o Universo Autoconsciente -Livro Amit Goswami

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  • 8/3/2019 o Universo Autoconsciente -Livro Amit Goswami

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    Amit Goswamicom Richard E. Reed e Maggie Goswami

    O UNIVERSOAUTOCONSCIENTE

    como a conscincia cria o mundo material

    Traduo de RUY JUNGMANN2 EDIO

    EDTTORA ROSADOS TmFOS

    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.Goswami, Amit G698u O universo autoconsciente: como a conscincia

    2" ed. cria o mundo material /Amit Goswami & Ricliard E.Reed e Maggie Goswami; traduo de RuyJungmann. - 2" ed. - Rio de Janeiro: Record: Rosados Tempos, 1998.

    Traduo de: The self-aware universe: how consciousness creates the material world Inclui bibliografia1. Cincia - Filosofia. 2. Religio e cincia. I. Reed, Richard E. II. Goswami, Maggie. III. Ttulo.

    CDD - 501 98-0686 CDU - 50:1

    Ttulo original norte-americano THE SELF-AWARE UNIVERSECopyright 1993 by Amit Goswami, Richard E. Reed e MaggieGoswamiPublicado mediante acordo com Jeremy P. Tarcher, Inc., uma divisoda Penguin Putnam Inc.

    Reviso tcnica; Harbans Lai Arora, Ph.D.Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo, no todo ou em parte, atravs de quaisquer meios.

    Direitos exclusivos de publicao em lngua portuguesa para o Brasiladquiridos pelaEDITORA ROSA DOS TEMPOSUm selo daDISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIOS DE IMPRENSA S.A.Rua Argentina 171 -Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 - Tel.: 585-2000que se reserva a propriedade literria desta traduoImpresso no Brasil i*'"")

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    ISBN 85-01-05184-5 | ^^

    PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTALCaixa Postal 23,052 *^oi>'*Rio de Janeiro, RJ - 20922-970 EDITORA AFILIADA

    Dedicado a meu irmo, o filsofo Nripendra Chandra Goswami

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    SUMARIO

    Prefo 9Introduo 13

    PARTE i A INTEGRAO ENTRE CINCIA E ESPIRITUALIDADE

    Introduo Parte 1 191. O Abismo e a Ponte 212. AVelha Fsica e seu Legado Filosfico 333. A Fsica Quntica e o Fim do Realismo Materialista 454. A Filosofia do Idealismo Monista 72

    PARTE 2 O IDEALISMO E A SOLUO DOS PARADOXOS QUNTICOS

    Introduo Parte 2 895. Objetos Simultaneamente em Dois Lugares e Efeitos que Precedem suas

    Causas 916. As Nove Vidas do Gato de Schrdinger 1067. Escolho, Logo Existo 1358. O Paradoxo Einstein-Podolsky-Rosen 1449. A Conciliao entre Realismo e Idealismo 171

    PARTES REFERNCIA AO SELF-. COMO O UNO TORNA-SE MUITOS

    Introduo Parte 3 18110. Anlise do Problema Corpo-mente 18311. Em Busca da Mente Quntica 19612. Paradoxos e Hierarquias Entrelaadas 21213. O "Eu" da Conscincia 22514. Integrando as Psicologias 236

    PARTE 4 O REENCANTAMENTO DO SER HUMANOIntroduo Parte 4 251

    15. Guerra e Paz 25516. Criatividade Externa e Interna 26317. O Despertar de 5*0^/^/ 27618. Uma Teoria Idealista da tica 29619. Alegria Espiritual 310 ';Glossrio 317Notas 327Bibliografia 335Ilustraes 343 ndice Remissivo 345

    PREFACIO

    Ao tempo em que fazia curso de graduao e estudava mecnica quntica, eu e meuscolegas passvamos horas discutindo assuntos esotricos do tipo: poder um eltron estarrealmente em dois lugares ao mesmo tempo? Eu conseguia aceitar que um eltron pudesseestar em dois lugares ao mesmo tempo; a mensagem a matemtica quntica, emboracheia de sutilezas, inequvoca a esse respeito. Mas um objeto comum digamos, umacadeira ou uma mesa, objetos que denominamos de "reais"

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    comporta-se tambm como um eltron? Ser que se transforma em ondas e comea aespalhar-se maneira inexorvel das ondas, em todas as ocasies em que no o estamosobservando?

    Objetos que vemos na experincia do dia-a-dia no nos parecem comportar-se dasmaneiras estranhas comuns mecnica quntica. Subconscientemente para ns fcil

    sermos levados acriticamente a pensar que a matria macroscpica difere de partculasmicroscpicas que seu comportamento convencional regulado pelas leis newtonianas, que formam achamada fsica clssica. Na verdade, numerosos fsicos deixam de quebrar a cabea com osparadoxos da fsica quntica e sucumbem soluo newtoniana. Dividem o mundo emobjetos qunticos e clssicos o que me acontecia tambm, embora eu no me desseconta do que fazia.

    Se queremos fazer uma carreira bem-sucedida em fsica, no podemos nos preocupardemais com questes recalcitrantes ao entendimento, como os quebra-cabeas qunticos. Amaneira certa de trabalhar com a fsica quntica, segundo me disseram, consiste emaprender a calcular. Em vista disso, aceitei um meio-termo, e as questes instigantes deminha juventude passaram gradualmente para o segundo plano.

    Mas no desapareceram. Mudaram as circunstncias em que eu vivia e aps um sem-nmero de crises de ressentido estresse, que me caracterizaram a carreira competitiva nafsicacomecei a lembrar-me da alegria que a fsica outrora me dera. Compreendi quedevia haver uma maneira alegre de abordar o assunto, mas que precisava restabelecer meuesprito de indagao sobre o significado do universo e abandonar as acomodaes mentaisque fizera por motivo de carreira. Foi muito til neste particular um livro do filsofoThomas Kuhn, que estabelece uma distino entre pesquisa de paradigma e revoluescientficas, que mudam paradigmas. Eu fizera minha parte em pesquisa de paradigmas; eratempo de chegar fronteira da fsica e pensar em uma mudana de paradigma.

    Mais ou menos na ocasio em que cheguei a essa encruzilhada pessoal, saiu O tao dafsica, de Fritjof Capra. Embora minha reao inicial tenha sido de cime e rejeio, o livrome tocou profundamente. Aps algum tempo, observei que o livro menciona um problemaque no estuda em profundidade. Capra sonda os paralelos entre a viso mstica do mundoe a da fsica quntica, mas no investiga a razo desses paralelos: sero eles mais do quemera coincidncia.^ Finalmente, eu encontrara o foco de minha indagao sobre a naturezada realidade.

    A forma de Capra abordar as questes sobre a realidade passava pela fsica daspartculas elementares. Ocorreu-me a intuio, porm, de que as questes fundamentaisseriam enfrentadas de forma mais direta no problema de como interpretar a fsica quntica.E foi isso o que me propus investigar. Mas no previ inicialmente que esse trabalho seriaum projeto interdisciplinar de grande magnitude.

    Eu estava na ocasio ministrando um curso sobre a fsica da fico cientfica (eusempre tive predileo por fico cientfica), e um estudante comentou: "O senhor falaigualzinho minha professora de psicologia, Carolin Keutzer!" Seguiu-se uma colaboraocom Keutzer que, embora no me levasse a qualquer grande mg/, deu-me conhecimentode uma grande massa de literatura psicolgica relevante para o assunto que me interessava.Acabei por conhecer bem a obra de Mike Posner e de seu grupo de psicologia cognitiva na

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    Universidade de Oregon, que deveriam desempenhar um papel decisivo em minhapesquisa.

    Alm da psicologia, meu tema de pesquisa exigia conhecimentos considerveis deneurofsiologiaa cincia do crebro. Conheci meu professor de neurofisiologia porintermdio de John Lilly, o famoso es-

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    frejctopecialista em golfinhos. Lilly tivera a bondade de me convidar para participar do seminrio, de umasemana de durao, que estava ministrando em Esalen. Frank Barr, mdico, participava tambm. Seminha paixo era mecnica quntica, a de Frank era a teoria do crebro. Consegui aprender com elepraticamente tudo de que necessitava para iniciar o aspecto crebro-mente deste livro.

