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“Os operadores diretos de segurança pública – policiais, bombeiros, guardas municipais, agentes
penitenciários - são entes de tal importância para a manutenção de culturas democráticas de direito, agentes
pedagógicos tão impactantes na consciência e também no inconsciente popular, que deles não se pode pedir
que apenas “respeitem” os direitos humanos. Isso seria reduzir suas missões e diminuir seu sentido social a uma
dimensão formalmente legalista e passiva.
Cabe-lhes, muito além, co-protagonizar a promoção dos direitos humanos, cônscios de que são
agentes proponentes de uma cultura moral (que em muito transcende – sem negar – a mera legalidade),
balizadores imprescindíveis das condutas coletivas, contendores de desvios individuais e grupais que atacam os
direitos e garantias do conjunto da sociedade e das pessoas dos cidadãos. (...) precisamos intensificar esforços
no sentido da construção de uma cultura permanente de direitos humanos, justiça e paz. Não há forma de fazê-
lo a não ser através da educação.”
Ricardo Balestreri
Este curso se destina a você, profissional de Segurança Pública, encarregado de aplicar a lei, abordando
questões fundamentais sobre direitos humanos que devem ser de seu conhecimento, para servir e proteger a
comunidade, conhecendo o alcance e o limite dos poderes conferidos pelo Estado, bem como os mecanismos
que existem para sua supervisão, revisão e apuração, caso sejam violados.
O contato com a temática de direitos humanos servirá para que você possa acercar-se do tema como
agente do Estado. Para isso, é necessário que você esteja disposto a refletir acerca de seus próprios conceitos e
valores, percebendo o conteúdo como um instrumento de amparo à sua atuação profissional e de
aperfeiçoamento da relação entre o Estado e os cidadãos.
É necessário também, que você, profissional de Segurança Pública, reflita sobre a real dimensão de sua
profissão e sua missão numa sociedade democrática, reconhecendo-se como a primeira linha do Estado para o
respeito e a proteção dos direitos humanos e dos direitos fundamentais das pessoas das comunidades onde
atua.
Dada a dinamicidade e atualização constante do tema, este curso foi pensado e estruturado para
permitir que você se aprofunde nos estudos sobre ele, sem esgotá-lo. O curso não é a linha de chegada, mas o
ponto de partida para os que se interessarem em buscar mais conhecimentos – tão indispensáveis ao exercício
profissional na área de segurança pública.
Você estudará os aportes jurídicos, filosóficos e conceituais referentes aos direitos humanos no âmbito
do direito internacional e do direito brasileiro, relacionando-os com a atividade e a conduta esperada de
profissional de segurança pública, numa democracia. Ações como a prevenção do crime, a investigação policial,
a manutenção e a preservação da ordem pública ganham mais importância a cada momento, pois elas permitem
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que os direitos e obrigações de todas as pessoas possam ser usufruídos nos limites estabelecidos em normas e
princípios de convivência humana.
É importante que você saiba que a compatibilidade entre direitos humanos, eficiência policial e a
compreensão e valorização das diferenças são princípios éticos da Matriz Curricular Nacional (MCN) com os
quais este curso está alinhado.
Bom Estudo!
Objetivo do curso
Ao final do curso, você será capaz de:
Identificar e compreender as fontes, conceitos e princípios do direito internacional, particularmente,
aqueles relacionados aos direitos humanos, bem como sua relação e repercussão no direito interno;
Relacionar tais conceitos e princípios com a atividade do profissional de segurança pública;
Informar-se sobre a origem e o desenvolvimento histórico do Direito Internacional dos Direitos
Humanos, as vertentes da proteção internacional da dignidade da pessoa humana, suas características e seus
instrumentos de proteção em nível nacional e internacional;
Enumerar a conduta e as obrigações dos encarregados da aplicação da lei em caso de captura (prisão),
relacionando-as com a atividade profissional de Segurança Pública;
Descrever a conduta correta para com as pessoas detidas, frente ao Direito Internacional dos Direitos
Humanos (DIDH) e ao Direito Internacional Humanitário (DIH), relacionando-a com a atividade profissional de
Segurança Pública;
Identificar as condições exatas para o uso da força e das armas de fogo, previstas no direito
internacional, relacionando-as com a atividade profissional de segurança pública; e
Reconhecer as responsabilidades decorrentes das funções operacionais na atividade de segurança
pública, bem como o papel e a importância dessa atividade na promoção e proteção dos direitos humanos.
Estrutura do curso
O conteúdo deste curso está dividido nos seguintes módulos:
Módulo 1 - Arcabouço jurídico
Módulo 2 - Premissas básicas na aplicação da lei
Módulo 3 - Responsabilidades básicas da atividade policial
Módulo 4 - Poderes básicos na aplicação da lei
Módulo 5- Comando, gestão e investigação de violações de direitos humanos.
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Apresentação do módulo
De acordo com Cançado Trindade (1991, p. 1) foi nas últimas décadas do século XX que o processo
histórico de generalização e expansão da proteção internacional dos direitos humanos foi marcado pelo
fenômeno da multiplicidade e diversidade dos mecanismos de proteção, acompanhadas pela identidade
predominante de propósito destes últimos e pela unidade conceitual dos direitos humanos.
Esses instrumentos de proteção, de natureza e efeitos jurídicos distintos, ao se multiplicarem ao longo
dos anos, tiveram o propósito e acarretaram a consequência de ampliar o alcance da proteção a ser estendida
às supostas vítimas.
Neste módulo, você estudará os conceitos e principais fundamentos jurídicos do direito
internacional, Direito Internacional Humanitário e Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Objetivo do módulo
Ao final deste módulo, você será capaz de:
• Conceituar o direito internacional enumerando suas fontes e entender a responsabilidade dos
Estados no âmbito internacional;
• Conceituar o Direito Internacional Humanitário, identificar suas principais normas, entender seus
princípios e explicar os âmbitos de sua aplicação; e
• Conceituar o Direito Internacional dos Direitos Humanos, explicar suas características bem como
sua relação com o trabalho policial e identificar os principais instrumentos e normas internacionais.
Estrutura do Módulo
Este módulo está dividido nas seguintes aulas:
• Aula 1 – Direito Internacional: conceito, fontes e responsabilidade dos Estados;
• Aula 2 – Direito Internacional Humanitário; e
• Aula 3 – Direito Internacional dos Direitos Humanos.
MÓDULO
1 ARCABOUÇO JURÍDICO
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Aula 1 – Direito Internacional: conceito, fontes e responsabilidade
dos Estados
1.1 Conceito
A evolução histórica da proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana é conquista no
sentido de limitar e controlar os abusos cometidos pelo Estado e de suas autoridades constituídas em favor
da pessoa humana.
É uma ideia bastante antiga e que nos dias de hoje se cristalizam em forma de tratados e instrumentos
internacionais, e mesmo de legislação nacional. É nesse contexto que se tem feito uso do direito internacional
de modo a aprimorar e fortalecer o grau de proteção dos direitos consagrados.
A definição clássica de direito internacional - direito internacional público - consiste no corpo de
regras que governam as relações entre os Estados, mas compreende também normas relacionadas ao
funcionamento de instituições ou organizações internacionais, a relação entre elas e a relação delas com o
Estado e os indivíduos.
Regula muitos aspectos das relações internacionais e inclui regras sobre os direitos territoriais dos
Estados (relativas a: terra, mar e espaço aéreo), proteção do meio ambiente, comércio internacional, uso da
força pelos Estados, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário.
Como ensina Moraes (2000, p. 35), a necessidade primordial de proteção e efetividade aos direitos
humanos possibilitou em nível internacional, o surgimento de uma disciplina autônoma ao direito internacional
público, denominada Direito Internacional dos Direitos Humanos, cuja finalidade precípua consiste na
concretização da plena eficácia dos direitos humanos fundamentais, por meio de normas gerais tuteladoras
de bens da vida primordiais (vida, dignidade, segurança, liberdade, honra, moral, entre outros) e previsão de
instrumentos políticos e jurídicos de implementação dos mesmos.
Sendo assim, é possível concluir que o Direito Internacional dos Direitos Humanos é um ramo do direito
internacional público, criado para proteger a vida, a saúde, e a dignidade dos indivíduos, que você estudará
e compreenderá no decorrer deste curso, bem como entenderá qual sua relação com a atividade policial.
1.2 Fontes do direito internacional
Melo (2002, p. 113) explica que as fontes do Direito Internacional se constituem dos modos pelos quais
o Direito se manifesta, isto é, as maneiras pelas quais surge a norma jurídica.
Atualmente, utiliza-se como referência de fonte do Direito Internacional o art. 38 do Estatuto da Corte
Internacional de Justiça, estabelecida pela Carta das Nações Unidas como o principal órgão judiciário das
Nações Unidas:
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Artigo 38
A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem
submetidas, aplicará:
a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente
reconhecidas pelos Estados litigantes;
b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;
c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;
d. sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais
qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.
A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono,
se as partes com isto concordarem.
Verifica-se que o costume e os tratados, para os funcionários encarregados da aplicação da lei são,
sem dúvida, as fontes mais importantes. Apesar disso, é útil mencionar brevemente fontes subsidiárias de
direito internacional, sem, contudo entrar em detalhes sobre estas: os princípios gerais do direito reconhecidos
pelas nações civilizadas; as decisões judiciais de cortes e tribunais internacionais; os ensinamentos dos
publicistas mais altamente qualificados das várias nações e as resoluções da Assembleia Geral da ONU.
De acordo com Rover (2005), a importância legal das resoluções da Assembleia Geral da ONU é cada
vez mais um assunto em debate. No que diz respeito ao funcionamento interno da ONU, essas resoluções
possuem efeito jurídico pleno. A questão que permanece, no entanto, é até que ponto tais resoluções são
legalmente obrigatórias aos Estados Membros, principalmente àqueles que votaram contra as mesmas.
Os critérios importantes para se determinar a obrigatoriedade subsistem no grau de objetividade que
cerca a adoção das resoluções e, ainda mais importante, até que ponto uma resolução pode ser considerada
a expressão da consciência legal da humanidade como um todo. Este último aspecto é ainda mais
importante do que a maioria dos Estados simplesmente adotar a resolução. As resoluções emanadas da
Assembleia Geral estão recebendo um apoio cada vez maior por parte de escritores e publicistas como um meio
subsidiário para se determinar estados de direito.
1.3 Responsabilidade dos Estados
Uma vez que um Estado assume obrigações no âmbito da comunidade internacional, por exemplo,
assinando e ratificando tratados, convenções e protocolos, muitas vezes isso significa que concordou em
cumprir suas obrigações de maneira específica (assegurando que seu governo, sua constituição e suas leis o
possibilite a cumprir suas obrigações internacionais).
Frequentemente é esse o caso na área dos direitos humanos, onde os Estados assumiram a
responsabilidade de fazer com que certas condutas, como por exemplo a tortura e o genocídio, sejam
consideradas crimes, e de puni-las por meio de seus sistemas jurídicos nacionais.
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Um Estado não pode alegar disposições em sua Constituição ou legislação nacional como escusa para
furtar-se a cumprir suas obrigações perante o direito internacional.
Em direito internacional, a responsabilidade surge a partir da violação de qualquer obrigação devida
às normas internacionais ratificadas. Assim, todo ato ilícito internacional por parte de um Estado resulta na
responsabilidade internacional daquele Estado. Este é tido como real quando:
- a conduta resultante de uma ação ou omissão é atribuível (imputável) ao Estado perante o direito
internacional; e
- a conduta resulta na violação de uma obrigação internacional daquele Estado.
A responsabilidade existe nos casos onde o próprio Estado - por intermédio dos poderes Legislativo,
Executivo ou Judiciário, suas normas ou atos de qualquer outra autoridade - é o perpetrador e em situações
onde a conduta de uma pessoa ou órgão pode ser imputada a esse Estado. O Estado não é responsável perante
o direito internacional pela conduta de uma pessoa ou grupo de pessoas que não agem em seu nome.
A responsabilidade existe nos casos onde o próprio Estado - por intermédio dos poderes Legislativo,
Executivo ou Judiciário, suas normas ou atos de qualquer outra autoridade - é o perpetrador e em situações
onde a conduta de uma pessoa ou órgão pode ser imputada a esse Estado. O Estado não é responsável perante
o direito internacional pela conduta de uma pessoa ou grupo de pessoas que não agem em seu nome.
É um princípio do direito internacional que qualquer inobservância ou violação de um compromisso
resulta na obrigação de fazer uma reparação.
A reparação deve, tanto quanto possível, eliminar todas as consequências do ato ilegal, e restaurar a
situação que teria existido, com toda a probabilidade, não fosse o ato cometido.
Aula 2 – Direito Internacional Humanitário (DIH)
2.1 Definição
O Direito Internacional Humanitário (DIH) é parte importante do Direito Internacional Público e
também é conhecido pelo nome de Direito dos Conflitos Armados ou Direito da Guerra. É o conjunto de
normas cuja finalidade, em tempo de conflito armado, é por um lado, proteger as pessoas que não participam,
ou que deixaram de participar nas hostilidades, e por outro, limitar os meios e métodos de fazer a guerra.
Existe um conflito armado quando elementos de Forças Armadas adversárias empreendem
intencionalmente operações militares contra as Forças Armadas do Estado, ou quando são atacados
intencionalmente objetivos no território ou em águas territoriais de outro Estado.
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O DIH se aplica nas seguintes situações:
- Em um conflito armado internacional: conflito armado entre Estados (inclusive se não houver sido
declarada guerra formalmente, ou mesmo se não há atividades militares);
- Quando a totalidade do território de um Estado ou parte desse tenha sido ocupado (inclusive se não
tiver havido resistência armada a essa ocupação);
- Quando povos lutam contra a dominação colonial, contra ocupação estrangeira ou contra regimes
racistas, no exercício de seu direito à livre determinação;
- Em um conflito armado não internacional: conflito armado que se desenvolve dentro do território de
um Estado, e se as forças armadas de outro Estado não participam das operações militares.
O DIH não se aplica às situações de violência menor, tais como supressão de motins, reuniões
violentas, passeatas, manifestações violentas, desordens e atos isolados de violência análogos. Esses podem ser
caracterizados como distúrbios ou tensões internas. Nesses casos se aplicará a legislação nacional do país em
questão.
Por que o policial deve conhecer o Direito Internacional Humanitário na Aplicação da Lei?
De acordo com ROVER (2005, p. 149) as situações de conflito armado não eclodem
espontaneamente. São um produto da deterioração do estado da lei e da ordem em um país, pelos quais as
organizações de aplicação da lei possuem uma responsabilidade direta.
Pela verdadeira natureza de seus deveres, o envolvimento prático dos encarregados da aplicação da lei
em casos de manifestações de violência, distúrbios e tensões, que podem escalar em direção à guerra civil,
requer deles que sejam cuidadosos – e capazes – de integrar os princípios de direito internacional humanitário
e direitos humanos em suas operações e treinamento.
Por essa razão, para o correto desempenho de sua atividade, certo nível de conhecimento do direito
internacional humanitário é indispensável aos encarregados da aplicação da lei.
2.2 Princípios básicos do DIH
São princípios básicos do Direito Humanitário:
Trato Humano e não discriminação: toda pessoa deve ser tratada com humanidade e sem
discriminação (sexo, nacionalidade, raça, crença religiosa ou política). Ex: os que estão fora de combate
(combatentes que se renderam, feridos, enfermos, náufragos, prisioneiros de guerra), detidos, pessoas civis,
pessoal sanitário e religioso.
Necessidade Militar: toda atividade de combate deve justificar-se por motivos militares; estão
proibidas as atividades que não sejam militarmente necessárias. São aquelas não proibidas pelo Direito
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Humanitário e necessárias para derrotar o inimigo. Deve ser analisada juntamente com os princípios de
distinção e proporcionalidade.
Limitação: as armas e os métodos de guerra que podem ser utilizados são limitados. Estão
proibidas as armas que causem sofrimentos desnecessários ou danos supérfluos. Ex: estão proibidas aquelas
que causem ferimentos de impossível tratamento ou que causem morte lenta e cruel.
Distinção: deve-se distinguir entre combatentes e não combatentes. Deve-se também distinguir
entre objetivos militares (que podem ser atacados) e bens de caráter civil (que não podem ser atacados).
Proporcionalidade: quando são atacados objetivos militares, as pessoas civis e os bens de
caráter civil devem ser preservados o melhor possível de danos colaterais. Não devem ser excessivos os danos
colaterais com respeito à vantagem militar direta e concreta esperada de qualquer ataque contra um objetivo
militar.
Boa fé: deve prevalecer a boa fé nas negociações entre as partes beligerantes.
Essência do direito de guerra
A essência do direito da guerra abrange:
atacar somente alvos militares;
poupar pessoas e objetos sujeitos à proteção que não contribuam com o esforço militar;
não usar mais força do que o necessário para cumprir sua missão militar.
2.3 Divisão do DIH
O DIH está dividido em:
o Direito de Genebra, e
o Direito de Haia.
Estude sobre cada uma delas a seguir.
2.3.1 O Direito de Genebra
O Direito de Genebra trata da proteção das vítimas de guerra, sejam elas militares ou civis, na água
ou em terra. Protege todas as pessoas fora de combate, isto é, que não participam ou não estão mais
participando nas hostilidades: os feridos, os doentes, os náufragos e os prisioneiros de guerra. As quatro
Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 constituem o conjunto dessas normas de proteção.
