub-bacias hidrográficas tem como referência as

vazões mínimas, dentre as quais, a mais utilizada é a vazão mínima de 7 dias

consecutivos com período de retorno de 10 anos ou simplesmente Q7,10

(ANA, 2011).

Um exemplo pode ser observado na Figura 1, em que a partir de

estudos morfométricos e hidrológicos, Colombo, Covizzi e Vanzela (2018),

determinaram a vazões máximas, médias e mínimas por regionalização

hidrológica para a bacia hidrográfica do Ribeirão da Reserva, com área de

drenagem de 746,295 km2.

Figura 1 – Vazão máxima com período de retorno de 10 anos (Qmáx), vazão média plurianual (Qpl) e vazão mínima de 7 dias consecutivos e período de retorno de 10 anos (Q7,10) para o

Ribeirão Reserva, municípios de Limeira do Oeste (1), Iturama (2) e Carneirinho (3), no Triângulo Mineiro.

Brasil

1

2

3

Minas Gerais

Ribeirão da Reserva

19 42'35,74"S

50 4

8'5

1,2

4"O

19 25’05,31"S

50 2

7’0

4,2

7"O

1.97

13.61

141.69

0 25 50 75 100 125 150

Q7,10

Qpl

Qmáx

Q (m3 s-1)

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146

Na legislação federal, bem como em boa parte das leis estatuais que

regem a outorga do uso da água superficial, a vazão máxima a ser captada

na bacia ou sub-bacia hidrográfica tem como máxima vazão outorgável

(Qmaxout) determinado percentual da Q7,10.

Considerando o exposto, para que essa metodologia possa ser

aplicada em qualquer bacia hidrográfica sujeita à legislação estadual ou

federal, a vazão máxima outorgável deve ser considerada a vazão disponível.

3 VAZÃO CONSUMIDA

Em uma bacia hidrográfica o desenvolvimento socioeconômico

humano é determinado pelo consumo da água em três principais setores:

doméstico, rural e industrial. Os consumos de água podem ser consuntivos,

em que há retirada da fonte de água, reduzindo quantidade disponível, e

não consuntivo, em que a água é utilizada pela atividade sem haver

alteração na quantidade disponível (CARVALHO; CURI; LIRA, 2013).

A rede de cursos d’água na bacia hidrográfica se conecta de

montante à jusante, contribuindo com o aumento das vazões à medida que

se aproxima da foz. Por este motivo, a vazão utilizada de forma consuntiva

sempre impacta na disponibilidade superficial de água à jusante do ponto de

captação.

O tamanho e localização geográfica da bacia hidrográfica não só

influencia diretamente na disponibilidade de água, mas também pode

definir a quantidade e diversidade de setores que fazem uso consuntivo da

água. Isso porque, da mesma forma que a disponibilidade de água tende a

aumentar com o tamanho da bacia hidrográfica, a quantidade de usos

consuntivos também pode aumentar, principalmente próximo dos grandes

centros urbanos e regiões de agricultura irrigada e/ou agroindústria bem

desenvolvida.

Dentro dessa complexidade e variações de usos consuntivos, o

impacto na disponibilidade hídrica superficial na bacia ou sub-bacias,

dependerá da vazão consumida e dos tempos de funcionamento (diário,

semanal, mensal e anual). Considerando que pode haver “n” atividades com

“n” vazões consumidas com “n” tempos de funcionamento, sem haver um

controle programado, pode-se considerar “n” possibilidades de demanda

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 147

total horária, ou seja, podem existir intervalos de tempo em que há

consumo de somente uma ou nenhuma atividade ou ainda pode ocorrer

uma simultaneidade entre o consumo por todas as atividades (Figura 2).

Figura 2 – Simulação do tempo de funcionamento dos sistemas de captação de cinco atividades

(A, B, C, D e E) que consomem água superficial em uma bacia hidrográfica

Atividade A – Capta água 24 horas por dia, em semanas alternadas de setembro. Atividade B – Capta água 11 horas por dia, em todas as semanas de setembro. Atividade C – Capta água 24 horas a cada 2 dias, em todas as semanas de setembro. Atividade D – Capta água durante 19 horas a cada 4 dias, em todas as semanas de setembro. Atividade E – Capta água em tempo integral (24 horas por dia, em todas as semanas de setembro).

Pela Figura 2 pode-se verificar que existem momentos em que as

cinco atividades (A, B, C, D e E) consomem água simultaneamente,

resultando em consumo máximo (Máx), e em outros momentos somente a

atividade “E”, resultando em consumo mínimo (Mín). Essas variações

máximas e mínimas, quando analisadas no tempo, geram consumos médios

que são importantes para a caracterização geral do consumo. Portanto, é

necessário confrontar a disponibilidade hídrica com os momentos em que os

consumos horários podem ser máximos, médios e mínimos.

Assim, propõe-se uma forma prática de se analisar o consumo de

água nas bacias hidrográficas em que não há controle dos horários de

funcionamento das captações, que é o cálculo das vazões de demanda

máxima, média e mínima. Como observado anteriormente, não há controle,

01/s

et

- 0

1:00

01/s

et

- 2

2:00

02/s

et

- 1

9:00

03/s

et

- 1

6:00

04/s

et

- 1

3:00

05/s

et

- 1

0:00

06/s

et

- 0

7:00

07/s

et

- 0

4:00

08/s

et

- 0

1:00

08/s

et

- 2

2:00

09/s

et

- 1

9:00

10/s

et

- 1

6:00

11/s

et

- 1

3:00

12/s

et

- 1

0:00

13/s

et

- 0

7:00

14/s

et

- 0

4:00

15/s

et

- 0

1:00

15/s

et

- 2

2:00

16/s

et

- 1

9:00

17/s

et

- 1

6:00

18/s

et

- 1

3:00

19/s

et

- 1

0:00

20/s

et

- 0

7:00

21/s

et

- 0

4:00

22/s

et

- 0

1:00

22/s

et

- 2

2:00

23/s

et

- 1

9:00

24/s

et

- 1

6:00

25/s

et

- 1

3:00

26/s

et

- 1

0:00

27/s

et

- 0

7:00

28/s

et

- 0

4:00

29/s

et

- 0

1:00

29/s

et

- 2

2:00

30/s

et

- 1

9:00

31/s

et

- 1

6:00

A

B

C

D

E

Máx Mín

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148

podendo haver risco de que todas as “n” atividades estejam captando água

simultaneamente em algum horário. Nesse caso, o somatório das vazões

horárias consumidas é denominado de vazão de demanda máxima, sendo

expressa pela Equação 1.

(Equação 1)

Em que:

QDmáx – vazão de demanda máxima na bacia ou sub-bacia hidrográfica (m3 h

-

1);

Qhi – vazão horária do sistema de captação da atividade “i” (m3 h

-1).

Quando a vazão horária é computada nos tempos de funcionamento

(diário, semanal, mensal e anual), por cada atividade que consome água,

obtém-se o volume hídrico anual consumido. Assim, a vazão de demanda

média é obtida pelo somatório dos volumes anuais consumidos pelas

atividades, na bacia ou sub-bacia hidrográfica, ao longo do tempo total

anual, conforme Equação 2.

(Equação 2)

Em que:

QDmed – vazão de demanda média da bacia ou sub-bacia hidrográfica (m3 h

-

1);

Qimed – vazão de demanda média do sistema de captação da atividade “i”

(m3 h

-1).

A vazão de demanda média de um sistema de captação da atividade

“i” é determinada pela Equação 3.

(Equação 3)

Em que:

Qimed – vazão de demanda média do sistema de captação “i” (m3 h

-1);

imáx QhQD

medmed QiQD

8760

amsdhmed

TTTTQiQi

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 149

Qih – vazão horária do sistema de captação “i” (m3 h

-1);

Td – tempo diário de funcionamento (h d-1

);

Ts – tempo semanal de funcionamento (d semana-1

);

Tm – tempo mensal de funcionamento (semanas mês-1

);

Ta – tempo anual de funcionamento (meses ano-1

).

Obs.: 8.760 horas anuais equivalem a 24 horas por dia em 365 dias por ano.

Da mesma forma, se houver coincidência de todos os sistemas de

captação que não funcionam integralmente (ou 8.760 horas por ano)

pararem ao mesmo tempo, os únicos sistemas que consumirão água serão

os que funcionam integralmente. Nesse caso, a vazão consumida na bacia

ou sub-bacia hidrográfica será mínima, sendo denominada vazão de

demanda mínima e determinada pela Equação 4.

(Equação 4)

Em que:

QDmín – vazão de demanda mínima na bacia ou sub-bacia hidrográfica (m3 h

-

1).

Qi8760 – vazão horária dos sistemas de captação das atividades que

funcionam integralmente ou 8.760 horas por ano (m3 h

-1).

4 AVALIAÇÃO DO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS SUPERFICIAIS

A metodologia proposta para a avaliação do uso dos recursos

hídricos superficiais baseia-se na comparação entre a vazão máxima

outorgável (Qmaxout) e as vazões de demanda máxima (QDmáx), média (QDméd)

e mínima (QDmín) conforme estabelecido na Tabela 1.

Tabela 1 – Metodologia proposta para avaliar a situação da disponibilidade hídrica nas bacias

ou sub-bacias hidrográficas Consumo hídrico superficial Disponibilidade hídrica superficial

Qmaxout > QDmáx Confortável

QDmáx ≥ Qmaxout > QDméd Preocupante

QDméd ≥ Qmaxout > QDmín Muito preocupante

QDmín ≥ Qmaxout Crítico

8760 QiQDmín

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150

Como exemplo de aplicação, serão utilizados os dados da pesquisa

desenvolvida por Covre, Serro Junior e Vanzela (2008) na bacia hidrográfica

do Ribeirão Santa Rita, localizada dentro da bacia do rio Turvo-Grande

(Figura 3).

Figura 3 – Localização da bacia hidrográfica do ribeirão Santa Rita

Na bacia foram delimitadas todas as sub-bacias (Figura 4) e

calculadas as vazões máximas outorgáveis (50% da Q7,10), conforme São

Paulo (1994). Foram calculadas as vazões Q7,10 por regionalização

hidrológica (DAEE, 1994), a partir das áreas de drenagem das sub-bacias

afluentes do talvegue principal, de montante à jusante, de forma

acumulativa.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 151

Figura 4 – Sub-bacias afluentes do talvegue principal do Ribeirão Santa Rita e localização das

captações superficiais outorgadas

Sub-bacia Área (ha)

1 1.602,88 2 1.663,56 3 5.148,45 4 2.516,68 5 404,104 6 3.991,27 7 8.521,4 8 1.440,98 9 7.626,67

10 2.408,28 11 5.269,57 12 2.069,77 13 3.858,35 14 2.800,84 15 2.734,32 16 2.105,24 17 2.571,26 18 2.210,68 19 768,28 32 4.24,939 20 1.806,88 21 401,8 22 682,44 24 876,36 25 1.278,95 26 693,76 23 1.446,7 27 644,598 28 852,8 29 1.690,15 30 2.066,67 31 3.804,77 32 424,939

As vazões outorgadas superficiais foram obtidas do banco de dados

de outorga do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São

Paulo (DAEE, 2008), cuja localização pode ser observada na Figura 4. Foram

utilizados somente os dados com consistência, sendo os demais

descartados.

Após a confrontação das vazões máximas outorgáveis com o as

vazões outorgadas de demanda máxima, média e mínima, o resultado da

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152

situação da disponibilidade hídrica superficial da bacia hidrográfica do

Ribeirão Santa Rita, pode ser observada na Figura 5. Figura 5 – Situação da disponibilidade hídrica superficial na bacia hidrográfica do

ribeirão Santa Rita

Pelos resultados (Figura 5) é possível localizar espacialmente a

situação da disponibilidade hídrica nas sub-bacias, em que pela metodologia

empregada, observou-se: 75,5% da área da bacia estão na condição de

consumo confortável (Qmaxout > QDmáx), em 3,3% da área, o consumo é

preocupante (QDmáx ≥ Qmaxout > QDméd) e em 21,2% da área, a situação está

crítica (QDmín ≥ Qmaxout).

Esse resultado demonstra que 21,2% da área da bacia hidrográfica

podem apresentar o colapso na disponibilidade superficial de água, caso a

vazão mínima atinja a vazão máxima outorgável (50% da Q7,10) em

determinado período do ano. Nessa situação, o art. 14 da Lei 9.034/1994

(27/12/1994), do Plano Estadual dos Recursos Hídricos do Estado de São

Paulo (SÃO PAULO, 1994), prevê que bacia deverá ser considerada crítica,

sendo necessário:

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 153

I – o monitoramento da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos, de forma a permitir previsões que orientem o racionamento ou medidas especiais de controle de derivações de águas e de lançamento de efluentes; II – a constituição de comissões de usuários, supervisionadas pelas entidades estaduais de gestão dos recursos hídricos, para o estabelecimento, em comum acordo, de regras de operação das captações e lançamentos; III – a obrigatoriedade de implantação, pelos usuários, de programas de racionalização do uso de recursos hídricos, com metas estabelecidas pelos atos de outorga. (SÃO PAULO, 1994, p. 4).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O planejamento integrado dos recursos hídricos nas bacias

hidrográficas depende da compatibilização entre disponibilidade e

demanda, permitindo a sustentabilidade deste importante recurso.

A partir da proposta apresentada e aplicada, como, por exemplo, na

bacia hidrográfica do ribeirão Santa Rita, foi possível classificar a

disponibilidade hídrica superficial pelas comparações entre disponibilidades

e demandas diferenciadas em máximas, médias e mínimas.

A diferenciação das demandas permitiu avaliar os riscos não apenas

pela vazão horária consumida, mas também pelo tempo de funcionamento

dos sistemas de captação superficial ao longo dos dias, semanas, meses e

anos.

Espera-se com essa metodologia uma significativa contribuição nos

avanços na análise da disponibilidade e demanda hídrica superficial e, com

isso, na gestão sustentável dos recursos hídricos.

REFERÊNCIAS

ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Outorga de direito de uso de recursos hídricos. Brasília:

SAG, 2011. 50p.

CARVALHO, J. R. M.; CURI, W. F.; LIRA, W. S. Processo participativo na construção de

indicadores hidroambientais para bacias hidrográficas. In: LIRA, W. S.; CÂNDIDO, G. A.

Gestão sustentável dos recursos naturais: uma abordagem participativa [online]. Campina

Grande: EDUEPB, 2013. p. 31-80.

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154

COLOMBO, D. H.; COVIZZI, F.; VANZELA, L. S. Análise morfométrica e disponibilidade de água na

bacia hidrográfica do ribeirão reserva no triângulo mineiro. Revista Brasileira de Agricultura

Irrigada, v. 12, p. 2249-2259, 2018.

COVRE, L.; SERRO JUNIOR, M.; VANZELA, L. S. Recursos hídricos superficiais da bacia

hidrográfica do Ribeirão Santa Rita. In: 5 Simpósio de Iniciação Científica da Fundação

Educacional de Fernandópolis, 2008, Fernandópolis. Anais ... Fernandópolis: Fundação

Educacional de Fernandópolis, 2008. v. 4. p. 260-260.

DEPERTAMENTO DE ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA – DAEE. Relatório de outorgas. São Paulo:

DAEE. São Paulo: DAEE, 2008. Disponível em: <http://www.daee.sp.gov.br/>. Acesso em:

16 out. 2008.

DEPARTAMENTO DE ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA. Manual de cálculos das vazões máximas,

médias e mínimas nas bacias hidrográficas do Estado de São Paulo. São Paulo: DAEE, 1994,

64p.

IPCC. Climate Change 2007: impacts, adaptation and vulnerability. Contribution of working

group II to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate

Change. Cambridge: IPCC, 2007. 976p.

SÃO PAULO. Lei 9.034, de 27 de dezembro de 1994. Dispõe sobre o Plano Estadual de Recursos

Hídricos – PERH, a ser implantado no período 1994 e 1995, em conformidade com a Lei

7.663, de 30 de dezembro de 1991, que instituiu normas de orientação à Política Estadual

de Recursos Hídricos. São Paulo: DOE, 1994.

TUCCI, C. E. M. Vazões médias. In: PAVA, J. B. D.; PAIVA, E. M. C. D. Hidrologia aplicada à gestão

de pequenas bacias hidrográficas. Porto Alegre: ABRH, 2003. cap. 1, p. 113-124.

