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    O LABORATÓRIO DIDÁTICO E O DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO PEDAGÓGICODO CONTEÚDO DE PROFESSORES DE QUÍMICA

    Washington Luiz Pacheco de Carvalho 1 Maria Ângela de Moraes Cordeiro 2  

    Angélica da Graça Palmeira Chicarino 3  Adauto Ferreira Siqueira 4  

    Angelina Uehara de Souza 

     Rafael Cursinato 6  Tiago Tayama 7  

    Resumo: O objetivo mais amplo do projeto de pesquisa foi o de se investigarem possibilidades

    para o desenvolvimento do “conhecimento pedagógico do conteúdo” entre professores

    de química de uma escola pública, de ensino médio, através da inserção deles em

    situações específicas de aprendizado, no laboratório didático de química da escola.

    Dois bolsistas, alunos de engenharia da FEIS/Unesp, trabalharam com esses

    professores em experimentos de química, visando, num primeiro momento, quebrar as

    resistências deles ao ensino no laboratório. Num segundo momento, o empenho dosbolsistas, sempre orientados por uma professora de química da FEIS, foi o de tentar

    trabalhar a conquista da autonomia dos professores no laboratório. A participação dos

    bolsistas na interação entre a universidade e a escola pública, atuando dentro da

    própria escola, mostrou-se como uma possibilidade muito rica para o aprimoramento

    dos professores, pois os bolsistas tiveram êxito em lidar com questões como:

    continuidade dos trabalhos, acompanhamento de atividades, maior número de

    encontros e realização de trabalhos no próprio ambiente escolar.

    Palavras-chave: Laboratório didático, conhecimento pedagógico do conteúdo, aulas práticas,interação universidade-escola pública.

    1. INTRODUÇÃO 

    1.1. O laboratório didático e o conhecimento pedagógico do conteúdo

    O laboratório didático de ciências naturais tem sido foco de muitos trabalhos de

    pesquisa em ensino, tanto em países em desenvolvimento, como o Brasil (MOREIRA, 1983;

    MOREIRA & LEVANDOWSKI, 1983; MOREIRA & OSTERMANN, 1993; CARVALHO, 2001),

    quanto em países com sistemas educacionais bem estáveis, como é o caso dos paises europeus(SÉRÉ, 2002a; SÉRÉ, 2002b). Mesmo em locais onde se supõe que a pergunta “para que serve o

    laboratório didático?”  já esteja respondida, tem sido observado que ainda trata-se de uma questão

    1 Departamento de Física e Química – Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira – UNESP2 Departamento de Física e Química – Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira – UNESP

    3 Mestranda em Educação em Ciências – Faculdade de Ciências – Campus de Bauru – UNESP

    4 Escola Estadual de Urubupungá de Ilha Solteira5 Escola Estadual de Urubupungá de Ilha Solteira

    6 Graduando na Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira – UNESP

    7 Graduando na Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira – UNESP

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    muito pertinente, pois encontra-se imersa em debates atuais mais abrangentes com, por exemplo,

    aqueles que envolvem o sentido de se aprender ciências, a contextualização desse aprendizado,

    as relações entre ciência e tecnologia, assim como questões éticas.

    No campo das pesquisas em ensino, percebe-se que podem ser bastante sólidos

    os argumentos a favor do ensino no laboratório didático, dependendo dos objetivos que se têm

    para a educação em ciências. Por exemplo, se o objetivo maior em um determinado programa de

    ensino é o de se levar o aluno a ser bem sucedido em física, biologia e química no vestibular,

    certamente o laboratório didático não é algo em que se deva investir. Entretanto, se o programa

    de ensino tiver como foco uma educação científica básica consistente, que seja mais abrangente

    do que o aprendizado mecânico para ser bem sucedido nas avaliações, o laboratório didático

    passa a ser necessário.