O Brasil ratificou as quatro Convenções em 29 de junho de 1957.
A Primeira Convenção de Genebra visa melhorar a situação dos feridos e doentes das Forças Armadas
em campanha.
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A Segunda Convenção de Genebra visa melhorar a situação dos feridos, doentes e náufragos das
Forças Armadas no mar.
A Terceira Convenção de Genebra é relativa ao tratamento dos prisioneiros de guerra.
A Quarta Convenção de Genebra protege a população civil em tempo de guerra.
Importante!
O Artigo 3º - comum a todas as quatro Convenções de 1949 - , tem sido chamado de uma «mini-
convenção» por direito próprio, pois contém regras que são aplicáveis não só a conflitos
internacionais, mas também a conflitos internos.
Essas regras são hoje consideradas como sendo regras do direito internacional consuetudinário, isto é,
uma coisa à qual os beligerantes estão obrigados, independentemente das obrigações que eles possam
ter em relação a tratados. Elas representam um mínimo que tem de ser observado em todas as
circunstâncias
As convenções foram ampliadas e suplementadas pela adoção de dois Protocolos Adicionais de 10 de
junho de 1977. O Brasil ratificou os dois Protocolos Adicionais em 05 de maio de 1992. Um terceiro Protocolo
Adicional foi aprovado no ano de 2005.
O Protocolo Adicional I trata também dos conflitos armados internacionais, incluindo guerras de
libertação nacional, e destina-se particularmente a assegurar a proteção de civis contra os efeitos das
hostilidades.
O Protocolo Adicional II às Convenções de Genebra pode ser considerado como um desenvolvimento
do Artigo 3. Ele contém regras mais detalhadas, aplicáveis no caso de um conflito armado interno.
O Protocolo Adicional III complementa as Convenções de Genebra ao permitir o uso de um emblema
distintivo adicional, conhecido como o cristal vermelho, podendo ser aplicado nas mesmas condições e
situações da cruz vermelha e o crescente vermelho, emblemas reconhecidos desde o século XIX.
2.3.2 O Direito de Haia
O direito de Haia preocupa-se mais com a regulamentação dos métodos e meios de combate, e
concentra-se na condução das operações militares. O direito de Haia é, portanto, de interesse fundamental ao
comandante militar em terra, mar e ar.
São exemplos atuais do direito de Haia, e suas ratificações pelo Brasil:
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Convenção sobre a proibição do desenvolvimento, produção, e destruição de armas biológicas e
tóxicas (1972) – Brasil: 27 de fevereiro de 1973.
Convenção sobre proibições e restrições do emprego de certas armas convencionais que causam
danos excessivos (1980) – Brasil: 03 de outubro de 1995.
Convenção sobre a proibição do emprego, armazenamento, produção e transferência de minas
antipessoal e sua destruição (Tratado de Ottawa – 1997) – Brasil: 30 de abril de 1999.
2.4 Aplicação do DIH
Observe que a aplicação do DIH em tempo de conflito armado é necessária pois:
- Obriga juridicamente aos Estados e aos indivíduos nos Estados;
- As graves violações do DIH são consideradas crimes de guerra que podem ser julgados perante
tribunais, nacionais ou internacionais;
- Sua aplicação:
• Ressalta o profissionalismo dos integrantes das Forças Armadas;
• Reforça a moral e a disciplina;
• Tem o apoio da população civil;
• Permite a reciprocidade, principalmente com relação a feridos, doentes e prisioneiros de guerra;
• Melhorará as chances de uma paz sem ressentimentos;
• Logra concentrar o esforço militar somente na derrota das Forças Armadas inimigas; e,
• É uma escolha política sensata.
Saiba Mais
Você quer conhecer mais sobre o Direito Internacional Humanitário?
Acesse o site do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
Aula 3 - Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH)
3.1 Contexto e Definição
De acordo com Rover (2005, p. 72) um direito é um título. É uma reivindicação que uma pessoa pode
fazer para com outra de maneira que, ao exercitar esse direito, não impeça que outrem possa exercitar o seu.
Assim sendo, os Direitos Humanos são títulos legais que toda pessoa possui como ser humano. São
universais e pertencem a todos, ricos ou pobres, homens ou mulheres.
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Atualmente os direitos humanos são direitos legais - isso significa que fazem parte da legislação.
Estão tanto nos instrumentos internacionais como também são protegidos pelas constituições e legislações
nacionais da maioria dos países do mundo.
Os princípios fundamentais que constituem a legislação moderna dos direitos humanos têm existido
ao longo da história. No entanto, foi somente no século XX que a comunidade internacional se tornou
consciente da necessidade de desenvolver padrões mínimos para o tratamento de cidadãos pelos governos.
Conforme ensina Moraes (2000, p. 36) a evolução histórica da proteção dos direitos humanos
fundamentais em diplomas internacionais é relativamente recente, iniciando-se com importantes declarações
sem caráter vinculativo, para posteriormente assumirem a forma de tratados internacionais, no intuito de
obrigarem os países signatários ao cumprimento de suas normas.
Veja parte do Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela
Organização das Nações Unidas, em 1948:
(...) reconhecimento da dignidade inerente e ... direitos iguais e
inalienáveis a todos os membros da família humana constituem
o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo ... o
desconhecimento e o desprezo dos direitos humanos
conduziram a atos de barbárie ... é essencial a proteção dos
direitos do homem através de um estado de direito, para que o
homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta
contra a tirania e a opressão (...)
Torna-se necessário contextualizar os direitos humanos para que se possa explicar o papel que os
encarregados da aplicação da lei devem desempenhar para promover e proteger os direitos humanos.
Os funcionários encarregados da aplicação da lei devem ser incentivados a compreender como o
direito internacional dos direitos humanos afeta o desempenho individual de seu serviço. Isso, por sua
vez, requer explicações adicionais sobre as consequências das obrigações de um Estado perante o direito
internacional para a lei e prática nacionais.
O direito conhecido por Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) consiste num conjunto
de princípios e regras, com base nas quais os indivíduos ou grupos de indivíduos podem esperar certa qualidade
minimamente desejável de comportamento da parte das autoridades, somente em virtude de serem seres
humanos.
A Carta Internacional dos Direitos Humanos é o termo utilizado como uma referência coletiva a três
instrumentos importantes dos Direitos do Homem, a saber:
Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) (disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm) - assinada pelo Brasil em 10 de
dezembro de 1948;
13
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) (disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm) – ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro
de 1992;
Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) (disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm) - ratificado pelo Brasil em 24 de abril de
1992;
Saiba mais sobre conceitos de Ratificação no endereço: http://dai-
mre.serpro.gov.br/apresentacao/tramitacao-dos-atos-internacionais/.
Os seguintes tratados sobre Direitos do Homem são também importantes:
Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (disponível em
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/1950-1959/decretolegislativo-2-11-abril-1951-351286-
publicacaooriginal-124286-pl.html) – ratificada pelo Brasil em 06 de maio de 1952;
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial
(disponível em http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=94836) – ratificada pelo Brasil
em 27 de março de 1968;
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres
(disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm) – ratificada pelo Brasil em 01 de
fevereiro de 1984;
Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, (disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0040.htm) – ratificada pelo Brasil em 28 de setembro
de 1989;
Convenção sobre os Direitos da Criança (disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm) – ratificada pelo Brasil em 24 de
setembro de 1990;
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (disponível em
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-50215-28-janeiro-1961-389887-
publicacaooriginal-1-pe.html ) – ratificada pelo Brasil em 15 de novembro de 1960;
Protocolo Facultativo ao Estatuto dos Refugiados (disponível em
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=96932&norma=121310) - aderido pelo Brasil
em 07 de abril de 1992.
14
Vários corpos estabelecidos sob os auspícios da Carta das Nações Unidas ou dos principais tratados
internacionais sobre Direitos Humanos constituem no seu conjunto um sistema internacional de supervisão
dos Direitos Humanos.
Os funcionários encarregados de aplicar as leis devem estar familiarizados com os relevantes sistemas
de tratados regionais sobre Direitos Humanos, a saber:
A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (disponível em http://www.gddc.pt/direitos-
humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/carta-africa.html);
A Convenção Americana dos Direitos Humanos (disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm) - aderida pelo Brasil em 25 de setembro de 1992;
A Convenção Europeia sobre a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais
(disponível em http://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf)
Saiba mais
Para aprofundar seus estudos, você pode acessar esses e outros instrumentos internacionais nas
páginas eletrônicas dos seguintes órgãos internacionais e nacionais: ONU, ACNUR e MRE
Finalizando...
Neste módulo do curso, você estudou:
• O Direito Internacional, o Direito Internacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos
Direitos Humanos (DIDH). Os estudos desse conteúdo possibilitaram a compreensão da relação existente, e não
excludente, entre Direitos Humanos e as atividades realizadas para os profissionais da área de segurança pública.
15
Exercícios
1. Quanto à responsabilidade dos Estados no âmbito internacional, ela surge em decorrência
de que fatores?
a. Pressão dos outros Estados pela imposição de condutas de acordo com os interesses dos países
colonialistas.
b. Pela assinatura, ratificação de tratados, convenções e outros textos internacionais de caráter
vinculante, demonstrando sua vontade de cumprir as obrigações assumidas.
c. Devido às declarações à imprensa pelos Ministros de Estado em questões controversas da atividade
de relações internacionais.
d. Pela declaração do Chefe de Estado e Chefe de governo de que a constituição do país é soberana e
por isso mesmo não são necessários, acordos, convenções, tratados e protocolos internacionais.
2. Considerando as quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, relacione a segunda
coluna de acordo com a primeira:
(1) Primeira Convenção de Genebra
(2) Segunda Convenção de Genebra
(3) Terceira Convenção de Genebra
(4) Quarta Convenção de Genebra
( ) Relativa ao tratamento dos Prisioneiros de Guerra.
( ) Melhorar a situação dos feridos e doentes das forças armadas em campanha.
( ) Relativa ao tratamento da população civil em tempo de guerra.
( ) Melhorar a situação dos doentes, feridos e náufragos das forças armadas no mar.
3. Relacione a primeira coluna, referente aos artigos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos com as afirmações expostas na segunda coluna:
(1) Artigo 1º
(2) Artigo 3º
(3) Artigo 5º
(4) Artigo 29
( ) Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de
sua personalidade é possível.
( ) Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
( ) Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
16
( ) Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
18
Apresentação do módulo
Olá, seja bem-vindo(a) ao segundo módulo deste curso. No módulo 1 você estudou os conceitos e os
principais fundamentos jurídicos relacionados aos direitos humanos.
Neste módulo você estudará o contexto do Estado Democrático de Direito e a conduta legal, moral e
ética esperada do profissional de Segurança Pública.
Objetivo do módulo
Ao final deste módulo, você será capaz de:
Compreender o significado de “Estado de direito”;
Apontar as funções e os deveres dos encarregados da aplicação da lei;
Compreender a importância do código de conduta para os encarregados pela aplicação da lei; e
Compreender a importância de adotar padrões de policiamento que sejam condizentes com a
ordem democrática, bem como com a promoção e proteção dos direitos humanos.
Estrutura do Módulo
O conteúdo deste módulo está dividido nas seguintes aulas:
Aula 1 – Aplicação da lei nos Estados democráticos; e
Aula 2 – Conduta ética e legal da aplicação da lei.
MÓDULO
2 PREMISSAS BÁSICAS NA APLICAÇÃO DA LEI
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Aula 1 – Aplicação da lei nos Estados democráticos
1.1 Democracia e Estado de Direito
O termo “democracia” tem muitos significados e existem várias formas de governos democráticos.
De acordo com Rover (1998, p. 142) é difícil chegar a uma definição satisfatória de "democracia". A
tentativa de definir democracia, provavelmente, levará ao estabelecimento de características de um regime
democrático que possam ser consideradas denominadores comuns, independentemente do sistema vigente
em determinado Estado.
Tais características incluem:
• um governo democraticamente eleito que represente o povo - e seja responsável perante ele;
• a existência do estado de direito - e o respeito por ele; e
• o respeito pelos direitos humanos e liberdades.
O Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) estabelece que o Estado de Direito é um sistema
jurídico-político, no qual o poder é subordinado ao direito (leis), e que existe amplo respeito aos direitos
humanos de todas as pessoas. Cita as seguintes características de um Estado de Direito:
• o império da lei para governantes e governados;
• o controle judicial dos atos de governo;
• o respeito absoluto pela liberdade de todas as pessoas na jurisdição do Estado;
• a eleição dos governantes pelo voto popular;
• a divisão de poderes;
• a responsabilidade dos governantes;
• o pluralismo político.
Importante!
O Estado de Direito e a democracia são pilares fundamentais da vigência dos direitos humanos,
tornando esses dois conceitos indissolúveis e interdependentes.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1°, estabelece que o Estado
Brasileiro constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos:
I. a soberania;
II. a cidadania;
III. a dignidade da pessoa humana;
IV. os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V. o pluralismo político.
Acrescenta, ainda, em seu Parágrafo único que:
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“Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”.
Da mesma forma, o artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), estipula que: “A
vontade do povo é o fundamento da autoridade do governo”, e complementa:
“(...); esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto
secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.”
“1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio
de representantes livremente escolhidos.
2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.”
A existência do estado de direito e o respeito por ele origina uma situação onde os direitos, liberdades,
obrigações e deveres estão incorporados na lei para todos, em plena igualdade, e com a garantia de que as
pessoas serão tratadas equitativamente em circunstâncias similares (ROVER 1998, p. 143)
Esse aspecto fundamental pode ser encontrado no artigo 26 do Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos, que estipula que Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação, à
igual proteção da lei ..., bem como no caput do artigo 5º de nossa Constituição Federal:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes. (Grifo nosso)
Você pode perceber que esses ideais são interdependentes e fundamentais para que os direitos
humanos sejam melhor protegidos pelo processo democrático e pela aplicação da lei.
PARA REFLETIR...
Democracia e direitos humanos caminham juntos. “Não há democracia sem direitos humanos e não há
direitos humanos sem democracia” (PIOVESAN, 2003).
1.2 Aplicação da lei
Ao Estado incumbe promover o bem comum, sendo essencial, para isso, a ordem pública, que se dá
por meio dos seus aspectos de salubridade, tranquilidade e segurança. Este último aspecto objetiva a não
ocorrência de delitos.
Para a manutenção dessa situação antidelitual, o Estado confere investidura pública aos órgãos
encarregados de aplicar a lei e a seus agentes, para agir em seu nome.
21
A principal missão dos órgãos encarregados de aplicar a lei é para servir à comunidade, protegendo as
pessoas contra atos ilegais, sendo suas responsabilidades básicas:
prevenir e detectar o crime;
manter a ordem pública e a segurança; e
proporcionar assistência a pessoas em situações de emergência.
Essas funções integradas devem garantir a segurança das pessoas que vivem no território do Estado.
O processo de fazer cumprir as leis é levado a cabo pelos funcionários encarregados pela aplicação da
lei (FEAL), que podem ser agentes da polícia, gendarmeria, guarda municipal ou outras denominações
equivalentes. No entanto, em situações específicas, as forças militares também podem ser chamadas para
cumprir com tais obrigações.
Como ensina Osse (2007, pg. 49), para garantir a segurança, os FEAL - que para fins deste curso são
agentes de segurança pública - podem legitimamente restringir os direitos dos indivíduos, o que é chamado
de obrigações negativas; mas os agentes de segurança pública também têm a obrigação positiva de contribuir
com um ambiente no qual as pessoas se sentem livres e seguras. Para cumprir essa missão, são outorgados aos
agentes de segurança pública os seguintes poderes básicos: de prisão, de detenção, de uso da força e armas de
fogo.
No entanto, esses poderes não são ilimitados. No cumprimento da sua missão, agentes de segurança
pública devem agir de acordo com os parâmetros da lei do Estado, que deve ser coerente com as normas
internacionais estabelecidas em instrumentos internacionais de direitos humanos.
Conforme Vianna (2001, pg.16), os poderes de prisão, de detenção, de uso de força e armas de fogo
são meios poderosos na missão de aplicação da lei. Paradoxalmente esses poderes também podem acarretar
grandes riscos, uma vez que seu uso indevido pelos agentes de segurança pública pode violar os direitos que
devem manter e defender.
Infelizmente, muitas vezes ocorre o uso indevido desses poderes em todo o mundo. Como as práticas
ilegais ou inaceitáveis de aplicação da lei, pode-se citar: prisão ou detenção arbitrária ou ilícita, manipulação de
provas, uso excessivo da força e maus-tratos e tortura de pessoas detidas.
Independentemente do nível que ocupam na estrutura de suas instituições, os FEAL devem assumir a
responsabilidade pela sua ala, ações e entender que são pessoalmente responsáveis por elas. Os FEAL com
responsabilidade, comando e gestão – tema que será abordado adiante – podem realizar mudanças estruturais,
como mecanismos de controle e vigilância, e têm a responsabilidade adicional de evitar que outros funcionários
violem os direitos humanos.
Nos estados democráticos de direito, os organismos encarregados de aplicação da lei devem agir em
conformidade com o marco legal, de forma ética e render contas à sociedade que servem.
22
Aula 2 – Conduta ética e legal da aplicação da lei
Nesta aula, você aprenderá a conduta ética e legal que deverá adotar para bem cumprir seu papel de
profissional encarregado de aplicar a lei.