TUCCI, C. E. M. Regionalização de vazões. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 2002. 256p.

WWAP – WATER ASSESSMENT PROGRAMME. The 2018 World Water Development Report.

Paris: Unesco, 2018.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 155

Capítulo 9

CONECTIVIDADE HIDRODINÂMICA DO RIO XINGU E A PLANÍCIE DE INUNDAÇÃO NO CONTEXTO DA USINA HIDRELÉTRICA DE BELO

MONTE, ALTAMIRA – PARÁ

Rita Denize de Oliveira33

Paulo Cesar Rocha

34

Cristina do Socorro Fernandes Senna35

1 INTRODUÇÃO

A ideia de discutir conectividade hidrodinâmica entre o rio Xingu e

sua planície de inundação na área urbana de Altamira, no sudeste do Estado

do Pará, surge a partir da leitura de um artigo de natureza teórica “Sistemas

Rio – Planície de inundação: Geomorfologia e conectividade Hidrodinâmica”

(ROCHA; ROCHA, 2007).

Rocha e Rocha (2007) apresentaram autores referencias nas

discussões em geomorfologia fluvial e conceitos importantes para

compreender conectividade entre os rios e suas planícies, demonstrando

inclusive o papel ecológico da planície de inundação e a interdependência

de ambientes aquático e terrestre. Essa visão holística que integra o

ambiente aquático ao terrestre é reforçada pela “continuidade dos rios”

(VANNOTE et al., 1985), pelo conceito de “pulso de inundação” (JUNK et al.,

1989) adequando-se perfeitamente à situação original da área antes da

instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

A conectividade entre rio Planície se expressa não apenas na

dimensão lateral, observável durante o período de maior precipitação local

que coincide com as cheias do rio Xingu, consistindo no espraiamento do

canal em direção às margens. Outras três dimensões são tão importantes

quanto a lateral: longitudinal, vertical e temporal (SPARKS, 1995).

33 Doutora, professora da Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] 34 Doutor, professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. E-mail: [email protected] 35 Doutora, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi. E-mail: [email protected]

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156

No médio curso do rio Xingu a dimensão temporal é indispensável

para compreensão do alcance das inundações urbanas, pois todos os anos

ocorre o transbordamento do canal; entretanto, a amplitude da inundação é

variável. O histórico das inundações em Altamira demonstrou a magnitude

do fenômeno, em notícias de jornal da época, no ano de 1957, houve

necessidade de abrigo em cima de árvores e a economia local, centrada na

extração do látex e castanha-do-pará, foi totalmente desestruturada

(OLIVEIRA; ROCHA; BARBOSA, 2015). Na verdade, as vazões do rio Xingu

refletem também períodos mais longos resultante das influências climáticas

regionais El Niño e La Niña nas regiões de atuação Zona de Convergência

Intertropical - ZCIT e Zona de Convergência do Atlântico Sul – ZCA (FRANCO

et al., 2015; OLIVEIRA, 2017).

A dimensão que é raramente discutida na análise geográfica é a

dimensão vertical, as relações entre o rio e o substrato pedológico da

planície de inundação. Corresponde à interação entre a água do rio e o

lençol subterrâneo. O comportamento da planície de inundação é variável

nos períodos de enchente e vazante, assim a função do rio é dinâmica de

acordo com a posição na paisagem e período do ano (sazonal). Ora funciona

como influente fornecendo água para o aquífero, ora funciona como

efluente em que o rio recebe água adicional do lençol, toda essa dinâmica é

intermediada pela planície de inundação.

Na análise da dimensão vertical dois autores abalizaram

teoricamente a pesquisa Stanford e Ward (1995) com o conceito de

“corredores hiporreicos” em sua abrangência conceitual física volume de

água do lençol freático hidraulicamente interativo com o canal principal,

com dinâmica temporal efêmera, sendo influenciados pela textura,

porosidade, relação infiltração-retenção dos solos que formam a planície de

inundação. A vazão do rio principal dependerá tanto do escoamento fluvial

proveniente da montante como da recarga da planície de inundação

considerando seu “efeito esponja”.

A análise da morfologia dos ambientes fluviais da conectividade que

estabelecem com o rio principal é um elemento importante também para a

discussão sobre conectividade fluvial. No trabalho de Stanford e Ward

(1995) são apresentados diversos graus de conectividade entre os

ecossistemas inseridos na planície sendo um verdadeiro mosaico constituído

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 157

por um rio principal e tributários – Eupotamon, os braços interrompidos que

mantêm uma conexão ativa somente na parte da jusante denominados de

Parapatamon. Os Plesiopotamon são segmentos em formato entrelaçado

que se desconectaram no canal principal e, por fim, o mais importante,

Palaeopotamon é formado por meandros abandonados, que correspondem

a lagoas e lagoas marginais, que são ecossistemas de grande importância

ecológica e ambiental na região de Altamira.

A caracterização das lagoas marginais foi abordada (OLIVEIRA;

ROCHA, 2015; OLIVEIRA, 2017), entretanto, o resgate do tema é no sentido

de fortalecer aspectos da hidrodinâmica e a conectividade de ambientes de

igapós com o Rio Xingu, e, ainda, atualizar informações sobre os impactos

socioeconômicos e ambientais resultantes instalação da Usina Hidrelétrica

de Belo Monte (UHBM). O objetivo da pesquisa é caracterizar os

ecossistemas inseridos na área urbana de Altamira e discutir o nível

conectividade com o rio Xingu, além disso, demonstrar os principais

impactos aos ecossistemas na área urbana de Altamira após a construção da

UHBM e as medidas de mitigação pela Norte Energia sobre indenizações e

remanejamentos não previstos no projeto original.

É de suma importância a caracterização dos ecossistemas impactados

na área urbana de Altamira e compreender os impactos socioambientais.

Miranda et al. (1989), em um artigo intitulado Efeitos ecológicos das

Barragens do Xingu: uma avaliação preliminar, expõem diversidade de

habitats do médio Xingu e a extinção grande número deles como: igarapés,

cachoeiras e corredeiras, lagos de ilha, lagos de várzeas, lagos endorreicos,

ilhas em diaclase, ilhas com gênese variável, bancos de areia, praias de ilhas,

praias fluviais, banco de areia de várzea, margem de barranco abrupto,

planície aluvial, terraços e futuras ilhas.

Na Amazônia, antes da instalação da Usina Hidrelétrica de Belo

Monte no rio Xingu, tem-se um histórico com graves impactos da Usina

Hidrelétrica de Tucuruí, malsucedida do ponto de vista socioambiental. De

acordo com Manyari (2007) e Rocha (2008) área de inundação de 3.014 km2,

foi acima da prevista, na geomorfologia do rio observou-se alteração no

padrão de erosão e deposição, implicações ecológicas graves no baixo curso,

destruição de biótopos, uma vez que as margens e as planícies fluviais eram

utilizadas pelos peixes para desova, e representavam ecossistemas ripários

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de grande biodiversidade. Potencializaram-se movimentos sociais de vários

segmentos populares para a busca de direitos não respeitados na

construção de barragens.

Apesar de o estudo centrar-se na geomorfologia fluvial do Médio

Xingu, Altamira Sudoeste do Pará a abordagem apropriou-se do paradigma

complexo, e de conceitos como resiliência, estabilidade e equilíbrio

(TRICART, 1977; PHILLIPS, 1992a; 1992b; DUTRA-GOMES; VITTE, 2013;

MATTOS; PEREZ FILHO; 2014). Metodologicamente, procura-se integrar

técnicas múltiplas das ciências da terra e das ciências humanas, que contou

desde análise granulométrica dos solos, análise micromorfológica do solo

em microscópio eletrônico de varredura (MEV) e coleta de relatos orais.

Nos resultados são descritas as unidades hidrogeomorfológicas antes

e após a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte na área urbana de

Altamira, seus múltiplos usos, suas funcionalidades, evidenciando trechos de

elevada conectividade hidrodinâmica com rio Xingu.

2 ÁREA DE ESTUDO

A área de estudo corresponde ao médio curso da bacia hidrográfica do

rio Xingu, no perímetro urbano da cidade de Altamira, em três sub-bacias –

Altamira, Ambé e Panelas, sudoeste do Pará (Figura 1). O clima é úmido

tropical sem estação fria, tipo Aw segundo a classificação de Köppen, as

temperaturas médias sempre acima de 18 °C, com precipitações médias de

2.000 mm/ano (LUCAS et al., 2006).

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 159

Figura 1 – Mapa de localização da área da pesquisa

Fonte: Oliveira e Castro (2016).

A hidrografia representada pelo rio Xingu que funciona como canal

principal de padrão morfológico anastomosado (SILVA, 2012), caracterizado

naturalmente pelo número acentuado de ilhas e bancos arenosos. Em frente

ao núcleo urbano de Altamira destaca-se a ilha de Arapujá. No perímetro

urbano, os afluentes que banham o núcleo urbano são os três objetos da

pesquisa igarapés: Ambé, Altamira e Panelas e desaguam diretamente do

Rio Xingu. A hidrologia do rio Xingu é influenciada por uma grande

variabilidade anual e interanual, demonstrando três grandes períodos de

vazões médias (Figura 2).

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Figura 2 – Rio Xingu em Altamira e a série histórica das vazões identificando três grandes períodos

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados da Agência Nacional das Águas – ANA.

O substrato geológico da zona urbana de Altamira é constituído por:

formação de penatecaua; formação alter do chão; eoceno – sedimentos

indiferenciados do neogeno e crostas de laterita; indiferenciados

sedimentos quaternários (SAWAKUCHI et al., 2015, p. 3). Regionalmente

também existe uma especificidade geológico-geomorfológica do rio Xingu as

chamadas fall line ou linhas de queda, resultantes de flutuações no nível do

mar por movimentos glácio-eustáticos no holoceno, e de uma erosão

regressiva do paleo rio Amazonas, que não conseguiu estender-se pelo

contato dos terrenos cristalinos resistentes, onde se formaram as cachoeiras

e corredeiras trecho para onde convergem os grandes projetos

hidroelétricos como da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Na geomorfologia regional predominam morrotes, morros e colinas

do planalto marginal do Amazonas, do planalto residual do sul da Amazônia

e da Depressão da Amazônia Meridional (BRASIL, 2009).

As tipologias florestais primárias identificadas no médio Xingu foram:

floresta ombrófila densa de terra firme; floresta ombrófila aberta com

palmeira; floresta ombrófila aberta com cipó e palmeira; floresta ombrófila

aluvial periodicamente inundada (SALOMÃO et al., 2007; MPEG, 2008). O

uso do solo segundo o Instituto Socioambiental – ISA (2010) as principais

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

1971 1976 1981 1986 1991 1996 2001 2006 2011

Vaz

ão (

m³/

s)

Período

médiaanual

mediadoperíododesviopadrão

med+dp

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 161

atividades econômicas do médio curso da bacia do Xingu são a madeira,

pecuária, garimpo e atividade cacaueira.

3 METODOLOGIA

3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS USADOS NA PESQUISA

O Mapeamento das unidades hidrogeomorfológicas na área urbana

de Altamira, em Escala, em escala 1:100.000 da área urbana de Altamira foi

realizado a partir da interpretação de imagens de satélite Landsat nas

bandas 3, 4, e 5 e análise de fotografias aéreas do ano de 1966 em escala

1:30.000 pertencentes ao Serviço Geológico do Brasil (CPRM).

A classificação de lagoas marginais foi realizada de acordo com três

níveis de estabilidade: estáveis, intergrades e instáveis a partir da adaptação

dos princípios da ecodinâmica de Tricart (1977).

A pesquisa de campo em Altamira realizado em dois períodos, cheia e

estiagem, anos 2015 e 2016. Das técnicas de aplicadas no trabalho de

campo estão análise da história de vida por meio da oralidade, registro

fotográfico, coleta de pontos em coordenadas geográficas nas unidades

hidrogeomorfológicas, descrição geral dos ambientes quanto ao nível de

intervenção antrópica.

Os dados históricos sobre o uso das unidades hidrogeomorfológicas

antes e após a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, e descrição

de formas artificiais criadas para mitigar os impactos do empreendimento

foram baseados em pesquisa de campo nos anos de 2015, 2016 e 2018, e na

coleta de notas jornalísticas em mídias impressas e on-line da Região Norte:

O Liberal, Diário do Pará e documentos oficiais como Diário Oficial e

relatórios da Norte Energia disponibilizados pelo IBAMA, associado às

informações de campo.

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4 RESULTADOS

4.1 PADRÃO DE OCUPAÇÃO DO MÉDIO CURSO DO RIO XINGU

CENTRALIZADA NO RIO

Algumas obras sobre o médio Xingu reforçaram a importância do rio

Xingu e seus ambientes fluviais no sentido, como forma de reprodução

social e econômica e cultural da população Ribeirinha e de beradeiros como

por meio do Atlas da Pesca (ISA, 2015) ou mesmo na obra expulsão de

ribeirinhos de Belo Monte (MAGALHAES; CUNHA, 2017). Os resultados

apresentados apesar do eixo central da discussão focar na geomorfologia

fluvial do Médio Xingu, mais precisamente na área urbana de Altamira. O

levantamento histórico da ocupação demonstrou essa relação desde

período pré-colombiano até a instalação da Usina Hidrelétrica de Belo

Monte.

Metodologicamente, estudou-se a ocupação da Altamira por inputs36

socioeconômicos que tiveram repercussões na ocupação da área urbana: 1º

input de 1636-1883 caracterizado pela colonização portuguesa e

aldeamentos missionários; 2º input 1883-1942 compreende a primeira

etapa de extrativismo do látex; 3º input de 1942-1970 compreende a

segunda etapa de extrativismo de látex; 4º input de 1970-2011 Abertura da

Transamazônica; 5º input a partir de 2011 centrou-se na Construção da

Usina Hidrelétrica de Belo Monte; e o 6º input a partir de 2012 centrado na

mineração com o Projeto Volta Grande (OLIVEIRA, 2017).

A importância econômica do rio Xingu e seus afluentes para os

grupos sociais no Xingu pode ser observada nas representações

cartográficas da época do extrativismo do látex, na localização e

funcionamento dos barracões. Na obra da travessia do Xingu ao Tapajóz37

(1910) (SNETHLAGE, 1912) a atividade da borracha apropriou-se do rio e das

36 Input: conceito adotado da teoria dos sistemas e significa entrada de energia no sistema socioeconômico por meio de políticas públicas direcionadas para a região. 37 Em 1910 Tapajós era escrito com letra z ao final ao invés de s.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 163

planícies de inundação tanto para coleta da matéria-prima, como na

localização da principal unidade produtiva o barracão38

(Figura 3a).

Na Figura 3d localizava-se o barracão do Manoelzinho no rio Curuá

construído totalmente em madeira, com teto alto coberto com folhas de

palmeiras, sem paredes exteriores com 20 m de comprimento e 8 m de

largura com andaimes de diferentes alturas onde se guardavam provisões

farinha, banana e armas e roupas civilizadas (SNETHLAGE, 1912, p. 68-69).

Conjugado, ainda a seringais bem marcados no igapó estacional, roças e a

castanhais na terra firme (Figura 4). Nesse período atividades

complementares também sustentaram fases de crise do látex como o

comércio de peles e os castanhais.

Figura 3 – Mapa dos Rios Iriri – Curuá-Jamanchim, de 1912 localizando os principais barracões na confluência dos rios: (a) Barracão Passahy e barracão próximo a cachoeira grande do Iriri confluência do Xingu-Iriri (b) Barracão na confluência do Curuá-Iriri, (c) Barracão próximo ao

Igarapé do Pimental-Curuá e (d) Barracão do Manoelzinho na confluência do Jamanchin-Curuá

Fonte: Adaptado de SNETHLAGE, (1912)

38 Informalmente, constituía-se no local que recebia a borracha coletada no seringal, onde seringueiros aviavam gêneros de primeira necessidade.

