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i ANDRÉ VINÍCIUS MARTINEZ GONÇALVES OBSOLESCÊNCIA ESPACIAL: O AMBIENTE URBANO DE SANTANA EM SÃO PAULO SP CAMPINAS 2015

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ANDRÉ VINÍCIUS MARTINEZ GONÇALVES

OBSOLESCÊNCIA ESPACIAL: O AMBIENTE URBANO DE SANTANA EM

SÃO PAULO – SP

CAMPINAS

2015

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NÚMERO: 259/2015

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

ANDRÉ VINÍCIUS MARTINEZ GONÇALVES

OBSOLESCÊNCIA ESPACIAL: O AMBIENTE URBANO DE SANTANA EM SÃO

PAULO – SP

ORIENTADORA: PROF.ª DR.ª ARLETE MOYSÉS RODRIGUES

TESE DE DOUTORADO APRESENTADA AO INSTITUTO

DE GEOCIÊNCIAS DA UNICAMP PARA OBTENÇÃO DO

TÍTULO DE DOUTOR EM GEOGRAFIA NA ÁREA DE

ANÁLISE AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL

DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO ANDRÉ

VINÍCIUS MARTINEZ GONÇALVES E ORIENTADA

PELA PROF.ª DR.ª ARLETE MOYSÉS RODRIGUES

CAMPINAS

2015

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Ficha catalográficaUniversidade Estadual de CampinasBiblioteca do Instituto de GeociênciasCássia Raquel da Silva - CRB 8/5752

Gonçalves, André Vinícius Martinez, 1971- G586o GonObsolescência Espacial : o ambiente urbano de Santana em São Paulo - SP /

André Vinícius Martinez Gonçalves. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

GonOrientador: Arlete Moysés Rodrigues. GonTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Geociências.

Gon1. Geografia Urbana. 2. Solo - Uso. 3. Mercado Imobiliário. 4. Planejamento

Urbano. I. Rodrigues, Arlete Moysés,1943-. II. Universidade Estadual deCampinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Spatial Obsolescence : the urban environment of Santana in SãoPaulo - SPPalavras-chave em inglês:Urban geographyLand - UseReal estate marketUrban planningÁrea de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica TerritorialTitulação: Doutor em GeografiaBanca examinadora:Arlete Moysés Rodrigues [Orientador]Adriana Maria Bernardes da SilvaGlória da Anunciação AlvesOdette Carvalho de Lima SeabraGustavo de Oliveira Coelho de SouzaData de defesa: 18-03-2015Programa de Pós-Graduação: Geografia

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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Dedico esse trabalho aos meus pais, Leodino e

Fátima e ao amor da minha vida, meu doce filho

Fernando.

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AGRADECIMENTOS

Há momentos em que o percurso da construção de um trabalho, como é o caso

de uma tese de doutoramento, é marcado pela solidão das incertezas, das reflexões, do

trabalho de campo e da escrita propriamente dita. Se a solidão em todas as suas

dimensões foi uma realidade no trajeto desse estudo, ela foi relativizada em função de

um conjunto de pessoas que se fizeram presentes nessa caminhada.

Qualquer palavra ou termo que eu utilize para agradecer a Professora Arlete é

pouco. Aqui, posso confessar sem medo algum que por muitos momentos em função

das dificuldades que a vida impõe considerei a possibilidade em desistir do projeto. Se

isso não ocorreu, em muito devo à orientadora desse trabalho. Foi dura quando a

situação exigia, foi sensível e humana quando necessário.

No seu exercício de orientação sempre marcado pela sua intelectualidade

extremamente apurada e sofisticada, sem imposições, me conduziu a novos caminhos

teóricos e conceituais que me permitiram gradualmente olhar e refletir o mundo nas

suas diferentes escalas do ponto de vista de uma Geografia realmente crítica. Foi uma

honra ser seu orientando e espero no prosseguimento da minha vida como professor

ser capaz de transmitir aos meus alunos o que aprendi com a senhora.

Aos companheiros dos colóquios realizados no carinhosamente chamado

LACAM (Laboratório da Casa da Arlete Moysés): Eliane, Leda, Leianne, Rafaela,

Rodrigo, Vânia, Marcia, Mariana, Alessandra, Ana Luiza, Desirée, Fernanda, Íris e

Renata, ficam os meus agradecimentos pelo elevado nível das reflexões e dos debates

em relação às problemáticas urbanas, os quais me foram fonte rica e profícua de

aprendizado. Não há como deixar de agradecer a “Luderca” que sempre propiciou

refeições de sabores únicos e sublimes.

Devo destacar nessa trajetória um agradecimento especial ao amigo e

companheiro Leandro, ex-orientando da Professora Arlete e hoje professor na

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Conhecemo-nos no dia em que

prestamos a prova de proficiência em língua estrangeira na Unicamp. Na saída,

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dividimos um táxi até a rodoviária e dali ao longo de quatro anos em maior ou menor

grau dividimos nossas inquietações intelectuais que surgiam na medida em que

avançamos em nossos trabalhos de pesquisa.

Ao prof. Dr. Archimedes Perez Filho, na época responsável na pós-graduação

pela disciplina Seminários, além de proporcionar no decorrer de uma semana a

exposição de projetos, entre eles o meu, que eram sabatinados com críticas, sugestões

e observações, o professor que eu não conhecia, por conta de uma questão particular

que eu estava vivenciando naquele momento foi de uma humanidade única. Serei

eternamente grato.

Agradeço as professoras Glória da Anunciação Alves, da USP, e Adriana Maria

Bernardes da Silva, da UNICAMP, pelas críticas, observações e sugestões no momento

da qualificação da tese. A contribuição das duas foi essencial para amadurecer o trato

relativo à obsolescência espacial urbana.

É também fundamental agradecer à Valdirene Pinotti (Val) e a Maria Gorete S. S.

Bernardelli, da secretaria da Pós-Graduação em Geografia, que sempre me socorreram

de modo muito profissional nas burocracias internas do departamento.

Aos meus queridos amigos e amigas, o “Lado B” de Frutal e da Universidade do

Estado de Minas Gerais, Professor Cleber, Professor Leandro, Professor Rodrigo,

Professora Eliana, Professora Bethânia, Professora Gercina e Fernanda: Eu não tenho

palavras para dizer o quanto todos foram e são fundamentais nessa trajetória e na

minha vida. Dizer que eu amo vocês é muito pouco.

Por fim agradeço aos amigos e professores Rodrigo Portari, da UEMG/Frutal, e

Laura Macedo, da UFPR, pelo incentivo na pesquisa e por me permitir dividir um pouco

das minhas angústias de doutorando.

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“A questão central é descobrir se você quer uma cidade para as pessoas ou para o lucro. Para construir uma cidade diferente, é preciso ser anticapitalista. Não há outra forma”.

David Harvey Geógrafo

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

OBSOLESCÊNCIA ESPACIAL: O AMBIENTE URBANO DE SANTANA EM

SÃO PAULO – SP

RESUMO

Tese de Doutorado

André Vinícius Martinez Gonçalves

Esta tese analisa o processo de obsolescência espacial urbana em São Paulo, tendo como recorte espacial

de estudo o bairro de Santana, situado na zona norte da cidade. A noção de obsolescência como tema de

investigação se contrapõe ao que se convencionou denominar de deterioração urbana, que é impreciso e

não responde ao processo que levam a decadência física, funcional e econômica dos ambientes

construídos. O conceito de obsolescência espacial urbana refuta a noção de deterioração por entender que

a problemática que se impõe nos ambientes construídos da cidade é de ordem sócio geográfica. Nesse

sentido, analisa-se a organização e produção da cidade, na sua dimensão de mercadoria que envolve um

amplo leque de agentes produtores. Observa-se que no processo de produção e reprodução do capital e do

espaço geográfico, as áreas da cidade tidas como obstáculos ou que não se enquadram aos ideários e

exigências da moderna economia global, estarão situadas no universo da obsolescência espacial.

Distingue-se a realidade da obsolescência na esfera industrial com a que ocorre na dimensão urbana,

demonstrando que o processo se dá nos interstícios das contradições do processo de produção e

reprodução do espaço-mercadoria. Apresenta-se a contextualização geográfica do bairro de Santana

destacando o processo sobre a obsolescência. Analisa-se criticamente o planejamento urbano adotado pelo

Estado representado pela PMSP entre os anos de 1960/80, e dos anos de 1990 e as intervenções projetadas

para Santana até os dias atuais. As intervenções ao agirem seletivamente no espaço intraurbano de bairros

como Santana fomentam a obsolescência espacial em seus ambientes construídos. Por fim, tendo como

foco de reflexão o mercado imobiliário e os agentes que o constituem a partir de Santana analisa-se as

relações existentes entre as categorias preço da terra, ambiente construído e a renda fundiária como forma

de explicar e clarificar a gênese e os mecanismos que alimentam o processo da obsolescência espacial

urbana.

Palavras chaves:. Obsolescência Espacial Urbana, Geografia Urbana, Planejamento Urbano, Mercado

Imobiliário, Renda da Terra Urbana, Santana-SP

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UNIVERSITY OF CAMPINAS

INSTITUTE OF GEOSCIENCE

SPATIAL OBSOLESCENCE: THE URBAN ENVIRONMENT OF SANTANA IN SÃO

PAULO – SP

ABSTRACT

PhD Thesis

André Vinícius Martinez Gonçalves

This thesis analyses the process of Urban spatial obsolescence in Sao Paulo focused on Santana, a

neighbourhood situated in the northbound of the city. The notion of Obsolescence as a subject of research

opposes what is usually called Urban decay which is imprecise and doesn’t suit the process that leads to

physical functional and economic decay of a built-up area. The concept of urban spatial obsolescence

denies the notion of urban decay by taking in that this whole issue that imposes itself on the built-up areas

of the city is socio-geographic. In this regard, the making and the organisation of the city is analysed as a

merchandise involving a myriad of agents. It is observed in the production and reproduction of capital and

the geographical space that the areas perceived as obstacles or which doesn’t fit the global economy

mindset and demands are set in the sphere of the Urban spatial obsolescence. Obsolescence in the

province of industry contrasts with the one in the urban dimension demonstrating that the process takes

place in the interstices of the merchandised- geographical- space production and reproduction

contradictions. Santana’s geographical contextualisation is presented highlighting the process of

Obsolescence. The Urban planning carried out by the State through Sao Paulo’s municipality from 1960 to

1980 is critically analysed and so are the interventions planned to Santana on the 90’s to this day. By

selectively intervening in the interior of neighbourhoods like Santana such interventions promote spatial

obsolescence in its built-up areas. Finally, focusing on the Real estate market and its constitutive agents,

from Santana the existing relations among land price built-up environment and ground rent are analysed as

a means to explain and clarify the genesis and mechanisms which Urban spatial obsolescence feeds off

Keywords: Urban Spatial Obsolescence, Urban Geography, Urban Planning, Real Estate Market, Urban

Ground Rent, Santana-SP

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SUMÁRIO

Introdução

A apresentação do trabalho: O ponto de partida da pesquisa ......................................... 1

O percurso da pesquisa: A definição do tema de investigação e o recorte espacial do

objeto de estudo .............................................................................................................. 2

Uma mudança necessária no tema de investigação da pesquisa, seus objetivos e a

formulação de uma nova hipótese do trabalho ................................................................ 6

A organização do trabalho................................................................................................ 8

Capítulo 1

O fio condutor da obsolescência espacial urbana ......................................................... 11

1.1. A obsolescência espacial urbana não é planejada ................................................ 21

1.2. São Paulo no contexto do processo da obsolescência espacial ............................ 28

1.3. Uma contextualização geográfica do bairro de Santana ........................................ 59

Capítulo 2

A lógica do planejamento urbano como nutriz do processo da obsolescência espacial

urbana ............................................................................................................................ 87

2.1. A problemática do Projeto Cura Santana ............................................................... 99

2.2. A Proposta da Operação Urbana Carandiru-Vila Maria ....................................... 114

Capítulo 3

A questão dos preços, do ambiente construído, da renda da terra e o processo da

obsolescência espacial no bairro de Santana .............................................................. 145

3.1. O preço da terra-mercadoria ................................................................................. 147

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3.2. O ambiente construído e a obsolescência espacial urbana ................................. 155

3.3. O ambiente construído de Santana ...................................................................... 162

3.4. Os preços da terra no bairro de Santana ............................................................. 191

3.5. A Renda Fundiária e a Obsolescência Espacial Urbana em Santana ................... 204

Conclusões ................................................................................................................ 249

Referências Bibliográficas ....................................................................................... 255

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LISTAS FIGURAS

Figura 1.1. Número de Unidades Residenciais Verticais Lançadas Município de São Paulo (1992-2012) ............................................................................................. 31

Figura 1.2. Variação Percentual entre Preço e Preço Real dos Imóveis Residências Verticais Novos no Município de São Paulo (2002-2012) ........................................ 37

Figura 1.3. Recorte Espacial do Objeto de Estudo – O Bairro de Santana ............. 61

Figura 1.4. Santana (várzea / transição / colina) ..................................................... 62

Figura 1.5. Localização CPOR / Campo de Marte ................................................... 67

Figura 1.6. Planta Geral de São Paulo de 1897 - Localização de Santana ........... 69

Figura 1.7. Eixos Viários de Ligação entre Santana e a Região Central da Cidade (Anos de 1960) ......................................................................................................... 74

Figura 1.8. Três Momentos de Padrões de Circulação em Santana / Avenida Cruzeiro do Sul ......................................................................................................... 75

Figura 1.9. Mapa de Uso e Ocupação do Solo em Santana (2012) ........................ 81

Figura 1.10. Densidade Demográfica – Santana (2010) .......................................... 84

Figura 2.1. Abrangência do Projeto Cura em Santana ........................................... 104

Figura 2.2. Localização Quadras 46 e 50 – Projeto Cura Santana ........................ 109

Figura 2.3. Operações Urbanas e Centralidades ................................................... 120

Figura 2.4. Área de Abrangência da Operação Urbana Consorciada Carandiru – Vila Maria ............................................................................................. 125

Figura 2.5. Demolição do Carandiru ...................................................................... 127

Figura 2.6. Passado: Complexo Penitenciário do Carandiru / Presente: Parque da Juventude ................................................................................................................ 128

Figura 2.7. Parque da Juventude e Penitenciária Feminina / Casa de Custódia .... 130

Figura 2.8. Equipamentos Metropolitanos Públicos e Privados Instalados na Porção da várzea de Santana ................................................................................. 141

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Figura 3.1. Modelo Econômico-Financeiro de Preços Hedônicos: Estruturação da Matriz de Dados ................................................................................................. 154

Figura 3.2. Eixos Fundamentais de Circulação em Santana .................................. 164

Figura 3.3. Trechos do Ambiente Construído Obsoleto da Rua Dr. Zuquim.......... 166

Figura 3.4. O Moderno e o Obsoleto na Antiga Área do Projeto Cura .................... 167

Figura 3.5. Avenida Cruzeiro do Sul – Arte e Arquitetura (Anti) Humana ............... 169

Figura 3.6. A Obsolescência na Avenida Cruzeiro do Sul ...................................... 171

Figura 3.7. Da Fábrica ao Estacionamento ............................................................ 172

Figura 3.8. Processo de Verticalização no Começo da Rua Voluntários da Pátria (Metrô Tietê) ............................................................................................................ 173

Figura 3.9. Ambiente Construído Obsoleto no Trecho Comercial de Santana ....... 175

Figura 3.10. Shopping Santana .............................................................................. 176

Figura 3.11. O Comércio de Rua na Voluntários da Pátria - O Antes e o Depois .. 179

Figura 3.12. Área de Abrangência da Ligação Viária – Avenida Cruzeiro do Sul – Avenida Eng. Caetano Álvares ................................................................................ 181

Figura 3.13. O Processo de Verticalização da Colina ............................................ 183

Figura 3.14. Quadros de Obsolescência na Colina ................................................ 184

Figura 3.15. Avenida Braz Leme e Região ............................................................. 189

Figura 3.16. Elementos do Ambiente Construído da Rua Alfredo Pujol ................ 190

Figura 3.17. Preços Médios do m² no Bairro de Santana ...................................... 194

Figura 3.18. Setor das Avenidas Olavo Fontoura e Assis Chateaubriand .............. 197

Figura 3.19. Áreas Modernas e Áreas Obsoletas no Bairro de Santana ................ 228

Figura 3.20. Lançamentos Imobiliários no Bairro de Santana (2009-2014) ............ 232

Figura 3.21. Localização do Trecho Comercial da Voluntários da Pátria e de Shoppings Centers em Santana .............................................................................. 236

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Figura 3.22. Divulgação de Preços Relativos a Pontos Comerciais Praticados Internamente no Shopping Center Norte ................................................................. 241

Figura 3.23. Recuperação e Readequação Técnica de Edificação na Avenida Cruzeiro do Sul no Bairro de Santana ..................................................................... 243

Figura 3.24. Produção de Nova Edificação na Área do Metrô Carandiru ............... 244

Figura 3.25. Aeroporto Campo de Marte e a Área Diretamente Afetada Pela Pista de Pouso ................................................................................................................. 246

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LISTA DE QUADROS E TABELAS

Quadro 2.1. Propostas de Intervenção Projeto Cura Santana ............................... 107

Quadro 3.1. Síntese Localização Preços da Terra (m²) ......................................... 195

Tabela 1.1. Disponibilidade de Unidades Lançadas entre 2006 e maio de 2013...... 32

Tabela 1.2. Uso do Solo Município de São Paulo e Bairros da zona norte (1968) . 76

Tabela 1.3. Uso e Ocupação do Solo em Santana (1991/ 2012) .............................. 78

Tabela 1.4. Relação entre Estabelecimentos / Empregos Santana (2006-2011) ..... 82

Tabela 1.5. População / Santana (1950-2010) ......................................................... 83

Tabela 3.1. Tabela Custos de Construção / São Paulo (2012). .............................. 223

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LISTA DE SIGLAS

BNH Banco Nacional de Habitação

CEF Caixa Econômica Federal

CPOR Centro de Preparação de Oficiais da Reserva

CURA Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada

EMURB Empresa Municipal de Urbanização

FMI Fundo Monetário Internacional

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INFRAERO Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária

IOF Imposto sobre Operações Financeiras

O.U. Operação Urbana

PIB Produto Interno Bruto

PMSP Prefeitura do Município de São Paulo

PRIOU Plano Referência de Intervenção e Ordenação Urbana

RMSP Região Metropolitana de São Paulo

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1

INTRODUÇÃO

A apresentação do trabalho: O ponto de partida da pesquisa

A construção desse trabalho teve como objetivo compreender e clarificar as

causas, elementos e mecanismos que levam uma ampla quantidade de áreas e

territórios na cidade de São Paulo a apresentarem em suas realidades ambientes

construídos que do ponto de vista técnico, funcional e econômico são considerados por

inúmeros segmentos da população, pelo Estado e pelos agentes econômicos, em

especial, os ligados ao mercado imobiliário, como ambientes deteriorados ou em estado

de degradação.

O ponto de partida da presente pesquisa, suas inquietações iniciais e as

decorrentes análises e reflexões expostas ao longo de seus três capítulos tiveram

origem no ponto de chegada e nas interrogações surgidas quando procuramos na

dissertação de mestrado (Gonçalves, 2006) refletir e clarificar aspectos relativos à

problemática da deterioração urbana em São Paulo, tendo como recorte espacial dessa

análise o bairro de Santana situado na zona norte da cidade.

A análise realizada naquele momento em relação à deterioração urbana no

bairro de Santana nos permitiu refutar a ideia de que a problemática está longe de ser

um processo de envelhecimento dos imóveis, tal como surge nos discursos produzidos

pelo Estado e pelo Capital, isto é, territórios ou áreas marcadas pela presença de uma

paisagem em estado de ruínas, pela precariedade técnica e funcional das edificações e

das infraestruturas de uso coletivo, se constituindo em ambientes subutilizados do

ponto de vista habitacional e econômico, é resultado.

Analisando as condições da paisagem, da organização espacial do bairro e

de dois momentos de intervenção urbana em Santana, ao longo dos anos de 1970, o

primeiro denominado Projeto CURA Piloto de Santana, e o segundo, o projeto da

Operação Urbana Vila Maria – Campo de Marte de 2002, chegamos à conclusão que a

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2

deterioração urbana só poderia ser compreendida como expressão das contradições

surgidas no processo de produção, reprodução e ampliação da Metrópole de São

Paulo, inerente à urbanização capitalista.

As interrogações surgiram dessa conclusão que se não traz novidade

alguma, afinal uma série de outras problemáticas na cidade de São Paulo possuem a

mesma gênese, ela nos permitiu questionar quais seriam os elementos específicos

dessas contradições responsáveis pela deterioração urbana. Em suma, era necessário

avançar mais.

O percurso da pesquisa: A definição do tema de investigação e o recorte espacial

do objeto de estudo

A proposta inicial era novamente nos situar na problemática da

deterioração urbana, em especial, o de clarificar sua gênese e, sobretudo, os

mecanismos que a definem como condição na realidade urbana de São Paulo.

O percurso adotado foi o de aprofundar investigações relativas a elementos

que foram de modo geral pontuados na dissertação1, em especial: i) a organização e

produção material da cidade pelo Estado e pelo mercado imobiliário e como a

deterioração se produz e reproduz nesse processo; ii) as contradições das intervenções

urbanas via a Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) como vetor da deterioração

urbana, iii) a correspondência entre a deterioração urbana com a formação dos preços

da terra, a constituição das diferenciações espaciais e a apropriação da renda fundiária

urbana pelo mercado imobiliário e agentes econômicos ligados a esse setor.

A primeira medida adotada por nós foi revisitar referências que possuem

como foco a fundamentação do espaço geográfico. Desse modo, consideramos o

espaço geográfico formado pela relação indissociável entre sistemas de objetos e

sistemas de ações (Santos, 1999) e o espaço formado na relação dialética entre sua

1 Gonçalves (2006).

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dimensão absoluta, relativa e relacional (Harvey, 1980 e 2012). Esses autores, em que

pese suas diferenças de método, foram fundamentais para clarificar o modo como à

cidade é produzida e o modo como ela também se constitui como força produtiva, pois

isso não só envolve uma multiplicidade de agentes produtores, bem como comporta

nos dois processos um conjunto complexo de contradições e problemas, entre elas, a

deterioração urbana.

A abordagem dos sistemas de objetos e sistemas de ações se apresentou

de extrema riqueza, em especial, porque ela nos possibilita compreender o modo como

Capital e Estado atuam no processo de modernização da cidade, tanto no tocante as

infraestruturas, como na produção e uso de edificações de todas as ordens e que sejam

capazes de responder com eficiência as demandas e exigências da modernidade e da

economia capitalista.

Como frisa Santos (1999, p.59), o espaço dos geógrafos leva em conta todos

os objetos existentes numa extensão contínua, todos sem exceção. Sendo assim, essa

abordagem nos permite colocar em movimento de tensão e reflexão crítica um diálogo

entre os espaços modernos e os espaços constituídos em diferentes tempos no

processo de produção e reprodução da cidade, que são marcados por conteúdos e

funcionalidades que nem sempre conseguem de modo pleno e eficaz corresponder ao

que o mundo guiado pelos ideários da globalização exige.

Porém, esse método ao menos para aquilo que nos propomos a analisar, em

especial, quando nos remetemos ao espaço-mercadoria, consideramos fundamental

agregar outro método de análise, no caso aquele que considera o espaço como

absoluto, relativo e relacional como o faz Harvey (2012). Ao se delimitar uma área de

estudo na cidade, do ponto de vista absoluto, essa unidade espacial internamente é

composta por um conjunto de infraestruturas, de propriedades privadas e públicas que

ocupam pontos específicos desse território. Cada qual, mais especificamente as

propriedades, por conta das suas formas, estruturas e funções nos permitem classificá-

las, geograficamente falando, a partir do uso que elas comportam.

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A dimensão de espaço relativo permite que ele seja compreendido e

analisado a partir das relações que acontecem entre objetos existentes (Harvey, 2012,

p.10). Desse modo, esses objetos, que não são outra coisa senão mercadorias (terra

mercadoria) nos levam a ter melhor dimensão do valor do espaço a partir da relação

dialética existente entre os valores de uso e valores de troca, o que notadamente

implica em trazer para as reflexões e análises realizadas os agentes produtores da

cidade e seus objetivos.

Entretanto, há que ser salientado que essa área, essa fração do espaço da

cidade que é ao mesmo tempo absoluto e relativo é também relacional, pois isso

implica em considerar em um único movimento que a existência das relações internas

que se dá entre os objetos também é respondida pelas relações externas que se

internalizam nesse processo e isso nos remete à totalidade de todos os outros

processos que ocorrem na cidade. A relação entre objetos e todos os processos que

ocorrem em um determinado espaço não se dá a partir dele ou somente dentro dele, há

uma força externa que se impõe e se reproduz nessa realidade.

Além disso, a ideia de espaço absoluto, relativo e relacional também nos

permite colocar em questão de análise categorias analíticas, como é o caso da renda

fundiária urbana e como ela se comporta na medida em que a cidade ao se produzir e

reproduzir materialmente gera uma gama complexa de espaços diferenciais.

Para tanto, no caso da renda, Harvey (1980, 2005 e 2006), Rodrigues

(1988), Topalov (1979) e Lojkine (1979) foram fontes profícuas, visto que todos os

autores consideram essa como uma categoria chave para o entendimento da dinâmica

espacial da cidade.

Em síntese, ao adotarmos essas duas vertentes gradualmente questões

relativas à ação do Estado na realidade urbana vieram à tona, sobretudo, quando nos

debruçamos sobre o planejamento urbano, suas premissas e suas ações. Nesse

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sentido, compreender o significado do Estado capitalista e como ele age a partir de

suas instituições e do planejamento urbano na realidade da cidade foram fundamentais.

O Estado, por meio da PMSP, cada vez mais age de modo seletivo na

cidade quando se trata das intervenções urbanas, norteado pelas leis e exigências de

remuneração dos agentes econômicos capitalistas e não efetivamente pelas

necessidades internas da cidade.

Nesse sentido, o que se colocou como cerne de análise foi discutir os

impactos dessa seletividade, isto é, um dos mecanismos da deterioração urbana estaria

dialeticamente vinculado na formação desses novos espaços. Eis então, o elemento da

contradição em detrimento da naturalização do problema.

Em relação ao recorte espacial, após considerar a possibilidade em

investigar localidades e regiões da cidade, como Luz, a rua 25 de Março e adjacências,

Santana, Móoca, Brás, Barra Funda, Vila Maria, Água Branca, Água Espraiada, Faria

Lima, optamos centrar nossa análise em Santana. Vale destacar que essas regiões

citadas áreas onde ocorrem ações e projetos via as intervenções urbanas realizadas

pela PMSP, sendo que um dos argumentos centrais de justificativa desses processos

são os denominados quadros de deterioração urbana.

Apesar de esse processo ocorrer em várias localidades/regiões a decisão

sobre permanecer em Santana foi pelo fato de que tínhamos uma base de análise que

permitiu aprofundarmos nossas reflexões. Para reforçar a manutenção da categoria

bairro como objeto de análise, Carlos (2001, p.245) nos esclarece a seguinte condição:

A análise do bairro nos coloca diante de duas ordens de problemas: a primeira se refere à questão da escala espacial, uma vez que o bairro não constitui uma totalidade em si, isto é, a realidade urbana não se reduz à do bairro, o que significa pensar a escala local em sua relação com uma totalidade espacial mais ampla, para que ele ganhe sentido explicativo. No plano da vida cotidiana, a articulação de escalas espaciais se esclarece nas articulações das ações que colocam os indivíduos diante das necessidades de reprodução da vida, compartimentadas e delimitadas pelas esferas do trabalho, do lazer e da

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vida privada, em um processo que transforma a cidade em mercadoria. Daí o desafio de explicar o bairro, fragmento espacial, pode efetivamente iluminar o processo de reprodução do espaço urbano na metrópole hoje. Não resta dúvida de que o bairro é uma dimensão dessa realidade; resta saber como se define esse grau de realidade.

Logo, considerando a totalidade da urbanização de São Paulo e as

contradições e problemas derivados dessa realidade, quando é separada uma parte

para estudá-la, no caso, o bairro de Santana, é esta parte que se esclarece como

manifestação desse processo total.

Nos trabalhos de campo realizados em diferentes momentos da pesquisa,

adotamos como método de investigação averiguar os elementos que o compõem o

ambiente construído, o que nos permitiu um melhor diálogo com as abordagens

conceituais do espaço geográfico por nós adotado.

Uma mudança necessária no tema de investigação da pesquisa, seus objetivos e

a formulação de uma nova hipótese do trabalho.

Na medida em que as pesquisas e nossas reflexões foram amadurecendo, a

temática da deterioração urbana cada vez mais se mostrava fragilizada do ponto de

vista geográfico, ou seja, o espaço urbano não pode ser compreendido nas noções de

deteriorado porque, em primeiro lugar, tem um viés generalista e a deterioração urbana

enquanto conceito e processo são imprecisos. Além disso, sua carga ideológica serve

tão e somente para que o Estado e o Capital justifiquem suas intervenções na medida

em que seus interesses pela produção de novos espaços se impõem na cidade.

Em segundo lugar porque a ideia de deterioração urbana se remete as

condições precárias das infraestruturas e edificações, porém quando se observa na

realidade de Santana e de outras localidades de São Paulo, os ditos ambientes

deteriorados são formados também, e na sua grande maioria, por um conjunto de

objetos velhos ou antigos, mas que necessariamente não se apresentam deteriorados,

tal como o termo é utilizado.

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Em terceiro lugar, a deterioração urbana expressa, no limite, a forma, as

condições físicas de certas edificações e infraestrutura, ou seja, ela não responde ao

processo que levam a decadência física, funcional e econômica das áreas ou

ambientes construídos presentes na cidade.

Por conta desses fatores, a adoção nesse trabalho do conceito/processo da

obsolescência espacial ao invés de deterioração urbana foi decidida. O conceito da

obsolescência surge em trabalhos de Santos (1994) e Harvey (2013, 1990), mas, ele

aparece como um indicativo do que ocorre na realidade espacial urbana, ou seja, tais

trabalhos indicam que esse processo não trata meramente de uma questão moral, física

ou técnica e sim de uma problemática de ordem sócio geográfica.

Mesmo em face dessa mudança conceitual mantive o recorte de estudo com

o objetivo de entender os elementos responsáveis pelo processo da obsolescência

espacial urbana que em perspectiva compreende uma forma mais geográfica de olhar

para o que se convencionou chamar de deterioração na realidade urbana.

Devo salientar que as três premissas assinaladas2 não se alteraram, pois a

mudança de rumo nas concepções teóricas se deu justamente no processo em que

íamos aprofundando as leituras e investigações sobre as condições técnicas,

funcionais, econômicas e de estilo que se impõem nos ambientes construídos agora

sob a perspectiva da obsolescência urbana.

A organização e produção da cidade, analisada na sua dimensão de

mercadoria, comporta valores de uso e valores de troca, além de um amplo leque de

agentes produtores, em especial, o Estado e os agentes econômicos privados que

possuem normas, leis gerais e específicas inerentes ao modo de produção capitalista

de ordem complexa e contraditória. Nessa direção, foi possível estabelecer como

hipótese que, na medida em que ocorre a produção e reprodução do capital e do

espaço geográfico, as áreas e setores da cidade tidos como obstáculos a esse duplo 2 As que constam no item “O percurso da pesquisa: A definição do tema de investigação e o recorte

espacial do objeto de estudo”.

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processo ou que não se enquadram aos ideários e exigências da moderna economia

global e aos padrões e valores burgueses, estarão situados no universo da

obsolescência espacial urbana.

Desse modo, o processo da obsolescência espacial urbana corresponde às

condições geográficas dos ambientes construídos, os quais não conseguem atender de

modo satisfatório as exigências de remunerações do capital, principalmente os setores

econômicos ligados ao mercado imobiliário, bem como as demandas de retorno

econômico para o Estado, sobretudo, no que tange aos impostos cobrados quando dos

usos da terra urbana.

A organização do trabalho

Conforme o desenvolvimento de nossas pesquisas, que nos remeteu ao

processo da obsolescência espacial na realidade urbana da cidade de São Paulo, tendo

como objeto de análise e investigação de uma localidade conhecida como Santana, o

presente trabalho foi organizado em três capítulos.

O capítulo um, intitulado “O fio condutor da obsolescência espacial urbana”,

está centrado inicialmente na análise do conceito da obsolescência que ocorre na

esfera industrial e como ele se impõe na realidade urbana. Consideramos que na

cidade de São Paulo não há obsolescência programada, ou seja, o processo se dá nos

interstícios das contradições do processo de produção e reprodução do espaço-

mercadoria. Ao final desse capítulo, traçamos uma contextualização geográfica para

justificar os motivos da escolha do bairro de Santana no intuito de melhor demonstrar

analiticamente a obsolescência espacial urbana.

No capítulo dois, com o título “A lógica do planejamento urbano como nutriz

do processo da obsolescência espacial urbana”, analisamos criticamente o

planejamento urbano adotado pelo Estado, representado pela PMSP. Entre os anos de

1960/80, predomina a ordem tecnicista enquanto que no modelo dos anos de 1990

predominam aspectos de caráter estratégico. Foram analisados os documentos oficiais

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que tratam da dinâmica do planejamento. Guardadas as diferenças conceituais entre os

modelos, ambos utilizam a denominada deterioração urbana como justificativa para a

realização e desenvolvimento de projetos intervencionistas na realidade urbana e,

nesse sentindo, Santana é caso exemplar em dois momentos desse processo: o Plano

Cura, nos anos de 1970, e o Projeto da Operação Urbana Carandiru -Vila Maria nos

dias atuais.

A hipótese aqui trabalhada é que as intervenções, ao agirem ou ao se

voltarem seletivamente no espaço intraurbano de bairros como Santana, fomentam a

obsolescência espacial, seja porque se modernizam certos ambientes em detrimento de

outros, seja porque tais intervenções e projetos acabam por serem equivocados

urbanisticamente ao não considerarem a complexidade de produção e reprodução do

espaço-mercadoria.

Por último, no capítulo três, denominado de “A questão dos preços, do

ambiente construído, da renda da terra e o processo da obsolescência espacial no

bairro de Santana”, considerando o mercado imobiliário e os agentes que o constituem

construímos analiticamente relações entre as categorias preço da terra, ambiente

construído e a renda fundiária como forma de explicar e clarificar a gênese e os

mecanismos que alimentam o processo da obsolescência espacial urbana. Para tanto,

em relação aos preços, analisamos sua constituição a partir das categorias analíticas

do valor (valor de uso e valor de troca) e posteriormente realizamos o levantamento dos

preços praticados no mercado imobiliário de Santana os quais procuramos analisá-los a

partir do ambiente construído e das diferenciações espaciais que o marcam. Com esses

dois elementos, situados em fundamentações conceituais relativas à renda fundiária,

realizamos uma análise de como as diferentes modalidades desse tipo de remuneração

do capital em Santana respondem ao processo da obsolescência.

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Capítulo 1

O fio condutor da obsolescência espacial urbana.

No mundo atual, ditado pela celeridade do processo de ampliação do capital,

esse sob a égide da esfera financeira, que abduz e controla todas as etapas de

produção e reprodução do sistema definido pela tríade produção-circulação-consumo, a

obsolescência das mercadorias e produtos de todas as ordens, e isso inclui a terra-

mercadoria, cada vez mais se impõe na realidade social nas suas mais diversas

escalas, do global ao local.

Inicialmente, poderíamos, em relação à palavra obsolescência, fazer uma

relação com a ideia de ultrapassado, antiquado, algo como um objeto e/ou um conjunto

de objetos ou um conceito, uma ideia que deixa de atender aos propósitos e

necessidades dos indivíduos, de nossa sociedade e do sistema capitalista propriamente

dito.

O que se constata é que um amplo leque de produtos ou objetos3, valores de

uso que consumimos em nosso cotidiano tem o seu tempo de vida útil reduzido, seja no

seu tempo de durabilidade, seja na produção de novos artefatos, tendem ou substituem

em curto espaço de tempo os anteriores, os quais não necessariamente na prática

estejam obsoletos tecnicamente de fato, tanto em relação a sua funcionalidade ou em

seus atributos e recursos.

Muitas vezes o que ocorre é uma alteração de estilo, de design do produto,

algo que se pode considerar como obsolescência de estilo dos produtos e objetos

concebidos em tempos pretéritos quando comparado ao novo que se impõe, sendo

essa condição dada, em especial, pela atuação do setor de propaganda e marketing.

3 Necessariamente não precisa ser o produto ou o objeto em sua totalidade, pode estar numa peça que

torna o modelo inutilizável.

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Na esfera industrial a obsolescência conhecida também como obsolescência

programada possui todo um histórico. Em seu livro “Cidades em Evolução”, Patrick

Geddes (1994) nas primeiras décadas do século XX, nos fala sobre o obsoletismo

tecnológico ao vincular o desperdício de recursos socioambientais e as condições

ambientais da cidade em função do uso em escala industrial do modelo energético

baseado no carvão. Geddes defendia como superação do problema o uso do “carvão

branco” ditado por um novo tempo tecnológico, o período neotécnico, assentado na

eletricidade4.

Se em teoria a questão da obsolescência é colocada por Geddes, do ponto

de vista prático, o setor industrial voltado à produção de lâmpadas é o que introduz a

concepção de programar matematicamente a durabilidade de um produto, o que

significa nas entrelinhas uma obsolescência programada.

Em Genebra, Suíça, no ano de 1924, empresas ligadas ao setor de

lâmpadas constituíram um cartel tendo como finalidade o controle do mercado mundial.

Com o nome de Phoebus, essa organização incluía os principais fabricantes de

lâmpadas da Europa e Estados Unidos. A principal meta desse cartel era promover o

consumo contínuo de lâmpadas, para tanto deveriam reduzir o tempo de vida útil

desses objetos tornando esse processo uma vantagem econômica para as indústrias

do segmento. Desse modo, as ferramentas oriundas do marketing foram fundamentais

nesse processo, ou seja, ao mesmo tempo em que se reduzia a durabilidade do

produto, fazia-se necessário encontrar formas de manipular e ludibriar os

consumidores, sem que estes questionassem as mudanças negativas do padrão

tecnológico.

É importante ressaltar que na indústria a obsolescência programada,

contraditoriamente do ponto de vista tecnológico, exige um avanço nas formas de

4Apesar de a eletricidade ser uma realidade em nossas vidas, o principal modelo energético mundial

permanece assentado nos combustíveis fósseis, sobretudo, no petróleo e seus derivados.

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produção para diminuir o tempo de vida útil de um produto seja ele na sua totalidade ou

em partes desse produto.

A primeira lâmpada produzida em 1871 por Thomas Edson possuía algo em

torno de 1500 horas de vida útil. Em 1924, quando da constituição do Cartel Phoebus5,

possuíam vida útil em torno de 2500 horas.

A meta estabelecida pelo Cartel em 1925 através do Comitê das Mil Horas

de Vida era limitar tecnicamente o tempo de duração das lâmpadas de uso doméstico

para 1000 horas, o que garantiria o consumo contínuo deste produto. Tal finalidade

seria alcançada por volta de 1940. Enquanto isso, o marketing trabalhava na exaltação

da durabilidade das lâmpadas de 1000 horas, além de eliminar qualquer vestígio do

passado.

Ao mesmo tempo em que a robustez e durabilidade dos produtos e

máquinas eram exaltadas, em uma clara contradição, os engenheiros e técnicos, que

aplicavam seus conhecimentos na produção de novos produtos, eram obrigados a

realizar o processo inverso: trabalhar para que os produtos tivessem menor tempo de

vida. É o caso da Dupont nos anos de 1940, quando da invenção e introdução do nylon

no mercado consumidor em produtos para mulheres. Em uma primeira instância, no

lançamento de meias, a durabilidade desse produto era exaltada pelo marketing. No

momento seguinte, a empresa constatou que tal durabilidade implicaria na gradual

diminuição da produção, logo não manteria os lucros e sobrelucros em função de tal

inovação tecnológica. Sendo assim, determinou a sua equipe que buscasse novas

fórmulas para um produto de menor durabilidade e resistência.

Anteriormente a esse evento da Dupont, em 1929 em função da crise

financeira desencadeada pelo Crash da Bolsa de Nova York, Bernard London, promotor

imobiliário, escreveu, em 1932, “Ending the depression through planned

5 Consultar o documentário Obsolescência Programada produzido pelo canal 2 da Televisão Espanhola e

RTVE - https://www.youtube.com/watch?v=JVRjnvv5UNk. Acesso em: 13.05.2012.

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obsolescence6”. A tese de London para a superação da crise econômica nos Estados

Unidos seria por meio da obsolescência planejada ou obrigatória. Para ele, os produtos

de todas as ordens deveriam ter o tempo de vida útil previamente definido por

engenheiros e matemáticos, e após o encerramento da vida útil destes, os mesmos

seriam entregues a uma agência do governo para sua destruição. O plano de London

(1932, p.13) envolveria de roupas a edifícios, esses últimos teriam vida útil em torno de

25 anos e após esse tempo seriam derrubados dando lugar a novas edificações.

London imaginava que com a obsolescência obrigatória através de um

truncado sistema receptor de produtos e bens que ele denomina de mortos, bem como

toda uma nova base de tributação e taxa de juros aplicados na relação produtor–

consumidor, garantiria ao Estado uma fonte permanente e segura de “renda”. Na sua

concepção isso iria garantir às indústrias a produção continua de bens e mercadorias

de modo equilibrado, além da segurança do pleno emprego, e ao mesmo tempo,

eliminaria a figura do especulador, que de acordo com London (1932, p.15):

Se esse plano estivesse em operação, os especuladores não iriam adquirir fortunas simplesmente manipulando e criando falsos valores ou riqueza sintética. Se fosse decretado que a vida do trigo fosse de dois anos, por exemplo, ninguém iria comprar o grão exclusivamente para especulação, criando um mercado artificial, e segurando um clube sobre a cabeça do agricultor, como é hoje7.

Considerando que a crise econômica de 1929 esteve ligada à ação dos

especuladores financeiros, a tese de London procurava no conceito da obsolescência

ser uma ferramenta para combater justamente essas ações especulativas em todos os

setores da economia. Na medida em que houvesse a obsolescência programada

obrigatória o sistema produtivo em tese não cessaria em momento algum, garantindo

dessa forma o fluxo de emprego contínuo e, ao mesmo tempo, o consumo e em

contrapartida a saúde financeira e o lucro das empresas.

6 “Acabar com a depressão através da obsolescência planejada” (Livre tradução do autor dessa tese).

7 Livre tradução de: If this plan were in operation, speculators would not acquire fortunes simply by

manipulating and creating false values or synthetic wealth. If it were decreed that the life of wheat were to be no more than two years, for example, no man would buy the grain solely for speculation, thus creating an artificial market and holding a club over the farmer’s head, as today.

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A totalidade das ideias de London nunca foram consideradas e o conceito de

obsolescência programada gradualmente nas décadas seguintes ganharia novas

abordagens. Com Brook Stevens8, designer industrial estadunidense, nos anos de

1950, o conceito de obsolescência planejada ou programada ganharia uma nova

concepção na elaboração e produção de bens e mercadorias, tendo o instrumental do

designer e marketing como elemento fundamental no processo.

Nos termos de Stevens a obsolescência planejada era justificada pelo

“desejo do consumidor de possuir algo um pouco mais novo, um pouco melhor e um

pouco antes do necessário", ou seja, os produtos deveriam despertar nos indivíduos o

desejo continuo de consumo por novos produtos.

A ideia de Stevens sobre a obsolescência planejada e que ganharia terreno

nos anos subsequentes se difere da obsolescência programada, aquela estritamente do

ponto de vista técnico, porém ela não é descartada. A redução do tempo de vida útil de

uma lâmpada ou de uma meia é uma das possíveis formas de obsolescência técnica,

por exemplo, quando uma determinada marca/modelo de um automóvel que de um ano

para outro sofre uma e outra alteração, mais do que eventuais mudanças técnicas, há,

sobretudo, uma modificação no seu design. Nesse caso teríamos uma obsolescência

programada de estilo.

Nos tempos atuais o desejo de consumir o novo é alimentado e induzido a

partir da aliança entre setores como engenharia, design, marketing e sistema de

crédito. Por meio de novas estratégias e conceitos na relação produção-crédito-

consumo procuram deslocar a obsolescência programada para o consumidor, isto é,

para a esfera do consumo, pois na última instância, ele é quem define o que será ou

não obsoleto.

O ato de consumir possui um duplo aspecto, uma dupla liberdade por parte

do consumidor – a liberdade positiva e a liberdade negativa. Historicamente o consumo 8 Consultar o documentário Obsolescência Programada produzido pelo canal 2 da Televisão Espanhola e

RTVE.

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de coisas, de produtos, de mercadorias e de ideias nos permite não só suprir as

necessidades vitais, mas também nos possibilita, no ato, desenvolver um leque amplo

de sensibilidades, habilidades, inteligência e liberdade – aspectos esses que variam de

cultura para cultura, de geração para geração, de gênero para gênero, de idade para

idade, de indivíduo para indivíduo.

No atual tempo, o consumo, mesmo que açulado através das mais variadas

formas e maneiras, supõe-se que seja mantida a autonomia do indivíduo em adquirir ou

não certo produto, absorver e incorporar ou não ideias ou estilos de vida em seu

cotidiano. Nessa perspectiva, o consumo não se restringe a um ato individual que tem

fim em si mesmo, o consumo individual implica direta e indiretamente no

estabelecimento de relações, sejam elas com outros sujeitos, seja com instituições de

todas as ordens.

Na medida em que essas relações ocorrem, supõe-se que haja uma

avaliação do que efetivamente consumir e os impactos disso na vida do indivíduo.

Entretanto essa liberdade positiva do consumo, em certas situações, sofre uma

imposição da liberdade negativa. Os sujeitos são ao mesmo tempo consumidores e

trabalhadores e, como trabalhadores são sujeitados ao capital tendo no processo

produtivo sua força de trabalho consumida. De acordo com Karl Marx (19969, p.172):

Como criador de valores de uso, como trabalho útil, [...] é uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, vida humana.

Através do trabalho não só produzimos valores de uso necessários a nossa

sobrevivência, como é através dele que a existência social se realiza, emancipando-o

da natureza. Porém, na medida em que uma fração da capacidade de trabalho dos

homens é absorvida e transformada em força de trabalho, essa mercadoria no processo

produtivo capitalista será como qualquer outra mercadoria consumida. Se anteriormente

9 MARX, Karl. O capital - crítica da economia política / vol. I - Livro primeiro: O processo de produção do

capital. São Paulo: Coleção “Os Economistas”, Editora Nova Cultural Ltda, 1996

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a essa realidade, o trabalho estava vinculado na produção de valores de usos e esses

eram reconhecidos pelos seus produtores, no sistema capitalista, aquilo que o

trabalhador realiza lhe é externo, pois, os resultados de suas atividades pertencem a

outro, no caso, os capitalistas.

As liberdades relativas ao trabalho desaparecem. Apesar de o trabalhador

crer que haja uma relação de igualdade contratual na relação com a firma, ele não

escolhe o que e como produzir, ele não determina sua jornada de trabalho e muito

menos o seu salário. Isso lhe é externo e imposto. Há nesse sentindo, nitidamente, uma

sujeição da sua força de trabalho que se converte em meio, em mercadoria para o

capitalista, que a converte na produção para produzir valores de uso para terceiros,

objetivando para si valores de troca que pela lógica do mercado capitalista se impõe

sobre os valores de uso.

Para clarificar a dimensão da mercadoria como valor de uso e valor de troca,

Marx apud Harvey (1980, p.133) nos fala que:

A mercadoria é um valor de uso, mas como mercadoria, ela em si simultaneamente não é valor de uso. Não seria mercadoria se fosse valor de uso para seu possuidor; isto é, meio direto para a satisfação de suas próprias necessidades. Para seu possuidor é, ao contrário, não valor de uso, que é meramente o depositário físico do valor de troca ou simplesmente meio de troca. O valor de uso como ativo portador de valor de troca torna-se meio de troca. O valor de uso como ativo portador de valor de troca torna-se meio de troca. A mercadoria é valor de uso para seu possuidor na medida em que é valor de troca. A mercadoria, por isso, tem ainda que se tornar um valor de uso [...] um valor de troca para outros. [...] Para tornarem-se mercadorias como valores de uso elas devem ser inteiramente alienadas; devem entrar no processo de troca [...].

Nesse sentido, na medida em que os valores de troca se impõem sobre os

valores de uso, são os valores de troca que passam a determinar as relações humanas

ou as relações sociais por assim dizer. A separação entre a execução da produção e

realização das mercadorias no mercado redunda no fato de que o trabalhador satisfaz

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as necessidades externas a ele, ou seja, as necessidades dos capitalistas que

objetivam o lucro.

O trabalhador alienado pelo processo é usurpado de qualquer possibilidade

concreta de satisfação, além de ter sua felicidade distorcida pelo ideário burguês. Ao

refletir sobre essa felicidade Fromm (1987, p.27) nos diz que:

As normas pelas quais a sociedade se rege, moldam também os traços de caráter social dos seus membros. Numa sociedade industrial eles são: o desejo de adquirir propriedades, de mantê-las e de aumentá-las, ou seja, de extrair delas o lucro, e os proprietários são admirados e invejados como seres superiores. Mas a grande maioria das pessoas não tem qualquer propriedade no sentido de capital e de bens capitais e uma questão intrigante se coloca: como podem tais pessoas satisfazer ou mesmo enfrentar a sua ânsia de aquisição e posse de propriedade, ou como se podem sentir possuidores quando não têm absolutamente nada que lhes permita, neste contexto, referenciarem-se. É claro que a resposta óbvia é que mesmo os indivíduos pobres em propriedades possuem qualquer coisa, e prendem-se às suas pequenas posses do mesmo modo que os donos do capital se prendem às suas. E tal como eles, os pobres vivem obcecados pelo desejo de preservar o que têm e de o ver aumentado, ainda que uma quantia ínfima.

A alienação do consumo cumpre papel fundamental no processo da

obsolescência planejada. A título de exemplo podemos considerar um indivíduo que

tenha um computador e monitor para uso doméstico e em perfeito estado de

conservação, ambos fabricados há dez anos. Esse conjunto comparativamente ao que

temos hoje é colocado como tecnicamente obsoleto pela indústria e pelos

consumidores, porém na prática não o é.

O que se quer dizer é que um computador com idade de dez anos mesmo

com todos os avanços tecnológicos, em especial, no tocante aos processadores e na

redução de peso do equipamento que ocorreu, ele consegue ter desempenho

satisfatório, mesmo que de maneira mais lenta para a execução de softwares de todas

as ordens, bem como acessar a internet. A inserção de novos produtos no mercado

sejam eles a serem consumidos ao nível doméstico, industrial ou em outros setores da

economia não significa que os anteriores a estes estejam obsoletos de fato no sentindo

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de executarem tarefas. Na vida cotidiana a maior parte dos indivíduos tem pouco ou

nenhum conhecimento sobre questões técnicas que envolvem a maior parte dos

produtos consumidos em curto, médio e longo prazo, porém as firmas possuem

absoluta clareza disso.

O apelo ao consumo a novos produtos não tem sido somente em função do

fator estilo. A obsolescência técnica de produtos e objetos deve ser entendida aqui

considerando elementos e fatores como custos de manutenção, acesso e

disponibilidade de peças de reposição, capacidade produtiva, variação de usos e

funções e de articulação com outros objetos.

No uso doméstico, ao adquirir um determinado produto, por exemplo, um

tablet ou computador de última geração a maioria dos consumidores não conseguem

de fato colocar em uso todos os recursos disponíveis. Isso demanda de um

conhecimento aprofundado sobre a relação entre o hardware e o software da máquina

e como ela pode se articular com outros objetos. Ao final, mesmo que usando um ou

outro recurso diferenciado o consumidor acaba por executar as mesmas tarefas que até

então realizava com o equipamento anterior.

Daí o mundo construído pelo marketing, propaganda e publicidade em

nosso cotidiano no que se refere à obsolescência. Aqui o termo ganha significado na

medida em que o consumo alienado e sistemático se realiza, ou seja, atrelado à ideia

de consumir o novo no qual pode estar embutida uma inovação técnica com ênfase no

estilo, os indivíduos são levados à sensação de satisfação, de desejo realizado.