2.1 Funcionários encarregados de aplicar a lei (FEAL)
O ambiente social global está em constante mutação e exige cada vez mais dos Estados, de suas
Instituições e de seus funcionários. As pessoas não esperam apenas que o Estado disponibilize os melhores
serviços, mas espera também que a conduta de suas Instituições e seus funcionários seja ética e responsável.
Não basta fazer as coisas bem, é fundamental fazê-las da forma correta. A forma como os Funcionários
efetuam o seu trabalho é tão importante como o trabalho em si. É fundamental que sua conduta seja íntegra e
em conformidade com as leis e os regulamentos que regem as suas atividades.
Na atividade dos órgãos encarregados de aplicar a lei, esta questão deve ser tratada com especial
distinção, pois seus Funcionários Encarregados de Aplicar a Lei (FEAL) possuem a faculdade legal para privar
uma pessoa de liberdade, a exclusividade no uso da força e, em casos extremos, de emprego de arma de fogo
contra um cidadão.
O emprego desses poderes deve ajustar-se aos princípios de legalidade, necessidade e
proporcionalidade. Porém, esses três conceitos podem ser interpretados subjetivamente, por exemplo:
• No caso da legalidade, não é só importante o cumprimento estrito da lei, mas também saber seu
espírito, cabendo ao FEAL aplicar o poder discricionário.
• Na hipótese de recorrer à força, o grau a ser empregado (proporcionalidade) em uma
determinada situação depende de uma avaliação subjetiva dessa necessidade (outras opções disponíveis).
Essa avaliação subjetiva, por sua vez, não pode depender somente de uma noção pessoal de ética, mas
sim de uma ética profissional. Quando se busca um médico ou um advogado, está se manifestando confiança
nessa pessoa. O mesmo acontece quando os cidadãos necessitam da ajuda de um FEAL. Esperam entre outras
coisas, que se guarde a confidencialidade da informação e proteção.
Para auxiliar nessa tarefa é que existem códigos, princípios, guias e manuais que orientam a conduta
desses profissionais. Alguns deles você estudará a seguir.
2.2 Código de Conduta das Nações Unidas para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da
Lei
Este instrumento, o Código de Conduta das Nações Unidas para os Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei, foi adotado por intermédio da resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979, da Assembleia
Geral das Nações Unidas.
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Por meio dessa resolução, o Código de Conduta foi transmitido aos Governos com a recomendação de
que, uma consideração favorável fosse dada no que se refere à sua utilização dentro da estrutura da legislação
ou prática nacional, como um conjunto de princípios a serem observados pelos Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei. Não é um tratado, mas pertence à categoria dos instrumentos que proporcionam normas
orientadoras aos Governos sobre questões relacionadas com direitos humanos e justiça criminal.
É importante notar que, como foi reconhecido por aqueles que elaboraram o código, esses padrões de
conduta deixam de ter valor prático, a não ser que o seu conteúdo e significado - através de educação,
treinamento e acompanhamento - passem a fazer parte da crença de cada indivíduo encarregado da aplicação
da lei.
O Código consiste em oito artigos, acompanhados por seus respectivos comentários explicativos.
O artigo 1o estipula que “os encarregados da aplicação da lei devem sempre cumprir o dever que
a lei lhes impõe (...)”
Nos parágrafos a. e b. dos comentários do Artigo 1, a seguinte definição é fornecida:
a. O termo ‘Funcionários Encarregados pela Aplicação da Lei’ inclui todas as autoridades legais, tanto
nomeadas quanto eleitas, que exercem poderes policiais, especialmente poderes de prisão e de detenção.
b. Nos países onde os poderes policiais são exercidos por autoridades militares, quer estejam
uniformizadas ou quer não, ou por forças de segurança do Estado, a definição de Funcionários Encarregados
pela Aplicação da Lei deve ser considerada incluindo as autoridades desses tais serviços.
O Artigo 2o requer que os encarregados da aplicação da lei, no cumprimento do dever, respeitem e
protejam a dignidade humana, mantenham e defendam os direitos humanos de todas as pessoas.
O Artigo 3º fornece normas relacionadas ao uso da força, nos seguintes termos:
Os Funcionários Encarregados pela Aplicação da Lei podem fazer uso da força quando estritamente
necessário e até a extensão requerida para o cumprimento de seu dever.
O Parágrafo a. dos Comentários ao artigo estabelece que o uso da força policial deveria ser excepcional,
e que, enquanto a polícia faz uso de uma tal força dentro do razoavelmente necessário para a prevenção do
crime ou para a realização ou para a assistência à detenção legítima de delinquentes ou de cidadãos suspeitos,
nenhuma outra força além dessa pode ser usada.
O Parágrafo b. destaca que a lei nacional normalmente restringe o uso da força policial de acordo com
o princípio da proporcionalidade, e afirma que deve ser entendido que tais princípios nacionais de
proporcionalidade devem ser respeitados na interpretação daquele artigo.
O parágrafo c. dá ênfase ao uso de armas de fogo, o qual é considerado como sendo uma medida
extrema e que qualquer esforço deveria ser feito para proibir seu uso, especialmente contra crianças. Ele
estabelece que, em geral, as armas de fogo não deveriam ser usadas, a não ser quando um cidadão suspeito
oferece uma resistência armada ou, ainda, coloca em risco a vida de outras pessoas, e que medidas menos
extremas não são suficientes para detê-lo ou apreendê-lo. O mesmo parágrafo obriga à rápida apresentação de
um relatório às autoridades competentes cada vez que uma arma de fogo é utilizada pela polícia.
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As normas sobre o uso da força pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei, incorporadas no
artigo e nos comentários, reiteram a importância dos princípios de proporcionalidade (a força sendo usada
somente até a necessária extensão) e da necessidade (a força sendo usada somente quando é estritamente
necessária).
O primeiro parágrafo dos comentários do artigo põe em evidência as razões para as quais o uso da
força é considerado necessário – na prevenção do crime e no exercício dos poderes legais de apreensão; porém,
o termo “razoavelmente necessário”, utilizado no parágrafo, parece abrandar um pouco o termo “estritamente
necessário”, utilizado no próprio Artigo (e, da mesma maneira, o termo “absolutamente necessário”, utilizado
no artigo 2.2 da Convenção Europeia sobre os Direitos Humanos). A diferença é provavelmente atribuída à falta
de cuidado na redação do instrumento legal, pois é claro que a norma se apoia na noção de “estrita” ou
“absoluta” necessidade.
O terceiro parágrafo dos Comentários exclui a utilização das armas de fogo por qualquer outra razão
que não seja a legítima defesa. O significado da exigência, como expressa naquele parágrafo, pela qual um
relatório deve ser apresentado quando uma arma de fogo é disparada por um policial, é parte do processo para
assegurar uma responsabilidade efetiva da polícia para com seus atos. Não se trata de uma mera formalidade.
É de fato um elemento importante na investigação obrigatória que segue uma morte causada por uma
autoridade policial, e pode agir como uma dissuasão contra o uso ilegítimo de armas de fogo pela polícia.
Como se verifica, o poder do uso da força e emprego de armas de fogo pelos FEAL têm implicações de
grande alcance e profundidade e, por essa razão, foi elaborado um instrumento internacional específico que
estabelece princípios para seu emprego. Este documento, denominado Princípios Básicos sobre o Uso da
Força e Armas de Fogo foi adotado pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e
o Tratamento de Infratores em 07 de setembro de 1990.
O artigo 4o estipula que os assuntos de natureza confidencial em poder dos encarregados da aplicação
da lei devem ser mantidos confidenciais, a não ser que o cumprimento do dever ou a necessidade de justiça
exijam estritamente o contrário.
Em relação a esse artigo, é importante reconhecer o fato de que, devido à natureza das suas funções,
os encarregados da aplicação da lei se veem em uma posição na qual podem obter informações relacionadas à
vida particular de outras pessoas, que podem ser prejudiciais aos interesses ou reputação dessas. A divulgação
dessas informações só pode ser feita com o fim de suprir as necessidades da justiça ou o cumprimento do dever.
Fora disso, é imprópria, e os encarregados da aplicação da lei devem abster-se de fazê-lo.
O artigo 5o reitera a proibição da tortura ou outro tratamento ou pena cruel, desumano ou degradante.
O artigo 6o diz respeito ao dever que os encarregados da aplicação da lei têm de cuidar e proteger a
saúde das pessoas privadas da sua liberdade, que estão sob sua tutela.
O artigo 7o proíbe os encarregados da aplicação da lei de cometer qualquer ato de corrupção, Também
devem opor-se e combater rigorosamente esses atos.
O artigo 8o trata da disposição final exortando os encarregados da aplicação da lei a respeitar a lei e a
este Código. Os encarregados da aplicação da lei são incitados a prevenir e se opor a quaisquer violações da lei
e do código. Em casos onde a violação do código é (ou está para ser) cometida, os encarregados da aplicação
25
da lei devem comunicar o fato aos seus superiores e, se necessário, a outras autoridades apropriadas ou
organismos com poderes de revisão ou reparação.
2.3 Princípios Orientadores para a Aplicação Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei
Com o objetivo de promover a aplicação do citado Código de Conduta, o Conselho Econômico e Social
das Nações Unidas, em 24 de maio de 1989, por ocasião de sua 15a sessão plenária, adotou os Princípios
Orientadores para a Aplicação Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei, que prevê uma série de providências, dentre as quais se destacam:
I. APLICAÇÃO DO CÓDIGO
A. Princípios Gerais
1. Os princípios consagrados no Código deverão ser incorporados na legislação e práticas nacionais[...]
4. Os Governos devem adotar as medidas necessárias para que os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei recebam instrução, no âmbito da formação de base e de todos os cursos posteriores de formação
e de aperfeiçoamento, sobre disposições da legislação nacional relativas ao Código assim como outros textos
básicos sobre a questão dos direitos do homem[...]
B. Questões Específicas
2. Remuneração e condições de trabalho. Todos funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem
ser satisfatoriamente remunerados e beneficiar de condições de trabalho adequadas[...]
3. Disciplina e supervisão. Devem ser estabelecidos mecanismos eficazes para assegurar a disciplina
interna e o controle externo assim como a supervisão dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei[...]
II. IMPLEMENTAÇÃO DO CÓDIGO
A. A nível nacional
1. O Código deve estar à disposição de todos os funcionários responsáveis pela aplicação da lei e
das autoridades competentes na sua própria língua[...]
B. A nível internacional
1. Os Governos devem informar o Secretário-Geral, em intervalos apropriados de, pelo menos, cinco
anos, sobre os progressos na implementação do Código[...]
Importante!
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha tem contribuído significativamente com a difusão dessas
normas, através da capacitação de profissionais de várias Forças Policiais e de Segurança pelo Mundo e
mais recentemente com o trabalho de Integração das Normas Internacionais de Direitos Humanos
aplicáveis às Funções Policiais, nas matrizes curriculares de Cursos de Formação, na área de
26
Treinamento e na área de Doutrina Policial de algumas Polícias no Brasil e outros Países Latino-
Americanos, com os quais firmou convênio para esse fim.
Finalizando...
Nesse módulo do curso, você estudou:
• Os aspectos legais, morais e éticos da profissão que devem sempre ser observados e seguidos,
sob pena de se cometerem desvios de conduta ou abusos de poder. Para os Profissionais de Segurança Pública
os poderes que lhes foram conferidos são para atuarem em defesa da sociedade.
• Verificou ainda, que existem normas internacionais e legislação nacional própria que diz respeito
ao tema e dão uma excelente orientação para a conduta a ser adotada. Entretanto, não basta somente ter a base
legal para que isso automaticamente se reflita em comportamentos na linha de frente operacional. É necessário
ter sob constante avaliação e prioridade os aspectos de conhecimentos, habilidades e atitudes nas práticas
cotidianas dos policiais.
Exercícios
1. Com relação a prática de tortura é possível afirmar que:
a. Está permitida em tempo de guerra.
b. Pode ser aplicada para a manutenção da ordem pública.
c. Pode ser usada para extrair confissão de terrorista.
d. Nunca está permitida.
2. Considerando os princípios do Uso da Força, relacione a segunda coluna de acordo com a
primeira:
(1) Legalidade
(2) Proporcionalidade
(3) Necessidade
( ) A força usada no limite para atingir o objetivo.
( ) A força usada somente quando não há outra alternativa.
( ) A força usada em conformidade com os parâmetros legais.
3. De acordo com Rover são características de um regime democrático:
a. Um governo democraticamente eleito, que represente o povo e seja responsável perante ele; a
existência de um Estado de Direito e o respeito por ele; o respeito pelos Direitos Humanos e liberdades.
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b. Um governo eleito, que represente apenas a parcela majoritária da comunidade e seja
responsável por ela; a existência de um Estado permanente de exceção e o respeito por ele; o respeito
emanado pelas autoridades constituídas.
c. Eleições periódicas a gosto e vontade dos governantes, pois em democracia o que vale é a
vontade livre de se fazer o que bem se entende.
d. Não devem existir regras num regime democrático, pois todo poder emana do povo e o povo é
soberano para sozinho decidir seu destino, não necessitando de qualquer modelo de governo ou instituições
para que funcione bem.
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Apresentação do módulo
O foco de estudo deste módulo está nas tarefas da polícia para a prevenção do crime e a
manutenção da ordem, alinhadas ao respeito aos direitos humanos. Esse alinhamento exigirá a compreensão
de definições, normas e recomendações relacionadas às atividades policiais.
Objetivo do módulo
Ao final deste módulo, você será capaz de:
• Identificar as principais normas internacionais de direitos humanos relativas à atividade de
prevenção e detecção do crime e explicar sua relevância para a atividade policial;
• Identificar os princípios do direito internacional de direitos humanos que delimitam as práticas de
aplicação da lei, tais como: a presunção da inocência; o direito de todas as pessoas a um julgamento
justo, e o respeito pela dignidade, honra e privacidade;
• Conceituar ordem pública e identificar os poderes da administração pública, em especial o Poder
de Polícia;
• Citar as principais normas e instrumentos nacionais e internacionais que são referência de aplicação
em caso de distúrbios e tensões internas;
• Relacionar os Princípios Básicos do Uso da Força e Armas de Fogo com as situações de distúrbios e
tensões internas;
Estrutura do Módulo
Este módulo está dividido nas seguintes aulas:
• Aula 1 – Prevenção de detecção do crime;
• Aula 2 – A manutenção da ordem pública;
• Aula 3 – Princípios Básicos do Uso da Força e da Arma de Fogo X distúrbios e tensões internas;
MÓDULO
3 RESPONSABILIDADES BÁSICAS DA ATIVIDADE POLICIAL
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Aula 1 – Prevenção e detecção do crime
1.1 O crime
De acordo com Rover (2005), a prevenção e detecção do crime estão entre as áreas de interesse
imediato das organizações de aplicação da lei em todo o mundo.
O crime é inerente à vida quotidiana e as organizações de aplicação da lei fazem o máximo para
erradicar sua ocorrência. Entretanto, o número de crimes solucionados pela polícia é menor que o número
de crimes praticados.
A responsabilidade pela prevenção e detecção do crime é atribuída primariamente às
organizações policiais, mas a prevenção e detecção efetivas do crime também dependem muito dos níveis
existentes e da qualidade da cooperação entre a organização de aplicação da lei e a comunidade (políticos,
membros do judiciário, grupos comunitários, corporações públicas e privadas, bem como indivíduos) a que essa
serve.
Esse ponto é bastante claro na Constituição brasileira de 1988:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a prevenção da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio(...)
É claro que nas suas tarefas de prevenir e detectar crimes, a polícia deve respeitar os Direitos
Humanos em todas as ocasiões. Por isso uma prevenção e detecção de crimes devem basear-se em práticas e
tácticas legais e não arbitrárias.
1.2 Princípios de DIDH e as práticas de aplicação da lei
Dentre os princípios do Direito Internacional de Direitos Humanos que delimitam as práticas de
aplicação da lei com esse intuito, é possível ressaltar os seguintes:
- a presunção da inocência;
- o direito de todas as pessoas a um julgamento justo;
- o respeito pela dignidade, honra e privacidade.
A seguir estude cada um deles.
1.2.1 A presunção da inocência
Esse direito está consagrado em vários instrumentos e normas internacionais das quais destacamos:
31
O artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Artigo XI.
1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito
de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha
sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no
qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias
à sua defesa.
O artigo 14 (2) do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se
presuma sua inocência enquanto não for legalmente
comprovada sua culpa.
O artigo 7 (1.b) da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
1. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja apreciada.
Esse direito compreende:
b) O direito de presunção de inocência, até que a sua
culpabilidade seja estabelecida por um tribunal competente;
O artigo 8 (2) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma
sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.
O artigo 6 (2) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
2. Everyone charged with a criminal offence shall be presumed
innocent until proved guilty according to law. (Qualquer pessoa
acusada de um crime deve presumir-se inocente até que seja
legalmente considerada culpada)
Também a Constituição brasileira faz esta previsão em seu artigo 5º, LVII:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória;
Como é possível verificar, o direito da presunção da inocência está contido em vários instrumentos
e normas internacionais e nacionais, do que se entende:
32
• a culpabilidade ou a inocência só podem ser determinadas por um tribunal regularmente constituído,
com base em um processo regular no âmbito do qual tenham sido concedidas ao acusado todas as
garantias necessárias para a sua defesa;
• o direito à presunção de inocência, até prova em contrário, é essencial para garantir um julgamento
justo.