    Ao se falar em laboratório didático, entretanto, um cuidado a ser tomado diz

    respeito à natureza do trabalho que ali será realizado. De um modo geral, são concebidas para o

    laboratório didático atividades do aprendizado de ciências que vão além daquelas das salas deaula comum, que são a conversação, a leitura e a escrita. As atividades geralmente previstas

    para o laboratório didático, em geral, envolvem a manipulação de objetos, equipamentos e

    instrumentos de medida, a observação de fenômenos, o controle de variáveis, interpretação de

    resultados e anomalias. Séré (2002) enfatiza que três tipos de objetivos para o laboratório

    didático têm sido ressaltados na literatura: conceitual, epistemológico e procedimental. No objetivo

    conceitual, a ênfase está em levar os alunos a vivenciar relações entre a teoria e a prática: a

    teoria serve a prática e a prática oferece elementos instigadores para que a teoria seja revista. No

    objetivo de natureza epistemológica, a intenção é a de propiciar aos alunos situações

    experimentais que os levem a adquirir uma percepção do uso da teoria em termos de escolha de

    dados experimentais relevantes, questionamento dos dados, refinamento da observação e das

    medidas. O objetivo de natureza procedimental trabalha com a questão de se identificar se a

    consciência sobre os processos envolvidos no laboratório leva os estudantes a se aprimorarem

    em termos de decisões envolvendo o experimento, planejamento do experimento e

    aprimoramento na maneira de obter dados.

    A complexidade do que pode envolver a atividade experimental no laboratório

    didático foi apontada em dois importantes artigos da área de ensino de ciências (HODSON, 1993;

    HOFSTEIN & LUNETTA, 1982). Hofstein e Lunetta (1982) apontam sérios problemas que

    encontraram sobre a utilização do laboratório didático, em um estudo realizado no início da

    década de oitenta. Segundo esses autores, conforme Hodson (1993): a) poucos professores na

    escola básica são competentes para utilizar o laboratório efetivamente; b) muita ênfase na

    necessidade do laboratório leva a uma concepção estreita de ciências; c) muitos experimentos

    realizados na escola são triviais; d) o trabalho em laboratório nas escolas tem sido distante das

    capacidades e interesses dos alunos.

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    Assim, diante dos textos que serviram como referenciais teóricos sobre o

    laboratório didático, no presente trabalho foi necessário ter em mente, de um lado, o que seria

    uma situação desejável para o ensino através de atividades experimentais e, de outro, o que o

    professor do ensino médio teria a dizer depois de inseri-las no laboratório.

    Se, por um lado, muito se fala sobre o que o laboratório didático pode trazer para os

    alunos, por outro, é necessário lembrar que o professor necessita compreender filosófica epedagogicamente o laboratório didático. No tocante à filosofia do trabalho no laboratório, no

    presente estudo, os professores tiveram oportunidade de conhecer e discutir o assunto com o

    coordenador do projeto durante um seminário. Embora tenha sido dedicado pouco tempo para um

    problema tão grande e tão relevante, a nossa intenção, nesse aspecto, era apenas a de um

    tratamento introdutório.

    Sobre o aspecto pedagógico envolvido no laboratório didático, este estudo se

    fundamente em alguns posicionamentos teóricos que merecem ser ressaltados.

    É bem sabido que conhecimento é o “produto” com o qual o professor lidacotidianamente. Se ele não dá conta de lidar com esse “produto” adequadamente, ele e seus

    alunos perdem com isto. Mas será que em geral os professores sabem o que eles deveriam

    saber para serem bons professores? Para muitos, a pergunta pode parecer um tanto sem

    sentido, uma vez que é bem difundida a idéia de que o professor deve saber o “conteúdo”, a

    “matéria”. Utilizando como referencial teórico principal o trabalho de Schulman (1986), podemos

    enfocar um tanto melhor a questão, para daí delimitarmos a nossa preocupação de pesquisa.

    Nesse artigo de 1986, Schulman está interessado em explorar os tipos de

    conhecimento que os professores possuem, bem como aqueles que teoricamente deveriampossuir. Em particular, é interessante descrever, ainda que de maneira geral, duas categorias de

    conhecimento apresentadas por Schulman: conhecimento do conteúdo e conhecimento

    pedagógico do conteúdo.

    O conhecimento do conteúdo refere-se à abrangência (quantidade), qualidade e

    organização de um determinado tópico na cabeça do professor. Trata-se de um conhecimento

    que necessariamente o professor deve ter, porém ele não é suficiente quando se pensa em

    ensino. Em outras palavras, aquele que sabe não necessariamente sabe ensinar.

