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Onipotente & Onipresente

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ELE ESTÁ EM TODOS OS LADOS, EM TODOS OS TEMPOS, EM TODAS AS HISTÓRIAS. MAIS DE 400 ANOS APÓS SUA MORTE, WILLIAM SHAKESPEARE CONTINUA DANDO PANO PRA MANGA EM LITERATURA, CINEMA, TEATRO, QUADRINHOS E ONDE MAIS VOCÊ PROCURAR – OU NÃO

illiam Shakespeare morreu em 1616, mas até a primeira quinzena deste mês de setembro de 2015, apenas na cidade de São Paulo havia pelo menos duas adaptações de suas peças em cartaz. A derradeira obra escrita por ele, A tempestade, recebeu a versão do diretor Ga-briel Villela e poderá ser vista até novembro no Teatro Tucarena. Já a histórica Ricardo III foi o desa� o do ator Gustavo Gasparani, que cumpriu mais uma temporada com este espetáculo até dia 13 passa-do. Millôr Fernandes traduziu Shakespeare para livro de bolso. Juca de Oliveira já fez de Rei Lear um monólogo. O projeto teatral de Jô Soares para 2015 é montar a peça Tróilo e Créssida, ainda inédita no Brasil. O livro Hamlet ou Amleto? Shakespeare para jovens curiosos e adultos preguiçosos, de Rodrigo Lacerda, foi publicado há pouco no Rio de Janeiro. Para comemorar o jubileu de ouro da Nova Frontei-ra, a editora relançou 50 Sonetos de William Shakespeare. No Reino Unido, Tom Sperlinger acaba de colocar no prelo Romeu e Julieta na Palestina, em que relata sua experiência de ensinar Shakespeare para jovens da Universidade Al-Quds, em Jerusalém. Um sem nú-mero de animes, mangás e quadrinhos, bem como teses e disserta-ções foram, são e continuarão sendo escritas sobre Hamlet, Otelo, Macbeth e sobre o próprio dramaturgo.

Um exemplo é o artigo de Francis � ackeray intitulado Shakes-peare, Plants, and Chemical Analysis of Early 17th Century Clay ‘To-bacco’ Pipes from Europe, publicado em julho deste ano no South African Journal of Science. O estudo detalha a análise de 24 frag-mentos de cachimbos, cedidos pelo Shakespeare Birthplace Trust, que revelaram notáveis traços de maconha junto com resquícios de tabaco. Shakespeare pode ter sido o pioneiro de uma linhagem de maconheiros geniais que inclui gente como Baudelaire, Jimi Hen-drix, Bob Marley, Hunter � ompson, Allen Ginsberg e Gilberto Gil.

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Em setembro do ano passado, o longa-metragem Cymbeline, inspirado na peça homônima de Shakespeare, foi lançado no Venice Film Festival, na Itá-lia, com uma galáxia inteira no elenco, como Ethan Hawke, Ed Harris, Milla Jovovich e Dakota Johnson. A direção é de Michael Almereyda, que em 2000 já havia adaptado Hamlet para o cinema, estrelando o mesmo Ethan Hawke, além de Bill Murray, Kyle MacLachlan e Diane Venora. Apenas a título de curiosidade, Venora já havia interpretado Gertrude em mais uma adaptação cinematográ� ca, Romeo + Juliet, de 1996, dirigida por Baz Luhrmann.

Hamlet é possivelmente a peça de Shakespeare que mais rodou o mundo. Em 1619, ela estreou na Indonésia, e em 1877 o rei de Portugal, Luis I, foi a público expressar abertamente seu orgulho por dar ao seu povo a tradução da obra. A primeira vez que Hamlet se tornou � lme foi em 1948, mas de lá para cá a humanidade perdeu as contas do número de longas, médias e curtas-metragens inspirados na obra. No Brasil, a última adaptação de Ha-mlet para o cinema foi rodada em 2014, na cidade de São Paulo, pelo diretor Cristiano Burlan. É tão vasta e viva a presença do dra-maturgo inglês na cultura contemporânea, que esta lista poderia seguir tranquila e inde� nidamente pelos 9 mil caracteres deste texto.

TUDO NOVO DE NOVOPor certo há um público ávido por, receptivo à e

sempre renovado para a linguagem e as histórias de Shakespeare. A� nal, ele é um absoluto sucesso de ven-das. Alexa Huang, professora de literatura do Colum-bian College, de Washington, EUA, calcula que o autor já vendeu mais de 4 bilhões de cópias de suas obras. “Estamos falando principalmente das traduções, que têm as vendas impulsionadas por montagens teatrais, e por muitas vezes estarem vinculadas ao currículo es-colar”, conta a professora, que também é diretora do programa Dean’s Scholars in Shakespeare e cofunda-dora da organização Global Shakespeares Video & Per-formance Archive.

Quanti� car as visitas ao bardo, contudo, não ajuda a explicar o fascínio exercido por suas obras sobre milhões de pessoas de diversas épocas e di-ferentes culturas. “Suas tramas podem não ser totalmente originais, mas a maneira como ele conta as histórias oferece elementos que são facilmente adaptáveis em tempo e espaço”, arrisca Alexa. Em algum lugar escondido em entrelinhas e subtextos de Shakespeare, se encontra a rica fonte onde as adaptações, recriações e até mesmo os plágios até hoje vão beber. “A psique humana é uma � oresta densa. Ele e outros poetas encontraram um jeito de projetar luz através dessa � oresta. Ele nos dá as metáforas e os vocabulários necessários para lidarmos com a estranha e compensadora jornada da vida.”