Importante!
Rover (2005) reforça esse entendimento enfatizando que uma das tarefas primárias na aplicação da lei
é a de trazer os infratores à justiça e não compete aos encarregados da aplicação da lei decidir sobre a
culpa ou inocência de uma pessoa capturada por um delito. Sua responsabilidade é registrar, de forma
correta e objetiva, todos os fatos relacionados a um crime cometido. Os encarregados da aplicação da
lei são responsáveis pela busca de fatos, ao passo que o judiciário é o responsável pela apuração da
verdade (analisando esses fatos com o propósito de determinar a culpa ou inocência da(s) pessoa(s)
acusada(s)).
1.2.2 O direito de todas as pessoas a um julgamento justo
Em relação ao direito a um julgamento justo, tem-se que ter em mente que essa garantia se aplica
tanto aos processos civis, como aos criminais e administrativos.
É imprescindível oferecer às partes do processo o direito à ampla defesa e ao contraditório, ou seja,
dar às partes a chance de contra argumentar e expor os argumentos de sua defesa.
Esse direito está consagrado no artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
10. Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma
justa e pública audiência por parte de um tribunal independente
e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos em seu artigo 14 estabelece disposições e uma
série de garantias mínimas consideradas necessárias para assegurar o direito a um processo justo. Essas
garantias mínimas foram incorporadas na legislação da maioria dos países do mundo.
1.2.3 O Respeito pela Dignidade, Honra e Privacidade
De acordo com Rover (2005), as ações e investigações conduzidas por policiais na prevenção ou
detecção do crime conduzirão a situações em que muitas das ações tomadas resultarão na invasão da
esfera privada de indivíduos.
33
Há que se ter em conta que todos os países têm um código do processo penal ou orientações que
definirão os poderes de investigação e as competências dos policiais e seu alcance prático.
Veja a seguir alguns dispositivos internacionais que preveem a proteção da privacidade, a honra e a
reputação dos indivíduos.
Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Artigo 12: Ninguém será sujeito à interferência em sua vida
privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência,
nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem
direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
ARTIGO 11: Proteção da Honra e da Dignidade
1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao
reconhecimento de sua dignidade.
2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou
abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio
ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra
ou reputação.
3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais
ingerências ou tais ofensas.
Você já deve ter percebido que essas normas têm repercussões óbvias sobre as ações e investigações
policiais. Como exemplo, podemos citar as revistas e buscas de pessoas, instalações, veículos e outros bens,
bem como a interceptação de correspondência, mensagens telefônicas e outras comunicações. Todas essas
ações deverão respeitar escrupulosamente a lei e ser absolutamente necessárias para fins legítimos de
aplicação da lei.
Outro instrumento internacional que você estudou no módulo 2 é o Código de Conduta para os
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei onde a proteção da intimidade é reforçada pelas
disposições do artigo 4º que estabelece:
ARTIGO 4.º
As informações de natureza confidencial em poder dos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem ser
mantidas em segredo, a não ser que o cumprimento do dever
ou as necessidades da justiça estritamente exijam outro
comportamento.
Comentário:
34
Devido à natureza dos seus deveres, os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei obtêm informações que
podem relacionar-se com a vida particular de outras pessoas
ou ser potencialmente prejudiciais aos seus interesses, e
especialmente à sua reputação. Deve-se ter a máxima cautela na
salvaguarda e utilização dessas informações, as quais só devem
ser divulgadas no desempenho do dever ou no interesse.
Qualquer divulgação dessas informações para outros fins é
totalmente abusiva.
As responsabilidades dos policiais e suas práticas de aplicação da lei nessa área requerem supervisão
estrita, tanto internamente na organização (superiores hierárquicos e corregedoria) como um controle externo
(ouvidorias de polícia, Ministério Público entre outros). O registro e controle das ações é fundamental, pois
permitirão que um juízo justo e imparcial seja feito a respeito de sua legitimidade e não arbitrariedade, quando
um caso em particular vier a julgamento.
Rover (2005) ressalta que a prevenção e detecção do crime são áreas da aplicação da lei que exigem
padrões altos de moralidade e ética dos policiais, pois é justamente na condução de investigações que se
verificam grande parte das violações dos direitos e liberdades individuais das pessoas capturadas e/ou detidas.
Cita como exemplos: o preconceito por parte dos encarregados das investigações, o uso de provas obtidas por
meio de práticas ilícitas, a pressão sutil sobre a pessoa acusada para obter testemunho.
Nesse viés, o modo como você e seus colegas desempenham sua atividade profissional é que dará a
exata noção do que significará a presunção da inocência, um julgamento justo e o respeito pela dignidade
da pessoa humana. O modo profissional de se trabalhar resultará na contribuição individual para os resultados
coletivos e a imagem da sua corporação como um todo.
É possível concluir que a polícia e outros profissionais encarregados pela aplicação da lei são, muitas
vezes, a primeira linha de defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana e, agindo assim, reforçam a
noção de Estado Democrático de Direito.
Aula 2 - A manutenção da ordem pública
2.1 A Ordem Pública
Entre os princípios mais importantes da vida em sociedade está o de "Ordem Pública".
Rover (2005) explica que a paz, a estabilidade e a segurança de um país dependem, em larga escala, da
capacidade de suas organizações de aplicação da lei em fazer cumprir a legislação nacional e de forma
eficaz. Ressalta que policiar ocorrências de vulto, inclusive reuniões e manifestações, requer mais do que a
compreensão das responsabilidades legais dos participantes de tais eventos. Requer, também, a compreensão
simultânea dos direitos, obrigações e liberdades perante a lei daquelas pessoas que deles não participam.
35
Conclui o autor afirmando que uma das descrições da essência da manutenção da ordem pública é
permitir a reunião de um grupo de pessoas que exercitam seus direitos e liberdades legais sem infringir os
direitos de outros, enquanto, ao mesmo tempo, assegurar a observância da lei por todas as partes.
Lazzarini (2001) escreve que o homem é o cidadão que vive em uma determinada sociedade, certo
que o fato de ser cidadão propicia a cidadania, ou seja, condição jurídica que podem ostentar as pessoas físicas
e morais, que, por expressar o vínculo entre o Estado e seus membros, implica, de um lado, submissão à
autoridade e, de outro, o exercício de direito, porque, o cidadão é membro ativo de uma sociedade política
independente.
O vínculo entre o Estado e seus cidadãos, com submissão destes à autoridade do Estado, há de estar
disciplinado por princípios jurídicos que informam, em especial, as atividades administrativas, inclusive as
desenvolvidas no Poder Legislativo e no Poder Judiciário e as do Poder Executivo.
No conjunto do ordenamento jurídico de um Estado, é muito comum falar-se em leis de ordem pública.
As leis são os preceitos escritos, formulados pelas autoridades constituídas com poder de legislar. As
leis de ordem pública são as que vão estabelecer princípios indispensáveis à vida e manutenção e preservação
do próprio Estado. Ao contrário, as leis de ordem privada são, principalmente, concernentes aos interesses de
ordem particular, regulando as relações dos indivíduos entre si ou deles com o Estado.
As ideias que surgem do conceito de ordem pública são as de vida em paz, bem-estar social,
cooperação dos membros de uma sociedade para o convívio harmonioso e que todos possam se
desenvolver plenamente em suas potencialidades, exercerem seus direitos, tendo a garantia de poder invocar a
proteção de um órgão superior do Estado no caso de violações dos mesmos.
Es el estado de paz y armonía de una sociedad cuando se somete al respeto de las normas
establecidas por el estado, entre las libertades y derechos individuales y el interés general y
cuya ruptura haría imposible la convivencia y el cumplimento de los fines del estado y de sus
instituciones. (RAMIREZ, p. 12). (O estado de paz e harmonia de uma sociedade quando se
submete ao respeito das normas estabelecidas pelo estado, entre as liberdades e direitos
individuais e o interesse geral, cuja ruptura impossibilite a convivência e o cumprimento dos
fins do estado e de suas instituições.)
É a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas
atribuições, os cidadãos estão em harmonia, respeitando as regras formais de coexistência. A
ordem pública não se confunde com a ordem jurídica, embora tenha a sua existência dela
derivada. (KLINGER, 1983).
Ordem Pública: conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação,
tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público,
estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo Poder de Polícia,
e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum. (R-200).
36
Entretanto, existem situações em que pessoas ou coletividades não se submetem ou não querem
submeter-se à autoridade estatal, podendo ocorrer, dessa forma, uma ruptura no cumprimento e na
obediência das normas legais e sociais. Neste momento, o Estado tem a incumbência de manter e preservar esta
ordem social, em favor da coletividade. Um dos meios mais comumente utilizados para restaurar essa ordem
violada na administração pública é a Polícia, e, em casos extremos onde a instituição policial é deficitária ou
insuficiente, atribui-se essas funções às forças militares (Forças Armadas).
Nesse caso, as forças militares desempenham funções na comunidade civil que habitualmente
são incumbência dos funcionários responsáveis pelo cumprimento da lei (polícia). As forças militares
devem aplicar as normas legais que regem a atuação dos funcionários responsáveis pelo cumprimento da lei,
especialmente com relação ao uso da força e das armas de fogo.
Deve-se prestar atenção especial à instrução dos militares antes de empreender uma operação de
segurança interna. Contudo, apesar de realizarem tarefas relacionadas com o fato de fazer cumprir a lei, perdura
a essencialidade da força militar. Os membros das Forças Armadas não são policiais quando realizam uma
operação de segurança interna; eles apenas ajudam a polícia a manter a ordem pública.
As forças militares que participam de operações de segurança interna não necessitam receber
instruções a respeito de toda a gama de capacidades e poderes relacionados com a polícia, tal como a
investigação do delito. Contudo, devem receber instrução efetiva a respeito dos poderes fundamentais
relacionados com o fato de cumprir a lei: uso da força, prisão e detenção.
Surge, assim, a necessidade da intervenção do Estado para realizar a manutenção da ordem pública
violada e assegurar o estado de legalidade impedindo a ruptura dessa mesma ordem, velando para que as
leis e normas decorrentes sejam observadas.
A manutenção é ação; manutenção da ordem pública é ação inerente a órgão policial no campo
da Segurança Pública.
Verifica-se que o tema da manutenção da ordem pública é abordado em vários manuais policiais
como sinônimo de controle da ordem pública e operações de controle de distúrbios civis. Já em manuais
militares aparece como sinônimo de operações de segurança interna [operaciones de seguridad interna /
Internal security operations], Operações de garantia da lei e da ordem, Low intensity Operations [operações
de baixa intensidade], Operations other than war [operações – militares – distintas da guerra], Military
operations other than war (MOOTW) [outras operações militares que não sejam a guerra] – muito utilizada
pelas fontes norte-americanas, entre outras.
Não existe uma definição padrão para as operações de segurança interna. Utilizaremos a
seguinte: Operações que impliquem o emprego de forças armadas em apoio às autoridades civis com a
finalidade principal de manter e restabelecer a ordem. (ROBERTS, 2002)
Manutenção da Ordem Pública: é o exercício dinâmico do Poder de Polícia, no campo da
segurança pública, manifestado por atuações predominantemente ostensivas, visando a prevenir, dissuadir,
coibir ou reprimir eventos que violem a ordem pública.
37
Perturbação da Ordem: abrange todos os tipos de ação, inclusive as decorrentes de calamidade
pública que, por sua natureza, origem, amplitude e potencial possam vir a comprometer na esfera estadual, o
exercício dos poderes constituídos, o cumprimento das leis e a manutenção da ordem pública, ameaçando a
população e propriedades públicas e privadas. (R-200)
No conceito de Lazzarini (2001), o ramo do Direito que deve instrumentalizar tudo isso em termos de
Administração Pública é o Direito Administrativo. Este como principal ramo do Direito Público,
infraconstitucional, relaciona-se com os denominados “Direitos Humanos Fundamentais”, considerados por
Moraes (2000) como sendo:
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser
humano que tem por finalidade básica o respeito à sua
dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder
estatal e o estabelecimento de condições humanas de vida e
desenvolvimento da personalidade humana.
2.2 Poderes da Administração Pública
Como poderes instrumentais da Administração Pública têm-se o poder vinculado, discricionário,
hierárquico, disciplinar, regulamentar e o de polícia, não se podendo considerar como poder o arbítrio,
porque este significa extrapolar os limites da legalidade na manifestação da vontade do órgão
administrativo, no que se diferencia do discricionário que, nos critérios de conveniência e oportunidade,
sujeita-se aos princípios da legalidade, da realidade e da razoabilidade.
Embora não se possa dizer da prevalência de um sobre outro poder instrumental, é forçoso reconhecer
que o Poder de Polícia – do qual decorre o poder da polícia e a própria razão da existência da polícia, como
força pública do Estado – é um dos mais importantes desses poderes administrativos, como se examinará
em especial na realização plena dos direitos de cidadania, que envolve o exercício efetivo e amplo dos direitos
humanos, nacional e internacionalmente assegurados.
É o poder que exerce a administração pública sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam
afetar a coletividade.
O Estado, por intermédio de suas polícias, deve zelar e velar pelo bem-estar coletivo e dos cidadãos
em particular, cabendo-lhe, como consequência, o direito-dever ou, até mesmo, o dever-poder de tudo fazer
na defesa desses direitos. (MAGALHÃES, 1987, p. 61).
2.2.1 O Poder de Polícia
Poder de polícia é a competência institucional que a administração pública tem para impor
restrições a certas atividades privadas e obrigar ou proibir determinadas formas de utilização das coisas,
tendo em vista o bem comum.
38
Consiste numa limitação do exercício da liberdade e da propriedade dos indivíduos para que, no uso
delas, os membros da coletividade se mantenham ajustados a padrões compatíveis com os objetivos sociais.
O Estado cumpre sua missão de defensor e propagador dos interesses gerais, coibindo os excessos e prevenindo
as perturbações à ordem jurídico-social. (MEIRELLES 1997, p. 115).
Marques (2001) explica que o poder de polícia é a denominação de um dos poderes concedidos ao
Estado para atuar, no uso de sua função social, em benefício da ordem jurídica e socioeconômica vigente.
Usando esse poder, a Administração estabelece medidas, mesmo que restritivas aos direitos individuais, que se
tornam necessárias para a manutenção e segurança da ordem, da moralidade social e da saúde pública,
visando, em última instância, assegurar a própria liberdade individual, a propriedade pública e privada e o bem-
estar coletivo.
Na visão de Meireles (1997), “Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública
para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da
coletividade ou do próprio Estado”.
Para o autor, ele é o mecanismo de frenagem de que dispõe a administração pública para conter os
abusos do direito individual. O Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou
inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.
Atributos do Poder de Polícia
Meirelles (1997) e Marques (s.d) apontam como sendo três os atributos ou características do Poder de
Polícia:
Discricionariedade: traduz-se na livre escolha e conveniência de a administração exercer o poder de
polícia, bem como aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a
proteção de algum interesse público. Ela é legítima desde que o ato da polícia administrativa se contenha nos
limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída.
Na maioria dos Estados, os encarregados de aplicação da lei (...)
têm poderes discricionários de captura, detenção e do uso da
força e de armas de fogo, e podem exercê-los em qualquer
situação de aplicação da lei. (ROVER, 2005)
Esse poder pode se tornar um problema se o policial não for bem preparado. Beato faz crítica a
esse poder ao afirmar que um dos aspectos mais difíceis no gerenciamento das atividades policiais é o grau de
discricionariedade dos policiais nas ruas. O autor alega que esse problema adquire contornos dramáticos
quando se trata de avaliar a necessidade ou não do uso de força letal pelos policiais. No dia a dia da atividade
policial, esses extremos não são tão frequentes. As decisões dos policias acerca de quando se deve ou não
acionar as leis para a manutenção da ordem determinam os próprios limites da implementação da lei.
39
Policiais detêm uma larga margem de decisão acerca de quando acionar ou não as leis. A visibilidade
dessas decisões é frequentemente baixa, e raramente são sujeitas a mecanismos de supervisão por parte de
superiores.
Meirelles (1997, p. 120), ao tratar do assunto, afirma que “Discricionariedade não se confunde com
arbitrariedade. Discricionariedade é liberdade de agir dentro dos limites legais; arbitrariedade é ação fora ou
excedente da lei, com abuso ou desvio de poder”. O ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido, portanto nulo.
Autoexecutoriedade: É a faculdade da administração em decidir e executar diretamente sua decisão
por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário. A administração impõe diretamente as medidas ou
sanções de polícia administrativa necessárias à contenção da atividade antissocial que visa a obstar. Esse
princípio autoriza a prática do ato de polícia administrativa pela própria administração, independentemente de
mandato judicial.
Para Marques (s.d), a executoriedade permite à Administração executar diretamente a sua decisão pelo
uso da força. E, em decorrência desse atributo, que a Administração imponha aos seus administrados atos
decorrentes do Poder de Polícia e os pratique, imediata e diretamente, sem a interveniência do Poder Judiciário,
embora tenha que, posteriormente, sujeitar-se ao controle de legalidade.