O princípio da obsolescência não é algo recente e possui raiz ligada ao

projeto burguês enquanto classe dominante no modo de produção capitalista no sentido

de revolucionar constantemente os meios de produção. No Manifesto Comunista, Marx

e Engels (2003, p. 29), apontavam que:

A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os meios de produção e, por conseguinte, as relações de produção e, com elas,

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todas as relações sociais [...]. A revolução contínua da produção, o abalo constante de todas as condições sociais, a eterna agitação e certeza distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Suprimem-se todas as relações fixas, cristalizadas, com seu cortejo de preconceitos e ideias antigas e veneradas; todas as novas relações se tornam antiquadas, antes mesmo de se consolidar. Tudo o que era sólido se evapora no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e por fim o homem é obrigado a encarar com serenidade suas verdadeiras condições de vida e suas relações com a espécie. A necessidade de um mercado constantemente em expansão impele a burguesia a invadir todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte.

O capitalismo tem como fundamento a constante transformação em seus

parâmetros econômicos produtivos. As guerras e as revoluções tecnológicas possuem

papel importante no processo de transformação da atividade industrial. Enquanto isso,

o crescimento da população e o mercado de capitais impulsionam uma dinâmica ao

sistema por meio “de novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou

transporte, dos novos mercados e das novas formas de organização industrial criadas

pela empresa capitalista” (SCHUMPETER, 196110, p.110), ou seja, o fundamento

principal se assenta na destruição criadora que se constitui em elemento chave para a

compreensão do capitalismo, “que revoluciona incessantemente11 a estrutura

econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando elementos

novos12”.

Dessa forma, a obsolescência não pode ser considerada ou refletida como

processo isolado da totalidade relativa ao modo de produção capitalista e muito menos

fora do contexto quando se considera as ações e projetos dos agentes econômicos

privados que objetivam a busca incessante pelo lucro.

10

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961 11

Essas revoluções não são permanentes, num sentido estrito; ocorrem em explosões discretas, separadas por períodos de calma relativa. O processo, como um todo, no entanto, jamais para, no sentido de que há sempre uma revolução ou absorção dos resultados da revolução, ambos formando o que é conhecido como ciclos econômicos (SCHUMPETER, 1961, p.110) 12

Ibidem.

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Os aspectos que envolvem a obsolescência programada até aqui refletidos

são necessários de modo a se constituir como um fio condutor para refletir como a

obsolescência ocorre no espaço urbano, embora esse não tenha necessariamente as

mesmas dimensões quando nos remetemos as outras mercadorias. Nosso cerne não

está em se discutir à obsolescência de produtos e mercadorias consumidas no

cotidiano dos indivíduos como roupas, eletrodomésticos, veículos, equipamentos de

informática (softwares ou hardwares), mas como esse processo se realiza no espaço da

cidade, dai o processo denominado de obsolescência espacial urbana.

1.1. A obsolescência espacial urbana não é planejada.

O processo da obsolescência urbana não é uma condição desconhecida nos

estudos urbanos conforme Sampaio (2007), Santiago (2006), Azevedo (1988)13.

Entretanto, como processo, a obsolescência se diferencia entre o que ocorre na esfera

de produção de mercadorias via o setor industrial e na dimensão espacial. Diferente da

terra, um dado da natureza, onde se assentam todos os elementos naturais, o que

inclui o homem, o espaço geográfico é produto, condição e meio do trabalho humano

(CARLOS, 1994; LEFEBVRE, 2001).

No espaço estão situadas as relações sociais e a existência material, ou

seja, os objetos que nele estão fixados. O espaço é formado por um conjunto

indissociável, solidário e também contraditório, de sistema de objetos e sistema de

ações , não considerados isoladamente, mas como quadro único no qual a história se

dá (SANTOS, 199914). Nisso é fundamental evidenciar o processo dialético que compõe

o espaço, pois não se pode entender o espaço sem perceber a sua composição

material e as relações sociais que nele se concretizam.

13

Entendemos que o modo como esses autores tratam a obsolescência espacial é equivocada e ou superficial, especificamente por Sampaio (2007) e Santigo (2006), justamente porque ambos trabalham com o conceito da obsolescência programada para a realidade da cidade. 14

SANTOS, Milton. A natureza do espaço – Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec. 1999

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Os modos de produção se alteram, as relações sociais se modificam, novos

valores, signos, culturas são introduzidos, modificados, metamorfoseados no seio de

cada sociedade. Se o homem, por seu trabalho enquanto produtor, residente ou

ocupante ocasional, não transmite vida à coisa, o objeto permanecerá sempre como

tecnologia e não como elemento que compõe o espaço geográfico. Assim como as

forças materiais naturais não se tornam produtivas se não pelo trabalho humano, “o

mesmo se passa com forças materiais sociais, criadas pelo homem mediante o

processo de produção, presente ou passada” (JAKUBOWSKY, 1971 apud SANTOS,

1999, p. 83).

A cada fase do movimento especificidades processadas darão a produção

espacial particularidades distintas e específicas ao momento imediatamente anterior.

Mas, o que foi anteriormente produzido não se apaga, é absorvido, transformado. Pode-

se pensar aqui num processo de continuidade, de produção e reprodução espacial, um

acúmulo de tempos, onde o tempo atual é o dominante. É ele, esse tempo atual,

determinado por um modo de produção específico que dará continuidade no processo

de produção e reprodução do espaço geográfico. Para Carlos (1994, p.32):

O espaço geográfico não é à base da história mundial, mas o produto das relações fundamentadas na divisão social que ocorreram num determinado momento histórico entre os homens e a natureza. É um processo de produção e também de reprodução, fundamentado de um lado na acumulação técnico-social e, de outro, na relação dialética entre o velho (espaço como meio de produção) e do novo (o processo atual em si), implicando a ideia de continuidade – do processo de desenvolvimento da própria sociedade.

O espaço urbano, no modo de produção capitalista, não pode ser situado

fora da sua condição como mercadoria, e como tal, possui elementos marcados por

especificidades que o diferem das demais mercadorias. Isso acontece em relação à

multiplicidade dos agentes que o produzem, incluindo o Estado, como também pelo

tempo de sua produção, duração, circulação e do consumo das formas fixadas na

cidade, como, por exemplo, as edificações e sua infraestrutura e, pela função que ele

desempenha na reprodução do sistema capitalista.

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Os elementos fixados e que compõe o espaço-mercadoria na cidade, como

as edificações de todas as ordens e usos e os equipamentos e meios de consumo

coletivo aparecem para a produção capitalista como parte do valor, expresso sob a

forma do capital constante, possibilitando os processos de produção, circulação e

consumo de produtos de todas as ordens.

De acordo com Marx15, o capital constante seria a parte do capital que se

converte em meios de produção, isto é, em matéria-prima, matérias auxiliares e meios

de trabalho, não alterando a sua magnitude de valor no processo de produção. A outra

parte do capital revertida em força de trabalho altera o seu valor no processo de

produção, reproduz o seu próprio equivalente e um excesso acima disso, a mais-valia,

que pode ela própria mudar, ser maior ou menor. De uma magnitude constante, esta

parte do capital transforma-se continuamente numa variável, ou seja, o capital variável.

O capital fixado na cidade é fundamental para os objetivos dos capitalistas.

A partir destas “estruturas” que serão propícias à reprodução do capital, o espaço é

amplamente modificado por este processo. Os elementos fixos, fixados em cada lugar

através de fluxos novos ou renovados, criam e recriam condições socioeconômicas que

redefinem os ambientes na cidade, sendo que esses acabam por se traduzir na

possibilidade de acúmulo de capital para os agentes econômicos privados. Em relação

aos fluxos Santos16 nos clarifica que esses “são o resultado direto ou indireto das

ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação e o

seu valor, ao mesmo tempo em que, também se modificam”

Estes espaços que são modificados e agregam capital fixo diferenciam-se de

outros pontos na cidade que não recebem o mesmo tipo de “investimento”, o que gera

uma diferenciação espacial entre os lugares dentro do espaço urbano, na cidade

propriamente dita.

15

Ibidem, p.325. 16

Ibidem, p. 50.

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De acordo com Sonia Barrios (1986, p.5):

No sistema capitalista em particular a reprodução dos grupos dominantes estará centrada em torno da acumulação de capital. O sistema produtivo estabelecido, a tecnologia desenvolvida e as adaptações ambientais realizadas responderão, por conseguinte, aos fins assinalados.

Não obstante, as classes dominadas em seu intento de sobrepor-se às

limitações materiais que para elas decorram da racionalidade imperante, tratam

também de intervir, na medida de suas possibilidades, no meio que as circunda. O

espaço modificado surge então não como resultado natural da evolução sociocultural

da humanidade, mas como produto intencional e não-intencional de uma ordem

estabelecida.

Esse produto deriva diretamente das forças produtivas capitalistas que

realizam o processo de produção, distribuição e trocas de mercadorias dentro do

espaço urbano, permitindo ao mesmo tempo a reprodução deste espaço e a

reprodução do capital.

Além disso, o aumento da produtividade do trabalho (um dos componentes

das forças produtivas) é de suma importância para a geração de valor e para a

acumulação de capital dentro do espaço urbano, porque permite ao capitalista

apropriar-se do “excedente” de produção da força de trabalho dos indivíduos da

cidade.

Para que ocorra de modo concreto a produção, a circulação, a troca e o

consumo na cidade fazem-se necessário construir, produzir espaços e localizações

capazes de assentarem os usos técnicos na terra (indústrias, bancos, prédios

comerciais e residenciais, casas comerciais etc.). Porém, construir ou alocar usos

técnicos na terra significa também ter disponibilizado, por meio do Estado, o suporte

das vias de circulação e comunicação, da infraestrutura com um todo, que são

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consumidos coletivamente e ao mesmo tempo apropriados pelas firmas em função de

seus interesses.

A socialização capitalista que é utilizada para explicitar a criação dos meios

coletivos colocados à disposição do processo produtivo se caracteriza como uma forma

de transferência de recursos da população como um todo para algumas pessoas ou

firmas (hierarquia), que na lógica da oposição entre capital e trabalho, na medida em

que ocorre a produção, esses se apropriam privativamente de seus resultados, da

riqueza produzida propriamente dita, ou seja, não há uma socialização dos lucros

obtidos.

No caso das cidades os trabalhadores não somente a produzem, eles

também a consomem sob dadas condições. O consumo produtivo diz respeito à

utilização do espaço urbano para propiciar ao trabalhador aproveitar-se do meio para

reproduzir-se enquanto força de trabalho e o consumo individual é usufruir da cidade

para satisfação pessoal. As formas que os indivíduos usam o espaço urbano são

fundamentais para compreender as implicações do trabalhador na cidade, enquanto

força de trabalho e ser-social. O consumo produtivo e o consumo individual são,

portanto perfeitamente distintos. No primeiro, o trabalhador age como força motriz do

capital e pertence ao capitalista; no segundo, ele pertence a si mesmo e realiza funções

vitais fora do processo de produção. O resultado do primeiro é a vida do capital; o

resultado do segundo é a vida do próprio operário. (LOJKINE, 1981)

Milton Santos17, explica que os objetos técnicos, os recursos e infraestrutura

alocados no urbano agem como valor de uso e valor de troca, regulando o uso da

cidade, subdividindo-a em espaços mais valorizados ou com menor valorização. Desta

forma, os lugares mais valorizados e com maior quantidade de recursos receberão

habitantes que poderão pagar altos preços pela terra urbana e altos preços de aluguéis,

os lugares menos valorizados e menos equipados, receberão a população que não

pode pagar pelas melhorias.

17

Ibidem.

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No interior do espaço-mercadoria, os lugares como valor de troca se

realizarão ao incorporarem ou não trabalho social e fundamentalmente em função do

volume e riqueza social (valores de uso) criada. Assim, o espaço tem um valor que lhe

corresponde um valor genérico (valor de uso) que se expressa num preço (expressão

formal do valor de troca), o qual é primeiro equivalência da produção social para ser

também, eventualmente, um valor agregado, acrescido por atributos próprios do lugar.

À medida que o espaço urbano se reproduz sob a lógica do processo das

leis de mercado capitalista esse se torna suporte das atividades produzidas pela

sociedade. Os usos da terra urbana são variados: industrial, comercial, serviços,

residenciais etc. As localizações dessas atividades não são de modo algum caóticas ou

aleatórias, elas obedecem a uma ordem, a uma geografia absolutamente ordenada,

segundo os preços de mercado, e as leis e normas que determinam o uso e ocupação

do solo na cidade.

Certos espaços da produção, da circulação e do consumo são áreas do

exercício dos atores “racionais”, enquanto os demais atores se contentam com as

frações urbanas menos equipadas. A ação humana é desse modo compartimentada,

segundo níveis de racionalidade da matéria. (SANTOS, 1999, p.244)

Considerando a complexidade do espaço geográfico e da obsolescência

espacial urbana, entendemos como equivocada a reflexão realizada por Sampaio

(2007) sobre essa problemática. Analisando estudos realizados por urbanistas

estadunidenses e ingleses que tratam da problemática da obsolescência em cidades

como Nova York, Chicago, York, Newcastle, Londres entre outras, Sampaio (2007,

p.108) entende que:

A obsolescência é um processo inevitável que afeta edificações e áreas urbanas desde o momento em que elas são utilizadas pela primeira vez. Todos os bens culturais são produzidos em geral com o que se tem de mais moderno em termos de tecnologia e padrões compositivos. A evolução das necessidades físicas e mentais dos seres humanos torna este legado, em alguns casos, ultrapassado. Esta situação pode variar anos, décadas ou séculos, mas é percebido no instante em que uma

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solicitação do usuário não é atendida satisfatoriamente. A partir dai, começa a obsolescência, que pode chegar ao extremo da perda total de eficiência e de utilização. Neste estágio, o elemento, uma edificação, uma área urbana são consideradas obsoletas.

A obsolescência espacial urbana de fato é um processo inevitável, mas

não pelos motivos e termos apontados, isto é, não é suficiente dizer que ela tem como

gênese a evolução dos homens e suas necessidades. Isso, além da generalização é

desconsiderar que os indivíduos vivem hoje sob o comando de um modo específico de

produção, no caso o capitalismo. A obsolescência na cidade, sua compreensão passa

necessariamente pelo entendimento dos mecanismos e contradições de funcionamento

do sistema e, sobretudo, sobre a dinâmica do mercado de terras e a forma como os

operadores no setor imobiliário atuam nesse processo.

A cidade se trata em sua totalidade de uma produção social, isto é, de um

espaço socialmente produzido em função das demandas e necessidades conduzidas

pela lógica reprodução do capital. Os agentes do setor imobiliário possuem papel

relevante no processo da obsolescência espacial urbana, mas não há que se falar de

uma obsolescência programada ou planejada do espaço como insiste Santiago (2006)

que procura transpor, por exemplo, à lógica do processo que ocorre na esfera industrial

para o setor imobiliário que atua na cidade.

O espaço produtivo de um país encerra-se cada vez mais na cidade, sendo

que ela ainda se torna o meio de trabalho para a maior parte da população e o meio de

existência para a maior parte das pessoas (MILTON SANTOS, 1994). Logo, os

processos e ações que ocorrem na cidade sejam por parte dos indivíduos, das firmas,

instituições de todas as ordens e o Estado não podem ser dissociados das condições

determinantes do modo de produção capitalista. Nessa condição, o entendimento

relativo aos processos que ocorrem na cidade capitalista, que comporta diversos

territórios com diferentes configurações econômicas e sociais, passa pela forma como é

realizada a sua produção e a forma como ela se organiza. Deve-se considerar que essa

produção e organização ocorrem a partir de uma multiplicidade de agentes com

diferentes escalas de poder, interesses e necessidades que na sua totalidade integram

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uma sociedade estratificada em classes sociais desencadeando nesse processo

contradições, conflitos e disputas pela cidade.

1.2. São Paulo no contexto do processo da obsolescência espacial

Entre as cidades brasileiras, a cidade de São Paulo desempenha

historicamente papel central e polarizador na economia do país, bem como expressa do

ponto de vista da realidade urbana processos, problemas e contradições enfrentados

cotidianamente pela sociedade.

Conforme dados apurados no Censo 2010 pelo IBGE, o município de São

Paulo possuía população de 11.253.503 habitantes, distribuídos em uma extensão

territorial de 1.530 quilômetros quadrados de área. Nos últimos dez anos (2003 /2013)

São Paulo possui um Produto Interno Bruto que em média corresponde a 12% do total

do PIB brasileiro. Considerando esses dados, em estudo produzido pela Federação do

Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) por

conta da celebração dos 459 anos da cidade completados em janeiro de 2013, São

Paulo teria o 36º maior PIB18 do mundo.

Em relação ao mercado financeiro, São Paulo detinha em 2013 a 3ª maior

Bolsa de Valores do mundo - a BM&F Bovespa - com movimentação diária de 80

bilhões de dólares, ficando atrás da Bolsa de Chicago, a Chicago Mercantile Exchange

(CME), e da Bolsa de Valores de Hong Kong. A título de exemplificação dos números,

de acordo com a instituição o volume financeiro total no segmento a Bovespa atingiu o

recorde histórico de R$1,78 trilhão em 2012, superando a marca de R$1,61 trilhão

registrada em 2011. A média diária apresentou o recorde histórico de R$7,25 bilhões,

superior aos R$6,49 bilhões alcançados em 201119. Ainda de acordo com a BM&F

Bovespa, em 2011 os investidores estrangeiros lideraram a movimentação financeira no

18

Em: http://brasileconomico.ig.com.br/ultimas-noticias/cidade-de-sao-paulo-tem-o-36-maior-pib-do-mundo_127683.html. Acesso em: 25 de agosto de 2013. 19

Em: http://www.bmfbovespa.com.br/pt-br/noticias/2013/BMFBOVESPA-fecha-2012-com-recordes-de-volume-financeiro-2013-01-08.aspx?tipoNoticia=1&idioma=pt-br. Acesso em: 28 de agosto de 2013.

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mercado de ações, com participação de 34,74%, ante 29,57% em 2010. Na segunda

posição, ficaram os investidores institucionais, que obtiveram participação de 33,34%,

ante 33,29%. As pessoas físicas movimentaram 21,44%, ante 26,41%. As instituições

financeiras ficaram com 8,65%, ante 8,35%; as empresas, com 1,74%, ante 2,31%; e o

grupo Outros com 0,08%, ante 0,06%.

Somados a esses números no ano de 2011 segundo o estudo "Observatório

dos Investimentos Internacionais", realizado pela consultoria KPMG e pela agência de

investimentos francesa Paris-Ile de France Capital Économique, a cidade de São Paulo

foi à quarta no mundo que mais recebeu investimentos estrangeiros em 2011. As áreas

em destaque foram em investimentos internacionais em "funções estratégicas", como a

criação de sedes e de centros de pesquisa, de marketing ou de design e de serviços de

atendimento ao consumidor, que corresponderam a 43% do montante de investimentos,

seguido pelos setores da indústria e da construção que representaram 31% do número

de investimentos na capital paulista e, o de serviços em 25%20. Esses números

refletem, em certa medida, a inserção cada vez maior de São Paulo na globalização da

economia mundial, bem como traduzem as exigências de formação de novos espaços

internos na cidade capazes em se sintonizar não só com as exigências do mercado

mundial, bem como atender as demandas e necessidades das firmas estrangeiras e

nacionais que transitam no mundo globalizado.

Em relação ao setor imobiliário, de acordo com matéria divulgada pela revista

Exame no ano de 201221 e que apresenta uma síntese da Pesquisa de Fusões e

Aquisições da KPMG no Brasil, o ramo imobiliário é um dos um dos poucos setores do

circuito superior da economia22 que registraram pequena participação de empresas

estrangeiras em suas operações. Conforme dados da PMSP (2014), o setor imobiliário

20

Em: http://www.brasil.gov.br/governo/2012/03/sao-paulo-e-4a-cidade-com-mais-investimentos-estrangeiros-em-2011-mostra-estudo. Acesso em 25 de agosto de 2013. 21

Em: http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/setor-imobiliario-tem-17-fusoes-e-aquisicoes-no-semestre--3. Acesso em 25 de agosto de 2013. 22

Milton Santos defende que trabalhar com os circuitos da economia urbana permite a identificação e análise dos elementos pertinentes à economia global da cidade, sem separa-los ou coloca-los em oposição, como se fossem distintos um do outro (Milton Santos, 1979: p. 39).

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30

obteve na cidade no ano de 2012 R$ 17.070.945.670 em transações relativas a novas

edificações residenciais voltadas, em especial, as classes média e rica da cidade23.

No tocante a tipologias residenciais, prevalece ainda para o conjunto da

cidade de São Paulo o padrão horizontal que corresponde a 70% do tipo de residência

na cidade, contra 29% do padrão apartamento e 1% dos demais tipos. O número

terrenos consumidos (em m²) nos lançamentos residenciais verticais de 1992 até 2011

foi de 18.628.506 m² e no processo de construção da área total lançada (em m²) no

mesmo período foi de 80.279.170 m²24, ou seja, sobre o estoque em m² consumidos no

processo final ocorreu à criação de solo na ordem de 4,3 vezes.

Comparando o tipo de padrão prevalecente de habitação na cidade pode-se

falar que o setor imobiliário voltado à produção de edificações verticais em tese possui

amplo campo de atuação no território da cidade. Porém, o que ainda se tem como

padrão espacial de investimentos e ações por parte desse setor é que ele se restringe a

porções e áreas específicas da cidade onde reside a parte da população de maior

poder aquisitivo, em especial, setores da porção sudoeste com ênfase para Pinheiros,

Itaim Bibi, Vila Sônia e Morumbi, ao sul com destaque para Moema, Campo Belo, Vila

Mariana, Santo Amaro, Saúde e Jabaquara, ao norte no bairro de Santana, a leste na

região do Tatuapé, Mooca e Vila Prudente e oeste nos distritos da Lapa, Barra Funda e

Vila Leopoldina (Figura 1.1.)

23

Dados disponibilizados em: http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/index.php?cat=15&titulo=Mercado%20Imobili%E1rio. Acesso em 07 de setembro de 2013. 24

Idem.

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31

Figura 1.1. Número de Unidades Residenciais Verticais Lançadas Município de São Paulo (1992-2012)

Fonte: PMSP, 2013.

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32

De acordo matéria veiculada pelo jornal Folha de São Paulo25, das 258.082

unidades lançadas de janeiro de 2006 até maio de 2013, 20.003 unidades estavam

disponíveis para comercialização, sendo que 40% desse volume concentrava-se em 10

distritos (Tabela 1.1).

Tabela 1.1. Disponibilidade de Unidades Lançadas entre 2006 e maio de 2013

Distrito Unidades à venda Valor m²

Vila Andrade 1.712 6.637

Tatuapé 945 7.393

Mooca 818 6.516

Itaim Bibi 808 12.160

Campo Limpo 691 4.463

Saúde 690 8.575

Santana 608 8.062

Campo Belo 569 10.636

Vila Mariana 533 10.530

Jabaquara 485 7.410

Fonte: Geoimovel Tecnologia Imobiliária / Folha de São Paulo, Junho de 2013.

Além disso, o grupo Abyara Brasil Brokers apontou, em estudo realizado em

Abril de 201326, que a maior parte dos lançamentos no primeiro trimestre de 2013 deu-

se em localidades situadas próximas ao metrô com destaque para as regiões da

Liberdade, seguido pela Barra Funda, Tatuapé, Vila Mariana e Saúde. O estudo

produzido pelo grupo Abyara demonstra uma tendência de retorno à área central da

cidade voltada também para a habitação.

25

Em: http://classificados.folha.uol.com.br/imoveis/2013/06/1303005-dez-bairros-concentram-40-dos-imoveis-em-estoque-em-sao-paulo.shtml. Acesso em 25 de agosto de 2013. 26

Em: http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/noticias/os-bairros-de-sp-com-mais-lancamentos-de-imoveis-em-2013. Acesso em: 07 de setembro de 2013.

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33

Segundo matéria veiculada pelo Jornal O Estado de São Paulo em abril de

201127, “o centro de São Paulo inverteu a tendência de queda dos anos 1990 e viu o

número de moradores aumentar acima da média entre 2000 e 2010. Enquanto a

população paulistana cresceu 7,9% na última década, a do centro aumentou 15,4%, um

ganho de 63.774 habitantes”. Diz a matéria:

Boa infraestrutura, facilidade nos deslocamentos e uma rede de serviços foram redescobertos por quem escolheu, na última década, morar em locais como Sé, República, Santa Cecília ou Bela Vista. Entre os dez distritos centrais da capital paulista, apenas um, a Consolação, teve um aumento de população menor que a média da cidade. Mesmo assim, cresceu 5,2% - mais que Pinheiros, na zona oeste, por exemplo (3,8%). De 1991 a 2000, a Sé assistiu à fuga de 26% de seus habitantes. Nos últimos dez anos, reverteu a tendência de queda com um aumento de 17,6% no número de moradores. O Bom Retiro teve um crescimento populacional de 27,4%, entre 2000 e 2010, depois de ter perdido 26,4% nos anos 1990.

De acordo com Santiago (2006), o setor imobiliário, sobretudo, quando se

refere à construção de novas edificações, imprime na cidade um leque de estratégias e

ações que induzem ao desenvolvimento e valorização de uma determinada área. Isso

acontece utilizando estratégias de marketing relacionadas a “novos” conceitos

arquitetônicos e de estilo das edificações, induzindo e instigando potenciais indivíduos

ou certos extratos da sociedade a consumirem as novas edificações em novas e

antigas e localizações.

Não se nega que o setor imobiliário e o Estado, através de suas ações ao

criarem novos paradigmas de consumo em relação às edificações e localização, sejam

elas destinadas a moradia ou ao uso comercial, causem valorização e desvalorização

de áreas na cidade e que esse seja um dos fatores da obsolescência espacial urbana.

Mas, não se trata de uma programação tal como se realiza nos diversos ramos

industriais e que Santiago (2006) procura erroneamente associar.

27

Em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,centro-de-sp-ganha-63-mil-habitantes-imp-,712822. Acesso em: 07 de setembro de 2013.

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34

A obsolescência no campo industrial e a que ocorre no espaço urbano

possuem em comum o fato de ser resultado de ações promovidas pelos agentes

evolvidos que comandam o processo de produção de novos valores. A ação é a

execução de um ato projetado e o sentido da ação (comportamento) é o

correspondente do ato projetado. E o ato supõe uma situação sobre a qual se projeta a

ação. O resultado da ação é alteração, modificação da situação em que se insere.

Assim “a ação é um processo [...] dotado de um propósito, no qual um agente,

mudando alguma coisa muda a si mesmo” (SANTOS, 1999, p.64).

Na esfera individual, nossas ações ocorrem sem que haja uma clareza de

nosso espírito. Santos (1999, p.65) nos cita como exemplo a noção e a realidade do

consumo, tão sensível aos nossos impulsos, graças às incitações da publicidade e do

marketing. Isso não significa que deixamos de projetar nossas ações, porém o sentindo

e objetivo de projeto difere quando comparamos com aqueles que são realizados pelo

Estado e pelos agentes econômicos tanto em escala como em relação às metas e

objetivos. Ao refletir sobre o significado do projeto nos explica que esse se difere do

sonho, do desejo individual em consumir algo. O sonho para que ocorra basta que se

exprima um voto, uma imagem, não há necessariamente um tempo objetivo. Já o

projeto “prepara uma execução”, exige aplicação e trabalho metódico, “fundados em

uma ordem”.

Assim que a ação é projetada ela se torna eficaz. Porém, as “ações cada vez

mais são estranhas aos fins próprios” dos homens e dos lugares, visto que muitas

ações que se exercem num lugar são produtos de “necessidades alheias” (SANTOS,

1999, p.65). Em nosso cotidiano temos um conjunto de agentes que decidem e

difundem uma ação, incluindo governos, firmas, organizações internacionais, meios de

comunicação e instituições de todas as ordens.

No caso da obsolescência planejada da indústria, a ação dos agentes

econômicos situa-se em um campo de controle específico, ou seja, a firma detém

através da propriedade privada não só os meios e as condições de produção, bem

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como é dela, e somente dela, a propriedade do produto ou marca que chega ao

mercado para ser consumido pelos indivíduos. Daí, caso ela possua todos os

elementos e fundamentos técnicos e tecnológicos, além da disponibilidade de capitais

para realizar inovações e alterações no produto do qual é seu monopólio em detrimento

do que ela tem em mãos até então, sua ação resulta naquilo que se define de

obsolescência planejada técnica ou de estilo. Em síntese, a obsolescência planejada

seja ela de que ordem for só pode ser realizada mediante ao monopólio do produto que

uma firma detém.

No tocante a obsolescência espacial urbana, tomando aqui o setor imobiliário

e o Estado, esses também detém os meios produtivos, normativos e legais para a

realização / construção de novos produtos. Podemos inclusive dizer que esses agentes

detêm o monopólio dos artefatos e marcas que serão fixadas no território da cidade.

Entretanto, para que isso possa ser viabilizado, ou seja, que venha a ocorrer à fixação

desses objetos há outro lado da moeda, ou seja, a fragmentação do território da cidade

via a propriedade privada que se encontram nas mãos de milhares, milhões de

proprietários.

O Estado que detém por força institucional a possibilidade de desapropriar a

propriedade privada em nome da utilidade pública ou do interesse social, ou os agentes

do setor imobiliário que possuem estratégias de persuasão para a compra de

edificações, lotes e terrenos no sentindo de viabilizarem seus empreendimentos, podem

esbarrar no direito de proprietários de se desfazerem ou não de sua propriedade.

Em outros termos, agentes do mercado imobiliário consideram que a

propriedade privada pode ser transposta, visto que, para realizar o lançamento e

construção de novas edificações é obrigado a travar negociações de compra de

terrenos e edificações.

É preciso salientar que, muitas vezes no preço relativo à compra e venda

está embutido o processo de valorização fundiária presente e futura em função daquilo

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que se vislumbra para uma determinada área da cidade, processo esse com o qual os

agentes econômicos do mercado imobiliário e os proprietários travam uma disputa. Não

é raro inclusive o mercado imobiliário, no caso da cidade de São Paulo, “reclamar” que

os preços exigidos pelos proprietários no processo de negociação destoam da

realidade. Porém, essa elevação de preços, decorrente do movimento especulativo,

também possui relações com o processo da obsolescência no espaço urbano.

A atual dinâmica e o volume de negócios encabeçados pelo mercado

imobiliário em São Paulo voltado para as habitações, o que inclui o programa Minha

Casa Minha Vida28, estão diretamente vinculado ao aumento significativo de crédito

imobiliário ofertado pela Caixa Econômica Federal (CEF) em nível nacional. Nos últimos

dez anos esse crédito que era da ordem de cinco bilhões em 2003 passou para cento e

trinta e cinco bilhões de reais em 201329.

Se o comprador hoje encontra crédito em abundância para adquirir imóveis

novos e usados, os preços do m² em São Paulo, considerando que há uma variação de

preços de localidade para localidade em função dos diferentes processos de

valorização que ocorrem na cidade, tiveram uma elevação artificial e inflacionária em

função de movimentos especulativos tanto dos empreendedores como dos proprietários

de imóveis e terrenos na cidade (Figura 1.2.)

28

Não é nosso objetivo analisar o programa Minha Casa Minha Vida, para tanto indicamos consultar Dantas (2013). 29

Em: http://www20.caixa.gov.br/Paginas/Noticias/Noticia/Default.aspx?newsID=707. Acesso em: 20 de junho de 2014.

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Figura 1.2. Variação Percentual entre Preço e Preço Real dos Imóveis Residências Verticais Novos no Município de São Paulo (2002-2012)

Fonte:

Secovi, 2013.

Em função desse quadro, analistas do mercado imobiliário temem por uma

bolha imobiliária. Em recente visita ao país o economista Robert Shiller, professor da

Universidade de Yale, que tem como foco a pesquisa em movimentos especulativos, o

que inclui estudos relativos a bolhas imobiliárias, afirmou com ressalvas por não

conhecer a fundo a realidade brasileira que os preços dos imóveis vêm dobrando nos

últimos anos sem uma explicação plausível. Nas palavras de Shiller “as pessoas agora

estão tomando empréstimos para comprar imóveis. Se os preços entrarem em colapso,

vai incorrer no mesmo tipo de problema que tivemos nos Estados Unidos30".

Ainda de acordo com o economista na mesma matéria veiculada pelo Jornal

Folha de São Paulo, “toda essa especulação excessiva pode ser resumida em quatro

pontos”:

30

Em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/carodinheiro/2013/09/1337890-cedo-ou-tarde-bolha-imobiliaria-no-brasil-caminha-para-o-estouro.shtml. Acesso em: 13 de novembro de 2013.

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O governo já despejou mais de R$ 1 bilhão em crédito no mercado com o

programa Minha Casa Minha Vida. E pretende liberar mais R$ 1 bilhão para o programa

Minha Casa Melhor - um excelente programa no ponto de vista social, mas que possui

efeitos colaterais.

Há um incentivo forte ao crédito. Em relatório, o Fundo Monetário Internacional

(FMI) sugeriu que o governo brasileiro diminuísse a velocidade das concessões de

crédito. O governo se preocupa em incentivar a demanda, porém esquece da oferta,

que por sinal não acompanha esse movimento.

Em janeiro desse ano, na tentativa de conter a alta excessiva do dólar, governo

retirou o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de estrangeiros em aplicações de

fundos imobiliários. Se por um lado isso atrai capital para o país, por outro, facilita a

formação de uma bolha à medida que é mais fácil para o estrangeiro não só investir,

mas também especular no país.

Há um fator cultural e psicológico em que a maior parte dos brasileiros entende a

compra de imóvel como um investimento seguro e de ganho infinito, ou seja, grande

parte da população acredita que imóveis nunca podem se desvalorizar.”

Entretanto, essa questão está longe de ser consensual. Os argumentos

contrários justificam que apesar do aumento célere do preço da terra na cidade de São

Paulo isso reflete o resultado do crescimento econômico do país. Além disso, os

opositores a tese da bolha imobiliária argumentam que no caso dos Estados Unidos,

nesse país houve uma crise de papeis que se revelaram 'podres', gerando a crise do

“subprime31” que não é o caso brasileiro que não trabalha com sistema de hipotecas.

Outros argumentos rementem-se a atual geração de emprego e renda no

país que continua positiva e, atrelado a esse contexto em função das linhas de créditos

abundantes com taxas de usos “aceitáveis”, bem como a forte demanda por imóveis

tende a garantir o ciclo saudável do mercado.

31

Em relação à crise do subprime consultar Filho (2008).

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O volume de estoque, termo utilizado pelo mercado imobiliário, e

lançamentos de edifícios tem sido considerável na cidade de São Paulo, a demanda por

imóveis existe e continuará existindo. Porém, para que essa demanda seja de fato

suprimida ela depende das condições dos potenciais compradores.

Ora, mesmo considerando que os agentes econômicos ligados ao setor

imobiliário possuam mecanismos e modelos extremamente aperfeiçoados para a

análise do mercado, cremos, até porque é inerente a esse segmento, que a

especulação desenfreada de seus agentes se sobrepõe aos números frios dos

modelos. Nesse sentido, como aponta Harvey (1980, 2005), Rodrigues (1988a) e

Topalov (1979), o mercado de terras, de edificações depende de inúmeros

componentes, ou seja, não é conhecido em toda sua complexidade e imperfeição.

Exemplo dessa complexidade e imperfeição fica a cargo dos mecanismos de

oferta e procura por terras e imóveis na cidade de São Paulo. A demanda por esses

bens, valor de uso, cresce em São Paulo historicamente em função do incremento

populacional e sua necessidade por moradia ao logo das décadas e pelas demandas

das atividades econômicas de todas as ordens, escalas e características. Por sua vez,

o aumento da oferta fica condicionado à constituição e formação e áreas dotadas de

infraestrutura e equipamentos de uso coletivo, pela escassez fundiária produzida

artificialmente pelos proprietários privados de acordo com seus interesses, em especial,

o de ordem especulativa e pela legislação urbana no que tange ao potencial construtivo

e ordenamento do uso do solo. Todavia, nem sempre a ampliação da oferta significa

diminuição nos preços das terras e imóveis. Pelo contrário, é comum quando uma

determinada área tem sua oferta ampliada, que a valorização de terras e imóveis se

eleve, logo o preço, expressão monetária do valor aumenta.

Os elementos fixados tomados em conjunto em uma área da cidade entram

em processo de obsolescência na medida em que não conseguem mais corresponder

às exigências de manutenção das taxas de juros, lucros e renda amortizadas ao longo

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do tempo seja pelos agentes econômicos, seja pelos proprietários individuais de

edificações voltadas à habitação.

Esse processo acaba sendo potencializado pelo aumento no preço do m²

para a totalidade da cidade, o que deve ser compreendido como renda absoluta, mas

em especial, nas áreas em que o mercado imobiliário tem maior interesse e poder de

atuação. Assim, ao elevar através de mecanismos especulativos o preço da terra,

propiciando renda diferencial, por consequência esse fator redunda na intensificação do

processo de depreciação das áreas e setores onde está ocorrendo o processo da

obsolescência.

As áreas de obsolescência entre outros fatores são marcadas pelas más

condições ou não adequadas manutenções prediais e taxas de vacância. Os

proprietários nesse sentido acabam também por entrar no movimento especulativo,

tendem por um lado intensificar a não manutenção dos imóveis, pois creem que em um

dado momento o mercado imobiliário que demanda de terras farão ofertas de compra

dos imóveis. Por outro lado, procurando absorver a elevação do preço da terra, tendem

a aumentar o preço dos aluguéis o que acaba por inibir a manutenção dos locatários no

local, ou acabam não encontrando novos locatários dispostos a arcar com aluguéis de

preço elevado bem como com a manutenção predial, aumentando as taxas de vacância

dos imóveis. Devem ser considerados também os proprietários que pela falta de

condições econômicas em função de inúmeros fatores não conseguem ao longo do

tempo manter do ponto de vista da manutenção predial suas propriedades em

condições satisfatórias.

A condição de fragmentação e dinâmica do mercado de terras na cidade por

si só torna a obsolescência planejada inviável, o setor imobiliário ou o Estado podem

deter o monopólio daquilo que será construído. Contudo, as edificações, a

infraestrutura, os meios e equipamentos de uso coletivo para se viabilizarem esbarram

no monopólio da terra que se encontra nas mãos dos mais diversos indivíduos, mesmo

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que se trate do valor de uso. Em suma, a obsolescência espacial urbana situa-se em

outro campo.

Em relação ao setor imobiliário, relacionado ao lançamento e

comercialização de edificações comerciais que possui relação intrínseca com as

exigências ditadas pelas firmas vinculadas ao processo de globalização, esses também

não são capazes de realizar a obsolescência espacial planejada quando de suas ações

na cidade. Com 459 empreendimentos lançados e construídos entre os anos de 1992 a

201132, a maior parte desses novos ambientes situa-se na porção sudoeste na cidade,

a qual vem se configurando como nova centralidade da capital paulistana desde os

anos de 1990.

Até o final da década de 1960, o antigo centro da cidade, conhecido como

centro tradicional, formado por um perímetro que contempla a região da Sé e a região

do Anhangabaú e República, abrigava sedes de empresas de todas as ordens, além do

setor bancário e financeiro. Era considerada também a principal região comercial e de

prestação de serviços da cidade, isto é, a principal centralidade da cidade de São

Paulo.

A partir dos anos de 1970, desloca-se a centralidade, ainda que não

totalmente, para a Avenida Paulista33, que desde os anos de 1960 vinha tendo os

antigos casarões que lhe marcavam a paisagem sendo substituídos por um conjunto de

prédios comerciais de alto padrão. Gradualmente tais prédios passavam a abrigar, em

especial, firmas ligadas ao setor financeiro, e sedes de empresas nacionais de grande

porte e multinacionais de todas as ordens.

O antigo centro de São Paulo simbolicamente representa a tradição, os

costumes, à diversidade social e econômica que marcam a trajetória da cidade. É no

32

Dados disponibilizados em: http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/index.php?cat=15&titulo=Mercado%20Imobili%E1rio. Acesso em 07 de setembro de 2013. 33

Cf. Frugoli Jr (2000)

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começo dos anos de 1970 que começa a se constatar um processo embrionário de

obsolescência da área central, apesar desta ser uma das localidades da cidade com

maior volume de infraestrutura e equipamentos públicos de uso coletivo, bem como

manter uma vivacidade social e econômica que contempla os mais variados extratos da

sociedade paulistana. Três fatores podem ser destacados como elementos dessa

obsolescência.

Em primeiro lugar, do ponto de vista simbólico, a gradual negação do centro

da cidade pelas elites paulistanas, na medida em que esse ia abrigando uma população

de menor poder aquisitivo e atividades econômicas de cunho mais popular, e que no

ideário dessas, seria o principal fator daquilo que se denomina de deterioração urbana.

Além disso, o padrão de morar dessas elites se altera, por exemplo, pela questão de

estilo arquitetônico.

Em segundo lugar, a “rivalidade” com a Avenida Paulista marcada por nova

abordagem arquitetônica de suas edificações sintonizada com novas demandas dos

agentes econômicos. Isso ocorria já que a cidade, nos anos de 1970, passava por

transformações dos padrões produtivos e que comprimiam não só o centro tradicional

bem como os antigos bairros paulistanos por uma redefinição espacial do uso e

ocupação do solo.

Em terceiro lugar, e que se articula com os demais, relaciona-se com o

parcelamento da terra na área do centro tradicional que culminava em limites para a

ampliação e renovação do valor do solo urbano. Nesse sentido, a propriedade privada

em parcelas caracteriza-se como um limite para a modernização considerada como

fundamental para o padrão urbano do final da década de 70. Possuidor dos grandes

meios de produção e de troca, o capitalista, no que tange à propriedade privada do

solo, tem que dividir esse elemento na cidade com outros capitalistas, além dos

rentistas e os trabalhadores que também são proprietários de imóveis como valor de

uso. Isso impede que o capitalista organize o espaço urbano à sua inteira e irrestrita

vontade, ainda que no processo global, tire partido disso.

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Para elucidar um pouco mais esses três pontos, bem como articulá-los,

devemos levar em consideração que as formas urbanas da cidade que desde os

primórdios dos anos de 1920 já começava a passar de uma configuração territorial

horizontal e centralizada para uma forma verticalizada e dispersa, acelera-se nos anos

de 1950 em diante.

Para ilustrar o crescimento da cidade nesse período, toma-se aqui a as

palavras de Santos (1990a, p.17):

Já em 1914, com pouco menos de 500 mil habitantes, a cidade de São Paulo ocupa uma área tão grande quanto à de Paris [...]. Em mensagem ao Congresso Legislativo de São Paulo, Carlos de Campos, presidente da província em 1925, mostrava o crescimento, a extensão da cidade, “com maior liberdade de construção” – a “expansão desmedida” que prejudicava o serviço de abastecimento de água, esgotos, viação, calçamento, iluminação, policiamento domiciliário etc. [...]. Nos seus três primeiros séculos e até 1879, o raio do círculo que continha a área construída não ultrapassava 1 km. Em 1954, quarenta anos depois, esse raio alcançaria 15 km [...]. Em nossos dias, o contínuo urbano [...], alcança medidas tão significativas, como 80 km na direção Este – Oeste, e 40 km na direção Norte – Sul, considerando-se não apenas a cidade de São Paulo, mas a Região Metropolitana de São Paulo.

Paralelamente ao crescimento territorial da Metrópole, há também um

crescimento significativo, até mesmo desmesurado, da população em um curtíssimo

espaço de tempo. Durante anos de 1950/1960, a taxa de crescimento geométrico anual

da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) girava em torno de 6,1%. Nos anos de

1960/1970, 5,4%, e nos anos de 1970/1980 4,5%, conhecendo uma redução

significativa somente nos anos posteriores (GONÇALVES, 2006).

Para exemplificar em números absolutos, a RMSP, em 1960, possuía 4.791

milhões de habitantes e o Município de São Paulo no mesmo período perfazia um total

de 3.783 milhões. Uma década após, a RMSP comportava 8.140 milhões de pessoas,

sendo que o Município de São Paulo detinha sozinho desse montante pouco mais de

70% da população, ou seja, algo em torno de 5.825 milhões de pessoas

(GONÇALVES, 2006).

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Esse crescimento demográfico, nos períodos apontados, é diretamente

vinculado com o fluxo migratório e potencializada pelas transformações econômicas e

territoriais pelas quais o Brasil passava. Em relação a esse processo, Seabra (2004, p.

275) esclarece que:

A industrialização por substituição de importação expressa no Plano de Metas (1956) implicou numa acentuada mobilidade do trabalho e numa maior desarticulação das economias regionais. Em decorrência cresceram os fluxos migratórios para as regiões industrializadas [...]. Fato é que São Paulo ficou no centro da mobilidade do capital e do trabalho nacional. As migrações rural urbano, em todo território nacional e nos seus diversos estágios, até anos setenta. dirigiam-se sobretudo para São Paulo. Mas já as políticas territoriais dos governos militares, mesmo antes dos I e II PNDs – Plano Nacionais de Desenvolvimento, no início dos anos setenta, que visavam integração nacional, implementaram projetos e incentivos visando alocação de investimentos em outras regiões do País [...] De todo modo, a região de São Paulo continuou a receber o maior fluxo migratório do País porque concentrava o parque industrial que respondia, em 1970, por 58% do valor da transformação industrial nacional. Ao final dos anos setenta começavam a ser visíveis os efeitos de desconcentração economia.

Com o processo de industrialização e urbanização consolidados, os bairros

centrais, como Sé, República, Santa Efigênia e Liberdade, se destacavam na cidade

pelo abrigo das instituições políticas e jurídicas, o comércio, bancos, escritórios. Bairros

do centro em expansão como Higienópolis, Campos Elíseos, Jardim América

abrigavam essencialmente as elites. E bairros como Pari, Brás e Barra Funda, bairros

eminentemente industriais, abrigavam fábricas e vilas de operários.

Outro conjunto de bairros constituídos aos arredores da cidade, que outrora

formavam núcleos de povoamento antigo, como Santo Amaro, Penha, Pinheiros,

Freguesia do Ó e Santana, na medida em que o projeto modernizador urbano foi sendo

instaurando na cidade, iam se constituindo como localidades de abrigo a trabalhadores

que tinham como principal região de trabalho a área central da cidade. Vale destacar

que muitos desses bairros também desenvolveram núcleos comerciais e de prestação

de serviços constituindo-se em subcentralidades econômicas da cidade.

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Nas palavras de Seabra (2004, p.273):

Os bairros funcionavam na história urbana como formidáveis suportes de valores de uso. Formavam um domínio doméstico de elaboração social que, de certa forma, puderam ajustar os desencontros do movimento da reprodução social. E a família, mesmo carregando muitas contradições, chegou ser o nível social mais evidente dessa possibilidade, porque os bairros configuravam a maior territorialidade das famílias, graças a uma estruturação da vida que combinava o trabalho produtivo com a reprodução dos indivíduos em âmbito doméstico, coisa que a modernidade iria consumir.

Porém, dadas às transformações sociais e econômicas pelas quais o Brasil

e São Paulo passavam entre os anos de 1950 e 1980 as estruturas internas da cidade

marcadas pela coroa de bairros e pelo centro tradicional, cediam a uma pressão que

lhe era maior no exterior (SEABRA, 2004), isto é, explodia no tecido urbano, novos

bairros, novas centralidades econômicas como é o caso da Avenida Paulista e a

posteriormente a porção sudoeste da cidade, bem como explodiam as periferias, dando

configuração propriamente dita à metrópole.

De acordo com Sandroni (2004), a região central sentiria gradualmente um

processo articulado de envelhecimento arquitetônico e tecnológico. As exigências

espaciais e ambientais por parte das firmas a partir dos anos de 1990 em diante não

poderiam ser satisfeitas por equipamentos construídos durante os anos 40 e 50.

Com raras exceções, são os poucos imóveis do centro antigo de São Paulo

que possuem lajes superiores a 600 m², sistema de refrigeração central, sistema de

ascensores eficiente, assim como terminais eletroeletrônicos para a manutenção de

novas tecnologias de informação e para o suporte de um considerável aumento do

consumo de energia elétrica (SANDRONI, 2004).

Somando a esses fatores, Sandroni salienta que a carência ou escassez de

terrenos vazios para a construção de edifícios compatíveis com as novas exigências

empresariais deflagrou,

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[...] em primeiro lugar, na instalação das novas unidades empresariais (ou das antigas que se expandiam) fora do perímetro central, o que representou uma retração da pressão da demanda pelos espaços já existentes. Dessa forma os preços relativos de venda e de locação no centro começaram, então, a cair. Em seguida, empresas que antes se localizavam no centro começaram a se transferir para as novas centralidades, o que representou uma segunda onda de desvalorização relativa de preços de venda e de locação. Num autêntico processo de sinergia negativa ou de círculo vicioso, a desvalorização da área central, agravada pela forte presença do comércio ambulante e da crescente insegurança, provocou também uma desvalorização dos intangíveis de uma empresa. Ou melhor, as empresas cujas marcas tinham maior visibilidade e dependiam de caras campanhas de publicidade começaram a evitar a identificação de seus nomes e grifes com endereços na área central. Os novos endereços passaram a ser av. Paulista, av. Faria Lima, Centro Empresarial, Marginal Pinheiros-Berrini etc (SANDRONI, 2004, p.370).

Do ponto de vista competitivo restava ao centro tradicional de São Paulo, ao

longo dos anos de 1980 e 1990, ter nos preços dos aluguéis um fator positivo de

atração e manutenção de grandes escritórios de firmas. Dessa maneira, os preços dos

aluguéis praticados no centro eram inferiores ou mais atrativos em detrimento as novas

centralidades como Paulista e Berrini. Entretanto, com a queda do preço do m² na

cidade entre o período de 1999 a 2003, muitas empresas que ainda resistiam em deixar

a região central da cidade viram nessa oportunidade realizar o deslocamento

(SANDRONI, 2004).

Criada a nova centralidade de negócios na cidade, no caso, a Avenida

Paulista, essa viria a sofrer, bem como o centro tradicional de São Paulo, outra

“concorrência” em função de uma nova centralidade agora sendo edificada na

porção sudoeste da cidade, em especial, ao longo da marginal Pinheiros, Avenida

Luiz Carlos Berrini e na continuação da Avenida Faria Lima, ou Nova Faria Lima a

partir do final dos anos de 1970 em diante intensificando-se ao longo da década de

1990.

Formada por um conjunto de edificações comerciais, os novos edifícios

corporativos nessa região projetam uma paisagem “globalizada”, uma nova “global

city” disseminada pela mídia e anúncios publicitários, que diferentemente da

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Avenida Paulista esses edifícios em grande parte foram produzidos como

investimentos para ser alugados e não para se constituir como sedes próprias de

empresas. A ordem agora é que as firmas em função de uma maior liquidez de seus

capitais passem a evitar a imobilização de seus ativos em edificações, visto que

elas não só tendem a se depreciar com o tempo de uso, bem com exigem vultosos

recursos em manutenção e readequação técnica (FIX, 200734, p.23).

De acordo com Fix35, as empresas multinacionais que ingressaram no

país a partir da adoção do modelo neoliberal e da abertura econômica do país,

marcado, sobretudo, entre os anos de 1992 e 2002 pela desregulamentação da

economia e privatização de empresas estatais são os principais inquilinos dos

empreendimentos, que em sua maior parte pertencem aos fundos de pensão dos

funcionários da Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, seguradoras e holdings

de grandes fortunas.

Do ponto de vista arquitetônico, os edifícios possuem linhas e desenhos

pós-modernos. Internamente, os andares são marcados por grandes lajes sem

divisórias o que permite ao ocupante certa flexibilidade e organizar e reorganizar os

espaços internos. Além disso, esses prédios conhecidos como edifícios inteligentes,

possuem um arcabouço de alta qualidade técnica e tecnológica o que garante não

só maior eficiência na manutenção, bem como permite articulação maior e mais

flexível entre os setores e departamentos das empresas.

Segundo Fix36, o surgimento desses novos espaços conta com um sistema

de agentes econômicos voltados à produção do meio ambiente construído, que

procuram influenciar no funcionamento do mercado, no valor dos imóveis, nas decisões

sobre investimentos públicos e privados. Tais agentes denominados de city builders, ou

34

FIX, Mariana. São Paulo cidade global: Fundamentos financeiros de uma miragem. São Paulo: Boitempo, 2007 35

Ibidem, p.23 36

Ibidem, p.24

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promotores imobiliários, se dividem em três segmentos diferentes: o acidental, o ativo e

o estrutural.

Em relação ao acidental, que se remete a ideia de descobertas felizes e

inesperadas é do tipo passivo, um rentista que funciona marginalmente como promotor

imobiliário que adquiriu um imóvel para um determinado uso, mas esse acabou

demonstrando-se mais interessante ao ser vendido ou alugado para usos diversos.