    O conhecimento pedagógico do conteúdo é uma categoria que diz respeito àquiloque o professor deve saber para ensinar um determinado conteúdo. Entretanto, é necessário

    enfatizar que não se trata de um conhecimento pedagógico genérico. O pedagógico aqui está

    intimamente relacionado ao conteúdo em questão. Segundo Schulman, trata-se do conhecimento

    necessário para tornar um determinado conteúdo “ensinável”. Então, que conhecimento é esse?

    São as maneiras mais interessantes, úteis e efetivas de se representarem determinadas idéias ou

    conceitos; as analogias mais poderosas que auxiliam a compreensão de um dado assunto; os

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    exemplos que são imprescindíveis para se entender determinado tópico; os experimentos e

    demonstrações que são fundamentais para se aprender um determinado conceito; a explicitação

    dos “conceitos alternativos” dos alunos naquele tópico em questão; problemas e/ou exercícios

    propícios para evidenciarem conflitos cognitivos. Enfim, nesta categoria estamos falando daquele

    que sabe e sabe ensinar.

    2. DESENVOLVIMENTO DO PROJETO 

    É oportuno lembrar que o objetivo mais amplo do projeto de pesquisa era o de se

    investigarem possibilidades para o desenvolvimento do “conhecimento pedagógico do conteúdo”

    entre professores de química de uma escola pública de ensino médio, através da inserção deles

    em situações específicas de aprendizado, no laboratório didático de química, onde deveriam

    “aprender para ensinar”.

    Os membros componentes do projeto e suas funções foram: um coordenador geral,

    responsável, principalmente, pela parte de pesquisa do projeto; uma professora de química da

    FEIS/Unesp, responsável pela parte do conteúdo de química no projeto; uma aluna de mestradoem Educação para a Ciência (FC/Unesp – Bauru), responsável pelas filmagens, gravações em

    áudio, agendamento e coordenação do trabalho de discussão de textos com os professores da

    escola pública; dois bolsistas, alunos de Engenharia da FEIS/Unesp, responsáveis por explorar

    experimentos de química com professores desta disciplina; três (inicialmente), de uma escola

    pública de ensino médio de Ilha Solteira.

    O projeto de pesquisa teve seu início em abril de 2002. De início, foi ministrado,

    pelo Prof. Dr. Washington L. P. Carvalho, um seminário sobre o papel do laboratório didático de

    química no aprendizado da disciplina. O seminário foi dirigido aos três professores de química daEscola Estadual de Urubupungá (EEU), participantes do projeto. O objetivo do seminário estava

    voltado a promover uma conversa com os professores da EEU sobre o significado atribuído por

    eles às aulas de laboratório. Na discussão promovida a partir do seminário, procurou-se enfatizar

    vários pontos que a literatura em ensino de ciências tem apresentado sobre o papel do laboratório

    no ensino: refinamento conceitual; conhecimento pedagógico do conteúdo; possibilidade de

    abordagens históricas de conceitos; possibilidade de iniciação a metodologias experimentais;

    abordagem sobre o papel da teoria quando da realização de experimentos, entre outros. O

    seminário foi gravado em áudio e vídeo, pois as intervenções dos professores, principalmente,

    seriam oportunas para a constituição dos dados da pesquisa.

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    Uma premissa fundamental do projeto era a de que a interação entre a

    universidade e a escola pública tinha de ser facilitada, pois, trabalhando há vários anos com

    professores da rede pública de ensino, os pesquisadores do NAECIM – Núcleo de Apoio ao

    Ensino de Ciências e Matemática, de Ilha Solteira, tinham uma vivência que lhes permitia dizer

    que a comunicação com professores da escola pública era interrompida à medida que os

    pesquisadores tentavam explorar, mais profundamente, os problemas de conteúdo disciplinar queestes professores da escola pública apresentavam. Assim, havia o seguinte problema: como

    melhorar a comunicação com os professores da escola pública acerca de conteúdos disciplinares

    específicos de química?

    A resposta para a questão já vinha sendo tentada num projeto de extensão

    coordenado pela Profa. Dra. Maria Ângela de Moraes Cordeiro, no NAECIM (Núcleo de Apoio ao

    Ensino de Ciências e Matemática), e passava pelo trabalho de alunos dos cursos de engenharia

    da FEIS como elos de ligação entre universidade e a escola pública. A experiência prévia,

    realizada em 2001, apontou para o fato de que os professores da EEU se sentiam mais à vontade

    quando expunham as suas dificuldades conceituais aos “alunos da Unesp” do que quando tinham

    que expô-las diretamente aos docentes/pesquisadores da Unesp. Assim, para o presente projeto,

    dois alunos de Engenharia; chamados aqui de bolsistas, fizeram o importante papel de elo de

    ligação.