Coercibilidade: É a imposição coativa das medidas adotadas pela administração. Todo ato de polícia
é imperativo, obrigatório para seu destinatário, admitindo até o emprego da força pública para seu
cumprimento, quando resistido pelo administrado. Segundo Meirelles (1997, p. 122), “Não há ato de polícia
facultativo para o particular, pois todos eles admitem a coerção estatal para torná-los efetivos, e essa coerção
também independe de autorização judicial”. É a própria administração que determina e faz executar as medidas
de força que se tornarem necessárias para a execução do ato ou aplicação da penalidade administrativa
resultante do exercício do poder de polícia.
Para Marques (s.d.), “A coercibilidade [...] é indissociável da autoexecutoriedade. O ato de polícia só é
autoexecutório porque é dotado de força coercitiva. É a necessidade de se ver as medidas adotadas pela
administração através dos meios de coerção”.
Sobre o atributo da coercibilidade Meirelles (1997, p. 120) diz que:
O atributo da coercibilidade do ato de polícia justifica o emprego
da força física quando houver oposição do infrator, mas não
legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à
resistência, que em tal caso pode caracterizar o excesso de poder
e abuso de autoridade nulificadores do ato praticado e
ensejadores das ações civis e criminais para reparação do dano e
punição dos culpados.
Moreira Neto (1987, p.11) afirma em sua obra que o poder de polícia, com seus instrumentos, a
discricionariedade e a executoriedade são o tripé do direito administrativo da segurança pública.
40
O Poder de Polícia e a Segurança Pública
Confundida, de um lado, com a ordem jurídica e, de outro, com a ordem nas ruas, o conceito de ordem
pública mereceu exaustivos debates. Embora toda violação à ordem jurídica possa caracterizar-se como uma
violação à ordem pública, a recíproca não é verdadeira, o que demonstra que esse conceito tem matizes meta-
jurídicos que, não obstante, referem-se às vigências sociais essenciais à convivência harmoniosa e pacífica, como
a moral e os costumes.
Para Moreira Neto (1987, p.13), “Ordem Pública, objeto da Segurança Pública, é a situação de
convivência pacífica e harmoniosa da população, fundada nos princípios éticos vigentes na sociedade”.
Sobre Segurança Pública, Moreira Neto (1987, p.19) diz que o Estado atua juridicamente na sua
vertente normativa, estabelecendo as leis que a disciplinarão, e na sua vertente jurisdicional, aplicando
a lei aos casos contenciosos e, em especial, impondo a pena criminal.
Na vertente administrativa, o Estado atua aplicando a lei para restabelecer a ordem violada, de forma
discricionária e executória. É nessa atuação que se denomina a atividade de polícia de segurança pública,
exercendo o Estado o poder de polícia administrativa.
Na Segurança Pública, o Estado atua pelo poder de polícia, exercitado em suas quatro modalidades de
ação (AGU):
A ordem de polícia: geralmente um comando negativo, contém-se num preceito, que,
necessariamente, nasce da lei, pois se trata de uma reserva legal (art. 5º, II Constituição Federal 1988), e pode
ser enriquecido discricionariamente, consoante as circunstâncias, pela Administração;
O consentimento de polícia: que subordina certas atividades a um controle prévio. Quando
couber, será a anuência, vinculada ou discricionária, do Estado com a atividade submetida ao preceito vedativo
relativo, sempre que satisfeitos os condicionamentos exigidos;
A fiscalização de polícia: é uma forma ordinária e inafastável de atuação administrativa que se
dá para verificar o cumprimento das ordens ou a observância das condições do consentimento. No caso
específico da atuação da polícia de preservação da ordem pública, é que toma o nome de policiamento;
A sanção de polícia: é a atuação administrativa autoexecutória que se destina à repressão da
infração. No caso da infração à ordem pública, a atividade administrativa, autoexecutória, no exercício do poder
de polícia, esgota-se no constrangimento pessoal, direto e imediato, na justa medida para restabelecê-la, ou
seja, o direito, o costume e moral.
Aula 3 - Princípios Básicos do Uso da Força e da Arma de Fogo X
Distúrbios e tensões internas
3.1 Direito de reunião e manifestação
41
Nos países democráticos e onde impera o Estado de Direito, uma consequência lógica dessa
democracia e liberdade é o direito que as pessoas têm de saírem às ruas pacificamente em passeatas ou
manifestações para expressar suas opiniões e sentimentos publicamente, sobre qualquer tema que considerem
importante.
Os instrumentos e normas internacionais preveem certo número de direitos e liberdades, que se
aplicam às reuniões, manifestações, passeatas e eventos similares. Tomemos por exemplo o Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP):
• O direito de ter opiniões próprias sem interferência (PIDCP, art.19.1);
• o direito à liberdade de expressão (PIDCP, art. 19.2);
• o direito à reunião pacífica (PIDCP, art. 21);
• o direito à liberdade de associação (PIDCP, art. 22.1).
Entretanto, nenhum direito pode ser exercido sem limites. Ao exercício desses direitos podem ser
impostas restrições, desde que legítimas e necessárias, para que se respeite:
• O direito à reputação de outrem (PIDPC, art. 19.3.a);
• a proteção da segurança nacional ou da ordem pública (PIDPC, art. 19.3.b) ;
• a saúde pública e moral (PIDPC, art. 21);
• as restrições previstas em lei e que se façam necessárias (PIDPC, art. 22.2).
Além dos artigos citados, a segurança pública pode ser uma razão legítima para restrição do direito à
liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação.
O mesmo pode ser observado se você fizer a leitura atenta do artigo 29 (1 e 2) da Declaração Universal
dos Direitos Humanos (DUDH):
ARTIGO 29
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na
qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é
possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano
estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei,
exclusivamente com o fim de assegurar o devido
reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e
de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e
do bem-estar de uma sociedade democrática.
(...)
De modo idêntico, encontramos na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José)
em seu art. 32:
42
Artigo 32 - Correlação entre deveres e direitos
1. Toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e
a humanidade.
2. Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos
demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do
bem comum, em uma sociedade democrática.
O equilíbrio está justamente no fato de que a cada direito corresponde a uma obrigação, e estas estão,
nesse caso, nos deveres da pessoa humana para com a comunidade na qual está inserida. Lembrando sempre
que as limitações devem ser sempre legais e não arbitrárias.
3.2 A violência
Em toda sociedade podem surgir situações especiais e excepcionais que podem colocar em perigo
a ordem pública, a segurança das pessoas e, em última instância, o próprio Estado. São circunstâncias
provocadas por conflitos armados, distúrbios civis ou desastres naturais, que requerem do Estado uma atuação
especial para restaurar a ordem e a normalidade.
A ruptura da condição normal da ordem pública associa-se, muitas vezes, à ideia de violência que
ultrapassa aquela dos tempos “normais”* (CAPUTO, 1996).
* Por violência “normal” entenda-se, por exemplo, a delinquência comum de todos os dias, ou
em outro plano, as medidas da repressão corrente que desempenha o aparelhamento policial nos limites
do consentimento legal.
As Nações Unidas (2001) classificam e definem uma hipotética hierarquia da violência em pelo
menos cinco níveis. É importante considerar que as fronteiras entre os diferentes níveis de violência não são
sempre claras, entretanto, de maneira didática, pode-se considerar que cada situação requer a aplicação das
seguintes categorias de normas. O quadro a seguir demonstra essa relação:
Hierarquia da Violência Categorias de normas aplicadas
Nível 1: situação normal. Nível 1: todos os direitos humanos, sem qualquer derrogação.
Nível 2: tensões internas, distúrbios
internos, tumultos, atos de
violência isolados e esporádicos.
Nível 2: todos os direitos humanos, sem qualquer derrogação, sob reserva única das
restrições autorizada pela lei com o único fim de garantir plenamente o
reconhecimento e respeito pelos direitos e liberdades de terceiros, bem como as
justas exigências da moral, ordem pública e bem-estar geral numa sociedade
democrática.
43
Nível 3: estado de exceção
proclamado no seguimento de
tensões internas e de violências
esporádicas que ameaçam a
existência da nação.
Nível 3: todos os direitos humanos, salvo algumas exceções limitadas, as quais
permitem derrogações não discriminatórias, nos estritos limites necessários pelas
exigências da situação. Não é autorizada qualquer derrogação no que diz respeito
ao direito à vida, à proibição de tortura, à proibição da escravidão ou à proibição de
sujeitar uma pessoa à prisão por incapacidade de execução de uma obrigação
contratual.
Nível 4: conflito armado não
internacional (guerra civil).
Nível 4: o artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra de 1949, o Protocolo
Adicional II a essas Convenções de 1977, bem como as restantes disposições de
direitos humanos, incluindo a proteção dos direitos não derrogáveis.
Nível 5: conflito armado
internacional.
Nível 5: as quatro Convenções de Genebra e o Protocolo Adicional I a essas
Convenções de 1977, bem como as outras disposições relativas aos direitos
humanos, incluindo a proteção dos direitos não derrogáveis.
Fonte: Elaborado pela consultora pedagógica com base nas informações. (ONU,2001)
3.3. Distúrbios e tensões internas
A doutrina vigente não atribuiu uma definição objetiva e precisa sobre distúrbios e tensões internas, e
nenhum instrumento internacional correu o risco de fazê-lo. Entretanto, para os efeitos deste curso, e com
intuito de padronizar e esclarecer seu significado, adotaram-se os seguintes conceitos constantes do
“Diccionario de Derecho Internacional de los Conflictos Armados – Pietro Verri (1998)”:
Disturbios internos: Según definición dada por el CICR en 1971, esta expresión cubre las situaciones
en las que , sin que haya un conflicto armado propiamente dicho, existe, no obstante en el plano interno, un
enfrentamiento que presenta cierto carácter de gravedad o de duración y que implica actos de violencia. Estos
últimos pueden revestir formas variables que pueden ir desde la generación espontánea de actos aislados de
revuelta hasta la lucha entre grupos más o menos organizados y las autoridades en el poder. En esas situaciones,
que no degeneran necesariamente luchas abiertas, las autoridades en el poder recurren a vastas fuerzas de
policía, incluso las fuerzas armadas, a fin de restablecer el orden interior.
Distúrbios internos: Segundo definição dada pelo CICR (COMITÉ INTERNACIONAL DE LA CRUZ ROJA.
Para o Português ficaria CICV: Comitê Internacional da Cruz Vermelha) em 1971, essa expressão cobre as
situações em que, sem que haja um conflito armado propriamente dito, existe, não obstante no plano interno,
um enfrentamento que apresenta certo caráter de gravidade ou de duração e que implica atos de violência.
Esses últimos podem revestir formas variáveis que podem ir desde a geração espontânea de atos isolados de
revolta até a luta entre grupos mais ou menos organizados e as autoridades no poder. Nessas situações, que
não degeneram necessariamente lutas abertas, as autoridades no poder recorrem a vastas forças da polícia,
inclusive as forças armadas, a fim de restabelecer a ordem interior.
44
Tensiones internas: Según una definición dada por el CICR en 1971 (con motivo de una consulta de
expertos gubernamentales), se trata de situaciones que pueden caracterizarse por:
a) gran número de detenciones;
b) gran número de detenidos políticos o de seguridad;
c) probables malos tratos inflingidos a los detenidos;
d) promulgación del estado de emergencia;
e) alegaciones de desapariciones.
Al contrario de las situaciones de disturbios interiores – en las que rebeldes están suficientemente
organizados y son identificables – en el caso de tensiones internas, la oposición está rara vez organizada de
manera visible.
Tensões internas: Segundo uma definição dada pelo CICR em 1971 (com motivo de uma consulta a
peritos governamentais), trata-se de situações que podem se caracterizar por:
a) Grande número de detenções;
b) Grande número de detidos políticos ou de segurança;
c) Prováveis maus tratos infringidos aos detentos;
d) Promulgação do estado de emergência;
e) Alegações de desaparecimentos.
Ao contrário das situações de distúrbios internos – em que rebeldes estão suficientemente organizados
e são identificáveis – no caso de tensões internas, a oposição raramente está organizada de maneira visível.
Estado de Emergencia: Situación jurídica similar al estado de sitio, pero que produce efectos menos
severos que este último. En general, se declara a causa de un peligro del momento o inminente, resultante de
una catástrofe, de una perturbación grave del orden público, de una crisis internacional o de un conflicto
armado.
Estado de Emergência: Situação jurídica similar ao estado de sítio, mas que produz efeitos menos
severos que este último. Em geral, é declarado um perigo do momento ou iminente, resultante de uma
catástrofe, de uma perturbação grave da ordem pública, de uma crise internacional ou de um conflito armado.
Estado de Sitio: La situación de peligro en la que se encuentra una localidad sitiada impone, en general,
medidas que limitan o suspenden los derechos y las libertades fundamentales. De ahí la expresión “estado de
sitio” que, por extensión indica la proclamación de una situación de gravedad particular, en el interior de un
Estado, causada por el estado de guerra o por otras circunstancias excepcionales, así como las medidas
consiguientes adoptadas para garantizar o restablecer el orden público. Estas medidas pueden hasta la
delegación de los poderes civiles a la autoridad militar.
Estado de Sítio: A situação de perigo em que se encontra uma localidade sitiada, impõe, em geral,
medidas que limitam ou suspendem os direitos e liberdades fundamentais. Daí a expressão “estado de sítio”
que, por extensão indica a proclamação de uma situação de gravidade particular, no interior de um Estado,
causada pelo estado de guerra ou por outras circunstâncias excepcionais, assim como as medidas conseguintes
45
adotadas para garantir ou restabelecer a ordem pública. Essas medidas podem até delegar poderes civis à
autoridade militar.
Tanto Caputo (1996-1997), como Rover (2005) compartilham do entendimento que nenhum dos
instrumentos do direito internacional oferece uma definição adequada do que se entende pelos termos:
distúrbios interiores e tensões internas. Indicam-nos que, para tentar dar uma definição, devemos confrontá-
los com uma categoria mais ampla, que é o conflito armado não internacional (guerra civil). Remetem-nos ao
artigo 1º, parágrafo 2º, do Segundo Protocolo Adicional às Convenções de, Genebra de 1949, que estabelece:
Artigo 1.2 O presente Protocolo não se aplica às situações de
tensão e perturbação internas, tais como motins, atos de
violência isolados e esporádicos e outros atos análogos, que não
são considerados conflitos armados. (grifo nosso)
Importante!
O diploma legal não oferece uma definição, ou melhor, indica-nos uma definição “negativa”, isto é,
por exclusão. Assim sendo, “situações de tensão e perturbação internas” não podem ser caracterizadas
como conflitos armados (guerra). Portanto, o Protocolo II não se aplica a elas.
Caputo (1996-1997) afirma que o direito internacional distingue três categorias de conflito armado não
internacional:
• A guerra civil no sentido clássico do direito internacional;
• Conflito armado não internacional no sentido dado pelo art. 3° comum às quatro Convenções de
Genebra de 1949; e,
• Conflito armado não internacional no sentido do P.A. II de 1977.
A classificação de um conflito, segundo essa categoria juridicamente reconhecida, é difícil à luz da
complexidade dos vários conflitos existentes e da frequente divergência doutrinária. É certo dizer que a aplicação
de uma norma jurídica em detrimento de outra a um caso concreto ou evento específico depende de sua
qualificação, isto é, devemos sempre perguntar a que tipo de conflito nos referimos.
Rover (2005) menciona que nem sempre fica claro quando incidentes separados (tais como reuniões,
passeatas, manifestações, desordens e atos isolados de violência) tornam-se relacionados e, vistos
conjuntamente, adquirem um padrão consistente descrito como distúrbios e tensões.
Todos os esforços devem ser focalizados na eficaz aplicação da lei, na prevenção e detecção do
crime e no restabelecimento da segurança pública. Quando tais esforços falham, um senso de ilegalidade
aliado à impunidade pode crescer dentro de uma sociedade, exacerbando ainda mais os níveis de tensão
existentes.
Importante!
46
Distúrbios e tensões podem eventualmente levar a situações que ameacem a existência da nação, e,
dessa forma, deixar o governo tentado a declarar o estado de emergência.
3.3.1 A conceituação do CICV sobre o tema
Rover (2005) verificou que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tentou definir distúrbios e
tensões. Entende que, embora a fórmula do CICV não seja plenamente reconhecida como tal, proporciona uma
descrição completa, que serve aos propósitos de aprofundamento dos estudos: em um documento do CICV
oferece a seguinte descrição de distúrbios interiores:
Envolvem situações em que inexiste um conflito armado não
internacional como tal, mas consistem numa confrontação
dentro do p Envolvem situações em que inexiste um conflito
armado não internacional como tal, mas consistem numa
confrontação dentro do país, que é caracterizada por certa
gravidade ou duração e que envolve atos de violência. Estes
últimos podem assumir várias formas, desde a geração
espontânea de atos de revolta à luta entre grupos mais ou menos
organizados e as autoridades no poder. Nessas situações, que
não necessariamente degeneram em confronto aberto, as
autoridades no poder utilizam-se de forças policiais em grande
número, ou mesmo das Forças Armadas, para restaurar a ordem
interna. O alto número de vítimas tornou necessária a aplicação
de um mínimo de regras humanitárias.
Com relação a tensões internas, indica que o termo geralmente refere-se a:
a) Situações de grave tensão (política, religiosa, racial, social, econômica, etc.), ou
b) Sequelas de um conflito armado ou distúrbios interiores.
3.4 Direito / Legislação aplicável
Deyra (2001), assim como Rover (2005) e Caputo (1996-1997) verificam que o artigo 1.2 do II PA
(Protocolo Adicional II) exclui de sua proteção as situações de tensões e distúrbios interiores, tais como os
motins, os atos isolados e esporádicos de violência e outros atos análogos não considerados como conflitos
armados.