No tocante ao segundo tipo, o ativo “antecipa as mudanças de uso do solo e

especula sobre o futuro de determinados lugares”. Procura capturar renda por meio do

estabelecimento de formas de controle sobre as regiões que tendem a se tornarem

mais valorosas ao longo do tempo. Fix37 considera que esse segmento busca a renda

diferencial colocando-se no caminho do processo de desenvolvimento e possui como

principal habilidade prever os movimentos geográficos do mercado imobiliário, bem

como de outros agentes empresários relacionados à produção e aos serviços.

O terceiro possui como característica não só prever os movimentos

geográficos do mercado capitalista e de outros agentes econômicos, bem como intervir

na realidade de modo a alterá-la, modificando as estruturas de mercado. Mais do que

simplesmente capturar a renda diferencial, esse tipo de agente, a partir da aplicação de

investimentos privados, procura exercer influências sobre os investimentos públicos,

além de pressões para se alterar normas e leis regidas pelo Estado, vislumbrando

desse modo estabelecer um quadro favorável de valorização na área, tendo como

objetivo apropriar a “renda do tipo monopolista e redistributiva” (FIX, 2007, p.25) e não

apenas diferencial, como é o caso dos dois outros tipos.

Os dois primeiros tipos podem ser considerados como agentes clássicos que

historicamente atuam na cidade tanto do segmento habitacional, como no segmento

comercial. O terceiro tipo, bem desenvolvido em países do primeiro mundo, representa

37

Ibidem.

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ao chegar ao mercado brasileiro e paulistano uma maior profissionalização no setor de

promotores imobiliários.

Mesmo que o tipo estrutural adote a premissa do “planejamento” em suas

ações isso não significa que se possa afirmar que haja nesse processo o planejamento

da obsolescência espacial. O raio de ação desses agentes é circunscrito a uma

determinada área de atuação, isto é, seu interesse único e imediato é criar condições

para que um dado ambiente construído possa não só potencializar a renda diferencial,

bem como lhes garantir a apropriação da renda de monopólio.

Fix38 menciona como exemplo do tipo estrutural os fundos de pensão,

considerados como os principais investidores desses empreendimentos e que têm

como meta decisória para investir em uma dada localidade a rentabilidade presente e

futura a ser gerada. Em geral, os fundos de pensão procuram produtos imobiliários de

alto padrão, cuja taxa de vacância segundo os consultores imobiliários costumam ser

mais baixas e o potencial de valorização tende a ser maior. Nesse sentido, esses

fundos evitam realizar investimentos, por exemplo, na aquisição de edificações na

região central de São Paulo onde as taxas de vacância e os aluguéis comparativamente

a espaços como a porção sudoeste tendem a serem maiores, ou seja, na avaliação

desses agentes há um baixo potencial de valorização patrimonial, isto é, “o investidor

busca estar no vetor da valorização para capturar o diferencial da renda imobiliária,

caso contrário o imóvel tende a apenas se desvalorizar com o tempo, em razão da

obsolescência e da perda de atratividade da região” (FIX, 2007:49).

Há a questão da vacância dos imóveis a qual assinalamos em algumas

passagens, além da ociosidade dos imóveis. Tais fatores quando se leva em conta o

processo da obsolescência espacial urbana podem ser tomadas como indicadores, mas

nem sempre podem ser considerados como fatores que respondam de modo exclusivo

e isolado pelo processo espacial propriamente dito da obsolescência.

38

Ibidem, p.48

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Em São Paulo, os dados sobre os imóveis vazios ou em estado de vacância,

são controversos. De acordo com o movimento social Frente de Luta por Moradia, no

ano de 2010 na cidade de São Paulo existiam cerca de 450 mil domicílios vazios,

prédios abandonados e terrenos ociosos39. Porém, de acordo com dados da Secretaria

Municipal de Habitação da PMSP, no mesmo período a cidade teria 260 mil unidades

vazias. Já pelos números do Censo 2010 do IBGE, o número de vacância dos imóveis

seria em torno de 290 mil imóveis e representariam em torno de 6,5% do total de

domicílios da cidade que gira em torno de 4,5 milhões de unidades, sendo essa

porcentagem semelhante à da cidade de Nova York, nos Estados Unidos, que tem 6%

de seus imóveis vazios.

A vacância imobiliária deve ser considerada como a relação entre todos os

espaços edificados vazios e o total de espaços edificados em uma determinada área.

Entretanto, quando essa lógica é aplicada, por exemplo, entre o centro tradicional de

São Paulo e uma centralidade situada na porção sudoeste da cidade o processo é

relativizado, pois, o que a vacância como fator ira representar para o centro tradicional

difere daquilo que representará para a centralidade na porção sudoeste da cidade.

Podemos considerar que parte do processo de vacância dos imóveis está

atrelada a superprodução ou aumento exponencial da oferta na produção de edifícios

residências e comerciais. Nesse sentido, a vacância estaria situada no desequilíbrio

entre a oferta e a real demanda no mercado e que tudo indica é uma realidade para os

edifícios comerciais em São Paulo.

Segundo a consultoria Colliers40, em relação aos imóveis voltados aos

escritórios comerciais na cidade de São Paulo a taxa de vacância mais que triplicou no

segundo trimestre de 2013 quando comparado ao mesmo período do ano anterior –

passando de 3,3% para 10,5%. Ao mesmo tempo, esse aumento da vacância

contraditoriamente não está assentado na elevação de preços dos aluguéis praticados,

39

Em: http://www.portalflm.com.br/categoria/artigos. Acesso em 04.03.2014 40

Em: http://economia.ig.com.br/2013-09-26/bolha-imobiliaria-mercado-confirma-ciclo-de-queda-em-escritorios-comerciais.html. Acesso em 05 de janeiro de 2014.

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que segundo a consultoria e corretora Herzog Imóveis Industriais e Comerciais foram

reduzidos no primeiro semestre do ano, em relação aos seis meses anteriores.

De acordo com Bomfim (2005), nos estudos urbanos, e aqui salientamos -

estudos que corriqueiramente utilizam modelos estatísticos muito bem elaborados e que

ocultam intencionalmente parte dos processos que se desenrolam na realidade urbana,

o percentual de 6% e 7%, seria aceitável pelo mercado imobiliário. Outros consideram

que uma taxa de 12% seria tolerável para o mercado brasileiro e paulistano.

A taxa de vacância nesse segmento se explica pela elevada oferta de novos

prédios comerciais na cidade e que para alguns analistas caso se considere a ideia de

bolha imobiliária no Brasil, ela estaria justamente situada nesse segmento conforme

expressa, por exemplo, o professor do Núcleo de Real Estate da Universidade de São

Paulo (USP), João da Roha Lima, para quem “houve muita especulação no segmento

sem qualquer explicação estrutural para os preços41”.

Essa situação, porém, não inibe que o mercado imobiliário vislumbre

positividades. Em matéria veiculada pela revista Exame em agosto de 2013 afirma que:

O IFIX, índice da Bolsa que acompanha o desempenho dos fundos imobiliários mais negociados, caiu 12% neste ano. A alta do dólar e a perspectiva de aumento na taxa básica de juros aumentaram a turbulência do atual momento, deixando o futuro desse investimento ainda mais incerto. Mas essa queda pode justamente ter aberto uma boa oportunidade para os investidores interessados em obter renda com aluguéis. O preço mais baixo das cotas favorece quem busca retorno com aluguéis com vistas a prazos mais longos, uma vez que os valores dos aluguéis permanecem os mesmos, mesmo com as flutuações nos preços das cotas. A questão agora é buscar os fundos que tenham imóveis de boa qualidade e que não estejam ameaçados por altas taxas de vacância. Os fundos imobiliários podem até comprar e vender imóveis, mas seu negócio principal é a locação. A vacância, principalmente na cidade de São Paulo, tem aumentado

41

Em: http://economia.ig.com.br/2013-09-26/bolha-imobiliaria-mercado-confirma-ciclo-de-queda-em-escritorios-comerciais.html. Acesso em 05 de janeiro de 2014.

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substancialmente, principalmente nos galpões logísticos e nas lajes corporativas42.

O mercado imobiliário demanda de boa localização dos imóveis na cidade

para realizar seus negócios, trabalha com o fator vacância em termos relativos e

diferenciais, ou seja, nem sempre o fator vacância é elemento impeditivo para a ação

dos agentes econômicos ligados a esse mercado. Por boa localização podemos

considerar as condições estruturais e de fatores de urbanização da área, como

Iluminação pública, existência e boa conservação das calçadas e existência de meio fio,

arborização, boa drenagem de águas pluviais, inexistência de esgoto a céu aberto e lixo

acumulado nas ruas, segurança, áreas destinadas ao lazer, mobilidade satisfatória do

trânsito de veículos automotores e fácil acesso a transportes públicos como metrô e

ônibus, disponibilidade de equipamentos coletivos como saúde e educação, densidade

populacional que atendam aos conceitos “burgueses” e/ou elitistas, prestação de

serviços e rede de atividades comerciais.

Quando se considera o processo da obsolescência urbana, essas condições

positivas são relativas, pois pode ocorrer de uma determinada área possuir todos esses

atributos de localização, incluindo baixa taxa de vacância e ociosidade dos imóveis.

Mas, caso o ambiente construído apresente um conjunto considerável de imóveis

residenciais e comerciais antigos, mesmo que esses estejam em bom estado de

conservação, podem ao mesmo tempo não proporcionar aos seus proprietários uma

rentabilidade satisfatória, visto que todos os elementos que integram a rentabilidade

foram amortizados com o tempo.

Utilizando o conceito de ociosidade, Cotelo (2009) realizou um levantamento

georreferenciado dos imóveis nessas condições nos distritos Sé e República e nos

apresenta a seguinte situação:

42

Em: http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/noticias/desvalorizacao-de-fundos-imobiliarios-os-tornou-atrativos. Acesso em 05 de janeiro de 2014.

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Os prédios desocupados são análogos, em termos econômicos, aos derelict sites, pois são uma espécie de “ruína”. Os imóveis quase-desocupados foram divididos entre aqueles que apresentavam apenas as lojas do térreo e suas sobrelojas em atividade e outros onde a maioria dos conjuntos de escritórios estava fechada. O fenômeno da quase-desocupação é equivalente a uma desativação parcial do “equipamento” prédio; uma diminuição da intensidade de seu uso programada pelo proprietário, acompanhada de uma aceleração de sua

depreciação física. (COTELO, 2009, p. 4)

Nesse sentindo, diferente de Santiago (2006), que imputa o conceito de

programação aos agentes imobiliários, Cotelo43 entende que haja uma programação

por parte dos proprietários no sentindo de dar uso parcial aos imóveis podendo

acarretar com o passar do tempo na obsolescência física, econômica e funcional do

imóvel.

Entretanto, devemos considerar que mesmo assim não há que se falar em

um processo de obsolescência programada do espaço a partir dessa ação, uma vez

que entendemos que o processo da obsolescência na cidade comporta outros fatores,

bem como outras condições e realidades. A obsolescência não está circunscrita

somente aos imóveis vazios e ociosos, mas sim a um conjunto de imóveis e ao

ambiente construído de uma área. Além disso, a obsolescência comporta uma

multiplicidade de outros agentes que não só os proprietários de imóveis e que se

utilizam de diversas estratégias e ações na produção da cidade.

A ociosidade, sendo essa condição válida para os imóveis vazios pode se

dar a partir de um processo “programado” por parte do proprietário do imóvel em função

de suas expectativas dentro do contexto do mercado imobiliário. Também pode

acontecer a partir da capacidade ou interesse do proprietário manter em estado

minimamente razoável a manutenção da edificação, seja ela na sua totalidade ou

partes dela, de modo que seja capaz de atrair e abrigar locatários, desde que esses

estejam dispostos a pagar o custo – benefício do imóvel.

43

Ibidem.

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Contrariamente à Cotelo44, Andrews (1971 apud BONFIM, 2005) liga a

vacância a uma dimensão espacial, para quem, a vacância imobiliária vincula-se a

sucessão de usos e ao crescimento metropolitano. No caso a sucessão de usos entre

áreas centrais e áreas periféricas ocorre de acordo com Andrews em função da

intervenção dos agentes públicos nessas áreas.

Bomfim (2005) salienta que a interferência pública poderá ocorrer no controle

da deterioração do uso e o não aumento ou redução da vacância, condição essa que

ocorre atualmente na região central de São Paulo e que foi apresentado anteriormente.

Portanto, a política de reurbanização ou renovação poderá redefinir o processo de uso

sucessivo da terra urbana, ou seja, uma área consolidada que apresenta vacância

imobiliária acentuada poderá ser novamente ocupada a partir de mudanças induzidas

por políticas públicas. Todavia, a ação no sentindo de omissão ou de políticas

equivocadas por parte do Estado pode-se se dar no sentido inverso, ou seja, ela pode

implicar no aumento das condições de vacância e ou ociosidade dos imóveis. Esse

último caso se aplica ao bairro de Santana o qual será analisado no capítulo dois.

Em função da seletividade de investimentos em infraestrutura, bem como em

nome das intervenções urbanas de várias ordens somadas às expectativas presentes e

futuras dos proprietários de imóveis, e na dinâmica de investimentos do mercado

imobiliário, aumenta-se as condições do que a autora denomina de deterioração do uso

da terra, bem como aumenta os índices de vacância dos imóveis em certas localidades.

A manutenção de edificações vazias e ociosas em uma dada área da cidade,

sobretudo, na região central e nos bairros mais tradicionais paulistanos, torna esse

conjunto um ativo imobiliário nas mãos do mercado que vislumbra possibilidades de

valorização futura e obtenção de rendas e lucros decorrentes de possíveis modificações

na estrutura urbana.

44

Ibidem.

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55

Essa especulação em função da constante expansão do mercado imobiliário

na cidade, marcada por uma produção de moradias voltadas predominantemente para

classe média e alta, de prédios comerciais voltados às firmas do setor terciário moderno

na cidade e que cria uma superprodução de edifícios no espaço em contraponto com

um alto índice de vacância e ociosidade, constitui em tese um estoque de edificações

de uso residencial e comercial disponíveis no mercado.

A condição de vacância e ociosidade quando não é revertida acaba por

redundar, com o tempo, em uma obsolescência funcional, física, econômica e de estilo

dos imóveis e da área dos quais eles estão situados. Entretanto, esses tipos de

obsolescência podem ou não ser dissociados, ou seja, pode-se ter uma obsolescência

de estilo ou econômica sem que necessariamente haja uma obsolescência física, por

exemplo.

Os tipos de obsolescência não são somente vinculados a estados de

vacância ou ociosidade dos imóveis. Eles podem ocorrer em muitas porções das

cidades, em áreas e setores densamente ocupados, com baixos índices de vacância ou

ociosidade dos imóveis, mas que, entretanto, não correspondem aos ideários ou

demandas concretas exigidas pelos modernos setores da economia da cidade de São

Paulo, bem como por extratos da sociedade, como, por exemplo, os moradores

propriamente ditos que também formulam, expressam e disseminam ideários elitistas

sobre padrões modernos que a cidade de São Paulo deve absorver e concretizar no

ambiente construído.

A obsolescência das edificações na realidade urbana paulistana e brasileira

pode ser considerada nos seguintes termos:

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56

1. Obsolescência Econômica é a perda de utilidade de uma propriedade resultante de

fatores econômicos tais como mudanças do uso ótimo, da legislação sobre posturas

municipais ou da relação de oferta e procura45.

2. Obsolescência Física estaria atrelada a perda de utilidade de uma propriedade

resultante de fatores físicos tais como deterioração por uso, desgaste, envelhecimento,

oxidação, incrustações, rachaduras e outros,

3. Obsolescência Funcional considerada como a perda de utilidade de uma

propriedade/imóvel resultante de fatores tais como mudanças na arte de projetar, nas

exigências legais ou surgimento de novos produtos, projetos ou concepções que

substituam com vantagem.

Sampaio (2007, p.110), em relação a esses três tipos de obsolescência

esclarece que:

Aspectos físicos e funcionais formam as duas subcategorias do grupo dos fatores técnicos. Problemas inerentes às edificações (deficiências projetuais, limitações de técnicas construtivas e de materiais de construção) e as condições ambientais (umidade, poluição, reações químicas, ações de microorganismo, etc.) se constituem em complicadores de natureza física que [...] são os fatores de obsolescência mais fáceis de serem detectados e resolvidos. Eles manifestam-se nas rachaduras, infiltrações, corrosões, etc. Para eliminá-los basta que os usuários tenham recursos técnicos e financeiros suficientes para conservarem suas edificações, o que nem sempre é possível devido principalmente aos fatores econômicos e políticos destacados anteriormente. Os aspectos funcionais correlacionam-se com o comprometimento do desempenho das funções das edificações e das áreas urbanas. A falta de elevadores, as limitações das instalações prediais, problemas com conforto ambiental, ausências de garagens, estacionamento, etc., podem ser utilizados como pretextos para a marginalização de bairros pelo mercado imobiliário e o poder público.

45

Em que pese nossas discordâncias em certos pontos com Sampaio (2007) esse aponta que a obsolescência das edificações se agrupam em duas categorias principais, no caso a econômica e técnica e que se influenciam mutuamente. De acordo com o autor problemas de natureza econômica e decisões políticas podem criar as condições necessárias para que fatores de ordem técnica se manifestem e prejudiquem a integridade de edificações e de áreas urbanas históricas. Essa condição já descrita por nós pode ser remetida as mudanças de paradigmas econômicos pela qual a cidade de São Paulo passaria a partir dos anos de 1970 afetando diretamente o centro tradicional e antigos bairros.

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57

Além desses tipos, também incluiríamos a obsolescência de estilo atrelada

ao estímulo do consumo via as estratégias do marketing, propaganda e publicidade que

ocorrem através da exposição massiva de empreendimentos imobiliários nas mais

diferentes mídias incluindo-se a distribuição de folders em semáforos que conseguem

disseminar o ideário de um modelo arquitetônico e urbanístico.

Através dessa obsolescência de estilo, cria-se e impõem novas formas às

edificações em nome de um ideário ou conceito arquitetônico de ocupação do solo

ótimo em detrimento dos antigos prédios. A título de exemplo, um dos chamarizes de

um edifício nos anos de 1980 e 1990, voltado para a classe média, era oferecer salão

de festas e de jogos, playground, antena coletiva, eventualmente piscina e quadra,

vaga para um veículo, além da segurança dada pelos muros. Atualmente, o mote, por

exemplo, além dos elementos “tradicionais” são varanda gourmet, duas vagas para

veículos com depósito, sistema Wi-fi, sala de ginástica, pet care, espaço gourmet

coletivo, com cozinha, fornos, churrasqueira, sistema interno de câmeras de vigilância,

tv por assinatura coletiva, elevadores inteligentes, baby care. Em suma, a lista é longa e

varia de empreendimento para empreendimento.

Dessa forma estes novos padrões de edifícios prometem a partir de

modernos conceitos e desenhos arquitetônicos um novo estilo de vida, que se realiza

não só sobre os espaços internos do imóvel, levando gradualmente “antigas” e “velhas”

formas, mesmo que no plano das ideias, a se tornem prematuramente obsoletas.

Entretanto, essa abordagem ou estratégia adotada pelo mercado não é

recente. Azevedo (1988) ao analisar o mercado imobiliário nas grandes cidades

brasileiras nos anos de 1980, quando a verticalização começaria a se expandir e se

disseminar como padrão de moradia para determinadas frações de classes também já

indicava que um conjunto considerável de imóveis construídos, com idade não superior

a trinta anos e em condições satisfatórias de uso eram colocadas em situação de

obsolescência, culminando com outro processo, no caso o da demolição para dar

abrigo aos novos edifícios.

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58

As edificações em estado de obsolescência individualmente podem ser

consideradas objetos, porém, isso pouco esclarece a dinâmica e as contradições no

tocante ao seu processo espacial. Além disso, faz necessário refletir sobre como os

agentes econômicos, com destaque para o mercado imobiliário, a sociedade na sua

totalidade, bem como o Estado atuam na produção espacial da cidade, isto é, a

obsolescência é uma fração de um processo mais amplo.

Se tomarmos um e outro objeto de modo isolado, ou mesmo um conjunto de

objetos que pretensamente na análise estejam relacionados, por mais bem elaborado

que seja o modelo analítico, este será incapaz de resultar na compreensão das

dinâmicas urbanas bem como tende a passar longe como nos afirma David Harvey

(1980) da construção de uma teoria do solo urbano capaz de responder pelas

problemáticas e contradições da cidade capitalista.

Essa revolução contínua dos meios de produção, das relações de produção

e das relações sociais significa sucessivamente criar e recriar, do ponto de vista

geográfico, um conjunto de sistemas de objetos e sistemas de ações que em sua

totalidade compõe o espaço geográfico, sendo que esse espaço acaba por conter de

modo mútuo e conflitante elementos físicos e sociais pretéritos e atuais.

Se atualmente o universo da obsolescência programada é elemento

fundamental ao desenvolvimento, reprodução e acúmulo de riqueza por parte do

Capital, no tocante a produção industrial (consumo-lucro) e ao sistema financeiro

(crédito-juros), a produção, circulação, troca e consumo do espaço geográfico da

cidade, também se situa na problemática da obsolescência, porém de outra ordem,

visto que como mercadoria especial se diferencia daquelas que consumimos em nosso

cotidiano.

Nesse sentindo, não é uma ou outra edificação, não é um ou outro

equipamento público de uso coletivo, não é uma ou outra infraestrutura que apresentam

quadros de obsolescência, não é um ou outro setor econômico situado no circuito

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59

inferior da economia ou no circuito superior marginal da economia que respondem pelo

processo espacial da obsolescência.

O que responde pelo processo espacial da obsolescência ou não é se a

totalidade desses objetos que compõe o sistema dado por uma continuidade espacial

tanto na sua complexidade funcional, como na sua complexidade estrutural, ao mesmo

tempo, conseguem desempenhar funções que podem ser combinadas no seu uso e

entre os diferentes objetos desse sistema (SANTOS, 1999, p.56). Ainda de acordo

Milton46:

Os objetos não agem, mas, sobretudo, no período histórico atual, podem nascer predestinados a um certo tipo de ações, cuja eficácia se tornam indispensáveis. São as ações que, em última análise, definem os objetos, dando-lhes um sentido. Mas hoje, os objetos “valorizam” diferentemente as ações, em virtude de seu conteúdo técnico. Assim considerar as ações separadamente ou os objetos separadamente, não dá conta da sua realidade histórica, objetos e ações, “agindo” em concerto.

Posto essas reflexões iniciais sobre a obsolescência espacial urbana,

passaremos a tratar desse processo tendo como recorte espacial Santana, bairro esse

de urbanização consolidada derivado do processo de reprodução da Metrópole de São

Paulo, e que se constitui historicamente como principal centralidade da zona norte da

capital paulistana, sendo também umas das principais áreas de interesse dos agentes

econômicos do setor imobiliário na cidade.

1.3. Uma contextualização geográfica do bairro de Santana

Do ponto de vista do uso da terra e da paisagem, o bairro de Santana47

(Figura 1.3) atualmente é marcado por diferentes realidades na sua configuração

territorial, bem como em relação às relações socioeconômicas que ele comporta. Esses

aspectos são fundamentais para compreensão do modo como processo da

46

Ibidem, p.70 47

As justificativas da escolha do bairro de Santana como objeto de estudo consta na introdução. Além disso, o recorte espacial do bairro proposto para essa pesquisa pode divergir da percepção territorial do bairro por parte de seus habitantes, no passado e hoje, bem como daquilo que é definido pela PMSP.

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60

obsolescência espacial ocorre, em especial, quando se traz à tona a questão da renda

fundiária urbana.

O bairro de Santana é constituído por duas grandes compartimentações

geomorfológicas, asseveradas por AB’Saber (1956: i) uma área pertencente às

planícies aluviais do Tietê, popularmente conhecida como áreas de várzea e ii) uma

área pertencente às colinas e outeiros de além-Tietê, denominada pela população local

como o Alto de Santana.

Tais compartimentações e aqui incluímos a faixa de transição entre várzea e

colina (Figura 1.4) são elementos importantes não só no processo de formação do

bairro, mas no modo diferencial como o uso e ocupação do solo se impõe na realidade

do bairro atualmente.

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61

Figura 1.3. Recorte Espacial do Objeto de Estudo O Bairro de Santana

Legenda332000

7399000

7401000

336000

Legenda

0 250 500 1000 mOrganização: Leandro de Souza Pinheiro, 2015.

André Vinícius Martinez Gonçalves, 2015.

Fonte: Google Maps.

Área de estudo.

Legenda332000

7399000

7401000

336000

Legenda

0 250 500 1000 mOrganização: Leandro de Souza Pinheiro, 2015.

André Vinícius Martinez Gonçalves, 2015.

Fonte: Google Maps.

Área de estudo.

Legenda332000

7399000

7401000

336000

Legenda

0 250 500 1000 mOrganização: Leandro de Souza Pinheiro, 2015.

André Vinícius Martinez Gonçalves, 2015.

Fonte: Google Maps.

Área de estudo.

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62

Figura 1.4. - Santana (várzea / transição / colina)

Legenda332000

7399000

7401000

336000

Legenda

0 250 500 1000 mOrganização: Leandro de Souza Pinheiro, 2015.

André Vinícius Martinez Gonçalves, 2015.

Fonte: Google Maps.

Porção de relevo de colina.

Porção de transição de relevo colina / vázea.

Porção de relevo de várzea.

Área de estudo.

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63

Entendemos que para tratar a obsolescência espacial em Santana, seja

necessário extrair dados e elementos históricos para compreendermos a gênese desse

processo no bairro48.

No final do século XIX, com o processo inicial de industrialização da cidade e

a vinda de imigrantes europeus, os antigos núcleos rurais de São Paulo foram se

transformando em centros de uma vida de bairro, mas ainda para o conjunto da cidade,

bairros suburbanos.

De acordo com Seabra (2004, p.289), bairros como Santana se

desenvolveram de forma clássica aos bairros do mundo ocidental, onde a vida estava

intimamente ligada com a paróquia. Mediante a progressiva integração desses antigos

núcleos de povoamento com a cidade, o choque e confronto com os agentes e

processos modernizadores da vida urbana gradativamente diluía o modo de vida

tradicional.

Os antigos núcleos de povoamento passavam a ser revigorados pela

presença do imigrante europeu e de trabalhadores que procuravam nessas localidades

terras mais baratas para se assentarem. Os núcleos da zona norte, como Santana e

Freguesia do Ó, sentiam esse processo mais lentamente, apesar de Santana já no

início do século XX receber inúmeros equipamentos urbanos49.

Somada as tradições e festas religiosas, a nova realidade da vida de bairro

trazia o lúdico para prática imediata da vida nos bairros. O Carnaval de rua, os jogos de

futebol, as festas tradicionais dos imigrantes, imprimiam características particulares aos

bairros. Essa realidade integrava-se com o processo de industrialização e os projetos

modernizadores pela qual a cidade passava,

48

Não pretendemos aqui recompor a história do bairro de Santana, primeiro porque não é o nosso foco de pesquisa tratar da história desse bairro e segundo porque tratar da história seja de onde for demanda por parte do pesquisador o domínio dos métodos e metodologias relativas à ciência histórica, condição essa que não é de nosso domínio. 49

Cf. Torres (1970).

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64

Depois dos anos de 1980, mal se distinguem as partes do todo na justaposição de formas desconexas que caracterizam a morfologia da metrópole. Agora sãos pontos\nexos de redes que se inscrevem numa textura indiferenciada, ao mesmo tempo homogênea (estruturas de circulação) e quebrada (espaços do viver) do espaço da Metrópole (SEABRA, 2004, p. 277).

Atualmente, esses lugares que no passado formaram a cidade de bairros, no

conjunto apresentam características similares. Muitos deles, conforme indicadores e

projeções da PMSP (2014), resumidamente, possuem taxas de crescimento

demográfico decrescente, estagnação econômica e em nosso entendimento quadros

de obsolescência urbana.

Também de acordo com os dados da PMSP, constata-se que os indicadores

sociais e econômicos apresentam nos bairros tradicionais os melhores quadros no

conjunto da cidade, ou seja, maior renda, maior escolaridade, maior número de

crianças e adolescentes matriculados nas escolas, maior acesso a rede e distribuição

de água e coleta e tratamento de esgoto, maior índice de longevidade, menores taxas

de homicídios etc.

É também nesse conjunto de bairros que as políticas de espaço urbano,

através do poder público e a atuação da indústria do setor imobiliário estabelecendo

suas “novas” frentes de expansão e valorização, ocorre com maior intensidade e

magnitude, ou seja, são nesses locais donde se têm as áreas mais valorizadas da

cidade, bem como um maior índice de regularização dos imóveis (SEABRA, 2004, p.

279).

A estruturação dos bairros na cidade de São Paulo, em boa medida está

ligada ao processo geral de industrialização do estado São Paulo, o que denota um

processo em comum entre eles. Porém, é inegável e perceptível que no processo

geral, há particularidades socioculturais que os distinguem, fato talvez mais identificável

no passado, em que ainda era permitida uma heterogeneidade de manifestações e

práticas socioculturais, mas que hoje sucumbem à metrópole moderna.

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65

A formação do bairro de Santana foi lenta quando comparada à porção

central da cidade de São Paulo, sendo essa condição extensiva ao conjunto da zona

norte. Tanto Santana como os demais bairros da zona norte, entre o século XVI e

começo do século XX, tinha no rio Tietê uma barreira geográfica que dificultava uma

maior integração desse conjunto a dinâmica da cidade em formação. Não à toa

Santana e os demais bairros situados na vertente norte do rio tendo como

prolongamento a Serra da Cantareira, eram conhecidos como “o outro lado do rio”.

Esse “isolamento” vai se desfazendo na medida em que um conjunto de

obras de infraestruturas e vias de circulação são implantados, em especial, sob a lógica

da São Paulo industrial a partir dos anos de 1940 em diante. Porém, Santana manteve

nas décadas subsequentes um conceito muito disseminado nos jornais de bairro e pelo

mercado imobiliário, um bairro integrado a lógica metropolitana da cidade que mantém

um “ar interiorano” e associado a esse conceito, a ideia de que é um dos bairros mais

sofisticados da cidade em função de seu ambiente construído, tendo como apelo e

destaque a disponibilidade de equipamentos de lazer, diversidade comercial e de

prestação de serviços, além das facilidades dadas pelas vias de ligação entre o bairro e

a cidade e áreas comerciais.

A integração de Santana com outras áreas de São Paulo vai além das vias

de circulação que fazem essa ligação, ela se expressa nas transformações do ambiente

construído na sua totalidade em função de ações perpetradas pelo Estado e pelos

agentes econômicos, em especial, pelo setor imobiliário a partir dos anos de 1980 em

diante.

A formação, evolução e organização de Santana se remete à três momentos,

considerando os estágios de desenvolvimento e crescimento da cidade de São Paulo,

isto é, à São Paulo caipira que engloba o Brasil Colonial e o Brasil independente agrário

exportador entre 1822 aos anos de 1930, à São Paulo industrial que tem sua gênese

entre o final do século XIX e anos de 1970 do século XX e à São Paulo sob a lógica do

capital financeiro dos anos de 1970 em diante.

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66

Em relação à primeira fase, que compreende o período entre meados do

século XVI e o começo do século XX, Monbeig (1953: p.14) relata que a ocupação de

Santana e as demais áreas da zona norte de São Paulo são verificadas desde o ano de

1558, em especial, em função de algumas fazendas localizadas próximas à futura

Ponte Grande. Das fazendas ali localizadas, a principal era a Fazenda Santana, que

englobava praticamente toda a atual região do Campo de Marte localizado na várzea

(Figura 1.5).

O ponto onde se situava a sede da fazenda, localizado em uma porção

intermediária entre a várzea e o alto da colina, mais exatamente na Rua Alfredo Pujol,

se encontra o Quartel do Exército – CPOR. Segundo Torres (197050), de modo geral as

fazendas tinham como função abastecer a população paulistana com gêneros

alimentícios de todas as ordens.

Além da sede da principal fazenda, Torres51 relata que ali também se

localizava uma capela donde se realizam as missas. Levando em consideração o

padrão de desenvolvimento dos aglomerados populacionais na São Paulo antiga e a

forte presença da Igreja na vida dos indivíduos, ditando inclusive o ritmo e cotidiano da

sociedade, é justamente nessa área em direção à várzea que se localizava a maior

parte da população de Santana entre o século XVI e XIX (Figura 1.6)

50

TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. História dos bairros de São Paulo – O bairro de Santana. PMSP / Secretária de educação e cultura, 1970. 51

Ibidem.

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67

Figura 1.5. – Localização CPOR52 / Campo de Marte

52

Antiga sede da Fazenda Santana

Legenda

332000

333000

7398500

7399000

Organização: Leandro de Souza Pinheiro, 2015.

André Vinícius Martinez Gonçalves, 2015.

Fonte: Google Maps.

0 250 500 1000 mAntiga sede da fazenda Santana /

Quartel do Exército CPOR

Área de influência da fazenda

Santana.

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68

A partir do terceiro quartel do século XIX, nas áreas adjacentes da antiga

fazenda, ocorreria um incremento populacional do bairro formado por imigrantes

europeus, em especial, italianos e tiroleses (TORRES, 1970).

Na medida em que o bairro ia se integrando ao cotidiano urbano de São

Paulo e seguindo uma tendência verificada em inúmeras áreas da cidade entre o final

do século XIX e primeiros anos do século XX, muitas das antigas fazendas e chácaras

situadas em Santana passaram por um processo de desmembramento de suas terras,

dando lugar aos loteamentos que viriam a abrigar, em especial, na porção da várzea

moradias destinadas aos trabalhadores.

Torres53 aponta também que algumas áreas próximas aos loteamentos eram

concebidas para uso coletivo dos habitantes, em especial, para a pastagem de animais.

Somava-se a essa atividade a produção de tijolos feitos nas olarias localizadas no

entorno dos brejos do Tietê, além do uso do rio como lazer.

53

Ibidem.

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69

Figura 1.6. – Planta Geral de São Paulo de 1897 - Localização de Santana

Disponível em: http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1897.htm

Acesso em: 27.12.2014

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70

Santana nesse momento, ou seja, no final do século XIX, ainda conservava

sua função, sua marca registrada desde os tempos da Fazenda Santana dos Jesuítas,

continuava a fornecer alimentos ao mercado urbano paulistano. A região que mantinha

ainda nesse período certo isolamento em relação ao conjunto da área central de São

Paulo, sendo a comunicação dos habitantes de dentro e de fora do bairro realizado via

tração animal, entre o final do século XIX (1894) e começo do século XX, com

implantação do Tramway da Cantareira54 passaria a ter essa condição de isolamento

alterado.

Outro aspecto que contribuiria para uma gradual articulação do bairro com

demais áreas de São Paulo situadas do outro lado do rio se daria no final de setembro

de 1895, quando foram estabelecidas viagens de recreio para a população aos

domingos e feriados, em especial, na porção da várzea e margens do rio Tietê55. O

transporte, poucos anos depois, tornou-se diário e começava ali uma maior e efetiva

integração do bairro caipira com a cidade, em especial, o acesso de seus moradores e

trabalhadores com a região mais urbanizada da cidade, a região central de São Paulo,

conhecida hoje como o centro antigo ou velho formada no entorno da região da Sé.

Também entre o final do século XIX e início do século XX, a porção da

várzea seria marcada pelo desenvolvimento de três fatores importantes na realidade do

bairro de Santana os quais se mantém até os dias atuais.

O primeiro fator é relativo ao principal setor comercial de Santana, no caso o

trecho comercial da Rua Voluntários da Pátria que manteve sua pujança ou sua força

econômica no conjunto da zona norte de São Paulo até os anos de 1980.

54

Inicialmente o Tramway da Cantareira foi construído para levar materiais para a construção da adutora que traria água do reservatório da Cantareira. 55

Um aspecto relativo às margens do Rio Tietê é a constituição de dois clubes que ao longo do século XX fizeram história na cidade de São Paulo, em especial, pelas brigas, duelos e disputas travadas, no caso entre o Clube Esperia fundando em 1899 e o Clube de Regatas São Paulo fundado em 1903 e posteriormente no ano de 1907 rebatizado de Clube de Regatas Tietê, sendo esse considerado um dos primeiros centros esportivos da cidade. No caso do Clube Tietê, o terreno de 50 mil metros quadrados, ocupado por esse era de propriedade da prefeitura e por inúmeros problemas financeiros foi desativado em 26 de abril de 2012 retornando dessa forma o terreno e seu ambiente construído para o Estado. Por meio do Decreto 53.832/2013 da PMSP, o local após reformas transformou-se em centro esportivo municipal, o Centro Esportivo e de Lazer Tietê, inaugurado em 20 de setembro de 2014.

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71

O segundo fator trata-se do complexo aeroviário Campo de Marte fundado

em 1920 e que atualmente abriga aeroclubes, pista de pouso e decolagem de

helicópteros, aviões comerciais e particulares de pequeno porte, além de oficinas,

edificações de comando, os hangares, centros de instrução e operação e um pequeno

complexo da Força Aérea Brasileira, além das residências dos militares que ocupam

toda a área da União.

O terceiro fator56 diz respeito à Casa de Detenção de São Paulo conhecida

também como Complexo Penitenciário do Carandiru e Penitenciária do Estado de São

Paulo, inaugurado na década de 1920. A Casa de Detenção masculina seria após

inúmeras rebeliões e pressões da sociedade desativada em 2002 e em seu lugar

concebido o Parque da Juventude. Atualmente, no local ainda se faz a presença da

Penitenciária Feminina e o Centro de Observação Criminológica que ocupa uma

metragem considerável57 na região da várzea entre as estações metroviárias do

Carandiru e Santana.

Outro aspecto importante para o conjunto do bairro de Santana se dá em

1894 quando foi erguido na colina da Rua Voluntários da Pátria um colégio para

pensionistas pertencente às irmãs da Congregação de São José (o atual colégio

Santana) e a capela de Santa Cruz, que se tornaria matriz provisória da paróquia de

Santana em 1895 quando do seu desmembramento da Paróquia de Santa Efigênia.

No entorno da Capela de Santa Cruz58, constituíram-se entre o final do

século XIX e nas primeiras décadas do século XX, casas de padrão superior59 as

56

Esses três fatores pontuados de modo sumário serão retomados ao longo do trabalho, pois entendemos que eles quando considerados na sua totalidade, além de outros fatores presentes na porção da várzea de Santana desencadeiam impactos significativos na dinâmica fundiária do bairro, em especial, no que tange a ação do mercado imobiliário e a renda fundiária, sendo esse último em nossa tese um fator fundamental para a compreensão da obsolescência espacial urbana. 57

Segundo estudos realizados em 2001 pela Câmara Municipal de São Paulo todo complexo possuía em torno de 435.000 m². No caso da Penitenciária Feminina e o Centro de Observação Criminológica esse ocupam ainda 1/3 dessa área, ou seja, por volta de 145.000 m². 58

O alto de Santana era marcado pela presença de famílias de maior poder aquisitivo e o trecho de várzea por uma população de menor poder. Uma hipótese para essa distinção fica a cargo das características naturais que a colina possibilita, ou seja, a visão panorâmica da paisagem que se tem da colina, em relação à várzea, a região central da cidade, incluindo a avenida Paulista, o ar mais puro, e a inexistência de áreas propensas à alagamentos na época das chuvas.

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72

comparadas ao núcleo populacional da Rua Alfredo Pujol e casas situadas mais

próximas à várzea. É nessa área também que ocorreria a atuação das primeiras

companhias construtoras da cidade, realizando importantes obras de

terraplanagem, arruamentos e pavimentação. Nesse processo foi se constituindo

um segundo núcleo populacional em Santana.

De acordo com AB’Saber (1956), as áreas de várzea possuíam menores

preços do m² quando comparados as áreas de colina. Tal diferenciação se dava

menos pelas condições geomorfológicas, e mais no sentindo da limitação das

atividades econômicas ou mesmo de uso residencial que elas propiciavam. Porém,

seria na área da Igreja Matriz de Santana que efetivamente se constituiria no início

do século XX o núcleo populacional e comercial central de Santana. Nas palavras

de Torres60

Ao contrário do que se devia esperar, não será em torno do Colégio Santana e da Capela de Santa Cruz no alto da colina, que irá se desenvolver o núcleo central do bairro. Não só a localização em terreno acidentando, da capela de Santa Cruz, como a mudança do trajeto da estrada de rodagem Atibaia-Bragança-Sul de Minas, que ladeava a antiga fazenda, para o lado oposto, desviaram das cercanias da ermida de Santana o centro populoso do bairro.

O núcleo central se desenvolvera colina abaixo, onde o padre João

Batista, em 1915, começou a construção da Igreja de Santana, localizada na Rua

Voluntários da Pátria, sendo finalizada em 1944. A partir da nova matriz, ao longo

da Rua Voluntários da Pátria até a Rua Alfredo Pujol, se constituiu a área comercial

de Santana. À direita da Rua Voluntários, nas ruas Leite de Moraes, Gabriel Piza,

Duarte de Azevedo, Tomé de Souza, Conselheiro Saraiva e Darzan61, antigas

chácaras e sítios foram desmembrados e loteados sem infraestrutura e vendidos a

59

Nos anos de 1980, quando o processo de verticalização do bairro começou a se efetivar de modo geral, além da “facilidade” de remembramento dos lotes visto que há uma menor fragmentação da propriedade privada da terra, a porção colina quando comparada com a porção da várzea, exceto a área da Avenida Braz Leme paralela ao Campo de Marte, foi aquela que conheceu intenso processo de verticalização. 60

Ibidem, p.93 61

Em relação às ruas e avenidas do bairro de Santana citadas nesse capítulo, consultar o croqui de mapa no capítulo três, p. 164.

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preços baixos62, constituindo juntamente com a parte mais baixa da Rua Voluntários

da Pátria o núcleo residencial, entremeado por indústrias de pequeno e médio porte.

No mesmo período, nas primeiras décadas do século XX, na área já

estava instalada a penitenciária do Estado e se iniciavam as primeiras atividades

aéreas na cidade em decorrência da implantação do Campo de Aviação da antiga

Força Pública, hoje conhecido como aeroporto Campo de Marte63.

As formas urbanas em São Paulo, que desde os primórdios dos anos de

1920 já indicava uma passagem de uma configuração territorial horizontal e

centralizada para uma forma verticalizada e dispersa, iria se acelerar a partir dos anos

de 1950 em diante. A abertura de novas vias e eixos viários e a adoção do sistema de

circulação automotivo passariam, de acordo com Seabra (2004), a ser os

estruturadores do espaço da metrópole.

De acordo com Seabra (2004, p.271)

A cidade chegou a sua mais exuberante forma nos anos 1950 quando, nitidamente integrada por uma coroa de bairros, foi ficando imersa num processo de implosão-explosão para as periferias. Formou-se uma enorme extensão de urbanização contínua e os moradores, já então metropolitanos, viveriam novas experiências no tempo espaço [...]. A sequência temporal das formas urbanas (cidade – bairros – subúrbios – metrópole - periferias) se configurou por desdobramentos sucessivos, sempre sob imperativos de aceleração das formas de uso do tempo e sem, necessariamente, apagar os traços do que veio antes. A incorporação de novas frentes de expansão do espaço urbano em decorrência da concentração industrial e da consequente formação e diversificação dos mercados de bens, de produtos e de trabalho, além de tornar muito denso o espaço urbano, discriminavam modalidades de uso, segundo as determinações do valor econômico da terra, à medida que o urbano se configurava como quadro da vida. As demandas crescentes de uso público (infraestrutura material do urbano) e de uso privado (conjunto residenciais, condomínios verticais, cortiços, favelas) implicavam, sempre, em novos conteúdos da urbanização, a medida que se configurava na metrópole. Foram, sobretudo o Estado e os empreendedores privados os agentes interessados nesse processo.

62

Deve ser salientado que esse processo não ocorreu somente no bairro de Santana, e sim em todo município de São Paulo. 63

Mais adiante, nos capítulos dois e três retomaremos a questão desse aeroporto e sua relação com o processo da obsolescência espacial em Santana.

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74

Ao longo dos anos de 1950 e 1960, na medida em que o processo de

metropolização de São Paulo se consolidava, Santana passaria a ser mais integrada a

essa realidade, em especial, pela constituição das vias de circulação traduzidas pelas

novas avenidas e pontes que facilitariam a inter-relação entre a zona norte e as

diferentes regiões de São Paulo (Figura 1.7).

Figura 1.7. – Eixos Viários de Ligação entre Santana e a Região Central da Cidade (Anos de 1960)

* Destacam-se a Ponte das Bandeiras em Primeiro Plano e acima a Ponte da Avenida Cruzeiro do Sul, Além das Marginais do rio Tietê.

Disponível em: http://theurbanearth.wordpress.com/tag/enchente-em-sao-paulo - Acesso em:

13.05.2014

O Tramway Cantareira, deficitário desde os anos de 1940, seria desativado

em definitivo nos anos de 1960. Concomitante a essa desativação, o sistema rodoviário

das grandes avenidas cada vez mais se fazia presente na zona norte seguindo desse

modo o padrão de circulação implementado gradualmente a partir da gestão do prefeito

Prestes Maia em seu segundo mandato (1961 – 1965). A partir dos anos de 1970, São

Paulo, e no caso aqui Santana, passaria a adotar também o sistema metroviário (Figura

1.8).

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75

Figura 1.8. Três Momentos de Padrões de Circulação em Santana / Avenida Cruzeiro do Sul

* Em sentido horário – Padrão ferroviário, padrão de arruamento e padrão metroviário (em

implantação) e de arruamento Disponível em: http://theurbanearth.wordpress.com/tag/enchente-em-sao-paulo - Acesso em:

13.05.2014

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76

Enquanto a região central de São Paulo passava por um intenso processo de

verticalização64, a zona norte, e, em específico, Santana, nos anos de 1960 ainda

mantinha um padrão horizontal das edificações, em especial, das moradias (Tabela

1.2.). Entretanto, vale salientar que edificações verticais de até quatro pavimentos

presentes em Santana representavam 750.000 m² da sua área total construída e 26%

desse tipo de padrão quando considerada a cidade com um todo.

Tabela 1.2. Uso do Solo Município de São Paulo e Bairros da zona norte (1968)

Categoria do uso do solo

Santana* Tucuruvi* Vila Maria*

Município de São Paulo*

Residencial (Total)

2.255 1.040 890 36.590

Unifamiliar isolada 250 20 - 3.365

Unifamiliar semi isolada

1.985 1.005 890 32.775

Apto. até 4 pavimentos

20 15 75

Apto – mais de 4 pavimentos

- - - 375

Comércio (total) 190 70 - 3.905

Comércio em geral

160 45 - 3.220

Comércio e escritórios

- - - 260

Comércio atacadista

30 - - 425

Industrial 85 25 250 3.670

Serviços e transportes

145 20 5 655

Institucional 240 55 10 1.925

Recreação e espaços abertos

200 15 45 1.820

Áreas vagas 555 765 380 33.085 *Áreas por unidade (ha) / Fonte: PUB, 1968 apud CANAVERDE, Andrea Aparecida, 2007.

Esse padrão de ocupação do solo, no caso, das moradias, passaria, em

especial, na porção da colina, a ser alterado a partir dos anos de 1970 e 1980, com a

64

Consultar Souza, 1994; Someck, 1997.

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77

implantação pelo Regime Militar (1964-1985) do Banco Nacional de Habitação65 e

posteriormente pela Caixa Econômica Federal do horizontal para o vertical.

No tocante a várzea onde há maior intensidade de uso do solo pelo setor

terciário, sobretudo, pelo comércio de roupas e eletrodomésticos, salvo algumas

exceções, o padrão horizontal ainda se faz presente66.

Atualmente, de acordo com dados fornecidos pela Prefeitura de São Paulo

(2013), no bairro de Santana diferentemente dos anos de 1990 em que se destacava o

uso residencial horizontal com 43,9%, o uso residencial vertical é o que se sobressai

com 57,6%, sendo a porção da colina responsável pela maior concentração desse

padrão de ocupação (Tabela 1.3).

65

No tocante a esse assunto consultar Rodrigues (1998, 1998a) 66

Trataremos especificamente dessa questão mais adiante

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78

Tabela 1.3. Uso e Ocupação do Solo em Santana (1991/ 2012)

Fonte: PMSP, 2013 / Org. André V. M. Gonçalves

Unidades Territoriais 1991 2012

A. Terreno A. Construída Nº Lotes % A. Terreno A. Construída Nº Lotes %

Uso Residencial Horizontal Baixo Padrão 710.835 319.223 4.101 9,8% 585.335 307.893 3.593 5,9%

Uso Residencial Horizontal Médio Padrão 2.785.122 1.846.858 13.168 31,5% 2.237.858 1.803.744 11.753 19,3%

Uso Residencial Horizontal Alto Padrão 237.495 175.050 525 1,3% 222.001 203.325 645 1,1%

Uso Residencial Vertical Médio Padrão 349.002 1.436.229 13.248 31,6% 523.913 2.490.020 23.966 39,5%

Uso Residencial Vertical Alto Padrão 112.609 485.659 1.876 4,5% 337.793 1.776.980 8.731 14%

Uso Comércio e Serviço Horizontal 1.007.633 649.021 2.526 6,0% 1.284.014 1.019.850 3.709 6,1%

Uso Comércio e Serviço Vertical 168.593 371.936 3.158 7,5% 225.362 591.384 3.322 5,5%

Uso Industrial 206.536 190.610 185 0,4% 115.192 103.621 104 0,2%

Uso Armazéns e Depósitos 85.408 31.000 38 0,1% 69.646 53.001 59 0,1%

Uso Especial ( Hotel, Hospital, Cartório, Etc. ) 2.824.780 352.224 59 0,1% 3.353.610 602.565 1.153 1,9%

Uso Escola 214.231 114.108 112 0,3% 192.604 196.129 171 0,3%

Uso Coletivo ( Cinema, Teatro, Clube, Templo, Etc. )234.234 75.320 90 0,2% 386.785 225.281 153 0,3%

Terrenos Vagos 563.208 0 1.117 2,7% 336.189 0 571 0,9%

Uso Residencial Vertical Baixo Padrão 47.962 94.899 1.440 3,4% 79.452 153.169 2.223 3,7%

Uso Garagens não-residenciais 25.229 9.489 40 0,1% 75.458 36.254 112 0,2%

Outros usos ( Uso e padrão não previsto ) 32.789 29.092 176 0,4% 102.087 100.127 478 0,8%

9.605.666 6.180.718 41.859 100% 10.127.299 9.663.343 60.743 100,0%

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79

O uso residencial horizontal, e o vertical de médio e alto padrão (Figura

1.10), se situam na porção da colina e na faixa de transição entre a colina e a várzea.

Tanto no alto de Santana como na baixada as edificações de padrão horizontal foram

construídas em sua maioria até os anos de 1970. Comparativamente à colina são

reduzidas às edificações de uso residencial vertical de médio e alto padrão na porção

da várzea, a exceção da Avenida Braz Leme. Os tipos de uso residencial horizontal e

vertical67 denominado de baixo padrão situam-se na porção da várzea entre as

estações metroviárias do Tietê e Carandiru. Entretanto, se verifica que nos últimos

cinco anos, sobretudo, no entorno da estação metroviária Tietê, esse tipo de padrão

tem sido gradualmente eliminado em função da atuação do mercado imobiliário que

compra, demoli e lança novos empreendimentos comerciais.

Tomando como referência a Avenida Santos Dumont ao longo desta, sentido

centro–bairro se constata uma concentração de dois grandes equipamentos públicos e

particulares. Do lado oeste, sentido centro-bairro, situa-se o Campo de Marte. Ao leste,

localiza-se o Centro de Zoonoses, o Terminal Metroviário e Rodoviário do Tietê e o

Complexo Center Norte. Ao sul entre a Avenida Olavo Fontoura e a Marginal Tietê tem-

se a presença do Parque Anhembi, considerado maior complexo voltado para

realização de eventos e feiras comerciais em São Paulo. Integrado ao Parque situa-se

o do Complexo Cultural e Esportivo Grande Otelo conhecido popularmente como

Sambódromo68.

No tocante as atividades terciárias de diversos portes, essas se concentram

ao longo da Rua Voluntários da Pátria (trecho comercial), da Rua Dr. Cesar e Avenida

Braz Leme, bem como ao longo da Avenida Cruzeiro do Sul. Já os usos mistos do solo

67

Uma das áreas de uso residencial vertical de baixo padrão possui como destaque o conjunto de edificações do Projeto Cingapura situado ao longo da Avenida Zaki Narchi. 68

Todos esses aspectos aqui indicados sobre o ambiente construído de Santana será retomado, em especial, no capítulo três.

