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Com duas mãos - o Acto e o Destino - Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu Uma ergue o fecho trémulo e divino E a outra afasta o véu. Fosse a hora que haver ou a que havia A mão que ao Ocidente o véu rasgou, Foi a alma a Ciência e corpo a ousadia Da mão que desvendou. Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal A mão que ergueu o facho que luziu, Foi Deus a alma e o corpo Portugal Da mão que o conduziu. Antes de analisar o poema em questão, há que recordar que a Mensagem é um poema nacional, uma versão moderna e espiritualista dos Lusíadas, nas palavras do eminente estudioso de Pessoa, António Quadros. A Mensagem é um poema trinitário, à maneira cristã, mas imbuído de uma interpretação mística e paraclética, onde o Encoberto recebe a unção do Espírito Santo apenas para se revelar como o eterno Logos, o Intermediário secreto para entender o significado de Deus para o Homem. Sendo um poema trinitário, dividido em 3 partes, a Mensagem é também um poema dialéctico, em que cada parte contribui para a seguinte, perseguindo uma síntese Hegeliana na sua leitura final. O poema "Ocidente" inclui-se na segunda parte - Mar Português - onde Pessoa justifica de certo modo a proposta feita na primeira parte - Brasão. A proposta era a de uma nação que iria trazer novos mundos ao mundo, sobretudo o nascer de um Império Espiritual, baseado na unidade de todos os homens em Cristo simbólico, feito civilização, construído sabedoria e intelecto.

Ocidente

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poema - Ocidente - A Mensagem

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Com duas mos - o Acto e o Destino -

Desvendmos. No mesmo gesto, ao cu

Uma ergue o fecho trmulo e divino

E a outra afasta o vu.

Fosse a hora que haver ou a que havia

A mo que ao Ocidente o vu rasgou,

Foi a alma a Cincia e corpo a ousadia

Da mo que desvendou.

Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal

A mo que ergueu o facho que luziu,

Foi Deus a alma e o corpo Portugal

Da mo que o conduziu.

Antes de analisar o poema em questo, h que recordar que a Mensagem um poema nacional, uma verso moderna e espiritualista dos Lusadas, nas palavras do eminente estudioso de Pessoa, Antnio Quadros. A Mensagem um poema trinitrio, maneira crist, mas imbudo de uma interpretao mstica e paracltica, onde o Encoberto recebe a uno do Esprito Santo apenas para se revelar como o eternoLogos, o Intermedirio secreto para entender o significado de Deus para o Homem.

Sendo um poema trinitrio, dividido em 3 partes, a Mensagem tambm um poema dialctico, em que cada parte contribui para a seguinte, perseguindo uma sntese Hegeliana na sua leitura final. O poema "Ocidente" inclui-se na segunda parte - Mar Portugus - onde Pessoa justifica de certo modo a proposta feita na primeira parte - Braso. A proposta era a de uma nao que iria trazer novos mundos ao mundo, sobretudo o nascer de um Imprio Espiritual, baseado na unidade de todos os homens em Cristo simblico, feito civilizao, construdo sabedoria e intelecto.

A Mensagem foi um meio tambm de Pessoa expressar a sua mgoa em palavras, uma mgoa de quem abandonou o pas na sua juventude para, regressando, encontrar dentro de si um patriotismo de tais dimenses que quase parecia impossvel de traduzir em sentimento, muito menos em letras no papel. Pessoa v Portugal como o rosto com que o Ocidente fita o futuro e o passado. E foi por providncia divina (v. o poema "O Infante") que Portugal desvendou, "com duas mos - o Acto e o Destino" (v. poema "Ocidente"). O facho que uma mo ergue, a luz que de Portugal emana e que pretende iluminar o que antes era trevas - o Destino - enquanto outra - o Acto - afasta o vu, que separou desde sempre o querer de Deus e a ignorncia do Homem.