    Outro ingrediente de importncia crucial para que minhas idias ganhassem consistncia foramas teorias sobre inteligncia artificial. Neste particular, igualmente, tive muita sorte. Um dosexpoentes da teoria da inteligncia artificial, Doug Hofstadter, iniciou a carreira como fsico,obtendo o grau de doutor na Escola de Ps-graduao da Universidade de Oregon, a cujo corpodocente ora perteno. Naturalmente, a publicao de seu livro, despertou em mim um interesse todoespecial e colhi algumas de minhas idias principais na pesquisa de Doug.

    Coincidncias significativas continuaram a ocorrer. Fui iniciado nas pesquisas em psicologiaatravs de numerosas discusses com outro colega, Ray Hyman, um ctico de mente muito aberta.A ltima, mas no a menor, de uma srie de importantes coincidncias tomou a forma do encontroque tive com trs msticos, em Lone Pine, Califrnia, no vero de 1984: Franklin Merrell-Wolff,Richard Moss e Joel Morwood.

    Em certo sentido, desde que meu pai era um guru brmane na ndia, cresci imerso emmisticismo. Na escola, contudo, iniciei um longo desvio atravs da educao convencional e daprtica como cientista, que trabalhava com uma especialidade separada. Essa direo afastou-medas simpatias da infncia e, como resultado, levou-me a acreditar que a realidade objetiva definidapela fsica convencional era a nica realidade e que o que era subjetivo se devia a uma danacomplexa de tomos, espera para ser decifrada por ns.

    Em contraste, os msticos de Lone Pine falavam sobre conscincia como sendo "o original, ocompleto em si, e constitutivo de todas as coisas". No incio, essas idias provocaram em mim umagrande dissonncia cognitiva, embora, no fim, eu compreendesse que podemos ainda praticarcincia mesmo que aceitemos a primazia da conscincia, e no da matria. Esta maneira de praticarcincia eliminava no s os paradoxos qunticos dos enigmas de minha adolescncia, mas tambmos novos da psicologia, do crebro, e da inteligncia artificial.

    Este livro o produto final de uma jornada pessoal cheia de rodeios. Precisei de 15 anos parasuperar o preconceito em favor da fsica clssi-

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTEca e para pesquisar e escrever este livro. Tomara que o fruto desse esforo valha o tempoque voc, leitor, vai lhe dedicar. Ou, parafraseando Rabindranath Tagore,

    Euescut .EolhCom olhos bem abertos.Verti minha alma

    Nomundo

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    Procurando o desconhecidoNo conhecido.E canto em altos bradosEm meu assombro!

    Obviamente, muitas outras pessoas, alm das mencionadas acima, contriburam para

    este livro: Jean Burns, Paul Ray, David Clark, John David Garcia, Suprokash Mukherjee, ofalecido Fred Attneave, Jacobo Grinberg, Ram Dass, lan Stuart, Henry Stapp, KimMcCarthy, Robert Tompkins, Eddie Oshins, Shawn Boles, Fred Wolfe Mark Mitchell para mencionar apenas alguns. Foram importantes o estmulo e o apoio emocional deamigos, notadamente de Susanne Parker Barnett, Kate Wilhelm, Damon Knight, AndreaPucci, Dean Kisling, Fleetwood Bernstein, Sherry Anderson, Manoj e Dipti Pal, GraldineMoreno-Black e Ed Black, meu falecido colega Mike Moravcsik e, especialmente, nossafalecida e querida amiga Frederica Leigh.

    Agradecimentos especiais so devidos a Richard Reed, que me convenceu a submeter ooriginal deste livro a uma editora e que o levou a Jeremy Tarcher. Alm disso, Richard deuimportante apoio, crticas e ajuda no trabalho de reviso. Claro, minha esposa, Maggie,contribuiu tanto para o desenvolvimento das idias e para a linguagem em que elas foramvazadas que este livro teria sido literalmente impossvel sem ela. Os editores de textosfornecidos pela J. P. Tarcher, Inc. Aidan Kelly, Daniel Malvin e, especialmente, BobShepherd tornaram-se credores de agradecimentos profundos, como tambm acontececom o prprio Jeremy Tarcher, por ter acreditado neste projeto. Agradeo a todos vocs.

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    INTRODUO

    H no muito tempo ns, fsicos, acreditvamos que havamos chegado finalmente ao fimde todas as nossas buscas: tnhamos alcanado o fim da estrada e descoberto que o universomecnico era perfeito em todo o seu esplendor. As coisas comportam-se da maneira comoacontece porque so o que eram no passado. Elas sero o que viro a ser porque so o queso, e assim por diante. Tudo se encaixava em um pequenino e elegante pacote de pensamento newtoniano-maxwelliano. Havia equaes matemticas que, de fato,explicavam o comportamento da natureza. Observava-se uma correspondncia perfeitaentre um smbolo na pgina de um trabalho cientfico e o movimento do menor ao maiorobjeto no espao e no tempo.

    Corria o fim do sculo, o sculo XIX, para sermos exatos, e o renomado A. A.Michelson, falando sobre o futuro da fsica, disse que o mesmo consistiria em "adicionaralgumas casas decimais aos resultados j obtidos". Para sermos justos, Michelsonacreditava estar, ao fazer essa observao, citando o famoso Lord Kelvin. Na verdade foiKelvin quem disse que, de fato, tudo estava perfeito na paisagem da fsica, com exceo deduas nuvens escuras que toldavam o horizonte.

    Essas duas nuvens negras, como se viu depois, no apenas ocultavam a luz do sol napaisagem turneresca, newtoniana, mas a transformavam numa desnorteante viso abstrata,tipo Jackson Pollock, cheia de pontos, manchas e ondas. Essas nuvens eram as precursorasda agora famosa teoria quntica de tudo que existe.

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    E aqui estamos ns, ao fim de um sculo, desta vez o sculo XX, para sermos exatos, e,mais uma vez, mais nuvens se renem para obscurecer a paisagem, at mesmo do mundoquntico da fsica. Da mesma forma que antes, a paisagem newtoniana tinha e ainda temseus admira-

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    K^ iyiyi:ji\j\j n^ iyj~jrsa^itLl\ I h,

    dores. Ela ainda funciona para explicar uma faixa vasta de fenmenos mecnicos, de navesespaciais a automveis, de satlites a abridores de lata; mas, ainda assim, da mesmamaneira que a pintura abstrata quntica acabou por demonstrar que essa paisagemnewtoniana era composta de pontos aparentemente aleatrios (quanta), so muitos aquelesentre ns que acreditam que, em ltima anlise, h algum tipo de ordem mecnica objetivasubjacente a tudo, at mesmo aos pontos qunticos.

    A cincia, entenda-se, desenvolve-se de acordo com uma suposio absolutamente

    fundamental sobre a maneira como as coisas so ou tm que ser. Essa suposio exatamente aquilo que Amit Goswami, com a colaborao de Richard E. Reed e MaggieGoswami, questiona no livro que vocs esto prestes a 1er. Isto porque essa suposio, talcomo suas nebulosas predecessoras do sculo anterior, parece indicar no s o fim de umsculo, mas o fim da cincia, como a conhecemos. A suposio que existe, "l fora", umarealidade real, objetiva.

    Essa realidade objetiva seria algo slido, constitudo de coisas que possuem atributos,tais como massa, carga eltnca,mommfum, momentum angular, j/>/, posio no espao eexistncia contnua atravs do tempo, expressa como inrcia, energia e, descendo aindamais fundo no micromundo, atributos tais como estranheza, encanto e cor. Mas, aindaassim, nuvens ainda se acumulam. Isto porque, a despeito de tudo que sabemos sobre o

    mundo objetivo, mesmo com as voltas e dobras de espao que se transforma em tempo, quese transforma em matria, e as nuvens negras denominadas buracos negros, com todas asnossas mentes racionais funcionando a pleno vapor, resta-nos ainda em mos um grandenmero de mistrios, paradoxos e peas de quebra-cabea que simplesmente no seencaixam.