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80

– residenciais, comerciais e de serviços - concentram-se, sobretudo, na antiga área do

Projeto Cura69, ao longo da Rua Alfredo Pujol.

As indústrias de pequeno e médio porte remanescentes, armazéns e

estacionamentos se concentram na porção da várzea, em especial, nos arredores da

Estação Carandiru do Metrô e, sobretudo, no perímetro da Estação Metroviária e

Rodoviária do Tietê70.

69

Consultar figura de localização do Projeto no capítulo dois. 70

Em que pese à repetição de alguns elementos apontados em relação ao uso de solo aqui mencionados, um maior detalhamento desses usos no bairro será exposto mais adiante quando tratarmos do seu ambiente construído e o preço da terra no capítulo três.

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81

Figura 1.9. Mapa de Uso e Ocupação do Solo em Santana (2012)

Fonte: PMSP, 2013

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82

Conforme tabela 1.4., prepondera em Santana em relação ao número de

estabelecimentos e postos de trabalho as atividades econômicas ligadas ao setor de

comércio e serviços. Já o número de estabelecimentos da construção civil é inferior aos

ligados às atividades industriais, porém no que tange aos postos de trabalho observa-

se uma inversão nos períodos mencionados, entre 2006 a 2011, houve uma ligeira

queda nos postos de trabalho ofertados pela indústria da transformação e uma

elevação significativa no número de vagas na construção civil.

Tabela 1.4. Relação entre Estabelecimentos / Empregos Santana (2006-2011)

Fonte: PMSP, 2013 / Org. André V. M. Gonçalves

A elevação dos postos de trabalho na construção civil é respondida

diretamente pelo fato de que Santana, hoje, é um dos principais bairros paulistanos

onde agem de modo intenso o setor do mercado imobiliário, com destaque para

empreendimentos habitacionais.

A intensa atuação do mercado imobiliário no bairro remonta ao início dos

anos de 1980, sendo intensificado nos anos seguintes, quando o bairro, com destaque

para a porção da colina e a Avenida Braz Leme passariam por transformações

consideráveis no tipo de padrão habitacional, isto é, do horizontal para o vertical.

Essas ações dirigidas a certos setores do bairro pelo mercado imobiliário em

consonância com as ações do Estado, sobretudo, na porção da várzea, impactam não

só as transformações no ambiente construído, mas também implicam na valorização

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83

fundiária diferencial, sendo responsável ao mesmo tempo pela contradição entre a

modernização e obsolescência espacial da qual o bairro passa.

Santana vem apresentando nos últimos anos crescimento demográfico

negativo (Tabela 1.5.) - 1980/91 (-0,09%), 1991/2000 (-1,10%) e 2000/2010 (-

0,48%), sendo essa realidade também constatada em inúmeros distritos situados na

zona norte da capital71.

Tabela 1.5. – População / Santana (1950-2010)

Fonte: PMSP / IBGE, 2013 / Org. André V. M. Gonçalves

Das atuais condições demográficas duas chamam a atenção. A primeira é

relativa à densidade demográfica (Figura 1.11). Conforme o Censo 2010 do IBGE,

nota-se que a maior relação de habitantes por km² fica situada no Alto de Santana

(área de transição e colina).

71

Consultar: ttp://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/htmls/7_populacao_recenseadataxas_de_crescimento_1980_701.html

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84

Figura 1.10. Densidade Demográfica – Santana (2010)

Fonte: IBGE, 2010

Na porção da baixada, similar à colina temos na poção leste – antiga área de

intervenção do Projeto Cura72 e na porção oeste – Avenida Braz Leme e adjacências

também uma densidade demográfica elevada por km². Porém, dado às características

de uso comercial e prestação de serviços à porção da várzea apresenta menor

densidade demográfica em comparação com a colina.

A segunda condição no tocante as características demográficas do bairro de

Santana, diz respeito à distribuição da faixa etária. Santana é um bairro com população

com idade acima de 60 anos que perfaz 20% do total das demais faixas etárias. No

município de São Paulo esse percentual é de 12%.

A população com mais de 60 anos ou mais, prevalece com maior

intensidade nas áreas com edificações que apresentam quadros de obsolescência

72

O Projeto Cura que se trata de uma intervenção urbana no bairro será analisado no capítulo dois.

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85

espacial das edificações. O que deve ser salientado é que essas áreas são aqueles

previstas no Projeto Cura dos anos de 1970 e na Operação Urbana Vila Maria –

Campo de Marte, e que será analisado no capítulo dois.

A partir das reflexões e considerações expostas nesse capítulo,

compreende-se que discutir a obsolescência urbana enquanto conceito e realidade

espacial permite confrontar as ações conduzidas pelo poder público e iniciativa privada

na cidade que ocultam os processos do porquê temos em São Paulo e aqui

especificamente Santana, áreas sendo “jogadas” naquilo que se convencionou chamar

de deterioração urbana. De modo mais específico, trataremos dessa problemática nos

capítulos seguintes.

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87

Capítulo 2

A lógica do planejamento urbano como nutriz do processo da obsolescência

espacial urbana

A nossa intenção ao discutir a obsolescência espacial urbana, nesse

capítulo, é trazer a tona as formas e ações historicamente (passado e presente)

conduzidas pelo poder público e como elas atuam direta e indiretamente na construção

do processo.

Falarmos de Mundo, hoje, significa automaticamente nos remeter a cidade

capitalista, pois é nela que encerra parte considerável de toda realidade social, politica,

econômica e cultural. É na cidade que a realização da vida se efetiva em todas as suas

escalas e aqui se inclui a própria reprodução do capital. A cidade não é somente

suporte para as forças produtivas do capital, ela em si mesma é também força produtiva

na sua totalidade (HARVEY, 1980; LEFEBVRE, 2001).

Lugar de reprodução e realização da vida, lugar e reprodução do capital e

em si mesma na sua totalidade também um modo de vida urbano, a cidade nessas

dimensões é permeada por um conflito diário. De um lado as emergências e demandas

internas da cidade e de sua população, e de outro, numa relação desigual e combinada

às exigências da reprodução do capital que nem sempre convergem com aquilo que a

população clama, mas essa o tempo todo é levada através do ideário capitalista, a crer

que seus interesses, suas necessidades estão na mesma ordem dos imperativos do

capital.

Na realidade urbana, há pouquíssimos aspectos da produção e do consumo

que não estão profundamente imbricados com as políticas de Estado (HARVEY,

200573). No sentindo de exercer a administração sobre o território, o Estado Capitalista

“uma forma independente”, que surge da “contradição entre o interesse do indivíduo e

73

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo, Annablume, 2005.

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88

da comunidade74”, possuí amplo conjunto de normas, leis, aparelhos ideológicos e

repressivos e que, via suas instituições, lhe permite ao mesmo tempo ordenar a cidade

do ponto de vista do uso do solo por parte de toda a sociedade, organizar e mobilizar a

cidade e seus habitantes a partir das demandas dos agentes econômicos e suas

necessidades de produção. Também, atua como “mediador” ou regulador das lutas de

classes garantindo a estabilidade da ordem social75.

Porém, do ponto de vista prático o Estado capitalista atua para manter a

estrutura de classes e minimizar conflitos sociais. O atendimento das necessidades de

diferentes frações de classes depende das forças sociais em disputa e principalmente

da direção dos blocos no poder (POULANTZAS, 1971).

Harvey76 argumenta que:

Através dos aparatos e instrumentos ideológicos de Estado os interesses de classe são capazes de ser transformados num interesse geral ilusório, pois a classe dirigente pode, com sucesso, universalizar suas ideias como ideias dominantes [...]. As ideias dominantes têm que ganhar aceitação como representantes do interesse comum, precisa ser apresentadas como idealizações abstratas, como verdades eternamente universais [...] como se tivessem uma existência autônoma. As noções de justiça, direito, liberdade são apresentadas como se tivessem um significado independente de qualquer interesse de classe específico.

A cidade aparece como uma objetivação da ação do Estado já que esta na

sua totalidade material e imaterial tem sido um instrumento de alienação fundamental

na constituição das estruturas do capital e de sua reprodução.

Para que a dimensão ideológica do Estado ganhe materialidade ele deve

garantir a todos os sujeitos, capitalistas e trabalhadores “um sistema legal que abrange

conceitos de propriedade, indivíduo, igualdade, liberdade e direito, correspondente às

relações de troca sob o capitalismo” (HARVEY, 2005, p.83).

74

Ibidem, p.79 75

Poulantzas (1971) 76

Ibidem, p.81

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89

Nesse sentido, Harvey77 esclarece que no modo de produção capitalista

muitas das instâncias criadas socialmente e avalizadas pelo Estado pressupõe garantir

a engrenagem do sistema. Entre as instâncias mencionadas destacam-se: i) os

conceitos de pessoa jurídica e pessoa física ao mesmo tempo em que eliminam

qualquer possibilidade de laços de dependência pessoal são livres “para entrar em

conflito entre si e se envolverem em trocas dentro dessa liberdade”; ii) um sistema de

direito e garantia da propriedade privada que garante aos indivíduos obterem o

controle sobre os valores de uso, porém para tanto isso se realiza o valor de troca; iii) a

adoção de um padrão comum de valor de troca, no caso o dinheiro que “avaliza” que os

indivíduos se abordem no mercado como iguais, isto é, o dinheiro funciona como um

nivelador entre os sujeitos, e iv) no sistema de troca através da dependência mútua

forjada na relação entre pessoas físicas e jurídicas viabiliza a reprodução do capital,

dos recursos e dos indivíduos e contraditoriamente separa os interesses privados das

necessidades sociais, surgindo nessa última instância um “poder alienígena”, no caso o

Estado, sobre os indivíduos (HARVEY, 2005, p. 82-83).

Essas instâncias balizadas nos ideários da igualdade e liberdade

asseguradas pelo Estado, e através do conceito de propriedade privada, naturalizam as

relações e os papéis exercidos pelas pessoas no sistema.

Cabe ao Estado, nesse campo dos conflitos entre classes, garantir como

agente mediador que a ordem social se mantenha. Ao intervir o Estado que age em

nome de todos objetiva a manutenção da ordem social capitalista e de suas relações

sociais.

Essa ordem social passa necessariamente pela manutenção da produção –

circulação - troca – consumo que garante em tese o “equilíbrio” de reprodução do

capital. Nesse sentido, a mediação realizada pelo Estado procura na sua essência a

resolução dos conflitos via a manutenção e regulação da competição e estabilidade do

mercado e a regulação da exploração da força de trabalho através, por exemplo, da

77

Ibidem.

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90

legislação trabalhista e, “geralmente estabelecendo um piso sob os processos de

exploração e acumulação capitalista” (HARVEY, 2005, p.85).

O Estado capitalista além dessa mediação exercida de maneira contraditória,

que é aceita e reproduzida socialmente, deve ofertar e promover um conjunto de bens

públicos e de infraestruturas que sejam capazes de garantir o “bem-estar” social, e,

sobretudo, garantir através desses conjuntos dos quais nenhum capitalista individual

acharia possível prover os requisitos necessários para a produção e troca capitalista.

No que tange o planejamento urbano em São Paulo via o Estado e, nome da

PMSP, trata-se de uma condição a ser analisada, em função daquilo que ele intensifica

e não promove, ou seja, uma cidade cada vez mais desigual e cada vez menos justa

socialmente.

Na cidade de São Paulo, parte considerável das ações e a aplicação de dos

recursos por parte do Estado, lê-se prefeitura, são orientados e direcionados em função

dos interesses e necessidades das grandes firmas e dos agentes econômicos, em

especial, aqueles ligados ao setor imobiliário, que assentados na lógica da cidade

global, da economia neoliberal e do comércio internacional acabam por criar espaços e

territórios específicos na cidade contrapondo-se as suas necessidades internas. Como

exemplo a ser citado, raramente se observa na cidade de São Paulo o sentido inverso

da atuação do Estado e de seus planejadores, o de priorizar as áreas mais pobres,

como as situadas na zona leste e extremos sul e norte.

Do ponto de visto teórico conceitual, há um intenso debate e divergências

sobre aquilo que se denomina de cidade global, bem como quando entramos no âmbito

da definição e reflexão sobre de um lado globalização e de outro mundialização da

economia, e como isso redunda no tocante a certas reflexões sobre a realidade de

metrópoles como São Paulo.

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91

O conceito de cidade global, que em nosso entendimento oculta78 os

processos relativos à dinâmica espacial, está relacionado às mudanças verificadas na

transição do modelo fordista de produção para a acumulação flexível. Mudanças essas

inicialmente sentidas de modo mais intenso nas grandes metrópoles do primeiro

mundo, a partir do final dos anos de 1970 e entre o final dos anos de 1980 e começo

dos anos de 1990 nas metrópoles dos países ditos subdesenvolvidos.

As alterações dos paradigmas do sistema capitalistas teriam conduzido à

economia e a centralidade das metrópoles dos países desenvolvidos e

subdesenvolvidos a uma aparente situação de crise79. No sentindo de superar essa

crise, sob a lógica de uma eficiência econômica neoliberal, cada vez mais os

responsáveis pelo planejamento urbano são chamados a transformar e modernizar não

a totalidade da cidade, mas sim certos fragmentos territoriais de modo que os grandes

agentes econômicos possam obter o máximo de benefícios para a realização de seus

negócios.

Essa modernização seletiva, engendrada pelo Estado e pelos agentes

econômicos, ao mesmo tempo em que ocorria em pontos específicos de São Paulo, em

especial, a partir dos anos de 1970/80, inicialmente em direção à região da Avenida

78

De acordo com Carvalho (2000), observando esse processo de formalização, ao que parece o conceito de cidade global vem sendo construído negando não só a especificidade histórica das metrópoles, mas a própria condição de ser metrópole das grandes cidades, o que explica, a partir de um determinado momento, a substituição que tem sido feita atualmente de um termo pelo outro, quando se trata de discutir os problemas urbanos. Negar as metrópoles em favor da cidade global é optar pela perspectiva sincrônica por oposição à diacrônica, pela perspectiva que enfatiza as verticalidades por oposição às horizontalidades, ou, dito de outra forma, por uma concepção de cidade que se define exclusivamente pela relação com a ordem global, deixando para trás, ou secundando, a ordem local. Para compreender as implicações dessa opção, importa retomar a questão da segregação urbana que acompanha a definição do conceito de cidade global. 79

Ao usarmos uma aparente sensação de crise nos remetemos às condições e transformações socioespaciais pelas quais passaram as áreas centrais que das metrópoles como, por exemplo, Nova York, Londres e Chicago, entre o final dos anos de 1960 e ao longo dos anos de 1970 e 1980, e que no discurso burguês entraram em processo de decadência e ou de deterioração, como se esse questão fosse naturalizada, ignorando intencionalmente a dinâmica dos agentes voltados a reprodução do capital, em especial em relação ao solo urbano e suas especulações imobiliárias. No caso da cidade de São Paulo isso fica patente com as condições que a região central (centro novo e velho) passará a vivenciar em especial a partir dos anos de 1970 quando naquele momento uma nova “centralidade” passa a se efetivar, no caso a Avenida Paulista. Consultar FRUGOLI Jr (2000) e ALVES (1999) a despeito do assunto.

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Paulista, e, posteriormente, em direção ao centro empresarial situado em diversas

áreas da região sudoeste, acabou por intensificar ainda mais a fragmentação espacial

da cidade, notadamente com a expansão cada vez mais célere de áreas e bairros

periféricos.

Entretanto essa modernização seletiva também ocorre em direção a bairros

tradicionais da cidade como é o caso de Santana, onde ao longo dos últimos 30 anos

em nome da revitalização urbana do bairro se estabeleceu um mosaico espacial

formado por diversas realidades e conteúdos sejam eles habitacionais, sejam eles

econômicos e que se revelam em áreas ou ambientes construídos modernos que se

contrastam com ambientes envelhecidos e obsoletos e o qual explicitaremos melhor,

sobretudo, no capítulo três.

Em relação à revitalização urbana, cabe aqui uma breve pontuação. Em

geral, a literatura que tratam do assunto requalificação, revitalização, renovação,

intervenção, restauração, reabilitação são usados indistintamente, como se fossem

sinônimos. Aqui se evita o uso dos termos restauração, reabilitação e renovação por

entender que essas medidas ocorrem em raras situações na Metrópole São Paulo.

Restauração, renovação e reabilitação urbana de acordo com Ascher & Girard (1976)

não significa a supressão total de construções antigas, mas repô-las (ou colocá-las) em

boas condições.

Em que pesem eventuais críticas ao termo revitalização, visto que pode-se

considerar que os lugares já são dotados de vida, logo não haveria que se falar em

revitalizar, entendemos que essa ação, bem como em relação a requalificação significa

a substituição da vida do lugar através de um conjunto de medidas que visam a criar

nova vitalidade, dar um novo grau de eficiência espacial.

Em outros termos, por revitalização/requalificação urbana se entende como

prática intervencionista do Estado, em parceria com a iniciativa privada, para destruir

um determinado setor ou lugar da cidade selecionado para que em médio e longo prazo

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venha-se instaurar novas infraestruturas urbanas, novos eixos de circulação, novas

construções dotadas de novas tecnologias a fim de servirem as novas modalidades e

setores econômicos conforme os ideários internacionais. Baseada em demolições e em

transformações brutais do ambiente construído, em geral as intervenções urbanas

seguidas pela requalificação/revitalização significa também expulsar a população local.

A absorção de São Paulo pelos paradigmas de cidade global e do

neoliberalismo foi possível de constituir internamente, via mecanismos de revitalização

e/ou requalificação urbana, novas centralidades capazes de emitir comandos a uma

nova realidade de uma economia mais flexível e globalizada. Simultaneamente, essa

mesma cidade, em sua totalidade, intensificou problemas como o despovoamento da

área central e consolidada, grande crescimento demográfico e físico na periferia e nas

áreas de proteção ambiental, obsolescência das edificações, deterioração do espaço

público, grande número de favelas e loteamento clandestinos, áreas carentes de

infraestrutura, transporte e equipamentos sociais, longo tempo de deslocamento casa-

trabalho e irregularidade no uso e ocupação do solo (BONDUK, 2012).

Ao analisar o planejamento urbano podemos entender que a:

Teoria subjacente a este planejamento é toda ela, ou quase toda, muito mais uma ideologia que uma teoria. De teoria tem apenas a forma, não é baseada na realidade vivida e o resultado de sua aplicação é o oposto de suas promessas. Sendo ideologia, porém, é responsável pela construção de novos espaços e pela reformulação do espaço urbano atual (MILTON SANTOS, 1994, p.138).

Fato é que na cidade de São Paulo, nas suas mais diversas escalas, sejam

elas relativas aos sistemas de ações e sistemas de objetos de todas as ordens, o que

se tem é uma sobreposição espacial, conjuntos concebidos em tempos pretéritos e

atuais que convivem mutuamente de modo conflitante e complementar. O primeiro

acaba por se sobrepor ao segundo, ou seja, na medida em que os conflitos se

intensificam a dimensão da complementariedade entre o velho e novo tendem a ser

eliminadas em nome do novo.

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O problema central, que nos colocamos a título de reflexão, é como o

planejamento urbano passado e atual, esse conduzido a partir dos paradigmas da

cidade global e do neoliberalismo, acabam por se constituir como um dos fatores no

processo de obsolescência espacial urbana.

Para tanto, se faz necessário resgatar e refletir alguns pontos relativos ao

planejamento urbano e as intervenções estatais em São Paulo promovidas

efetivamente e em discurso pela prefeitura e a relação desses com o bairro de Santana

no sentindo de compreender a intensificação na realidade cotidiana do binômio da

modernização-obsolescência espacial no bairro.

No Brasil, o planejamento territorial dos municípios, trabalha com um

planejamento tecnicista (tradicional) ou com elementos do planejamento estratégico,

mas, a maioria dos municípios não possuem qualquer modelo ou tipo de planejamento,

ficando as intervenções do executivo municipal limitado a projetos e ações dispersos,

isolados e, em muitos, casos assistencialistas.

O planejamento seja ele de que ordem for, tem a marca genética da

exclusão, da não-participação e da ausência absoluta de controle social sobre seus

meios e fins.

Ao não levar em consideração a formação e o processo de reprodução do

espaço, a dimensão do capital e a dimensão da luta de classes dentro dos limites de

um Estado capitalista torna-se praticamente impossível realizar a leitura e reflexão da

totalidade das problemáticas e desafios relativos à cidade, bem como fica fragilizado

qualquer recorte dessa totalidade como as chamadas intervenções urbanas, objeto de

análise deste estudo. Nesse sentido, tentaremos fazer uma análise que contemple a

totalidade.

Se por um lado as intervenções urbanas são justificadas por discursos muito

bem elaborados, por outro lado, e ao mesmo tempo, só podem ser compreendidas pela

lógica da alteração do uso do solo de uma dada área - essa claramente conduzida e

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atrelada a projetos e possibilidades de acumulação por parte da iniciativa privada, e

mais exatamente pelos agentes que compõe todo escopo do mercado imobiliário.

Em São Paulo, parte das ações e projetos da prefeitura é direcionada as

áreas ditas deterioradas e ou degradadas às quais denominamos de obsoletas, pois o

termo obsolescência não só rompe com a ideia de naturalidade da deterioração ou

degradação, bem como ele possibilita o diálogo e reflexão com o seu contrário, isto é,

as áreas modernas. Além disso, ele se remete a um processo quando se traz a

realidade do espaço geográfico enquanto mercadoria.

Em outros termos, quando nos deparamos com os argumentos que

procuram justificar as operações e intervenções urbanas, como é o caso da Operação

Urbana Carandiru-Vila Maria, o termo deteriorado ou degradado, a resolução desse

problema passa automaticamente pela eliminação de tais condições via a soma entre

as ações da esfera pública através de mecanismos administrativos, jurídicos e

infraestrutura e as ações conduzidas pelos agentes econômicos do mercado imobiliário,

que encontram nessas áreas novos nichos de possibilidades de negócios e destes em

direção ao lucro.

Essas intervenções, entretanto, não podem ser dissociadas do

neoliberalismo adotado como ideologia de superação dos problemas e consequente

desenvolvimento do país. Assim sendo, constata-se mudanças no perfil das atividades

econômicas, passando as grandes cidades a abrigar com mais ênfase empresas

especializadas na prestação de serviços, em geral, ligadas ao setor financeiro e de

informação, que tem origem em grandes grupos econômicos. Trata-se de um

redimensionamento do setor terciário que tem como característica principal acompanhar

as mudanças generalizadas na economia mundial.

A partir dos anos de 1950/60, em busca de um projeto de desenvolvimento

econômico para o país, notadamente marcado por um modelo político centralista e

autoritário, por um modelo econômico extravertido e por um modelo social injusto

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(MILTON SANTOS, 1994), cidades como São Paulo, do ponto de vista do

planejamento, adotavam o modelo de planejamento de ordem tecnicista e tradicional,

sobretudo dos anos de 1970 em diante. Por parte dos técnicos responsáveis por esse

modelo havia uma postura de isolamento em relação à população, ignorando

intencionalmente a cidade em suas verdadeiras demandas, o que direta e indiretamente

acabava por ir em direção aos interesses das classes dominantes.

De acordo com Saboya (2007), o planejamento tradicional possui como

elementos ou características as seguintes condições:

Classificavam o solo urbano segundo usos e padrões de ocupação;

Eram elaborados de forma tecnocrática;

Impunham normas predominantemente aos agentes privados;

Regulavam o uso do solo e formas de crescimento urbano através do

zoneamento;

Eram de alta complexidade por conta da visão tecnocrática;

Tratavam a cidade como objeto puramente técnico, onde a prioridade era apenas

estabelecer padrões de qualidade para seu funcionamento;

Não reconheciam as dimensões dos conflitos espaciais, sociais e econômicos;

Não reconheciam a desigualdade das condições de renda e seus reflexos na

formação do tecido urbano e do mercado imobiliário;

Idealizavam um projeto de cidade a ser concretizado num horizonte de tempo

incerto;

Possuíam normas urbanísticas e de uso de solo excessivamente rígidas;

Por ignorarem a cidade “Ilegal”, acabavam acentuando a separação entre esta e

a cidade “legal”;

Davam pouca consideração aos aspectos financeiros de implementação do

plano.

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O espaço da cidade, na visão dos planejadores, concentrava-se em sua

forma material e física, permitindo ao capital sua apropriação de tal modo que ignorava

em todos os sentidos a cidade como lugar e condição das práticas imediatas da vida,

como obra das relações sociais estabelecidas ao longo do tempo histórico. Em outros

termos, a lógica do valor de troca em seu sentindo geral acaba por se sobrepor ao valor

de uso tendo como resultado um espaço que produzido socialmente, na contradição do

sistema acaba por ser apropriado de modo particular pelos interesses do mercado

capitalista

Na medida em que as áreas mais antigas das cidades passaram a ser objeto

de ação do mercado imobiliário, suas configurações territoriais traduzidas pelas

edificações e infraestrutura se transformaram no ideário burguês como deterioração

urbana. Daí a justificativa na necessidade de sua “renovação” tendo no Estado o

principal avalizador desse processo.

O planejamento urbano e as intervenções realizadas procuram no decorrer

de suas ações ocultar essa operação, transvestido de um discurso do bem comum do

coletivo, da modernização, do desenvolvimento urbano. No entanto, a real

intencionalidade da ação é o domínio do espaço no sentindo da manutenção da taxa de

lucro médio do capital. O momento em que o planejamento tradicional e tecnocrático

predomina na Metrópole São Paulo, a cidade vivencia um período de transição que até

a década de 1970 a atividade industrial era a principal fonte de geração de capitais, o

motor da economia paulistana e de sua região metropolitana. Então, é nesse período

que se observa um processo de desconcentração industrial na cidade e na RMSP,

segundo Diniz; Santos (1995, p. 209). É preciso destacar que os autores trabalham

esse movimento de perda da atividade industrial como um fenômeno que ambos

denominam de reversão da polarização.

Em que pese o fato dos autores apresentam dados sobre a desconcentração

industrial, que de fato ocorreu, não concordamos com a tese de reversão da

polarização, por entendermos que a cidade de São Paulo, atualmente, configura-se

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como uma centralidade de gestão de negócios. As sedes das empresas permanecem

em boa medida na capital paulista, reforçando o papel de polarização desempenhado

por São Paulo na economia nacional. Além disso, São Paulo permanece como o

principal centro econômico do país. Conforme exposto no capítulo um, de acordo com o

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em estudo relativo ao Produto

Interno Bruto dos Municípios 2010, São Paulo situa-se na primeira posição com 12% na

participação do PIB brasileiro. Na década de 1970 o governo federal através do II Plano

de Desenvolvimento Nacional80 iniciou um projeto de que procurava, por meio de

investimentos diretos e isenções fiscais e tributárias, incubar e desenvolver atividades

industriais em outras localidades do país.

No plano estadual paulista, o governo procurou utilizar-se do mesmo

procedimento. Contudo, sem os incentivos fiscais e financeiros verificados na esfera

federal, ficando a cargo dos municípios do interior paulista os investimentos diretos e

indiretos, para subsidiar a vinda de capital produtivo.

Ao mesmo tempo, a partir desse quadro se verificava mudanças e quedas

graduais na cidade de São Paulo do ponto de vista de sua participação no PIB nacional,

com a transferência de indústrias para o interior paulista e outros estados.

No contexto internacional, na década de 1970 a flexibilização da atividade

produtiva industrial passava a vigorar a partir de alterações dos parâmetros fordistas de

produção. De acordo com David Harvey (2000, p. 135):

De modo mais geral, o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhores apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de

80

Em relação ao II Plano de Desenvolvimento Nacional, consultar Gremaud; Pires (1999) e Schiffer (1989).

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consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho [...].

Além das mudanças na estrutura econômica paulistana, a cidade de São

Paulo sofria sucessivas alterações no tocante ao padrão do uso do solo em relação às

edificações residenciais e comerciais via o processo de verticalização. Obsoleta

espacialmente para os interesses do capital, a região central de São Paulo, conforme

mencionado no capítulo anterior, até a década de 60/70 abrigava as principais sedes de

empresas, setor bancário e financeiro, teve a partir desse período como contraponto a

nova centralidade instalada na a Avenida Paulista.

É também importante destacar que é nesse período que se verifica um

processo que urbanistas denominam de deterioração da área central e de antigos

bairros paulistanos como é o caso de Santana.

2.1. A Problemática do Projeto Cura Santana

Um dos mecanismos adotados pela prefeitura nos anos de 1970 pelas mãos

da Empresa Municipal de Urbanização (EMURB) para “debelar” a deterioração na

cidade de São Paulo foi o Projeto Cura (Comunidade Urbana de Recuperação

Acelerada). Adotado em escala mundial, a concepção do Projeto Cura foi marcada a

partir das intervenções urbanas que tinham como discurso revitalizar bairros e áreas

nas cidades, como foi o caso de Santana. Entretanto, esse projeto acabou por ser o

responsável por parte da atual condição de obsolescência espacial em certas áreas do

bairro.

Esse período na cidade de São Paulo é marcado pela implantação do Metrô

iniciado pela construção da sua malha a partir da construção de linhas, estações e

outros equipamentos operacionais, em especial, na linha norte – sul.

Segundo Anelli (2007), em 1973 a Prefeitura de São Paulo aderiu ao

programa Comunidades Urbanas de Recuperação Acelerada – CURA, do Banco

Nacional de Habitação – BNH. Santana, Jabaquara, Vila das Mercês e Itaquera

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inicialmente foram selecionados para receber o projeto. A EMURB definida como

coordenadora do programa elaborou diretrizes para as quatro áreas, porém, foi

colocado em prática apenas os projetos relativos à Santana e Jabaquara. Em 1975, o

novo prefeito da cidade, Olavo Setúbal (1975-79), redefiniu as prioridades do Projeto

Cura e inseriu também como área de ação do CURA um trecho ao longo das estações

metroviárias Brás e Bresser no sentindo de concentrar os investimentos do BNH .

O Projeto Cura proposto na esfera federal e absorvido pela esfera municipal

possuía como diretrizes gerais o fomento de políticas urbanas que conferisse maior

grau de eficácia e de racionalidade ao Estado no processo de evolução urbana do país

(Fernandes, 200381, p.101).

Especificamente o Projeto Cura se pautava nas seguintes diretrizes82:

Recuperação intensiva de loteamentos e de bairros de uma cidade, desocupada

e com baixa densidade;

Investimentos públicos e privados que complementassem e aperfeiçoassem os

serviços de infraestrutura e os equipamentos urbanos e comunitários das áreas

delimitadas;

Desenvolvimento e aplicação de uma política fiscal que viesse deter a

especulação imobiliária estimulada pelos investimentos.

Concomitante a ação do governo estadual na viabilização do metroviário

paulistano, a EMURB colocou em prática inúmeros projetos de reurbanização através

dos Planos de Renovação Urbana, e como destaque o Projeto CURA que

diferentemente do antigo modelo de planejamento urbano, que era mais pontual no

território da cidade, tinha como meta privilegiar certas áreas tidas como possíveis

centros polarizadores de desenvolvimento das áreas adjacentes.

81

FERNANDES, Beatriz Leocádia. Projeto Cura em Santana: O racionalismo tecnocrático e o direito à cidade em questão, 2003. 82

Consultar Fernandes (2003) e Zanetti (2005).

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O objetivo central da EMURB visava que a prefeitura viesse a obter ganhos

com a valorização imobiliária decorrentes da implantação do sistema metroviário em

São Paulo. Para tanto, a empresa municipal atuou em conjunto com a Companhia do

Metrô do Estado de São Paulo, desapropriando as grandes áreas envoltórias das

estações e linhas, planejando reurbanizações que permitissem a sua comercialização

com lucros que amortizassem os elevados custos de implantação da rede83.

Os planos desenvolvidos que tendiam abarcar aspectos físicos – territoriais,

bem como econômicos e sociais, em função da dimensão tecnocrática que procurava

abranger o todo, acabavam por não ter funcionalidade alguma na prática o que

possibilitava por parte dos gestores de tais planos ignorá-los se não completamente,

torná-los instrumentos fictícios ou de fachada, ou seja, os investimentos e obras

públicas tendiam a seguir em direção diferente da planejada, o que acabavam por

atender aos anseios dos agentes econômicos atuantes na especulação imobiliária e na

produção de valores de trocas que viessem atender seus interesses.

O Projeto Cura Santana foi o primeiro a ser anunciado no ano de 1973. De

acordo com Fernandes84, a década de 70 foi para Santana um momento de grandes

transformações no que tange ao uso e ocupação do solo, destacando-se alterações nas

atividades econômicas locais (comerciais e prestação de serviços), bem como uma

nova dimensão nas práticas e vínculos sociais do bairro, dado, em especial, ao

processo de verticalização na região, fato também destacado por Souza (1994).

No tocante ao Projeto CURA a EMURB (1971-73 apud Zanetti, Valdir Zonta,

2005, p. 229) defendia que:

[...] os projetos de renovação permitirão que o poder público usufrua da valorização proporcionada pelo empreendimento, além de polarizar a utilização mais adequada para o local. Permitirá também beneficiar maior parcela da população, inclusive aquela desalojada pelas desapropriações, abrigando-a nessas áreas de grande acessibilidade.”

83

HECK, Eneida Regina Belluzzo Godoy. A EMURB como instrumento de planejamento urbano em São Paulo 1971-2001. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU-USP, 2005.) 84

Ibidem.

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A lógica explicitada pelo poder público municipal viria expor de maneira

contundente que os caminhos de organização do território e da sua dinâmica espacial,

seria em tese e na prática conduzidas pelo mercado imobiliário. Se essa realidade não

se efetivou de modo substancial na área de abrangência do Projeto Cura, foi a porta de

entrada para as construtoras lançarem-se em direção a região do alto de Santana,

tendo como foco a classe média e essa “amparada” pelo crédito imobiliário oriundo do

BNH - Banco Nacional de Habitação.

A proposição de uma intervenção via Projeto Cura por parte da prefeitura em

Santana (Figura. 2.1.), seria desencadeada pela efetivação do metroviário em São

Paulo, sendo Santana uma das pontas terminais do sistema. De acordo com

Fernandes85, o projeto se pautava:

Segundo o discurso oficial, pela futura emergência de novas demandas advindas do redesenho do serviço de transporte público de passageiros na capital requerido pela introdução de um sistema de alta capacidade. Entre outros aspectos, pontuava-se o papel polarizador das Estações Terminais de Santana e de Jabaquara, acentuado pela necessária integração com o modal rodoviário. Tratava-se, em linhas gerais, de uma política de urbanização dirigida tendo como propósito a estruturação de polos comerciais descentralizados na cidade, articulados a um projeto de adensamento populacional, canalizando-se os impactos gerados pelas estações terminais para uma intervenção planejada, privilegiando-se a implantação de equipamentos públicos, serviços urbanos, blocos residenciais e comerciais.

Historicamente, a intervenção urbana na realidade brasileira se caracteriza

pela desapropriação e demolição em larga escala. Nesse sentindo, Maricato (2002, p.

124) esclarece que as intervenções se definem como:

[...] uma ação cirúrgica destinada a substituir edificações envelhecidas, desvalorizadas, que apresentam problemas de manutenção, por edifícios novos e maiores que, invariavelmente, são marcados por uma estética pós – modernista. Frequentemente [...] se dá com muita demolição e remembramento das parcelas de terrenos existentes, acompanhada de uma intensificação da ocupação do solo.

85

Ibidem, p.35

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A intervenção urbana em Santana se pautou por um conjunto de trâmites

técnicos burocráticos e políticos, esse último envolvendo prefeitura e câmara dos

vereadores (situação e oposição), e desencadeou junto aos moradores do bairro, isto é,

junto aos proprietários dos imóveis situados na área delimitada para a implantação do

projeto, um movimento de resistência e contestação. A população local expressava o

quanto o projeto intervencionista amparado no discurso de transformação de uma área

desorganizada, com baixa ocupação demográfica e desprovidas de mínimas condições

de habitabilidade ignorava por completo a realidade.

Para Zanetti (2005, p.236), as intervenções urbanas na ótica da Emurb:

[...] tratava-se de “uma ação objetivando a modificação das características de ocupação e uso e reestruturação de áreas deterioradas ou com utilização inadequada”. Essa última expressão – utilização inadequada – era difícil de ser assimilada, uma vez que os projetos de renovação urbana eram feitos em caráter de urgência, nos escritórios da burocracia estatal, sem qualquer diálogo com os proprietários. Outro agravante era o grande volume de desapropriações, tardiamente pagas com valores abaixo do preço de mercado, gerando dramas familiares, que pelo grande volume de obras públicas afetariam parcelas significativas da população. (Grifo nosso)

A população de Santana denunciava também os interesses imobiliários na

área dada em função da implantação do metroviário que traria uma valorização

imobiliária na área beneficiando tão e somente os agentes do setor imobiliário.

De acordo com Fernandes86, a área da intervenção urbana inicialmente

ficaria circunscrita no entorno da futura estação do metrô de Santana, compreendendo

cerca de 714 hectares, tendo como área delimitada ao norte, o início das escarpas da

Serra da Cantareira (Rua Conselheiro Saraiva e Chico Pontes); ao sul, o Rio Tietê

(Avenida Morvan Dias de Figueiredo ou Marginal); a oeste, o Campo de Marte (Avenida

Santos Dumont); a leste, Vila Maria (Rua da Divisa e Rua Apareíba), com 400 imóveis,

sendo desse total, 300 imóveis voltados ao uso residencial.

86

Ibidem, p.54

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Figura 2.1. Abrangência do Projeto Cura em Santana

Fonte: Emurb/PMSP apud FERNANDES (2003)

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105

Apesar da contestação dos proprietários dos imóveis situados na região

afetada e da oposição de alguns vereadores que se colocavam contra o projeto, a

prefeitura além da defesa deste argumentava que diferentemente de outras

intervenções urbanas que beneficiava somente a esfera privada, em especial, o setor

imobiliário, chegava à vez de a municipalidade obter lucros mediante ao

desenvolvimento e implantação de projetos urbanísticos.

Fernandes87 coloca em dúvida se o possível lucro resultante da aplicação e

provável valorização imobiliária na área e imediações poderia de fato ser revertido à

população afetada pelo projeto. Por parte da EMURB, previa-se, pelo menos em

discurso, que as pessoas residentes na área teriam o benefício de se instalarem nas

novas edificações que seriam executadas por empresa particular contratada. Essa

proposta que seria uma alternativa à indenização em dinheiro aos moradores era

também questionada. Além de ferir o preceito da propriedade privada, de acordo com o

movimento, as indenizações não condiziam com o real preço de mercado, bem como

com a valorização futura pela qual a área iria passar.

Ressalta Fernandes88 que tal medida não levava em conta aspectos que não

eram passíveis de ser mensurados economicamente, pois o projeto em nome de uma

modernização não previa o impacto em relação aos vínculos criados com o bairro, as

desestruturações das relações sociais, fossem elas familiares ou de amizade, das

práticas imediatas da vida, como o ir e vir, que na cabeça dos burocratas (públicos e

privados). De acordo com Fernandes89:

O processo de discussão do Projeto de Lei nº 172/72 contribuiu para proporcionar uma compreensão preliminar sobre a noção de bairro contida no discurso dos parlamentares, assim como sobre as prerrogativas conferidas à Câmara dos Vereadores e à Prefeitura Municipal no âmbito da proposição e execução de políticas públicas para a cidade.

87

Ibidem. 88

Ibidem. 89

Ibidem, p.91

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106

Dessa discussão travada na Câmara dos Vereadores se destacariam dois

grupos. Um francamente favorável à manutenção das tradições do bairro, e outro na

defesa de uma cidade moderna, em que se considerava que as tradições prejudicariam

o desenvolvimento da cidade.

Os moradores não questionavam o progresso da cidade, mas sim o

progresso à custa ao que eles chamavam de medidas desumanas, dado que no

entendimento desses havia uma violação quanto ao direito à propriedade privada, bem

como após a efetivação da intervenção e a consequente valorização da área, dado ao

perfil socioeconômico da população local, pudesse ser um impeditivo da permanência

desses na região.

Com a aprovação do projeto de lei pela Câmara dos Vereadores também se

intensificou a mobilização popular centrada na impetração de mandatos preventivos de

segurança contra a Prefeitura de São Paulo (Fernandes: 2003 p. 96), mas que no

decorrer do tempo perde força.

A EMURB contratou uma empresa de consultoria para iniciar um estudo de

campo e a viabilidade técnica do projeto em Santana. De acordo com a contratada:

As informações colhidas pela pesquisa de campo fundamentaram a indicação das proposições que nortearam a concepção do projeto de desenvolvimento da Área CURA Piloto de Santana. Em linhas gerais, este estudo apresentou um conjunto de informações que contribuíram para o entendimento da evolução urbana local, e, mais especificamente, detalhou a distribuição espacial residente, assim como a localização do conjunto de atividades industriais, comerciais e de prestação de serviços, além de indicar as inadequações da infraestrutura instalada e dos serviços urbanos para a implantação do projeto político no Plano CURA (FERNANDES, 2003, p. 134)

Após o estudo foram propostas as seguintes intervenções (Quadro 2.1.) a

serem realizadas na área delimitada do Projeto CURA Piloto de Santana.

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Quadro 2.1. – Propostas de Intervenção Projeto Cura Santana

Curto Prazo Médio Prazo Longo Prazo

Limpeza urbana Zoneamento Terminal de ônibus Água potável Esgotos sanitários Águas pluviais Iluminação pública Energia elétrica Áreas verdes Quadra 46 Recreação Infantil Centro infantil

integrado Escola de 1º grau Sistema viário local Posto de

bombeiros Canalização de

córregos Sistema viário

principal

Adensamento demográfico

Centro Adm. Municipal

Renovação urbana e

Centro metropol. Secundário

Terminal rodoviário Equipamentos de

saúde Programa

expansão industrial Segurança: Cia de

bombeiros Coleta de lixo e

limp. Urbana Serviços de

infraestrutura Água potável Esgotos sanitários Águas pluviais Iluminação pública Gás encanado

S.I.T.M Vias de circulação

rápida Centro comercial Serviços de

infraestrutura Água potável Esgotos sanitários Águas pluviais Iluminação pública Telefones Transferências: Penitenciárias Campo de Marte

Fonte: Fernandes (2003)

Dentre as intervenções propostas, destacam-se as transferências das

Penitenciárias Masculina e Feminina controladas pelo governo estadual e o Campo de

Marte de responsabilidade e controle do governo federal e que atuam como fatores de

desvalorização da terra, em especial, na região da várzea de Santana, processos que

trataremos especificamente mais adiante e no capítulo três.

Tal intervenção e as diretrizes propostas pelo projeto envolveriam três níveis

de Estado, as instâncias municipal, estadual e federal, o que viria a dificultar o projeto

em função dos diferentes interesses que cada esfera, algo que ainda hoje se faz

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presente, em especial, em função da instância federal, através do Aeroporto Campo de

Marte90.

Das propostas de curto prazo, foi sugerido à prioridade para a reurbanização

da quadra 46 nas imediações da estação do metrô Santana, aprovada em período

anterior ao Projeto Cura. A decisão dessa ação ficaria, de acordo com o discurso oficial

atrelada a urgência da prefeitura em se antecipar aos impactos decorrentes com o

início das operações do Metrô e do papel polarizador que a estação terminal de ônibus

de Santana, controlado pela prefeitura, viriam a exercer para o conjunto da zona norte

da capital.

Essa intervenção inauguraria, na ótica da prefeitura, uma experiência

inovadora para a cidade, pois o projeto previa a participação da iniciativa privada, no

caso, diretamente, construtoras e imobiliárias, isto é, inauguraria as operações mistas

de intervenção na cidade.

O fato é que depois de concretizado a desapropriação dos moradores e a

inauguração na nova Quadra 46 com os empreendimentos previstos e alterados no

decorrer do processo, a EMURB havia, no período de finalização das obras,

propugnado a continuidade do Projeto Cura na Quadra 50 localizada ao lado da Quadra

46 (Figura 2.2), mais exatamente entre as Ruas Alferes de Magalhães, Dr. Ezequiel

Freire, Darzan e Dr. Zuquim. Para tanto, o poder público municipal declarou área de

utilidade pública, gerando protesto e manifestações contrárias dos proprietários, que

impetraram mandado de segurança contra a Prefeitura de São Paulo.

90

Além de ser controlado pelo Governo Federal através da Aeronáutica de acordo com a resolução municipal no. 02/2005 o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – CONPRESP ao considerar o Campo de Marte e a Praça Campo de Bagatelle o valor ambiental, histórico, urbano, arquitetônico e paisagístico, bem como considerando que ambos têm sua origem atrelada à ocupação e urbanização do bairro de Santana abriu processo para tombamento para serem incorporados ao patrimônio histórico da cidade. De acordo com a resolução em seu Artigo 2° - Qualquer intervenção em elementos componentes destas áreas, deverá ser submetida à prévia análise e manifestação do DPH/CONPRESP.

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Figura 2.2. Localização Quadras 46 e 50 – Projeto Cura Santana

Fonte: Google Maps / Organização: André V. M. Gonçalves, 2015

Em 1978, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu ganho de causa à EMURB.

Porém, ao longo da década de 80, face às incertezas e indefinições no tocante as

políticas públicas urbanas muito em função da crise econômica pela qual o país

passava a EMURB perdeu o interesse pelo Projeto CURA.

Todavia, o ganho de causa pela EMURB no STF manteria a área delimitada

inicialmente em 1973 para a Renovação Urbana de Santana “congelada”, em especial,

pela manutenção de um código de zoneamento especial, que dificultava aos

proprietários qualquer modificação mais acentuada nos imóveis.

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110

A área que fora congelada e suas imediações apresenta um nítido quadro de

obsolescência, ou seja, o ambiente construído expõe um efeito perverso resultante de

uma intervenção urbana equivocada.

Na outra ponta da questão, o Projeto Cura Piloto de Santana como um todo

praticamente não foi posto em prática. As obras e intervenções ao longo da área

delimitada foram pontuais, mas alteraram a dinâmica espacial do bairro, em especial,

na porção da várzea. Áreas que inicialmente tinham a previsão de comportar órgãos

públicos foram destinadas ou concedidas através de acordos para a iniciativa privada91.

O proposto adensamento demográfico em números absolutos ocorreu entre os anos de

1970 e 1980, porém a partir dos períodos seguintes declinou. Vale salientar que entre

as décadas de 1970 e 1980 esse adensamento positivo se deu mais em função do

processo de verticalização do Alto de Santana do que em função do Projeto Cura, esse

como já afirmado circunscrito à porção da várzea.

Segundo Arantes (2000, p.21), durante a década de 70 as críticas ao

planejamento urbano estavam circunscritas a sua rigidez, pela inibição e

desvirtuamento das localizações empresariais ótimas, gerando inclusive a deterioração

das áreas centrais das cidades. No caso de Santana, considerando a intervenção

parcial via o Projeto Cura, Fernandes92 afirma tratar-se de uma pseudo-reurbanização.

Porém, entendemos que se tratou de uma reurbanização realizada por meio de uma

série de intervenções urbanísticas que introduziram novos elementos e infraestrutura

urbana no bairro, o que inclusive foi tomado como amenidade pelo mercado imobiliário,

deflagrando um intenso processo de verticalização no alto de Santana e na Avenida

Braz Leme e provocando obsolescência em outras áreas.

O Projeto Cura assentava-se em dois pilares estruturantes, eliminar quadros

de deterioração urbana e absorver, no caso do poder público municipal, a valorização

91

Consultar Fernandes (2003). 92

Ibidem.

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imobiliária decorrente dos investimentos que seriam conforme o projeto, realizados pela

inciativa privada.

A deterioração tal como surge a partir do discurso ideológico do Estado e das

elites, e reproduzido pelas diferentes mídias, arquitetos e urbanistas ligados ao

segmento do mercado imobiliário, pode ser expressa como diz (GONÇALVES, 2006,

p.157):

Território ou zona geograficamente delimitada, definida pela presença, de uma paisagem em estado de ruínas, subutilizada ou utilizada e consumida de modo intenso, não ocorrendo ao longo do tempo manutenções necessárias, apresentando por consequência, um quadro gradativo de degeneração das edificações e da infraestrutura, em especial as de uso coletivo, e que, em geral, essa porção do território, é marcada pelo uso, de uma parcela da população de poder socioeconômico inferior a média desejável no tocante as condições mínimas e ou razoáveis de vida, população essa também marginalizada pelo restante da sociedade em função de seu status jurídico – administrativo, de gênero, racial, e de costumes, de condutas, de organização social, de crenças e valores culturais, que no conjunto são moralmente vistos como decadentes.

Entende-se que é a partir dessa proposição que a atuação do Estado e do

segmento imobiliário se justifica quando se orientam na direção das áreas deterioradas.

Mas, os argumentos produzidos de modo intencional ocorrem justamente para

camuflar ou esconder que essa deterioração é resultado direto da contradição relativas

aos processos de intervenção urbana norteadas pela lógica do mercado.

A partir da adoção de um conjunto de estratégias e medidas aplicadas nas

áreas ditas deterioradas, se revitaliza o “ambiente”, estabelecendo uma nova ou

renovada paisagem, que será ocupada por segmentos da sociedade harmônica com o

ideário do progresso e desenvolvimento balizados pelos capitalistas.

A definição relativa às áreas deterioradas atende a determinados segmentos

da sociedade que recorrem constantemente a um sentimento nostálgico em relação ao

passado da cidade. O passado nesse discurso surge como expressão de “harmonia” e

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“equilíbrio” de boa qualidade de vida. Assim, ao se extirpar a deterioração de um lugar,

coloca-o novamente no eixo, isto é, no caminho do progresso urbano.

O que se entende é que somente será possível avançar nas análises se

houver clareza dos fatores que desencadeiam aquilo que se define como deterioração

urbana, o que preferimos aqui chamar de obsolescência espacial urbana.

Somos enfáticos ao afirmar que não havia deterioração urbana em Santana

quando da proposição e ação do Projeto Cura. Tomando como referência o discurso

em relação à deterioração, esse foi utilizado para justificar o segundo pilar do projeto. A

intenção da prefeitura foi de absorver ou se beneficiar da eventual valorização da área

como forma de amortecer os investimentos que seriam realizados.

Fato é que nem a prefeitura e nem os investidores privados do mercado

imobiliário, contavam com a reação da “comunidade” que ingressou na justiça tendo

como sustenção de sua defesa o direito a propriedade privada e em eventuais acordos

de desapropriação das propriedades receberem conforme o valor de mercado.

Simultaneamente, a Prefeitura e os investidores do mercado imobiliário foram

gradativamente abandonando o projeto. O poder público municipal manteve a área

congelada entre os anos de 1970 até agosto de 200493. Esse congelamento foi crucial

ao longo dos anos seguintes para que a valorização da terra bem como seus eventuais

preços a serem obtidos pelos proprietários, no caso dos imóveis destinados à

habitação, ficasse abaixo da média quando comparadas a realidade da área da colina

de Santana, algo que somente hoje está sendo gradualmente equiparado.

O mercado imobiliário gradualmente, ao abandonar o Projeto Cura, em

sintonia com as “facilidades” de crédito proporcionadas à classe média, direcionou suas

ações para a porção da colina, o alto de Santana e áreas adjacentes, da qual nos

93

A Lei municipal 13.885/2004 que viria estabelecer normas complementares ao Plano Diretor Estratégico de 2002, instituindo os Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras, acabaria também por encerrar a questão judicial entre a PMSP e os proprietários dos imóveis situados na área.

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últimos trinta anos teve e continua a ter seu padrão de uso do solo alterado de

horizontal para o vertical, contrastando com o padrão horizontal que ainda prevalece na

porção da várzea do bairro.

São Paulo, nos anos de 1970 e anos de 1980, através dos ideários do

planejamento tradicional negava a “cidade real” em todas as suas dimensões fossem

elas sociais, econômicas, culturais, políticas e ambientais.

De acordo com Rodrigues (2013, p.121):

O planejamento tenta criar um mundo como ele deveria ser e não como ele é. Propõe metas para o futuro, Trata-se de uma condição da produção compulsiva da modernidade [...]. Tem como meta o desenvolvimento, o progresso. No planejamento tradicional os problemas existentes são tidos como desvios do modelo idealizado, que existe apenas nas matrizes discursivas do saber competente. O planejamento urbano tem como objetivo a cidade ideal, a ocupação harmônica e integrada das áreas urbanas, o progresso, o desenvolvimento das cidades. Raramente há ênfase à cidade real, à vida da população nas cidades.