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Do 3º input de exploração do látex para ao 5º input da construção da

Usina Hidrelétrica de Belo Monte existe uma faixa temporal de

aproximadamente um século, e a forma de ocupação dispersa ao longo do

rio Xingu e seus afluentes em função do extrativismo do látex nos seringais,

cede lugar a um novo modelo ocupação com a Abertura da Transamazônica

BR-230 que atraiu uma leva de imigrantes, especialmente nordestinos

atraídos por política federal colonização de “vazios demográficos”,

originando um modelo que prioriza circulação por via terrestre, por meio da

via principal BR-230, com vias secundárias paralelas denominadas “vicinais”

ou “travessões”, assumindo forma geométrica de “espinha de peixe” criou

condições para assentamentos rurais coordenados pelo Instituto Nacional

de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) chamados Agrovilas, e modelo

econômico fundamentado na exploração madeireira e na pecuária.

Figura 4 – Modelo de organização da atividade seringueira no Médio Xingu a partir do barracão

do Manoelzinho

Fonte: Elaborado pela autora (2018).

4.2 Unidades hidrogeomorfológicas e diversidade de usos na área Urbana de

Altamira/PA e as implicações da UHBM

Na área urbana apesar do forte uso residencial, as unidades

hidrogeomorfológicas, formas resultantes da dinâmica fluvial com

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 165

funcionalidade econômica, eram facilmente identificadas antes da

instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, dentre as principais: a) rio

Xingu; b) igarapés; c) planície de inundação; d) lagoas marginais; e) terraços

fluviais; d) pedrais; f) praias arenosas, e g) ilhas fluviais (Figura 5).

Figura 5 – Unidades hidrogeomorfológicas na área urbana de Altamira

Fonte: Vasconcelos e Oliveira (2015).

A abertura da Transamazônica desencadeou uma intensa migração

para região contribuiu para consolidação do Núcleo Urbano de Altamira por

meio da instalação de vários loteamentos privados em um histórico que se

estendeu durante as década de 1990, e que após a instalação da Usina

Hidrelétrica de Belo Monte alterou o modelo de ocupação que privilegia

colinas e morros em detrimento as planícies fluviais (Figura 6).

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166

Figura 6 – Evolução da ocupação urbana em Altamira antes e depois da instalação da Usina

Hidrelétrica de Belo Monte

Fonte: Santos, Lepeco e Rosemberg (2018).

O rio Xingu, os igarapés Ambé, Altamira e Panelas são

ecologicamente corredores que cortam manchas urbanas, pois

correspondem a uma rede de ligação entre as manchas possibilitando

mobilidade dos organismos. O nível de conectividade depende da

proximidade dos habitats, da densidade de corredores e da permeabilidade

da matriz (MATZGER, 2001, p. 7).

Esses corredores exercem funções de condutores39

, fontes,

sumidouro 40

, habitats e filtro. No trecho próximo ao núcleo urbano de

Altamira o canal principal apresenta morfologia anastomosada, em

multicanais, seu uso antes da Usina Hidrelétrica de Belo Monte centrava-se

na pesca comercial e de subsistência, sendo também uma importante via de

39 Condutor – a forma linear tende a produzir fluxos no mesmo sentido, propiciando uma condução natural (FORMAN, 1995). 40 Sumidouro – o desaparecimento de organismos, sedimentos, sementes e outros componentes, carreados para o corredor e morrendo ou ficando inativos por não encontrarem condições adequadas. O fluxo fluvial, pode acumular material nos corredores, tornando os animais mais expostos a predadores no ambiente mais aberto (FORMAN, 1995).

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 167

circulação de mercadorias da zona rural – Asurini para o núcleo urbano de

Altamira, por meio de transporte fluvial realizado por balsa, escoando

principalmente amêndoas de cacau, leite e banana. A mobilidade dos povos

indígenas, ribeirinhos e beradeiros, que residem em vilas e ilhas, ocorre por

via fluvial que recorrem ao núcleo urbano em busca de serviços essenciais –

educação, saúde e assessoria jurídica. A atividade turística também depende

o rio Xingu para o lazer realizado por barqueiros e pilotos de voadeira que

transportam a população local durante os finais de semana para pontos

turísticos e ilhas.

Os três igarapés Ambé, Altamira e Panelas correspondem a cursos de

reduzida largura, baixa ordem hierárquica, que cortam a área urbana de

Altamira, desaguando diretamente no rio Xingu. Inicialmente, os igarapés

Ambé e Altamira eram usados no abastecimento de água para uso

residencial em suas planícies de inundação, gradativamente foram sendo

apropriados para lazer por meio dos balneários: São Francisco no igarapé

Ambé, Parque do Açaizal no igarapé Altamira, desativado por não

apresentar as condições de qualidade da água, e o Recanto Cardoso no

igarapé Ambé, que apresenta atualmente uma estrutura considerável com

açudes para criação de peixes, instalação de piscinas naturais e artificiais,

restaurante e hotelaria. No médio e alto curso observou-se a construção de

represas e açudes com finalidades de dessedentamento de animais em

associação com a atividade pecuarista.

Dentre os impactos provocados pela instalação da barragem estão o

afogamento de suas desembocaduras, pela elevação dos níveis das águas do

rio Xingu, expansão de obras às margens dos igarapés, imprimindo

mudanças diretas sobre seu leito maior e excepcional como é o caso do

Parque Ambiental do igarapé Altamira e Ambé, pela instalação de pontes de

concreto sobre os três igarapés, e crescente assoreamento pela retirada de

extensa área de floresta aluvial remanescente, aterramento dos igapós, com

perceptível redução na vazão dos igarapés. Por outro lado, o igarapé Panelas

acelera a ocupação somente após a instalação da Usina Hidrelétrica de Belo

Monte com instalação de condomínios privados de voltados ao atendimento

da classe média e implantação do Reassentamento Urbano Coletivo.

As planícies de inundações compreendem as áreas que estão às

margens do rio Xingu e dos três igarapés Ambé, Altamira e Panelas eram

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periodicamente inundadas durante o período chuvoso de janeiro a abril e

pelos pulsos de inundações anuais. Antes da Usina Hidrelétrica de Belo

Monte existia uma elevada conectividade entre as planícies do Xingu e as

planícies secundárias dos três igarapés que permitiam reprodução dos

habitats típicos do igapó e uma complexa migração de espécies animais.

Entretanto, desde a abertura da BR-230 – Transamazônica, o sistema

drenagem urbana assumiu importante papel social por apresentar terrenos

planos e próximos ao rio Xingu os quais foram ocupados com finalidades

diversas por vários grupos sociais: oleiros, areeiros, pescadores, ribeirinhos,

comerciantes tradicionais, carpinteiro náutico e outros (Quadro 1).

As lagoas marginais enquadram-se como manchas na condição de

habitats. As lagoas marginais são corpos líquidos, ecossistemas de transição

que se localizam na planície de inundação, compreendem áreas deprimidas

geralmente em formato circular, com lâmina d’água variável, com

profundidade de 3 a 6 metros nas cheias e de 1 a 3 metros nas vazantes,

têm gênese relacionada a meandros abandonados e transgressão marinha.

O intercâmbio entre lagoas e o rio Xingu depende da quantidade de água de

precipitação e principalmente da entrada de água subterrânea, uma vez que

o nível de intervenção antropogênico é elevado, as conexões superficiais por

meio de canais de drenagem foram sendo aterradas e/ou canalizadas para

escoamento da drenagem urbana. É notória a perda da função ecológica das

lagoas marginais urbanas, pois esses ecossistemas recebiam o excedente de

água durante o transbordamento das águas do canal; entretanto, a

expansão urbana foi transformando esses habitats em ocupações humanas

com despejo de esgoto.

Os terraços fluviais são áreas encontradas abaixo da terra firme.

Correspondem a antigas planícies de inundações que, a partir sedimentação

gradativa, atingiram um nível topográfico imediatamente acima da planície

de inundação, estendem-se do pleistoceno e são retrabalhados no

holoceno. Essas áreas visualmente são as mais difíceis de serem

identificadas à margem esquerda do rio Xingu, sobretudo porque já estavam

ocupadas pela população, semelhantes às planícies fluviais, que foram

bastante alteradas e ocupadas por residências.

Nessa unidade houve a remoção compulsória da população das áreas

indicadas pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) como afetadas pelas

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 169

inundações permanentes. Por uma pequena diferença altimétrica, as casas

instaladas nas áreas de terraços não foram indenizadas ou remanejadas pela

Norte Energia. No sítio arqueológico localizado na praia do Pepino e no

bairro Independente II observaram-se casas isoladas porque foram

assentadas sob antigos terraços, mesmo com toda a circunvizinhança sendo

remanejada. Isso gerou problemas diversos pela falta de infraestrutura no

trecho com terraços remanescentes, densidade de habitantes reduzida, falta

de iluminação pública, limpeza, pavimentação das vias e segurança pública.

Os pedrais rochosos no interior de cursos d’água correspondem a

áreas de corredeiras e lajeiros. São trechos do rio que apresentam falhas

geológicas, onde a água corre com maior velocidade (em geral >1m.s-1

). São

acompanhados por blocos rochosos, dispostos nas margens ou no interior

canais (ISA, 2015, p. 20). Essas áreas são de grande importância para a

ictiofauna em que predominam os loricariídeos (acaris), anostomídeos

(piaus), ciclídeos (representados principalmente por jacundás) e caracídeos

serrasalmíneos (principalmente pacus).

Em campo foram identificados vários trechos com áreas de pedrais. A

primeira área localizada na zona rural de Altamira, margem esquerda do rio

Xingu, no setor denominado de Asurini, no balneário Pedral e dentro do

canal do Xingu. Essas áreas durante as cheias eram submersas e no período

de estiagem eram emersas funcionando como atrativo turístico. Nos

igarapés esses afloramentos rochosos foram identificados no igarapé

Cupiúba das Pedras, que integra a bacia do igarapé Ambé.

A principal área de pedral na área urbana localizava-se em Balneário

Pedral, no próprio rio Xingu. Quanto aos impactos, essa área integra a área

de inundação permanente da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Esta

unidade não foi identificada no mapa em função da escala cartográfica,

porém, após a construção da barragem, o Balneário perdeu área de

afloramento rochoso pela elevação do nível do rio, mas continua em

funcionamento com outra lógica de aproveitamento, pois a entrada do

turista é efetuada mediante pagamento e os pedrais que eram expostos na

estiagem permanecem encobertos pelas águas do rio Xingu (Figura 7).

As praias fluviais são feições deposicionais caracterizadas por um

gradiente, localizadas à margem do rio Xingu, na área urbana de Altamira.

Os contatos com a foz do igarapé Panelas e Ambé são a praia do Pepino,

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praia do Pajé e Prainha, todas constituídas por partículas arenosas. A praia

do Pepino, localizada no bairro Independente I, e a praia do Pajé, localizada

na desembocadura do igarapé Panelas, foram extintas após a construção da

UHBM sendo áreas bastante populares para o lazer local, e que

posteriormente foram compensadas pela implantação de três praias

artificiais (Figura 7).

Figura 7 – Unidades hidrogeomorfológicas na área urbana de Altamira antes da instalação da

UHBM: (a) Praia do Pepino, (b) Balneário Pedral, (c) Lagoa em processo de ocupação desordenada, e (d) Igarapé Altamira no baixão do Tufi.

Fonte: Pesquisa de campo (Autores, 2014 e 2015).

4.3 INDICADORES DE CONECTIVIDADE HIDRODINÂMICA DO RIO XINGU COM

AS LAGOAS MARGINAIS

As lagoas marginais foram identificadas em vários estados de

intervenção antropogênica ou níveis de estabilidade conforme propõe

Tricart (1977) desde lagoas extintas, em processo de ocupação desordenada

e aquelas que estavam preservadas até a instalação da Usina Hidrelétrica de

Belo Monte (OLIVEIRA; ROCHA, 2015). No quadro a seguir apresenta-se a

classificação das lagoas marginais e lagoas interiores com dados atualizados

(Figura 8 e Quadro 1). No cenário pós-Belo Monte, a Figura 8 demonstra que

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 171

houve maior adensamento da lagoa a partir de 2010, com ápice de

adensamento no ano de 2014 e desapropriação de parte do entorno da

lagoa, demonstrando a área da lagoa exposta.

O rio Xingu apresenta uma variabilidade das vazões em períodos

anuais e interanuais, no caso das vazões máximas observou-se que as

maiores vazões máximas estão nos meses de janeiro, março e abril e as

menores nos meses de agosto, setembro e outubro, o ano de maiores

vazões máximas foi 1974. Entretanto, destaca-se o último período, apesar

de apresentar menor magnitude que os períodos (Figura 2). Os anos de

2009 e 2014 foram representativos no sentido de demonstrarem impactos

jamais registrados em Altamira: a) a primeira inundação brusca que se teve

registro com mais de vinte mil desabrigados, e b) inundações com elevada

área de abrangência com inundação de bairros centrais, incluindo a Rua 7 de

setembro, rua de maior importância para o comércio (Figura 9).

FIGURA 8 – Evolução da ocupação e remanejamento da população da lagoa marginal do bairro

Jardim Independente I

Fonte: Imagens retiradas do Google Earth em 20 de maio de 2018.

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Quadro 1 – Tipos de lagoas, sua localização na área urbana de Altamira, uso das lagoas antes e após a UHBM

Tipos Localização Uso antes da UHBM Uso pós a UHBM

Lagoas extintas

Bairros centrais, bairro Aparecida, na invasão dos Padres e Bairro Premem

Conforme coleta de dados no campo o bairro Aparecida, as lagoas estavam parcialmente alteradas pela presença de palafitas (habitações subnormais). No bairro Premem a ocupação estava mais consolidada com nível de infraestrutura mais consolidado com várias ruas asfaltadas sinalizadas ou bloqueteadas de uso residencial, porém com várias instituições públicas instaladas dentre escolas, posto de saúde e comércio.

No bairro Aparecida, estas áreas foram suprimidas com o processo de inundação permanente após a instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte em função de estarem na planície de inundação. Em outra parcela do solo que também integra a sub bacia Igarapé Ambé e compõe parte do Parque Ambiental, houve reforma e elevação do nível das vias públicas. No bairro Premem as áreas continuam com o residencial e como importante via com instituições privadas e públicas: Senai, Escola Polivalente e Sesc.

Lagoa em que foram densamente ocupadas (pré- barragem) e removidas após Belo Monte

Localizadas no bairro Independente I e II

Lagoas marginais localizadas nos bairros Independente I foram ocupadas durante o input da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, uma vez que o preço dos imóveis foi supervalorizado, o que forçou as famílias que não haviam sido indenizadas ou que receberam valor abaixo do mercado imobiliário local a ocuparem intensamente o setor da Lagoa. Área apresentada pela defesa civil, como sujeita a movimento de massa (BRASIL, 2012); enfrentou intenso processo de ocupação desordenada com aterramento da área com serragem e resto de material de construção originando problemas sérios de subsidência do solo e desabamento de casas

Área da lagoa após a construção da UHBM foi intensamente atingida com a mudança no pulso de inundação do rio Xingu e limitações na dinâmica de vazantes anuais elevou o nível do rio e tornou a unidade hidrogeomorfológica vulnerável a inundações, culminando com a decisão do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis de determinar a retirada dos moradores pela Norte Energia. Na lagoa estão 548 residências, cerca de 968 famílias, dessas 293 casas são palafitas. As discussões apontam para exigência de demolição de imóveis desocupados, revitalização da Lagoa e reparação da rede de drenagem (BORGES, 2018)

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 173

Figura 9 – Espacialização das vazões máximas demonstrando as maiores magnitudes nos meses de março e abril, destacando-se no primeiro período analisado (1974, 1978, 1982, 1985), no segundo período o ano de 1989 e no último período destacam-se o ano de 2004, 2006, 2009) com vazões máximas de 30.000 m3/s.

Fonte: Elaborada pela autora com base nos dados da ANA (2018).