    Em abril de 2002, ainda no começo do desenvolvimento do projeto, os bolsistas

    tiveram uma série de encontros com a Dra. Maria Ângela a fim de planejar os trabalhos e

    compreender mais profundamente um conjunto de experimentos de química que eles iriam,

    posteriormente, trabalhar com os professores da E.E. Urubupungá. Basicamente, a partir dos

    encontros iniciais, as atividades envolvendo os bolsistas e os professores da escola pública

    obedeceriam à seguinte seqüência: a) estudo aprofundado, pelos bolsistas, de um determinado

    experimento e dos conceitos químicos nele envolvidos; b) encontro dos bolsistas com a

    professora de química da Faculdade (Profa. Maria Ângela) para sanar dúvidas conceituais e

    metodológicas acerca do experimento em foco; c) preparo de um texto para o experimento; d)

    encontro, na escola, entre os bolsistas e os três professores de química da escola pública para a

    exploração do experimento; e) preparo do experimento, pelo professor da EEU, a fim de utilizá-lo

    em aula para seus alunos do ensino médio; f) aula de laboratório ministrada pelo professor da

    EEU; g) encontro dos bolsistas com a orientadora para avaliação geral da aula ministrada pelosprofessores da EEU.

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    Logo no início dos trabalhos, os professores da EEU puderam perceber que

    estavam diante de um grande desafio: “enfrentar o laboratório didático”. Uma professora da EEU

    desistiu de participar do projeto logo após ter levado seus alunos para a primeira de uma série de

    aulas de laboratório. Ela alegou problemas particulares como motivo para a sua desistência. Os

    outros dois professores da EEU seguiram firmes no projeto até o seu término, em dezembro de

    2002.Os encontros entre os bolsistas e os professores de química da EEU foram

    intercalados por estudos de artigos da área de educação e educação em ciências. Os encontros

    foram coordenados pela mestranda Angélica Chicarino. Os textos escolhidos foram: “O professor

    é como um analista”, de autoria do Prof. Dr. Alberto Villani (VILLANI, 2000) ; o texto “Estratégias e

    táticas de resistência nos primeiros dias de aula de Química”, do Prof. Dr. Eduardo Fleury

    Mortimer (SANTOS & MORTIMER, 1999) e o capítulo 10 do livro “Educando o profissional

    reflexivo”, de Donald A. Schön (SCHÖN, 2000).

    À medida que os professores da EEU foram explorando conteúdos teórico-experimentais com os bolsistas, eles foram se sentindo mais à vontade para ter uma interação

    direta com a professora orientadora dos bolsistas. Assim, os encontros entre os bolsistas e os

    professores da EEU também foram intercalados por encontros entre os professores da EEU e a

    Profa. Dra. Maria Ângela Cordeiro. Nos encontros, os professores tentavam resolver dúvidas mais

    específicas que não haviam sido resolvidas com os bolsistas, além do que era possível entrar

    mais na parte metodológica de ensino de química.

    2.1. Constituição e análise dos dados da pesquisa

    Todos os envolvidos no projeto foram entrevistados ao final das etapas planejadas.As fitas de áudio das entrevistas foram transcritas, o que totalizou 71 páginas. A presente análise

    centra-se nos discursos dos dois professores que permaneceram até o fim do desenvolvimento do

    projeto.

    A análise das entrevistas, apresentada a seguir, tem uma orientação

    fenomenológica. Nela, procurou-se destacar unidades do texto que expressam significados

    atribuídos pelos sujeitos. Os professores foram identificados como A e B.

    a) Distanciamento do laboratório didático: a questão da insegurança

    Embora os alunos sempre cobrassem, o professor A não se sentia motivado para

    dar aulas no laboratório didático de química, pois o laboratório exige muito tempo; exige constante

    interpretação de tudo que ali acontece e, para turmas muito grandes, o laboratório é impraticável.