Entende que se trata, por isso, de uma situação extra convencional, na qual a proteção conferida às
vítimas não pode ter por base o Direito Internacional Humanitário (DIH). Conclui que os critérios para a
47
qualificação dos conflitos armados não internacionais enunciados no art. 1.1 do II Protocolo Adicional são
suficientes para excluir as tensões e distúrbios interiores do campo de aplicação do DIH.
Nas situações de distúrbios interiores, as regras do DIH somente podem ser invocadas por analogia.
Por outro lado, os Estados devem respeitar certos princípios humanitários universalmente reconhecidos e os
instrumentos de direitos humanos dos quais são parte. Devem respeitar, em particular, aqueles direitos que não
admitem derrogação, mesmo quando a vida da nação estiver ameaçada por um perigo público de caráter
excepcional. Isso nos remete aos princípios basilares de toda operação de segurança interna:
Primazia do poder civil se deve ao fato das Forças Armadas normalmente serem empregadas
para manter e restaurar a ordem em nome das autoridades civis, baseando-se nas normas de direito contidas
no direito penal e civil do Estado em questão.
Uso mínimo da força entende-se a mínima necessária para levar a cabo uma missão lícita que
pode ir desde a defesa própria até o emprego de técnicas tradicionais de guerra.
Legitimidade diz respeito às operações que devem ter como objetivo a proteção do estado de
direito. Deve-se velar para que as forças militares sejam parte da solução e que não se convertam em parte do
problema. A legitimidade existe quando se considera que a missão militar e seu desempenho são justos. Quanto
mais alta a legitimidade, maiores são as probabilidades de êxito. É fundamental que as forças armadas atuem
respeitando o direito interno e o direito internacional.
Saiba mais...
São instrumentos internacionais básicos de direitos humanos que devem ser do conhecimento dos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei quando atuarem na manutenção da ordem pública:
- Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) (disponível em
http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm)
- Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) (Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm)
- Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) (Disponível em
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm)
- Convenção contra a Tortura e outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes
(Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0040.htm)
- Código de Conduta para os funcionários encarregados de cumpri a lei (Disponível em
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dhaj-pcjp-18.html)
- Princípios básicos sobre o emprego da força e armas de fogo pelos funcionários
encarregados de cumprir a lei (Disponível em
http://www.dhnet.org.br/direitos/codetica/codetica_diversos/funclei.html)
- Princípios relativos a uma eficaz prevenção e investigação das execuções extralegais,
arbitrárias ou sumárias (Disponível em https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-
reform/projects/UN_Standards_and_Norms_CPCJ_-_Portuguese1.pdf)
48
- Conjunto de Princípios para a Proteção de todas as pessoas submetidas a qualquer forma
de detenção ou prisão (Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/lex51.htm)
3.4.1 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
Um dos instrumentos mais importantes do Direito Internacional dos Direitos Humanos é o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 1966. Este prevê, em seu art. 4º, as situações de
emergências públicas que uma nação pode-se confrontar:
O art. 4º do PIDCP indica de maneira imperiosa a proibição da derrogação de certos direitos
fundamentais à pessoa humana quando submetida a essas circunstâncias.
As Nações Unidas se preocuparam em comentar e interpretar o art. 4º do Pacto. Comentam que se
permite a um Estado-parte revogar de maneira unilateral e temporária algumas obrigações previstas no Pacto,
mas, por outro lado, o art. 4º sujeita tanto as medidas de derrogação como suas consequências materiais a um
regime específico de salvaguardas.
As medidas derrogatórias do conteúdo do Pacto devem ser excepcionais e temporárias. Antes mesmo
de o Estado invocar o art. 4º, duas condições fundamentais devem ser preenchidas:
a) a situação deve ser uma emergência pública que ameace a vida da nação e,
b) o Estado-parte deve proclamar oficialmente o estado de emergência. Este último requisito é essencial
para a manutenção dos princípios de legalidade e império da lei nas situações em que são mais necessárias.
O Art. 4º (2) dispõe que não autoriza derrogação dos seguintes artigos, que contemplam os
seguintes direitos inalienáveis:
• Art. 6º, direito à vida;
• Art. 7º, proibição da tortura, penas ou tratamentos cruéis ou degradantes;
• Art. 8º, proibição da escravidão e servidão;
• Art. 11, proibição de prisão por falta de cumprimento de obrigação contratual;
• Art. 15, princípio da anterioridade da lei penal;
• Art. 16, reconhecimento da personalidade jurídica da pessoa; e
• Art. 18, direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.
Já no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, no mesmo sentido, encontra-se a Convenção
Americana de Direitos Humanos (CADH), Pacto de San José de 22 de novembro de 1969.
3.5 O uso da força e armas de fogo em manifestações
49
Apesar de ser objeto de estudo específico na aula sobre uso da força e armas de fogo, o tema merece
aqui uma consideração mais especial. A questão do emprego da força e armas de fogo é muitas vezes uma
questão de doutrina da instituição ou corporação policial, colocando-se sempre em evidência a questão do
serviço e do interesse público. Entretanto, atualmente, enfatiza-se que os policiais e outros funcionários
responsáveis pela aplicação da lei devem ter conhecimento teórico e prático sobre o uso diferenciado da força.
O uso diferenciado da força é a possibilidade da seleção adequada de opções de força em resposta ao
nível de acatamento/submissão do indivíduo a ser controlado.
O policial deve perceber o grau de risco oferecido quando se depara com pessoas que deve abordar.
Sua percepção desse risco é que vai permitir ao policial escolher pelo aumento ou diminuição do grau de força
a ser empregado em cada situação específica. Isso requer muito treinamento e experiência profissional.
O exercício do poder para usar da força e armas de fogo não é uma questão individual, mas sim uma
questão funcional. Qualquer uso que não esteja dentro da legalidade estará sujeito a uma crítica por excesso,
desvio, abuso de autoridade ou de poder.
Recorde que as disposições que se referem ao uso da força e de armas de fogo se baseiam sempre em
três princípios:
• LEGALIDADE: A ação a ser praticada é legal? Tem previsão na lei?
• NECESSIDADE: A ação a ser praticada é necessária para preservar ou restabelecer a ordem
pública e proteger a vida humana (própria ou de terceiros)? Existe outra opção?
• PROPORCIONALIDADE: Os meios a serem empregados são moderados e estão em proporção à
gravidade do delito cometido e ao objetivo legítimo a ser alcançado?
Outro instrumento internacional que faz referência ao uso da força e armas de fogo são os Princípios
Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei
(PBUFAF).
Os dispositivos dos Princípios Básicos do Uso da Força e de Armas de Fogo devem ser lidos e
interpretados integralmente. De particular importância para o policiamento de reuniões e manifestações estão
os Princípios Básicos 12 , 13 e 14: Policiamento de reuniões ilegais.
12. Como todos têm o direito de participar de reuniões legítimas
e pacíficas, de acordo com os princípios expressos na Declaração
Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos, os governos, entidades e os
responsáveis pela aplicação da lei deverão reconhecer que a
força e as armas de fogo só podem ser usadas nos termos dos
Princípios 13 e 14.
13. Ao dispersar grupos ilegais, mas não-violentos, os
responsáveis pela aplicação da lei deverão evitar o uso da força,
50
ou quando tal não for possível, deverão restringir tal força ao
mínimo necessário.
14. Ao dispersar grupos violentos, os responsáveis pela aplicação
da lei só poderão fazer uso de armas de fogo quando não for
possível usar outros meios menos perigosos e apenas nos termos
minimamente necessários. Os responsáveis pela aplicação da lei
não deverão fazer uso de armas de fogo em tais casos, a não ser
nas condições previstas no Princípio 9.
Ao estudar o PB 14, a conclusão inicial poderia ser de que esse apresenta uma circunstância adicional
para o uso legal de armas de fogo. Isso porém não é verdade, pois apenas reitera que somente as condições
mencionadas no PB 9 (quais sejam: uma ameaça iminente de morte ou lesão grave) é que justificam o uso de
armas de fogo.
Os riscos acrescentados por uma reunião violenta - grandes multidões, confusão e desorganização -
fazem com que seja questionável a conveniência ou praticabilidade do uso de armas de fogo nessas situações,
tendo em vista as consequências em potencial para as pessoas que estejam presentes, porém não envolvidas.
O Princípio Básico 14 não permite o disparo indiscriminado contra uma multidão violenta como uma
tática aceitável para dispersar aquela multidão.
Finalizando...
Neste módulo do curso, você:
• Estudou sobre a responsabilidade das organizações policiais relacionadas, principalmente, à
prevenção e à manutenção da ordem pública. Estudou também sobre o poder de polícia do qual decorre o
poder da polícia e a própria razão da existência dela.
• Verificou os atributos do poder de polícia e as quatro modalidades de ação do Estado na atuação
desse poder: a ordem da polícia, consentimento da polícia, a fiscalização da polícia e a sanção da polícia.
• Acompanhou a discussão sobre a definição de distúrbios e tensões internas e os princípios que
regem o uso da força e das armas de fogo na ação policial.
Exercícios
1. Os dispositivos do art. 14 do PIDCP aparecem também em outros instrumentos e normas
internacionais já estudados anteriormente. Pesquise nos outros instrumentos internacionais que você já
conhece e preencha o quadro a seguir identificando os artigos e seus conteúdos correlatos:
51
Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos
Convenção Americana
sobre Direitos Humanos
Ser informada sem demora, em uma
língua que compreenda e de forma
minuciosa, da natureza e dos motivos da
acusação contra ela formulada.
Dispor do tempo e meios necessários à
preparação de sua defesa, e a
comunicar-se com o defensor de sua
escolha.
Ser julgada sem demora indevida.
Ter o direito à defesa.
Intimar e interrogar testemunhas.
Ter a assistência gratuita de um
intérprete.
Não ser obrigada a testemunhar contra
si mesma nem a confessar-se culpada.
2. Procure e identifique no artigo 5º da Constituição brasileira (disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm) os dispositivos que dizem respeito ao
direito a um julgamento justo.
3. Dentre os princípios do DIDH que delimitam as práticas de aplicação da lei, destacam-se:
a. Direito a um julgamento – Presunção da confissão – respeito pela publicidade de todas as
informações.
b. Direito a um julgamento justo – Presunção da inocência – respeito pela dignidade, honra e
privacidade.
c. Direito a não necessidade de contraditório e ampla defesa - presunção da culpa - respeito pela
dignidade, honra e privacidade.
d. Ser sempre julgado por juízes de sua livre escolha - Presunção da inocência – respeito pela regra do
“quem cala consente”.
52
Gabarito
1. Resposta Correta: Resposta pessoal
2. Resposta Correta: Resposta pessoal
3. Resposta Correta: Letra B
53
Apresentação do módulo
Olá! Desejamos as boas vindas ao quarto módulo deste curso.
Você estudou, no módulo anterior, que nos estados Democráticos de Direito a aplicação da lei ocorre
pela delegação de poderes aos funcionários dos órgãos encarregados pela aplicação da lei. Esses poderes são
essenciais para que esses profissionais e, dentre eles, você, agente de Segurança pública, possam desempenhar
suas funções.
Neste módulo, você estudará os poderes de captura, detenção e o poder de uso da força e armas de
fogo.
Objetivo do módulo
Ao final deste módulo, você será capaz de:
Listar os poderes básicos para aplicação da lei;
Definir e compreender o sentido das expressões Captura e Detenção;
Enumerar e compreender os princípios pelos quais os poderes básicos de usar a força e armas de
fogo precisam ser aplicados pelos funcionários encarregados de aplicar a lei quando no exercício de sua
atividade;
Estrutura do Módulo
O conteúdo deste módulo está dividido nas seguintes aulas:
Aula 1 – Poderes básicos na aplicação da lei: definições
Aula 2 – Captura
Aula 3 – Detenção
Aula 4 – Uso da força e armas de fogo.
MÓDULO
4 PODERES BÁSICOS NA APLICAÇÃO DA LEI
54
Aula 1 – Poderes básicos na aplicação da lei: definições
Nos Estados Democráticos de Direito todos têm direito à vida, liberdade e segurança (PIDCP, Art.
9.1), porém frente à violação da lei, a privação de liberdade pessoal é um dos meios legítimos para o Estado
exercer sua atividade soberana.
Privação da liberdade é a definição mais ampla da restrição da liberdade de ir e vir. A privação se
estende a situações em que esta é causada tanto por pessoas comuns quanto estas por agentes públicos
exercendo os poderes da aplicação da lei: captura, detenção e o uso da arma de fogo.
As definições a seguir foram extraídas do Conjunto de princípios para a proteção de todas as
pessoas sob qualquer forma de detenção ou prisão, e auxiliarão você na compreensão dos poderes básicos
na aplicação da lei, que você estudará nas demais aulas desse módulo.
Captura designa o ato de deter uma pessoa sob suspeita da prática de um delito, ou pela ação
de uma autoridade;
Pessoa detida designa qualquer pessoa privada de sua liberdade, exceto no caso de condenação
por um delito;
Pessoa presa significa qualquer pessoa privada de sua liberdade como resultado da condenação
por um delito;
Detenção significa a condição das pessoas detidas nos termos referidos nos itens “captura” e
“pessoa detida”;
Prisão significa a condição das pessoas presas nos termos referidos nos itens “captura” e “pessoa
presa”;
Autoridade judicial ou outra autoridade significa uma autoridade judicial ou outra autoridade
perante a lei cujo status e mandato assegurem as mais sólidas garantias de competência, imparcialidade e
independência.
Aula 2 – Captura
2.1 Definição e esclarecimento inicial
Utiliza-se o termo “captura” como tradução da palavra “arrest” em inglês, de forma a padronizar este
curso aos instrumentos internacionais aqui referidos, e também para marcar a distinção entre a captura da
pessoa sob suspeita e a prisão da pessoa sentenciada.
O artigo 9.1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) prescreve:
]
Ninguém será privado de liberdade exceto com base em e de
acordo com os procedimentos estabelecidos por lei (PIDCP, art.
9.1).
55
Para que alguém seja capturado ou detido é necessário que os motivos estejam claramente
estabelecidos na legislação nacional, ou não sejam contrários a esta.
A norma internacional chamada de Conjunto de princípios para a proteção de todas as pessoas sob
qualquer forma de detenção ou prisão, nos apresenta condições e requisitos mínimos a serem observados
pelos Estados quando de captura, detenção ou prisão de pessoas. Entretanto, é possível encontrar diferentes
conceitos, às vezes mais abrangentes em legislações nacionais dos Estados. Para efeitos deste curso
verificaremos o que nos apresenta a normativa internacional.
O Conjunto de Princípios declara que a captura, detenção ou prisão somente deverão ser efetuados
em estrita conformidade com os dispositivos legais e por encarregados competentes (Atribuição legal,
conhecimento e habilidade), ou pessoas autorizadas para aquele propósito (Princípio 2).
2.2 Direitos no ato da Captura
Sempre que uma pessoa for capturada, a razão deve ser pela suspeita da prática de um delito ou por
ação de uma autoridade (Conjunto de Princípios, Princípio 36.2).
Toda pessoa capturada deverá ser informada, no momento de sua captura, das razões da captura,
devendo ser prontamente informada de qualquer acusação contra ela (PIDCP, artigo 9.2; Conjunto de
Princípios, Princípio 10).
A pessoa capturada deverá ser levada a um local de custódia, devendo ser conduzida
prontamente perante um juiz ou outra autoridade habilitada por lei a exercer poder judicial, que decidirá
sobre a legalidade e a necessidade da captura (PIDCP, artigo 9.3; Conjunto de Princípios, Princípios 11 e 37).
Não há uma definição clara do que se entende por prontamente. Em muitos Estados o período máximo
permitido antes que uma pessoa capturada seja trazida perante um juiz ou autoridade similar é limitado a 48
horas; em outros Estados este período é limitado a 24 horas. Este período de 48 ou 24 horas é mais comumente
chamado de custódia policial. O período que o segue é chamado de prisão preventiva.
As autoridades responsáveis pela captura devem, no momento da captura, ou pouco depois,
prestar-lhe informação e explicação sobre os direitos e sobre o modo de os exercer (Conjunto de Princípios,
Princípio 13).
Importante!
Para proteger a situação especial das mulheres e das crianças e adolescentes existem disposições
adicionais a respeito de sua captura, detenção e prisão. Procure se informar na legislação específica
sobre essas questões.
56
Aula 3 - Detenção
3.1 Esclarecimento inicial
Nos vários instrumentos de direitos humanos relativos à detenção, é feita uma distinção entre aquelas
pessoas que aguardam julgamento e aquelas que foram condenadas por um delito. O primeiro grupo é
chamado de detidos, e o segundo grupo é chamado de presos. No entanto, esta distinção não é aplicada
uniformemente em todos os instrumentos. As Regras Mínimas para o Tratamento de Presos (RMTP), embora
aplicável a ambas as categorias acima, somente usa o termo presos, e subsequentemente os divide em presos
não condenados e condenados.
Independente da terminologia usada, a distinção entre pessoas condenadas e não condenadas é
importante, pois os direitos que os indivíduos de cada um dos grupos têm, não são exatamente os mesmos,
tampouco as normas para o tratamento de cada categoria.