No período mencionado, ou seja, no decorrer das décadas de 1970 e 1980,

ocorreu em diversos pontos e áreas da cidade de São Paulo inúmeras intervenções

urbanas como ampliação do sistema viário, implantação do metroviário, bem como

houve uma maior dinamização do setor terciário. Além disso, houve também a

intensificação do processo de verticalização das moradias destinadas à classe média,

sendo que o bairro de Santana foi dos que absorveu de maneira intensa esses

processos.

Acompanhando essas transformações, a cidade na sua totalidade se

deparou com o subemprego e desemprego, com o arrocho salarial dos trabalhadores,

com dilaceramento de bairros cortados por novas avenidas, com a precariedade do

transporte público para trabalhadores, com a formação de bairros novos e áreas

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periféricas desprovidos de habitabilidade e infraestrutura satisfatórias e também com a

o aumento de submoradias tendo como expressão maior as favelas94.

2.2. A Proposta da Operação Urbana Carandiru-Vila Maria

Para Gonçalves (2006), a lógica da modernização de São Paulo sempre teve

como enfoque central a eficiência e o desenvolvimento da cidade no sentido de atender

aos interesses de reprodução capitalista, excluindo ou nunca levando em consideração

a população mais pobre.

Em São Paulo, e podemos estender isso para a realidade urbana brasileira,

prevaleceu ao longo das décadas um modelo urbano modernizador incompleto,

seletivo, criando e recriando problemas e contradições sociais, econômicas e políticas

de toda a ordem. Apesar de alterar continuamente a totalidade espacial da cidade,

mantém os processos, estruturas e funções de modo a garantir as condições gerais de

reprodução do capital. De qualquer forma, essa realidade não significou a passividade

da população diante dos problemas e contradições gerados.

Se até o início dos anos de 1980 o planejamento tradicional era uma

realidade urbana brasileira e paulistana, o processo de redemocratização do Brasil a

partir de 1985 culminaria com o fortalecimento e luta dos movimentos sociais.

Esses movimentos no processo de construção de formulação da Constituição

de 1988 exerceram voz ativa no tocante as mais diversas questões que envolviam

princípios de liberdade como desenvolvimento e justiça social e foram fundamentais

para a construção dos artigos 182 e 183 da Constituição que tratam sobre a dimensão

urbana do país.

94

Consultar Maricato (2002) e Santos (1990a)

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115

Aprovada a Constituição Federal em 1988, traz em seu artigo 182:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da

política de desenvolvimento e de expansão urbana95.

Os artigos 182 e 18396 da Constituição seriam regulamentados pelo Estatuto

da Cidade aprovado em 2001. O Estatuto teve entre outros objetivos regulamentar o

ordenamento territorial urbano nacional, disciplinando o planejamento e as leis

municipais de uso e ocupação do solo, bem como determinou a obrigatoriedade de

planos diretores para cidades com mais de vinte mil habitantes, sendo o Plano Diretor

(PD) considerado como instrumento básico da política de desenvolvimento e de

expansão urbana.

Do que se trata o Plano Diretor? Em nosso entendimento ele deve ser

considerado como uma das modalidades de planejamento. Nesse sentido Villaça (1999,

p.2), nos coloca as seguintes possibilidades, ou seja, um plano pode ser considerado

como:

95

Os demais parágrafos do Art. 182 são: § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. 96

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

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[...] um diagnóstico científico da realidade física, social, econômica, política e administrativa da cidade, do município e de sua região, apresentaria um conjunto de propostas para o futuro desenvolvimento socioeconômico e futura organização espacial dos usos do solo urbano, das redes de infraestrutura e de elementos fundamentais da estrutura urbana, para a cidade e para o município, propostas estas definidas para curto, médio e longo prazos, e aprovadas por lei municipal [...]. Outra versão reduziria o plano diretor aos aspectos físico-territoriais do município. Nesse conceito, o diagnóstico abarcaria todos os aspectos da realidade urbana, municipal e mesmo regional, mas as propostas referir-se-iam apenas aos aspectos físico-territoriais, já que estes se caracterizam pelo fato de ser predominantemente da competência do governo municipal.

No ano de 2002, o município de São Paulo entre o projeto inicial

apresentando em relação ao PD seguido de discussões preliminares que envolveram a

população através de oficinas, seminários, audiências públicas e reuniões com

entidades e representativas da sociedade de todas as ordens teve aprovado o

documento final denominado de Plano Diretor Estratégico.

De acordo com Vainer (2000, p.76), ao definir a realidade e objetivos do

planejamento estratégico, nos afirma que:

Inspirado em conceitos e técnicas oriundos do planejamento empresarial, originalmente sistematizados na Harvard Business School, o planejamento estratégico, segundo seus defensores, deve ser adotado pelos governos locais em razão de serem as cidades submetidas às mesmas condições e desafios que as empresas. [...] Se durante largo período o debate acerca da questão urbana remetia, entre outros, a temas como crescimento desordenado, reprodução da força de trabalho, equipamentos de consumo coletivo, movimentos sociais urbanos, racionalização do uso do solo, a nova questão urbana teria, agora, como nexo, a problemática da competitividade urbana.

Em linhas gerais as ações desse tipo de planejamento e que deve ser

considerado na totalidade procura: 1. Identificar crises na centralidade econômica da

cidade para a realização do capital; 2.Criar ações e estratégias que permitam tornar a

cidade competitiva e atraente aos investidores estrangeiros e por consequência

medidas que possam vender a cidade para o mundo; 3. Intensificar e institucionalizar a

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parceria entre o poder público e as esferas privadas, 4. Tornar a cidade competitiva no

mercado mundial.

Porém, o Plano Diretor de São Paulo de 2002 não adota efetivamente as

premissas do planejamento estratégico na sua totalidade. Na visão do urbanista Flávio

Villaça (200597), a adoção do termo estratégico não passaria de um modismo

deflagrado em âmbito mundial nos anos de 1990, como uma forma de São Paulo vestir

uma roupagem de moderno. Esse ainda entende que o Plano Diretor Estratégico (PDE)

de 2002 é marcado por generalidades no tocante a suas diretrizes e conceitos. O PDE

ao longo de seu texto traz 338 denominações de ações estratégicas em todos os

campos, sem que seja indicados a forma ou o caminho para a sua execução. Ainda

para Villaça, as ações estratégicas se propõem em uma só tacada, porém de modo

totalmente desarticulado, resolver todos os problemas e dilemas urbanos de São Paulo.

A questão é que não diferentemente dos demais planos diretores de muitas

cidades brasileiras, do ponto de vista prático da cidade real, o PDE de São Paulo pouco

tem de funcionalidade, sendo marcado por ações públicas de pouca ou nenhuma

eficiência em relação às resoluções dos problemas cotidianos e ao mesmo tempo por

ações e projetos orientados por interesses privados, em especial, do mercado

imobiliário. Em que pese os fundamentos de ordem social contidos no Plano Diretor98

Estratégico de São Paulo de 200299, a prefeitura e seus planejadores norteados e

97

VILLAÇA, Flávio. As ilusões do plano diretor (2005) 98

A título de exemplo o PD introduz o conceito das ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), isto é, áreas demarcadas no território da cidade e objetivando assentamentos habitacionais voltados para população de baixa renda. 99

Em Agosto de 2014 um novo PDE foi aprovado pela Câmara dos Vereadores de São Paulo e sancionado pelo Prefeito Fernando Haddad do Partido dos Trabalhadores. O novo plano entre outros elementos traz duas grandes inovações que o diferem substancialmente do anterior. O primeiro ponto diz respeito aos princípios relativos ao adensamento e os potenciais construtivos na cidade que tende a estimular um maior adensamento populacional próximo às vias de transportes públicos e ao uso do transporte coletivo ao invés do individual, bem trabalhar políticas no sentindo de estimular à oferta de serviços e de postos de trabalho em regiões essencialmente residenciais visando desse modo a redução da necessidade de deslocamentos em massa dos trabalhadores pela cidade. Em entrevista concedida ao Jornal El País (consultar: https://raquelrolnik.wordpress.com) a urbanista Raquel Rolnik explica que o novo PDE procura desse modo romper com o modelo de verticalização predominante na cidade desde 1972, quando houve a primeira lei de zoneamento. De acordo com a urbanista esse modelo marcado pelo padrão de verticalização que estimulou a construção de apartamentos grandes e com muitas

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regulados pelos agentes econômicos internacionais começariam a induzir projetos de

readequação e transformação de pontos e territórios específicos e selecionados na

cidade para se alinhar a economia mundial, ou seja, o discurso naquele momento era

pautado por uma “sensação de crise gerada pela conscientização da globalização da

economia” de modo que seria preciso promover uma intervenção de maneira a inserir a

cidade “nos espaços econômicos globais”.

De modo a reforçar o que já foi dito, há uma disparidade entre as demandas

e necessidades da economia internacional que usam fragmentos das cidades em nome

do ideário da cidade global e as necessidades e urgências da população, sendo essa

questão representada nas proposições iniciais do Projeto Operação Carandiru-Vila

Maria que afeta diretamente o bairro de Santana. Antes de tratarmos dessa proposta de

operação urbana (O.U.) em Santana, entendemos como necessário algumas breves

reflexões sobre as operações urbanas no seu sentindo mais amplo, visto que todas as

OUs em curso ou propostas para o conjunto da cidade de São Paulo possuem a

mesma essência conceitual.

De acordo com a Prefeitura de São Paulo em seu site institucional100, a

Operação Urbana é definida nos seguintes termos:

garagens, teve como resultado um adensamento que não aumentou a população onde houve a verticalização, aumentando o número de carros em função da construção de garagens, desestimulando a relação entre o espaço público e o privado. Em síntese, o novo plano impede [nos eixos próximos ao transporte coletivo] a construção dos apartamentos gigantes e incentiva o uso misto, com comércio no térreo, e o uso ativo da fachada, com menos muros nos edifícios. Haverá mais gente, menos carros e mais mistura de usos. O segundo ponto é relativo à política fundiária do plano, no caso o aprimoramento das ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), que foram ao mesmo tempo ampliadas e aperfeiçoadas, Entre outros pontos destaca-se as desapropriações para habitação popular que passam a ocupar 33 km² contra 17 km² vigentes no PDE de 2002. As ZEIS que até então eram basicamente circunscritas em muitos pontos da periferia, foram expandidas a bairros centrais e históricos, como Bela Vista, Brás, Santa Ifigênia, Campos Elísios e Pari o que de certo modo vai de encontro às reivindicações dos movimentos sociais que lutam pelo direito à moradia. Por se tratar de um fator muito recente e que demandaria de pesquisas, nos limitamos nesse momento a somente pontuar de modo geral o novo PDE de São Paulo. Nesse caso nossa reflexão fica limitada ao PDE de 2002, pois é ele que até esse momento vem definindo a realidade urbana de São Paulo, bem como as ações da Prefeitura de São Paulo no bairro de Santana. 100

Consultar: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/infraestrutura/sp_obras/operacoes_urbanas/index.php?p=37057

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119

Operações urbanas consorciadas são intervenções pontuais realizadas sob a coordenação do Poder Público e envolvendo a iniciativa privada, empresas prestadoras de serviços públicos, moradores e usuários do local, buscando alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental. Nesse instrumento, o Poder Público deve delimitar uma área e elaborar um plano de ocupação, no qual estejam previstos aspectos tais como a implementação de infraestrutura, nova distribuição de usos, densidades permitidas e padrões de acessibilidade. Trata-se, portanto, de um plano urbanístico em escala quase local, através do qual podem ser trabalhados elementos de difícil tratamento nos planos mais genéricos (tais como altura das edificações, relações entre espaço público e privado, reordenamento da estrutura fundiária, etc.). Por esse motivo, as operações urbanas possuem grande potencial de qualificação espacial para as cidades, na medida em que permitem tratamento quase arquitetônico dos espaços urbanos. Tal tratamento é dificilmente obtido apenas pelo Plano Diretor e pelo zoneamento, principalmente em cidades grandes. A necessidade de o Poder Público resolver problemas pontuais que dificilmente seriam resolvidos no Plano Diretor Estratégico do Município é que foi criada a Lei das Operações Urbanas. É através das Operações Urbanas que essas situações podem ser definidas e trabalhadas individualmente, com maior nível de detalhamento que no Plano Diretor. Nessa operação, o Poder Público, por sua parte, oferece à iniciativa privada a concessão de aumento do Coeficiente de Aproveitamento ou de modificação dos usos permitidos para o local. Dessa forma, essas regalias podem ser concedidas aos proprietários privados em troca de uma contrapartida, que pode ser financeira ou de outra natureza como a criação de espaços públicos ou de habitação de interesse social.

Em relação às operações urbanas em São Paulo (Figura 2.3), temos em

curso quatro delas, a saber: Água Branca, Água Espraiada, Faria Lima e Centro. Há

também o que a prefeitura denomina de novas operações urbanas e que compreende

Lapa – Brás, Mooca – Vila Carioca, Rio Verde – Jacu. Além disso, existe a proposição e

utras operações conforme a lei municipal 13.884/04, entre as quais a Operação Urbana

Carandiru-Vila Maria da qual o bairro de Santana está amplamente inserida101.

101

Em muitos dos documentos institucionais produzidos pela PMSP o termo “recuperação de áreas deterioradas e ou degradadas” são usualmente corriqueiros como uma das justificativas para a implantação e desenvolvimento das operações urbanas em São Paulo.

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120

Figura 2.3. Operações Urbanas e Centralidades

Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano – SMDU; Secretaria de Transportes Metropolitanos. Elaboração: Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Urbano – SMDU/Depto de Estatística e Produção de Informação – Dipro, 2002.

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121

Para Fix (2004102, p.5), essas operações urbanas situam-se na área de

expansão do capital imobiliário de São Paulo tendo por objetivo:

[...] constituir ou consolidar polos de negócios, as chamadas novas centralidades; ou, ainda, em regiões consideradas “deterioradas”, como o centro histórico, integrando um projeto de “recuperação” ou “revitalização”.

Já Maricato; Ferreira (2002) nos afirma que as operações urbanas são

notadamente marcadas por polêmicas em função da maneira como elas foram e são

efetivadas em São Paulo, município que levou essa experiência mais longe,

alimentando lucros do capital imobiliário de ponta e ignorando, ou melhor, reproduzindo

e agravando problemas sociais.

Essas operações “incluem importante investimento inicial do Estado para

criar uma perspectiva de valorização atraente para os investidores privados”, que se

traduz, por exemplo, na abertura de uma nova avenida “propícia à construção de

grandes torres, shoppings e outros empreendimentos, que pelo porte ou tipo de uso

beneficiam-se da compra da exceção à legislação” (FIX, 2004, p.5).

Exemplos dessas avenidas-imobiliárias, podem ser verificados em relação

às Avenidas Água Espraiada, conhecida hoje como Avenida Jornalista Roberto

Marinho e Nova Faria Lima na porção sudoeste da cidade construídas na gestão do

Prefeito Paulo Maluf (1993-1996) e que foram fundamentais para ser a porta de entrada

das duas operações urbanas que carregaram os nomes dessas avenidas103.

Tanto a abertura das avenidas, como as operações urbanas foram e

permanecem sendo marcadas por demolições, expulsão e retirada de moradores,

incluindo os que habitavam favelas. Em contrapartida, foram construídos edifícios

residenciais de alto padrão e de prédios comerciais abrigando firmas e agentes

102

FIX, Mariana. A “fórmula mágica” da parceria público privada: Operações Urbanas em São Paulo (2004) 103

Consultar sobre os impactos na cidade de São Paulo decorrentes das operações urbanas e as avenidas-imobiliárias Carlos (2001) e Fix (2007).

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122

econômicos do setor terciário moderno com fortes vínculos com a economia

globalizada104.

Do ponto de vista da valorização, essas duas operações promoveram um

aumento exponencial no preço do metro quadrado, ou seja, essas regiões possuem no

contexto paulistano um dos maiores preços praticados em relação ao metro quadrado

da terra. Enquanto São Paulo apresenta uma média de oito mil reais o metro quadrado,

setores inseridos nessas duas operações urbanas possuem preço em torno de

dezenove mil reais o metrô quadrado, sendo considerado pelo mercado imobiliário um

dos mais elevados do mundo.

Nesse contexto, há uma forte indicação que ao intervir em porções na cidade

o Estado105 potencializa elevação da renda fundiária a ser apossada pela dinâmica do

mercado imobiliário. Entretanto, o inverso também é verdadeiro, sobretudo, quando

essas intervenções e/ou a presença de equipamentos públicos estatais inibem ou

travam o potencial da renda fundiária.

Conforme a lei municipal nº 13.430 de 13 de Setembro de 2002 como

consta do Plano Diretor Estratégico do Município106, CAPÍTULO III DOS

104

As áreas que sofrem intervenções urbanas através das OUs inegavelmente passam por significativos processos de modernização do seu ambiente construído o que acaba por potencializar também a renda fundiária desses lugares expressos na elevação do preço do m². Uma das nossas teses é que na medida em que novos espaços modernos surgem na cidade outros tantos se tornam obsoletos. Certamente é caso de investigação de quais as relações e impactos que ocorrem entre as Operações Urbanas, as modernizações promovidas por essas e o surgimento e intensificação de áreas obsoletas na cidade.. 105

Vale salientar que umas das justificativas para que o Estado atue nas frentes de expansão imobiliária é o retorno que esse tem através da cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS) e IPTU já que parte desses recursos são destinados à promoção de serviços urbanos e da arrecadação via a Outorga Onerosa do Direito de Construir sendo os recursos obtidos direcionados para o Fundo Municipal de Urbanização – FUNDURB e, utilizado na implantação de melhorias na cidade como um todo. Entretanto, a Prefeitura quando indagada não consegue, como, por exemplo, no caso da arrecadação do IPTU esclarecer com precisão sobre o destino real e efetivo desses recursos gastos na cidade. 106

Ainda de acordo com o poder municipal de São Paulo, “a Operação Urbana é o mecanismo pelo qual são criados estímulos a investimentos em determinada região da cidade, utilizando-se do aproveitamento do solo, acima do permitido na lei ordinária, mediante o pagamento de contrapartida pecuniária, pelo particular ao Poder Público. Os recursos assim arrecadados devem ser revertidos em benefícios para essa região, e aplicados apenas nela, segundo o que determina o Estatuto da Cidade.

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123

ISTRUMENTOS DE GESTÃO URBANA E AMBIENTAL, Seção VII, das Operações

Urbanas Consorciadas, estabelece em seu artigo 225107:

As Operações Urbanas Consorciadas são o conjunto de medidas coordenadas pelo Município com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental, notadamente ampliando os espaços públicos, organizando o transporte coletivo, implantando programas habitacionais de interesse social e de melhorias de infraestrutura e sistema viário, num determinado perímetro.

§ 1º - Cada nova Operação Urbana Consorciada será criada por lei específica, de acordo com as disposições dos artigos 32 a 34 da Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 - Estatuto da Cidade.

§ 2º - Ficam delimitadas áreas para as novas Operações Urbanas Consorciadas Diagonal Sul, Diagonal Norte, Carandiru-Vila Maria, Rio Verde-Jacú, Vila Leopoldina, Vila Sônia e Celso Garcia, Santo Amaro e Tiquatira, além das existentes Faria Lima, Água Branca, Centro e Águas Espraiadas, com os perímetros descritos nas suas leis específicas [...], integrante desta lei. (Grifo nosso)

Para que entre em vigor, uma Operação Urbana demanda de lei específica

do executivo municipal. No caso da Operação Urbana Carandiru-Vila Maria, passados

11 anos da área delimitada isso não ocorreu.

O fato de não haver lei específica que oficialize a Operação Urbana

Carandiru-Vila Maria não elimina a análise crítica, visto que o objetivo é refletir tanto

sobre as intervenções como sobre o discurso do poder público em relação à forma

como bairros como Santana e outros, via operações urbanas propostas, a partir dos

ideários neoliberais, do modelo de planejamento estratégico e das ações propriamente

ditas do poder público municipal e os agentes econômicos, em especial, aqueles

ligados ao setor imobiliário, alteram a realidade local sob a lógica do mercado e de

107

O artigo 225 é oriundo do Estatuto da Cidade.

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valorização da terra, ignorando por completo o movimento real da vida e da cidade na

sua totalidade.

Além disso, pelo Plano Estratégico Regional da Subprefeitura

Santana/Tucuruvi, instituído pela lei municipal nº 13.885, de 25 de agosto de 2004,

inúmeras são as intervenções urbanas que ocorrem no local, algumas inclusive

seguindo ações propostas iniciais da mencionada Operação Urbana. Por exemplo, a

novas tentativas de fechamento e remoção do aeroporto Campo de Marte para pousos

e decolagens de aviões particulares, restringindo-o tão e somente as operações diárias

de helicópteros, que na justificativa da prefeitura é procedimento fundamental para que

se viabilize mudanças urbanísticas anunciadas para a zona norte como atração de

novas empresas e maior adensamento populacional via verticalização no perímetro do

aeroporto.

De acordo com o Plano Regional Estratégico da Subprefeitura de

Santana/Tucuruvi – PRE – ST Quadro 05B do Livro V, a Operação Urbana Carandiru-

Vila Maria (Figura 2.4) estende-se do extremo sul da região da Subprefeitura,

abrangendo o Sambódromo, o Parque Anhembi, o Clube Espéria, o Campo de Marte, o

Complexo do Carandiru, o conjunto verde da Praça Campo de Bagatelle, bem como a

Centralidade Santana, o Conjunto Cingapura, a Favela Zaki Narchi e o entorno da Av.

Braz Leme.

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Figura 2.4. Área de Abrangência da Operação Urbana Consorciada Carandiru – Vila Maria

Fonte: Subprefeitura de Santana/Tucuruvi, 2009.

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A concepção da Operação Urbana Carandiru-Vila Maria é forjada em 2001,

seguindo a realidade nacional e paulistana, intensificada a partir dos anos de 1990

pelos motivos já mencionados.

Concomitante ao projeto da Operação Urbana Carandiru-Vila Maria, também

no ano de 2001 foi iniciada a desativação da Casa de Detenção do Carandiru108 (Figura

2.5.) por parte do poder público estadual, tendo como ápice desse processo a implosão

de três pavilhões que compunham parte do complexo, em dezembro de 2002.

108

Inaugurada em 1956, pelo então governador Jânio Quadros, portanto época em que essa área estava longe da atual configuração espacial, essa instituição penal, viria agregar-se ao Sistema Penitenciário do Carandiru. Projetada para abrigar 3.250 presos, a Casa de Detenção passou ao longo do tempo por reestruturação, ampliando sua capacidade para até 6.300 detentos. Entretanto, chegou a abrigar mais de 8 mil detentos. Com população carcerária acima do limite e com todos os problemas que concernem às instituições penais neste país, a Casa de Detenção tornou-se sinônimo de ineficiência de como o poder público conduz a questão da segurança pública. Constantes fugas, rebeliões, epidemias, torturas, morte, tornaram-se acontecimentos comum. Fora isso, era constante o relato das péssimas condições de infraestrutura interna das edificações que compunham o complexo.

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127

Figura 2.5. Demolição do Carandiru

Fotos: Rogério Cassimiro, Jornal Folha de São Paulo - 08/12/2002.

A Casa de Detenção, no tempo em que ela permeneceu ativa,

indubitavelmente tornou-se um fator preponderante para alimentar o processo da

obsolescência urbana na área analisada. Além de suas interferências diretas ao

ambiente construído de seu entorno, a sensação de conviver ao lado dessa instituição

e tudo o que ela simboliza, certamente ampliou o processo, tanto para a população

localizada aos arredores da “casa”, como para a população total de Santana.

Em 2003, realizou-se a inauguração da primeira fase do Polo Cultural e de

Lazer, que hoje ocupa na totalidade a área na qual se fazia presente a Casa de

Detenção. Em termos gerais, o Polo Cultural e de Lazer é constituído de três grandes

complexos e é gerenciado pelo governo do Estado de São Paulo. Na primeira fase da

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obra foram construídas dez quadras poliesportivas. A segunda fase da obra, chamada

Parque Central, foi aberta ao público em setembro de 2004, e conta com uma área total

de 95 mil metros quadrados, sendo 15.000m2 de vegetação remanescente da Mata

Atlântica (Figura 2.6).

2.6. Passado: Complexo Penitenciário do Carandiru / Presente: Parque da Juventude

Fonte: Google Maps / Organização: André V. Martinez Gonçalves, 2015

A terceira fase, denominada Parque Institucional, englobou a construção de

um teatro e disponibilização de serviços nas áreas de cultura, educação e saúde. Os

pavilhões restantes, 4 e 7 foram totalmente reformados abrigando núcleos

educacionais, culturais e infocentros. Na totalidade, o Parque da Juventude possui em

torno de 240 mil metros quadrados de área.

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129

Entendemos que essa intervenção pode ser encarada com ressalvas. Se ela

pode ser tida como uma ação extremamente positiva porque se removeu da região não

somente uma instituição penal, mas toda violência, toda uma degradação humana que

ela representava ao se considerar o conceito de direitos humanos e a falência do

sistema penitenciário paulista e brasileiro, a mesma ação coloca em xeque o próprio

Estado.

Durante anos, o governo do Estado de São Paulo, em relação ao Complexo

do Carandiru e porque não dizer sobre outros complexos, foi incapaz de ofertar um

sistema prisional decente, preventivo e recuperativo em relação aos detentos,

reforçando cada vez mais para a sociedade que “bandido bom é bandido morto”,

avalizando dessa forma toda a violência produzida pelo aparato repressivo policial em

relação à totalidade da sociedade.

É esse mesmo Estado que em questão de segundos via a demolição do

complexo pretendeu varrer em tom de festa, sem autocrítica toda a sua negligência em

relação a essa problemática, isto é, o sistema carcerário e prisional nefasto e tudo o

que ele representa.

O vizinho indesejado pela população da região de Santana foi,

sumariamente, eliminado. Não se nega que em decorrência dessa intervenção, sim ela

se fazia necessária, houve nos anos seguintes uma melhoria paisagística, com indícios

de uma revitalização no entorno da antiga Penitenciária e atual Parque da Juventude.

Entretanto, essa realidade se apresenta como discutível e com ressalvas.

Primeiramente, porque a Casa de Detenção do Carandiru representava parte da

totalidade de uma área formada pelo Complexo Penitenciário do Carandiru, onde

permanecem ainda a Penitenciária Feminina e a Casa de Custódia (Figura 2.7).

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130

Figura 2.7. Parque da Juventude e Penitenciária Feminina / Casa de Custódia

Fonte: Imagem Via Satélite Google Earth, 2015. / Marcação das Áreas: André V.M. Gonçalves

A segunda ressalva, porque esse projeto surge de modo vinculado a

Operação Carandiru-Vila Maria, que na concepção desse estudo, a maneira como o

discurso dessa intervenção se apresenta, carrega o risco de promover erros

semelhantes de outras operações urbanas promovidas em São Paulo. Mais do que

isso, corre o risco de novamente trazer transtornos à população local tomando por base

aquilo que representou o Projeto CURA Piloto Santana.

O argumento inicial do qual se pauta a O.U., o intencionado

desenvolvimento urbano local, fica vinculado à questão da valorização fundiária a ser

desencadeada pela revitalização da área do Carandiru e como a prefeitura pode

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131

absorver essa valorização e promover outros avanços. Desse modo, guardadas as

devidas proporções se reproduz aqui as mesmas justificativas do Projeto Cura.

Por exemplo, para os planejadores uma vez removido o estranho vizinho,

isto é, o Carandiru, haveria a valorização dos imóveis. A esse fato se somaria a

localização da área, próxima do centro da cidade. A conclusão imediata dos técnicos é

que estariam criadas as condições para a implantação de Operação Urbana, capaz de

absorver parte dessa valorização e com ela promover outras melhorias nas

proximidades.

No entanto, até aqui o que se nota é que essa esperada valorização, há que

se lembrar que já se passaram 11 anos da desativação e demolição do Carandiru, bem

como se completou oito ano da existência do Parque da Juventude, não ocorreu

quando comparado a média de valorização de outras áreas da região o qual

explicitaremos no capítulo três.

Além da Casa de Detenção do Carandiru, outros dois elementos em nosso

julgamento são também determinantes como fatores na compreensão dos motivos

pelos quais a valorização fundiária na área não tenha sido da forma esperada.

Um deles é o mencionado fator de continuidade da Penitenciária Feminina e

a Casa de Custódia. O outro e o mais principal é relativo ao Aeroporto Campo de Marte

que inibe o processo de verticalização e a possibilidade de um maior adensamento

populacional na sua área de interferência, em especial, nas quadras que se situam de

frente a pista de pouso e decolagem de aviões. No capítulo três iremos aprofundar

essa questão.

De acordo o projeto, afirma-se que Santana é uma área de ambiente que se

revela degradada, de trama urbana desconexa e paisagem quando não é de pouco

interesse, chega a ser inóspita, mas por outro lado, diante da infraestrutura instalada,

revela-se com potencial extraordinário e promissor no tocante ao desenvolvimento do

projeto.

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Ao colocar esses termos, em especial, o ambiente “degradado”, e que

estamos denominando de obsoleto se oculta intencionalmente que parte dessa

condição é resultado direto das intervenções urbanas realizadas na região via o Projeto

Cura, ficando dessa forma a falsa sensação de que se trata de um fator natural e não

da decorrência de ações mal conduzidas pelas três esferas governamentais, a saber: a

municipal, a estadual e a federal.

O que se entende é que a região é marcada por uma significativa

diferenciação espacial, sobretudo, quando se analisa a denominada região da várzea

com o alto de Santana que só pode ser compreendida pela totalidade dos fenômenos

históricos locais e o modo como essa região foi incorporada na lógica de reprodução da

Metrópole de São Paulo.

O conceito de diferenciação espacial tem na análise geográfica um de seus

principais instrumentos porque traduz não só a desigualdade do montante de recursos

e capitais investidos, seja via iniciativa privada ou através do Estado, mas também

acaba por exprimir a forma distinta e heterogênea em como se dão as relações

politicas entre Estado e os múltiplos extratos sociais que compõe a totalidade da

cidade.

De acordo com Smith (1988, p.153), “[...] as diferenças qualitativas na

natureza se traduzem em diferenças qualitativas e quantitativas na organização social”,

e são definidas mediante uma contínua reorganização, quer dizer, a vida social

caracteriza-se por uma incessante renovação na prática e realidade sócio espacial; o

mundo revela-se em suas diferenças, em suas diversidades, fundamentos primeiros da

própria organização sócio espacial, aos quais foram acrescentados as contradições e

os antagonismos próprios da reprodução desigual das sociedades.

Notadamente, essa diferenciação espacial no bairro de Santana, sendo essa

lógica extensiva para a cidade de São Paulo, o resultado dela é observada através do

mosaico de usos relativos ao solo que se estabelecem e se modificam ao longo do

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tempo em função das alterações dos padrões da divisão social e territorial do trabalho.

Tudo isso é determinado pela posição que o bairro ocupa na cidade, e que acaba por

determinar os investimentos que o Capital e o Estado imprimem, produzindo novas

combinações que incidem sobre a realidade resultando em novas disposições espaciais

no bairro contrapondo-se aos antigos arranjos espaciais, porém, ambos convivendo

mutuamente.

De acordo com Milton Santos (1994, p.126), ao analisar a divisão social e

territorial do trabalho na cidade e que julgamos seja pertinente na escala do bairro de

Santana, essas:

Dependem, em proporção crescente, de decisões políticas, o presente e a evolução futura das cidades dependem, em proporções semelhantes, do papel que, na economia, cabe aos atores do jogo político, segundo diferentes níveis, e da forma como, respondendo a essas determinações, o espaço urbano é, a cada momento, reorganizado. Esse processo se acelera quando o Estado intervém direta ou indiretamente, nas relações de trabalho, estimulando de modo seletivo (discriminatório) as diversas atividades, o uso do solo, promovendo regalias e interdições, estabelecendo zoneamentos [...]. Cada parcela do território urbano é valorizada ou desvalorizada [...]. A essa atuação do Estado devemos sobrepor a capacidades dos agentes econômicos e a capacidade de reivindicação das massas de trabalhadores.

Essas novas disposições e/ou arranjos, como resultado dos investimentos

realizados pelo Estado e pelo Capital, entretanto, possuem conteúdos e resultados

distintos.

Por parte do Estado, os investimentos em bens públicos e infraestrutura são

realizados em todo bairro. No entanto, por serem historicamente desiguais

desencadeiam áreas modernas e ao mesmo tempo obsoletas, condição essa que

pontuaremos mais especificamente no capítulo três.

Quanto à questão da paisagem inóspita do bairro de Santana, da qual o

projeto menciona de modo genérico sem se remeter ao que e de onde está falando

entendemos que haja por parte dos técnicos a necessidade em primeiro lugar de uma

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melhor compreensão do conceito de paisagem, principalmente quando se trata da

paisagem no urbano, visto que ela, a paisagem, é uma categoria importante para

qualquer ação ou intervenção urbana.

Para a sociedade muitas vezes a paisagem se limita tão e somente aos

objetos naturais – um rio, uma montanha, uma floresta. De acordo com Milton Santos

(1997a, p. 37), o traço comum das paisagens é ser “[...] a combinação de objetos

naturais e de objetos fabricados, isto é, objetos sociais e ser o resultado da

acumulação da atividade de muitas gerações”.

De acordo com Alves (2004, p. 290), em relação à paisagem:

[...] tendemos a procurar elementos que mais a caracterizam e a diferenciem de outras paisagens. Esse procedimento pode levar a construção teórica da paisagem de um lugar que no discurso homogeneíza-se, particularizando-se quando na comparação com outras e, portanto, devemos estar sempre atentos a esse risco: de tratar um lugar pela sua aparente homogeneidade, desconectando-o do processo mais geral. Tomamos aqui o pressuposto que a parcela do espaço estudada faz parte de uma totalidade, que pelo seu estudo da parte podemos compreender melhor o processo de construção / reconstrução do espaço.

O modo como surge à ideia do bairro de Santana, apresentar uma paisagem

inóspita, sobretudo na porção da várzea, remete-se justamente a um discurso

homogeneizante e intencional no sentindo de justificar os propósitos de defesa dessa

intervenção urbana.

Fato é que tanto a totalidade do bairro, o qual contém a porção da várzea

que é a área principal dessa eventual intervenção urbana, possui uma diversidade de

paisagens que contém o moderno e o obsoleto, abrigando uma multiplicidade de

padrões de moradias, de cortiços a edificações de médio e alto padrão, bem como de

agentes econômicos, situados tanto no circuito superior moderno e marginal, bem

como no circuito inferior da economia.

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135

A profusão de paisagens, as práticas imediatas da vida que se remetem a

um processo homogêneo não se dão na mesma intensidade e velocidade nos

diferentes lugares do bairro e isso é completamente ignorado nas proposições iniciais

da intervenção proposta.

Para Milton Santos (1999, p. 86), caso queiramos dar real significado a

análise da paisagem faz-se necessário:

[...] interpretar cada etapa da evolução social, cumpre-nos retomar a história que esses fragmentos de diferentes idades representam juntamente com a história tal como a sociedade a escreveu de momento em momento. Assim, reconstituímos a história pretérita da paisagem, mas a função da paisagem atual nos será dada por sua confrontação com a sociedade atual.

A leitura da paisagem, momento a momento, pode proporcionar o

desvelamento dos cortes, das interrupções, das mudanças nos espaços da cidade, das

transformações nas relações da vida social. Mas a leitura, a análise da paisagem para

ter validade, pois ela não se auto explica, requer o estudo de como se estabelece, na

atualidade, a relação entre paisagem e espaço, pois, se a paisagem é composta por

formas, é o espaço, que é social, é o que lhes da vida, sentido real e concreto.

Para reforçar essa ideia:

Paisagem e espaço não são sinônimos. A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima (MILTON SANTOS,1999: p. 83).

Cada paisagem tem como característica uma dada forma que em momentos

passados possuíam um conteúdo técnico específico, mas que dado à intrusão da

sociedade nessas formas, lhe altera a função, para atender as suas necessidades ou

imposições, disso resulta o espaço atual.

Acrescenta-se também que a sociedade, via os diferentes agentes que

possuem poder produtivo, econômico e político, agem também sobre objetos sociais

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desvalorizados, que por meio de intervenções e reformulações nas formas e alterações

nas funções e uso, os revaloriza. E como afirmado, um dos possíveis objetivos

ventilados pela proposta da operação urbana é que justamente a prefeitura venha

absorver os eventuais impactos positivos em função da requalificação urbana da

região.

A justificativa da OU é de que organização espacial da área é desordenada,

e que, portanto se procurará consertar os erros do passado. Imputa ainda que, parte da

“degradação ambiental” da região se deu em função das atividades industriais outrora

instaladas na área. Fato é que essa ocupação que em nada possui o mencionado

desordenamento (GONÇALVES, 2006).

Vale destacar o apelo que os planejadores utilizam lançando mão do

modismo “degradação ambiental” como se o termo por si próprio viesse a explicar

alguma coisa. A ideia de degradação ambiental, sobretudo, aplicada à realidade urbana

comporta as mais variadas possibilidades de interpretação e explicação do que de fato

se trata isso. Logo, comporta também múltiplas probabilidades em como resolver a

eventual degradação, que no caso aqui é colocado de modo explícito, ou seja, em um

só golpe modernizar a área através de investimentos de infraestrutura e atração de

agentes econômicos.

Em que pese, eventualmente, alguma importância sobre o termo

degradação ambiental, no caso da realidade urbana, e no caso em específico de

Santana ela não explica absolutamente coisa alguma, a começar pelo fato de que

todos os processos e contradições inerentes ao meio geográfico ou espaço geográfico

são sumariamente eliminados.

Do ponto de vista espacial, Santana possui problemas e conflitos no tocante

ao uso e ocupação da terra e todas as implicações derivadas desse processo e, é

justamente pela compreensão do que se trata o espaço, e não do que se trata o

ambiente, que eventuais ações ou intervenções urbanas são colocadas em xeque e

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devem ser refletidas entre aquilo que está sendo proposto e idealizado com aquilo que

de fato a realidade demanda.

Para reforçar o argumento que não há que se falar em desordenamento, de

acordo com AB’Saber (1956) e Torres (1970), ao longo dos anos 40, 50 e 60 do século

XX, ocorreu na área da várzea um processo de loteamento residencial indiscriminado,

na sua maioria sem infraestrutura, porém, essa ocupação desordenada se consolidou e

se entremeou no território, e que por idas e vindas se “adaptaram” ao traçado viário.

Além disso, a justificativa das atividades industriais como causadoras pela

“degradação ambiental” na região não se justificam, pois, no passado e hoje tais

atividades se remetem às indústrias de pequeno e médio porte. De acordo com

Canaverde (2007), por exemplo, em 1968 Santana possuía 6.115 hectares ocupados

por algum uso, e no caso de atividades industriais essas correspondiam a 0,49% desse

montante. Diferentemente de outros antigos bairros paulistanos, onde a atividade

industrial foi intensa, em Santana, ontem e hoje, sempre prevaleceu do ponto de vista

de uso e ocupação do solo, o uso habitacional e de atividades econômicas ligadas ao

setor terciário.

Outro argumento utilizado pelos técnicos da prefeitura para justificar a

Operação Urbana é relativo à baixa densidade demográfica da área, porém não entram

no mérito da questão.

Conforme explicitamos anteriormente, atualmente Santana apresenta um

quadro de crescimento demográfico negativo. Podemos considerar três hipóteses

desse quadro e que de certo modo elas se articulam. A primeira estaria vinculada ao

que ocorre no Brasil como um todo que é a queda nas taxas de fecundidade e aumento

da expectativa de vida, porém se trata de uma hipótese questionável, visto que em

outras áreas da cidade, e podemos tomar como exemplo os bairros periféricos da zona

norte, apresenta incremento populacional positivo tanto em números absolutos como

em números relativos. A segunda estaria vinculada a fatores de valorização fundiária,

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em especial nas áreas destinadas a moradia, no caso o alto de Santana e ao longo da

Avenida Braz Leme, implicando cada vez mais na expulsão de parte da população sem

condições de viver com os preços praticados pelo mercado imobiliário. Trata-se assim

de uma hipótese razoável, mas que não pode ser dissociada da terceira. Como terceira

hipótese, esse quadro demográfico de Santana é respondido pela lógica da

verticalização vigente na cidade desde os anos de 1970 que mencionamos

anteriormente, ou seja, houve um significativo adensamento de edifícios de uso

residencial, mas esse não redundou efetivamente no aumento da população.

O que se questiona é: com uma eventual intervenção urbana em Santana na

forma em que ela se coloca, ou seja, tornar a partir de um conjunto de ações articulado

pelo Estado em parceria com a iniciativa privada um polo atrativo para empresas, em

especial, as ligadas às feiras e eventos de porte regional, nacional e mundial, o que

acarretaria uma valorização fundiária para a totalidade do bairro seria capaz de reverter

às projeções de crescimento demográfico?

Cremos que talvez esse quadro pudesse ser alterado caso houvesse alguma

política habitacional que de fato viesse privilegiar, por exemplo, a moradia popular. Em

contrapartida, o desafio seria como proceder com a valorização fundiária produzida e

os agentes do setor imobiliário que cada vez mais laçam na região empreendimentos

residenciais voltados as classes de alto poder aquisitivo.

Os motivos reais em que se sustentam a intervenção urbana delineada

estão naquilo que se denomina de motores da Operação Urbana Carandiru-Vila Maria.

Não é a história de ocupação da região, sua denominada paisagem inóspita ou sua

baixa densidade demográfica que a justificam de fato, mas sim a necessidade imposta

pela lógica da economia mundial na Metrópole de São Paulo de ter um espaço

específico voltado à constituição de um polo hoteleiro intercalado com um polo de

feiras, eventos e negócios.

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139

Os objetos urbanos metropolitanos vistos como motores para a promoção da

OU, de acordo com Oliveira (2005109) são:

1. A concentração de equipamentos de caráter metropolitano de intensa atividade.

Alguns deles como o Centro de Exposições do Anhembi, a Expo Center Norte e o

Shopping Center Norte, situados no interior do perímetro, promovem a atração de

público em larga escala. Outros, como o Campo de Marte, o Polo Cultural Grande

Otelo (Sambódromo) ou o Terminal Rodoviário do Tiete são formidáveis equipamentos

de acesso à região. Em comum têm o fato de que transferem benefícios para a região,

ainda muito aquém da potencialidade de que dispõem, de gerar o desenvolvimento de

atividades complementares à sua volta.

2. A potente infraestrutura instalada é subutilizada e, aquela que ainda será instalada,

como a linha 8 do Metrô, caracteriza situação de desperdício dos recursos enquanto a

ocupação se mantiver abaixo da oferta que sua capacidade dispõe. Representam

também, adiamento da oportunidade de recuperar os investimentos efetuados.

3. A disponibilidade de larga extensão de áreas públicas, ainda que em parte mal

utilizadas ou fragmentadamente dissolvidas na trama urbana, oferecem condições para

a melhoria ambiental e reversão da aridez da paisagem, hoje dominantes na região.

Importante assinalar que o processo de ocupação da região, da maneira como

transcorreu o saneamento dos terrenos da várzea pela retificação do rio, é assunto a

ser abordado com profundidade: a propriedade de amplos imóveis ocupados por

particulares é marcadamente polêmica e alguns terrenos, sabidamente de propriedade

pública, estão invadidos110.

109

OLIVEIRA, José Geraldo Martins. Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto - Parte 7 – Operação Urbana Carandiru – Vila Maria. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.065/415 110

Se por um lado há terrenos públicos ocupados, por outro, seria interessante tratar certo assunto com maior profundidade, ou seja, resgatar o histórico do Grupo Center Norte na região, sob o qual paira suspeição em como se deu ao longo dos anos a incorporação de terras do grupo onde atualmente está estabelecido o complexo Center Norte.

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140

Analisando os três itens elencados, concordamos que os equipamentos

metropolitanos públicos e privados instalados na porção da várzea (Figura 2.8), com

destaque para o complexo comercial do Grupo Center Norte, composto por dois

shoppings (Shopping Center Norte e Shopping Lar Center), um centro de exposições

(Expo Center Norte), Rodoviária do Tietê, pelo Pólo Cultural Grande Otelo

(Sambódromo) e o Parque de Exposições Anhembi sendo potencializados seriam

vitais para a formação de um complexo hoteleiro e de feiras, eventos e negócios,

acarretando inclusive o que Oliveira111 afirma em relação à atração e desenvolvimento

de atividades complementares, o que certamente ofertaria maior quantidade de postos

de trabalho.

111

Ibidem.

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141

Figura 2.8. Equipamentos Metropolitanos Públicos e Privados Instalados na Porção Da várzea de Santana

Fonte: Imagem Via Satélite Google Earth, 2015. / Marcação das Áreas: André V.M. Gonçalves

No tocante a rodoviária do Tietê, considerada a segunda maior rodoviária do

mundo, ficando atrás da rodoviária da cidade de Nova York nos Estados Unidos, ao ser

concedida à iniciativa privada para seu gerenciamento passou por inúmeras reformas

internas, bem como readequamento técnico nos últimos dez anos.

Em relação ao Campo de Marte, conforme dissemos há anos a prefeitura

vem tentando sua remoção, mas essa medida esbarra diretamente nos interesses do

governo federal que detém a área. Na medida em que isso não ocorre, a mesma

prefeitura tem procurando em diferentes momentos viabilizar propostas no sentindo de

que parte do complexo aeroportuário possa ser utilizado pela população, em especial,

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no que diz respeito a sua área verde. Entretanto, essas tentativas também têm sido em

vão.

No que diz respeito ao item que versa sobre a dita e potente infraestrutura

instalada e subutilizada, no caso específico dos sistemas de transporte e eixos viários

locais esses correm sério risco de colapso tanto no tocante as avenidas, como, por

exemplo, Santos Dumont, Cruzeiro do Sul e Braz Leme em função do trânsito pesado,

sobretudo, em horários de pico, visto que tais avenidas são elo de ligação entre

Santana e a região central e a região sudoeste da cidade, principais áreas de

concentração de firmas e postos de trabalho.

Naquilo que tange ao sistema metroviário, esse começa a dar sinais de

esgotamento físico e estrutural em várias linhas, e não diferentemente de outras

estações é quase impossível em horários de picos adentrar nas composições nas

estações Santana e Tietê.

Relativo “a disponibilidade de larga extensão de áreas públicas, ainda que

em parte mal utilizadas ou fragmentadamente dissolvidas na trama urbana112” essa é

uma realidade para o conjunto de Santana e inúmeras ações nos últimos anos por

parte da prefeitura tem procurado uma maior integração física entre essas áreas, com

destaque para o Parque da Juventude e o corredor formado pela Avenida Braz Leme

utilizada para passeios e caminhadas.

Contudo, o que Oliveira113 define como possibilidade de que as áreas

públicas, sua integração possam acarretar uma “melhoria ambiental e reversão da

aridez da paisagem” é de difícil aceitação. A começar pelo fato do que se trata

efetivamente por “melhoria ambiental” e “aridez da paisagem”, conforme dissemos tudo

leva a crer que se trata de um modismo ambientalista, de um perigoso jogo de

palavras, para forçosamente justificar o projeto.

112

Oliveira (2005). 113

Ibidem.

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143

O plano estratégico da OU está respaldado pelo Plano – Referência de

Intervenção e Ordenação Urbana o PRIOU. Nele é definido onde, quanto e em quais os

limites, conforme lei vigente será possível ultrapassar restrições, para calcular, com

base em estimativa de adesão aos dispositivos da operação, os recursos a serem

obtidos para as intervenções previstas. Em relação ao PRIOU Oliveira114 nos afirma

que:

O projeto urbanístico, nesse processo, é a ferramenta que configura espacialmente essa operação, antecipando os seus resultados físicos, quer sejam decorrentes das intervenções promovidas ou conduzidas pelo governo municipal, quer sejam aquelas realizadas com os investimentos privados. Este formula as hipóteses de aproveitamento do solo, de acordo com diferentes setores estabelecidos no projeto, e define a configuração volumétrica e espacial que deverão ser obedecidas em determinados locais. É com base nesses elementos que a fórmula se estrutura no PRIOU. Na realidade a Operação Urbana Carandiru – Vila Maria se origina do projeto urbanístico. Ele estabelece o desenho das transformações pelas quais a área deve passar, as reformulações pretendidas e a inserção de parte dos elementos dissolvidos na trama desse território, definindo os próprios limites da abrangência territorial do projeto. (Grifo nosso)

O programa de intervenções se assenta em seis linhas de atuação,

articulados a partir de uma aliança entre o poder e a iniciativa privada, a saber: i)

discrimina-se o perímetro de atuação de determinada operação, bem como os diversos

setores que ele inclui; ii) identificam-se e caracterizam-se os problemas urbanos e os

objetivos a serem a alcançados; iii) definem-se as diretrizes de intervenção pública; iv)

estima-se o potencial de construção adicional a ser alienado, distribuindo-o por setor e

por uso; v) determinam-se os parâmetros urbanísticos e financeiros para sua

realização; vi) estabelecendo um programa de prioridades que correlaciona e encadeia

investimento público e empreendimento privado (Sales, 2005).

Entretanto, as diretrizes do PRIOU são reduzidas e apresentadas de forma

genérica textual e na forma de maquetes, procurando indicar ou sugerir as

potencialidades futuras decorrentes a partir da intervenção urbana, que em nossa ótica

114

Ibidem.

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mais se traduz em um convite ao setor privado para atuar e intervir no bairro. Em

outros termos, a prefeitura ao lançar propostas de novas operações urbanas, como é o

caso da O.U. Carandiru-Vila Maria não possuía (2001), e continua não possuindo

recursos suficientes para colocá-las em prática. Então, fica clara a estratégia em induzir

o mercado imobiliário em realizar certos investimentos de modernização do ambiente

construído na área delimitada pela O.U.

Não é de desconhecimento que o mercado imobiliário possui interesses em

atuar na porção da várzea de Santana de modo mais intenso. Indiretamente o

Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) quando se manifesta em relação ao

Campo de Marte, defende sua remoção alegando que ao longo dos últimos quinze

anos houve em Santana um número significativo de lançamentos de prédios

residenciais redundando em um adensamento populacional significativo. Entretanto,

aquilo que o sindicato argumenta, isto é, que dezenas de prédios cresceram no entorno

do aeroporto é relativo, até porque a legislação de uso e ocupação do solo urbano

impede que ocorra a verticalização no perímetro da área que sofre interferência direta

da pista de pouso e decolagem de aviões.

Fato é que com restrições, mesmo que não seja em um território contínuo se

constata inúmeros lançamentos imobiliários na várzea nos últimos dez anos, em

especial, em setores onde se permite a verticalização no trecho entre as estações Tietê

e Carandiru do Metrô e na antiga área do Projeto Cura. Passo a passo, por exemplo,

no entorno da estação Rodoviária do Tietê, novos hotéis, lançamento de um complexo

comercial de escritórios, instalação de comércio mobiliário voltado a segmentos de alto

poder aquisitivo, compra e demolição de inúmeras habitações onde se situavam

inúmeros cortiços, cada vez mais é realidade.

A partir das reflexões sobre as intervenções urbanas em Santana, passamos

a discutir no capítulo três a questão dos preços da terra, do ambiente construído e da

renda fundiária e como essas categorias analíticas clarificam a obsolescência espacial

urbana no bairro.

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145

Capítulo 3

A questão dos preços, do ambiente construído, da renda da terra e o processo da

obsolescência espacial no bairro de Santana.

David Harvey (2013115) assinala que o capitalismo é extremamente dinâmico

e inevitavelmente expansionista. Impulsionado pelo motor da acumulação e abastecido

pela exploração da força de trabalho, constrói uma força que revoluciona

permanentemente e reformula o mundo em que vivemos.

Aqui não é nossa intenção discutir, refletir e analisar a escala mundo

propriamente dita tal como se propõe Harvey116, isto é, como o modo de produção

capitalista na sua totalidade através de seus mecanismos e contradições busca se

reproduzir nas mais diversas realidades e escalas.

A reprodução do sistema tem em seus mais diversos agentes econômicos a

objetivação por via da acumulação de capitais e da exploração da força de trabalho

obter diferentes modalidades ou formas combinadas de remuneração, no caso o lucro,

os juros e a renda. Para alcançar tais condições o Capital, entre outras ações, o faz a

partir da apropriação e organização de múltiplos territórios, apropriação essa que se dá

sob uma lógica da produção espacial marcada por diferentes combinações,

articulações e densidades em distintos lugares, escalas e tempos.