No bairro Independente II, na bacia do igarapé Panelas foi possível

construir um croqui sobre o funcionamento da dinâmica entre o rio Xingu,

41 Dados coletados em pesquisa de campo sendo também disponível em G1-Pa. Moradores temem fim de ilhas com avanço das obras de Belo Monte. 11-09-2015. Disponível em: g1. Globo.com

Tipos Localização Uso antes da UHBM Uso pós a UHBM

Lagoas e lagos remanescentes que foram alterados pós- construção da barragem

Essas lagoas estavam localizadas no Haras de Altamira e na ilha de Arapujá

O posicionamento geográfico dessas lagoas e do Haras de Altamira, próximos às margens do rio Xingu e outra no interior da ilha de Arapujá compreendiam áreas apesar da proximidade com a área urbana, podiam ser consideradas como relativamente preservadas. Com dinâmica de enchente e vazante da lagoa totalmente integrada com a do rio Xingu

Após a construção da UHBM, essas áreas atravessaram profundas transformações. A lagoa da ilha de Arapujá sofreu fortes impactos, como queima da vegetação de pequeno porte, retirada e catálogo da vegetação de grande porte por tratar-se área de inundação permanente. Na realidade a maior perda foi o nível de diversidade da ilha pela retirada da cobertura vegetal com impactos diretos sobre áreas da lagoa, além disso, essa lagoa era usada como criatório de tucunaré e Curimatã

41 que tende a

desaparecer

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planície fluvial, lagoas marginais e terra firme na área urbana de Altamira

com base na observação empírica do período “pré” e “pós-barragem”. O rio

Xingu durante as cheias anuais conectava-se com as lagoas marginais por

meio de canais de drenagem, de caráter temporário; entretanto, essa

conexão não se encerrava nas lagoas marginais, e sim conectava-se a outros

ambientes. As lagoas também são alimentadas pelo excesso de drenagem

dos planossolos hidromórficos que interagem com a formação curuá,

constituída de folhelhos cinzentos, subjacente aos nitossolos vermelhos.

Assim, observou-se que durante as enchentes do rio Xingu o fluxo de água

do rio transborda para os terraços fluviais, e desses para as lagoas marginais

e colinas (obedecendo a sequência E-D-C-B-A) e, durante as estiagens, o

fluxo de água é das colinas para as lagoas marginais via planossolos

hidromórficos até atingir o rio Xingu (A-B-C-D-E) (Figura 10).

Figura 10 – Conectividade entre as unidades hidrogeomorfológicas no rio Xingu, área urbana de

Altamira/PA

Fonte: Oliveira (2018).

De acordo com os dados coletados em campo, para os moradores do

bairro Jardim Independente II essa dinâmica pode ser observada pelo nível

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 175

da água nos poços, que eram variáveis durante a vazante (estiagem) e a

enchente (período chuvoso). Segundo os moradores, nas cheias os poços

tipo Amazônico respondiam aumentando o nível de água, porém, durante a

estiagem retornavam ao seu nível normal. Após a construção da Usina

Hidrelétrica de Belo Monte, no ano de 2016 foram identificados trechos em

que o nível da água dos poços atinge a superfície e outros trechos em que

está a 120 centímetros da superfície; nessas áreas os moradores foram

parcialmente remanejados, havendo relatos de contaminação dos poços.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na lagoa marginal localizada no Jardim Independente I de 2011 a

2017, por meio de pesquisa de campo, identificou-se uma evolução da

dinâmica hidrológica desta lagoa marginal, que era influenciada pelo

período de enchente (JFMA) e vazante (JASO) do rio Xingu, sendo

perceptível uma dinâmica hídrica sub superficial entre canal principal,

planícies de inundações e lagoas marginais, com aumento do nível da água

na lagoa segundo esse regime.

A elevação de nível do rio pela instalação da barragem tornou o

ambiente da lagoa do Jardim Independente I mais suscetível a riscos e

desastres geomorfológicos e ainda sanitários, aumentando a insalubridade

nas residências por meio de alagamentos crônicos, subsidência do terreno,

retorno do esgoto e aparecimento de olhos d`água no interior das casas.

Em 2017, o Ibama reconhece a população da lagoa como impactada

sendo a Norte Energia obrigada a realizar a remoção dos moradores da

lagoa do Jardim Independente I. Apesar do parecer favorável aos

moradores, não foi admitida nenhuma influência direta entre o

agravamento dos alagamentos na lagoa marginal com a elevação do nível do

rio Xingu após a instalação da Usina Hidrelétrica e os impactos relatados no

Quadro 1, apenas incluem-se os moradores da lagoa como impactados pelo

“efeito barragem” que forçou migrantes a se instalarem em áreas

inadequadas, pela elevação dos preços aluguéis e baixos preços das

indenizações.

Das críticas apresentadas a esse parecer pautado em informações

cedidas pela Agência Nacional das Águas (ANA), destaca-se a ausência de

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monitoramento nas lagoas marginais em período extenso ao longo de uma

série histórica, uma vez que o estudo do regime hidrológico demonstrou

uma influência das vazões a eventos de escala regional e variabilidade anual

e interanual, assim, dependendo do ano monitorado ou observado a

interpretação poderá ser distinta da verdadeira dinâmica desses

ecossistemas amazônicos. Portanto, reconhecer a conectividade entre as

lagoas marginais e o rio Xingu consiste em reconhecer que a área impactada

é maior que o que foi previsto no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório

de Impacto Ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, e, mais ainda,

representa uma decisão política, que sugere a inviabilidade de construção

de hidrelétricas no médio Xingu.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 179

Capítulo 10

RECUPERAÇÃO AMBIENTAL DE BACIAS HIDROGRÁFICAS: INQUIETAÇÕES PRESENTES NO DIÁLOGO ENTRE O QUADRO

LEGAL INSTITUÍDO E A CIDADE

Eloisa Carvalho de Araujo

42

Maria Eduarda Guida Frazão Leite43

Rainer Holzer

44

1 INTRODUÇÃO

O crescimento urbano desordenado ou mal planejado vem

conferindo aos rios urbanos papel, muitas vezes, oposto àquele

determinado para o cumprimento de suas funções ecológicas. Por outro, o

tratamento dado aos corpos hídricos vem requerendo novas visões frente à

necessidade de recuperação dos ambientes fluviais, parte integrante de

bacias hidrográficas. Segundo Silva-Sanchéz e Jacobi (2012), a degradação

dos recursos hídricos vem revelando tensões e conflitos e exigindo novas

posturas do planejamento urbano municipal, comprometidas com uma

cidade sustentável.

Alguns estudos (GARCIA et al., 2012; BARTALINI, 2014) apontam para

a preocupação em relação à falta de vitalidade dos rios, aos rios que se

tornam obstáculo aos avanços das cidades, sendo transformados em entes

invisíveis, perdendo sua função enquanto elemento da paisagem urbana.

Outros estudos (ZAHED et al., 2012; TUCCI, 2008; ROLNIK; KLINK, 2011),

inseridos na crítica à atuação da engenharia fluvial e hidráulica ressaltam

42 Arquiteta e urbanista. Doutora em Urbanismo pelo PROURB/FAU/UFRJ. Professora do Departamento de Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da EAU/UFF. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Processos de Urbanização, Cidades e Ambiente (CNPq/UFF). E-mail: [email protected] 43 Engenheira ambiental. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana da UFRJ. Pesquisadora colaboradora do Grupo de Pesquisa Processos de Urbanização, Cidades e Ambiente (CNPq/UFF). E-mail: [email protected] 44 Engenheiro ambiental. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana da UFRJ. Pesquisador colaborador do Grupo de Pesquisa Processos de Urbanização, Cidades e Ambiente (CNPq/UFF). E-mail: [email protected]

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que as técnicas empregadas na recuperação de recursos hídricos, em geral,

privilegiam medidas estruturais, com foco na canalização de rios, controle

de enchentes e na eliminação de áreas de risco, entre outros aspectos. Para

esses autores, tais ações, geralmente pontuais, não consideram as

características ambientais da bacia hidrográfica nem as relações sociais

decorrentes, direcionando os rios urbanos a serem incorporados ao

mercado de solos das cidades.

Para Selles (2005), a descaracterização da função ecológica, além de

propiciar a expansão das cidades, criando ambientes impermeabilizados e

degradados, contribui para alterar o regime de vazões e potencializar riscos

de enchentes.

Também há estudos de autores que nos proporcionam a discussão de

estratégias para restauração de rios urbanos, como Riley (1998), Charg

(2000) e Meurer (2011). E, ainda, em um contexto de projeto integrado de

recuperação de bacia hidrográfica, podemos ressaltar as contribuições de

Hough (2005) e Mann (1973). Para Hough (2005), o tratamento a ser dado

aos rios urbanos deve observar seus ciclos hidrológicos. Mann (1973)

destaca que a relação entre corpos d´água e cidades está estreitamente

relacionada ao modo de vida dos habitantes. Ambos os autores ressaltam

que, na perspectiva ambiental, a saúde e a diversidade das funções de um

rio estão relacionadas ao bem-estar da população que usufrui de suas

águas.

Outros estudos45

mais recentes enfatizam que a recuperação dos

rios, nas cidades, a partir de ações estruturais e não estruturais está

diretamente relacionada à revisão de posturas, que considerem o mínimo

de impacto nos ecossistemas frente aos processos de urbanização. E, ainda

assim, para outros autores46

, há necessidade de previsão de associação às

ações de serviços ecossistêmicos, como infraestruturas verde e azul, como

requisito para qualificar o espaço e a vida das pessoas.

Nesse sentido, podemos compreender que a temática da

recuperação ambiental, no âmbito de bacias hidrográficas, vem sendo

45 Encontram-se aí as pesquisas desenvolvidas por Selles (2005), Silva et al. (2010), Holzer (2017), Leite (2017) e Cazula (2010). 46 Situamos as pesquisas de Costa (2002), Britto et al. (2008), Ribeiro (2017), Rolo (2017), que compartilham com a contribuição de Costanza et al. (1997).

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 181

ambientada, segundo Araújo, Ribeiro e Holzer (2016), por um novo sentido

de percepção do ambiente, sedimentado pela multi-interdisciplinaridade.

Para os autores, a percepção do ambiente degradado requer planos e

projetos associados a um quadro legal/institucional que venha a partilhar da

visão da bacia hidrográfica como unidade de planejamento ambiental e

territorial, associada a uma visão integrada, comprometida com a

recuperação sustentável do território.

Em um cenário nacional, o processo de recuperação ambiental é

previsto como base legal para a garantia da conservação e preservação do

meio ambiente. Sua importância ganha destaque como um dos objetivos da

Política Nacional de Meio Ambiente, disposta na Lei 6.938, de 31 de agosto

de 1981 (BRASIL, 1981).

Nesse contexto, pode-se, ainda, destacar a importância da garantia

do equilíbrio ambiental para a qualidade de vida da população e para o meio

ambiente, o qual é definido como bem de uso comum, pela Constituição

Federal (BRASIL, 1988).

Muito embora o quadro legal/institucional seja favorável, algumas

questões podem ser evidenciadas. Como conciliar a relação da sociedade

com o meio natural em que se insere, observando um recorte territorial,

como a bacia hidrográfica? Como ocorrem os processos de degradação? E

de que forma esses contribuem para a manutenção da relação atual entre

pessoas e natureza?

Utilizando as bacias hidrográficas como unidades de planejamento

territorial, percebe-se que as mesmas, espraiadas por todo o país,

apresentam suas características naturais modificadas. Um olhar especial

para bacias urbanas, entre elas as que se inserem em grandes cidades,

permite apontar mudanças no uso do solo, processos de urbanização e

ocupação, bem como a instalação de infraestrutura e equipamentos

urbanos como forma de alterações antrópicas no território,

descaracterizando seus ecossistemas e causando impactos negativos sobre

eles. Assim sendo, destaca-se a relação entre processos de degradação

ambiental e o desenvolvimento socioeconômico não sustentável.

Territórios com características alteradas podem ser considerados

como impactados, degradados, ou em processo de degradação, o qual pode

ser definido como a perda da qualidade ambiental e das condições naturais

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de determinado ecossistema, acima de seu limite de resiliência, por ações

antrópicas (CARPANEZZI et al., 1990; SANCHEZ, 2006). Portanto, quando

uma bacia hidrográfica tem seu limite de resiliência ultrapassado, ela

necessita ser objeto de um processo de recuperação ambiental, para

resgate de seu equilíbrio e melhoria da qualidade de vida local.

Para contextualizar o tema, o presente texto pretende apresentar

uma discussão à luz do quadro legal instituído no Brasil, nas diferentes

esferas institucionais, cujas competências, em certos momentos revelam-se

conflituosas. Tal discussão fundamenta-se, para além de uma abordagem

conceitual47

, em experiências empíricas vivenciadas pelos autores48

,

considerando o rio Icaraí situado no município de Niterói e o canal do

Mangue, na área central da cidade do Rio de Janeiro, ambos no Estado do

Rio de Janeiro. A análise das áreas, por meio de visitas pontuais, com caráter

de observatório, realizadas nos anos de 2016 e 2017, tornou possível a

discussão.

Figura 1 – Canal do Mangue Figura 2 – Rio Icaraí – trecho em parque

Fonte: olhares.sapo.pt - 2016 Fonte: ofluminense.com.br – 2017

Fonte: Fotos de Cristiano Henrique Ferraz.

Para tal, a estrutura do texto se apoia, para além da introdução, em

quatro seções. A segunda se propõe a tratar o tema a partir de um olhar

sobre as interfaces do quadro legal e a cidade, ressaltando os conflitos. A

terceira nos apresenta os desafios inseridos nas relações e experimentações

entre cidades e seus rios, com base na reflexão dos estudos de caso, do Rio

47 Originada a partir de uma revisão bibliográfica bastante abrangente. 48 Pesquisas realizadas no âmbito do Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq, “Processos de Urbanização, Cidades e Ambiente”, integrante do Lupa – Laboratório do Lugar e da Paisagem, PPGAU/EAU/UFF.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 183

Icaraí e do canal do Mangue, ambos afluentes da Baía de Guanabara. A

bacia do rio Icaraí está inteiramente dentro do município de Niterói tendo

área aproximada de 8 km2, já a bacia do canal do Mangue está localizada no

município do Rio de Janeiro, com área de 45,4 km2, ambas são consideradas

urbanas em toda sua extensão, sendo escolhidas para a pesquisa devido aos

problemas relacionados a inundações, condições de degradação ambiental e

ausência de função urbana dos seus cursos d´água. Nas considerações finais

são reafirmados os desafios imbricados na relação entre a cidade e seus rios

e caminhos a perseguir.

2 INTERPRETAÇÃO DO QUADRO LEGAL E SUA INTERFERÊNCIA NA CIDADE

Para compreender a relação da cidade com o rio nos dias de hoje é

importante referir-se ao quadro legal que trata dos recursos hídricos, nas

esferas federal, estadual e municipal. Principalmente às ações institucionais

e, se houver, às diretrizes legais que balizam e respaldam, ou deveriam

respaldar, todas as ações relacionadas com o agenciamento dos rios

urbanos.

Não se trata de se fazer um levantamento minucioso da legislação

relativa aos rios no Brasil, sobre este temos como referência o trabalho de

Barros e Barros (2009). Nesta seção é apresentada uma análise crítica, em

ordem decrescente de escala, das leis nacionais para as leis municipais, essa

sequência é adotada, pois as bacias estudadas, do rio Icaraí e do canal do

Mangue, encontram-se inteiramente dentro da área urbana dos municípios

de Niterói e Rio de Janeiro. Portanto, as interferências e ações

consequentes, no sentido da recuperação, estarão sujeitas ao crivo das leis,

principalmente as municipais, por conta da atribuição constitucional do

município de legislar com exclusividade sobre o uso do solo o que, por sua

vez, deve estar respaldado pelas leis em níveis superiores.

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) não trata especificamente da

temática dos rios, citando-os apenas para regulamentar alguns usos muito

específicos em que são tratados como recursos. No entanto,

regulamentações gerais, especificamente o capítulo VI, sobre o meio

ambiente, impõem determinações legais para a sua proteção e

agenciamento, englobando, ainda que indiretamente, os rios.

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É importante ressaltar que na Constituição Federal fica estabelecido

que a proteção do meio ambiente e o combate à poluição são de

competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios (artigo 23, inciso VI). O artigo 225 do capítulo relativo ao Meio

Ambiente determina que “todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida”. Nesse sentido os rios, como componente fundamental

do meio ambiente, deveriam ser protegidos e a sua poluição combatida em

todas as esferas de governo.