É também importante observar-se que, como regra geral, os encarregados da aplicação da lei que
exercem atividade policial somente serão responsáveis por (e exercer autoridade sobre) pessoas que ainda
não foram condenadas por um delito, e que, além disto, ficam um tempo relativamente curto em locais de
detenção policial.
3.2 Instituições Penais
Conforme exposto, a maioria dos Estados desenvolveu um sistema no qual os encarregados da
aplicação da lei (policiais) não têm responsabilidade pelos presos condenados, ou não exercem autoridade
sobre eles. Esta responsabilidade e autoridade são deixadas aos encarregados da aplicação da lei que são
chamados de agentes penitenciários, guardas penitenciários ou gendarmerias, que tenham recebido
instrução e treinamento especiais para o desempenho de suas funções.
O treinamento dos policiais, geralmente não os qualifica como pessoal competente para exercer
funções em instituições penais ou correcionais. Caso recebam estas funções, ao menos treinamento e instruções
adicionais serão necessários.
Como já visto, o instrumento básico que estabelece a boa prática no tratamento de presos e na gestão
de instituições penais é a Regra Mínima para Tratamento de Presos (RMTP). Este é dividido em duas partes:
1a Parte: Normas de Aplicação Geral
2a Parte: Normas Aplicáveis a Categorias Especiais
57
1a Parte: Normas de aplicação geral
A 1a Parte é aplicável a todas as categorias de presos - homens ou mulheres, menores ou adultos,
criminais ou civis, julgados ou sem julgamento. Ela contém dispositivos a respeito de uma série de matérias,
incluindo:
separação de categorias (Regra 8);
acomodação (Regras 9 a 14);
higiene pessoal (Regras 15 e 16);
vestimenta e roupas de cama (Regras 17 a 19);
comida (Regra 20);
exercício e esporte (Regra 21);
serviços médicos (Regras 22 a 26);
disciplina e punição (Regras 27 a 32);
instrumentos restritivos (Regras 33 e 34);
informações ao presos e queixas destes (Regras 35 e 36);
contato com o mundo externo (Regras 37 a 39);
livros (Regra 40);
religião (Regras 41 e 42);
retenção da propriedade dos presos (Regra 43);
notificação de morte, doença, transferência, etc. (Regra 44);
remoção de presos (Regra 45);
pessoal institucional (Regras 46 a 54);
inspeção (Regra 55).
A 2a Parte das RMTP identifica cinco categorias diferentes de presos:
• A. presos condenados;
• B. presos que sofrem de insanidade e doenças mentais;
• C. presos detidos ou aguardando julgamento;
• D. presos condenados a prisão civil;
• E. pessoas detidas ou presas sem acusação.
Aula 4 - Uso da força e armas de fogo
Este “poder” é de fundamental importância para o desempenho das atividades daqueles encarregados
de aplicar a lei, por essa razão a SENASP desenvolveu um Curso de EAD específico para os interessados em se
aprofundar no tema. Portanto, neste momento faremos a necessária abordagem para que você compreenda a
responsabilidade e extensão do Uso da Força e Arma de Fogo na atividade de Segurança Pública.
58
4.1 Uso da Força
Como você já estudou, o Artigo 3º do CCEAL fornece normas sobre o uso da força, nos seguintes
termos:
Os Funcionários Encarregados pela Aplicação da Lei podem fazer uso da força quando
estritamente necessário e até a extensão requerida para o cumprimento de seu dever.
O “Parágrafo a.” dos Comentários estabelece que o uso da força policial deveria ser excepcional, e que,
enquanto a polícia faz uso de uma tal força dentro do razoavelmente necessário para a prevenção do crime ou
para a realização ou para a assistência à detenção legítima de delinquentes ou de cidadãos suspeitos, nenhuma
outra força além dessa pode ser usada.
O “Parágrafo b”. destaca que a lei nacional normalmente restringe o uso da força policial de acordo
com o princípio da proporcionalidade, e afirma que deve ser entendido que tais princípios nacionais de
proporcionalidade devem ser respeitados na interpretação daquele artigo.
O “parágrafo c”. dá ênfase ao uso de armas de fogo, que você estudará a seguir.
4.1.1 Uso da Arma de fogo
O “parágrafo c. indica que uso de armas de fogo é considerado uma medida extrema. Ele estabelece
que, em geral, as armas de fogo não deveriam ser usadas, a não ser quando uma pessoa suspeita oferece uma
resistência armada ou, ainda, coloca em risco a vida de outras pessoas, e que medidas menos extremas não são
suficientes para detê-lo ou apreendê-lo. O mesmo parágrafo obriga à rápida apresentação de um relatório às
autoridades competentes cada vez que uma arma de fogo é utilizada pelo profissional de segurança pública.
O terceiro parágrafo dos “Comentários” exclui a utilização das armas de fogo por qualquer outra razão
que não seja a legítima defesa. O significado da exigência, como expressa naquele parágrafo, pela qual um
relatório deve ser apresentado quando uma arma de fogo é disparada por um profissional de segurança
pública, é parte do processo para assegurar uma responsabilidade efetiva da Instituição de segurança pública
para com os atos de seus funcionários. Não se trata de uma mera formalidade. É, de fato, um elemento
importante na investigação obrigatória que segue uma morte ou lesão causada por um profissional de
segurança pública, e serve como uma ferramenta de dissuasão contra o uso ilegítimo ou arbitrário de armas de
fogo pelo profissional de segurança pública.
Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei
Como você estudou no módulo 3, o uso da força e emprego de armas de fogo pelos FEAL tem
implicações de grande alcance e profundidade e, por esta razão, foi elaborado um instrumento internacional
específico que estabelece princípios para seu emprego. Este documento, denominado Princípios Básicos sobre
a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei foi
59
adotado pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento de Infratores
em 07 de setembro de 1990.
Portaria interministerial no. 4.226, de 31 de dezembro de 2010
O tema sobre o uso diferenciado da força no Brasil conta desde o final do ano de 2010 com a Portaria
Interministerial (Ministério da Justiça e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República), que
estabelece diretrizes sobre o uso da força pelos agentes de segurança pública.
A referida Portaria teve como referência alguns instrumentos internacionais importantes do sistema de
direitos humanos das Nações Unidas para a atividade que já foram vistos anteriormente neste texto:
• Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei;
• Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei;
• Princípios orientadores para a Aplicação Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei;
• Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
As NAÇÕES UNIDAS (1997, p. 87) expressam sua preocupação com o uso da força de maneira legal
e ao mesmo tempo eficaz. Reconhece que o trabalho policial na sociedade é difícil e delicado e também
entende que o uso da força em circunstâncias claramente definidas e controladas é inteiramente lícito. Ressalta,
entretanto, que o uso excessivo da força afeta diretamente o princípio em que se baseiam os direitos humanos,
ou seja, o respeito à dignidade inerente à pessoa humana. Por essa razão considera necessária a adoção de
uma série de medidas para impedir que esses abusos ocorram, e caso isso aconteça que se disponha de
mecanismos de correção e sanção apropriados.
Deve-se levar em consideração o caráter normativo de uma Portaria. Portanto, suas diretrizes são de
observância obrigatória apenas pelos:
• Departamento de Polícia Federal;
• Departamento de Polícia Rodoviária Federal;
• Departamento Penitenciário Nacional; e
• Força Nacional de Segurança Pública.
Para as forças de segurança (PC, PM, Guardas Municipais, etc.) dos entes federados (Estados, Distrito
Federal e Municípios), ela não tem caráter obrigatório, mas esses serão estimulados a tomar iniciativas que visem
à implementação de ações para efetivação das diretrizes tratadas pela portaria.
Entretanto, mesmo não tendo caráter obrigatório para as forças estaduais e municipais, passa a ser uma
excelente ferramenta para a orientação e padronização dos procedimentos da atuação dos agentes de
segurança pública aos princípios internacionais sobre o uso da força. Dá-se com isso um grande passo na
melhoria da formulação e ajustes da doutrina, da educação, de técnicas operacionais, além de instrumentalizar
os órgãos de controle e correição com parâmetros mundialmente aceitáveis de profissionalismo.
60
Normalmente as corporações policiais nacionais têm normas ou diretrizes internas que orientam seus
integrantes quanto ao emprego da força e de armas de fogo. A prática pode variar de uma corporação para
outra, mas os princípios são quase sempre os mesmos. Portanto, o uso da força e de armas de fogo deve ser
limitado por leis e regulamentos, colocando sempre em evidência as questões do serviço e do interesse público.
Finalizando....
Neste módulo, você estudou:
• Os poderes de captura, detenção e o poder de uso da força e armas de fogo.
• O Conjunto de Princípios, a qual declara que captura, detenção ou prisão somente deverão ser
efetuados em estrita conformidade com os dispositivos legais e por encarregados competentes (capacidade
legal) ou pessoas autorizadas para aquele propósito (Princípio 2).
• O Artigo 3º do CCEAL que fornece orientações sobre o uso da força, nos seguintes termos: “Os
Funcionários Encarregados pela Aplicação da Lei podem fazer uso da força quando estritamente necessário e
até a extensão requerida para o cumprimento de seu dever”.
• Um documento internacional importante e específico: os Princípios Básicos sobre o Uso da Força
e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei.
• Que no Brasil, a partir de 2010 existe a Portaria interministerial no. 4.226, de 31 de dezembro de
2010, elaborada em conjunto pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República, que estabelece diretrizes sobre o uso da força pelos agentes de segurança pública.
Exercícios
1. Relacione adequadamente os itens da primeira coluna com os da segunda:
a. CAPTURA
b. PRISÃO
c. DETENÇÃO
( ) condição da pessoa privada de sua liberdade como resultado da condenação por um delito.
( ) condição da pessoa privada de sua liberdade, exceto no caso de condenação por um delito.
( ) ato de deter uma pessoa sob suspeita da prática de um delito, ou pela ação de uma autoridade.
2. Em relação ao uso de arma de fogo aponte a alternativa verdadeira:
a) Pode ser empregada para conter qualquer tipo de fuga.
b) É considerada medida extrema.
61
c) Não é considerada violação criminal quando utilizada indevidamente por agente de segurança
pública.
d) Não exige grande treinamento.
63
Apresentação do Módulo
Como você estudou no módulo anterior, nos Estados Democráticos de Direito a Aplicação da Lei ocorre
pela delegação de poderes aos funcionários dos Órgãos Encarregados de Aplicar a Lei.
Esses poderes (captura; detenção; uso de força e uso de armas de fogo) são essenciais para que os
Funcionários Encarregados de aplicar a Lei, e entre eles você, Agente de Segurança Pública, possam
desempenhar suas funções.
Esses poderes trazem também grandes riscos, pois embora sejam fundamentais para a salvaguarda dos
direitos humanos, podem, se mal empregados, levar os funcionários encarregados de aplicação da lei a serem
potenciais violadores de Direitos Humanos, que devem por obrigação legal respeitar e proteger.
Infelizmente, é comum o uso abusivo desses poderes em todo mundo. É possível citar como prática
ilegal ou inaceitável de aplicação da lei: as capturas ou detenções arbitrárias ou ilícitas, a manipulação de
evidências e provas, o emprego excessivo da força, os maus tratos e a tortura das pessoas detidas;
É fundamental que os funcionários encarregados pela aplicação da lei, seja qual for o seu nível
hierárquico na organização, assumam a responsabilidade pelos seus atos e compreendam que são pessoalmente
responsáveis por eles.
Neste módulo, você estudará a responsabilidade dos funcionários com atribuições de Comando e
Gestão.
Objetivos do módulo
Ao final deste módulo, você será capaz de:
Compreender a importância de um efetivo controle das atividades operacionais dos agentes de
segurança pública.
Compreender a necessidade de adotar medidas internas de sanção quando constatar abuso de poder
por parte de um agente de segurança pública;
Conhecer os mecanismos de investigação de violações de Direitos Humanos;
MÓDULO
5 COMANDO, GESTÃO E INVESTIGAÇÃO DE
VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS
64
Estrutura do módulo
O conteúdo deste módulo está dividido nas seguintes aulas:
Aula 1 – Procedimentos de supervisão e revisão
Aula 2 – Mecanismos de investigação de violações de direitos humanos
Aula 1 – Procedimentos de supervisão e revisão
1.1 A doutrina institucional e a tomada de decisão
A função de aplicação da lei compreende uma larga gama de serviços.
No desempenho de seu serviço público os funcionários encarregados pela aplicação da lei têm um alto
grau de responsabilidade individual, pois devem tomar decisões difíceis, inclusive sobre questões que podem
envolver a vida ou morte, na maioria das vezes por sua própria conta, e em frações de segundo.
Em situações reais suas decisões imediatas não são orientadas por um superior hierárquico que lhes dá
a ordem, senão orientadas pelo seu aprendizado das normas e pela doutrina institucional, além de seu próprio
juízo e pelos princípios de legalidade, necessidade e proporcionalidade.
VIANNA (2000) afirma que :
Princípios, como a aplicação de meios pacíficos antes do uso da
força e emprego de níveis mínimos de força em qualquer
circunstância, são fundamentais para o policiamento.
Considerando esses princípios e a concentração da força,
explícita ou implícita, para o policiamento; considerando a
natureza do policiamento com suas incertezas e seus perigos; e
considerando a importância do policiamento na sociedade, é
claro que o poder do uso da força só poderia ser atribuído
àquelas pessoas qualificadas para exercê-la convenientemente.
Isto implica uma seleção extremamente rigorosa e processos de
treinamento, um comando efetivo, um controle e uma supervisão
dos policiais pelos seus superiores, e uma estrita
responsabilidade da polícia frente à lei quando há abuso de
poder.
1.2 Contração/seleção – Educação/formação
65
Os órgãos encarregados pela aplicação da lei, e aqueles funcionários em função de chefia, comando
ou direção, devem dar ênfase especial aos aspectos:
Contratação e seleção: É necessário que se estabeleçam os perfis físicos, educacionais, psicológicos e
profissiográficos mínimos para seleção e contratação dos funcionários encarregados pela aplicação da lei, em
conformidade com as funções que devem desempenhar.
Educação e a formação: É necessário garantir a qualidade e velar para que estejam em consonância
com as normas internacionais de direitos humanos. Além do que, deve-se continuamente examinar os
procedimentos de aplicação da lei, lembrando que o artigo 2º do Código de Conduta dos Funcionários
Encarregados pela Aplicação da Lei estabelece que:
- Os FEAL tem o dever de respeitar e proteger a dignidade humana e manter e defender os Direitos
Humanos de todas as pessoas;
- Também é de fundamental importância que cada funcionário encarregado pela aplicação da lei
passe por exames e avaliações periódicas, para que se verifiquem suas condições físicas, intelectuais e psíquicas
adequadas para o desempenho de suas funções.
1.3 Prestação de contas
Os cidadãos têm direito a pedir às organizações encarregadas pela aplicação da lei que prestem contas
de seus trabalhos e do desempenho de suas funções. Portanto, essas organizações devem registrar, analisar e
avaliar seus próprios desempenhos e dar conhecimento das conclusões aos cidadãos encarregados pela
aplicação da lei e seus membros, estude a respeito de cada um.
• Nível 1 - Prestação de contas no plano Internacional aplicável aos governos dos países:
Tratam-se de situações que dentro de um território de um Estado revelem um quadro persistente de violações
graves constantes de direitos humanos.
Ainda que essas violações sejam cometidas por agentes individuais de ordem pública, a comunidade
internacional considera responsável o Estado. Portanto a ação de um funcionário encarregado pela aplicação da
lei pode ter repercussões Internacionais.
Nível 2 - Prestação de contas a um órgão externo pelas práticas das organizações
encarregadas pela aplicação da lei: Em uma sociedade, as organizações encarregadas pela aplicação da lei,
fazem parte de um sistema maior que compreende a comunidade, as autoridades locais e o poder judicial.
De uma maneira ou de outra, as organizações encarregadas pela aplicação da lei devem render contas
a estes outros interlocutores. A prestação de contas pode ser direta ou indireta.
As Instituições que enviam recurso de apoio às organizações encarregadas pela aplicação da lei têm
direito a opinar sobre a forma que se utilizam os recursos, ademais, as autoridades locais têm direito a participar
nas políticas de aplicação da lei.
66
Outra pressão evidente são as queixas derivadas da comunidade. Na prática as queixas oficiais sobre a
atuação de funcionários encarregados pela aplicação da lei, podem influenciar de maneira determinante nas
estratégias e planos de aplicação da lei.
No processo de prestação de contas, deve-se ter em conta todos os interessados que formam o entorno
da aplicação da lei.
ROVER (2005) afirma que os governos e as organizações encarregadas da aplicação da lei deverão
estabelecer procedimentos eficazes de comunicação e revisão aplicáveis a todos os incidentes em que:
- morte ou ferimento forem causados pelo uso da força e armas de fogo pelos encarregados
da aplicação da lei;
- os encarregados da aplicação da lei fizerem uso de armas de fogo no desempenho de suas
funções.
Nível 3 - Prestação de contas no plano interno das organizações encarregadas pela
aplicação da lei: Diz respeito à responsabilidade individual de cada integrante dessas organizações relativo às
ações licitas ou ilícitas, que tenham relação com o desempenho de suas funções. Inclusive quando cumprem
ordens de seus superiores, os funcionários são responsáveis pelos seus atos.
Caso um funcionário encarregado pela aplicação da lei constate que uma ordem é manifestamente
ilegal e tem a possibilidade razoável, por mínima que seja, de negar-se a acatá-la, e não está obrigado a cumpri-
la.