O que nos interessa da assertiva de Harvey117 é trazer o debate para uma

especificidade da escala mundo, mais exatamente o bairro de Santana na cidade de

São Paulo e como esse recorte espacial que é ao mesmo tempo absoluto, relativo e

relacional pode nos explicar a obsolescência espacial urbana. Em nossa compreensão,

se trata de um processo que é desencadeado através da lógica e atuação dos agentes

do mercado fundiário que atuam na produção espacial da cidade, moldando em

diferentes tempos e territórios os ambientes construídos marcados por distintas formas,

115

HARVEY, David. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013 116

Ibidem. 117

Ibidem.

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funções e conteúdos técnicos e sociais, bem como marcados por distintas formas de

circulação de capitais.

Explicitamos no capítulo um que a obsolescência (programada) é realidade

efetiva na esfera industrial e que ela também ocorre na realidade espacial dos

ambientes construídos, porém, não de modo não programado, tal como se dá na

primeira realidade. Na cidade de São Paulo, e mais especificamente no bairro de

Santana, a primeira evidência do processo espacial da obsolescência urbana é

revelada em seu ambiente construído e os preços praticados pelo mercado imobiliário.

Em nosso dia a dia, utilizamos de maneira banalizada preço e valor de

coisas e objetos como equivalentes, isto é, tal objeto custa ou tem um preço de dez

reais ou esse mesmo objeto possui um valor de dez reais. Também no dia a dia

atribuímos valores diferentes para coisas e objetos novos ou velhos e que possuem

preços distintos entre si. Nem sempre, porque se trata de uma dimensão subjetiva, um

objeto de preço mais elevado do qual detemos representa efetivamente o valor o qual

lhe atribuímos. Sendo assim, posso deter um objeto de preço elevado e lhe atribuir um

valor “sentimental” ou de uso pequeno e posso também deter um objeto de preço

irrisório e lhe dar um valor sentimental elevado ou de uso intenso.

Todos os objetos ou coisas que nos cercam possuem um valor, seja porque

eles nos representam algo, nos é útil de algo forma, agem com maior ou menor

intensidade com nossas emoções, memórias ou sentidos, seja porque entendemos que

um objeto é fruto de um trabalho realizado, no caso, objetos produzidos pelos homens

ou por objetos produzidos pela natureza. Entretanto, não necessariamente objetos e

coisas dotados de valor possuem um preço.

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3.1. O Preço da Terra-Mercadoria

Poderíamos aqui adotar uma postura de divagação sobre o que se trata

esse valor sentimental que atribuímos aos objetos e as coisas. Mas, isso nos seria de

pouco ou nenhuma serventia para compreender como o processo da obsolescência

urbana se articula com o conceito de valor na perspectiva marxista que até aqui tem

sido nosso pilar de reflexão. Tenderíamos nessa divagação colocar o conceito de preço

de maneira isolada do conceito de valor, tornando-o meramente naturalizado e

autoexplicativo.

O preço, quando tomado em uma perspectiva naturalizada, por si só pouco

explica porque um objeto custa x ou y. Daí a necessidade em se considerar o preço

como expressão monetária do valor e esse último como processo das relações de

produção no capitalismo e tudo o que ela contém. Somente quando nos debruçamos

no processo, isto é, o processo do valor corporificado em um objeto (mercadoria), é

que o preço desse objeto passa a ter sentido.

Mas do que se trata a mercadoria? Marx118 (1996, p.165) define a

mercadoria nos seguintes termos:

A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa. Aqui também não se trata de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se imediatamente, como meio de subsistência, isto é, objeto de consumo, ou se indiretamente, como meio de produção. Cada coisa útil, como ferro, papel etc., deve ser encarada sob duplo ponto de vista, segundo qualidade e quantidade. Cada uma dessas coisas é um todo de muitas propriedades e pode, portanto, ser útil, sob diversos aspectos. Descobrir esses diversos aspectos e, portanto, os múltiplos modos de usar as coisas é um ato histórico. Assim como também o é a descoberta de medidas sociais para a quantidade das coisas úteis. A diversidade das medidas de mercadorias origina-se em parte da natureza diversa dos objetos a serem medidos, em parte de convenção.

118

MARX, Karl. O capital - crítica da economia política / vol. I - Livro primeiro: O processo de produção do capital. São Paulo: Coleção “Os Economistas”, Editora Nova Cultural Ltda, 1996.

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148

As mercadorias e os valores nelas corporificados no sistema capitalista, a

sua origem não pode ser refletida que não seja sob a condição do trabalho humano.

Utilizando o método exposto por Marx sobre a mercadoria, sua utilidade faz dela um

valor de uso, mas para que ela seja efetivamente mercadoria, ao mesmo tempo ela

deve ser portadora do valor de troca.

Em outros termos, uma mercadoria, ou qualquer mercadoria, só detém essa

condição quando ela ao mesmo tempo comporta de modo indissociável o duplo

aspecto do valor, no caso o valor de uso e o valor de troca.

De acordo com Marx119, “o valor de uso realiza-se somente no uso ou no

consumo”. Os valores de uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que

seja a forma social desta. E, ao mesmo tempo, os valores de uso são os portadores

materiais do valor de troca, o qual ele se expressa em nosso mundo através do preço

da mercadoria.

O valor de troca expresso no preço da mercadoria é a representação do

valor da mesma, mas o valor só pode representar algo se estiver ligado ao valor de

uso. Por valor devemos compreender que esse é definido pelo tempo de trabalho

socialmente necessário, isto é, o tempo de trabalho social médio despendido no

processo de produção de uma determinada mercadoria e quando esta estiver pronta

será vendida tendo como parâmetro o tempo de trabalho cristalizado nela.

O trabalho despendido na produção de uma mercadoria seja ela qual for,

envolve ao mesmo tempo um duplo aspecto, no caso, o trabalho concreto e o trabalho

abstrato. Quando nos debruçamos sobre a terra-mercadoria, tal questão é fundamental

para se compreender entre outros elementos o peso das localizações na cidade e

como essas se relacionam com diferenciações dos preços entre os lugares, além

daquilo que em nosso trabalho é de fundamental importância, isto é, a renda fundiária

urbana e o modo como essa nos clarifica o processo da obsolescência urbana.

119

Ibidem. p. 166

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149

Antes da terra, tomemos como exemplo uma simples pastilha de freio de

automóveis e um chip de computador. Tanto a produção da pastilha como um chip

envolve inúmeros setores produtivos e etapas para que eles se constituam como

mercadorias, logo envolve um contingente de trabalhadores que executam as mais

diversas tarefas de produção.

Em comum, pastilha e chip tem o fato de ambas serem mercadorias, ou

seja, as duas para deterem a condição de mercadoria são resultado do trabalho

concreto e trabalho abstrato realizado e corporificado na mercadoria. Por trabalho

concreto devemos considerar o trabalho físico e mental específico que resulta na

produção de uma mercadoria qualquer. O valor de uso de uma mercadoria, sua

existência física só é possível na medida em que esse trabalho existe, ou em outros

termos, a mercadoria só é portadora do valor de uso em função do trabalho concreto

nela corporificado.

Porém, o trabalho concreto dispendido na produção de uma pastilha e de um

chip possuem distintas características e particularidades, ou seja, o quantum de

trabalho concreto despendido na produção de ambas às mercadorias se difere, logo o

valor de uso dessas duas mercadorias também difere.

A mesma lógica vale para o trabalho abstrato ou o tempo socialmente

necessário para a produção da pastilha e do chip. Quando falamos de tempo

socialmente necessário devemos considerar o tempo efetivo da produção de todos os

componentes diretos ou indiretos na produção, desde as matérias primas até o produto

final.

Toda e qualquer produção de uma mercadoria exige trabalho concreto, mas

os dispêndios físicos e mentais utilizados nas mercadorias diferem não só pela

diferenciação do trabalho concreto, mas, sobretudo, em função do trabalho abstrato

que está conectado com o trabalho concreto e com o tempo de trabalho socialmente

necessário para a produção de uma mercadoria.

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150

Entre tantas possibilidades, uma das matérias primas utilizada na produção

da pastilha de freio e do chip é o quartzo, considerado por muitos como o mais

abundante mineral da Terra. O trabalho abstrato medido pelo tempo de trabalho social

médio (tempo trabalho socialmente necessário) na produção da pastilha e do chip,

mesmo que ambos possuam como ponto de partida o quartzo se diferem, porém em

qualidade. Não a qualidade no sentindo bom o ruim do termo, mas qualidade do

sentido do valor agregado e diferencial que pastilha e chip contêm. O uso do quartzo

enquanto matéria-prima tanto para um como para outro se difere no que tange as

propriedades a serem obtidas, no caso, a pastilha necessita do silicato e o chip do

silício.

Obter tais propriedades e processá-las até o produto final exige trabalho

concreto que por si só são diferentes e, ao mesmo tempo, demandam de trabalho

abstrato, isto é, a especificidade do trabalho traduzida pela qualidade diferencial

exigida ao longo da produção da pastilha e do chip. Para que seja diferencial exige

tipos específicos e distintos de trabalho determinados pelas qualificações dos

trabalhadores, bem como pelos diferentes tipos de máquinas e tecnologias utilizadas

na produção, sendo que tais máquinas e tecnologias em toda cadeia produtiva também

são resultados do trabalho concreto e abstrato.

E esse trabalho abstrato, o qual contém trabalho concreto e vice-versa, é o

que determina o valor de troca da mercadoria, ou simplesmente o valor da mercadoria.

O que define a diferença do valor da pastilha e do chip, valor esse expresso pelo preço,

é o tempo do trabalho socialmente necessário para se produzir um e outro. Em síntese,

o trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho social médio determina o

valor social da mercadoria, esse traduzido pelo preço.

A questão é que o sistema capitalista simplesmente oculta de modo

intencional que custos e despesas que envolvem mercadorias são frutos de trabalho

realizado e corporificado. Oculta de modo intencional que a taxa de lucro, sua margem

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151

entre um universo que pode ir de x a y é definida não por outra condição que não seja

via a exploração da mais-valia.

Quando trazemos essa reflexão para o contexto da terra-mercadoria na

realidade urbana, a sua dinâmica, o que envolve questões como valor, preços,

localização, renda fundiária entre outros, tende a ser explicada de modo parcial ou com

modelos muito bem elaborados que ocultam que a lógica da terra-mercadoria é

fundamentalmente determinada pela relação desigual e combinada entre capital –

trabalho.

Os preços diferenciais apurados em Santana podem ser compreendidos de

acordo com o ambiente construído e os usos do espaço que se processam na

atualidade. Entretanto, o ambiente construído e os usos do solo não são imutáveis no

tempo e no espaço, logo os preços expressam a sobreposição das condições

passadas, presentes e futuras na dinâmica fundiária urbana. Iremos aprofundar a

análise dessas duas questões, no caso, preços e ambientes construídos no bairro de

Santana mais adiante.

Desse modo, ao se refletir sobre essa questão, toma-se como premissa o

fato de que há inúmeras escalas espaciais e temporais de análise para se

compreender a formação de preços em uma determinada área ou bairro, bem como as

variações internas desses preços nesses ambientes.

Para explicitar a lógica dos preços sob a perspectiva do mercado, em

matéria veiculada pelo jornal O Estado de São Paulo, em outubro de 2010 e intitulada

“Quando dois mais dois podem não ser quatro: a avaliação imobiliária é uma

metodologia complexa, com variáveis subjetivas”, didaticamente essa procura

demonstrar quais os elementos que o mercado imobiliário trabalha quando se trata da

questão preço na realidade cidade. Diz a matéria120 em seus fragmentos:

120

Em: http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,quando-dois-mais-dois-podem-nao-ser-quatro,39227,0.htm. Acesso em 22 de outubro de 2013.

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Calcular o preço de um imóvel pode ser um árduo exercício. "O preço sempre será resultado do desejo de duas pessoas, do vendedor e do comprador" [...] Portanto, nesta conta, dois mais dois pode nunca ser igual a quatro. Avaliações A perita Angela dos Santos Silva, do Secovi ensina, [...] a fazer o cálculo utilizado nas avaliações oficiais, embora alerta que o resultado ainda não será o real. "Faça a pesquisa do preço do terreno no bairro em que está o imóvel, depois calcule o preço de custo de construção do imóvel, que chamamos benfeitoria, e some o resultado ao preço do terreno." Para calcular o preço de custo de benfeitoria multiplique a metragem do imóvel por um dos índices utilizados pelo mercado. O mais comum é o Custo Unitário Básico (CUB), calculado pela Fundação Getúlio Vargas para o Sindicato da Construção (SindusconSP). Há, ainda, o Sinapi, do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Os dois podem ser encontrados nos sites das instituições e também são publicados neste caderno. O diretor de estudos especiais da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp), Luiz Paulo Pompéia, ressalta, no entanto, que esta fórmula não inclui o lucro nem o custo de comercialização, que também são itens que compõem o preço de um imóvel. "O custo de comercialização é a corretagem, que em imóveis novos é de 3,5% a 6%. Nos usados, é de 6%." Em imóveis novos é preciso acrescentar ainda o custo do marketing (6,5%) e o lucro do empreendedor. "Quando se questiona preços, sempre se reclama do preço do terreno e dos custos de construção, mas ninguém fala do lucro", diz. Segundo Pompéia, o mercado trabalha com uma margem de lucro mínima igual ao valor pago pelo terreno. Considerando que o preço do terreno corresponde de 10% a 20% do valor do imóvel, esta é a margem de lucro praticada atualmente. "Em alguns casos, especialmente em imóveis de alto luxo, é ainda maior”. Especificidades Por exemplo, numa rua pode haver predominância de imóveis comerciais de um lado e residenciais do outro. "Se o imóvel estiver na área comercial, vai valer menos". No caso de apartamentos, o andar também faz mudar o preço entre unidades iguais. "Até mesmo o tipo de comprador pode alterar o preço” [...] A incidência de luz solar e da vista também influem. "Se estiver virado para o fosso interno, por exemplo, ou para a face sul, ou no primeiro andar, também vale menos e a venda é mais demorada. (Grifo Nosso)

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De acordo com Arraes; Filho (2008, p. 292), algumas abordagens expressas

nos depoimentos se tratam dos denominados preços hedônicos ou preços implícitos

onde “os bens são medidos pelas características que se mostram relevantes para a

escolha das pessoas, e o consumidor exerce preferências, maximizando utilidade”.

Ainda segundo esses autores, o preço da terra e dos imóveis se dá em função de

características essas vinculadas a três vetores preliminarmente primordiais:

Atributos físicos do bem, vizinhança ou localização ótima e características ambientais inerentes ao imóvel [...]. O capital imobiliário envida estratégia de ação para realização de ganhos fundiários, traduzindo-se em externalidades incorporadas aos preços dos imóveis e

definindo escolhas de famílias com diferentes rendas121.

Para exemplificar alguns elementos e fatores considerados na composição

dos preços dos imóveis, temos o seguinte esquema:

121

Ibidem, p.290.

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Figura 3.1. Modelo Econômico-Financeiro de Preços Hedônicos: Estruturação da

Matriz de Dados

Fonte: Arraes & Filho (2008)

Não há como desconsiderar os modelos relativos aos fatores físicos dos

imóveis considerados pelo mercado na determinação dos preços. Porém, não

considerar o fato de que:

[...] os preços formam o que reflete as condições da produção em diversos lugares em condições variadas de trabalho concreto e que o processo de troca está, em suma, eternamente se abstraindo das especificidades do lugar por meio da formação do preço [...] pavimenta o caminho para a conceituação dos valores independente do lugar, isto é, o trabalho abstrato incorporado em lugares particulares sob condições concretas específicas é uma média social extraída de todas as localizações e condições (Harvey, 2013, p. 436).

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Essa assertiva de Harvey122 coloca em cheque a simplificação ou ocultação

de dois fatores: 1) A que “o preço sempre será resultado do desejo de duas pessoas,

do vendedor e do comprador123", e 2) Que no preço final do imóvel deve se acrescer a

porcentagem da corretagem e no caso dos imóveis novos o custo do marketing e a

taxa de juros do empreendedor.

Em relação ao primeiro fator, precisamos considerar que no mercado de

terras há um embate, pois cada sujeito, no caso o vendedor e o comprador,

desempenham “papéis” muito específicos, além do que o preço não está relacionado à

produção da terra.

Por exemplo, quando se trata de novas edificações no ato do processo da

venda esta representa toda uma cadeia envolvida no processo de produção de uma

edificação, em que na fatia cada agente econômico envolvido vislumbra para si obter

valores de troca, esses expressos nas formas de remuneração do capital, no caso, os

juros, o lucro e a renda. Mas, a composição do preço, de um imóvel ou de uma terra

nua na cidade, não pode ser desarticulado do ambiente construído do qual ele está

situado.

3.2. O Ambiente Construído e a Obsolescência Espacial Urbana

Por ambiente construído consideramos que ele vai além da sua forma física

propriamente dita. O ambiente construído na realidade urbana só ganha sentindo

geográfico na medida em que o consideremos na sua totalidade como uma expressão

da fisionomia relativa à configuração territorial da cidade, suas áreas, seus bairros, os

quais são formados por objetos de todas as ordens produzidos pela sociedade, pelo

Capital e pelo Estado tal como nos ensina Milton Santos (1999).

Nessa perspectiva, ao associarmos o ambiente urbano construído à

configuração territorial, ambos decorrentes da dinâmica ou produção espacial

122

HARVEY, David. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. 123

Ibidem, p. 436

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capitalista, compreendemos que ele traduz a obsolescência urbana. Isso ocorre pois tal

processo é fomentado nos interstícios do modo combinado, desigual e contraditório

como cada segmento presente na realidade da cidade, o que engloba os agentes

econômicos privados, o Estado e os demais segmentos e instâncias da sociedade,

exercem seus mecanismos de controle, ordenamento, conflitos, ganhos e perdas, suas

intenções presentes e futuras, no que tange a disputa pelos usos (valores de uso e

valores de troca) da terra urbana.

De acordo com Girardi (2008, p.36), “a intensidade e a forma da ação de

poder (exercidos pelos segmentos presentes na cidade) nas diferentes dimensões do

espaço originam diferentes tipos de territórios”. Nesse sentindo, os diferentes territórios

na cidade de São Paulo, como averiguamos em Santana, expressam diferentes

ambientes construídos, marcados por múltiplos usos da terra urbana e por um conjunto

de objetos específicos e gerais, que possuem na sua totalidade, enquanto territórios

constituídos, a finalidade de servirem como elementos fundamentais ao processo de

reprodução do capital e da força de trabalho na cidade, mesmo que isso se dê nas

contradições e nos movimentos desiguais da produção da cidade.

Além disso, os diferentes tipos de territórios na cidade abrigam um conjunto

amplo de equipamentos pertencentes ao Estado (federal, estadual e municipal), que

distribuídos de modo desigual no espaço urbano, atuam em diferentes escalas de

intensidade na realidade social e econômica de São Paulo e ao mesmo tempo de

maneira articulada ao capital contribui para as diferenciações sociais e econômicas

vivenciadas por toda população no espaço urbano paulistano.

Tal condição implica e reforça que alguns segmentos da população, direta

ou indiretamente, tendem a se beneficiar mais em detrimento de outros, sendo que isso

vale não só para questões relativas ao que se pode chamar de qualidade de vida, bem

como vale no tocante aos processos de maior ou menor valorização das propriedades

privadas da terra.

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Na comunicação124 entre os mais distintos objetos geográficos produzidos

pelos mais diversos agentes e marcados por formas, estruturas e funções específicas,

é que eles, os objetos justificam suas existências na realidade espacial urbana,

formando um sistema de objetos. Entretanto, esse vínculo possui diferentes graus na

medida em que os objetos ou os sistemas de objetos presentes na cidade são

concebidos de acordo com a lógica da divisão técnica e social do território que se

impõe na realidade urbana.

Goldenstein; Seabra (1982) nos lembram de que o desenvolvimento das

atividades econômicas não se dá de maneira uniforme entre os diversos ramos e seus

setores, além disso, historicamente, há sob o capitalismo a existência de formas

avançadas de divisão do trabalho e a permanente redefinição das proporções e do

significado social e territorial desta divisão.

Para Lipietz (1977 apud GOLDENSTEIN; SEABRA, 1982), podemos levar

em conta duas formas de divisão do trabalho social quando nos reportarmos ao

território. Uma divisão horizontal que se dá entre os diferentes ramos de atividades

econômicas que atuam na cidade e uma divisão vertical entre grupos sociais

(dominados e dominantes), os que possuem os meios de produção, no caso os

capitalistas e os que não os possuem, ou seja, os trabalhadores, também marcados

como classe social pela não uniformidade de suas funções, atividades exercidas e

remunerações recebidas.

Desse modo, para Lipietz125 temos uma relação dialética onde na divisão

horizontal está contida a divisão vertical, levando a divisão social e técnica do trabalho

a ter uma dimensão territorial, porém desigual e combinada, o que notadamente em

uma cidade como São Paulo, expressa uma diferenciação espacial significativa,

124

Quando nos remetemos à ideia de comunicação entre os objetos para que ela ocorra estamos considerando três conceitos gerais relativos ao Espaço e aos objetos geográficos que o compõe, ou seja, a forma, a estrutura e a função que são indissociáveis entre si (Santos, 1997a). 125

Ibidem.

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marcada por áreas e bairros, que em uma escala vão de conteúdos ou ambientes

construídos altamente modernos a ambientes construídos extremamente obsoletos.

Na medida em que alguns objetos não conseguem desempenhar suas

funções para os quais foram criados tendem a ter seus conteúdos alterados,

substituídos por outras funções ou simplesmente tendem a serem eliminados, isso

considerando que os objetos e infraestruturas construídas ao menos em tese, são

produzidas para durar por um longo tempo.

Consideramos que cidades como São Paulo e os bairros que a compõe não

envelhecem - poderíamos também considerar que muitos lugares envelhecem

precocemente – a questão é que o ambiente construído definido pelas mais diversas

tipologias construtivas e infraestruturas estão em constante estado de transformação.

Não porque se trata de um dado natural ou porque simplesmente envelhecem, mas sim

porque se trata de um processo inerente à lógica e exigências do capitalismo, que

demanda para sua própria existência a condição em destruir ou redefinir as formas,

suas funções e conteúdos na medida em elas não mais lhe servem para sua

reprodução.

Destruir, manter e redefinir os objetos que formam o ambiente construído na

cidade são ações fundamentais no sentindo de garantir aos agentes econômicos as

diversas formas de remuneração, mais exatamente o lucro, o juros e a renda, bem

como é condição importante para garantir ao Estado em seus diferentes níveis de

comando (federal, estadual e municipal), os impostos e tributos cobrados, revertidos e

aplicados de maneira seletiva entre as diferentes áreas e territórios da cidade.

Tanto o processo da industrialização-urbanização que em um passado não

muito distante mobilizou vultosos capitais de todas as ordens dos agentes privados e

do Estado (em nível federal, estadual e municipal), além de uma massa exponencial de

força de trabalho, na atual fase da cidade o setor financeiro, bancário, de crédito e o

setor terciário moderno são agentes primordiais no processo de urbanização, exigindo

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e imprimindo continuamente de modo selecionado alterações nos ambientes

construídos para dar sustenção a seus interesses, em especial, na acumulação de

capitais.

Há que se considerar que os objetos presentes na cidade nos tempos atuais,

em função de suas mais variadas escalas, determinadas pelas suas formas, conteúdos

e funções, bem como pelas suas localizações possui um caráter relativo, isto é, um

conjunto de objetos consegue entre si se comunicar com maior eficiência do que

outros. Logo, podemos falar em uma obsolescência técnica, mas socialmente

determinada dos objetos que não conseguem cumprir as exigências determinadas

pelos setores modernos presentes no sistema capitalista e que se espacializam na

cidade.

Mas, essa condição seria suficiente no sentindo de responder pelo processo

da obsolescência espacial urbana? Entendemos que não. Os ambientes construídos e

os seus respectivos usos, pretéritos e presentes, só podem ser compreendidos na

medida em que consideremos os propósitos dos diversos agentes que formam a

sociedade. Os agentes econômicos privados e o Estado, historicamente em ações

combinadas e contraditórias, constroem, destroem e reconstroem diferentes ambientes

ou territórios na cidade de São Paulo, o que implica na determinação e alteração dos

valores de uso ligados a terra urbana, e, sobretudo, no redimensionamento dos valores

de troca.

Em que pese à repetição, trata-se o ambiente construído na sua totalidade

constituído por objetos geográficos, como nos diz Milton Santos (1999), ou pelos mais

elementos diversos como nos assevera David Harvey (2013, p. 315), uma longa e

infinita lista composta por fábricas, casas, prédios, lojas, armazéns, rodovias, ruas,

avenidas, hidrelétricas, sistemas de fornecimento de água e coleta de esgoto, escolas,

cinemas, teatros, parques, hospitais, autarquias e órgãos públicos e privados das mais

diversas ordens, em suma uma listagem interminável.

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O ambiente construído vai além de uma listagem ou de características das

quais apontamos até aqui, isto é, para que possamos articulá-lo ao fator preço,

devemos considera-lo ainda como um capital fixo imóvel, o qual nos dizeres de Harvey

funciona como um vasto recurso compreendendo valores de uso incorporados no

ambiente construído e são utilizados pelo capital conforme suas necessidades para a

produção, a troca e o consumo.

Além disso, deve-se anotar que os valores de uso do ambiente construído a

partir da ótica da produção podem ser considerados tanto do ponto de vista das

condições gerais de produção quanto forças diretas da produção. Isso implica quando

se considera o ambiente construído como capital fixo em que melhorias e renovações

na terra urbana são necessárias sob a ótica do processo de ampliação do capital.

Essa realidade não pode ser outra, afinal as forças produtivas no sistema

capitalista, o que inclui a terra urbana e tudo o que ela contém, demandam de

constantes ações revolucionárias e ressignificações no sentindo de potencializar a

produção propriamente dita no sentindo de pelas mãos do sistema financeiro,

intensificar a troca e o consumo dos valores de uso.

Os elementos ou objetos do ambiente construído e todas as partes que o

constitui, na medida em que ele vai sendo formado, de acordo com Harvey126 “têm uma

posição ou localização espacial como atributo mais fundamental do que incidental”.

Desse modo, os elementos que são alocados ou produzidos (valor de uso) devem ser

ou ficar reunidos de forma integrada ao conjunto espacial de um dado lugar de tal

maneira que garantam aos seus proprietários um retorno significativo a partir do

arrendamento a terceiros dos valores de uso que esses elementos possuem ou uma

valorização de suas propriedades.

126

Ibidem, p. 316

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Nesse sentido Harvey (2013, p.316) nos diz que:

Toda questão de ordenação espacial do ambiente construído tem então de ser considerada; a decisão de onde colocar um elemento não pode ser divorciada do “onde” dos outros. O ambiente construído tem então de ser encarado como uma mercadoria geograficamente ordenada, complexa e composta.

Os elementos que compõe o ambiente construído se dão em diferentes

tempos e espaços, considerando aqui a escala do bairro. A produção, o modo como

são dispostos, suas manutenções, renovações, alterações, possui dilemas como nos

assevera Harvey, pois os elementos individuais que pertencem aos seus proprietários

devem nessas ações fazer com que suas mercadorias assumam uma configuração

apropriada onde estão localizadas. Caso isso não ocorra a contento sob a lógica do

mercado fundiário, as interferências nos preços praticados (compra, venda e locação),

podem ser seriamente e negativamente afetados e quadros de obsolescência espacial

podem se instalar no ambiente.

Porém, a regulação do ambiente construído vai além dos proprietários

individuais, isto é, tanto o Estado, como o mercado fundiário, esse cada vez mais

controlado pela esfera financeira, também desempenham ações significativas nesse

processo, sobretudo, no que diz respeito ao planejamento do uso do solo e na

constituição de novos valores de uso, sejam eles constituídos de bens privados ou

públicos.

Caso nem um dos três agentes envolvidos nos processos que o ambiente

construído demanda façam os investimentos necessários ao longo do tempo, ele, o

ambiente, suas parcelas acabam por ter seus preços depreciados face outros

ambientes que não sofrem esses desinvestimentos. A consequência disso é a

formação de áreas e setores obsoletos fisicamente, tecnicamente e economicamente

falando.

Tanto os ambientes construídos que se mantenham geograficamente

satisfatórios sob a lógica do mercado de terras como aqueles que caminham ou

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possuem realidade inversa aos primeiros, imprimem aos elementos ou objetos

constituintes desses ambientes um preço, sejam eles relativos aos aluguéis praticados

dos antigos elementos (comercial, residencial, industrial e outros), sejam eles relativos

ao preço de produção de novos. Há em Harvey127 uma clarificação sobre a relação

entre o ambiente construído e o preço, diz ele:

Os preços formam o que reflete as condições da produção em diversos lugares em condições variadas de trabalho concreto. O processo da troca está, em suma, eternamente se abstraindo das especificidades do lugar por meio da formação do preço. Isso pavimenta o caminho para a conceituação dos valores independem do lugar. O trabalho abstrato incorporado em lugares particulares sob condições concretas específicas é uma média social extraída de todas as localizações e condições.

Por tratar-se de um capital fixo imóvel o ambiente construído não difere da

lógica pertinente de outros capitais fixos, em especial, aqueles da esfera da produção

industrial, ou seja, de acordo com Harvey128 quanto maior o tempo de durabilidade

desse capital, maior a probabilidade em incorrer sua desvalorização por meio de

alterações tecnológicas.

No caso do ambiente construído, além do fator tecnológico das edificações,

temos também a posição econômica do qual este ambiente está localizado. Se essa

posição ou localização para o conjunto dos agentes econômicos, e isso inclui os do

setor imobiliário, consegue atender as demandas das remunerações do capital ele

tende sempre cada vez mais se valorizar, caso contrário ocorre à desvalorização e

associado a essa condição o processo da obsolescência espacial.

3.3. O Ambiente Construído de Santana

Como afirmamos o espaço urbano de Santana é diretamente derivado do

processo de reprodução da Metrópole de São Paulo. Principal centralidade da zona

norte da capital desde tempos passados, na medida em que sua estrutura espacial foi

127

Ibidem, p. 437 128

Ibidem, p.304

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sendo alterada, as contradições desse processo se delinearam de tal modo, que o

antigo bairro, dos anos de 1950, se fragmentou em tal ordem que hoje ele comporta

diferentes realidades espaciais em seu ambiente construído e nos preços fundiárias

praticados.

No tocante a configuração de seu ambiente construído, Santana possui

particularidades únicas. Somos cientes que somente a exposição desse ambiente não

é suficiente para responder e revelar o processo da obsolescência espacial. Entretanto,

para que possamos mais adiante analisar a dinâmica fundiária do bairro e como essa

se conecta com a obsolescência, tal caminho se faz necessário.

O ambiente construído da nossa área de estudo está assentando sobre dez

eixos fundamentais de circulação interna (Figura 3.2) , sendo que sete desses também

são fundamentais na ligação de Santana com as demais áreas da cidade.

Longitudinalmente temos no sentindo leste – oeste quatro eixos, a saber: a

Rua Dr. Zuquim, a Avenida Cruzeiro do Sul, Rua Voluntários da Pátria, e Avenida

Santos Dumont. Dos quatro eixos dois estão presentes somente na porção da várzea,

no caso a Cruzeiro do Sul e a Santos Dumont. Já as ruas Voluntários e Dr. Zuquim

fazem ligação desde o começo da várzea passando pela área de transição até alcançar

a porção da colina.

Latitudinalmente se fazem presentes na porção da várzea às Avenidas Assis

Chateaubriand e Braz Leme, além da Rua Alfredo Pujol sendo as três vias importantes

acessos para inúmeras regiões de São Paulo. Também latitudinalmente se fazem

presentes as Avenidas Olavo Fontoura, General Ataliba Leonel e Avenida Zaki Narchi,

mas que se limitam à circulação interna no bairro.

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Figura 3.2. Eixos Fundamentais de Circulação em Santana

Legenda

Principais vias de tráfego.

332000

7399000

7401000

336000

Legenda

0 250 500 1000 m

Organização: Leandro de Souza Pinheiro, 2015.

André Vinícius Martinez Gonçalves, 2015.

Fonte: Google Maps.

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A Rua Dr. Zuquim (Figura 3.3) que tem início a partir da Avenida General

Ataliba Leonel na porção a várzea se destaca como principal via dentro da área do

antigo Projeto Cura (Figura 3.4) do qual expusemos no capítulo dois. Essa avenida

possui dois pavimentos espremidos destinados a veículos particulares e um pavimento

exclusivo nos períodos da manhã e final do dia destinado ao tráfego do transporte

coletivo e é importante rota de acesso para quem deseja acessar a porção da colina de

Santana e outros bairros que se situam na região da Serra da Cantareira.

A realidade do ambiente desse eixo não difere daquilo que se encontra nos

quarteirões e ruas que compreendiam o projeto, trata-se de um ambiente que possui

usos mistos do solo, porém na sua maior parte, constituídos de edificações antigas e

em muitos casos em mal estado de conservação. Essa situação do ambiente

construído se intensifica na medida em que a via avança em direção à colina onde

predomina o uso residencial horizontal. Ao longo da Zuquim a taxa de vacância é

superior aos 20% ao total dos imóveis presentes, ou seja, limite muito superior ao

aceito pelo mercado imobiliário em São Paulo conforme explicitado no capítulo um.

Ao mesmo tempo se constata tanto na área que abrangia o Projeto Cura

como ao longo da Rua Dr. Zuquim inúmeras casas colocadas à venda, terrenos

oriundos de demolições de imóveis adquiridos o qual deduzimos seja por

incorporadores imobiliários, bem como lançamentos e produção de edifícios de uso

comercial e residencial. Mencionar de modo assertivo um tempo é temerário, mas

diante do quadro verificado podemos afirmar que existe uma forte tendência de

transformação via processo de verticalização dessa rua e áreas adjacentes, sobretudo,

aquela do Plano Cura e como consequência desse processo uma elevação do preço

por m² até aqui praticado pelo mercado de terras no bairro

.

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Figura 3.3. Trechos do Ambiente Construído Obsoleto da Rua Dr. Zuquim

Fotos: André V. M. Gonçalves (2013, 2014, 2015)

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Figura 3.4. O Moderno e o Obsoleto na Antiga Área do Projeto Cura

Fotos: André V. M. Gonçalves (2013, 2014, 2015)

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Avenida Cruzeiro do Sul está situada entre as estações do metrô Tietê e

Santana . Essa avenida que é paralela à Rua Voluntários da Pátria, dá acesso à

marginal Tietê e liga Santana e região com a porção central da cidade, em especial as

regiões do Pari, Brás e Sé e via a ponte Cruzeiro do Sul localizada na altura da estação

Tietê dá acesso também à Avenida do Estado que propícia ligação com os bairros da

zona sudeste, os municípios do grande ABC e o sistema Anchieta-Imigrantes.

Nessa avenida marcada por largas pistas, observa-se, no canteiro central

um conjunto interminável de colunas que sustentam o metrô de superfície. Ao longo

desse entre as estações Tietê e Santana se faz presente um conjunto considerável de

grafites, pista de ciclovia e os dispositivos "anti-mendigos” no sentindo de evitar que

moradores de Rua possam dormir no local (Figura 3.5) Entretanto, tais dispositivos são

adaptados por esses moradores, muitos deles usuários de crack, ora como boca de

fogão, ora como suporte para seus carros de madeira.

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Figura 3.5. – Avenida Cruzeiro do Sul – Arte e Arquitetura (Anti) Humana

Fotos: André V. M. Gonçalves (2014)

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No tocante as edificações a partir da marginal Tietê, situa-se na estação

metroviária do Tietê o complexo que forma a Rodoviária do Tietê, e no entorno dessa

se fazem presentes alguns estacionamentos. De um lado e de outro da avenida, são

presentes pequenas casas de uso residencial e outras de uso comercial dos mais

variados segmentos, se destacando lojas de móveis sofisticados.

Entretanto, a maior parte das edificações presentes nessa avenida

apresenta aspecto de má conservação predial e abandono, e muitas delas atualmente

estão colocadas à venda ou para locação (Figura 3.6). Em função dos preços elevados

exigidos pelos proprietários de muitas edificações, esses não encontram quem esteja

disposto a arcar com o custo e/ou investimento, seja em relação à locação de imóveis,

seja em relação à compra desses. Nota-se também que algumas edificações passaram

recentemente por reformas, em especial, algumas próximas ao Parque da Juventude.

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Figura 3.6. A Obsolescência na Avenida Cruzeiro do Sul

Fotos: André V. M. Gonçalves (2014)

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Próximo à estação Tietê inicia-se a Rua Voluntários da Pátria, essa

considerada como uma das principais via de circulação do bairro. Ali se localizam

estacionamentos horizontais ocupando terrenos de médio e grande porte. É crível

constatar que alguns estacionamentos ocupam terrenos de antigas fábricas, dado que

alguns mantiveram as torres de chaminé e pequenas edificações que trazem o nome

das antigas fábricas (Figura 3.7).

Figura 3.7. Da Fábrica ao Estacionamento

Foto: André V. M. Gonçalves (2014)

No entorno desses estacionamentos, nota-se ainda um mosaico de

pequenas casas, de um e dois pavimentos, que de acordo com informações locais, são

edificações construídas entre os anos de 1940 e 1960, e, se encontram em estado

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deteriorado, abrigando uma ou outra residência, algumas delas cortiços, prostíbulos e

botecos de cunho mais “popular”.

Nesse pequeno trecho entremeado por edificações com profundas marcas

de obsolescência, o novo e moderno coexistem, onde cada vez mais a segunda

realidade se impõe sobre a primeira visto que se constata intervenções do mercado

imobiliário, remembrando terrenos, demolindo antigas edificações e ao mesmo tempo

erguendo prédios comerciais (Figura 3.8).

Figura 3.8. Processo de Verticalização no Começo da Rua Voluntários da Pátria (Metrô Tietê)

Fotos: André V. M. Gonçalves (2014)

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A Rua Voluntários da Pátria a partir da estação do Carandiru em direção a

estação metroviária de Santana forma o principal trecho comercial do bairro. As

edificações nessa área em sua maioria foram constituídas ao longo dos anos de 1950 e

1960, porém encontram-se edificações dos anos de1920, 1930, 1940 e outras

edificadas nos anos de 1970 e 1980.

Muitas dessas edificações possuem dois pavimentos. As poucas fachadas

que não estão tomadas ou escondidas por placas, banners e outdoors do comércio

local, mostram-se em estado não satisfatório de conservação. Em geral os pavimentos

inferiores são ocupados por lojas, sobretudo, ligadas ao segmento de roupas e

calçados de segunda linha. Os pavimentos superiores são ocupados em boa medida

por atividades comerciais ligadas a produtos artesanais, pequenos escritórios e

consultórios e comércio de bijuterias também de segunda qualidade (Figura 3.9).

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Figura 3.9. Ambiente Construído Obsoleto no Trecho Comercial de Santana

Fotos: André V. M. Gonçalves (2012, 2013, 2014)

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Na Rua Voluntários da Pátria também se localiza o primeiro shopping da

região - o Shopping Santana, inaugurado em 1981 (Figura 3.10) , terreno anteriormente

ocupado pelo cine Hollywood. Comparativamente aos shoppings atuais, esse pode ser

considerado em um linguajar popular “um primo pobre dos shoppings”. Na essência,

esse shopping, mais se assemelha a uma pequena galeria de dois andares que contém

lojas de roupas. Não diferente do que ocorre em todo trecho comercial da Rua

Voluntários da Pátria, esse ambiente manteve até meados dos anos de 1990 um

conjunto de lojas voltadas a uma classe de poder aquisitivo mediano. Ali também era

mantida uma sala de cinema, ou seja, era denominado como um dos cinemas de bairro

da cidade. Porém, as lojas ali presentes deram gradualmente espaço a outras de

segunda linha e o cinema foi desativado.

Figura 3.10. Shopping Santana

Foto: André V. M. Gonçalves (2008)

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Em síntese, nos últimos quinze anos o comércio local, em específico da Rua

Voluntários, passou por significativas mudanças. Das antigas lojas dos anos de 1960,

1970, 1980 1990, que quando comparadas com as atuais, eram consideradas no senso

comum, como sofisticadas, nada resta. Gradativamente essas lojas “mais sofisticadas”,

principalmente de calçados e roupas, foram dando lugar a lojas de mesmo segmento,

mas de qualidade inferior e preços mais acessíveis, ditos populares.

Também é fato que nos últimos dez anos, grandes cadeias de lojas de

móveis e eletrodomésticos, onde o crediário e longas prestações são o grande atrativo,

tornaram-se realidade ao longo da Rua Voluntários da Pátria. Conta-se pelo menos 10

lojas dessas grandes cadeias, entre elas as Casas Bahia, Marabraz, Extra e outras.

No ambiente construído até o ano de 2010, o que chamava a atenção nessa

área comercial era o número expressivo de tabuleiros e barracas do comércio

ambulante, algo em torno 350 que vendiam de tudo. Como em uma grande feira,

misturado ao intenso barulho produzido pelo trânsito se podia comprar Cd´s e DVD´s

pirateados, óculos de sol e de grau com direito a teste e “garantia”, tênis, roupas,

bolsas, bijuterias etc.

No início da ocupação da Rua Voluntários da Pátria por parte dos

ambulantes, em meados dos anos de 1990, os comerciantes locais, adotaram como

estratégia de impedir o processo colocando em frente de suas lojas gigantescos vasos,

o que não impedia a presença das barracas, mas a soma dos dois elementos se

tornava um empecilho ao trânsito de pedestres.

Com o passar do tempo, ambulantes e comerciantes procuraram

estabelecer acordos ou projetos que os beneficiassem de comum acordo. Mas, à

medida que as lojas tradicionais deixaram a Rua Voluntários, o movimento perdeu

força, pois os novos ocupantes dos pontos comerciais que em geral são cadeias de

lojas de segmento popular, as grandes cadeias de móveis e eletrodomésticos, não

estavam interessadas na melhoria e na organização do local. Em entrevistas que

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realizamos com lideranças dos camelôs e alguns lojistas entre o final de 2008 e

começo de 2009, não ficou claro o porquê dessa falta de interesse. Por hipótese

deduzimos que o comércio ambulante tinha um poder significativo em atrair

consumidores. As lojas de segmento popular que estavam cada vez mais se fazendo

presentes no trecho comercial de Santana se aproveitavam dessa situação e através

dos famosos crediários conseguiam atrair para dentro das lojas potenciais

consumidores.

Por parte da população residente em Santana, a presença dos camelôs era

o fator responsável pela degradação do principal trecho comercial de Santana.

Condição essa a qual não concordamos.

Iniciada em dezembro de 2009, a Operação Delegada, um convênio entre a

Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria de Coordenação das Subprefeituras e

o Governo do Estado começou através de policiais militares em seus dias de folga a

coibir esse tipo de comércio nas ruas da cidade. Em Santana, essa operação teria

inicio em meados de 2010. Removidos das ruas esses ainda resistiriam se situando no

entorno da estação Santana do metrô, porém por pouco tempo. Ao longo da Rua

Voluntários a subprefeitura providenciou a construção de canteiros, caixas com gramas

e flores no sentindo de coibir e impedir a presença de barracas e tabuleiros (Figura

3.11).

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Figura 3.11. O Comércio de Rua na Voluntários da Pátria - O Antes e O Depois

Fotos: André V. M. Gonçalves (2008, 2014)

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A consequência desse processo nos dias atuais é: i) Melhoria no fluxo de

pedestres e ii) Diminuição significativa no volume de pedestres, o que impacta

diretamente os negócios das lojas existentes no setor comercial de Santana.

Atualmente, em relação aos camelôs, esses em um número muito reduzido

se fazem presentes, sobretudo, entre a madrugada e as primeiras horas da manhã, em

especial, no entorno da estação metroviária, com destaque para os tabuleiros que

ofertam café da manhã aos trabalhadores que por ali circulam.

Em relação ao ambiente construído na porção conhecida como colinas e

outeiros de Santana ou alto de Santana e que continua tendo como principal via de

circulação a Voluntários da Pátria, sua topografia entre outras características é na

maior parte marcada pela presença de ladeiras e ladeirões íngremes.

Outra característica das áreas de colinas fica a cargo das ruas que

diferentemente da planície, em geral são mais estreitas e seguindo a topografia local

são significativamente íngremes. É importante anotar que durante o processo de

ocupação das colinas no final do século XIX, os animais de tração, muares em

especial, eram utilizados para acessar as partes mais altas.

A questão é que não houve uma transição ou readequação das vias para o

motorizado, acarretando, sobretudo, a partir dos anos de 1980 quando se intensifica o

processo de verticalização dessa área certa dificuldade de fluidez dos veículos, em

especial, nos horários de picos matutinos e vespertinos. Entretanto, esse fator negativo

não se tornou elemento impeditivo para a continuidade do processo de verticalização

nessa porção de Santana.

Em função do problema de fluidez do trânsito é que há por parte da

prefeitura desde o ano de 2008 a intenção de abrir e ampliar a via de acesso entre a

várzea e colina pela Rua Dr. Zuquim, ruas adjacentes e ampliação da Avenida Cruzeiro

do Sul (Figura 3.12), ligando esses eixos com outra avenida chamada Engenheiro

Caetano Álvares.

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Figura 3.12 - Área de Abrangência da Ligação Viária – Avenida Cruzeiro do Sul – Avenida Eng. Caetano Álvares

Fonte: Instituto de Engenharia de São Paulo / Programa de Desenv. Sistema Viário Estrag. Metrop. São Paulo - www.skyscrapercity.com

Esse fato tem ocasionado na área eventualmente afetada uma corrida por

parte do mercado imobiliário em busca da compra de casas e terrenos, para a

produção de edifícios de uso residencial, situação da qual indicamos anteriormente.

A Rua Voluntários da Pátria entre a Rua Alfredo Pujol e a Rua Francisca

Júlia possui sentido de mão única direção bairro – centro . Do entroncamento da Rua

Voluntários da Pátria com a Rua Francisca Júlia em direção à região do Mandaqui, a

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Voluntários ganha duas mãos de tráfego, sendo permitida a circulação de veículos

particulares, ônibus e caminhões, porém como a via é estreita, esse trecho é um dos

que mais possui tráfego lento e pesado.

Ao longo da Rua Voluntários da Pátria no trecho da colina, que até a

década de 1970 era marcada pela horizontalidade das edificações , hoje predomina

como uso do solo prédios residenciais de médio e alto padrão (Figura 3.13), e um

pequeno e disperso comércio marcado por padarias, postos de gasolinas, pizzarias,

bares, restaurantes e lojas de todas as ordens. Porém nota-se na porção da colina

(Rua Voluntários da Pátria e adjacências) ambientes marcados por uso residencial

horizontal em estado de obsolescência física dos imóveis (Figura 3.14).

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Figura 3.13. O Processo de Verticalização da Colina

Fotos: André V. M. Gonçalves (2014)

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Figura 3.14. Quadros de Obsolescência na Colina

Fotos: André V. M. Gonçalves (2013, 2014)

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Além disso, nos últimos dez anos são notados cada vez mais a presença

crescente de prédios de uso comercial, em meio aos edifícios residenciais e

residências unifamiliares.

Um aspecto peculiar do ambiente construído da Rua Voluntários da Pátria é

o elevado número de hospitais, clínicas e consultórios médicos. Junto à Capela de

Santana Cruz, tem-se o Hospital e Maternidade Santana (particular), que além de

prédio próprio, adquiriu praticamente as poucas casas que ficavam ao seu redor.

Outros destaques são os hospitais públicos formados pelo Complexo Hospitalar

Silvério Gomes, Complexo Hospitalar do Mandaqui e o Hospital Infantil Zona Norte, que

ocupam terrenos de significativo porte e se localizam próximo à Avenida Engenheiro

Caetano Álvares, na região do Mandaqui. Entretanto, em que pese a considerável

circulação de pessoas que acessam esses hospitais e seus serviços é diminuto a oferta

de comércio que aproveitem esse diferencial, isso muito em função da pouco

disponibilidade de edificações voltadas para esse uso em função do alto grau de

ocupação do solo por prédios de uso residencial.

No tocante a Avenida Santos Dumont configurada por largas pistas que

desaguam na Avenida Tiradentes, essa se constitui como importante elo entre Santana

e zona norte com a região central de São Paulo.

Na direção bairro-centro, na sua aba esquerda entre as estações

metroviárias do Tietê e Carandiru possui largas calçadas e quarteirões, esses formados

em paralelo com a Rua Voluntária da Pátria os quais são tomados por imóveis de

padrão horizontal de uso residencial que ocupam pequenos e médios lotes e

entremeados a essa condição edificações voltadas ao uso comercial.

Em relação às edificações voltadas ao uso comercial, há uma oscilação

entre pequenos e grandes estabelecimentos. Aos pequenos estabelecimentos, ficam

restritos a atividades do dia a dia, como pequenos bares, papelaria, uma ou outra loja

de roupa, xerox, material para escritório etc. Aos grandes estabelecimentos ficam

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destinados, grandes terrenos, ocupados por postos de gasolina, igrejas evangélicas e

drive ins.

Nas proximidades dessa avenida, também do lado direito próximo a estação

metroviária Tietê se faz presente o Centro de Zoonose do Município de São Paulo que

ocupa praticamente uma única e gigantesca quadra.

No trecho final da Avenida Santos Dumont próximo à estação metroviária

Santana, se localizam quatro grandes concessionários de veículos nacionais e

importados, além de outras edificações, como um prédio residencial de dez

pavimentos, algumas poucas casas, escola e supermercado.

Na aba esquerda dessa avenida só se faz presente todo o complexo do

Aeroporto Campo de Marte que ocupa uma área aproximada de 2,1 milhões de metros

quadrados, sendo desse total, 975.226,59 metros quadrados administrados pela

Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) desde fevereiro de 1979 e

é delimitado por um gigantesco quadrado formado por essa avenida, pela Avenida

Olavo Fontoura e pela Avenida Braz Leme.

A grande questão em relação ao aeroporto é a sua manutenção no local. De

tempos em tempos, conforme dissemos no capítulo dois, cogita-se, em especial, por

parte da PMSP e mercado imobiliário a desativação do aeroporto. Questão essa que

retomaremos mais adiante.

Entre as Avenidas Olavo Fontoura e Assis Chateaubriand se encontra o

complexo Parque Anhembi considerado como o maior centro de eventos da América

Latina. Revitalizado nos últimos anos, ocupa uma área de cerca de 363 mil metros de

área abrigando o Pavilhão de Exposições.

Além desse equipamento se faz presente o Polo Cultural Grande Otello

(Sambódromo) que possui 70 mil metros de área para eventos ao ar livre. O complexo

também comporta o hotel Holliday Inn, com algo em torno de 780 apartamentos.

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Também se fazem presentes nessa área o Clube Espéria e hangares privados que

integram o Campo de Marte.

No tocante a Avenida General Ataliba Leonel essa do seu lado direito

sentido Avenida Luiz Dummont Vilares que dá acesso à região do Tucuruvi é marcada

por dois equipamentos públicos, toda lateral do Parque da Juventude e Penitenciária

Feminina. Do seu lado esquerdo basicamente o uso do solo se dá pela ocupação de

edificações residenciais de padrão horizontal, quase todas antigas e em mau estado de

conservação. Após a constituição do Parque da Juventude, mesmo que ainda de

maneira inibida há em curso uma alteração no ambiente construído dessa área com a

produção de edificações de padrão horizontal de médio e grande porte de uso

comercial, além da produção de edifícios verticalizados de uso residencial.

Avenida mais recente no contexto do ambiente construído de Santana a

Avenida Zaki Narchi, é marcada pelo uso comercial do solo com grandes

concessionárias de veículos e lojas de móveis e roupas para bebês, além da

disponibilidade de terrenos. Essa avenida se constitui com principal acesso a “cidade”

Center Norte, assim denominada por seus proprietários, a família Baumgart, que ocupa

uma área de 590 mil metros quadrados e que se localiza na Avenida Otto Baumgart.

Nessa área estão assentados o Shopping Center Norte, o Lar Center (shopping

temático voltado ao segmento moveleiro e de decoração) e o Expo Center Norte. Em

2000, o quarto empreendimento do grupo Baumgart foi inaugurado na Avenida Zaki

Narchi. Trata-se do Novotel Center Norte, com administração Grupo francês Accor, que

ocupa área de 28 mil metros quadrados. O ambiente construído dessa área possui um

contraste, ou seja, ao longo da Avenida Zaki Narchi, em frente ao Novotel localizam-se

um Cingapura, e um gigantesco terreno que abrigava a favela Zaki Narchi. Abrigava,

pois, em 2005 em função de um incêndio que destruiu 80 barracos e deixou mais de

350 pessoas sem suas casas. Além disso, ao lado do Novotel encontra-se o Depatri

(órgão da polícia civil de São Paulo).