    O professor reconheceu que seu curso de graduação não lhe deu base para trabalhar no

    laboratório didático. O professor A expressou-se do seguinte modo sobre seu distanciamento do

    laboratório didático de química:

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    Na realidade, laboratório é o que eles sempre cobravam da gente. E temsempre aquela questão também. Né?: já que ninguém usava, eu tambémvou deixar ele de lado. Porque na realidade o laboratório você tem quededicar muito mais tempo e são vários itens que pode acontecer lá quevocê tem que interpretar. Na realidade, laboratório é interpretação. Etambém tinha aquela questão: como é que eu vou levar esses alunos dasala para o laboratório? Ou, como é que eu vou trabalhar com todos essesalunos ali? Porque a gente faz uma faculdade lá que você vê pouca coisa

    de laboratório, na realidade passam vários anos que a gente só vê umlaboratório e não trabalha nele.

    O professor B também enfatizou o fato de se afastar do laboratório didático por não

    sentir a segurança necessária para ministrar aulas práticas:

    Eu acho assim, que a gente sai da faculdade e a gente fica distante, e émais na teoria, não trabalha muito com a prática. Agora, quando osestagiários realizam uma experiência e tudo, eu acho que volta a tona tudoaquilo que a gente passou quando a gente era universitária.

    A questão da insegurança do professor para ministrar aulas no laboratório é umponto importante. A nosso ver, o próprio ambiente do laboratório didático oferece um espectro de

    interesses muito grande aos alunos. Ali existem equipamentos, materiais, e procedimentos muito

    relacionáveis com o cotidiano dos alunos. É um espaço muito mais propício para a

    contextualização de fenômenos naturais do que a sala de aula de teoria. No laboratório,

    dependendo da postura do professor, os alunos fazem uma avalanche de perguntas que vão, no

    mínimo, do experimento em foco até as aplicações tecnológicas relacionadas a ele. Assim, o

    professor que convive com a idéia de ter que possuir respostas para todas as perguntas dos seus

    alunos procura evitar esse espaço, até que se sinta mais bem preparado para responder e,

    também, até que mude de modelo e passe a pensar diferentemente sobre o seu papel nolaboratório. 

    b) A experiência da primeira aula no projeto

    Embora tenha trabalhado junto com os bolsistas no preparo das aulas de

    laboratório, a primeira aula do professor A, para uma turma sua, do segundo ano do colegial,

    deixou muito a desejar, segundo ele. A sua insegurança ficou muito evidente, pois ele se

    preocupou mais em manter a disciplina da turma para que a experiência de ensinar no laboratório

    não fosse frustrante para ele.

    Então, foi praticamente aquela receita de bolo, onde você faz isso, fazaquilo, onde praticamente a gente dá tudo mastigado, antes do alunoresponder eu já respondia. Então, praticante a primeira aula aindaaconteceu assim, bem assim, direcionada mesmo. Porque a questão é quenós estamos tentando mudar também, porque na realidade nós estamosacostumados a trabalhar direcionados.

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    O professor B, por sua vez, não descreveu, durante a sua entrevista, a experiência

    da sua primeira aula de laboratório no projeto. Entretanto, o vídeo da aula evidenciou que o

    professor procurou reunir os alunos em uma bancada do laboratório, apenas, e praticamente

    tomou para si a obrigação do manuseio dos equipamentos da aula.

    c) Percepção de progresso

    Na sua segunda aula dentro do projeto, o professor A teve outra atitude. O seu

    compromisso em aprender para dar aulas no laboratório o envolveu em um processo de

    aprimoramento pedagógico. Da situação inicial de controle, da primeira aula, ele passa para a

    posição de orientador dos alunos e a fazer com que eles administrem o trabalho a ser realizado

    ali. Sobre esta aula, ele disse:

    ... quando você direciona muito, então eu acho que o aluno não vaientender o que está acontecendo. Eu só vou falar para ele “... olha, vocêmistura água com sal, para dar uma solução aí”.Então, quer dizer, se eunão falar o que deu, ele não vai saber. Então, eu acho que a gente fala

    muito “faz isso, faz aquilo”. Então, o que eu tentei fazer foi levar eles adescobrir o que aconteceu aí, em uma reação química, por exemplo.