Em qualquer caso, os superiores que dão a determinação ou ordem manifestamente ilegal são
plenamente responsáveis se sabem ou deveriam saber que os agentes sob seu comando recorrem a práticas
ilícitas ou arbitrárias.
Em tais casos, os superiores têm a obrigação de tomar todas as medidas à sua disposição para impedir,
eliminar ou denunciar essas práticas.
1.4 Responsabilização dos Encarregados da Aplicação da Lei
Os governos e as organizações da aplicação da lei deverão assegurar que os profissionais em posição
de mando, chefia, comando, sejam responsabilizados, caso fique provado ou presumido terem tido
conhecimento de que encarregados sob o seu comando estão, ou tenham estado, recorrendo ao uso ilegítimo
de força e armas de fogo, e não tenham tomado todas as providências a seu alcance a fim de impedir, reprimir
ou comunicar tal uso. (Princípio Básico 24)
Os governos e as organizações de aplicação da lei deverão assegurar que não seja imposta qualquer
sanção criminal ou disciplinar a encarregados da aplicação da lei que atuarem de acordo com o Código de
Conduta e esses princípios:
se recusarem a cumprir uma ordem [ilegal] para usar força ou armas de fogo; ou
67
comuniquem tal uso [ilegal] realizado por outros encarregados. (PB25)
Obediência a ordens superiores não será nenhuma justificativa quando os policiais:
- Tenham conhecimento de que uma ordem para usar força e armas de fogo que tenha resultado
em morte ou ferimento grave de alguém foi manifestamente ilegítima; e
- Tiveram oportunidade razoável para se recusar a cumpri-la.
Importante!
Nessas situações, a responsabilidade caberá também ao superior que tenha dado as ordens ilegítimas.
O que é deixado claro pelos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e de Armas de Fogo pelos
funcionários encarregados pela aplicação da lei é que a responsabilidade cabe tanto aos encarregados,
envolvidos em um incidente particular com o uso da força e armas de fogo, como a seus superiores. Esses
princípios afirmam que os chefes têm o dever de zelo sem que isso retire a responsabilidade individual dos
encarregados por suas ações.
A relação existente entre essas disposições e as disposições sobre o uso indevido de força e armas de
fogo (PB 7 e 8) deve ser compreendida pelos encarregados da aplicação da lei.
1.5 Mecanismos de Queixa
Os cidadãos que consideram que foram vítimas de procedimentos arbitrários ou abusivos por parte de
um funcionário encarregado pela aplicação da lei, devem ter a possibilidade de apresentar uma queixa.
O artigo 9.5 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos estabelece que as vítimas têm direito
de reparação.
Muitos países possuem mecanismos e recursos para tratar das queixas de seus cidadãos. Esses recursos
vão desde as comissões internas de revisão até serviços especiais. Sejam quais forem os mecanismos existentes
em um país, as queixas sobre o trabalho dos funcionários encarregados pela aplicação da lei são sempre um
assunto delicado. Para um agente não é fácil encarar críticas de um cidadão. A resistência coletiva por parte dos
agentes de uma determinada organização em receber queixas oriundas dos cidadãos é muito comum em geral
e, as vezes, vê-se estas reclamações de modo muito questionável, fruto de um corporativismo natural.
Por essa razão, os superiores em função de chefia, comando ou direção devem levar em conta todas
as queixas, registrá-las e investigá-las de maneira pronta, completa e imparcial. Além disso, devem orientar
seus subordinados que todos os cidadãos têm direito de apresentar queixas. Diz-se que a organização ainda
é digna de crédito quando os cidadãos a procuram para resolver seus problemas e esperam uma resposta
aceitável.
Como você já estudou, em um sistema democrático as organizações encarregadas pela aplicação da lei
devem prestar contas sobre suas atividades. Isso é agir com transparência.
68
Ao final deste tema cabe apresentar os Princípios Orientadores para a Aplicação Efetiva do Código
de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (24/5/1989) adotado por ocasião da
15a sessão plenária do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, que prevê uma série de providências,
dentre as quais se destacam:
B. Questões específicas
1. Seleção, educação e formação. Deve ser dada uma importância
primordial à seleção, educação e formação dos funcionários
responsáveis pela aplicação da lei. Os Governos devem
igualmente promover a educação e a formação através da
frutuosa troca de ideias a nível regional e inter-regional.
2. Remuneração e condições de trabalho. Todos os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei devem ser satisfatoriamente
remunerados e beneficiar de condições de trabalho adequadas.
3. Disciplina e supervisão. Devem ser estabelecidos mecanismos
eficazes para assegurar a disciplina interna e o controle externo
assim como a supervisão dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei.
4. Queixas de particulares. Devem ser adotadas disposições
especiais, no âmbito dos mecanismos previstos pelo parágrafo 3,
para o recebimento e tramitação de queixas formuladas por
particulares contra os funcionários responsáveis pela aplicação
da lei, e a existência destas disposições será dada a conhecer ao
público.
Aula 2 - Investigação de violações de direitos humanos
2.1. O Estado e as violações dos Direitos Humanos
As violações aos direitos humanos são violações das normas pertinentes ao direito penal (nacional)
e/ou do direito internacional dos direitos humanos.
Em um sentido legal restrito, os direitos humanos são violados somente quando o ato ou omissão é
imputável ao Estado.
O Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) afirma que se produz uma violação dos direitos
humanos cada vez que o Estado (entenda-se: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, assim com
os governos municipais ou locais) não cumprem com as obrigações que sobre esta matéria lhe impõe o
ordenamento jurídico vigente.
69
Veja o que prescrevem os artigos 1º e 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de
San José).
Artigo 1°: Obrigação de Respeitar os Direitos
1. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela
reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem
discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra
natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.
Artigo 2° Dever de Adotar Disposições de Direito Interno
Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por
disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as
suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outras
natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.
Como funcionário encarregado pela aplicação da lei, você deve oferecer proteção e assistência a
todas as vítimas de delitos. Entretanto, isso não se limita a situações em que cidadãos são vítimas de outros
cidadãos. Deve-se levar em conta que os funcionários encarregados pela aplicação da lei, em virtude de suas
atividades profissionais, e os poderes que desempenham, podem potencialmente incorrer em abuso de poder
e, em consequência disso, cometer graves violações de direitos humanos.
As vítimas de violações de direitos humanos merecem atenção especial já que a responsabilidade
de seus atos recai sobre o Estado.
Vale dizer que as violações cometidas por um funcionário público comprometem a relação entre o
Estado e a comunidade. Até eventos e fatos isolados podem comprometer a imagem de toda uma organização.
É necessário considerar que se os cidadãos não confiam na polícia, não irão prestar seu apoio e assistência
aos funcionários encarregados pela aplicação da lei quando necessário. Portanto a prevenção destes
incidentes é de grande importância.
Quando se constatam violações de Direitos Humanos, os superiores em função de chefia, comando e
direção têm a obrigação de dar uma atenção especial às vítimas e assegurar para que haja uma investigação
completa, pronta e imparcial.
2.2 Recursos da jurisdição nacional
Os Estados partes têm obrigação de garantir que toda pessoa cujos direitos tenham sido violados possa
interpor recurso efetivo, principalmente quando tal violação tenha sido cometida por pessoas que atuavam em
exercício de suas funções oficiais.
Os Estados têm a obrigação de submeter tais atos ou omissões a um controle judicial, assim como de
proteger as vítimas dos mesmos. Caso essas violações de direitos humanos já estejam previstas na legislação
penal nacional, as medidas devem ser tomadas no âmbito da jurisdição nacional.
70
Alguns países adotam mecanismos de controle externo para captação de queixas através de um
Defensor do Povo, também conhecido como “ombudsman” ou “ouvidor”, que recebem as reclamações
individuais e podem atuar como mediador imparcial e pode propor medidas às organizações encarregadas pela
aplicação da lei.
Alguns Estados também tem um acompanhamento e controle sobre as violações de direitos humanos
feitas através do Poder Legislativo, onde comumente se instalam comissões específicas sobre a matéria.
2.3 Recursos da jurisdição internacional
No plano internacional os Estados podem ter que responder pelas suas práticas no campo dos direitos
humanos, através de uma larga variedade de mecanismos jurídicos, quase-jurídicos, e políticos, incluindo
processos de queixas individuais estabelecidas ao abrigo de alguns tratados sobre Direitos Humanos.
Veja, a seguir, os principais recursos no sistema interamericano e no sistema das Nações Unidas.
2.3.1 Recursos no sistema interamericano
No Sistema Interamericano de Direitos Humanos os dois principais órgãos de monitoramento são a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ambos
instituídos pela Convenção Americana ("Pacto de São José").
A Comissão Interamericana
Ao desempenhar suas atribuições, a Comissão - no que se relaciona a direitos humanos - pode requerer
informações específicas aos Estados-partes da Convenção Americana sobre o modo como estes, pela legislação
interna, asseguram a efetiva aplicação dos direitos assegurados pelo instrumento. Igualmente, a Comissão deve
elaborar relatório anual, a ser submetido à Assembleia Geral da OEA, no qual são analisados os progressos
obtidos, bem como são recomendados países em que se faz necessária atenção especial, dado o seu grave
quadro de violações. O relatório também comunica casos de denúncias recebidas e investigações realizadas.
A Comissão é competente para receber petições de indivíduos, grupos de pessoas ou organizações não
governamentais, desde que legalmente reconhecidos em pelo menos um país membro da OEA. A petição
deve referir-se a uma provável violação de um direito protegido pela Convenção, ou a uma provável violação
da Declaração, quando se tratar de Estados-membros que não sejam parte da Convenção.
Note-se que a Comissão tem jurisdição sobre todos Estados-membros da OEA, mas aqueles que
não aderiram à Convenção Americana, são supervisionados segundo a Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem.
A Corte Interamericana
A Corte tem competência para resolver disputas referentes à violação de direitos humanos por um
Estado (competência contenciosa), bem como para interpretar dispositivos da Convenção Americana de Direitos
Humanos e demais instrumentos relativos à matéria (competência consultiva).
71
A Corte somente pode receber casos submetidos pela Comissão ou Estados signatários. Por isso,
indivíduos ou grupos necessariamente terão que primeiro provocar a Comissão e, se esta decidir, envia o caso
à Corte, privilegiando-se assim a solução amistosa dos conflitos.
A Corte, com sua decisão, pode exigir o restabelecimento do direito ou liberdade violados, a reparação
do dano e o pagamento de justa indenização à vítima. Suas decisões são definitivas, não cabendo recursos,
devendo ser fundamentadas. Quando publicadas, as decisões são remetidas a todos os Estados signatários, e o
controle de sua execução cabe à Assembleia Geral da OEA, que anualmente recebe relatório com os casos
julgados pela Corte.
No que se refere à função consultiva da Corte, esta pode ser provocada por qualquer Estado-membro
da OEA, mesmo que não seja signatário do Pacto, ou mesmo por outros órgãos internos deste organismo.
2.3.2 Recursos no sistema Nações Unidas
No âmbito das Nações Unidas existem dois tipos básicos de mecanismos para verificação da
implementação e controle das questões de direitos humanos:
• Mecanismos Convencionais: são aqueles baseados e previstos expressamente no conteúdo das
convenções e tratados de direitos humanos para monitorar sua implementação;
• Mecanismos Extraconvencionais (Baseado na Carta da ONU).
Mecanismos Convencionais
Caso algum Estado não tenha condições ou não demonstre a vontade em punir os abusos contra os
direitos humanos cometidos em seu território, existem mecanismos e procedimentos na ONU que permitem
que estes abusos sejam denunciados.
Na atualidade existem oito comitês, responsáveis pela monitoração da implementação dos direitos
estabelecidos em cada um dos mais importantes tratados internacionais.
Comitê de Direitos Humanos: monitora a implementação do PIDCP e seus protocolos opcionais;
Comitê para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: monitora o PIDESC,
Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial: monitora a Convenção Internacional para
a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial;
Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres: monitora a Convenção para
a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres;
Comitê contra a Tortura: monitora a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e
Punições Cruéis, Desumanos e Degradantes;
Comitê para os Direitos da Criança: monitora o respeito à Convenção dos Direitos da Criança
e seus protocolos opcionais;
Comitê para os Trabalhadores Migrantes: monitora a Convenção Internacional para a Proteção
dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias.
72
Comitê para os direitos das pessoas com deficiência: monitora a aplicação da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência nos países que ratificaram o documento.
Mecanismos Extraconvencionais
São aqueles baseados na Carta da ONU. “Procedimentos Especiais" é o nome genérico dado aos
mecanismos estabelecidos pelo Conselho de Direitos Humanos para tratar de situações em países específicos
ou questões temáticas em todas as partes do mundo.
Os procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos são especialistas independentes de
direitos humanos com mandatos para informar e aconselhar sobre os direitos humanos a partir de uma
perspectiva temática ou específica de cada país.
Os Procedimentos Especiais são desempenhados tanto por indivíduos (chamados "Special Rapporteur“
(relator especial), "Special Representative of the Secretary-General“ (representante especial do Secretário Geral)
, "Representative of the Secretary-General" or "Independent Expert“ (especialista independente) ou um grupo
de trabalho normalmente composto de 5 membros (um de cada região do mundo).
O sistema de Procedimentos Especiais é um elemento central da estrutura administrativa das Nações
Unidas de direitos humanos e abrange todos os direitos humanos: civis, culturais, econômicos, políticos e sociais.
Com o apoio do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Office
of the High Commissioner for Human Rights), os Procedimentos Especiais têm por incumbência realizar visitas
aos países ; atuar em casos individuais e nos assuntos de natureza estrutural mais ampla através do envio de
comunicações aos Estados e outros em que eles tenham notícia de supostas violações ou abusos. Também têm
como missão realizar estudos temáticos e convocar consultas com especialistas, contribuir para o
desenvolvimento de normas internacionais de direitos humanos, se envolverem na defesa das vítimas,
sensibilizar a opinião pública e dar conselhos para a cooperação técnica.
Os Procedimentos especiais emitem um relatório anual ao Conselho de Direitos Humanos e na maioria
dos mandatos também é feito um relato à Assembleia Geral da ONU.
2.4 O dever das organizações de aplicação da lei
As organizações de aplicação da lei têm um dever, baseado no direito nacional e nas obrigações e
responsabilidade assumidas pelos Estados, em face dos instrumentos internacionais, de investigar prontamente
as violações dos direitos humanos rapidamente, completamente e imparcialmente.
O estabelecimento de procedimentos de controle e de revisão é indispensável para garantir que os
funcionários que aplicam as leis possam prestar contas individualmente.
Vianna (2000) afirma que:
A importância de assegurar o fim dos abusos de poder no uso
da força precisa ser enfatizada. A violência policial, no entanto,
pode resultar em sérias violações do direito à vida. Além disso,
73
ela exacerba as dificuldades e os perigos do policiamento, já
bastante difícil e perigoso em si mesmo, por causa das reações
imediatas e de longa duração que provoca.
A violência policial ilegítima pode levar a uma séria desordem
pública, à qual a polícia tem, então, que responder, podendo
assim expô-la a situações perigosas e desnecessárias, fazendo
com que ela se torne mais vulnerável aos contra-ataques,
conduzindo a uma falta de confiança na própria polícia por parte
da comunidade – o que se torna prejudicial a um policiamento
efetivo.
Importante!
Antes de terminar a aula, complemente seus estudos visitando a página web das Secretaria de Direitos
Humanos (SDH) e conheça as políticas públicas do Estado brasileiro sobre os Direitos Humanos em
nosso país.
Finalizando...
Neste módulo, você estudou:
• As responsabilidades dos encarregados e dos órgãos de aplicação da lei nas ações de comando
e gestão e da necessidade de investigação das violações de direitos humanos.
• As organizações encarregadas pela aplicação da lei devem prestar contas de seus trabalhos e do
desempenho de suas funções.
• As organizações devem registrar, analisar e avaliar seus próprios desempenhos e dar
conhecimento das conclusões aos cidadãos.
• As pessoas da sociedade, caso tenham conhecimento de uma violação de direitos humanos por
funcionários do Estado devem ter a possibilidade de queixar-se sobre esses atos frente a um órgão de controle.
• As organizações de aplicação da lei têm um dever, baseado no direito nacional e nas obrigações
e responsabilidade assumidas pelos Estados, em face dos instrumentos internacionais, de investigar
prontamente as violações dos direitos humanos rapidamente, completamente e imparcialmente.
Exercícios
1. Os cidadãos têm direito que os órgãos encarregados da aplicação da lei prestem contas dos
seus trabalhos e do desempenho da sua função. Considerando os níveis de prestação de contas, relacione
os itens da 2ª coluna de acordo com a primeira:
74
a. NÍVEL 1
b. NÍVEL 2
c. NÍVEL 3
Quais delas fazem parte do Manual para Desenvolvimento de Sistemas de Estatística de Justiça
Criminal?
( ) Prestação de contas a um órgão externo pelas práticas das organizações encarregadas pela
aplicação da lei.
( ) Prestação de contas no plano Internacional aplicável aos governos dos países.
( ) Prestação de contas no plano interno das organizações encarregadas pela aplicação da lei.
2. Responda
Por que os organismos encarregados de cumprir a lei devem investigar pronta, completa, rápida e
imparcialmente as violações de Diretos Humanos que tiverem conhecimento?
76
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