    Ns, fsicos, porm, somos um grupo obstinado e tememos a proverbial perda delanarmos o beb fora juntamente com a gua do banho. Ainda ensaboamos e raspamos orosto, observando atentos enquanto usamos a navalha de Occam, para termos certeza deque cortamos todas as "suposies cabeludas" suprfluas. O que so essas nuvens queobscurecem a forma de arte abstrata de fins do sculo XX.? Elas se resumem em uma nicasentena: aparentemente, o universo no existe sem algo que lhe perceba a existncia.

    Ora, em algum nvel, essa frase certamente tem sentido. At mesmo a palavra"universo" um constructo humano. Faria, portanto, algum tipo de sentido que aquilo quedenominamos de universo depen-

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    desse de nossa capacidade, como seres humanos, de cunhar palavras. Mas esta observaoseria mais profunda em alguma coisa do que uma mera questo semntica? Antes de haverseres humanos, por exemplo, havia um universo? Aparentemente, havia. Antes dedescobrirmos a natureza atmica da matria, havia tomos por a? Mais uma vez, a lgicadetermina que as leis, as foras e causas na natureza etc, mesmo que nada soubssemos

    sobre coisas tais como tomos e partculas subatmicas, certamente tinham que existir.Mas so justamente essas suposies sobre a realidade objetiva que foram postas emdvida pelo nosso entendimento corrente da fsica. Vejam, por exemplo, uma partculasimples, o eltron. Ser um pontinho de matria? Acontece que supor que seja tal coisa, quese comporte invariavelmente como tal, evidentemente errado. Isto porque, em certaocasio, ele parece uma nuvem composta de um nvel infinito de possveis eltrons, que"parecem" uma nica partcula quando e apenas quando a observamos. Alm disso, nasocasies em que no uma partcula nica, ela parece uma nuvem, ondulando como umaonda, que capaz de mover-se em velocidades superiores velocidade da luz, desmentindoredondamente o postulado de Einstein, de que nada material poderia ultrapass-la. Apreocupao de Einstein, porm, aliviada, porque quando ela se move dessa maneira no, efetivamente, uma pea de matria.

    Vejamos outro exemplo, a interao entre dois eltrons. De acordo com a fsicaquntica, mesmo que os dois estejam separados por imensas distncias, os resultados deobservaes feitas sobre eles indicam que deve forosamente haver alguma conexo entreeles que permita que a comunicao se mova mais rpido do que a luz. Ainda assim, antesdessas observaes, antes que um observador consciente chegasse a uma concluso, at aforma da conexo era inteiramente indeterminada. E como terceiro exemplo: um sistemaquntico como um eltron em um estado fsico fechado parece estar em um estadoindeterminado, mas, ainda assim, a indeterminao pode ser analisada e decomposta emcertezas dos componentes que, de alguma maneira, aumentam a incerteza original. Masento chega um observador que, como se fosse um Alexandre gigantesco cortando o ngrdio, transforma a incerteza em um estado nico, definido, embora imprevisvel,simplesmente ao observar o eltron.

    No s isso, mas o golpe da espada poderia ocorrer no futuro, determinando em queestado o eltron est agora. Isto porque temos agora

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    at a possibilidade de que observaes realizadas no presente determinem legitimamente oque possamos dizer que era o passado.

    Chegamos mais uma vez, portanto, ao fim da estrada. H estranheza quntica demaispor a, um nmero grande demais de experimentos a demonstrar que o mundo objetivoum mundo que corre para a frente no tempo como um relgio, um mundo que diz que ao distncia, especialmente ao instantnea distncia, no possvel, que diz que umacoisa no pode estar em dois ou mais locais ao mesmo tempo uma iluso de nossopensamento.

    Se assim , o que nos resta a fazer.'' Este livro talvez contenha a resposta. O autor prope uma hiptese to estranha nossa mente ocidental que se pode ignor-laautomaticamente, como delrios de um mstico oriental. Diz o autor que todos os paradoxosacima so explicveis, e compreensveis, se abrirmos mo daquela suposio preciosa de

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    que h uma realidade objetiva "l fora", independente da conscincia. E diz, ainda mais:que o universo "autoconsciente" e que a prpria conscincia que cria o mundo fsico.

    Da maneira como usa a palavra "conscincia", Goswami deixa implcito algo talvezmais profundo do que voc ou eu aceitaramos como implcito. Nos seus termos,conscincia algo transcendental fora do espao-tempo, no local, e que est em tudo.

    Embora seja a nica realidade, s podemos vislumbr-la atravs da ao que cria osaspectos material e mental de nossos processos de observao.Por que to difcil para ns aceitar essa tese? Talvez eu esteja presumindo demais ao

    dizer que difcil que voc, leitor, a aceite. Voc, quem sabe, pode achar axiomtica essahiptese. s vezes, eu me sinto vontade com ela, mas, em seguida, dou uma caneladanuma cadeira e machuco a perna. Essa velha realidade penetra e eu "me vejo" diferente dacadeira, enquanto espinafro sua posio no espao, to arrogantemente separada da minha.Goswami aborda admiravelmente essa questo e fornece vrios e, amide, divertidosexemplos, para ilustrar a tese de que eu e a cadeira surgimos da conscincia.

    O livro de Goswami uma tentativa de lanar uma ponte sobre o antiqussimo abismoentre cincia e espiritualidade, o que, acredita ele, sua hiptese consegue. Ele tem muito adizer sobre idealismo monista e como s ele soluciona os paradoxos da fsica quntica. Emseguida, examina a velhssima questo da mente e corpo, ou mente e crebro, e mostracomo sua ambiciosa hiptese, de que a conscincia tudo, eli-

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    Arn-tt/c UiMVUKW AU lUl_.(-lNa^jlt;,i\mi

    mos calcular-lhe a trajetria precisa, usando as equaes de movimento de Newton. Afsica clssica, dessa maneira, leva filosofia do determinismo, idia de que possvelprognosticar inteiramente o movimento de todos os objetos materiais.

    O princpio da incerteza joga um coquetel Molotov na filosofia do determinismo.

    Segundo esse princpio, no podemos simultaneamente determinar, com certeza, a posioe a velocidade {oumomentum) de um eltron; o menor esforo para medir exatamente umdeles torna vago nosso conhecimento do outro. As condies iniciais para o clculo datrajetria de uma partcula, portanto, jamais podem ser determinadas com preciso, e insustentvel o conceito de trajetria nitidamente definida de uma partcula.

    Pela mesma razo, as rbitas de Bohr no proporcionam uma descrio rigorosa doparadeiro de um eltron: a posio da rbita real vaga. No podemos realmente dizer queo eltron est a tal ou qual distncia do ncleo, quando se encontra neste ou naquele nvelde energia.

    FANTASIAS INCERTAS

    Consideremos alguns cenrios de fantasia, nos quais seus autores desconheciam ouesqueceram a irhportncia do princpio da incerteza.NoFantastic Voyage, livro e filme de fico cientfica, objetos eram miniaturizados por

    compresso. Voc, leitor, jamais se perguntou se possvel espremer tomos.^ Afinal decontas eles so principalmente espao vazio. Ser possvel tal coisa.'' Decida por si mesmo,levando em conta a relao de incerteza. O tamanho de um tomo fornece uma estimativaaproximada do grau de incerteza a respeito da posio de seus eltrons. Comprimir o tomolocalizar seus eltrons em um volume menor de espao, reduzindo dessa maneira aincerteza sobre sua posio, mas, tambm, a incerteza sobre omomentum ter que aumentar.O aumento na incerteza omomenttim do eltron implica aumento de sua velocidade. Dessamaneira, como resultado da compresso, a velocidade dos eltrons aumenta e eles tero

    melhores condies para escapar do tomo.Em outro exemplo de fico cientfica, o capito Kirk (da srie clssica dex.Q\eY\sz.o Jornada nas Estrelas) diz: "Energizar". Uma alavanca abaixada em um painel deinstrumentos Q,voil,pessoas de p em uma

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    A Integrao entre Cincia e Espiritualidadeplataforma desaparecem e reaparecem em um destino que supostamente um planetainexplorado, mas que se parece um bocado com um cenrio de Hollywood. Em um de seus

    romances baseados no Jornada nas Estreias, James Blish tentou caracterizar como saltoquntico esse processo de reaparecer. Da mesma forma que um eltron salta de uma rbitaatmica para outra, sem jamais passar pelo espao intermedirio, o mesmo faria atripulao da espaonave Enterprise. Voc, leitor, pode perceber o problema que issoacarretaria. A ocasio em que o eltron d o salto, e para onde, acausal e imprevisvel,porque a probabilidade e a incerteza governam o salto quntico. Esse transporte qunticoobrigaria os heris daEnterprise,pelo menos ocasionalmente, a esperar muito tempo parachegar a algum lugar.