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A Avenida Braz Leme e ruas adjacentes (Figura 3.15) entre os anos de 1980

e 2000 passou por um intenso processo de verticalização marcado por um conjunto

contínuo de prédios residenciais voltados para uma classe média de poder aquisitivo

elevado e junto com o alto da Voluntários da Pátria é considera como uma área “nobre”

do bairro. Além dos edifícios de uso residencial, há a existência de um e outro edifício

de uso comercial, bem como uma gama considerável de bares e restaurantes. Um

aspecto peculiar da avenida é em relação ao seu canteiro central altamente arborizado

com pistas de caminhada e cliclovia os quais são utilizados intensamente pelos

moradores locais.

Em muitas ruas adjacentes a essa avenida ainda prevalece o padrão

horizontal de uso residencial de médio e alto padrão, intercalado com um e outro uso

comercial. Porém, cada vez mais tal como ocorre na Rua Alfredo Pujol inúmeros

empreendimentos voltados à produção de prédios de uso residencial e alguns de uso

comercial se fazem presentes

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Figura 3.15. Avenida Braz Leme e Região

Fotos: André V. M. Gonçalves (2014)

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No seu trecho inicial e miolo, a Rua Alfredo Pujol (Figura 3.16), configura-se

como plana, com predominância de edificações de padrão horizontal. As edificações

praticamente são todas voltadas ao uso comercial, abrigando lojas de roupas, escolas

de línguas estrangeiras, cursinhos, padarias, e como destaque encontra-se a sede da

Gazeta da Zona Norte, jornal de bairro tradicional da Zona Norte. A sua parte final é

onde apresenta um maior volume de prédios de uso residencial produzidos nos últimos

dez anos.

Figura 3.16. Elementos do Ambiente Construído da Rua Alfredo Pujol

Fotos: André V. M. Gonçalves (2014)

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As ruas transversais a ela são marcadas por ladeiras e ladeirões e abrigam,

na sua maioria, casas de uso residencial de médio padrão. Porém, o que mais chama

a atenção é que ao longo dessa via, gradualmente em função da ação do mercado

imobiliário casas e mais casas são demolidas e os respectivos terrenos que as

abrigavam começam a dar lugar a prédios de uso residencial, muitos deles em fase de

construção.

3.4. Os preços da terra no bairro de Santana

Aqui não é nosso objeto analisar individualmente o preço de cada unidade

ou propriedade, mas deve ser ressaltado que isso seria perfeitamente possível de ser

realizado.

Para tentar entender o processo de valorização imobiliária, consideramos

necessário analisar as alterações do preço da terra e das edificações.

Metodologicamente procuramos averiguar o preço da terra em Santana em diferentes

períodos (1985, 1990, 1995, 2000, 2005, 2010 e 2013) a partir de consulta no caderno

de imóveis do Jornal A Gazeta da Zona Norte, na secção de locação de imóveis.

A ideia seria estabelecer um parâmetro entre a localização do imóvel e o

aluguel praticado. Isso, entretanto, se mostrou inviável, pois, os anúncios dificilmente

indicam a localização exata do imóvel.

Uma alternativa adotada, e talvez discutível, foi à consulta a Planta Genérica

de Valores do Município129 que se mostrou, do ponto de vista técnico, mais trabalhosa,

mas ao mesmo tempo mais objetiva, pois ela permite consultar os valores venais130 por

129

Utilizamos o mapa da Planta Genérica para o ano de 2013 disponibilizada para consulta popular na internet pela PMSP. 130

De acordo com o Vocabulário Jurídico Vol. IV_Q-Z, 12ª ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 1993, p. 456, o valor venal é uma estimativa que o Poder Público realiza sobre o preço de determinados bens. Sua finalidade principal é servir como base de cálculo de certos impostos e, em alguns casos, de emolumentos judicias/administrativos. Para sua quantificação são utilizados critérios objetivos estabelecidos em lei que variam segundo o tempo e o lugar em que o bem se encontra, e segundo o seu gênero e espécie. Tratando-se de bens imóveis, o valor venal é calculado levando em conta o preço que a unidade imobiliária alcançaria em uma operação de compra e venda simples, considerando a função da

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logradouros. Foram selecionados os distritos de Santana e Vila Guilherme, pois, os

logradouros da área de estudo pertencem a essas duas unidades.

A dificuldade foi localizar todos os logradouros e separar um a um os valores

apontados na planta. Após essa tarefa, como já havia sido realizada a divisão da área

a partir da análise do ambiente construído, a etapa seguinte foi verificar se havia

proximidade ou equivalência do metro quadrado dos diferentes logradouros localizados

nas subáreas determinadas quando da análise do ambiente construído.

Na maioria dos casos, algo em torno de 95%, os valores eram próximos ou

iguais. A partir disso, obteve-se uma média ponderada, isso é, foi somado o valor de

todos os logradouros expostos na narrativa do ambiente construído do bairro de

Santana, e posteriormente das quadras, sendo o total da soma dividido pelo total do

número de quadras. No entanto, não ficamos satisfeitos com o resultado, pois o

objetivo era verificar os preços em reais do m² considerados pelo mercado imobiliário.

Adotando o mesmo procedimento utilizado para a Planta Genérica foi

pesquisado em diferentes sítios (internet131) que trabalham e divulgam preços

praticados pelo mercado imobiliário no bairro. De certa forma a diferença entre os

valores que constam na Planta Genérica e os preços indicados pelo mercado

imobiliário proporcionalmente se equivalem quando se considera o metro quadrado.

Isso ocorre porque a Planta Genérica de Valores do Município de São Paulo se baseia

nos preços praticados pelo mercado, o que inclui não só os agentes imobiliários

propriamente ditos, bem como os proprietários dos imóveis.

área da edificação, as características do imóvel (idade, posição, tipologia), sua utilização (residencial ou não) e seu respectivo valor unitário padrão (valor do metro quadrado dos imóveis no logradouro). 131

Inúmeros sites foram consultados, entretanto três se destacam pela quantidade e qualidade das informações. São eles: Zap Imóveis - http://www.zapimoveis.com.br/?gclid=CPGzw8KvrcMCFUQ7gQodtx4ABQ; ZN Imóveis - http://www.zapimoveis.com.br/tr/imoveis/agr+sp+sao-paulo+zona-norte/?gclid=CJ-sifOvrcMCFUE2gQodoHQAyg, Geoimovel- http://www.geoimovel.com.br/g3/default.asp#&panel1-1.

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193

Aquilo que aparentemente se apresenta como um espaço geográfico

homogêneo, no caso o bairro de Santana, gradativamente, é diluído pela diferenciação

do ambiente construído e pelos preços do m² praticados. Por praticidade e didatismo,

dividimos a área de estudo em sete subáreas considerando esses dois fatores

apontados e que podem ser visualizados na Figura 3.17, a seguir:

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Figura 3.17. Preços Médios do m² no Bairro de Santana

2320139

2221

1721

11

7

22

41019

24

165 3

116

814

2

1

18

15

Legenda332000

7399000

7401000

336000

1 Localização e preço da terra.

1 - 2.055,00

2 - 3.303,00

3 - 3.333,00

4 - 3.404,00

5 - 4.055,00

6 - 4.109,00

7 - 4.500,00

8 - 4.600,00

9 - 4.662,00

10 - 4.676,00

11 - 4.876,00

12 - 5.000,00

13 - 5.384,00

14 - 5.520,00

15 - 5.928,00

16 - 5.933,00

17 - 5.958,00

18 - 5.960,00

19 - 6.181,00

20 - 6.400,00

21 - 6.473,00

22 - 7.000,00

23 - 7.133,00

24 - 8.402,00

Valores da terra em Reais por m2.

0 250 500 1000 m

12

Organização: Leandro de Souza Pinheiro, 2015.

André Vinícius Martinez Gonçalves, 2015.

Fonte: Google Maps.

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195

Quadro 3.1. Síntese Localização Preços da Terra (m²)

ÁREA

REFERÊNCIAS

PREÇOS MÉDIOS EM REAIS - m²

VÁRZEA

Avenida Braz Leme 7.000 / 5.928 / 5.960

VÁRZEA Avenida Olavo Fontoura /

Avenida Assis Chateaubriand 8.402

VÁRZEA

Avenida Cruzeiro do Sul/ Rua Voluntários da Pátria / Av. Santos

Dumont

6.181 / 4.676 / 4.876 / 3.404

VÁRZEA / TRANSIÇÃO

Rua Voluntários da Pátria (Núcleo Comercial de Santana) / Rua

Alfredo Pujol

6.473 / 5.958 / 5.000 / 4.500

COLINA Rua Voluntários da Pátria

7.133/ 7.000/ 6.400 / 5.384/ 4.662

VÁRZEA Avenida Zaki Narchi / Avenida

General Ataliba Leonel 5.520/ 4.600 / 3.303 /

2.055

VÁRZEA / TRANSIÇÃO /

COLINA

Rua. Dr. Zuquim / Antiga área Projeto

5.993/ 4.876 / 4109/ 4055/ 3.333

Organização: André Vinícius Martinez Gonçalves, 2014

A área com valor médio de 7.000 reais o m² tem como referência a Avenida

Braz Leme que possui como uso predominante do solo o tipo residencial verticalizado

de médio e alto padrão e que tem entremeado a esse tipo edificações de uso comercial

de todas as ordens também de médio e alto padrão.

Do ponto de vista do mercado imobiliário, esse conjunto como dissemos é

definido como umas das áreas “nobres” do bairro. Logicamente o preço individual de

cada imóvel tende a variar por inúmeras amenidades132 que são colocadas na mesa no

momento da compra e venda. Em função dessas chamadas amenidades que são

consideradas pelos proprietários e/ou pelos demais agentes ligados ao setor imobiliário

é que se caracteriza a possibilidade de obtenção da renda diferencial.

Um imóvel de frente para a avenida e situado nos primeiros andares tende a

ter o preço do metro quadrado inferior aos imóveis na mesma localização e situados

132

Essas amenidades devem ser consideradas não só para a realidade do bairro de Santana, mas para todo conjunto da cidade, bem como outras localidades sejam elas no Brasil ou em qualquer outro país.

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nos andares mais elevados. As amenidades poderiam ser justificadas pelas

diferenciações de barulho e poluição, ou seja, os imóveis dos andares mais baixos

sofrem mais com esses fatores do que os que estão nos pisos superiores. Outra

amenidade que podemos mencionar como exemplo é a incidência de luminosidade,

isto é, os imóveis com a face voltada para o norte tendem ter preço maior do que

aqueles da face sul.

As áreas com preços médios de 5.928 reais e 5.960 reais tratam-se de

unidades unifamiliares de médio e alto padrão horizontal situadas no perímetro da

Avenida Braz Leme. Por se localizarem muito próximas ao aeroporto Campo de Marte,

em função da legislação o processo de verticalização da área é proibitivo. Porém, no

conjunto do bairro acaba sendo umas das áreas mais valorizadas.

O setor que compreende as Avenidas Olavo Fontoura e Assis

Chateaubriand com preço médio de 8.402 reais o m² (Figura 3.18) justifica-se pela

presença dos hangares que abrigam aviões e helicópteros de uso executivo que

ocupam parte considerável da aba direita da Avenida Olavo Fontoura sentido bairro–

centro.

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197

Figura 3.18. Setor das Avenidas Olavo Fontoura e Assis Chateaubriand

Legenda

Clube Espéria

Parque Anhembi

Sambódromo do Anhembi

Hangares

332000 333000

7398500

Organização: Leandro de Souza Pinheiro, 2015.

Fonte: Google Maps.

0 125 250 500 m

Organização: André Vinícius Martinez Gonçalves, 2015

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198

Em relação às vias de circulação, Avenida Cruzeiro do Sul, Rua Voluntários

da Pátria e Avenida Santos Dumont, considerando o trecho da várzea situado entre as

estações metroviárias do Tietê e Carandiru, temos a seguinte realidade no tocante ao

preço médio do m².

O setor com preço 6.181 reais o m² que corresponde ao início da Avenida

Cruzeiro do Sul, Rua Voluntários da Pátria e Avenida Santos Dumont, é no bairro umas

das áreas que apresentam maior valorização fundiária, pois nos últimos anos vem

passando por gradativa mudança, saindo de um padrão horizontal formado por casas

térreas e cortiços, para um padrão verticalizado e destinado ao uso comercial e

prestação de serviços.

Os preços do m² de 4.676 reais, 3.404 reais e 4.876 reais são relativos aos

quarteirões situados também nas avenidas mencionadas, porém, entre a estação

metroviária do Carandiru e proximidade com a estação metroviária Santana. Parte

considerável do conjunto de edificações nesse trecho, em especial, os de uso

comercial ao longo da Avenida Cruzeiro do Sul, encontram-se em estado precário de

conservação.

No caso do preço médio de 4.676, esse é justificado pelo desenvolvimento

nos últimos anos de um comércio voltado a venda de móveis projetados e área com

preço de 4.876 reais o m² pela proximidade com o principal núcleo comercial de

Santana, no caso o miolo da Rua Voluntários da Pátria. Além disso, as áreas com

esses preços médios possuem acesso e proximidade junto às estações do metrô

Carandiru e Santana.

Em relação ao preço médio de 3.404 reais o m², esse se justifica muito em

função de que os quarteirões e as edificações ali presentes têm como vizinho a oeste a

pista de pouso e decolagem do Aeroporto Campo de Marte e em um passado não

muito distante a antiga penitenciária do Carandiru a leste.

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199

Em um todo, as áreas que apresentam os três preços médios em boa parte

do ambiente construído demonstram um quadro de obsolescência técnica, econômica

e de estilo, sendo mais acentuado esse quadro justamente no setor com preço médio

de 3.404 reais o m².

Os preços médios de 6.473 o m² e 5.958 o m² dizem respeito ao núcleo

comercial de Santana situada na Rua Voluntários da Pátria e ruas adjacentes a essa.

Em relação ao preço de 6.473 reais, esse é relativo à área situada nas proximidades da

estação Santana do metrô, digamos o centro nervoso do comércio do bairro. Já o preço

de 5.958 reais, diz respeito à área entre a várzea e a faixa de transição tendo essa

como referência o entroncamento entre as ruas Voluntários da Pátria e Alfredo Pujol,

as quais nos referimos anteriormente, porém sem mencionar preços relativos ao m² -

no seu início também possui um uso do solo predominantemente comercial com preço

médio do m² entre 4.500 e 5.000 reais. No momento em que a Alfredo Pujol ganha uso

do solo predominantemente residencial os preços médios ficam na ordem de 6.000

reais o m².

Salienta-se que no caso dos preços médios do m² na principal porção

comercial de Santana camuflam ou ocultam o processo da obsolescência espacial

nessa área, obsolescência essa que engloba elementos de ordem técnica, de estilo e

econômica.

Por último, considerando a Rua Voluntários da Pátria133 no seu trecho de

colina foram identificados preços médios relativos ao m² de 7.133 reais, 7.000 reais,

6.400 reais, 5.384 reais e 4.662 reais. Os preços de 7.133 e 7.000 dizem respeito a

porções onde o uso residencial vertical prevalece.

De modo geral, além de se tratar de um ambiente construído novo, visto que

a maior parte dos prédios foi edificada nos últimos 20 anos, certos pontos da colina dos

133

Além da Voluntários nessa porção do bairro, soma-se as ruas que estão no seu perímetro as quais possuem uma multiplicidade de preços do m², porém na média as mesmas são contempladas pelos valores aqui mencionados.

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200

quais esses prédios estão assentados proporcionam uma visão panorâmica da várzea

e da região central de São Paulo, não possuem áreas sujeitas a alagamentos e são

marcados pela tranquilidade nas calçadas e vizinhança (a exceção dos horários de pico

do trânsito), em função de que não há intensas atividades comerciais.

Em relação aos valores de 6.400 reais, 5.384 reais e 4.662 reais são

relativos a ruas adjacentes à Voluntários da Pátria onde há um padrão horizontal das

edificações em detrimento do vertical. Óbvio que na medida em que o padrão

residencial vertical ganha campo nesses setores há uma tendência da elevação do

preço, isto é, uma valorização fundiária que se aproxima dos preços médios maiores

apurados na colina.

A área que possui como referência a Avenida Zaki Narchi apresentou preços

médios do m² na ordem de 2.055 reais, 3.303 reais, 4.600 reais e 5.520 reais.

A área com preço de 2.055 compreende um pequeno braço de quarteirão

por assim dizer espremido entre Terminal Rodoviário Tietê e suas garagens, o prédio-

sede da Ericsson, empresa de telefonia de origem sueca, e o complexo Center-

Norte134, marcado pela presença de pequenas e simples casas de uso residencial e

minúsculos bares. Em relação à área com preço médio de 3.303, esse é respondido

por se tratar de uma área com sérios problemas de ordem ambiental.

Em primeiro lugar, mesmo que haja infraestrutura de drenagem é uma área

suscetível a alagamentos. Todavia, o mais grave é que se trata de uma área que no

passado abrigava um lixão, onde o potencial de gases inflamáveis é considerável, tanto

que o Cingapura localizado na Avenida Zaki Narchi via a Companhia de Tecnologia de

Saneamento Ambiental, ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo paulista

134

Os preços relativos ao m² da denominada cidade Center Norte não é nosso objeto de análise, pois a dinâmica de um shopping center, esse espaço privado de uso coletivo é de outra ordem, ou seja, isso exigiria uma outra análise, bem como uma outra abordagem do ponto de vista metodológico e do método. Entretanto, traremos alguns elementos dessa questão no último capítulo, pois em nosso entendimento há uma parte do processo da obsolescência espacial do núcleo comercial de Santana que está diretamente ligado ao fato shopping center.

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201

obrigou em 2001 a PMSP adotar medidas de controle desses gases. A mesma

problemática envolve toda área onde está localizado o Center Norte, incluindo o próprio

shopping, mas com menor grau de risco e também em função da área alocar todo esse

complexo o preço consegue manter um patamar bem mais elevado, ou seja, quase o

dobro, no caso, 5.520 reais.

Já no que concerne a área com preço de 4.600 reais, essa tem como

referência além da Avenida Zaki Narchi a Avenida General Ataliba Leonel. No caso da

General Ataliba Leonel trata-se de um ambiente construído formado por quarteirões

que ladeiam parte do Parque da Juventude e em que pese as condições de

obsolescência de muitas das edificações ali presentes, algumas modernizações em

seu ambiente construído são verificadas Já em relação a Zaki Narchi essa também

passa por uma renovação das edificações, redundando na alteração do uso residencial

para o comercial e na valorização da terra como um todo.

No setor que possui como referência a Rua Dr. Zuquim e a antiga área do

Projeto Cura, os preços médios do m² foram de 5.993 reais, 4.876 reais, 4.109 reais,

4.055 reais e 3.333 reais.

No caso da área do Projeto Cura, a qual apresenta preços de 4.876 reais,

4.109 reais, 4.055 reais o m², conforme expusemos no capítulo dois, ficou por anos sob

pendência judicial entre a PMSP e moradores locais, o que inviabilizou qualquer

possibilidade de um maior dinamismo e atuação do mercado imobiliário. O ambiente

construído, marcado por um uso misto entre comercial, prestação de serviços e

residencial, apresenta, e não diferente de outras áreas aqui mencionadas de um

quadro de obsolescência espacial econômica, de estilo e técnica/funcional. Porém, nos

últimos cinco anos começou a sofrer intervenções do mercado imobiliário redundando

mesmo que em um ritmo não muito acelerado na produção e construção de edifícios de

uso residencial em certos quarteirões.

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202

Ao que tudo indica essa área, juntamente com a Rua Dr. Zuquim com preço

de 5.993 reais o m² e que também apresenta ao longo de seus ambientes construídos,

o processo de obsolescência trata-se de um setor no bairro de Santana que tende a se

aproximar aos preços praticados, por exemplo, em relação aqueles constatados na

porção da colina e na Avenida Braz Leme.

Já o preço apurado de 3.333 reais o m², não diferentemente do conjunto

dessa área apresenta um quadro de obsolescência, prevalecendo um uso do solo

padrão horizontal residencial. O baixo preço se justifica em função da topografia do

terreno na forma de uma pequena bacia que em período de chuvas fica totalmente

alagado, dificultando ou inviabilizado a entrada e saída das pessoas.

Considerando o ambiente construído na área de estudo e os preços

praticados pelo mercado imobiliário, em síntese temos:

Na área de várzea, há um mosaico de usos onde se destacam equipamentos

públicos metropolitanos de grande porte - o Aeroporto Campo de Marte, Rodoviária

do Tietê, Parque Anhembi e Sambódromo, Centro de Zoonoses, Parque da

Juventude e Penitenciária Feminina – os quais ocupam uma parte significativa da

área.

Outra observação em relação à várzea, diz respeito à predominância de usos

comerciais e de serviços, entremeados por usos residenciais de modo mais

acentuado à medida que se aproxima da colina.

Os preços apurados em áreas de uso comercial e de serviços divergem na maior

parte das vezes dos preços relativos ao uso residencial no que tange aos preços

dos aluguéis praticados, porém não de modo substancial. Em geral, as edificações

de uso comercial e prestação de serviços com metragem entre 25m² e 40m² tem

alugueis similares a casas e apartamentos de uso residencial com metragem entre

40m² e 70 m². Logo, proporcionalmente os primeiros são mais caros que os

segundos. Mesmo diante dessa realidade, até porque há casos em que os preços

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203

das duas modalidades se aproximam, não se pode falar em uma hierarquia de

preços uma vez que um tipo de uso se sobrepõe a outro.

É notório na porção da várzea e na faixa de transição para a colina, áreas e setores

marcados pelo processo da obsolescência espacial, que, entretanto, em alguns

casos são camuflados ou ocultados pelo preço da terra.

No trecho de colina, o uso predominante é o residencial, havendo em certas

porções a preponderância do padrão vertical das edificações em relação às de

padrão horizontal.

Apresenta ainda nessa porção um conjunto de usos comerciais, em sua maioria

aqueles voltados às demandas dos moradores em seu cotidiano, como padarias,

pizzarias, bares, mercados, escolas entre outros.

Em relação à diferenciação dos preços praticados nos aluguéis entre imóveis de

uso residencial e comercial, há uma equiparação entre as duas modalidades,

porém, também não se trata de uma regra, visto que ocorre em função da

escassez e demanda de imóveis de uso comercial na porção da colina à pratica de

aluguéis proporcionalmente mais elevados quando se compara os imóveis

destinados ao uso comercial.

Há na porção da colina uma área que se remete ao processo da obsolescência

espacial, no caso aquela compreendida pelo ambiente construído na Rua Dr.

Zuquim.

Tanto na várzea como na colina observa-se uma multiplicidade de preços,

mas em linhas gerais a área da colina em média possui maiores preços quando

comparados com a várzea e áreas de transição entre as duas. De certo modo, a

realidade dos preços praticados no bairro na atualidade se remete a constatação feita

por AB’Saber em 1956, isto é, ele apontava que as áreas de colinas possuíam maiores

valores quando comparados às áreas de várzea, sendo que naquele momento a

diferenciação de preços dava-se menos pelas condições geomorfológicas, e mais no

sentindo da limitação das atividades econômicas ou mesmo de uso residencial que

elas propiciavam, no caso, aquelas situadas na várzea.

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204

Com a intensificação do processo da urbanização, isso impactaria a porção

da várzea com a abertura de largas avenidas e construção de pontes como a das

Bandeiras, Cruzeiro do Sul e Casa Verde e mais adiante nos anos de 1970 o metrô que

selaria essa ligação. Além disso, com a “canalização” do rio Tietê o percentual de

enchente e alagamentos da várzea seriam reduzidas consideravelmente.

Assim, a realidade de ocupação e urbanização da várzea mudaria

radicalmente. As limitações inferidas por AB’Saber135 seriam superadas e ao mesmo

tempo a diferenciação entre preços quando tomados à várzea, a colina e as áreas de

transição permaneceriam. Entretanto, alguns preços praticados em certos setores da

várzea conforme exposto se equiparam ou se aproximam daqueles praticados nas

áreas de transição, e, sobretudo, na colina.

Contudo, somente esses fatores não são suficientes para que se possa ter

um entendimento relativo ao processo da obsolescência, ou seja, as características e

condições do ambiente construído e seus preços e que nos remetem ao processo da

obsolescência são resultado de outro fator, no caso a renda fundiária da qual

passaremos a analisar.

3.5. A Renda Fundiária e a Obsolescência Espacial Urbana em Santana

Para a construção de uma teoria urbana capaz em nos explicar de maneira

mais eficiente, entre outros fatores, a dinâmica fundiária na cidade e a forma como os

mais diversos agentes atuam nessa realidade, Harvey (1980) chama a atenção para a

necessidade de uma fusão conceitual entre a teoria da renda e a teoria da localização.

Em nosso trabalho, tanto a renda fundiária e tudo o que ela comporta, bem

como questão da localização, são elementos importantes no sentindo de compreensão

do processo da obsolescência urbana.

135

Ibidem

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205

Conforme expresso anteriormente no capítulo um, podemos considerar que

o processo obsolescência espacial urbana em uma dada área da cidade, possui como

um dos fatores, quando essa área na sua totalidade, não é mais capaz de garantir a

manutenção de patamares elevados e satisfatórios da renda fundiária, lucros e das

taxas de juros.

Em outros termos, a obsolescência espacial em uma determinada área

ocorre na medida em que os agentes econômicos, - mercado imobiliário e proprietários

de imóveis - não conseguem extrair taxas elevadas de renda, lucros e juros de suas

propriedades, seja porque essas formas de remuneração do capital foram diminuídas

e/ou amortizadas ao longo do tempo, seja pelo uso e desgaste das edificações e da

infraestrutura, seja pela formação ou pelo redimensionamento de outras localidades na

cidade, que atrai e polariza as ações e intervenções do Estado e de capitais de todas

as ordens em detrimento das “antigas” e/ou “velhas” localidades.

O fator localização na cidade não pode ser dissociado da dinâmica de outro

elemento, no caso, a terra-mercadoria, isto é, do mesmo modo em que não há espaço

geográfico fora da lógica de reprodução do capital sendo o seu contrário verdadeiro,

não há localização fora da lógica da terra-mercadoria, bem como não há terra-

mercadoria sem considerarmos a sua localização.

A terra em si mesma não possui a propriedade de ser mercadoria. Isso só

ocorre mediante a formação do mercado de terras. Ao se tornar mercadoria,

equivalente de trabalho ou a terra como trabalho, diz-se que se trata de uma

mercadoria especial, pois ela possui características peculiares que nenhuma outra

mercadoria tem. Tomando Harvey (1980, p. 135-6) como referencial, podemos inferir

sobre as particularidades que marcam o solo urbano:

(a) O solo e as benfeitorias são fixos no espaço, não circulam, mas possuem

localização, e devido a essa propriedade, proporciona ao seu detentor um monopólio,

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206

que lhe dá o direito de determinar o uso do espaço fixo, através da propriedade

privada.

(b) Os homens não podem viver sem solo e benfeitorias, afinal, nossas realizações,

nosso cotidiano, não se dá no plano abstrato. O solo e as benfeitorias são condições

essenciais, por exemplo, para morar, trabalhar, circular etc.

(c) “O solo e as benfeitorias mudam de mãos relativamente com pouca frequência

[...]”.

(d) “O solo é algo permanente, e a probabilidade de vida das benfeitorias é muitas

vezes considerável. O solo e as benfeitorias, e os direitos de uso a elas ligados, por

isso, propiciam a oportunidade de acumular riqueza tanto para os indivíduos como para

a sociedade [...]. Numa economia capitalista um indivíduo tem um duplo interesse na

propriedade, ao mesmo tempo como valor de uso atual e futuro e como valor de troca

potencial ou atual, tanto agora como no futuro”.

(e) “A troca no mercado ocorre em um momento do tempo, mas o uso se estende por

um período de tempo”.

(f) “O solo e as benfeitorias têm usos diferentes e numerosos que não são mutuamente

exclusivos para o usuário”.

Ainda de acordo com Harvey (1980), tomados em conjunto, esses usos em

relação ao solo e suas benfeitorias se tornam valor de uso e também dialeticamente

valor de troca na sua totalidade. Essa dupla propriedade do solo, e suas benfeitorias

serão determinadas de acordo com os interesses dos seus detentores. Há que se

ressaltar que para todas as mercadorias e, isso inclui a terra, toda mercadoria tem valor

de uso e de troca – para alguns predomina o valor de uso e para outros de troca.

Para o proprietário pode ser valor de uso à medida que ele a usa para

morar, ou para desenvolver um tipo de atividade econômica. Pode também o

proprietário ser locatário destinado as mais diferentes modalidades de uso e daí obter

renda, com predomínio do valor de troca. Pode também possuindo ou não edificação

no solo especular no mercado de terras, aguardando o melhor momento para realizar o

valor de troca.

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207

Há também outros agentes que trabalham e interferem de modo acentuado

no uso do solo, alterando-lhe continuamente o uso ao longo do tempo. As corretoras de

imóveis atuam no mercado de terra para obter valor de troca através da compra e

venda ou da cobrança de transações imobiliárias.

As incorporadoras e as construtoras operam no mercado de terra e de

edificações criando novos valores de usos (residenciais ou comerciais, por exemplo)

para obter para parte do processo de valorização em curso. As instituições financeiras

também atuam no mercado fundiário ora financiando empreendimentos de forma

direta, ora disponibilizando cartas de créditos aos consumidores ou criando fundos de

investimentos, consórcios etc.

Além desses, há por último as instituições pertencentes à esfera do Estado,

que através de políticas habitacionais produzem valores de uso relacionados à

moradia.

Harvey (1980, p.137) salienta que, “a apropriação da renda é aquela forma

econômica na qual a propriedade do solo se realiza”. A propriedade do solo baseada

no monopólio da propriedade além do fator renda, entre outros, também garante aos

proprietários dentro dos limites estabelecidos pela legislação urbana136 determinar o

uso que será dado à suas propriedades, bem como lhe possibilita realizar de acordo

com os seus interesses alterações nas formas, estruturas e funções que suas

propriedades desempenham ou podem vir a desempenhar. O monopólio da terra ainda

permite aos proprietários uma atuação na dinâmica do mercado imobiliário cedendo ou

não, se articulando ou não junto às demandas dos agentes econômicos desse setor, se

articulando ou não com os mais diversos agentes produtores do espaço urbano, dentro

das normas do Estado de direito, mesmo que elas sejam sempre alteradas.

136

Porém, nem sempre isso ocorre na cidade de São Paulo, muitos são os proprietários fundiários de todas as ordens que através de múltiplos mecanismos burlam a legislação.

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208

Ainda em relação à renda, Harvey (1990, p. 340) nos diz que:

A renda é o conceito teórico por meio do qual a economia política [...] tradicionalmente enfrenta o problema de organização espacial. A renda [...] fornece uma base para várias formas de controle social sobre a organização espacial e do desenvolvimento do capitalismo137.

Sob essa perspectiva, entendemos que nesse caminho seja possível

compreender melhor os motivos que levam a diferenciação espacial em uma cidade

como São Paulo. Entendemos que a forma como os agentes econômicos - o que inclui

os rentistas propriamente ditos, além do Estado -, ao agirem na produção do espaço

urbano, determinando o que, quanto, onde e como investir, desencadeiam as

diferenciações espaciais, gerando no processo de modernização espacial de certas

áreas da cidade o seu contrário, a obsolescência espacial, o que não deixa de ser no

nosso modo de compreensão, uma forma de segregação espacial.

Para Seabra (1988), a renda fundiária constitui-se numa categoria teórica

exploratória e explicativa das especificidades dos lugares inscritos espacialmente e

socialmente. Diz ela em relação à renda fundiária: “1º - se define num conjunto de

relações políticas e jurídicas; 2º - como tal assume uma forma pertencente ao capital,

no contexto da formação econômica social capitalista; 3º - se constitui num volume de

riqueza social com o qual se remunera a propriedade e 4º - se constitui num elemento

pertencente a este modo de produção sem que tenha a ver com a base fundamental do

mesmo” (SEABRA, 1988, p.100).

O processo de produção e reprodução capitalista valoriza a terra na forma

de propriedade, onde a renda que se obtém a partir das leis de reprodução é um meio

de captação da mais valia da riqueza da sociedade. Como mercadoria, a terra

comporta ao mesmo tempo, valor de uso e valor de troca, sendo a localização um dos

valores de uso da terra-mercadoria. Porém, como se trata de mercadoria, a terra

137

Livre tradução de:”la renta es el concepto teórico por médio de cual la economia política [...] tradicionalmente confronta el problema de la organización espacial. La renta [...] proporciona una base para diversas formas de control social sobre la organización espacial e el desarrollo del capitalismo”.

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também comporta valor de troca, que se relaciona dialeticamente e se impõe sobre os

valores de uso, sendo essa condição válida para a localização.

A localização é um dos componentes fundamentais no mercado de terras e,

sobretudo, para a composição da renda fundiária urbana, que em última instância, é o

fator basilar para a formação e composição do preço da terra. O preço é o elemento

que vai garantir, no processo de produção das edificações de uso comercial,

residencial e industrial, a extração da renda fundiária propriamente dita, os lucros e

taxas de juros auferidos pelos agentes econômicos ligados direta e indiretamente ao

mercado imobiliário.

Uma das principais referências em relação à teoria terra-localização é Flávio

Villaça (2001)138 a qual é base conceitual utilizada por arquitetos e urbanistas, e que

em muitos casos, além de usarem o conceito de modo simplista, muitos desses são

responsáveis e/ou integram quadros da PMSP que desenvolvem projetos de

intervenções urbanas, como por exemplo, as operações urbanas. Para efeito desse

estudo, tomamos a forma e a linha de raciocínio ora desenvolvido por ele no sentindo

de apresentar também o caminho proposto, por exemplo, por Harvey.

Villaça139 não coloca em lados opostos a teoria da renda e da localização,

considera a existência da renda de monopólio, mas a qual para ele não é significativa

para a compreensão da dinâmica na formação dos preços da terra urbana. Em sua

abordagem o elemento principal para a formação dos preços é a localização ou renda

de localização como a predominante no urbano.

De acordo com Villaça140, a terra urbana não se limita à condição de suporte

de atividades econômicas e sociais que ocorrem na cidade. Ela, a terra urbana, teria a

partir da produção social, um valor de uso, no caso sua capacidade de aglomerar, de

combinar socialmente os meios de produção e os meios de reprodução de uma

138

VILLAÇA, Flávio. Espaço intra - urbano no Brasil. São Paulo: Nobe/FAPESP, 2001 139

Ibidem. 140

Ibidem.

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formação social. Ao mesmo tempo, esse valor de uso que reside em função das

propriedades do espaço urbano estabelecem relações entre si, o que Villaça define

como pontos ou localizações.

Villaça, situado em Queiróz Ribeiro (s/d. apud Villaça, 1988141) afirma que:

[...] os mais diversos agentes econômicos que atuam na cidade, a terra urbana tem o papel de permitir o acesso aos efeitos úteis de aglomeração” onde “cada terreno particular permite maior ou menor valorização pelo acesso que sua localização propicia aos efeitos úteis de aglomeração.

Ainda pontua sob a perspectiva da localização como renda que a terra

urbana também permite acesso aos efeitos úteis de aglomeração para a força de

trabalho que se desloca de suas residências para os mais diversos pontos, como

trabalho, escola, lazer etc.

Para os defensores da teoria da localização, a terra interessa enquanto

terra-localização, ou seja, enquanto meio de acesso a todo sistema urbano, a toda

cidade, isto é, a acessibilidade nessa teoria é o valor de uso mais importante para a

terra urbana.

Villaça ao justificar o peso que a acessibilidade possui na cidade relaciona-a

a quantidade de trabalho socialmente (produção social da cidade) necessário

dispendido em sua produção e justificando da seguinte forma: “Quanto mais central

for o terreno, mais trabalho existe despendido na produção dessa centralidade. Os

terrenos da periferia tem menos trabalho social incorporado em sua produção do que

nas áreas centrais142”.

A localização como valor de uso seria resultado produzido pelo trabalho

coletivo dispendido da construção da cidade, assim quando se adquire o “ponto”, isso

141

Ibidem, p.74. 142

Ibidem, p.74.

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significa pagar algo, não para o terreno, não pela edificação, não pelas suas

instalações, mas pela localização143.

No tocante à terra urbana que nas palavras de Villaça seria um receptáculo

de continua acumulação de trabalho humano criador de valor, a tendência é que seu

preço sempre aumente, havendo em um ou outro momento oscilações, mas sempre

com tendência de aumento144, condicionando esse preço sempre ao fator urbanização

– acessibilidade – localização.

Em sua linha de raciocínio reconhece que toda terra tem algum grau de

monopólio, porém na maior parte dos casos essa condição é pequena na determinação

de seu preço e reforça que o preço da terra se dá pela sua produção e pelo seu valor,

no caso o valor da localização, daí a denominação de terra-localização.

Seguindo a mesma linha de outros autores como Rodrigues (1988a), Harvey

(1980) e Lefebvre (2001), Villaça145 considera que as cidades são forças produtivas e,

como tal apresentam uma lógica, uma lei e não uma desordem, tanto que

potencializam a produtividade do trabalho social. Não fosse essa condição das cidades

em não apresentarem esse caráter de força coletiva, essas não teriam o

desenvolvimento que tiveram sob o capitalismo, assevera o autor.

Villaça analisa a importância dos sistemas de circulação, no caso em

específico, as estradas, para as aglomerações urbanas nos seguintes teremos:

Marx deixa clara a existência de dois excedentes: um oriundo das forças produtivas que potencializam o trabalho individual e outro decorrente das chamadas “causas gerais da elevação da produtividade do trabalho” ou “força produtiva social do trabalho” A questão é assim colocada por ele referindo-se à construção de estradas, mas propomos a transferência dos raciocínio para as aglomerações representadas pelas cidades. “Concentração é sempre acréscimo da parcela da capacidade de trabalho que casa indivíduo pode empregar na

143

Ibidem, pp. 74 - 75 144

Ibidem, p.75 145

Ibidem, p.76

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construção de estradas, além de seu trabalho particular, mas não é somente acréscimo, A unificação de suas forças aumenta suas forças de produção; entretanto isso não significa de maneira alguma o mesmo que dizer que todos numericamente somados, possuiriam a mesma capacidade de trabalho que teriam se não trabalhassem em conjunto, portanto, se à soma de suas capacidades de trabalho não fosse acrescentado o excedente existente somente no e através de seu

trabalho unificado e combinado146”.

Esse valor de uso oriundo da força produtiva social do trabalho, da

aglomeração da cidade consiste no valor de uso das localizações. Villaça considera a

existência de outros valores de uso da terra, como por exemplo, a infraestrutura, mas

insiste na tese que o fator localização é o elemento fundamental para o preço da terra.

Considera ainda que o valor de uso dos edifícios, ruas, infraestrutura se

transferem para o ponto, ou seja, para o valor de uso localização. Nesse sentindo, a

localização (pura) funcionaria como um grande receptáculo de outros valores de uso

inerentes à terra urbana, sendo ela, o valor de uso primordial na construção de preços

das terras urbanas.

Villaça147 defende que os agentes econômicos que atuam no setor

imobiliário das cidades se governam pelas localizações das terras, as centralidades ou

não que elas ocupam, permitindo desse modo um maior ou menor grau de conexão

com outros pontos da cidade, isto é, haveria aqui o que ele denomina de diferenciais de

localização que são captados pelos terrenos, daí a diferenciação nos preços entre

terrenos localizados em área centrais e terrenos situados em áreas da periferia.

Na contramão do que defende, por exemplo, Topalov (1979), Villaça nega a

existência da renda diferencial no urbano. Diz ele:

É um equívoco comparar a fertilidade da terra agrícola – “um dom gratuito da natureza” com a localização, fruto de trabalho socialmente necessário, Aquilo que se chamaria de renda diferencial no espaço urbano é na verdade um diferencial de valor. Os terrenos têm preços

146

Ibidem, p.77. 147

Ibidem.

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diferentes porque têm valores diferentes, e não porque produzem

rendas diferentes148.

Para corroborar com sua tese, apega-se a ideia do terreno vago para

demonstrar sob seu ponto de vista a distinção entre renda e valor da localização. Para

tanto considera que sua

[...] valorização é acréscimo de valor resultante da produção da cidade e na cidade, logo o terreno vago não gera renda diferencial. Seu valor, seu preço é determinado pela localização, isto é, pela terra-localização

que é a expressão monetária desse valor149.

Para ele as mudanças de uso ou transformações urbanas não geram rendas

diferenciais, mas sim atualizações e reajustes no preço da terra. Um dos reajustes

considerados por Villaça é a demolição de edificações, pois é a através dessa ação

que o valor obstruído por uma dada edificação liberará esse valor, possibilitando a

atualização do preço do terreno “condizente com o seu valor atual”.

A renda fundiária na realidade urbana considerada por Villaça é a renda

absoluta, o que ele define como uma espécie de renda de monopólio, diz ele:

Esta, em alguns – a minoria -, pode ser enorme e em outros – a maioria -, que pode ser pequena. Em qualquer caso, contudo, afetará o preço do terreno, mas o elemento determinante no preço será dado pelas transformações dos pontos: seus atributos, valores e preços, seus usos, os quais decorrem, em última instância, da melhoria de

acessibilidade150.

Em suma, para Villaça, a localização como valor de uso é a definidora, o

elemento ou fator principal do preço da terra urbana. Não se nega aqui a relevância do

ponto de vista conceitual e reflexivo sobre a teoria terra-localização. Trata-se de um

modelo muito bem elaborado o qual nos conduz refletir e dialogar com outros modelos

e conceitos que estamos adotando para tratar da problemática da obsolescência

espacial urbana, porém, para os objetivos de uma análise geográfica da qual nos

148

Ibidem, p.78 149

Ibidem, p.78 150

Ibidem, p.79

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propomos, ele nos permite responder somente um lado da questão que envolve o

processo, no caso a dimensão da localização.

Como dissemos anteriormente, Villaça argumenta que pessoas jurídicas e

físicas adquirem via compra ou locação da terra, o ponto, isto é, se adquire a

localização. A localização é utilidade da terra, valor de uso. Entretanto, para obter uma

localização, essa condição passa necessariamente por quem detém o ponto, ou seja, o

proprietário, que via à condição da propriedade privada da terra, detém o monopólio

desse ponto.

Em outros termos, esse ponto, no caso a propriedade privada situada em

uma determinada localização não é outra coisa que não valor de troca para o seu

proprietário, ou seja, para que qualquer um possa usufruir do valor de uso desse ponto

e de sua localização deve-se antes pagar um preço (compra ou aluguel), sendo essa

expressão monetária do valor de troca.

Em função dessa especificidade da terra-mercadoria, ou seja, o monopólio

exercido por um determinado agente, é que outros agentes e sujeitos conseguem, caso

o primeiro esteja disposto, a vender ou locar esse ponto. Na medida em que isso

ocorre, esse ponto, esse valor de uso, permite ao comprador ou ao locatório o acesso a

outros valores de uso situados tanta na área da qual a localização se situa como em

outras áreas da cidade.

Por outro lado, para que os agentes tenham acesso aos valores de uso de

todas as ordens, significa que eles precisam na compra e na locação da terra-

mercadoria, pagar o preço a terceiros, os que detêm, via o monopólio da terra, o valor

de troca dessa mercadoria.

A localização como valor de uso é produzida, não isolada da totalidade da

cidade, pelo trabalho de toda sociedade, entretanto, via a socialização capitalista do

espaço, esse atributo, essa qualidade da terra, ao mesmo tempo em que é usada

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coletivamente em maior ou menor grau por todos é incorporado também na

composição do preço da terra pelos que exercem o monopólio dessa mercadoria.

Além disso, os proprietários de terra e outros agentes que atuam no

mercado e que usam a terra como “como fundação, como um lugar e um espaço que

proporciona uma base de operações - o espaço é requerido como um elemento de toda

produção e atividade humana” (Harvey, 2013, p. 436), de toda atividade econômica, na

medida em que a força de trabalho circula entre as localizações e capta uma fração

dos salários que serão convertidos em renda fundiária, lucro e juros.

Como valor, a localização de um determinado lote, terreno ou edificação no

mercado capitalista de terras somente tem relevância como valor de uso na medida em

que ela dialeticamente se relaciona com o valor de troca. Isso significa dizer que uma

localização produzida, reinventada ou resgatada só se torna espacialmente relevante

sob a perspectiva do mercado imobiliário na medida em que ela atende as

necessidades e imposições dos agentes que detém para si o valor de troca da terra-

mercadoria. Sendo assim, essas localizações que se materializam na cidade, via o

trabalho socialmente necessário, ao serem aprisionadas sob a lógica do valor de troca

dos que monopolizam a terra, traduz para esses a possibilidade no presente e no futuro

de obterem ou de renovarem o potencial de renda fundiária a ser auferida, além dos

lucros e juros decorrentes das operações do mercado imobiliário.

Podemos considerar que todas as localizações acabam em menor ou maior

grau ao longo do tempo sendo aprisionadas sob a lógica do valor de troca, e é esse

último, de acordo com os interesses dos agentes que o detém, é que vão potencializar

também em maior ou menor grau o peso da localização na composição dos preços da

terra urbana, bem como a importância da localização no âmbito do uso realizado

coletivamente.

Por exemplo, uma gleba de terra desnuda tem o seu preço gradualmente

corrigido e elevado para cima pela sua localização, mas ela sozinha seria insuficiente

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para alçar esse preço, para tanto se faz necessário os investimentos em infraestrutura

realizados pelo Estado e construção de edificações de todas as ordens e usos públicos

e privados no entorno da localização e na localização.

Mesmo que essa localização ou seu entorno diminua de valor ou perca

importância em detrimento de outras e novas localizações o preço da gleba, mesmo de

modo moderado, tende a ter seu preço corrigido sempre para cima. Nesse sentindo,

consideramos que Villaça não dá conta de explicar todo o processo, pois em sua ótica,

o preço de um terreno vago ocorre mediante somente a valorização da localização.

Ora se uma localização “desvaloriza”, perde valor ou tem o seu valor

diminuído em função de outras localizações e/ou em função de outros fatores inerentes

à própria localização, como explicar a elevação de preços desse terreno vago, mesmo

que isso ocorra abaixo da média do mercado?

A mesma lógica pode ser aplicada para lotes e áreas edificadas, os quais se

por um lado podem ter seu conjunto físico e econômico desvalorizados em função dos

fatores que na sua totalidade desencadeiam a obsolescência por outro, mesmo que a

localização tenha tido reduzido seu valor frente a outros localizações, o preço desses

lotes e áreas são constantemente alterados, porém nunca para baixo.

Como bem salienta Rodrigues (1988a, p.82) “[...] mesmo quando as

edificações se deterioram [...] é possível comprar-se um terreno com edificação e

destruí-la, pois é, muitas vezes, um terreno caro sobre uma edificação barata, - pagou-

se pelo terreno que nunca se estraga”.

Marx (1996, 2001) considera dois estágios no processo de transformação de

valores em preços de produção. No primeiro estágio, ocorre uma abstração relativa ao

valor dos meios de produção de modo a dar valimento que o valor é produzido apenas

pelo trabalho. Em outros termos na medida em que ocorre maior quantidade de

trabalho em um dado processo produtivo maior será a quantidade de mais-valia

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produzida. No momento da distribuição da mais-valia, conforme o tamanho de cada

capital, forma preços diferentes dos valores.

Dai a importância da composição orgânica do capital do setor da construção

civil voltada ao setor imobiliário assinalado, ou seja, esse setor por um lado possui

baixa composição orgânica do capital e por outro relativamente emprega mais

trabalhadores o que acaba por gerar um maior montante de mais valia, o que

potencializa nesse setor e seus agentes envolvidos mais obtenção de lucros, renda e

juros, considerando que esses são resultados diretos da mais valia.

No segundo estágio, Marx analisa a economia ao nível dos preços de

produção, ou seja, todas as mercadorias são vendidas aos seus preços, e os preços

dos insumos são considerados, além dessa condição destaca que a transformação

permite uma maior determinação na forma do trabalho social, explicando dessa forma a

distribuição do trabalho e da mais-valia através da economia.

Em uma dimensão abstrata o valor de uma mercadoria é diretamente ligado

a uma relação social de produção e em termos quantitativos o valor é o tempo de

trabalho socialmente necessário para reproduzir cada tipo de mercadoria, conforme

explicitado por Marx (1996, 2001). O valor também deve ser visto como a expressão

monetária desse tempo de trabalho socialmente necessário em termos de preço direto,

preço de produção, ou preço de mercado.

Na realidade espacial urbana essa condição torna-se mais complexa, ou

seja, no preço de mercado, quais são os elementos considerados pelo setor imobiliário

para quantificar o valor de um dado ambiente urbano construído composto por um

conjunto de objetos atuais e objetos pretéritos, ou em outros termos um ambiente

constituído por uma sobreposição de produções e usos dados ao longo de um tempo?

Uma coisa é o preço inicial determinado na produção direta e atual de um

imóvel ou do preço de um terreno desnudo, a outra é quando esses preços são

mensurados a partir da totalidade do processo, ou seja, a relação entre o preço da

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mercadoria individual, por exemplo, uma moderna edificação e o valor do ambiente e/

ou localização da qual se situa essa mercadoria.

De modo inverso, consideramos como o valor e/ou preço de um antigo

imóvel, ou em termos espaciais, como determinadas áreas, por exemplo, a área do

antigo Projeto Cura no bairro de Santana, se comporta diante de um novo ambiente

que gradualmente tende a difundir uma renovação do uso do solo? Utilizar somente o

conceito de terra-localização é insuficiente para se compreender essas questões.

Jean Lojkine (1979) indaga: Existe uma renda fundiária urbana151?

Entendemos que é possível continuarmos a pensar, adotar e aceitar a existência da

renda fundiária urbana, visto que essa categoria analítica, diante das cortinas de

fumaça conceituais construídas pelos modelos neoclássicos e neoliberais da economia,

que se debruçam sobre a realidade urbana, ocultam de modo sofisticado os reais

processos desencadeados pelos agentes que produzem o urbano, em especial, o

Estado nas suas mais diversas instâncias e o Capital vinculado ao setor imobiliário.

Ignorada de modo deliberado ou intencional, fato é que a renda urbana

fundiária, como contraponto, como categoria crítica de análise e reflexão da realidade

urbana é de fundamental importância para a compreensão dos processos que se

impõe na realidade da cidade urbana, sendo um deles, a obsolescência espacial

urbana.

De acordo com Harvey (1980152, p.150), o conceito de rentabilidade ocupa

posição crítica nas teorias do uso do solo urbano. Em suas palavras:

Muitos teóricos da localização compreendem que se faz necessário uma fusão entre as teorias da renda com a teoria da localização [...]. A renda age como artifício racional que seleciona usos do solo em

localização, crê-se por via de lances competitivos.

151

Livre tradução de: “Y a-t-il une rente foncière urbaine”? 152

HARVEY, David. A Justiça Social e a Cidade. São Paulo: HUCITEC, 1980.

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Um dos aspectos negativos relativo ao conceito de renda é a forma como

esta surge nos dizeres de Harvey153 de modo inocente na teoria do solo urbano,

acobertando problemas de ordem mais sérios ligados a sua interpretação. Para

Harvey, o ponto crucial do solo urbano está circunscrito à complexidade da oferta e

demanda do solo urbano em suas diferentes parcelas. De um lado oferta e demanda

estão relacionadas de maneiras significativas, mas de outro, pobremente

compreendidas. Ele propõe retomar a riqueza da economia política para esclarecer a

natureza da renda e ao mesmo tempo se contrapor a ocultação feita pela empresa

neoclássica, em especial aspectos técnicos e éticos que se ligam à renda, e como esta

de fato age no mercado do solo urbano154.

Partindo do princípio que a propriedade do solo está baseada no monopólio

por parte de algumas pessoas em detrimento da exclusão de outras, Harvey155 ao

refletir a respeito do conceito de renda em O Capital e em Teorias da Mais-Valia

assevera que “Marx se propõe descobrir as diferenças que de outro modo poderiam

escapar à averiguação”. São definidas três espécies básicas de renda, que tipicamente

surgem no modo de produção capitalista: i) Renda de monopólio; ii) Renda diferencial e

iii) Renda absoluta.