Um dos maiores especialistas em Shakespeare no Brasil, o inglês de Bir-mingham John Milton, professor do Departamento de Letras Modernas da USP, diz que costuma estimar as adaptações das obras do dramaturgo, in-clusive as mais ousadas. “Existem muitas formas de apreciá-lo”, explica. A literatura de seu conterrâneo é altamente permissiva a mudanças contextuais, resultado da maleabilidade de suas tramas, da universalidade de seus enredos e da profunda humanização de suas personagens. Milton chama a atenção, no entanto, para um detalhe: são apenas os dramas e as comédias de Shakes-peare que são constantemente revisitados; as peças históricas, que tratam da Inglaterra do século 16 e 17, são muito mais difíceis de se ver nos palcos e nas telas. “Há peças que nunca foram encenadas em São Paulo, ao menos não que eu saiba, como Henrique I e Henrique IV. Por outro lado, há milhões de adaptações de Otelo, como o Otelo da Mangueira, e Omkara, um lindo � lme indiano de 2006. Eu já vi Otelo ser adaptado até para crianças, sendo esta uma peça que lida com ciúmes e sexo, ou seja, é muito difícil para esse público, mas já foi feito.”

RENASCENTISTA, ELISABETANO E POPULARA Inglaterra em que Shakespeare viveu era rural e provinciana, o que

não muda o fato de justo nessa época ter se tornado a maior potência mun-dial. De acordo com Hugo Neri, autor do artigo O processo de intelectuali-zação em Shakespeare, em 1564, a cidade de Londres tinha 80 mil habitan-

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tes, número que subiria para 300 mil já em 1600. Apenas 20% de toda essa gente era natural da capital, o restante era composto de imigrantes e migrantes, entre os quais estava William Shakespeare. Como ele, mui-tos mercadores, comerciantes, manufatureiros e também uma classe le-trada de estudantes, mestres e escrivães arribavam naquele embrião de metrópole, naqueles primeiros ensaios cosmopolitas. O aumento nos estratos sociais médios com pro� ssionais liberais contribuiu para que os índices de analfabetismo de Londres fossem menores do que no resto da Europa. “Naquela época, em Londres, as pessoas estavam se letrando ao mesmo tempo que eram expostas a um tipo de discurso oral bastante complexo, e também a uma dinâmica de teatro, que era o entretenimen-to da moda. As pessoas assistiam a muitas peças, a cena teatral e poética era incrivelmente rica”, explica Neri.

Shakespeare e os demais dramaturgos de sua época foram bene� cia-dos pela construção de vários teatros públicos e privados, no estilo elisa-betano. A crítica teatral Barbara Heliodora – falecida em abril último –, no artigo Os teatros no tempo de Shakespeare, escreveu: “Os teatros públi-cos, que eram oito, foram construídos na seguinte sequência: o � eatre (1576), o Curtain (1577), o Rose (1587), o Swan (1597), o Globe (1599), o Fortune (1600), o Red Bull (1606) e o Hope (1613). À medida que o tempo passava, os teatros iam � cando cada vez mais elaborados e confortáveis”. Assim como a oferta de espaços para exibição de espetáculos, e de uma dura e frutífera competição entre os escritores, havia fartura de público.

John Milton explica que o teatro de Shakespeare atraía várias classes sociais, tocava ricos e pobres, letrados e analfabetos. Ao contrário do que se possa pensar, ele não era um dramaturgo erudito, aproximava-se muito mais do popular que do clássico. “É engraçado ver Shakespeare ser enten-dido como um autor clássico. Até mesmo o teatro contemporâneo é mais próximo dele do que o teatro clássico, como, por exemplo os da França e Inglaterra do século 18”, diz Milton. O fato é que, somado ao seu talento, a conjuntura artística da época deu a Shakespeare não apenas fama, mas também uma vida confortável. “Ele � cou bastante rico com seu trabalho, se aposentou e voltou à nossa Stratford-upon-Avon, onde morreu três anos depois. Não se sabe muito sobre os detalhes � nanceiros de sua vida, mas se sabe que sua pro� ssão foi muito lucrativa. Sempre que volto para Stratford, vejo as três grandes propriedades que ele comprou na cidade.”

Shakespeare era certamente um astro do teatro elisabetano. Não era, no entanto, esse cânone dos cânones, esse gênio da dramatur-gia reconhecido além-mar e alçado ao mais alto e inacessível pal-co das divindades da literatura e do teatro. Escritores e dramaturgos contemporâneos dele, como Christopher Marlowe e Ben Jonson, fo-ram mais reconhecidos e admirados em vida. A efetiva consagração de Shakespeare foi póstuma. De acordo com Alexa, o status que até hoje o sustenta no panteão dos intocáveis tem origem no século 18 e é fruto da admiração de críticos e artistas, em especial o ator e ge-rente de teatro David Garrick. “Ele organizou o ‘Jubileu de Shakespe-are’ na cidade natal do autor em 1769. Foi esse evento que fez emer-gir uma imensa admiração geral por Shakespeare, que chamamos de ‘bardolatria’, e que o transformou no poeta nacional da Inglaterra.” c

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