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    As fantasias qunticas podem ser divertidas, mas o objetivo final desta nova cincia, edeste livro, srio. E o de nos ajudar a lidar de forma mais eficiente com nossa realidadediria.

    A DUALIDADE ONDA-PARTCULA E A MEDIO

    QUNTICAA informao bsica precedente contribui para explicar uma ou duas questes enigmticas.A imagem quntica do eltron movendo-se em ondas em redor do ncleo atmico implicapor acaso que a carga e a massa do eltron cobrem todo o tomo.'' Ou o fato de que umeltron livre se espalha, como deve fazer uma onda de acordo com a teoria de Schrdinger,significa que o eltron est em toda parte, com sua carga nesse momento cobrindo todo oespao.? Em outras palavras, como reconciliar a imagem ondulatria do eltron com o fatode que ele tem propriedades semelhantes s das partculas, localizadas.? As respostas sosutis.

    Talvez parea que, pelo menos no caso de pacotes de ondas, devemos ser capazes deconfinar o eltron em um espao pequeno. Infelizmente, as coisas no permanecem tosimples assim. Um pacote de ondas que satisfaz a equao de Schrdinger em um dadomomento no tempo ter que se espalhar com a passagem do tempo.

    Em algum momento inicial no tempo, podemos talvez localizar um eltron como umpontinho minsculo, mas o pacote de eltrons se espalhar por toda a cidade em questo desegundos. Embora, inicialmente, a probabilidade de encontrar o eltron localizado comoum minscu-

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    o UNIVERSO AUTOCONSGIENTElo pontinho seja imensamente alta, bastam apenas segundos para que se torne considervel

    a probabilidade de que o eltron aparea em qualquer lugar na cidade. E se esperarmos portempo suficiente, ele poder aparecer em qualquer lugar do pas, at mesmo de toda agalxia.

    Esse espalhamento do pacote de ondas que d origem, entre os conhecedores, a umsem-nmero de piadas sobre a estranheza quntica. A maneira mecnica quntica dematerializar um peru no Dia de Ao de Graas, por exemplo, a seguinte: prepare o fornoe espere. H uma probabilidade no-zero de que o peru de uma pastelaria prxima sematerialize no forno.

    Infelizmente, para o indivduo vidrado em peru, e no caso de objetos to macios comoessa ave, o espalhamento lento demais. Voc poderia ter que esperar durante toda a vidado universo para materializar, dessa maneira, at mesmo um pedacinho do peru do Dia de

    Ao de Graas.Mas o que dizer do eltron.'* De que modo podemos reconciliar o espalhamento do

    pacote ondulatrio de eltrons por toda a cidade com a imagem de uma partculalocalizada.^ A resposta que temos que incluir o ato de observar em nossos clculos.

    Se queremos medir a carga do eltron, temos que intercept-lo com alguma coisa comouma nuvem de vapor, como acontece em uma cmara de condensao. Como resultadodessa medio, temos que supor que a onda de eltrons desmancha-se, de modo que podemos ver a trajetria do eltron atravs da nuvem de vapor (fig. 10). Segundo

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    Heisenberg: "A trajetria do eltron s aparece quando a observamos." Quando o medimos,podemos sempre encontrar o eltron, localizado, como partcula. Poderamos dizer quenosso ato de medir reduz o eltron ondulatrio ao estado de partcula.

    Ao conceber sua equao da onda, Schrdinger e outros pensaram que talvezhouvessem expurgado a fsica dos saltos qunticos da descontinuidade , uma vez que

    o movimento da onda contnuo. A natureza de partcula dos objetos qunticos, contudo,tinha que ser reconciliada com sua natureza de onda. Foi, em vista disso, introduzido oconceito de pacotes de ondas. Fmalmente, com o reconhecimento do espalhamento depacotes de ondas e com a compreenso de que o fato de observarmos que ter queprovocar instantaneamente o desmanche do tamanho do pacote, chegamos concluso deque o colapso tem que ser descontnuo (uma vez que o colapso contnuo requereria tempo).

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    A Integrao entre Cincia e Espiritualidade

    Ftgura 10. A trajetria do eltron atravs de uma nuvem de vapor.

    Pode parecer que no podemos ter mecnica quntica sem saltos qunticos. Certo dia,Schrdinger visitou Bohr em Copenhague, onde protestou durante dias contra os saltosqunticos. Finalmente, ao que se diz, admitiu a derrota com a seguinte exploso emocional:"Se eu soubesse que teria que aceitar esse maldito salto quntico, jamais teria me metidoem mecnica quntica."

    Voltando ao tomo, se medirmos a posio do eltron enquanto ele se encontra em umestado atmico estacionrio, ns, mais uma vez, provocaremos o colapso de sua nuvem deprobabilidade para encontr-lo em uma posio particular, e no presente em toda parte. Sefizermos um grande nmero de medies procura do eltron, ns o encontraremos commais freqncia nos locais onde a probabilidade de encontr-lo alta, conforme previsto

    pela equao de Schrdinger. Realmente,

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTEaps um grande nmero de medies, se piorarmos a distribuio das posies medidas, ela separecer muito com a distribuio imprecisa de rbita dada pela soluo da equao de Schrdinger(fig. 11).

    Figura 11. Resultados de medies repetidas da posio de um eltron de hidrognio na rbita maisbaixa. Obviamente, a onda do eltron entra em colapso nos casos em que a probabilidade deencontr-lo prevista como alta, originando a rbita indistinta.

    Dessa perspectiva, de que maneira aparece um eltron em vo.'' Quando fazemos a observaoinicial de qualquer projtil submi-

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    A Integrao entre Cincia e Espiritualidadecroscpico, ns o descobrimos localizado em um minsculo pacote de ondas, como partcula. Apsa observao, contudo, o pacote se espalha e o espalhamento do pacote a nuvem de nossaincerteza sobre o pacote. Se voltamos a observar, o pacote localiza-se mais uma vez, mas sempre seespalha entre as nossas observaes.

    Observar eltrons, disse o fsico-flsofo Henry Margenau, como observar vaga-lumes em

    uma noite de vero. Podemos ver um lampejo aqui e um piscar de luz ali, mas no temos idia deonde o vaga-lume est entre as observaes. No podemos, com qualquer confiana, definir umatrajetria para ele. Mesmo no caso de um objeto macroscpico, como a Lua, a mecnica qunticaprev basicamente a mesma imagem sendo a nica diferena que o espalhamento do pacote deondas imperceptivelmente pequeno (mas no-zero) entre observaes.

    Estamos chegando agora ao ponto fundamental da questo. Em qualquer ocasio em que omedimos, um objeto quntico aparece em algum nico lugar, como partcula. A distribuio deprobabilidades identifica simplesmente esse lugar (ou lugares) onde provvel que seja encontrado,quando de fato o medirmos e no mais do que isso. Quando no o estamos medindo, o objetoquntico espalha-se e existe em mais de um lugar na mesma ocasio, da mesma maneira queacontece com uma onda ou uma nuvem e no menos do que isso.