    O professor B, à sua maneira, também percebeu uma diferença em seu modo deagir, depois da primeira aula:

    Graças a Deus eu achei assim que fluiu tudo bem, porque o espírito dosalunos já estava preparado. Então a gente já foi, como se fala, bemencaminhada, então eu acho assim que, pelo o que a gente aguardava, euacho que deu tudo certo. Eu acho assim que fluiu tudo bem. Não teveassim coisa que a gente falasse “... nossa, olha que falha terrível e isso ouaquilo...” E os alunos também. Eu acho assim que pelo depoimento delesque eles gostaram e tal.

    d) Experiência de professor

    A interação do professor A com os bolsistas, que o auxiliavam no preparo das

    aulas, não se limitava a um papel passivo. O professor procurou utilizar a sua experiência de sala

    de aula para decidir se certos assuntos explorados com os bolsistas poderiam ou não fazer parte

    das suas aulas.

    Embora tivesse problemas para enfrentar o laboratório, o professor possuía a

    experiência de transformar os conteúdos para ensiná-los.

    A atividade que dava para a gente trabalhar a gente já, na hora, assim,falava: isso dá para trabalhar.. A atividade que não dava, aí a gente jámaneirava: “olha essa...” falava, conversava assim, francamente o quedava e o que não dava para trabalhar.

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    Sobre esse aspecto, o professor B tinha uma atitude diferente do professor A,

    porém, ficava evidente que queria e podia trabalhar a seu modo. Este professor procurava deixar

    bem claro para si mesmo aquilo que ia tratar na aula, para que não acontecessem surpresas.

    Eu acho assim, que a gente já estava com o espírito bem preparado; os

    alunos também, então quando eles chegam já está tudo certinho, asbancadas; tudo direitinho, se a gente fosse colocar na lousa, a gente jádeixava tudo certo... Então, não tinha, assim, aquela improvisação.

    e) Visão sobre a experiência de interação com a universidade através dos bolsistas

    Os professores A e B fizeram uma ótima avaliação do trabalho que realizaram com

    os bolsistas. Os bolsistas os trataram com o devido respeito e por eles foram também tratados

    com respeito. A situação que aparentemente era delicada, pois envolvia um professor do ensino

    médio estar aprendendo com um aluno de graduação, logo ficou equilibrada, porque os bolsistas

    visualizaram as dificuldades dos professores, e também perceberam que tinha muito a aprender

    com eles sobre sala de aula, especialmente sobre a realidade da escola pública.

    Esses bolsistas estarem fazendo esse tipo de aula, assim, para a gente, ébom. Na realidade até se tivesse mais tempo deles para eles ficarem maiscom nós, assim, melhoraria muito mais. Porque eu ainda tenho, eu não seipara o próximo semestre, mas ainda tenho esse problema, a questão dedivisão da sala. Eu não posso levar 40 alunos para o laboratório. Então,para o próximo semestre a gente tem que ver um meio de continuar essetrabalho só que, ver se eles conseguem adaptar o horário deles aos diasde aulas que provavelmente eu vou ter. (professor A).

    Eu acho que a partir do momento que se faz um projeto e todo mundo

    começa a participar, eu acho que vai cortando essa barreira e a gentecomeça a nem notar mais. Aí aproxima o professor da universidade com agente que é do estado, vamos supor, aproxima nós dos bolsistas etambém nós professores dos nossos alunos. Eu acho assim, que fica sem,não sei nem explicar, aquela relação assim, um puxando o outro (professorB). 

    f) Compromisso com o aprimoramento

    À medida que o projeto foi se desenvolvendo o engajamento do professor A foi tal

    que ele procurou uma solução para o sério problema da grande quantidade de alunos na sua aula

    de laboratório. Para dar aulas no laboratório para um número menor de alunos, o professor teveque dividir a turma em duas partes. Enquanto ele trabalhava com metade dos alunos no

    laboratório, a diretora da escola trabalhava na sala de aula teórica com a outra metade, e depois

    as turmas eram trocadas. Percebe-se que são necessários esforços conjugados para se

    enfrentarem problemas decorrentes da grande quantidade de alunos nas salas de aula das

    escolas públicas.