Importante observar que muito antes da promulgação da atual

Constituição a proteção dos rios e mananciais já era prevista na legislação

brasileira pelo Código de Águas de 1934, o qual determinava uma área não

edificante de 10 metros nas margens de todos os corpos d’água,

posteriormente pelo Código Florestal de 1965, que institui as Áreas de

Proteção Permanente (APPs). Ou seja, existem dispositivos legais no Brasil

que protegem os rios urbanos desde a década de 1930, os quais em muitos

casos não foram respeitados nos processos de urbanização e adensamento

das cidades.

A Lei Nacional das Águas, Lei 9.433/1997, que institui a Política

Nacional de Recursos Hídricos, cria diretrizes para a conservação dos

mesmos em todo o território nacional, determina a criação da Agência

Nacional de Águas (ANA) e também que sejam executados os Planos

Nacional e Estaduais de Recursos Hídricos. Entretanto, existem críticas por

parte de especialistas em recursos hídricos, como na citação a seguir:

Aprovada em 8 de janeiro de 1997, a Lei nº 9.433, mais conhecida como Lei das Águas, pouco altera o status quo da água enquanto patrimônio natural. Muitos autores e especialistas louvam a “modernidade” e os “avanços” aportados à gestão das águas com a edição desta nova lei. Baseiam-se no fato de ela ter se espelhado na legislação francesa e nos princípios internacionais mais avançados que regem a matéria. Contudo, nota-se que, em termos de proteção da água – considerando-se sua importância ambiental, cultural ou patrimonial –, a nova lei deixa muito a desejar. (CALASANS, 2013, p. 4).

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 185

Há, de fato, uma lacuna na legislação nacional que incide

diretamente sobre o modo como os rios são percebidos e apropriados,

como observa Calasans:

Apesar de, em seus fundamentos, a Lei das Águas afirmar que a água é um recurso natural limitado, ela reconhece apenas o seu valor econômico. Não se refere, em momento algum, ao seu valor intrínseco, natural ou cultural (CALASANS, 2013, p. 4).

Desta forma, a Lei Nacional das Águas regulamenta os usos e

exploração dos recursos hídricos, mas não prevê a proteção dos rios quanto

aos impactos provenientes do uso e ocupação do solo, maiores responsáveis

pela degradação dos rios em áreas urbanas.

Previsto pela Lei Nacional das Águas, o Plano Nacional de Recursos

Hídricos de 2006, segue a mesma lógica e também ignora a questão do valor

intrínseco da água. Os recursos hídricos são tratados em âmbito nacional e

regional, sendo priorizadas questões como uso energético, usos agrícolas,

mineração, indústria, abastecimento humano e usos múltiplos, mas a água é

vista apenas como um recurso mineral. Em momento algum é abordado

diretamente o tema dos rios como componente vital dos ecossistemas

sejam florestais, rurais ou urbanos.

Diversamente da Lei Nacional de Águas, o Código Florestal, Lei

12.651/2012, considera os rios como recurso e patrimônio ambiental, como

corrobora Calasans (2013, p. 6). A Lei 4.771/1965 (primeiro Código Florestal)

já previa a proteção dos rios através da preservação da vegetação de sua

faixa marginal e de suas nascentes, enquadrando-as como Área de

Preservação Permanente (APP). A Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal)

amplia a largura da faixa marginal, entretanto, flexibiliza alguns aspectos

referentes à proteção dos cursos d’água. Em seu artigo 3º, inciso II, a Lei

12.651/2012 define APP como:

Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

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O Código Florestal de 2012 considera como APPs as margens de rios

em áreas urbanas e não urbanas sem distinção; logo, as faixas marginais de

proteção em áreas urbanas também deveriam ser preservadas atendendo

às restrições seguintes, como previsto em seu artigo 4º, I, as faixas

marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos

os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:

a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de

largura.

Entretanto, diversamente da Lei de 1965, não é prevista a proteção

ambiental das faixas marginais de rios efêmeros e de cursos d’água não

naturais, ambos os termos não são definidos no texto da lei, esse fato pode

dificultar a preservação dos rios urbanos em especial os mais

desnaturalizados, que tendem a ter seu fluxo basal muito reduzido ou nulo,

sendo efêmeros devido à ação antrópica, e os rios que têm seus canais

modificados de forma que podem ser entendidos como um curso d’água

artificial.

Em princípio, a intervenção ou supressão da vegetação é vedada nas

APPs, no entanto, o artigo 8º prevê hipóteses em que isso pode ocorrer, no

caso “de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto

ambiental”. A Lei 12.651/2012 também determina que a regularização de

assentamentos de populações de baixa renda em zonas urbanas é de

interesse social (artigo 3º, inciso IX), portanto, em alguns casos, a

regularização fundiária é possível mesmo em APP.

Como o tema abordado está na interface entre o urbano e o

ambiental, também é importante versar sobre a legislação urbanística, em

nível federal. As Leis federais 6.766/1979, modificada parcialmente pela lei

9.785/1999 e posteriormente pela Lei 10.932/2004, dispõem sobre o

parcelamento do solo urbano em todo o território nacional. Não

necessariamente expressando preocupação ambiental, na Lei 10.932/2004,

em seu artigo 4º, item III, é determinado que para os loteamentos, ao longo

das águas correntes e dormentes, será obrigatória faixa não edificável de 15

metros de cada lado salvo maiores exigências de legislação específica. Este

dispositivo pode ser de grande valia para preservação e eventual

recuperação de rios urbanos. Este item consta na redação da Lei

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 187

6.766/1979, sendo modificado pela Lei de 2004, entretanto, apenas o termo

“non edificandi” foi adequado para “não edificável”.

Como no caso da Política e do Plano Nacional de Recursos Hídricos,

anteriormente abordados, para o Plano Estadual de Recursos Hídricos do

Rio de Janeiro49

, a água é um recurso a ser explorado com especial ênfase na

questão do abastecimento humano, tema bastante pertinente posto que o

Estado do Rio de Janeiro é bastante populoso e com população

majoritariamente urbana. Entretanto, em alguns pontos o valor ambiental

da água é considerado, como no caso do Programa de Estudos e Projetos

para Revitalização de Rios e Lagoas. Nenhum rio urbano está contemplado

nesse programa, porém este pode servir como referência para ações de

revitalização e recuperação em outros rios do Estado.

Já o Decreto Estadual 42.356/2010 flexibiliza a delimitação das faixas

marginais de proteção no Estado do Rio de Janeiro, sendo em alguns itens

menos restritivo que as Leis Federais 10.932/2004 e 12.651/2012, indo em

desacordo com as mesmas, pois uma lei estadual não pode ser menos

restritiva que uma lei em nível federal.

Tendo como base este decreto, o Instituto Estadual do Ambiente

(INEA) implementou a Norma Operacional Para Demarcação das Faixas

Marginais de Proteção e das Faixas Non Aedificandi de Cursos D’água no

Estado do Rio de Janeiro (NOP-INEA-33), que tem como finalidade orientar

os técnicos do órgão na delimitação desses casos a fim de emitir licenças de

operação de empreendimentos.

A Lei Orgânica, de maneira coloquial, pode ser entendida como a

“Constituição Municipal”, pois esta é a lei fundamental na esfera do

município, devendo todas as outras leis municipais respeitar suas

determinações. Todavia, a Lei Orgânica está subordinada às leis federais e

estaduais, sobretudo à Constituição Federal.

No que tange aos recursos hídricos, meio ambiente e urbanização, e,

consequentemente, aos rios urbanos, a Lei Orgânica do Município de Niterói

confere determinações de forma mais imediata sobre essas questões no

49 Este Plano foi concluído e posteriormente aprovado pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos do Rio de Janeiro (CERHI-RJ) a partir de temas estratégicos apoiados na sustentabilidade do uso da água. Fev. 2014.

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Capítulo VII do Urbanismo, da Política Urbana, do Meio Ambiente, da Pesca

e da Política Agrícola e Agrária.

A Lei Orgânica institui a política de desenvolvimento urbano para o

município, que “tem por objetivo atender ao pleno desenvolvimento das

funções sociais da Cidade” (art. 303), entendido como direitos do munícipe,

em seu parágrafo primeiro:

Acesso à moradia, transporte público, saneamento geral básico, energia elétrica, gás canalizado, iluminação pública, cultura, lazer e recreação, segurança, preservação, proteção e recuperação do patrimônio ambiental, arquitetônico e cultural e ter garantido a contenção de encostas e precauções quanto a inundações. (Lei Orgânica do Município de Niterói, art. 303, § 1°).

Esse mesmo artigo determina que o instrumento básico para

execução dessa política será o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano

integrado, que deve atender a princípios como a aplicação de critérios

ecológicos, garantir a proteção do patrimônio natural e estabelecer o

zoneamento ambiental do município. Para o atendimento desses critérios

ecológicos é determinado, no primeiro parágrafo do artigo 304, que as

“micro bacias hidrográficas urbanas deverão ser consideradas como

unidades de planejamento para elaboração do Plano Diretor”. Desse modo,

a Lei Orgânica de Niterói condiciona diretamente o seu planejamento aos

seus rios, que estão localizados em um município totalmente urbano.

Ainda nessa seção, no artigo 308, as áreas de preservação

permanente (APPs) do município são definidas, como previsto na Lei Federal

4.771/1965 e na Resolução Conama 4/85, a partir dos parâmetros seguintes:

As coberturas vegetais existentes nas áreas de preservação permanente são consideradas indispensáveis ao desenvolvimento urbano equilibrado e não poderão ser removidas. (Lei Orgânica do Município de Niterói, art. 308, parágrafo único).

Esse artigo é de grande importância na preservação e para futuros

projetos de recuperação dos rios do município, pois reitera que as faixas

marginais de proteção devem ser respeitadas mesmo na área urbana, além

disso, reporta-se ao Código Florestal, em sua versão vigente à época, ou

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 189

seja, a de 1965, na qual se determina que a margem de todo curso d’água é

APP.

Na Seção III: Do Meio ambiente, no art. 316 é determinado que o

município tenha como dever “garantir o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado”. Para atender a esta meta são estabelecidas

diretrizes para a Política Municipal de Meio Ambiente e criado o Sistema

Municipal de Meio Ambiente. Dentre elas deve ser destacado que uma das

diretrizes dessa política é a de promover a reposição da cobertura vegetal

do município, enfatizando o reflorestamento de áreas degradadas e

margens de rios, ou seja, a Política Municipal de Meio Ambiente respalda

ações no sentido de recuperar a cobertura florestal nas margens de rios

urbanos.

O Plano Diretor é a ferramenta básica para o planejamento urbano,

previsto pela Constituição Federal de 1988 (art. 182), sendo obrigatório para

todo município com mais de 20 mil habitantes; entretanto, só foi

regulamentado pela Lei Federal 10.257 de julho de 2001.

O Plano Diretor de Niterói em vigor, Lei Municipal 1.157, foi

aprovado pela Câmara Municipal em dezembro de 1992, posteriormente

alterado pela Lei Municipal 2.123/2004, fixa objetivos para preservar e

recuperar ecossistemas essenciais, no sentido de proteger os recursos

hídricos (artigo 38), entretanto, não estabelece diretrizes e determinações

para tal. No que diz respeito às questões referentes aos recursos hídricos, o

referido plano só trata do abastecimento de água potável e da drenagem

urbana.

No art. 71 são estabelecidas diretrizes para macro e microdrenagem

com vistas ao bom escoamento das águas pluviais, dentre essas podemos

destacar a adequação das faixas marginais de proteção de todos os cursos

d’água do município à calha necessária para vazões máximas, ao acesso para

manutenção e preservação da vegetação marginal, com indicação das

“áreas onde se faça necessário reflorestamento para garantia da eficácia do

sistema de drenagem”. Alguns rios do município são citados no Plano

Diretor, mas sempre relacionados a questões de drenagem de regiões

específicas do município, já o Rio Icaraí não é mencionado.

É importante ressaltar a inobservância à Lei Orgânica na execução do

Plano Diretor no que tange às questões referentes à água, pois seu valor

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ambiental não é considerado, além do que as microbacias hidrográficas,

como a do rio Icaraí, não são utilizadas como unidade de planejamento. Para

o Plano Diretor de Niterói os rios são meros recursos para a drenagem

urbana, fato que corrobora a sua invisibilidade.

Atualmente está em tramitação, com vistas à aprovação na Câmara

Municipal, Projeto de Lei de novo Plano Diretor para o município de Niterói.

Embora o texto final ainda não tenha sido aprovado, a minuta e os relatórios

dos diagnósticos elaborados com o intuito de embasá-lo estão disponíveis

no site oficial da Prefeitura. A análise dos relatórios, no que tange à questão

das águas, demonstra uma tendência de tratar a água como recurso

expressando seu valor intrínseco. Nesse sentido, as unidades de

planejamento propostas no diagnóstico não contemplam as microbacias

hidrográficas do município, da mesma forma que no plano vigente, em

descumprimento a lei orgânica. Uma análise mais aprofundada do novo

Plano Diretor só será possível quando este for aprovado pela Câmara.

Podemos concluir esta seção observando que as leis referentes às

águas não abrangem rios urbanos, como o Rio Icaraí, pois os mesmos não

são um recurso hídrico sob o ponto de vista dessas leis tanto em âmbito

federal quanto estadual, as quais entendem a água como recurso mineral,

isso se deve ao fato de esses rios não serem uma alternativa viável de fonte

de água potável ou para geração de energia elétrica. Já em âmbito

municipal, o rio é visto como recurso para drenagem urbana, mesmo

existindo na legislação dispositivos que observem o valor ambiental dos rios.

Esse quadro legal corrobora para que o rio seja institucional e culturalmente

invisível.

3 RELAÇÃO ENTRE CIDADE E SEUS RIOS

Ao observar uma bacia hidrográfica dentro da cidade do Rio de

Janeiro, utilizando como exemplo a bacia do canal do Mangue, percebe-se

que sua capacidade de se recuperar das consequências dos impactos

causados por ação antrópica pode ser considerada baixa. Partindo do

princípio de que uma cidade se torna cada vez mais consolidada,

expandindo sua zona ocupada, demandando novas intervenções, e atraindo

mais pessoas para a zona urbana, percebe-se que seu ambiente natural

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 191

tende a ser cada vez mais modificado. Portanto, bacias hidrográficas

urbanas consideradas degradadas, quando avaliadas à luz de sua resiliência,

apresentam a tendência de ter seus impactos agravados, sem a capacidade

de mitigação e reversão dos mesmos. Os processos degradantes do

ambiente da bacia, portanto, tendem a ser acelerados ou apenas

continuados, se atitudes não forem tomadas.

Assim sendo, para a melhoria da qualidade ambiental desta porção

territorial, e da qualidade de vida da população urbana nela instalada,

processos de recuperação ambiental que visem à recuperação da resiliência

da bacia são esperados. Corroborando com esta visão, a reversão de

impactos e consequente conservação ambiental são necessários, de forma a

considerar uma visão sistêmica em relação às atividades realizadas no

território da mesma.

Alguns autores reafirmam que processos de recuperação ambiental

podem visar à melhoria da qualidade ambiental de determinada porção do

território. Tais medidas buscam, além da restituição de um ou mais

ecossistemas, uma condição não alinhada com a degradação, mas diferente

de sua original; procuram a restituição de um ecossistema o mais próximo

de suas condições originais; as técnicas de manejo que visem a tornar um

ecossistema novamente produtivo, assim como a obtenção de condições

para estabelecer um equilíbrio dinâmico (BRASIL, 2000; SANCHEZ, 2006).

Percebe-se, portanto, segundo Binder (1998), uma gama de

possibilidades quando se trata de processos de recuperação ambiental de

áreas degradadas. Dependendo de seu objetivo, das características da área,

da sua situação de degradação e da sua capacidade de resiliência, diferentes

abordagens podem ser adotadas.

Além disso, ao realizar uma abordagem sobre o território de uma

bacia hidrográfica, uma visão sistêmica é permitida, levando em

consideração os diversos fatores atuantes sobre o território e a sinergia

entre eles, bem como a forma como ela atua no ecossistema da bacia como

um todo. Assim, em uma bacia urbana, seja o caso do Canal do Mangue (RJ)

ou do Rio Icaraí (Niterói) observa-se a presença de variados elementos

socioeconômicos e ambientais, além de urbanísticos e políticos exercendo

influência sobre o território.