    A fsica quntica oferece uma nova e emocionante viso do mundo e contesta velhos conceitos,

    tais como trajetrias determinsticas de movimento e continuidade causal. Se as condies iniciaisno determinam para sempre o movimento de um objeto, se, em vez disso, em cada ocasio em queo observamos, h um novo comeo, ento o mundo criativo no nvel bsico.

    Era uma vez um cossaco que via um rabi cruzando quase todos os dias a praa da cidade, maisou menos na mesma hora. Certo dia, ele perguntou, curioso:

    Para onde o senhor est indo, rabi.? No sei com certezarespondeu o rabi. O senhor passa por aqui todos os dias, a esta hora. Certamente o senhor sabe para onde est

    indo.Quando o rabi insistiu em que no sabia, o cossaco irritou-se e, em seguida, desconfiado,

    prendeu-o, levando-o para o xadrez. Exatamente no momento em que trancava a cela, o rabi virou-se para ele e disse suavemente:

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTE Gomoosenhorv, eunosabia.Antes de o cossaco interromp-lo, o rabi sabia para onde estava indo, mas, depois, no

    mais. A interrupo (podemos cham-la de medio) abriu novas possibilidades. E essa amensagem da mecnica quntica. O mundo no determinado por condies iniciais, deuma vez para sempre. Todo evento de medio potencialmente criativo e pode desvendarnovas possibilidades.

    O PRINCPIO DA COMPLEMENTARIDADE -Bohr descreveu uma maneira nova de estudar o paradoxo da dualidade onda-partcula. Asnaturezas de onda e partcula do eltron no so dualsticas, nem simplesmente polaridadesopostas, disse Bohr. So propriedades complementares, que nos so reveladas emexperimentos complementares. Quando tiramos uma foto de difrao de um eltron,estamos revelando-lhe a natureza de onda; quando lhe seguimos a trajetria em uma cmarade condensao, observamos-lhe a natureza de partcula. Os eltrons no so ondas nem

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    apenas uma das duas imagens de cada vez, mas sua conscincia ampliou-se, de modo queest consciente da dualidade. Nessa percepo ampliada, a estranheza da fsica qunticacomea a fazer sentido. E torna-se mesmo interessante. Parafraseando o comentrio deHamlet a Horcio, h mais coisas entre o cu e a terra do que sonhava a fsica clssica.

    A mecnica quntica fornece-nos uma perspectiva mais ampla, um novo contexto, que

    nos amplia a percepo e leva-a a um novo domnio. Podemos ver a natureza como formasseparadas como ondas ou partculas ou descobrir complementaridade: a idia de queondas e partculas so inerentemente a mesma coisa.

    A INTERPRETAO DE COPENHAGUEDe acordo com a denominada interpretao de Copenhague da mecnica quntica,desenvolvida por Born, Heisenberg e Bohr, calculamos objetos qunticos como ondas, e asinterpretamos probabilisticamente. Determinamo-lhes os atributos, tais como posio^momentum, com alguma incerteza e os compreendemos complementariamente. Almdisso, a descontinuidade e os saltos qunticos como, por exemplo, o colapso de um pacote de ondas que se espalham quando sob observao so considerados como

    aspectos fundamentais do comportamento do objeto quntico. Temos outro aspecto damecnica quntica na inseparabilidade. Falar em objeto quntico sem falar sobre a maneiracomo o observamos ambguo, porque os dois so inseparveis. Por ltimo, nos casos demacrobjetos, os prognsticos mecnicos qunticos correspondem aos da fsica clssica.Esse fato enseja a supresso de efeitos qunticos tais como probabilidade e descontinuidadeno macrodomnio da natureza, que percebemos diretamente com nossos sentidos. Acorrespondncia clssica camufla a realidade quntica.

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    A Integrao entre Cincia e EspiritualidadeCORTANDO DE UM LADO A OUTRO o REALISMO

    MATERIALOs princpios da teoria quntica tornam possvel abandonaras suposies injustificadas dorealismo material.

    Suposio 1: o/^/ Af^oj/^/or/if. A suposio bsica feita pelo materialista que h lfora um universo material objetivo, um universo independente de ns. Esta suposio temalguma validade operacional bvia e freqentemente se presume que necessria parapraticar com seriedade a cincia. Mas ser ela realmente vlida? A lio da fsica quntica que escolhemos que aspectoonda ou partculaum objeto quntico revelar em umadada situao. Alm disso, a observao faz com que entre em colapso o pacote qunticode ondas e se transforme em uma partcula localizada. Sujeito e objeto estoinextricavelmente misturados. Se sujeito e objeto se entrelaam dessa maneira, de quemodo podemos manter a suposio de objetividade forte?

    Suposio 2: Determinismo causal. OxitxdiSu^posxqioocQnstzcMs-sico, queempresta credibilidade ao realismo material, diz que o mundo fundamentalmentedeterministaque tudo que precisamos conhecer so as foras que atuam sobre cada objetoe as condies iniciais (a velocidade e a posio iniciais do objeto). O princpio daincerteza quntica, contudo, afirma que jamais poderemos determinar simultaneamente,com absoluta certeza, a velocidade e posio de um objeto. Haver sempre erro em nosso

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    conhecimento das condies iniciais, e o determinismo estrito no prevalece. A prpriaidia de causalidade torna-se mesmo suspeita. Uma vez que o comportamento de objetosqunticos probabilstico, torna-se impossvel uma descrio rigorosa de causa e efeito docomportamento de um objeto isolado. Em vez disso, temos uma causa estatstica e umefeito estatstico quando falamos sobre um grande grupo de partculas.

    Suposio 3: Localidade. A suposio de localidade que todas as interaes entreobjetos materiais so mediadas atravs de sinais locais fundamental para a idiamaterialista de que eles existem basicamente independentes e separados uns dos outros. Se,contudo, ondas se espalham por enormes distncias e, em seguida, instantaneamente

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTEdesmoronam quando fazemos medies, ento a influncia da medio no viajalocalmente. A localidade, portanto, excluda. Este constituiu outro golpe fatal norealismo material.

    Suposies 4e5: Materialismo eepifenomenalismo. O matcnaVistdiSxis-tenta quefenmenos mentais subjetivos so apenas epifenmenos da matria. Podem ser reduzidosapenas questo de crebro material. Se queremos compreender o comportamento deobjetos qunticos, contudo, parece que precisamos introduzir a conscincianossacapacidade de escolherde acordo com o princpio da complementaridade e a idia damistura sujeito-objeto. Alm do mais, parece absurdo que um epifenmeno da matriapossa afet-la: se a conscincia um epifenmeno, de que modo pode ela provocar ocolapso de uma onda espalhada de objeto quntico e transform-la em uma partculalocalizada quando realizamos uma medio quntica.''

    No obstante o princpio da correspondncia, o novo paradigma da fsicada fsicaqunticacontradiz os preceitos do realismo materialista. No h maneira de evitar tal

    concluso. No podemos dizer, citando a correspondncia, que a fsica clssica se mantmno caso dos macrobjetos para todas as finalidades prticas e que, desde que vivemos emum macromundo, teremos que supor que a estranheza quntica se limita ao domniosubmicroscpico da natureza. Ao contrrio, a estranheza obceca-nos atravs do caminhotodo at o macronvel. Surgiro paradoxos qunticos sem soluo se dividirmos o mundoem domnios da fsica clssica e quntica.

    Na ndia, engenhosamente, caa-se macaco com um pote de gro-de-bico. O macacoenfia a mo no pote para agarrar um punhado de gros. Infelizmente, com a mo fechadasobre o alimento, ele no pode mais tir-la do vaso. A boca do jarro pequena demais parao punho fechado. A armadilha funciona porque a cobia do macaco impede-o de soltar osgros. Os axiomas do realismo materialista materialismo, determinismo, localidade, e

    assim por diante serviram-nos bem no passado, poca em que nossos conhecimentoseram mais limitados do que hoje, mas, agora, transformaram-se em nossa armadilha.Temos que soltar os gros da certeza para poder saborear a liberdade existente fora daarena material.