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    Eu também tive, assim, apoio da diretora. Porque eu cheguei e falei paraela: “eu precisava, assim, trabalhar no laboratório, só que tem a outraturma. Uma vez eu deixei a turma sozinha lá, com atividade, e deu certo.Só que nem sempre vai dar certo”. Aí ela, eu achei assim, ela trabalhou emparceria porque ela trabalhou com esses alunos, essa metade, e eutrabalhei no laboratório, depois inverteu. Ela trabalhou com a outra turma eeu trabalhei com aquela turma que ela tinha ficado. Então, nesse ponto aídeu certo.

    3. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES 

    O fato de os professores A e B terem manifestado uma percepção positiva das

    atividades desenvolvidas no projeto vem dar uma resposta ao problema, cada vez mais

    complicado, existente na interação entre a universidade e a escola básica. Não é fato novo, e nem

    uma peculiaridade da pesquisa em educação no Brasil (ZEICHNER, 2001), os sentimentos que

    são gerados entre os professores da escola básica diante dos pesquisadores que vão até as

    escolas, com seus importantes projetos, e se limitam a utilizar seus professores e alunos

    simplesmente como fonte de dados de pesquisa. Se, por um lado, a pesquisa realizada na escola

    é de fundamental importância para o aprimoramento do ensino e da educação em geral, de outro,

    é necessário que os professores e alunos dessas escolas tenham ganhos reais com os projetos

    de pesquisa; ganhos que podem se dar no campo do aprimoramento profissional, da colaboração

    para a implantação de inovações, na produção de material instrucional etc.

    Em termos de desenvolvimento do conhecimento pedagógico do conteúdo dos

    professores envolvidos no projeto, verifica-se que o resultado foi positivo, embora pequeno.

    Nitidamente, o professor A procurou avançar em busca de uma pedagogia adequada ao

    laboratório didático. Percebeu que deveria comportar-se como um orientador no laboratório,

    dando mais responsabilidade para os alunos sobre o aprendizado deles. O professor B, por suavez, estava em outro processo, parecendo demorar mais para se sentir à vontade no laboratório

    didático. Entretanto, vale observar que permaneceu até o fim do projeto, e foi muito cooperativo e

    interessado, o que parece revelar um investimento seu para a continuidade dos trabalhos no

    laboratório.

    Os discursos dos professores A e B permitem-nos justificar que maiores avanços

    no desenvolvimento de conhecimentos pedagógicos específicos exigem que eles encontrem

    significados de aprendizagem para o trabalho no laboratório. Em outras palavras, a pergunta

    “para que serve o laboratório didático?”, tem de ser respondida na perspectiva do ensino, e não

    apenas no âmbito da motivação externa, que o laboratório normalmente gera entre os alunos. No

    presente projeto, foram realizados estudos de textos estrategicamente escolhidos para que os

    professores adentrassem nas perspectivas: epistemológica, pedagógica e procedimental do

    laboratório; entretanto, é razoável pensar que esses aspectos fazem parte de uma compreensão

    que acontecerá se houver insistência, por parte deles, em ir para o laboratório com seus alunos e

    em aceitar novos desafios.

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    Sobre o trabalho dos bolsistas com os professores, as conclusões são inequívocas.

    A disponibilidade e dedicação deles, bolsistas, foram marcantes no projeto e, efetivamente, é o

    que determinou os sucessos alcançados. Através deles, os professores tiveram mais acesso

    àquilo que a universidade podia oferecer-lhes. Entretanto, os bolsistas não eram, simplesmente,

    “mensageiros”. Eles, como alunos que vivenciaram bem o laboratório didático de química na

    universidade e como quem possuía um real interesse em realizar um trabalho de grande alcancesocial, “aprendiam para trocar” com os professores.

    Através dos bolsistas, foi possível um trabalho de educação continuada de

    professores que se diferencia em muito dos tradicionais cursos de aperfeiçoamento e que

    apresenta mais potencialidades para resultados mais efetivos, pois questões como continuidade,

    acompanhamento de atividades, maior número de encontros, realização de trabalhos na escola e

    conhecimento da realidade escolar puderam ser contempladas no projeto.

    É oportuno finalizar enfatizando a percepção dos dois bolsistas sobre o trabalho.

    Consideraram que a experiência foi muito enriquecedora para eles porque, dentre outrosaspectos, permitiu-lhes trabalhar em setores que consideram muito importantes para um

    estudante de engenharia: relações humanas, trabalho em grupo e educação.

    4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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