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192

Os diversos tipos de abordagem para a recuperação ambiental e a

grande gama de fatores ativos em um território, além de sua sinergia,

podem ser considerados gargalos no processo de retomada de sua

qualidade ambiental. Há, dessa forma, a demanda de um conhecimento

vasto da bacia hidrográfica, seu território, suas características originais, e

padrões de intervenção, além da análise de suas dinâmicas para a definição

de uma estratégia.

É importante atentar-se, ainda, para os atores responsáveis pelo

desenvolvimento, sucesso e manutenção do processo de resgate da

qualidade do meio ambiente. Voltando novamente o olhar para a base legal,

a Constituição Brasileira traz o dever de preservação e restauração do meio

ambiente ao poder público e à coletividade (BRASIL, 1988). A Política

Nacional de Meio Ambiente traz, ainda, a imposição ao poluidor da

obrigação de buscar a recuperação do meio ambiente (BRASIL, 1981). Pode-

se, então, ressaltar a responsabilidade compartilhada pela qualidade

ambiental do território, chamando atenção para a sociedade civil como ator

responsável pela garantia da conservação e manutenção dessa qualidade.

É observado então outro desafio a ser enfrentado na recuperação

ambiental de bacias hidrográficas: a mudança na relação entre pessoas e

meio ambiente. As alterações trazidas pelo processo de ocupação de um

território acabam, portanto, por serem importantes na definição e

construção da relação entre a sociedade nele inserida e o meio ambiente e

recursos naturais locais.

Na bacia do canal do Mangue, por exemplo, percebe-se um padrão

de ocupação que não conversa com os elementos naturais da bacia. Corpos

hídricos artificializados, canalizados, enterrados; o lançamento de esgoto

sem tratamento em rios e córregos; casas virando suas costas para os rios

locais; a retirada de vegetação são exemplos de situações nas quais se pode

perceber o distanciamento da vida urbana do meio natural (LEITE, 2017).

Este distanciamento tem influência no comportamento da sociedade

local em relação ao meio em que vive. A percepção de pertencimento ao

seu território dá lugar ao sentimento de posse. A cidade e sua população

são construídas, então, não pertencendo àquele local, mas apropriando-se

do espaço. Dessa maneira, a dinâmica urbana é imposta ao território,

trazendo impactos ao funcionamento e equilíbrio de ecossistemas, sem a

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 193

inclusão dos seres humanos e suas atividades a eles. Entende-se, portanto, o

ser humano como ator externo que impõe atividades, sem, entretanto, fazer

parte da natureza.

Observa-se, ainda, a grande diversidade de ecossistemas afetados

por impactos antrópicos. Dentre eles, a rede hidrográfica que corta o

território. O ecossistema hidrográfico apresenta-se de forma bastante

alterada e sensível dentro dos limites de uma bacia hidrográfica urbana.

Alvo de descaracterizações diversas, a dinâmica hidrográfica se encontra

alterada, de forma a atingir setores da infraestrutura urbana, influenciando

também outros ecossistemas a ela relacionados, com seus problemas.

Grandes inundações são constantemente relatadas em cidades como

o Rio de Janeiro, com especial atenção à região da Praça da Bandeira,

inserida nos limites da bacia do canal do Mangue. O que também pode ser

associado ao quadro vulnerável da bacia do rio Icaraí, praticamente toda

impermeabilizada.

Canalizados, escondidos, espremidos entre prédios, identifica-se o

não protagonismo dos rios dentro de seu próprio território. A imposição da

cidade sobre o terreno calou seus rios, transformou-os em canais de

passagem para retirar as águas do convívio urbano, voltando suas costas

para eles, e estrangulando-os. A ocupação de suas margens, a retirada de

sua vegetação ciliar, a perda da sua biodiversidade, entre outros fatores

observados, podem mostrar a vulnerabilidade apresentada pela rede

hidrográfica de uma bacia urbana, como as bacias do canal do Mangue e do

rio Icaraí, com consequências na dinâmica das cidades. Pode-se considerar

esta questão, portanto, como mais um desafio para a recuperação

ambiental de uma bacia, tornando-se primordial, assim, trazer os corpos

hídricos para o convívio da cidade, como parte da paisagem e dinâmica

urbanas.

Dessa forma, observa-se a necessidade da recuperação de bacias

hidrográficas degradadas a partir de dois principais objetivos: de resgatar o

equilíbrio ecológico e a qualidade do meio ambiente e seus ecossistemas,

para seu melhor funcionamento; e de melhoria da qualidade de vida da

população local, trazendo de volta a importância de sua boa relação com o

território em que se insere.

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De tal forma que outro desafio a ser enfrentado na recuperação

ambiental de bacias hidrográficas deve ser considerado: a mudança na

relação entre pessoas e meio ambiente. As alterações trazidas pelo processo

de ocupação de um território acabam, portanto, por serem importantes na

definição e construção da relação entre a sociedade nele inserida e o meio

ambiente e recursos naturais locais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A bacia hidrográfica como recorte espacial e unidade territorial de

planejamento traz a possibilidade de uma visão sistêmica projetada sobre os

problemas enfrentados pelo território, sejam eles socioambientais ou

jurídico-urbanísticos. Dentro dos limites de uma bacia é possível traçar uma

relação de interdependência entre os diversos ecossistemas ali presentes e

as atividades nela desempenhadas. O território da bacia pode ser visto

como um sistema interligado, com características únicas, que afetam umas

às outras. Torna-se possível, portanto, compreender a dinâmica de uma

localidade, os impactos nela encontrados, seja eles positivos ou negativos, e

suas possíveis causas ou situações de agravamento. A compreensão desta

dinâmica é fundamental para a realização do planejamento, sendo ele

socioeconômico, ambiental ou territorial, trazendo propostas e soluções

mais eficazes, levando em consideração a sinergia entre fatores exercidos

sobre o território. Dessa forma, a abordagem sobre a bacia traz clareza ao

fato de que seus elementos ambientais, socioeconômicos e políticos

interagem entre eles, e trazem modificações ao sistema, repercutindo direta

e indiretamente no espaço delimitado por seu contorno.

A abordagem da bacia como unidade territorial pode trazer, então,

uma reflexão a respeito da relação entre cidade e rio, enfatizando a

conexão, ou ausência de conexão, entre os agentes ativos de uma cidade,

sua população local e os corpos hídricos que se inserem em determinada

localidade. De modo que é possível a observação do afastamento entre

pessoas e águas urbanas, quando, por exemplo, casas viram suas costas

para os rios, ou os mesmos se encontram canalizados e cobertos. Essa perda

do protagonismo das águas no território de bacias urbanas pode ser

avaliada como um fator influente na descaracterização de uma bacia

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 195

hidrográfica, trazendo ainda uma distorção da função socioambiental das

águas e seu papel na dinâmica e equilíbrio ambiental para o meio. Afinal, rio

saudável contribui para uma cidade saudável.

Evidencia-se assim que a bacia como unidade de planejamento

pode desempenhar também papel decisivo para o conhecimento e

entendimento dos impactos ambientais resultantes do processo de

urbanização e expansão da ocupação. A percepção das mudanças antrópicas

causadas pelas alterações no uso do solo tem a capacidade de elucidar a

relação entre meio urbano e meio natural, entre cidade e ambiente em que

se insere. Esse entendimento se torna prioritário para a melhoria da

qualidade de vida da população urbana brasileira, para a qualidade do

ambiente urbano e para o desenvolvimento sustentável do território.

A sustentabilidade no desenvolvimento urbano, por sua vez, pode

possuir como centralidade as águas urbanas e seus ecossistemas. A água,

como componente essencial para a existência de vida e patrimônio do

planeta definido pela ONU (1992), encontra seu ciclo alterado pela ação

antrópica. Principalmente em ambientes urbanos, essas alterações são

claramente observadas, trazendo consequências para toda a dinâmica da

bacia. Portanto, considerar a bacia hidrográfica como base para o

planejamento e gestão de um território pode ser decisivo para seu sucesso.

No Brasil, apesar do aparato regulatório voltado ao ordenamento

do território ser apoiado nos limites administrativos, atenta-se, para a

adoção da bacia, como unidade territorial de planejamento e gestão

urbano-ambiental, para todo o território nacional. Espera-se trazer esta

diretriz para a prática, buscando efetividade e sustentabilidade em suas

ações.

E diante do contexto acima descrito, como conciliar o gerenciamento

e ações no território a partir de bacias hidrográficas e a manutenção dos

dispositivos legais/institucionais, tal como estão postos? Este nos parece ser

o maior desafio a ser enfrentado pela temática da recuperação ambiental de

bacias hidrográficas. E é o que se apresenta como um caminho a ser

perseguido pela pesquisa em curso.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 199

Capítulo 11

OS MEIOS MORFODINÂMICOS EM BACIAS HIDROGRÁFICAS: O CASO DO CÓRREGO DO CARMO NO MUNICÍPIO DE ITUIUTABA/MG

Leda Correia Pedro Miyazaki50

Maria Cristina Moreira Penna

51

1 INTRODUÇÃO

As inter-relações que envolvem as dinâmicas da sociedade e da

natureza e os efeitos e respostas no espaço geográfico é uma das discussões

que têm permeado as pesquisas geográficas no século XXI. Essa temática

tem se fortalecido na academia, principalmente por envolver uma

abordagem integrada de processos, sejam de origem natural ou antrópica,

com o intuito de analisar as implicações e os resultados dessa inter-relação

na paisagem. Essa inter-relação tem gerado alguns problemas de caráter

socioambiental, vinculados à degradação, que de maneira direta ou indireta

acaba afetando a qualidade tanto do ambiente quanto de vida da

população.

Neste contexto, uma das unidades de pesquisa mais utilizadas nos

estudos geográficos-geomorfológicos vinculados aos estudos de degradação

ambiental, seja nas áreas urbanas ou nas áreas rurais, são as bacias

hidrográficas. Isso acontece devido ao fato de integrar as inter-relações

entre as dinâmicas da sociedade e da natureza para poder compreender os

efeitos e as respostas do ambiente diante essa inter-relação.

Partindo dessa abordagem, procurar-se-á explanar sobre as

implicações decorrentes da inter-relação entre as dinâmicas da sociedade e

50 Doutora, Curso de Graduação em Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFU), campus Pontal. E-mail: [email protected] 51 Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), campus Pontal. E-mail: [email protected]

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da natureza e os impactos ambientais que ocorrem nas bacias hidrográficas

rurais e/ou urbanas. Dessa forma, propõe-se uma análise do processo de

ocupação da área de estudo com a finalidade de demonstrar como o espaço

está sendo produzido nas bacias hidrográficas, além de analisar como as

inter-relações entre as dinâmicas da sociedade e da natureza estão

impactando o ambiente e provocando o rompimento do equilíbrio dinâmico

dos processos naturais ligados diretamente à ação da sociedade.

Para tanto, escolheu-se como área modelo a bacia hidrográfica do

córrego do Carmo, uma bacia hidrográfica com uso misto, sendo este ligado

a atividades urbanas e rurais.

A geomorfologia tem contribuído de forma efetiva na compreensão

dos processos responsáveis pela evolução do relevo nas bacias hidrográficas

e tem subsidiado pesquisas que buscam recuperar e mitigar impactos

ambientais decorrentes da inter-relação das dinâmicas da sociedade e da

natureza. No entanto, é importante para esses estudos a apreensão dos

principais processos naturais que ocorrem em uma bacia e como a ação do

homem (dinâmica da sociedade) vem rompendo o equilíbrio dinâmico da

natureza.

Assim, serão abordados alguns princípios que guiarão a reflexão

sobre a temática abordada neste capítulo, sendo esses a explanação de

algumas teorias geomorfológicas, aspectos naturais que caracterizam as

bacias e os efeitos e as respostas do ambiente perante as intervenções

antrópicas a partir dos estudos de caso.

2 A QUESTÃO DA MORFODINÂMICA NAS BACIAS HIDROGRÁFICA:

TEORIAS, CONCEITOS E PROCESSOS

2.1. O EQUILÍBRIO DINÂMICO NA INTERPRETAÇÃO DA EVOLUÇÃO DO RELEVO

A teoria do “Equilíbrio Dinâmico” pode ser considerada uma das

primeiras proposições estudadas pela geomorfologia nos anos 1960 que

embasou diversas pesquisas geográficas-geomorfológicas para se entender

como o relevo evolui e os principais processos operantes ligados ao

desenvolvimento das formas de relevo. Essa teoria tenta demonstrar como

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 201

os processos naturais ocorrem e que possuem um equilíbrio natural,

mantendo determinada harmonia de evolução das formas superficiais.

Segundo Casseti (2005, s. p.), o “autor que mais tem trabalhado no

enfoque acíclico do conceito de ‘equilíbrio dinâmico’ é Hack (1960)”, sendo

esse baseado na teoria geral dos sistemas de Bertalanfy (1937), vinculado à

linhagem epistemológica anglo-americana pós-davisiana.

A teoria do equilíbrio dinâmico trabalha com o conceito de que o

relevo é um sistema aberto onde ocorrem constantes trocas de energia e

matéria com outros sistemas terrestres, estando ligado à resistência

litológica. No entanto, existiam pesquisadores, como, por exemplo, Valter

Penck, que acreditavam que as formas superficiais (relevo) eram resultantes

da competição entre o levantamento da crosta e a erosão. Por outro lado,

pesquisadores como John Hack acreditavam que as morfologias eram

oriundas “de uma competição entre resistência dos materiais da crosta

terrestre e o potencial das forças de denudação” (CASSETI, 2005, s. p.).

Lembrando que foi a partir dos estudos de Gilbert (1877) que surgiu a

primeira tentativa de explanação da evolução do relevo com base no

equilíbrio dinâmico, e que Hack a utilizou com o intuito de explicar as

formas do vale Shenandoh, localizada na região dos Apalaches, a partir das

características da rede de drenagem e das vertentes (CASSETI, 2005).

Assim, para Hack (1960; 1975), o equilíbrio dinâmico envolvia a

compreensão de um balanço entre processos que ocorrem na paisagem,

sendo resultante de um estado de equilíbrio entre forças antagônicas (que

se combatem), que atuam sob taxas iguais e seus efeitos se anulam

reciprocamente.

Nesse sentido, o equilíbrio dinâmico é sustentado pelo ajuste

recíproco entre os processos de agradação e degradação do relevo, sendo

qualificado por Cristofoletti (1973) pelo balanço dos fluxos de matéria e

energia que entram e saem do sistema geomorfológico, ou, em outras

palavras, que os processos morfogenéticos se encontram balanceados com

as condições características do ambiente podendo ser considerados de um

lado pela resistência litológica perante a ação exógena representada pela

denudação.

Christofoletti (1973) afirma que o sistema geomorfológico consegue

atingir o estado de equilíbrio dinâmico quando ocorre um ajustamento das

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202

formas do relevo com a entrada e saída de energia e matéria, pois o

gradiente dos canais fluviais passam a ser adequados à quantidade de água

e a carga acertado à resistência do leito, isso acontece de tal modo que o

trabalho seja igualmente distribuído em todo o segmento fluvial: Toda alternância de energia, seja interna ou externa, promove alteração no sistema, manifestada através da matéria, razão pela qual os elementos da morfologia tendem a se ajustar em função das modificações impostas, seja pelas forças tectodinâmicas, seja pelas alterações processuais (mecanismos morfoclimáticos). Diante disso, a morfologia não tenderia necessariamente para o aplainamento, visto que o equilíbrio pode ocorrer sob os “mais variados panoramas topográficos. (CASSETI, 2005, s.p.).

Partindo desse princípio, qualquer alteração que ocorra em um

ponto da bacia hidrográfica pode atingir as demais partes levando ao

estágio de desequilíbrio. Isso acontece devido à interdependência dos

elementos que fazem parte do sistema geomorfológico da bacia hidrográfica

considerando a teoria do equilíbrio dinâmico. Neste sentido Casseti (2005,

s.p.), afirma que:

[...] para Hack as formas de relevo e os depósitos superficiais possuem uma íntima relação com a estrutura geológica (litologia) e mecanismos de intemperização, embora deixando transparecer maior valorização da primeira. O autor verificou que a declividade dos canais fluviais diminui com o comprimento do rio e varia em função do material que está sendo escavado. Por exemplo, na bacia de Shenandoah ele observou (1965) que os canais nos arenitos endurecidos possuíam um gradiente aproximadamente dez vezes maior que os dos canais esculpidos nos folhelhos. Assim, o equilíbrio é alcançado quando os diferentes compartimentos de uma paisagem apresentam a mesma intensidade média de erosão.