    Se o realismo materialista no uma filosofia adequada para a fsica, '

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    /I imegraao entre utencta e t^ptrttuaitaaaeque filosofia pode acomodar toda a estranheza da fsica quntica? A filosofia do idealismomonstico, que constitui a base de todas as religies, em todo o mundo.

    Tradicionalmente, s as religies e as disciplinas humansticas deram valor vida

    humana, alm da sobrevivncia fsica valor que transparece atravs de nosso amor esttica, nossa criatividade na arte, msica e pensamento, e nossa espiritualidade naintuio da unidade. As cincias, prisioneiras da fsica clssica e de sua bagagem filosficade realismo materialista, tm sido as sereias tentadoras do ceticismo. Neste momento, anova fsica clama por uma filosofia nova e libertadora e que seja apropriada ao nossonvel atual de conhecimentos. Se o idealismo monstico satisfizer a necessidade, a cincia,as humanidades e a religio podero, pela primeira vez desde Descartes, andar de braosdados em busca da verdade humana total.

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    Captulo 4

    A FILOSOFIA DO IDEALISMO MONISTA

    Aanttese do realismo materialista o idealismo monista. Segundo esta filosofia, aconscincia, e no a matria, fundamental. Tanto o mundo da matria quanto o dosfenmenos mentais, como, por exemplo, o pensamento, so criados pela conscincia. Alm

    das esferas material e mental (que, juntas, formam a realidade imanente, o mundo damanifestao), o idealismo postula um reino transcendente, arquetpico, de idias, comoorigem dos fenmenos materiais e mentais. Importa reconhecer que o idealismo monista ,como o nome implica, uma filosofia unitria. Quaisquer subdivises, como o imanente e otranscendente, situam-se na conscincia. A conscincia, portanto, a realidade nica efinal.

    No Ocidente, a filosofia do idealismo monista teve em Plato seu proponente maisconhecido. Plato, QmA Repblica, deu-nos a famosa alegoria da caverna.' Comoaprenderam centenas de geraes de estudantes de filosofia, essa alegoria ilustra, commeridiana clareza, os conceitos fundamentais do idealismo. Plato imagina seres humanossentados imveis numa caverna, em tal posio que esto sempre voltados para a parede. O

    grande universo no lado de fora um espetculo de sombras projetadas na parede e ns,seres humanos, somos obsen^adores de sombras. Vemos som-bras-iluses queconfundimos com a realidade. A realidade autntica est s nossas costas, na luz e formasarquetpicas que lanam sombras na parede. Nessa alegoria, os espetculos de sombra soas manifestaes imanentes irreais, na experincia humana, de realidades arquetpicas quepertencem a um mundo transcendente. Na verdade, a luz a nica realidade, porquanto ela tudo que vemos. No idealismo monista, a conscincia como a luz na caverna de Plato.

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    A integrao entre utnaa e iLsptrttualtaadeAs mesmas idias bsicas reaparecem com grande freqncia na literatura idealista de

    numerosas culturas. Na literatura vedanta da ndia, a palavra snscrita2w

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    como real, mas tambm o que nos induz a aceitar a filosofia realista, que proclama que amatria (e sua forma alternativa, a energia) a nica realidade. Numerosos idealistassustentaram, contudo, que possvel experienciar diretamente o cu se procurarmos almdas experincias mundanas do dia-a-dia. Os indivduos que fazem essas alegaes sodenominados de msticos. O misticismo oferece prova experiencial do idealismo monista.

    MISTICISMOO realismo nasceu de nossas percepes na vida diria. Em nossas experincias do dia-a-dia no mundo, abundante a prova de que coisas so materiais e separadas umas das outrase de ns.

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    A Integrao entre Cincia e EspiritualidadeEvidentemente, experincias mentais no se ajustam bem a essa formulao.

    Experincias dessa ordem, como o pensamento, no parecem ser materiais, que o motivopor que criamos uma filosofia dualista que relega mente e corpo a domnios separados. Osdefeitos do dualismo so bem conhecidos. Principalmente, ele no consegue explicar comouma mente separada, no-material, interage com um corpo material. Se h essas interaesmente-corpo, ter que haver trocas de energia entre os dois domnios. Em um sem-nmerode experincias, descobrimos que a energia do universo material em si permanececonstante (a lei da conservao da energia). Tampouco qualquer evidncia demonstrou queenergia seja perdida para o domnio mental ou dele retirada. De que maneira pode issoacontecer, se interaes acontecem entre os dois domnios.''

    Os idealistas, embora sustentem que a conscincia a realidade primria e, portanto,atribuam valor s nossas experincias subjetivas, mentais, no sugerem que a conscinciaseja a mente. (Cuidado, leitor, com a possvel confuso ^emznucdcxomdenaatuma palavrarelativamente nova na lngua inglesa. A palavra mente freqentemente usada para denotarconscincia, especialmente na literatura mais antiga. Neste livro, a distino entre osconceitos de mente e conscincia necessria e importante.) Em vez delas, sugerem elesque os objetos materiais (tal como uma bola) e os objetos mentais (como pensar em umabola) so ambos objetos na conscincia. Na experincia, h tambm o sujeito, aquele queexperincia. Qual a natureza dessa experincia.'' Esta uma pergunta da mais altaimportncia no idealismo monista.

    De acordo com o idealismo monista, a conscincia do sujeito em uma experinciasujeito-objeto a mesma que constitui o fundamento de todo ser. Por conseguinte, aconscincia unitiva. S h um sujeito-conscincia, e somos essa conscincia. "T sisso!", dizem os livros sagrados hindus, conhecidos coletivamente como Upanishads.

    Por que, ento, em nossa experincia comum, ns nos sentimos to separados.'' Aseparatividade, insiste o mstico, uma iluso. Se meditarmos sobre a verdadeira naturezade nosso ser, descobriremos, como descobriram os msticos de muitas eras e tempos, ques h uma conscincia por trs de toda diversidade. Esta conscincia/sujeito/ser recebenumerosos nomes. Os hindus chamam-na de Atman, os cristos, de Esprito Santo, ou, nocristianismo quaere, de luz interior. Por qualquer nome que seja conhecida, todosconcordam que a experincia dessa conscincia una de valor inestimvel.

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTEMsticos budistas referem-se freqentemente conscincia para alm do indivduo

    como o no-ser, o que leva confuso potencial de que a possam estar negandointeiramente. O prprio Buda, no entanto, esclareceu essa m interpretao: "H o No-nascido, o No-originado, o No-criado, o No-formado. Se no houvesse esse No-nascido, esse No-originado, esse No-criado, esse No-formado, escapar o mundo donascido, do originado, do criado do formado, no seria possvel. Mas desde que h umNo-nascido, No-originado, No-criado, No-formado, possvel tambm transcender omundo do nascido, do originado, do criado, do formado.'"*

    Os msticos, portanto, so aqueles que do testemunho dessa realidade fundamental daunidade na diversidade. Uma amostragem de escritos msticos de culturas e tradiesespirituais diferentes confirma a universalidade da experincia mstica da unidade.^

    A mstica crist Catarina Adorna, de Gnova, que viveu na Itlia do sculo XYformulou clara e primorosamente seu conhecimento: "Meu ser Deus, no porparticipao simples, mas por uma transformao autntica de meu ser."*'

    O grande Hui-Neng, da China do sculo VI, um campons analfabeto cuja sbitailuminao resultou finalmente na fundao do Zen Budismo, declarou: "Nossa prprianatureza do ser Buda e, parte essa natureza, no h outro Buda."^

    Ibn al-Arabi, mstico sufista do sculo XII, reverenciado pelos sufstas como o Xequedos xeques, teve o seguinte a dizer: "Tu nem ests deixando de ser nem ainda existindo. Tus Ele, sem uma dessas limitaes. Se, ento, conheceres tua prpria existncia dessamaneira, ento conhecers a Deus e, se no, no o conhecers."*

    O cabalista Moiss de Leon, do sculoXiy que foi provavelmente o autor do Zohar, aprincipal fonte de referncia dos cabalistas, escreveu: "Deus... quando decide iniciar seutrabalho de criao, chamado Ele. Deus no desdobramento completo de seu Ser, Bem-

    aventurana e Amor, no qual torna-se capaz de ser percebido pelas razes do corao... chamado Vs. Mas Deus, em sua manifestao suprema, onde a plenitude de Seu Serencontra sua expresso final no ltimo e todo abrangente de seus atributos, chamado".''