O Acto foi a coragem de descobrir e o Destino a fora que o permitiu. A coragem e a fora so interdependentes, como uma cobra que morde a prpria cauda e na fora centrfuga potencia o futuro. Foram estas mos portuguesas que "rasgaram o vu" Europa. A mo predestinada, "apoiada pela cincia e pela ousadia". Embora grande importncia tenha tido essa mo que luziu, a mo do facho que iluminou, humana e por isso "Acaso", "Vontade", ou apenas "Temporal", nenhuma importncia teria sem a vontade de Deus em a dirigir como "alma", sendo o "corpo" Portugal. O que um corpo sem alma, seno uma massa informe, sem destino? Foi Deus que esculpiu no corpo o seu destino e o guiou sem que este tomasse noo do perigo. Foi Deus a alma de Portugal na sua misso. A mo que rasgou o vu, era j uma mo de "Certeza", "Determinao" e grau "Intemporal". Este destino no no entanto histria de Portugal, mas o seu interrompido prlogo (nas palavras de Agostinho da Silva em "Um Fernando Pessoa"). No a importncia de possuir o mar (possessio maris quer dizer posse e no propriedade do mar, e por isso efmera e passageira), mas a preciosidade de ter encetado a busca, sem ligar ao medo, porque instrumento de uma vontade superior, prostrada na glria de mostrar que o mar sempre o mesmo e toda a descoberta imperial se feita passando alm da dor. Portugal foi a cara com que a Europa enfrentou esse destino, foi a face do Ocidente perante o abismo. Mas sendo o agente, foi tambm instrumento, dividido nas duas mos, com a luz que alumiava e o destino que rasgava o vu. Completo em corpo e alma, mas dividido em Homem e em Deus. S para mostrar o significado vo de possuir e o significado altssimo de buscar. Buscar que tambm esperar em smbolo e superar o vazio da aparente ausncia de Destino.

Anlise dos poemas

Ocidente

Este poema de Fernando Pessoa descreve a descoberta das terras do ocidente, mais concretamente a descoberta do Brasil.

Na primeira estrofe possvel analisarmos a referncia do corpo e da alma deste acontecimento, tal como se vai assistindo ao longo do poema.

Acto e Destino so, segundo Fernando Pessoa, as duas mos que fizeram a descoberta destas novas terras. No meu ver, o Acto refere-se aco dos portugueses, coragem e bravura dos mesmos. O Destino remete-me para a fora e a vontade de Deus para a descoberta de novas terras, e a proteco divina relativamente aos portugueses, para que a descoberta se pudesse concretizar (Proteco divina, tal como nosLusadas). Assim, interpreto que a obra dos portugueses foi a corporizao da vontade de Deus.

Ainda na primeira estrofe, assistimos referncia de um facho, segurado por uma mo, que aponta para as terras desvendadas. O facho ilumina as terras desvendadas, focando o descoberto, o novo. Pode tambm simbolizar o Divino. A outra mo afasta o vu que escondia aquelas ilhas, simbolizando a descoberta do desconhecido, e a destruio da dvida relativamente existncia de terras no ocidente.

Na segunda estrofe sugere o acto da descoberta. A mo que ao Ocidente o vu rasgou, isto , o ocidente foi destapado, passou de desconhecido a conhecido.

Nesta estrofe Fernando pessoa volta a identificar o corpo e a alma deste feito, sendo desta vez a Cincia a alma e a Ousadia o corpo. Assim, a cincia, ou seja, todo o saber e o conhecimento dos navegadores portugueses simbolizam a alma da descoberta. Por outro lado, a Ousadia, a bravura e determinao dos portugueses simbolizam o corpo da mesma.

Na Terceira e ltima estrofe, o poeta afirma Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal () Foi Deus a alma e o corpo Portugal. Isto , quer esta descoberta se tenho dado por puro acaso, por vontade e determinao dos portugueses, ou por um temporal que tenha desviado os navios em direco quelas terras, Deus foi a alma, a vontade da realizao desta descoberta. E os portugueses foram os heris, os destemidos que a realizaram, e que deste modo descobriram o Brasil.

Comentrios:

Este poema, que refere as navegaes para ocidente e, em particular, a descoberta do Brasil, chamou-se originalmente"Os descobridores do Occidente" e o texto final aqui apresentado tem diferenas apreciveis em relao primeira verso, que muito a melhoraram.

Aborda um tema recorrente em Mensagem: a epopeia dos Descobrimentos foi o cumprimento de um destino; e a obra portuguesa foi a corporizao da vontade de Deus "foi Deus a alma e o corpo Portugal" (da mo que levantou o facho e rasgou o vu da ignorncia).