O equilíbrio dinâmico nas bacias hidrográficas é identificado quando

os processos operantes, como a erosão e a deposição, apresentam-se com

as mesmas intensidades.

Outro aspecto importante a se considerar na teoria é que as forças

atuantes não são estáticas e sim dinâmicas. Casseti (2005, s.p.) explica que:

[...] qualquer alteração no fluxo de energia incidente tende a responder por manifestações no comportamento da matéria, evidenciando alterações morfológicas. Como exemplo, as mudanças

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 203

climáticas ou eventos tectônicos produzem alterações no fluxo da matéria, até a obtenção de novo reajustamento dos componentes do sistema. Algo intrínseco ao argumento de Hack é que o modelado do relevo se adapta rapidamente às variações dos fatores de controle ambiental. Desse modo, quando o sistema readquire o equilíbrio dinâmico, desaparecem gradativamente as marcas relacionadas às fases anteriores que estavam presentes na paisagem. O referido equilíbrio poderá ser mantido ainda em condições de instabilidade tectodinâmica, desde que os efeitos denudacionais acompanhem o mesmo ritmo, o que já havia sido admitido anteriormente por Penck (1929).

Quando ocorre a mudança da intensidade no fluxo de energia em

uma bacia hidrográfica (entrada de energia), que pode ser exemplificada por

meio da precipitação, esta poderá incidir diretamente no sistema bacia uma

vez que desencadeará alterações significativas no comportamento da

matéria, ou seja, nos sedimentos desprendidos, transportados e

depositados. No momento em que acontece essa alteração na dinâmica dos

processos naturais, a tendência é que o sistema geomorfológico de uma

bacia hidrográfica procure atingir um novo estado de equilíbrio dinâmico.

É importante constatar que Hack utilizou-se de relações dinâmicas

apresentadas por Gilbert (1877) e posteriormente por PencK (1924), em que

o “[...] mérito atribuído a Hack é o de estruturar um encadeamento lógico

na concepção sistêmica do modelado, em detrimento da visão fragmentada

do relevo” (CASSETI, 2005, s.p.).

A teoria foi fundamental para se compreender como o relevo de uma

bacia hidrográfica evolui e os processos responsáveis pela evolução

encontram-se em estado de equilíbrio dinâmico, caracterizado por um

movimento constante em que, a partir de um desajuste no sistema, a bacia

hidrográfica tenderá a procurar um novo ponto de equilíbrio entre os

processos naturais.

Jean Tricart (1957) utilizou a teoria do balanço morfogenético para

descrever quais os principais processos naturais responsáveis pela evolução

do relevo. Nessa abordagem, o relevo identificado em uma bacia

hidrográfica é compreendido a partir do balanço que ocorre a partir das

características existentes em determinada paisagem, sendo o balanço

morfogenético positivo ou negativo (CASSETI, 2005).

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204

Na primeira situação, o balanço morfogenético de uma bacia

hidrográfica pode ser identificado como negativo quando a componente

perpendicular é superior à componente paralela, ou seja, quando a bacia

possui uma paisagem marcada com vegetação exuberante ou bastante

representativa e consiga atuar de forma a amortecer os impactos das águas

pluviais, diminuindo o colisão das gotas das chuvas diretamente com o solo,

ou até mesmo servindo como barreira de proteção. Assim, as águas pluviais

poderão escorrer pelos troncos de forma a atingir os solos com uma

velocidade reduzida, pois grande parte dessas águas irá infiltrar e percolar

no solo, favorecendo o processo de pedogênese. Por outro lado, uma

pequena parte irá escoar superficialmente, caracterizando a erosão natural

e fraca atuação do processo morfogenético. Quando a água percolante

atinge a rocha parental ocorre processo de intemperismo químico, que está

ligado diretamente à formação de solos e à pedogênese (CASSETI, 2005). O

balanço é negativo devido ao fato de favorecer a formação de solos, a

pedogênese e não a esculturação do relevo por morfogênese.

O balanço morfogenético é considerado positivo quando uma bacia

hidrográfica exibe uma paisagem com cobertura vegetal incipiente (arbustos

e vegetação de pequeno e médio porte, incluindo uma cobertura rasteira ou

até mesmo ausente). Isso facilitará o escoamento superficial em detrimento

da infiltração e percolação das águas pluviais. Assim, o impacto das gotas

oriundo das chuvas irá desagregar o solo, transportá-lo e depositá-lo nas

áreas de relevo mais baixas, formando um pacote de sedimentos advindos

do intenso processo morfogenético (CASSETI, 2005). Portanto, o balanço

torna-se positivo pelo fato de as condições do ambiente que compõem a

paisagem da bacia favorecerem a erosão natural nas encostas, ou o

processo morfogenético.

No entanto, Tricart (1977) propõe a teoria da Ecodinâmica, que busca

inserir na análise sobre a questão da evolução do relevo e o rompimento do

equilíbrio dinâmico dos processos naturais, aplicando uma taxonomia para

os meios, sendo facilmente aplicados aos estudos vinculados às bacias

hidrográficas. É a partir desta “teoria” geomorfológica pós-anos 1960 que o

homem é inserido como um agente externo que é capaz de desencadear de

forma direta ou indireta impactos ambientais. A ecodinâmica se constitui

em uma classificação que permite identificar ambientes distintos quanto a

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 205

estabilidade e instabilidade morfodinâmica, além de um ambiente em

estado de transição, sendo identificadas três grandes categorias: os meios

morfodinâmicos estáveis, os fortemente instáveis e os intermediários.

Os meios morfodinâmicos estáveis são aqueles que apresentam

superioridade da pedogênese em detrimento da morfogênese. Nesta

perspectiva, a paisagem de determinado local, ou de uma bacia hidrográfica,

caracteriza-se pela presença de uma cobertura vegetal exuberante, cuja

função é barrar de forma eficaz o desencadeamento de mecanismos

morfogenéticos. A dissecação do relevo é considerada moderada, pois sem

uma forte incisão dos cursos d’água as vertentes tendem a apresentar uma

lenta evolução. Outro aspecto marcante é a ausência de manifestações

vulcânicas que poderiam desencadear catástrofes ou desastres naturais. É

importante enfatizar que este meio morfodinâmico é embasado pelo

conceito de fitoestasia, que demonstra a importância da cobertura vegetal

que atua como um fator de estabilidade/equilíbrio da ação da radiação, da

chuva e do vento no ambiente (TRICART, 1977; PEDRO MIYAZAKI, 2014).

Os meios morfodinâmicos intermediários ou intergrades podem ser

entendidos como a passagem gradual do meio morfodinâmico estável para

o meio fortemente instável. Este meio é marcado pela coexistência e

influência constante da morfogênese e da pedogênese em determinada

paisagem, considerando a complexidade dos fenômenos naturais. Pode-se

dizer que este meio morfodinâmico é cambiante e sensível às intervenções

pontuais. O balanço entre a pedogênese e morfogênese encontra-se em

equilíbrio devido à presença de uma vegetação exuberante, que é

considerada como um controle biológico mais eficaz (TRICART, 1977;

FUSHIMI, 2012).

Os meios morfodinâmicos fortemente instáveis são aqueles que

possuem o predomínio da morfogênese, em detrimento a outros processos.

Este meio é marcado pelos eventos extremos que podem ser exemplificados

pela ação tectônica, em que vertentes íngremes apresentam-se instáveis

ainda que exibam cobertura vegetal densa. A forte instabilidade climática

também é um aspecto importante a ser considerado neste meio, pois

determinadas espécies vegetais possuem dificuldade de adaptação,

afetando a eficácia da função de fitoestasia. As oscilações climáticas naturais

tendem a ser menos intensas, provocadas em determinadas situações em

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206

que o clima é responsável pela diminuição branda da vegetação,

influenciando o predomínio da morfogênese sobre a pedogênese. Neste

meio pode ser considerada ainda a degradação de origem antrópica, que

contribui para a superioridade da morfogênese, cujos solos são afetados

pela erosão. Nesse meio pode-se citar a erosão antrópica ou acelerada

como um dos principais exemplos de resistasia. Os fenômenos catastróficos

ligados aos escorregamentos assolam o manto regolítico antes presente no

local. Assim, a pedogênese acaba sendo descontínua, sendo os efeitos

anulados pela morfogênese. O ravinamento e o escoamento superficial

difusos, associados a outros processos, transportam os materiais que são

formados nas vertentes, aflorando dessa forma o material parental. A partir

do momento em que ocorre a intensificação do processo erosivo, a

instabilidade do meio morfodinâmico aumenta. Contudo, as ravinas

oriundas da intensificação do escoamento linear podem se estabilizar

passando de um meio instável para um intergrades, caso a cobertura

vegetal cresça (TRICART, 1977; CABRAL et al., 2016).

Assim, o princípio da Ecodinâmica pode ser muito bem aplicado nos

estudos de bacias hidrográficas, uma vez que possibilita identificar aspectos

de caráter natural atrelado a processos dinâmicos naturais em um estado

que vai do equilíbrio até o desequilíbrio.

Nesse sentido, a morfodinâmica constitui uma abordagem que

permite realizar uma análise do conjunto de processos interligados, sendo

responsáveis pela gênese e evolução do relevo, envolvendo principalmente

o ser humano. Casseti (2005, s.p.) refere que:

O conceito de processo morfodinâmico tem sido entendido como aquele associado ao intemperismo atual, ou seja, relacionado à escala de tempo histórica, incorporando-se às diferentes formas de intervenções, destacando-se as antropogênicas. Portanto, são processos mais restritos, tanto no tempo quanto no espaço, sujeitos a oscilações ou ritmos dos principais agentes naturais, como as chuvas, considerando as modificações impostas pelo ser humano no processo de apropriação do relevo.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 207

Assim, conhecer a morfodinâmica de determinada bacia hidrográfica

pode subsidiar uma série de ações, de medidas que visam à recuperação de

áreas degradadas.

Desse modo, as teorias abordadas foram fundamentais para embasar

a compreensão de dinâmica de evolução do relevo em uma bacia

hidrográfica, considerando em um primeiro momento apenas processos

naturais e, por fim, envolvendo o homem como um agente. É a partir da

inserção do homem como um agente modelador ou acelerador dos

processos naturais que as pesquisas sobre a morfodinâmica nas bacias

hidrográficas adquirem caráter integrado, incorporando na análise as

dinâmicas dos processos naturais e sociais-antrópicos.

2.2 A ANÁLISE DOS PROCESSOS MORFODINÂMICOS A PARTIR DA RELAÇÃO SOCIEDADE E NATUREZA EM BACIAS HIDROGRÁFICAS

Em bacias hidrográficas naturais a dinâmica ocorre principalmente

devido às águas de origem pluvial e fluvial, que é o principal agente

modelador e modificador da paisagem. As águas assumem diferentes

estados e trajetórias, sendo entendida como um ciclo quando há entrada

nos sistemas terrestres, por meio de precipitação, que desencadeiam uma

série de processos e possíveis direções que dependem não só das

características da precipitação propriamente, mas, sobretudo, dos atributos

e condições das diferentes componentes por onde irá circular (BOTELHO,

2010).

Pensando-se no ciclo hidrológico, a água, ao atingir a superfície

terrestre com a presença da cobertura vegetal exuberante, assume diversos

caminhos. Parte pode ser interrompida pela copa das árvores e evaporar

para a atmosfera, ou pode escoar pelos troncos e atingir com menor

velocidade a superfície, podendo escoar superficialmente ou infiltrar e

percolar no solo. Isso dependerá das características intrínsecas do tipo de

solo, das condições do relevo, entre outros componentes. Ao infiltrar, a

água que percola irá abastecer as nascentes dos cursos d’água, ou atingir

profundidades, permitindo o aumento de volume de água nos lençóis ou

aquíferos freáticos. Caso ocorra o escoamento, pode provocar erosão do

tipo natural ou geológica, uma vez que o escoamento superficial provoca o

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208

transporte e a deposição de sedimentos (que ocorre em um equilíbrio

dinâmico natural), ou contribui para o abastecimento dos cursos d’água de

uma bacia hidrográfica contribuindo para as enchentes ou cheias.

No entanto, quando uma bacia hidrográfica passa por um processo

de urbanização, os processos naturais que se encontram em um estado de

biostasia (equilíbrio dinâmico) são alterados, passando para uma situação de

resistasia (rompimento do equilíbrio dinâmico).

O processo de produção do espaço urbano transforma as

características naturais da bacia hidrográfica. Por exemplo, os topos, as

vertentes ao serem ocupadas sofrem transformação, isso ocorre por meio

da construção de taludes nas vertentes e processos de terraplanagem nas

áreas de topos, assim como nas vertentes. Além dessas transformações,

estes compartimentos geomorfológicos são impermeabilizados, provocando

um desequilíbrio no ciclo hidrológico local. Outro tipo de intervenção ocorre

quando são construídos os arruamentos, que acabam se transformando em

verdadeiros canais de escoamento artificiais, uma vez que o escoamento

superficial, conhecido como enxurradas, adquire velocidade devido à

ausência de resistência ao longo da via pavimentada, dessa forma,

sedimentos associados a resíduos sólidos são transportados e depositados

em áreas mais baixas do relevo.

Segundo Tucci (2001) o processo de urbanização provoca o acréscimo

de sedimentos na bacia hidrográfica, isso ocorre por causa das edificações,

também a intervenção nos terrenos (retirada de qualquer material sobre o

solo, como, por exemplo, a vegetação) para novos loteamentos, construções

de vias, entre outras obras. Os solos oriundos dessas áreas ficam expostos a

intempéries, desde o início do loteamento até mesmo quando ocorre o

início da ocupação.

Em bacias hidrográficas que possuem áreas urbanas são visíveis as

alterações da paisagem, principalmente devido ao uso e ocupação, que

alteram tanto o solo quanto o subsolo. Ambos ficam expostos e suscetíveis a

ação das águas pluviais que podem se manifestar em formas erosivas,

principalmente entre a fase que envolve o início do loteamento até o fim da

ocupação do relevo da bacia. A fase de consolidação do loteamento, que

representa o auge da impermeabilização da área, demonstra uma

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 209

diminuição da produção de sedimentos oriundos do processo inicial de

instalação do loteamento.

Os processos erosivos ocorrem não apenas nas áreas rurais, mas

também nas áreas urbanas. O solo exposto, decorrente de intervenção

antrópica, fica à mercê do efeito splash, quando os sedimentos são

desprendidos e deslocados devido ao impacto das gotas da chuva que, ao

atingirem o solo com grande velocidade, provocam o selamento do solo,

dando origem à formação das poças, e quando atingem o nível máximo de

armazenamento passam a escoar (GUERRA, 1999).

O solo, quando saturado, também inicia o processo de escoamento

podendo ocorrer de forma laminar, cuja forma homogênea atinge grande

área e retira camadas superficiais do solo. Em seguida, quando encontra

determinados canais, a água escoa de forma linear entalhando a superfície

do solo dando origem aos sulcos, as ravinas e até mesmo as voçorocas.

Todos os sedimentos deslocados e transportados são depositados nas áreas

mais baixas do relevo da bacia hidrográfica assoreando os cursos d´água, ou

contribuindo para a formação dos depósitos tecnogênicos, sendo camadas

de deposição formadas a partir da ação direta ou indireta do ser humano

(PEDRO MIYAZAKI, 2014).

Os sedimentos depositados nos fundos de vale e nos cursos d’águas

reduzem a capacidade de escoamento durante as cheias dos canais que

formam a rede de drenagem e as inundações se tornam mais frequentes

(COSTA; PEDRO MIYAZAKI, 2015). Este é outro processo de fácil

identificação nas bacias hidrográficas urbanas.

As inundações e enchentes são processos naturais decorrentes dos

períodos de chuvas torrenciais ou chuvas de longa duração (TOMINAGA;

AMARAL, 2012). A magnitude e a frequência das inundações estão

associadas a alguns fatores, tais como a intensidade e distribuição das

chuvas, a taxa de infiltração dessas águas no solo, além do grau de

saturação do solo e das características morfométricas e morfológicas da

bacia hidrográfica (REIS et al. 2012).