    Atribui-se a Padmasambhava, mstico do sculo VIII, ter levado o budismo tntric aoTibete. Sua esposa, a carismtica Yeshe Tsogyel, expressou sua sabedoria da seguintemaneira: "Mas quando finalmente

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    A Integrao entre Cincia e Espiritualidade

    me descobrires, a nica pura Verdade nascida de dentro, a Conscincia Absoluta, permeia oUniverso.""'

    Meister Ekhart, o monge dominicano do sculo XIII, escreveu: "Nesta iluminao,percebo que Deus e eu somos um s. Depois, sou o que era e, ento, nem diminuo nemaumento, porque ento sou uma causa imvel que move todas as coisas."''

    Do mstico sufsta do sculo X, Monsoor al-Halaj, ouvimos o pronunciamento seguinte:"Eu sou a Verdade!"'^

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    Shankara, mstico hindu do sculo VIII, expressou exuberantemente essa iluminao:"Eu sou a realidade sem comeo, sem igual. No participo da iluso 'Eu' e 'Vs', 'Isto' e'Aquilo'. Eu sou Brahman, o primeiro sem segundo, a bem-aventurana sem fim, a verdadeetema, imutvel... Eu resido em todos os seres como a alma, a conscincia pura, ofundamento de todos os fenmenos, internos e externos. Eu sou o que desfruta e o que

    desfrutado. Nos dias de minha ignorncia, eu costumava pensar nessas coisas comoseparadas de mim. Agora, sei que sou Tudo.""E, finalmente, Jesus de Nazar declarou: "Eu e o Pai somos um."''*Qual o valor da experincia de unidade? Para o mstico, ela abre a porta para uma

    transformao do ser que gera amor, compaixo universal e liberta o homem dos grilhesde viver em separatividade adquirida e dos apegos compensatrios a que nos agarramos.(Este ser liberado chamado demoksha em snscrito.)

    A filosofia idealista nasceu das experincias e intuies criativas de msticos, quefrisam constantemente o aspecto experiencial direto da realidade subjacente. "O Tao doqual se pode falar no o Tao absoluto", disse Lao Tzu. Os msticos alertam que todos osensinamentos e escritos metafsicos devem ser considerados como dedos apontando para aLua, e no como a prpria Lua.

    Ou, como nos lembra oLankaoataraSutra: "Esses ensinamentos so apenas um dedoapontando para a Nobre sabedoria... Destinam-se ao estudo e orientao das mentesdiscriminadoras de todas as pessoas, mas no so a Verdade em si, que s pode serautocompreendida no mais profundo estado de nossa prpria conscincia."'^

    Alternativamente, alguns msticos recorrem a descries paradoxais. Escreve Ibn al-Arabi: "Ela (a conscincia) nem tem o atributo do ser nem do no-ser... Ela nem existentenem no-existente. No se pode dizer que seja a Primeira ou a ltima.""'

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    U UNIVKKSU AU X UUUMSCIENTE

    Na verdade, a metafsica idealista em si pode ser considerada como paradoxal,implicando, como acontece, o conceito paradoxal da transcendncia. O que transcendncia.? A filosofia s pode dizeineti, neti no isso, no aquilo. Mas o que.? A filosofia permanece em silncio. Ou, alternativamente, diz um dos Upanishads: "Elaest em tudo isso/Est fora de tudo isso."'^

    No reino transcendente, dentro do mundo imanente.'' Sim. Fora do mundo imanente.?Sim. A coisa se torna muito confusa.

    A filosofia idealista permanece na maior parte silenciosa diante de perguntas como: deque maneira a conscincia indivisa divide-se na realidade sujeito-objeto.? De que maneira aconscincia nica torna-se muitas.? Dizer que a multiplicidade observada do mundo

    iluso dificilmente nos satisfaz.A integrao de cincia e misticismo no tem que ser to desconcertante assim. Afinal

    de contas elas compartilham de uma semelhana importante: ambas nasceram de dadosempricos interpretados luz de princpios explanatrios tericos. Em cincia, a teoriaserve como explicao dos dados e como instrumento de previso e orientao paraexperimentos futuros. A filosofia idealista, igualmente, pode ser considerada como umateoria criativa, que atua como uma explicao das observaes empricas dos msticos, bemcomo orientao para outros pesquisadores da Verdade. Fmalmente, tal como a cincia, o

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    misticismo parece ser uma atividade universal. Nele no h paroquialismo. Este surgequando as religies simplificam os ensinamentos msticos para torn-los mais acessveis smassas da humanidade.

    RELIGIO

    Para chegar compreenso da Verdade, o mstico geralmente descobre e emprega umametodologia especial. As metodologias, ou sendas espirituais, apresentam tantosemelhanas quanto diferenas. As diferenas, que so secundrias universalidadedo/k^,^/mstico em si, contribuem para as diferenas nas religies fundadas com base nosensinamentos dos msticos. O Budismo, por exemplo, desenvolveu-se a partir dosensinamentos do Buda; o Judasmo, dos ensinamentos de Moiss; o Cristianismo, dos deJesus; o Islamismo, dos de Maom (embora, rigo-

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    A Integrao entre Cincia e Espiritualidaderosamente falando, Maom seja considerado como o ltimo de uma linhagem completa deprofetas, que inclua Moiss e Jesus); e oTaosmo, dos de Lao Tzu. Essa regra, porm, nodeixa de ter excees. O Hindusmo no se baseia nos ensinamentos de um determinadomestre, mas, na verdade, abrange numerosas sendas e variados ensinamentos.

    O misticismo implica a busca da verdade sobre a realidade final. J a funo da religio algo diferente. Os seguidores de um dado mstico (geralmente, aps sua morte) talvezreconheam que a busca individual da verdade no para todos. A maioria das pessoas,perdidas na iluso de separatividade do ego e ocupadas nas atividades a que o mesmo seentrega, no se sente motivada a descobrir por si mesma a verdade. Como, ento, pode aluz da realizao do mstico ser compartilhada com essas pessoas.''

    A resposta : simplificando-a. Os seguidores simplificam a verdade para torn-laacessvel pessoa comum. Essa pessoa vive em geral presa s exigncias da vida diria.Carecendo do tempo e da devoo necessrios para compreender a sutileza datranscendncia, ela no consegue compreender a importncia da experincia mstica direta.Dessa maneira, os provedores da verdade mstica substituem a experincia direta daconscincia unitiva pela idia de Deus. Infelizmente, Deus, o criador transcendente domundo imanente, refundido na mente da pessoa comum na imagem dualista de umpoderoso Rei dos Cus, que governa a Terra, embaixo. Inevitavelmente, a mensagem domstico diluda e distorcida.

    Os bem-intencionados seguidores do mstico fazem inadvertidamente o papel dodemnio na velha piada: Deus e o diabo estavam passeando juntos quando Deus apanhouno cho um pedao de papel. "O que que est escrito a.?", perguntou o diabo. "Averdade", respondeu serenamente Deus. "Ento, passe-a para c", falou o diabo impaciente."Eu a organizarei para voc."

    Ainda assim, a despeito das dificuldades e falhas da organizao, a religio de fatotransmite o esprito da mensagem do mstico, e isto o que lhe d vitalidade. Afinal decontas o valor para os msticos de realizar a natureza transcendente da Realidade que elesse tornam seguros em um modo de ser no qual virtudes como o amor se tornam simples.Como que no podemos amar quando s h uma conscincia e sabemos que ns e osoutros no estamos realmente separados.''