"Fosse acaso ou vontade, ou temporal..."- referncia dvida quanto a se a descoberta do Brasil em 1500 foi ocasional, planeada para que fosse divulgado nessa data um territrio j anteriormente encontrado, ou causada por um temporal que teria desviado as naus da rota traada.

Poema - Ocidente - Mensagem

1.1. O sujeito da forma verbal Desvendmos um sujeito plural que exprime o conjunto do povo portugus, agente das Descobertas martimas a ocidente.

1.2. O sujeito potico afirma que a obra dos Descobrimentos portugueses foi uma aventura conjunta do homem o Acto e de Deus o Destino. Assim, foi necessrio que a mo de Deus erguesse o facho trmulo e divino, para que o homem fosse iluminado e pudesse afastar o vu que ocultava o desconhecido. Este acto de descoberta foi protagonizado pelo corpo e alma do homem portugus alma a Cincia e corpo a Ousadia ou seja, fruto da cincia e da coragem, respectivamente.

2.1. O imperfeito do conjuntivo Fosse, semanticamente hipottico, exprime a srie de hipteses inerentes s Descobertas: o Acaso? a Vontade? um Temporal? Mas fosse como fosse, Desvendmos com a ajuda divina, sendo Deus a alma e Portugal o corpo.

2.2. O recurso s maisculas confere autonomia, valor e legitimidade a cada uma das hipteses levantadas: o Acaso a providncia divina, a Vontade a inteno do homem e o Temporal representa os caprichos da Natureza.

3. O poema Ocidente integra-se na segunda parte da Mensagem, intitulada Mar Portugus,que, na estrutura tridica da obra, representa os heris e os feitos das Descobertas, revelando a dimenso mtica e herica da conquista do mar Possessio Maris a expresso latina em epgrafe. Torna-se, assim, lgico que as referncias contidas no poema Ocidente s possam ser entendidas na lgica da posse do mar, das Descobertas.

"Ocidente" Fernando Pessoa - Mensagem

Com duas mos - o Acto e o Destino -Desvendmos. No mesmo gesto, ao cuUma ergue o facho trmulo e divinoE a outra afasta o vu.Fosse a hora que haver ou a que haviaA mo que ao Ocidente o vu rasgou,Foi alma a Cincia e corpo a OusadiaDa mo que desvendou.Fosse Acaso, ou Vontade, ou TemporalA mo que ergueu o facho que luziu,Foi Deus a alma e o corpo PortugalDa mo que o conduziu.* BREVE ANLISE

Constitudo de trs estrofes com quatro versos cada uma,o poema Ocidente refere-se as navegaes para o ocidente e em particular a descoberta do Brasil. No foi citado esse nome diretamente, porm percebe-se isto pela ltima estrofe do poema, onde temos:

Fosse acaso, ou Vontade, ou Temporal

A mo que ergueu o facho que luziu,

Existe toda uma controvrsia quanto intencionalidade ou causalidade da chegada dos portugueses ao Brasil.Tudo indica que os portugueses j sabiam da existncia dessas terras, antes mesmo de Cabral . Vasco da Gama, aps a sua gloriosa ida s ndias em 1499, comprovou na prtica que, assim como na ndia, novas terras poderiam ser alcanadas pelo mar. Cristvo Colombo, ao descobrir a Amrica, sugeriu em seus manuscritos, a existncia de outras terras ao sul. Por esse motivo entendemos que, nos primeiros versos da ltima estrofe, Fernando Pessoa se refere as duvidosas explicaes que a histria d ao descobrimento do Brasil.

Voltando a primeira estrofe:

Com duas mos o Acto e o Destino

Desvendmos. No mesmo gesto, ao cu

Uma ergue o facho trmulo e divino

E a outra afasta o vu.

O acto foi a coragem de descobrir e o destino a fora que o permitiu. Esta mo que ao Ocidente o vu rasgou, foi a mo predestinada, que teve coragem e fora, duas caractersticas de certo modo interdependentes.

Nos ultimos versos do poema, temos:

Foi Deus a alma e o corpo Portugal

Da mo que o conduziu.

Fernando Pessoa deixa bem claro que, nessas descobertas martimas, Deus foi a alma e Portugal o corpo, explicando isso possvel entender o que falamos de mo predestinada. No a importncia de possuir o mar, mas sim a preciosidade de ter principiado a busca, sem se preocupar com o medo.