Considerando uma bacia hidrográfica em seu estado natural, os

compartimentos geomorfológicos identificados como fundos de vale

apresentam lento escoamento superficial das águas das chuvas, pois as

áreas de topo e as vertentes com cobertura vegetal exuberante contribuem

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para uma maior infiltração em detrimento do escoamento superficial. Isso

interfere positivamente para o abastecimento do lençol e aquíferos

freáticos de uma bacia, contribuindo para manutenção do equilíbrio

dinâmico do ciclo hidrológico. No entanto, quando as bacias hidrográficas

são alteradas por meio da intervenção antrópica, estes fenômenos

(infiltração e escoamento) têm sido intensificados. As ações que envolvem a

impermeabilização do solo, a retificação do relevo, a canalização dos cursos

d’águas, contribuem para o aumento, a concentração do escoamento

superficial, que se deslocam rapidamente pelo relevo da bacia e intensificam

o acúmulo das águas superficiais nos fundos de vale e o assoreamento dos

cursos d’água.

O padrão de urbanização, cuja ocupação do relevo de uma bacia

hidrográfica impermeabiliza os fundos de vale e as vertentes, rompe o

equilíbrio natural dos processos, e, mesmo em cidades de topografia

relativamente plana e com pouco declive, onde, teoricamente, a infiltração

seria beneficiada, a situação é catastrófica durante os meses mais chuvosos

(TAVARES; SILVA, 2008).

Os cursos d’água em condições naturais (córrego com mata ciliar,

sem assoreamento, sem ocupação da área de planície de inundação entre

outras) apresentam uma dinâmica que envolve dois eventos, sendo estes as

enchentes ou cheias e as inundações. As enchentes podem ser

compreendidas como o aumento do nível de água de um rio ou de um

córrego, aumentando consequentemente a vazão, atingindo a cota máxima

do canal sem que as águas extravasem. Por outro lado, a inundação é

entendida como o transbordamento dessas águas, chegando à planície

aluvial ou de inundação. Esses são processos naturais que fazem parte da

dinâmica da natureza.

No entanto, existe um processo ligado aos cursos d’água em bacias

hidrográficas urbanas que se tornam áreas de risco devido à intervenção

antrópica, esses processos são conhecidos como alagamentos e as

enxurradas.

De acordo com o Ministério das Cidades e IPT (2007), o alagamento

pode ser definido como o “acúmulo momentâneo de águas em uma dada

área por problemas no sistema de drenagem, podendo ter ou não relação

com processos de natureza fluvial”. Todavia, muitas áreas que sofrem

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 211

periodicamente inundações e consequentemente alagamentos, sendo

consideradas áreas de risco, estão vinculadas à ocupação irregular de

planícies de inundação, compartimento de relevo que sofre inundações

periodicamente devido à dinâmica fluvial natural. As intervenções e ações

antrópicas decorrentes do processo de ocupação das bacias hidrográficas,

que favorecem o escoamento superficial concentrado e com alta energia de

transporte, dão origem às conhecidas enxurradas. Isso devido às

características naturais do curso d’água como a vazão, morfologia em V ou

aberto, declividade, a presença de mata ciliar, regime de chuvas, associadas

a intervenção antrópica como desmatamento, retificação e canalização dos

cursos d’água, impermeabilização das vertentes, ocupação das áreas de

planície de inundação entre outras.

3 OS MEIOS MORFODINÂMICOS NA BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO DO CARMO-ITUIUTABA/MG 3.1 CARACTERÍSTICAS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO DO CARMO

A bacia hidrográfica do Córrego do Carmo localizada na porção

central do município de Ituiutaba/MG, exatamente nas coordenadas 19° 00’

S e 49° 50’ W, pode ser considerada como uma bacia hidrográfica mista, pois

abrange usos vinculados a atividades urbanas e rurais, ocupando uma área

equivalente a 2.979,1 hectares (Figura 1).

Em relação ao perfil longitudinal do canal fluvial principal da bacia

hidrográfica do córrego do Carmo, a nascente se encontra a uma altitude de

610 metros. Em relação à foz, onde as águas fluviais deságuam no córrego

Pirapitinga, foi identificada uma altitude de 522 metros, apresentando um

ângulo de inclinação do perfil longitudinal de aproximadamente 5°. O ângulo

de inclinação do terreno exerce influência nos processos de infiltração,

percolação e escoamento das águas pluviais.

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Mapa 1 – Localização da bacia hidrográfica do córrego do Carmo

Fonte: Embrapa (2016).

Indica a possibilidade de maior infiltração de água no solo para

recarga de aquíferos, lençóis freáticos e a consequente ocorrência de

nascentes. Os terrenos que apresentam maior declividade, normalmente,

são desfavoráveis à infiltração de água da chuva (pedogênese), pois tendem

a aumentar o volume e a velocidade da enxurrada pela ação da força da

gravidade (morfogênese), fazendo com que o tempo para absorção seja

insuficiente.

O canal fluvial possui aproximadamente 10,7 quilômetros de

extensão e, junto com seus afluentes, a bacia apresenta padrão de

drenagem dendrítico, que se forma onde os talvegues não possuem

nenhuma orientação preferencial ou uma organização sistemática. É um

padrão típico de terrenos onde o substrato rochoso é uniforme, como os de

rochas sedimentares com acabamento horizontal ou de rochas ígneas ou

metamórficas maciças.

Em relação à hierarquia fluvial, a bacia hidrográfica se enquadra em

quarta ordem (STRAHLER, 1952), e recebe afluentes de terceira ordem que

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 213

chegam no máximo a quatro metros de extensão. De acordo com Strahler

(1952), a ordem é importante, pois quanto maior o número de afluentes

que um rio recebe, maior será sua vazão e disponibilidade hídrica.

Em relação aos tipos de solo, ocorre o predomínio dos latossolos

vermelhos, que são bastante profundos e sua origem está vinculada a

prolongadas condições climáticas tropicais quentes e úmidas, com relevo

plano (proporcionam a infiltração, a percolação) e a intemperização da

rocha matriz (LEPSCH, 2010). Esses tipos de solo reúnem algumas

características positivas como: suave inclinação do relevo, baixa

suscetibilidade à erosão, favoráveis ao trabalho das máquinas agrícolas e,

pela alta friabilidade e permeabilidade, possuem boas propriedades

internas.

A geologia que envolve a área de estudo possui rochas sedimentares

do Grupo Bauru, compostas pelas Formações Marília e Adamantina, além de

rochas do Grupo São Bento, que inclui a Formação Serra Geral (PEDRO

MIYAZAKI, 2016). Nas áreas de fundo de vale, onde houve entalhamento do

talvegue provocado pelo canal fluvial, é possível observar afloramento

rochoso de basalto da Formação Serra Geral, e nos relevos mais altos estão

os arenitos da Formação Marília.

Em relação às formas de relevo identificadas na bacia hidrográfica do

córrego do Carmo (Figura 2), identificaram-se quatro compartimentos

geomorfológicos que são: domínio dos topos suavemente ondulados das

colinas convexizadas; domínio das vertentes côncavas, convexas e retilíneas;

domínio das planícies aluviais e alvéolos, e domínio dos relevos residuais do

tipo tabuliformes. Os domínios dos topos suavemente ondulados das colinas

convexizadas apresentam-se quase planos, e essa característica favorece a

expansão territorial urbana por apresentarem terrenos mais planos e de

fácil ocupação.

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Figura 2 – Geomorfologia da bacia hidrográfica do córrego do Carmo

Fonte: Pedro Miyazaki (2016).

A vegetação natural que se encontra na área de estudo é composta

por vegetação nativa de cerrado como palmeiras, buritis, arbustos e árvores

de pequeno porte com galhos retorcidos. Seus galhos são retorcidos devido

ao clima seco do cerrado, os quais precisam se adaptar para sobreviver.

Essas árvores possuem um sistema radicular extenso para buscar

água nas partes mais profundas do solo em períodos de seca. Suas raízes

podem alcançar até quinze metros de profundidade para retirar água. Nessa

profundidade podem alcançar a rocha favorecendo o intemperismo físico e

formação de solo.

No entanto, as características ligadas aos aspectos naturais

apresentados passaram por um intenso processo de transformação,

alterando a dinâmica natural dos processos, provocando desequilíbrio

dinâmico.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 215

3.2 O USO E OCUPAÇÃO COMO UM FATOR IMPORTANTE PARA ROMPER O EQUILÍBRIO DINÂMICO DA BACIA HIDROGRÁFICA E A CLASSIFICAÇÃO DOS MEIOS MORFODINÂMICOS

Os impactos ambientais identificados na bacia hidrográfica estão

atrelados à forma como tem ocorrido o uso e ocupação, e as intervenções

realizadas pelo ser humano, por meio da ação antrópica, têm provocado o

rompimento do equilíbrio dinâmico dos processos naturais, cujos meios

morfodinâmicos estáveis, intermediários e instáveis podem ser identificados

atualmente.

Para demonstrar como a dinâmica da sociedade tem afetado o

equilíbrio dinâmico dos processos naturais, a identificação dos tipos de uso

e ocupação encontrados na bacia hidrográfica do córrego do Carmo são de

suma importância (Figura 3).

A distribuição espacial de cada uso e ocupação presente na bacia

hidrográfica do córrego do Carmo se apresentam em quatro categorias:

pastagem, área urbana, vegetação natural e culturas.

O primeiro uso se refere à pastagem que abrange maior área da

bacia hidrográfica, que apresenta 68,53% e ocupa o relevo de colinas,

principalmente em locais onde se encontram topos amplos, suaves e

ondulados e vertentes convexas e côncavas, em que os solos predominantes

são os latossolos vermelhos. A pastagem pode ser considerada como um

fator que contribui na estabilização dos processos morfogenéticos,

impedindo que grande parte do solo seja desprendido, transportado e

depositado no fundo de vale. O escoamento superficial, de modo geral,

ocorre de forma moderada, ou seja, a intensidade do escoamento é

medianamente moderada, evitando que grande parte dos solos sejam

erodidos.

Os tipos de impactos identificados nesta área da bacia são sulcos e

ravinas. Assim, este setor da bacia hidrográfica do córrego do Carmo foi

classificado como meio morfodinâmico intermediário.

Nesse sentido, é necessária uma atenção especial no que envolve a

conservação dos solos a partir da utilização de técnicas de manejo

adequado. Isso evitaria a compactação e impermeabilização do solo com o

consequente risco de processos erosivos mais intensos e perda de

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nutrientes. Além disso, o pisoteio do gado deve ser monitorado para evitar o

direcionamento e concentração de águas pluviais, além de ser mantido a

uma distância segura das áreas de preservação permanente existentes nas

margens dos cursos d’água.

Figura 3 – Uso e ocupação na bacia hidrográfica do córrego do Carmo

Fonte: Google Earth (2016).

A vegetação natural corresponde a 17,21% da área da bacia,

ocupando apenas uma pequena porção. Essa classe está vinculada às áreas

de preservação permanente (APPs), e não se encontram delimitadas e

isoladas dos demais usos, conforme estabelece o Código Florestal. A

vegetação natural encontrada junto aos fundos de vale e adjunta às APPs

impede que o solo fique exposto e sofra com os efeitos das ações climáticas,

como chuva e ventos. Encontra-se também em algumas áreas de topo do

relevo de colinas e dos relevos residuais, em áreas próximas às nascentes e

nos fundos de vale do canal fluvial principal e afluentes da bacia.

Nas áreas entre os topos e as nas altas vertentes côncavas

encontram-se algumas nascentes do córrego do Carmo, também é possível

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 217

identificar em fundos de vale com topografia suave a presença de planícies

aluviais com a presença de veredas (áreas planas e bastante úmidas)

ocupados por palmeiras, buritis. Também foram identificadas matas-galerias

à medida que os vales se alargam e apresentam formas em berço. Em áreas

mais distantes do perímetro urbano a vegetação natural se mostra mais

densa, e nos locais onde se encontra a malha urbana (os bairros foram

construídos e as ruas) ao longo do canal fluvial, a vegetação é praticamente

inexistente. Não se observam áreas verdes em meio à área urbana da bacia

hidrográfica.

É possível observar a presença de impactos ambientais vinculados a

esta classe, como, por exemplo, desmatamento, queimada clandestina,

focos de erosão como as voçorocas interdigitadas aos canais fluviais que

apresentam estabilidade por estar coberta de vegetação, além de alguns

pontos de assoreamento e solapamento das bordas dos cursos d’água.

Assim, o meio morfodinâmico estável está vinculado aos fundos de

vale onde se encontram o canal fluvial principal e afluentes, onde os

processos pedogenéticos tendem a ser mais intensos que os

morfogenéticos, apesar de serem identificados alguns impactos ambientais.

A área urbana corresponde a 12,04%, mais concentrada nas

proximidades da foz do canal fluvial e ocupa locais onde a topografia, bem

como o relevo de colinas suaves e vertentes com comprimento de rampa

longo e pouco declivoso foram ocupadas por loteamentos, residências,

arruamentos, que impermeabilizaram o relevo neutralizando o processo de

infiltração e percolação das águas pluviais e, consequentemente, a

pedogênese.

Essa situação privilegia o escoamento superficial e a concentração

das águas pluviais em determinados pontos da bacia hidrográfica. Isso tem

provocado problemas de ordem socioambiental, pois, devido à força do

escoamento, diferentes tipos de materiais são carreados e depositados nos

fundos de vale, além de obstruir as galerias de águas pluviais,

principalmente com o lixo e restos de materiais de construção. Essa

dinâmica tem contribuído para o aparecimento de pontos de alagamento

nas áreas urbanas. Outros problemas identificados se referem às queimadas

urbanas nas áreas de fundo de vale onde está o canal fluvial, as nascentes

de alguns afluentes do córrego do Carmo foram totalmente drenadas e

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soterradas para que lotes fossem construídos na bacia, alterando a dinâmica

de escoamento, infiltração dos processos naturais. Portanto, essa classe

associada às características naturais e as intervenções antrópicas

apresentaram aspectos que se enquadram no meio morfodinâmico instável.

A ocupação por culturas possui 1,22% da área da bacia, que são

identificadas por pequenos cultivos de milho e feijão. Nas áreas de cultivo,

um problema potencial pode ser o solo exposto durante um período do ano

com ausência de cobertura vegetal. O solo nessas condições pode acelerar o

processo erosivo, que é um processo natural, porém, com interferência

antrópica pode se agravar muito, provocando arraste de materiais

inconsolidados e até voçorocas. Como agravante, a absorção de pesticidas

pelo solo pode contaminar a vegetação, a fauna e toda cadeia alimentar.

Assim, neste tipo de uso analisado com outros aspectos naturais e

antrópicos foi possível identificar essa porção da bacia como meio

morfodinâmico intermediário que pode transitar gradualmente para um

meio morfodinâmico instável.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A bacia hidrográfica do córrego do Carmo, mesmo apresentando

características naturais que podem ser favoráveis para a manutenção de um

meio morfodinâmico estável, sofre atualmente com as atividades urbanas e

rurais que impedem que isto ocorra.

A partir do momento em que o uso e ocupação na bacia desenvolve

essas atividades impactando negativamente sobre as formas de relevo, seja

direta ou indiretamente, os processos naturais sofrem alterações que não

permitem a ocorrência de um equilíbrio dinâmico considerado como ideal

para bacias hidrográficas.

Os impactos ambientais observados evidenciam a necessidade de

medidas preventivas e mitigadoras dos mesmos, de modo a garantir a

proteção do solo, do relevo, da vegetação natural, da qualidade da água e

dos recursos naturais como um todo. Se as ações antrópicas prosseguirem

sem considerar as características físicas naturais das bacias hidrográficas, o

processo de ocupação sempre irá comprometer essa proteção que deve ser

mantida.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 219

A geomorfologia tem um papel importante nesse sentido, servindo

como instrumento de orientação que pode contribuir com a elaboração de

políticas públicas como expansão urbana, delimitação de áreas de APP,

identificação de áreas vulneráveis a processos erosivos, uso e manejo

adequado do solo e desenvolvimento de atividades que respeitem as formas

de relevo. Desse modo, as bacias hidrográficas estarão mais bem protegidas

e seus recursos naturais preservados.

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