A análise do uso do solo urbano ou da terra urbana permite múltiplas

possibilidades para a compreensão de processos que ocorrem em qualquer cidade do

mundo. Conforme já explicitado, trata-se a terra urbana de uma mercadoria especial

dada as suas condições diferenciais em relação a outras mercadorias.

Na cidade, os elementos naturais que possuem relação com a renda

fundiária são as condições hidrográficas, vegetacionais, geológicas, as condições

climáticas e as feições do relevo presentes em uma determinada área e, quando

cooptadas pelo mercado de terras, podem se tornar amenidades geográficas no

153

Ibidem. 154

Também a respeito da riqueza da Economia Política nos estudos e pesquisas geográficas consultar Santos (1994). 155

Ibidem.

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sentido de impulsionar uma renda fundiária mais elevada, logo preços de terrenos e

imóveis mais elevados.

O solo agrícola e a terra urbana, no tocante a formação das rendas

fundiárias, se aproximam quando se trata da renda absoluta, ou seja, o monopólio da

terra via a propriedade privada. Esse monopólio garante a todos os proprietários um

lucro extraordinário não em função de amenidades x, y ou z, nem em função do

trabalho excedente dos trabalhadores em uma determinada propriedade ou

empreendimento, mas sim, em função da fração da massa de mais-valia global dos

trabalhadores.

Outro tipo de renda da terra urbana é a diferencial analisada entre outros por

Harvey (1980, 2013) e Rodrigues (1988a), também chamada de renda de localização.

Esse tipo de renda é produzido a partir de localizações e áreas privilegiadas

determinadas pelo mercado em que os consumidores estão dispostos a pagar uma

renda de monopólio para ali se localizarem, seja em função de uma condição de status

individual ou de necessidades relativas às exigências de uma determinada atividade

econômica, em especial, aquelas sintonizadas com as necessidades da economia

globalizada.

Dada às particularidades da cidade, o conceito da terra urbana é o mais

adequado para a compreensão de parte do processo da obsolescência espacial

urbana. O termo, além de marcar as diferenciações na formação de rendas fundiárias,

a ideia de terra urbana permite compreender melhor a forma como os diversos agentes

produtores da cidade atuam, em especial, aqueles que compõem o setor da indústria

do imobiliário.

Por terra urbana compreende-se o que temos acima e abaixo da superfície

na cidade. Abaixo, ou aquilo que se define como subsolo urbano, temos toda uma

infraestrutura marcada por galerias de captação pluvial e fluvial, tubulações de redes

de água, esgoto e gás e cabeamento de todas as ordens tais como energia elétrica,

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telefonia, fibra ótica. Entretanto, há de salientar que em São Paulo especificamente

esses elementos não se fazem presentes na totalidade da cidade, bem como muitos

dos que se fazem muitas vezes pelo tempo de uso e das suas condições técnicas são

precários, ou seja, devem também ser considerados como fatores de obsolescência.

Acima, no caso solo com base para um conjunto complexo e um conjunto

simples de valores de uso, temos as pavimentações, ruas, avenidas, ruelas, calçadas,

postes de iluminação, telefonia e internet, jardins e parques, sistemas de drenagem,

pontes, viadutos entre outros, bem como temos edificações de todas as ordens, além

de terrenos vazios e ociosos.

Em que pese essa ligeira diferença entre o uso das terminologias “solo e

terra urbana”, o fato é nosso entendimento sobre a relevância da renda fundiária

aplicada nos estudos urbanos vai ao mesmo sentido daquele proposto por Harvey

(1980, 2005, 2013), Lojkine (1979, 1981) e Rodrigues (1988a), ou seja, que a dinâmica

da realidade urbana das cidades capitalistas e todos os processos pertinentes a sua

realidade fundiária passa necessariamente pela compreensão da renda da terra.

A renda fundiária, uma fração da mais-valia ou mais precisamente,

componente particular e especifico da mais-valia se trata de um valor extraordinário

apropriado sob a lógica do mercado de terras aos que detém a propriedade privada

dessa mercadoria ou nos termos precisos colocados por Umbelino (2007, p.43):

A renda da terra é uma categoria especial na Economia Política, porque ela é um lucro extraordinário, suplementar, permanente, que ocorre tanto no campo como na cidade. O lucro extraordinário é a fração apropriada pelo capitalista acima do lucro médio [...]. Como ela é um lucro extraordinário permanente, ela é, portanto, produto do trabalho excedente [...] o trabalho excedente é a parcela do processo de trabalho que o trabalhador dá ao capitalista, além do trabalho necessário para adquirir os meios necessários à sua subsistência.

Esse lucro extraordinário, de acordo com Umbelino, trata-se de renda

capitalizada, pois, na medida em que os investidores e capitalistas compram a terra

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estão “convertendo o seu capital-dinheiro em renda capitalizada da terra, renda

antecipada, ou seja, estão adquirindo o direito de extrair renda, mesmo naqueles

lugares onde aparentemente ela pode não existir” (UMBELINO, 2007, p.63). Já na

cidade a renda assume uma forma abstrata, ou seja, “a renda não se apresenta mais

como um produto do solo como ocorre no campo, ela aparece como nada mais que o

juro de um capital investido” (BOTELHO, 2008, p. 26).

Além disso, “a renda da terra é determinada pelo uso socialmente

estabelecido na organização da produção e circulação, paga ao proprietário,

consequência do valor de troca, muitas vezes antecedida à determinação do uso por

ações de especulação e escassez de localizações” (Harvey, 1980, p.154).

Harvey156 ainda afirma que a renda não pode ser entendida sem se fazer

citação ao pagamento que ocorre em circunstâncias sociais, bem como nos chama

atenção para a realidade de que o espaço urbano não é absoluto, relacional ou relativo,

mas são todos os três simultaneamente, dependendo das circunstâncias do tempo.

Essa prerrogativa é importante, pois ignorar tanto a dimensão conceitual da

renda, como a dimensão conceitual do espaço, e a relação que se estabelece entre

ambos, pode nos levar a erros e análises superficiais, que ao invés de propiciar a

compreensão dos problemas relativos ao solo urbano, tende a ocultar a realidade

acentuando ainda mais a ocultação produzida pela economia neoclássica.

A análise da renda fundiária nos possibilita confrontar e elucidar o modo

como os agentes ligados ao setor imobiliário atua na cidade, pois conforme já

dissemos, apesar de mecanismos e fórmulas bem elaborados e adotados por esse

segmento em relação aos preços praticados no processo de compra e venda de

imóveis e terrenos, esses mais ocultam do que clarificam.

156

Ibidem.

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223

Fato é que os próprios agentes que atuam no ramo imobiliário não negam

que o preço de terras no urbano é de ordem complexa, e mais complexa e oculta se

torna quando fatores como a renda, lucro e juros projetados e obtidos pelas empresas

que atuam no mercado é de pouco conhecimento, em especial, para aqueles que

adquirem os valores de usos que as edificações proporcionam.

A partir de um rápido exemplo que vai do custo de produção ao preço final

de imóvel, vamos considerar inicialmente o custo de construção de uma casa tendo

como parâmetro os dados do SINAPI (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e

Índices da Construção Civil do IBGE).

Em novembro de 2012, o valor médio do m2 para a construção civil em São

Paulo era de R$ 921,53. Considerando diferentes tipos de padrão construtivo (alto,

normal, baixo e mínimo) definidos pelo IBGE157 (2012), além do tipo do projeto, ou seja,

uma casa popular, casa residencial normal, prédio residencial, prédio comercial e em

cada um deles com várias particularizações temos os seguintes os seguintes custos

(Tabela 3.1):

3.1. Tabela Custos de Construção / São Paulo (2012)

Alto Normal Baixo

R$ 1.336,09 por m² R$ 962,49 por m² R$ 679,81 m²

Fonte: SINAPI – Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil do IBGE (2012)

Projeto: Casa residencial padrão normal com 70 m², contendo um

pavimento, varanda, sala, três quartos, circulação, banheiro, lavabo, cozinha, área de

serviço, quarto e WC de empregada.

O preço pago pelo terreno onde será construída a casa foi de R$ 250.000 e

o preço final dessa casa padrão normal situada em um dado lugar foi colocada à venda

por R$ 400.000, ou seja, 5.714 reais o preço do m².

157

SINAPI – Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil do IBGE

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224

Considerando o custo de produção do m², a casa saiu por aproximadamente

R$ 67.500. Se o custo de comercialização desse imóvel foi de 5%, ou seja, R$ 20.000

sobre o preço final do imóvel, a margem de lucro do empreendedor, gira conforme o

mercado imobiliário entre 10% e 20% do preço pago no terreno. Se considerarmos

nesse exemplo uma margem de 15% isso equivale a R$ 30.000

Pela matemática simples temos: R$ 250.000 do terreno + R$ 67.500 do

custo de produção + R$ 20.000 da comercialização + R$ 37.500 do lucro do

empreendedor. O resultado final é de: R$ 375.000. Entretanto, a casa foi vendida por

R$ 400.000, ou seja, há ai uma diferença de R$ 25.000.

O fato é o empreendedor ao pagar R$ 250.000 já projetava o montante de

R$ 400.000 como preço final, e a sua alegação é que se trata de uma nova casa e

essa está inserida em uma localização satisfatória que dá acesso a uma gama de

prestações de serviços, comércio, facilidade de circulação e ligação com outras

regiões, acesso satisfatório ao transporte público entre outras amenidades.

Esse breve exercício contempla de modo mínimo a realidade operacional do

mercado. Mínimo por que em geral o lucro extraordinário aqui exemplificado tende

sempre a ser maior. A questão é que o que vende a casa e ou terreno (pessoa física)

não tem de fato a dimensão do preço final a ser praticado pelo empreendedor (pessoa

jurídica).

Se a casa for financiada pelo setor bancário o empréstimo do valor solicitado

será acrescido de juros e será pago ao longo do tempo, fazendo com que a instituição

bancária obtenha ganhos a partir do preço do imóvel que fora determinado pela renda

futura projetada pelo empreendedor.

Rodrigues (1988a, p75.) clarifica essa questão da seguinte forma:

De modo geral, esta mercadoria “sui generis” tem seu preço determinado não pela produção, mas pela taxa média de lucro de aplicação dos capitais. O trabalhador, ao adquirir um terreno para

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construir uma casa, ou uma casa pronta, estará assim remunerando ao capital, no preço da terra, a taxa média de lucro do capital em geral. A remuneração do capital empregado na aquisição estará garantida e embutida na mercadoria terra urbana. A terra urbana, espécie de mercadoria, tem um preço que aparece como ditado pelo mercado, quando originalmente foi definido como monopólio de propriedade e posteriormente é constantemente redefinido pela produção social da cidade. [...] No caso da mercadoria terra não há preço de produção da terra nua, o preço é redefinido pela produção social da cidade, porém aparece como se fosse definido pelo mercado. Mas o que é definido pelo mercado é a renda.

A questão é que cada vez mais na realidade do mercado imobiliário os

diferentes agentes atuantes se fundem, até mesmo porque, e isso é demonstrado por

Fix (2007), raramente salvo exceções o empreendedor consegue produzir sozinho um

empreendimento. Por detrás dessa produção está também o setor bancário e

financeiro, ou seja, o setor tende cada vez mais atuar nas duas pontas, isto é,

financiando a produção da edificação e financiando a compra do produto final.

Essa breve exposição sobre a problemática da renda fundiária urbana para o

nosso propósito possui relevância quando refletimos outro processo, no caso a

obsolescência espacial urbana. Em inúmeras passagens temos dito que a

obsolescência espacial é decorrente da dinâmica das rendas fundiárias que ocorre em

um dado lugar.

Uma gama de mercadorias móveis é consumida no cotidiano. Para o

sistema capitalista, hoje controlado pela esfera bancaria e financeira, é fundamental

que elas sejam destruídas o mais rápido possível e a partir disso o consumo se torne

exponencial. Essa destruição não se dá somente pelo uso de uma mercadoria por um

determinado tempo, mas também pelo constante lançamento de novas mercadorias

que em função de seus apelos oriundos tecnológicos e do marketing colocam de modo

prematuro e intencional um conjunto significativo de objetos na condição de obsoletos.

Na realidade urbana, na produção imobiliária da cidade, não diferentemente

do que ocorrem na esfera industrial, bancária e financeira, para que o mercado

imobiliário seja continuamente remunerado através da renda, lucro e juros a produção

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226

também não pode cessar, seja na ampliação de novas áreas, seja na “renovação” que

por convenção são chamadas de áreas degradadas.

No entanto, o setor imobiliário na medida em que ele atua sob o espaço da

cidade esbarra em inúmeros obstáculos os quais ele precisa superar. Dizer como

Milton Santos (1990a) que cidades como São Paulo nunca envelhecem deve ser

tomado com algo relativo e com cuidado, pois áreas e setores dos quais o capital

imobiliário não possui interesse ou não consegue atuar dentro da sua lógica de

reprodução objetivando conforme temos insistido na busca pela renda, lucro e juros,

tais áreas e setores entram em processo de obsolescência espacial, sendo que o

resultado dessa obsolescência é expresso na defasagem técnica das edificações e de

suas localizações.

Historicamente a realidade urbana no Brasil em geral, e São Paulo em

particular, além da expansão dos limites da área urbana, tem-se a lógica da demolição

dos ambientes construídos para que em seus lugares sejam concebidos novos

ambientes que venham a atender as exigências de remunerações do mercado

imobiliário e dos ideários da metrópole moderna. Se a demolição não é realidade ou se

ela não se realiza, a obsolescência tende a ganhar terreno. Além disso, não é prática

cultural do proprietário de terras no Brasil realizar investimentos muitas vezes vultosos

no sentindo de atualizar tecnicamente suas propriedades. Quando isso ocorre à

tendência é que ele em função da localização de sua propriedade, no caso dos

aluguéis residenciais e comerciais, incorpore o valor dessa localização no preço do

aluguel, porém, ao mesmo tempo por ter uma edificação em mal estado de

conservação e defasada tecnicamente acaba encontrado dificuldades em locar o

imóvel. Duas situações lhe restam: ou reduz o valor do aluguel ou caso mantenha o

preço elevado acaba por ter seu imóvel vazio e ocioso.

Posto essas reflexões sobre a localização e a renda fundiária passamos à

análise final de como a obsolescência na realidade espacial no bairro de Santana se

apresenta.

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227

Aquilo que estamos denominando de processo da obsolescência espacial

urbana possui como fator dois elementos associados, ou seja, rendas fundiárias que

foram amortizadas ao longo do tempo e as condições técnicas, funcionais e de estilo

das edificações e das localizações as quais se encontram defasadas. Realidade essa

que se contrapõe às localizações e ambientes construídos mais modernos. Em

Santana, essas duas condições do ponto de vista da distribuição espacial se

apresentam do seguinte modo (Figura 3.19).

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228

Figura 3.19. Áreas Modernas e Áreas Obsoletas no Bairro de Santana

Legenda

Áreas predominantemente modernas.

Áreas predominantemente obsoletas.

332000

7399000

7401000

336000

0 250 500 1000 mOrganização: Leandro de Souza Pinheiro, 2015.

André Vinícius Martinez Gonçalves, 2015.

Fonte: Google Maps.

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229

Os setores e áreas158 marcados pelo processo de obsolescência espacial no

bairro de Santana, no que diz respeito aos aspectos técnico, de estilo e econômico são

contundentes em quatro setores do bairro: i) Entre as estações metroviárias do

Carandiru e Santana que têm como principais vias de circulação a Rua Voluntários da

Pátria, Avenida Cruzeiro do Sul e ruas adjacentes a essas duas vias de circulação; ii)

Na antiga área do Projeto Cura situado ao lado da estação metroviária de Santana; iii)

Ao longo da Rua Dr. Zuquim e iv) No principal núcleo comercial do bairro de Santana o

qual possui como principal referência a Rua Voluntários da Pátria.

Quando considerados os usos do solo de ordem comercial nessas áreas

esses são marcados por agentes econômicos situados no circuito superior marginal da

economia e no circuito inferior da economia. Do ponto de vista técnico159 e de estilo,

sejam as edificações de uso comercial ou residencial, são ambientes construídos que

possuem como características construções com idade superior a vinte 30 e 40 anos. As

áreas de uso do coletivo (prédios) e nas áreas de uso privado são dotadas de padrões

tecnológicos analógicos, mecânicos.

As edificações em geral pela idade de suas construções possuem

encanamento e tubulações de ferro o que implica em constantes problemas de ordem

hidráulica. As fiações elétricas pela idade avançadas implicam no seu uso diário pelos

mais diversos equipamentos elétricos e eletrônicos em alto e médio consumo de

energia. Além disso, as edificações sejam elas de uso comercial ou residencial para

conseguirem absorver toda gama de equipamentos elétricos, eletrônicos e digitais

inerentes a nossa atual realidade possuem restrições técnicas e para que elas sejam

superadas adaptações ou tal como se coloca popularmente “gambiarras” se fazem

necessárias.

158

Isso não significa que não haja no bairro outros pontos marcados por uma e outra edificação em condição de obsolescência, porém a escala de abrangência desses pontos processo é diminuta. 159

Do ponto de vista técnico tais informações foram obtidas em conversas informais com moradores e comerciantes nos trabalhos de campo realizados.

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230

Do ponto de vista arquitetônico, as edificações não possuem flexibilidade

para a alteração do ambiente interno e caso isso seja realizado, em geral demanda de

grandes intervenções de reformas. No caso dos prédios de uso residencial esses

raramente possuem vaga de garagem, playground, salão de festas e jogos, quadra,

piscina, churrasqueira, ou seja, elementos presentes nos prédios situados, por

exemplo, na porção da colina.

Conforme exposto anteriormente do ponto de vista geral, a exceção do

trecho da Rua Dr. Zuquim que se encontra entre a faixa de transição entre a colina e

várzea e a colina propriamente dita, as áreas com ambientes construídos em processo

de obsolescência espacial estão localizadas na área de várzea e apresentam em

muitos casos preços inferiores as médias apuradas para o conjunto do bairro. São

marcadas por ambientes construídos em geral antigos, compostos por casas e por

edifícios de dois ou três pavimentos, claramente, sem “manutenção”, defasados

tecnicamente e de usos variados ou mistos entre atividades comerciais, prestação de

serviços e residencial.

Porém, nem todas as áreas obsoletas possuem preço relativo ao m² baixos

quando comparados com a média de preços do bairro, como é o caso do trecho

comercial da Rua Voluntários da Pátria e o trecho da Rua Dr. Zuquim situado entre a

faixa de transição e colina. Como dissemos, os preços não explicam o processo da

obsolescência, mas eles se constituem como indicativos e por vezes camuflam o

processo. Dai a necessidade em se analisar as particularidades de como a dinâmica

das rendas fundiárias se estabelecem no bairro.

Um dos fatores da obsolescência espacial em Santana está condicionado

pelas diferenciações de como se dá a circulação de capitais nos ambientes construídos

o que acaba por redefinir a forma de atuação dos agentes econômicos e proprietários

individuais, seja em função das remunerações a serem obtidas quando as edificações

são utilizadas para se obter valores de troca, seja na valorização maior ou menor das

edificações ao longo de um lapso de tempo.

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231

De acordo com Harvey (2005, p.503)

[...] o capital ao circular pelos ambientes construídos implica para os proprietários de terra que esses recebam renda, os empresários (do setor comercial e de prestação de serviços localizados em um dado ponto) recebem aumentos de rendas em função das melhorias, os construtores ganham o lucro do empreendimento, os financistas proporcionam capital monetário em troca de juros, ao mesmo tempo que podem capitalizar qualquer forma de receita acumulada pelo uso d ambiente construído em um capital fictício (preço da propriedade) e o Estado pode usar os impostos (atuais e antecipados) como suporte para os investimentos que o capital não pode ou não vai realizar, mas que não obstante expande a base para a circulação local do capital.

Os ambientes construídos e as localizações das quais eles se fazem

presentes para que os patamares das rendas fundiárias fiquem elevados ou dentro de

uma média satisfatória demandam que a circulação e renovação de capitais relativos à

dinâmica fundiária sejam constantes no decorrer do tempo.

Essa circulação de capitais necessários para que os ambientes construídos

e suas localizações estejam sempre em um patamar de renovação e modernização é

variável. A aplicação desses capitais pode ser oriunda por parte do Estado que investe

em infraestrutura de todas as ordens, podem ser por parte dos empreendedores

imobiliários quando esses se lançam da compra de terrenos para edificarem novos

imóveis e podem ser realizados pelos proprietários que investem valores no sentido da

manutenção, reformas e readequações técnicas de suas propriedades, sejam elas

usadas como valores de uso ou valores de troca.

Considerando essa premissa, no bairro de Santana fica explícito que a

circulação de capitais ocorre de modo mais efetivo e intenso, sobretudo, nas áreas que

apresentaram maiores preços fundiários por m² e de modo muito pontual e menos

intenso nas áreas em que se situa o processo da obsolescência espacial. Um exemplo

da diferenciação da circulação de capitais no ambiente construído em Santana é

expresso pela Figura 3.20 relativa aos lançamentos imobiliários no bairro nos últimos

cinco anos.

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232

Figura 3.20. Lançamentos Imobiliários no Bairro de Santana (2009-2014)

Organização: Leandro de Souza Pinheiro, 2015.

André Vinícius Martinez Gonçalves, 2015.

Fonte: Google Maps.

Lançamentos imobiliários em áreas de

colinas nos últimos cinco anos.

Áreas predominantemente modernas.

Áreas predominantemente obsoletas.

332000

7399000

7401000

336000

Legenda

0 250 500 1000 m

Lançamentos imobiliários em áreas

de várzea nos últimos cinco anos.

Menor ocorrência. Maior ocorrência.

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233

A circulação de capitais e a renovação do ambiente construído e das

localizações ocorrem na várzea, na faixa de transição e na colina. Porém, essa

condição se dá com muito mais intensidade em pontos da faixa de transição e da

colina, sendo que na porção da várzea a circulação de capitais de origem imobiliária é

realidade mais efetiva na várzea nos últimos cinco anos, ou seja, por anos a fio, mais

especificamente nos entre os anos de 1980 aos dias atuais, poucos foram os

investimentos ali realizados, o que acarretou não só a perda gradual no potencial de

renda a serem obtidas pelos diversos agentes presentes no mercado imobiliário, bem

como no envelhecimento das edificações e suas localizações.

Em suma, a ação na criação e renovação de ambientes construídos é vital

para a sobrevivência e reprodução do capitalismo. Entretanto, por vários fatores o

capital imobiliário não atua de modo homogêneo seja na cidade, seja em um bairro

como Santana.

Na medida em que esse capital consegue atuar sobre certas frações do

território, inclusive superando barreiras como, por exemplo, o fato de que ele precisa no

complexo jogo de compra de terrenos lidar com os interesses individuais de quem

detém a propriedade privada da terra ou com obstáculos criados ou oriundos por parte

do Estado, ele não só renova os ambientes construídos e as localizações, como

dinamiza e potencializa as diversas formas de remuneração do capital, gerando nessa

dinâmica um oposto de contradição, ou seja, o processo da obsolescência espacial

urbana.

Vamos considerar a questão da renda monopolista para o conjunto de

Santana. Como nos afirma Harvey (2005, p.222)

[...] toda renda se baseia no poder monopolista dos proprietários privados de determinadas porções do planeta. A renda monopolista surge porque os atores sociais podem aumentar seu fluxo de renda por muito tempo, em virtude do controle exclusivo sobre algum item, direta ou indiretamente, comercializável, que é, em alguns aspectos, crucial, único e irreplicável.

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234

O trecho comercial da Rua Voluntários da Pátria foi historicamente para

Santana e região a versão localizacional, a centralidade principal desse conjunto, seja

porque nela se concentrava a vida econômica do bairro, seja porque o acesso a esse

trecho foi e continua sendo facilitado pela rede de transporte, e sistemas internos de

circulação do bairro.

Essa condição implicava por parte dos proprietários dos imóveis comerciais

e de prestação de serviços na cobrança de um ágio pelos interessados em se alocar

nessa localização, sobretudo, pela acessibilidade que ele representa, em especial, aos

consumidores.

Até os anos de 1980, na cidade de São Paulo, ruas comerciais de bairro

eram escassas, logo possibilitava aos proprietários especular e elevar o preço dos

aluguéis, ou seja, potencializa a obtenção de um sobre lucro. Conseguir um ponto

comercial nessas ruas era privilégio de poucos, sonho de muitos lojistas e

comerciantes. Ter um ponto na Rua Voluntários da Pátria significava incrementar o

preço final dos produtos e mercadorias ali comercializadas. Desse modo, também os

comerciantes transferiam para o consumidor um ágio, o que implicava além do lucro

obtido, um sobrelucro.

Esse monopólio, entretanto, começaria a ser quebrado entre os anos de

1975 e 1984. A inauguração da estação metroviária de Santana em 1975 viria a facilitar

de modo gradual o acesso de muitos consumidores a outros centros comerciais, em

especial, os situados na região central da cidade, ou seja, o incremento proporcionado

por esse sistema de transporte seria crucial para colocar o comércio de Santana em

franca competição com outras áreas comerciais da cidade.

Além disso, as demais vias de circulação que ligam o bairro à região central

de São Paulo, gradualmente, na medida em que ao automóvel passava a ser cada vez

mais uma realidade na vida dos indivíduos também serviram como fator determinante

para intensificar essa competição.

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235

Em 1984, com a inauguração do Complexo Center Norte o monopólio

exercido pelos proprietários privados dos pontos comerciais distribuídos ao longo da

Rua Voluntários da Pátria e aqui também incluiu ruas adjacentes, seria definitivamente

colocado em xeque. Além do Shopping Center Norte, também seria inaugurado na

região dez anos após, isto é, em 1994 o Shopping D e em 2007 o Shopping Parque

Santana (Figura 3.21).

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236

Figura 3.21. Localização do Trecho Comercial da Voluntários da Pátria e de Shoppings Centers em Santana

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237

Em linhas gerais o Santana Parque Shopping possui três 3 pisos com 180

lojas, praça de alimentação e salas de cinemas, além de 1.200 vagas no

estacionamento. Já o Center Norte com um único piso de amplos corredores e

iluminação natural, possui 331 lojas. Conta com um hipermercado e mais de 50 opções

de restaurantes e fast-foods, salas de cinema e somado ao Lar Center com 150 lojas e

que pertence ao mesmo grupo tem 12.000 vagas no estacionamento. Já o Shopping D

tem 230 lojas, estacionamento coberto com 1.800 vagas, além de praça de

alimentação e cinemas.

Não se trata somente das dimensões físicas desses shoppings, mas o

conceito do shopping em si, seja pela qualidade técnica do ambiente construído, seja

pelo seu ideário.

A história dos shoppings na realidade capitalista remonta, conforme

assinalado por Garrefa (2014160), ao início do século XX nos Estados Unidos e passa a

ser realidade no Brasil a partir de 1966, com a inauguração do Shopping Iguatemi161.

Porém, é a partir da década de 1980 que se difunde por todo o país, em especial, a

partir do final dos anos de 1990 em diante quando passam a serem empreendimentos

produzidos, controlados e geridos por fundos de investimentos nacionais e

estrangeiros.

Guardada as particularidades das características dos shoppings no Brasil

apontados por Garrefa162, seja em relação à funcionalidade, seja em relação ao padrão

arquitetônico, eles representam ao mesmo tempo um novo padrão comercial, capaz de

160

GARREFA, Fernando. Shoppings centers e conjuntos de uso misto: Conceito, projeto e produto. In: Arquitetura e Mercado Imobiliário. São Paulo: Manole, 2014 161

De acordo com pesquisa de mercado Main Streets Across The World divulgada em novembro de 2013 e realizada pela consultoria internacional Cushman & Wakefield e que avalia o desempenho do arrendamento de imóveis de varejo em todo o mundo ao longo dos último 12 meses o Shopping Iguatemi, em São Paulo, alcançou o patamar de o mais caro metro quadrado de aluguel do Brasil e o 14º colocado em todo o mundo, com aluguel de R$ 800 o valor do metro quadrado mensal – Fonte: ( http://www.lugarcerto.com.br/app/402,61/2013/11/18/interna_ultimas,47642/brasil-tem-o-14-shopping-com-metro-quadrado-de-aluguel-mais-caro-no-m.shtml ). A título de comparação em pesquisas realizadas por nós em relação ao preço do aluguel por m² no Center Norte esse tem em média variação entre 100 e 400 reais o m² dependendo da localização no ambiente interno do shopping. 162

Ibidem.

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238

concentrar em um mesmo ambiente múltiplas variáveis do consumo de mercadorias,

entretenimento, acessibilidade, circulação e segurança.

Isso não significa que ruas comerciais como a Voluntários da Pátria tendem

a deixarem de existir, porém salvo raras exceções, a maior parte ao longo dos últimos

anos, em especial as ruas comerciais de bairro, passam por mudanças significativas de

conteúdo. No caso do trecho comercial de Santana com a chegada do Center Norte em

1984, houve concretamente uma transferência tanto de lojas mais sofisticadas, como

de clientela para esse “templo” do consumo.

No início dos anos de 1990, inúmeras edificações ficaram vagas e ociosas,

mas gradativamente foram sendo ocupadas por um comércio de seguimento mais

popular, e que passou a ser utilizado pela população de menor poder aquisitivo da

zona norte da capital.

Esse momento culmina com o surgimento de modo mais intenso do

comércio de ambulantes, que explode no final dos anos de 1990, primeiramente nas

Ruas Gabriel Pizza e Leite Moraes que já abrigavam esse tipo de comércio. À medida

que as lojas populares foram se instalando ao longo da Rua Voluntários da Pátria,

gradativamente os ambulantes também se alojavam nela.

Entretanto, esse processo não foi instaurado de forma tranquila. Houve uma

intensa disputa de poder pelo uso do espaço público entre comerciantes e ambulantes,

a ponto de em um dado momento, com o aval da prefeitura, os comerciantes

instalarem gigantescos vasos nas calçadas a fim de não permitir que os ambulantes

praticassem suas atividades nas calçadas, e, portanto, de frente às lojas.

As justificativas eram simples, muito dos produtos comercializados pelos

ambulantes disputavam com os oferecidos pelas lojas. No caso, os prejudicados foram

os pedestres, que ao transitarem nas calçadas tinham que desviar dos vasos e das

barracas. Por bom senso, e por acordo entre comerciantes e ambulantes tais vasos

foram eliminados.

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239

As tentativas de ordenamento do espaço foram constantes por parte dos

ambulantes locais, representados pelo sindicato da classe e de alguns comerciantes

que tentarem junto à prefeitura um plano de ordenação do uso do espaço público.

Todavia, de acordo com o sindicato, o movimento perdia força pela baixa participação

dos comerciantes, pelo pouco ou nenhum interesse da prefeitura em dialogar com os

interlocutores do projeto conforme pontuamos no capítulo anterior. Como desfecho

final, em 2010 o poder público impôs a Operação Delegada. Ambulantes removidos e a

obsolescência do trecho comercial de Santana cada vez mais intensificada.

Dissemos que a renda monopolista era realidade para os proprietários

privados de imóveis de uso comercial da Rua Voluntários da Pátria e adjacências.

Contudo, pelos eventos entre 1975 e 1984 em diante essa renda que proporcionava

também obter uma renda diferencial e uma renda de localização sofreu alterações.

Hoje, podemos considerar que os proprietários privados, podem não terem se

articulado efetivamente como fração de classe no sentido de discutir e agir

efetivamente em relação a uma renovação técnica do ambiente como um todo, bem

como do ponto de vista individual os proprietários, em sua grande maioria, também

não investiram em seus imóveis. Foram assim engolidos pela lógica fundiária que os

shoppings representam na realidade paulistana.

A renda monopolista e tudo o que ela contém se deslocou da rua comercial

para os templos de consumo e os agentes que controlam tais ambientes construídos

são de outra ordem. O Center Norte de propriedade exclusiva da família Curt Otto

Baumgart, engenheiro, dono de terras e da firma Vedacit que atua no segmento de

impermeabilizantes, aditivos para concretos e argamassas, desmoldantes, adesivos,

pinturas asfálticas, mantas líquidas, revestimentos entre outros e que teve intensas

relações com a Ditadura Militar, em 1984 se antecipou ao que viria ser a lógica do

empreendimento shopping.

Já os shopping D e Parque Santana foram financiados por instituições de

fundos de investimentos. No caso desses dois shoppings, grupos como Cyrela

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240

Commercial Properties, Aliansce Shopping Centers (fruto de uma joint venture entre

Nacional Iguatemi e a norte-americana General Growth Properties (GGP)), Instituto

Aerus, fundo de pensão dos funcionários das companhias aéreas, o fundo Canada

Pension Plan Investment Board, foram e são realidades no controle desses

empreendimentos, garantindo-lhes renda monopolista e diferencial.

Adquirir um ponto em um shopping compreende pagar o CDU163 (Cessão de

Direito de Uso) popularmente conhecido como “luvas”, condomínio e o aluguel. Tanto o

CDU, como o condomínio, como o aluguel, variam de acordo com a localização do

ponto dentro do Shopping.

Em consulta ao site “O ponto comercial164, por exemplo, encontramos os

mais diversos preços de pontos comerciais praticados no Shopping Center Norte

conforme expressos na Figura 3.22:

163

Em relação as controvérsias jurídicas que envolvem o CDU consultar Pereira (2007). 164

Em: http://opontocomercial.com.br/Shop_Center_Norte-503.html#1.Acesso em 16.11.2014. Há outros sites que atuam na divulgação de pontos comerciais do Shopping Center Norte.

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241

Figura 3.22. Divulgação de Preços Relativos a Pontos Comerciais Praticados Internamente no Shopping Center Norte

Fonte: http://opontocomercial.com.br/Shop_Center_Norte-503.html#1.

A locação em um ponto em um Shopping Center compreende um conjunto

de valores a serem pagos pelo locatário que acabam por garantir na sua totalidade aos

proprietários/locador uma modalidade de renda fundiária que se apresenta superior em

grande monta aquela obtida atualmente em ruas comerciais.

Essa realidade somente é possível porque o shopping, tudo aquilo que ele

contém material e imaterialmente falando, expressa do ponto do vista do ideário

capitalista aquilo que há de mais moderno do ponto de vista comercial. Segurança,

conforto ambiental, facilidade de estacionamento, variedade de lojas, produtos e

mercadorias, entretenimento entre outros elementos concentrados em um único

ambiente são diferenciais de tal ordem que raras são as ruas comerciais em São Paulo

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242

conseguem reproduzir ou chegarem próximo a essa condição, o que não é o caso da

Rua Voluntários da Pátria.

Em relação ao eixo composto pela Avenida Cruzeiro do Sul e Rua

Voluntários da Pátria, a obsolescência espacial marcada pelo baixo potencial de renda

fundiária a ser obtida se deve por dois fatores. Essa área está localizada entre as

estações metroviárias do Carandiru e Santana o que deveria se constituir em uma

amenidade positiva em função desse equipamento público de transporte. Porém, a

realidade é inversa.

Conforme dissemos em passagens anteriores, em um passado não muito

distante, se fazia presente na área à denominada ex-penitenciária do Carandiru. Até

então, o ano de 2013 trabalhávamos com a hipótese que era o Carandiru o fator que

desencadeava o processo de obsolescência nessa área e ser ao mesmo tempo

entrave para uma maior dinamização fundiária do local. Mas, chegamos à conclusão

que tal hipótese era parcial, ou seja, não respondia plenamente aos nossos

questionamentos, afinal praticamente treze anos se passaram e nenhuma alteração

mais contundente no ambiente construído no perímetro da antiga Penitenciária foi

constatada.

Em conversas com inúmeros corretores de imóveis, esses colocavam que

com a remoção do Carandiru haveria uma tendência de renovação da região. A mesma

sensação ocorria também por parte de moradores do bairro. Houve sim dois casos

concretos que se remetem a uma mudança no ambiente construído. Porém, quando

considerada a totalidade desse ambiente eles - uma reforma e a produção de um novo

edifício - não são capazes de indicarem uma mudança em médio prazo na reversão da

obsolescência espacial (Figuras 3.23, 3.24)

.

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243

Figura 3.23. Recuperação e Readequação Técnica de Edificação na Avenida Cruzeiro do Sul no Bairro de Santana

Fotos: André V. M. Gonçalves (2005, 2013)

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244

Figura 3.24. Produção de Nova Edificação na Área do Metrô Carandiru

Foto: André V. M. Gonçalves (2014)

Esse trecho ou miolo tem como fator principal de obsolescência espacial

urbana, por mais contraditório que possa parecer, o moderno equipamento Aeroporto

Campo de Marte e que representa um conflito entre distintos capitais, ou seja, aqueles

capitais particulares relativos ao setor da aviação aérea privada de médio e pequeno

porte e aquele associado ao capital do setor imobiliário. A localização dessa área para

o mercado imobiliário é extremamente rica para a constituição de edifícios de uso

comercial e residencial, mas por força de legislação existe impedimento relativo a

qualquer possibilidade de verticalização (Figura 3.25).

Diante dessa realidade o mercado imobiliário, além de proprietários privados

de terra, cobra da PMSP e da INFRAERO a desativação do aeroporto, pois removido

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245

esse complexo, tal ação beneficiaria tanto os proprietários de terra como as

incorporadoras imobiliárias, potencializando por meio da renovação do ambiente

construído, o lucro, os juros e a renda.

Consideramos que essa remoção também beneficiaria a PMSP visto que as

alterações na área provocariam aumento de arrecadação do Imposto Predial e

Territorial Urbano em função da valorização fundiária. Porém, uma eventual

desativação que culminaria com a alteração do uso do solo na área redundaria em um

aumento da densidade populacional provocando entre outros impactos

congestionamentos da rede de água, luz e de circulação de veículos. O embate entre

essa duas situações foram presentes, em especial, nos períodos de elaboração do

novo Plano Diretor de São Paulo.

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246

Figura 3.25. Aeroporto Campo de Marte e a Área Diretamente Afetada Pela Pista de Pouso

Legenda

Pista do Campo de Marte

332000

333000

7398500

7399000

Área diretamente afetada pelo raio de

ação do aeroporto

Parque da Juventude / Antiga

Penitenciária do carandiruOrganização: Leandro de Souza Pinheiro, 2015.

André Vinícius Martinez Gonçalves, 2015.

Fonte: Google Maps.

0 250 500 1000 m

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247

No tocante a área do Projeto Cura em função do que já foi exposto, em

especial, no capítulo dois, a disputa judicial entre PMSP e proprietários inibiu por longo

tempo na área afetada pelo projeto qualquer possibilidade alteração mais contundente

no ambiente construído e uso do solo.

Dessa maneira, a renda monopolista, diferencial e de localização ficou

suspensa para todos os segmentos, proprietários e agentes econômicos do setor

imobiliário. Muitos proprietários privados acabaram por adotar uma estratégia no

sentido de potencializar as rendas fundiárias via locação, isto é, passaram a locar seus

imóveis para o uso de prostíbulos. Se hoje essa realidade tem diminuído, o número de

estabelecimentos com esse tipo de uso ainda é considerável sendo que o fato foi

confirmado in loco por nós através dos trabalhos de campo realizados.

Essa realidade por anos a fio trouxe ao lugar o conceito de ser uma área não

muito frequentável no período noturno. Com a cessão da questão judicial que envolvia

a área, o que se constata nos últimos anos é que gradualmente casas são colocadas à

venda, outros conjuntos são comprados e do dia para noite prédios de uso comercial e

residencial despontam no ambiente construído.

Pelo potencial de renda dessa área que hoje está aquém do que ela pode

proporcionar, visto que se trata de um setor obsoleto, pelo seu diferencial de

localização, isto é, uma porção de Santana situada ao lado da estação metroviária,

entendemos que nos próximos 10 ou 15 anos essa área esteja completamente

modernizada no sentido amplo do que até aqui expusemos.

Por fim a Rua Dr. Zuquim que apresenta contundente processo de

obsolescência espacial. Apesar de possuir preços do m² médios similares a áreas

como aqueles situadas no perímetro da Braz Leme e a porção da colina da Voluntários

da Pátria, de todas as áreas do bairro de Santana essa é a que demonstra de modo

contínuo o maior volume de edificações obsoletas em todos os seus aspectos técnicos.

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248

Outro aspecto é relativo ao número considerável de imóveis em estado de

vacância e outros tantos colocados à venda, em especial, ao longo da faixa de

transição e colina. Essa realidade da vacância dos imóveis na porção da várzea

também ocorre, porém de modo muito menos acentuado. Em trabalhos de campo

realizados, estimamos que a taxa de vacância e de imóveis colocados à venda gira em

torno de 20% do ambiente construído, com destaque para a primeira condição.

Na porção da várzea há em curso, tal como ocorre na antiga área do Projeto

Cura o início de um processo de transformação do ambiente construído via a produção

de edifícios de padrão verticalizado residencial. Tal condição também se faz presente

na faixa de transição.

Mencionamos aqui um projeto por parte da PMSP em ligar a várzea e a

colina a partir da remodelação e redefinição de algumas vias de circulação entre as

quais inclui a Rua Dr. Zuquim. A questão é que o projeto oficializado pela PMSP em

2010 vem sendo considerado a pelo menos 30 anos pelos moradores locais. Diante da

incerteza do que pode ou não ocorrer os proprietários privados situados nessa rua e

circunvizinhanças, bem como o mercado imobiliário que possui em suas mãos terrenos

de grande porte, evitam uma definição mais clara sobre qualquer atitude no sentido de

transformação do ambiente construído e potencialização das rendas monopolistas, de

localização e diferencial e das demais formas de remuneração do capital atreladas a

renda fundiária.

A partir das reflexões aqui realizadas passamos as conclusões da tese no

sentido de elencar as principais questões tratadas em relação ao processo da

obsolescência espacial.

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249

CONCLUSÕES

Milton Santos é categórico ao afirmar que “uma definição consistente do

espaço não pode ser encontrada nas metáforas provindas de outra disciplina [...]”.

Nesse sentindo, “é a geografia que cabe elaborar seus próprios conceitos, antes de

emprestar formulações de outros campos” (SANTOS, 1999, p.17).

Quando trazemos a problemática da obsolescência espacial urbana,

diferentemente do que ocorre na esfera industrial, procuramos destacar a importância

do espaço geográfico como uma categoria de análise que nos permita compreender a

produção, reprodução do espaço e o uso da cidade na vida cotidiana. Assim, qualquer

tentativa em transpor automaticamente o conceito de obsolescência programada e o

uso da deterioração urbana para a realidade urbana é incorrer no grave erro de não

levar em consideração a complexidade de produção e organização material da cidade

nas suas diferentes escalas.

Além disso, seria desconsiderar que a cidade, lócus das forças produtivas

capitalistas, é também em si mesma força produtiva. Nesse sentido, compreender a

obsolescência urbana significa analisar a multiplicidade dos agentes envolvidos na

produção da cidade, em especial, porque ela enquanto mercadoria comporta valores

de uso e valores de troca, os quais são categorias fundamentais na compreensão e

análise relativa às remunerações objetivadas pelo capital no que diz respeito à terra-

mercadoria.

É nessa relação dialética entre valores de uso e valores de troca que a

obsolescência espacial se revela. O objetivo dos agentes produtores da cidade nas

múltiplas alianças estabelecidas entre Estado-Capital, Estado-Capital-Proprietários de

Terras, Capital-Proprietários de Terras - ao atuarem em conjunto, é de buscar a

valorização e/ou revalorização de um determinado ambiente ou território constituindo

valores de uso e/ou obterem valores de troca expressos nas remunerações derivadas

dos investimentos de capital.

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250

Em síntese, quando a produção imobiliária intervém na cidade, atuando na

troca do uso do solo, consequentemente, o nível da renda fundiária nas suas diferentes

modalidades se eleva, implicando que os outros tipos de remunerações do capital, no

caso, os juros e o lucro também sigam o mesmo caminho.

A obsolescência espacial, enquanto processo presente no espaço urbano

demonstra a contradição do processo de valorização e revalorização diferencial do

espaço na cidade. Quando um dado ambiente construído entra em estado de

obsolescência significa que as qualidades dos valores de uso desse ambiente não são

alteradas no decorrer do tempo, ou seja, permanecem, pelo menos em linhas gerais,

nas condições iniciais de sua produção.

Em outros termos, esses ambientes passam a responder de modo parcial e

ou insatisfatório aos que fazem uso deles, seja tecnicamente, funcionalmente e

economicamente falando. Essa realidade acaba ao longo de um dado tempo por alterar

negativamente o movimento e eficiência dos valores de troca, implicando com que a

terra-mercadoria não consiga de modo eficiente desempenhar ou prover uma boa ou

alta rentabilidade quando comparado com as áreas mais modernizadas da cidade.

Outro aspecto relevante é o ciclo vicioso que estabelece nesses ambientes

construídos obsoletos. Enquanto as edificações permitirem um uso, mesmo que em

condições adversas, os que detêm a propriedade privada as disponibilizam no

mercado.

Desse modo, cabe considerar que em função de inúmeros fatores muitos

são os que estão dispostos ou propensos a pagar pelo uso residencial ou comercial

que esses ambientes e sua a localização proporcionam. Pagam porque não há

alternativas ou porque naquele momento é o que lhes cabe no orçamento, ou porque

viabilizam rendas compatíveis aos interesses imediatos.

Na medida em que raramente os proprietários, em especial, os que detêm

edificações de uso residencial investem em melhorias na manutenção e readequação,

seja em relação ao estilo da edificação, seja nos aspectos técnicos e funcionais das

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mesmas, somado ao uso continuo ao longo do tempo, a obsolescência se acentua,

porém, essas condições não impendem que os proprietários obtenham remuneração

através de aluguéis, isto é, “uma renda fundiária urbana sob uma forma desvirtuada

pouco importante, dada pela relação entre proprietários e seus ocupantes” (Lojkine,

1979:82).

Essa prática que possibilita ao proprietário uma modalidade de renda, em

certas ocasiões cessa pelas seguintes situações e ao mesmo tempo intensifica a

obsolescência: i) Em função do estado precário que a edificação atinge impede que ela

seja disponibilizada no mercado ou porque dado a esse estado precário não encontra

mais locatários; ii) Mesmo que as condições básicas e necessárias de um imóvel

estejam em funcionamento, como por exemplo, parte elétrica e hidráulica, dado a idade

técnica desse, o preço do aluguel exigido pelo locador é de tal ordem elevado que ao

não encontrar eventuais locatários o mesmo tende a entrar em estado de vacância; iii)

Por dívidas elevadas junto ao poder público, como, por exemplo, o IPTU e somado as

condições não satisfatórias ou precárias do imóvel o proprietário decide não mais

ofertá-lo ao mercado. Dessa forma ele também entra em estado de vacância, iv) Com o

falecimento do proprietário em função da disputa de herdeiros sob a propriedade, o

imóvel se torna ocioso quanto ao seu uso e a condição de vacância se impõe em sua

realidade.

Há que se destacar aqueles imóveis que entram em um estado

extremamente precário de condições físicas, os quais até podemos falar em uma

deterioração da edificação, mas se ela ocorre não se dá não por outro processo que

não seja o da obsolescência espacial, sobretudo, quando nos reportamos aos

ambientes construídos que ocupam dada escala no território da cidade.

Logicamente que há casos de imóveis em estado deteriorado que muitas

vezes estão localizados em áreas onde não se constata a obsolescência espacial.

Nesse sentindo é fundamental considerar a correlação entre a obsolescência e a

deterioração da edificação, até porque estaríamos tratando, na deterioração, de uma

unidade de escala muito específica, que no caso é a propriedade privada, enquanto

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252

que na obsolescência espacial além da propriedade privada dos imóveis entram outros

elementos fundamentais como a infraestrutura e a localização.

Creio que essa condição se clarifique melhor quando trazemos essa questão

para os equipamentos que pertencem ao Estado. Na cidade de São Paulo é comum à

presença de edificações de propriedade do poder público que se encontram em estado

precário ou estarem abandonadas e ociosas. Dependendo da escala de abrangência

desse equipamento e de onde ele está situado pode vir a se tornar um fator que

desencadeia gradativamente a obsolescência na área. Exemplificamos isso, no estudo,

com a antiga Penitenciária do Carandiru.

Entretanto, conforme foi assinalado, equipamentos públicos modernos, como

é o caso do Aeroporto Campo de Marte, também podem se constituir como fator de

obsolescência na medida em que ele trava a alteração do uso do solo e todos os

potenciais de remuneração exigidos pelos agentes capitalistas, em especial, aqueles

que pertencem ao mercado imobiliário.

Em outras palavras, o Aeroporto Campo de Marte tem sido

contraditoriamente, no discurso da cidade global e moderna, um elemento que

promove a obsolescência espacial urbana em parte do seu perímetro, em especial,

porque a partir desse equipamento, dois tipos de capital privado se situam em um

embate, isto é, os agentes econômicos situados e ligados ao aeroporto e aqueles que

pertencem ao mercado imobiliário – incluindo aqui os proprietários privados – que não

conseguem alterar em função das normas de uso do solo nas proximidades

aeroportuária o padrão do uso do solo horizontal para um padrão de uso vertical.

Ainda em relação ao Estado devemos considerar as condições das

infraestruturas presentes na cidade, que em função da intensidade do uso exigem de

modo permanente manutenções e readequações técnicas. É sabido que tais

infraestruturas, tidas como elementos de fatores aglomerativos para o capital são

utilizados ao se associarem a outros elementos para a ampliação do capital. Na medida

em que por diversos motivos o Estado não garante que esse conjunto de

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infraestruturas esteja em condições técnicas adequadas de uso, podem esses também

se constituírem como indutores da obsolescência espacial urbana em certas porções

da cidade.

Em relação às intervenções do Estado naquilo que é definido como

ambiente ou área deteriorada, essas são realizadas sob a lógica do mercado fundiário,

por meio de alianças constituídas com os agentes econômicos privados. Quando se

consegue de fato modernizar o ambiente, valoriza-se ou se revaloriza a área,

aumentando dessa forma os potenciais de remuneração que a terra-mercadoria pode

prover aos agentes beneficiados no processo, incluindo o próprio Estado e provocando,

de modo geral o deslocamento de atividades econômicas ou de famílias que não tem

condições socioeconômicas de permanecerem nas áreas.

Essas ações e investimentos são seletivos e na medida em que áreas e

setores da cidade são modernizados outro conjunto, sobretudo, as áreas e regiões

mais pobres da cidade, como as situadas nas periferias, além daquelas importantes na

formação de São Paulo, mas que em certos contextos e momentos foram e são

ignoradas ou colocadas em segundo plano no tocante aos investimentos do Estado-

Capital tendem e entram no processo da obsolescência espacial.

No caso de Santana, a ação do Estado nos anos de 1970 por meio do

Projeto Cura, houve uma tentativa em se produzir uma oferta de terras (via

desapropriação de imóveis) e associado a isso a instalação de novas infraestruturas na

área de abrangência do projeto. Porém, essas ações não foram correspondidas pelo

mercado imobiliário, sendo que tal condição se deu muito em função dos proprietários

de imóveis que situados na área do projeto buscaram na justiça aquilo que eles

entendiam como um preço justo a ser pago por suas propriedades. Essa situação criou

um entrave de ordem judicial na área abrangida pela intervenção. Como resultado,

nessa área, uma das mais antigas do bairro, a obsolescência espacial foi intensificada

ao longo dos anos posteriores.

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No começo dos anos de 2000 a PMSP através de um projeto que até a

presente data não saiu do papel, no caso a Operação Urbana Carandiru-Vila Maria,

novamente o poder público considera a possibilidade de intervenção em Santana, em

especial, na porção da várzea. Passados mais de quarenta anos da aventura do

Projeto Cura, mantem-se por parte da PMSP uma das justificativas, a de debelar

quadros de degradação ou deterioração urbana no bairro a partir de alterações do uso

do solo e dos valores de uso da terra contemplando desse modo os interesses dos

setores ligados ao circuito superior da economia.

Anotamos também como elemento contraditório que a disputa entre agentes

econômicos privados que atuam no mesmo setor desencadeiam e fomentam

mecanismos responsáveis pela obsolescência espacial, no caso, a questão que se dá

entre as antigas ruas de bairros de intenso movimento comercial e os Shoppings

Centers.

Consideramos a partir do exercício de reflexão realizado nesse estudo sobre

a obsolescência espacial urbana permite elucidar do ponto de vista geográfico

elementos e processos responsáveis pela constituição de ambientes construídos os

quais se expressam por não serem mais eficientes no processo de acumulação

ampliada do capital.

Por fim, salientamos que a problemática da obsolescência espacial urbana

carece de clarificação e aprofundamento de várias questões, em especial, quando se

trata da articulação desse processo com os preços da terra e da renda fundiária

urbana. Em suma, avançar mais se faz necessário.

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