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    Mas como motivar a pessoa comum, que no vivncia a unicidade

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTE

    necessria para amar o prximo? O mstico percebe claramente que a ignorncia daunicidade transcendente o obstculo ao amor. O efeito lquido da ausncia de amor osofrimento. A fim de evit-lo, aconselham os msticos: temos que nos voltar para dentro einiciar a jornada para a auto-realizao. No contexto religioso, este ensinamento traduzido no preceito de que, se queremos nos redimir, temos que nos voltar para Deuscomo o valor supremo em nossa vida. O mtodo dessa redeno consiste de um conjuntode prticas, baseadas nos ensinamentos originais, que formam o cdigo moral das vriasreligies os 10 mandamentos e a Regra urea da tica crist, os preceitos budistas, a leialcornica ou talmdica, e assim por diante.

    Claro que nem todas as religies pregam o conceito de Deus. No Budismo, porexemplo, no h esse conceito. Por outro lado, so muitos os deuses no Hindusmo. Mesmonesses casos, porm, so evidentes as consideraes acima sobre a religio. Chegamos,assim, aos trs aspectos universais de todas as religies esotricas:

    1. Todas as religies comeam com a premissa de que h um erro em nossa maneira deser. O erro variadamente denominado de ignorncia, pecado original, ou apenassofrimento.

    2. Todas as religies prometem libertao desse erro, contanto que a "senda" sejaseguida. A libertao variadamente denominada de salvao, libertao da roda dosofrimento no mundo, iluminao, ou uma vida eterna no reino de Deus, o cu.

    3. A senda consiste em abrigar-se na religio e na comunidade formada pelos fiis damesma que cumprem um cdigo de tica e normas sociais. A parte a maneira como oensinamento esotrico de transcendncia transformado em um meio-termo, nos

    cdigos de tica e nas regras sociais que as religies diferem umas das outras'*Notem o dualismo bsico na primeira premissa: o errado e o certo (ou o mal e o bem).

    Em contraste, a jornada mstica consiste em transcender todas as dualidades, incluindo a domal e a do bem. Notem tambm que a segunda premissa transformada em cenouras eporretes pelo clerocu e inferno. O misticismo, por outro lado, no estabelece umadicotomia entre cu e inferno, pois ambos so concomitantes naturais da maneira comovivemos.

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    A Integrao entre Cincia e EspiritualidadeGomo pode entender o leitor, o monismo do idealismo monista, quando filtrado pelas

    religies mundiais, torna-se cada vez mais obscuro e prevalecem as idias dualistas. NoOriente, graas ao suprimento infindvel de estudiosos do misticismo, o idealismo monistaem sua forma esotrica manteve entre o povo pelo menos alguma popularidade e respeito.No Ocidente, contudo, o misticismo produz um impacto relativamente superficial. Odualismo das religies monotestas judai-co-crists domina a psique popular, apoiado emuma poderosa hierarquia de intrpretes. Tal como o dualismo mente-corpo cartesiano,

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    porm, o dualismo de Deus e mundo no parece resistir ao exame cientfico.'^ medidaque os dados cientficos solapam a religio, observa-se a tendncia de jogar fora o beb juntamente com a gua do banhosendo o beb a tica e os valores ensinados pelareligio, ticas e valores esses que continuam a ter validade e utilidade.

    Mas denunciar a falta de lgica das religies dualistas no precisa resultar na filosofia

    monista do realismo materialista. Conforme vimos, h um monismo alternativo. A vista damaneira como a fsica quntica demoliu o realismo materialista, o idealismo monista talvezseja a nica filosofia monista da realidade. A outra opo desistir inteiramente dametafsica, o que foi, alis, durante certo tempo, a direo da filosofia. Essa tendncia, noentanto, parece estar sendo revertida nos dias atuais.

    Mas agora temos que enfrentar a questo crucial: a cincia compatvel com oidealismo monista.? Se no , temos que abandonar a metafsica ao fazer cincia,agravando, assim, a crise crescente da f. Em caso afirmativo, temos que reformularacincia de acordo com os requisitos da filosofia. Neste livro, argumentamos que oidealismo monista no s compatvel com a fsica quntica, mas at essencial para suainterpretao. Os paradoxos da nova fsica desaparecem quando os examinamos do pontode vista do idealismo monista. Alm do mais, a fsica quntica, combinada com oidealismo monista, fornece-nos um poderoso paradigma, com o qual poderemos solucionaralguns dos paradoxos do misticismo, tais como as questes da transcendncia e dapluralidade. Nosso trabalho aponta na direo do incio de uma cincia idealista e de umarevitalizao das religies.

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTEMETAFSICA IDEALISTA PARA OBJETOS QUNTICOS

    Os objetos qunticos demonstram os aspectos de complementaridade de onda e partcula.

    Ser a complementaridade qunticaa soluo da dualidade onda-partculaa mesma quea complementaridade do idealismo monista.''

    O escritor George Leonard identificou obviamente um paralelo entre os dois tipos decomplementaridade quando escreveu, no The Silent Pulse: "A mecnica quntica o koanfinal de nossos tempos." Os koans so instrumentos usados pelos zen-budistas para romperparadoxos aparentes e chegar a solues transcendentes. Comparemos alguns koans com acomplementaridade.

    Em um deles, o novio zen Daibai perguntou a Baso, o mestre: O que o Buda.-* Respondeu Baso: Esta mente Buda. : Outro monge repetiu a pergunta: OqueBuda.?

    Ao que Baso respondeu: ' Esta mente no Buda.Agora, compare esse exemplo com a complementaridade de Bohr. Pergunta Bohr:

    O eltron uma partcula."* s vezes Bohrresponde: ...

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    Quando olhamos para o rastro de um eltron na cmara de condensao, faz sentidodizer que o eltron uma partcula. Examinando o padro de difrao dos eltrons,contudo. Bohr dir, fumando divertido seu cachimbo:

    Voc tem que concordar que um eltron uma onda. Parece que, tal como Baso, omestre zen. Bohr tem duas opinies

    sobre a natureza dos eltrons.Ondas qunticas so ondas de probabilidade. Precisamos fazer experimentos comnumerosas ondculas para perceber o aspecto ondulatrio, como no padro de difrao.A^aywaw, mas nunca mesmo, vemos o aspecto de onda de um nico objeto quntico;experimentalmente, ondcula isolada sempre, mas sempre revela-se como uma partculalocalizada. aspecto de onda, ainda assim, persiste, mesmo no caso de uma nica

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    A Integrao entre Cincia e Espiritualidadeondcula. Mas o aspecto de onda de uma ondcula isolada existe em um espaotranscendental, uma vez que ele nunca se manifesta no espao comum? Estar a idia decomplementaridade de Bohr apontando para a mesma ordem transcendente de realidadeque a filosofia do idealismo monista prope?

    Bohr nunca disse sim em tantas palavras a essas perguntas, mas, ainda assim, sua cotad'armas exibe o smbolo oy.n e d>yang. (Ele foi armado cavaleiro em 1947.) Poderia teracontecido que Bohr entendesse a complementaridade da fsica quntica de uma maneirasemelhante do idealismo monista, que apoiasse uma metafsica idealista para os objetosqunticos?

    Lembrem-se do princpio da incerteza. Se o produto da incerteza na posio e daincerteza nomommtum uma constante, ento reduzir a incerteza de uma medida aumentaa incerteza da outra. Extrapolando a partir desse argumento, podemos compreender que, sea posio for conhecida com absoluta certeza, ento omornentum torna-se inteiramenteincerto. E vice-versa. Quando omommtum conhecido com certeza absoluta, a posiotorna-se, por sua vez, inteiramente incerta.

    Numerosos iniciados na fsica quntica protestam contra essas implicaes do princpioda incerteza. "Mas, decerto", dizem eles, "o eltron tem que estar em algum lugar. Nssimplesmente no sabemos onde." No, pior. No podemos nem mesmo definir a posiodo eltron no espao e tempo ordinrios. Obviamente, objetos qunticos existem de umaforma muito diferente dos macrobjetos da vida diria.

    Heisenberg reconheceu tambm que um objeto quntico no pode ocupar um dadolugar e ainda mover-se ao mesmo tempo de uma forma previsvel. Qualquer tentativa detirar uma foto instantnea de um objeto submicroscpico resulta apenas em dar-nos suaposio, mas perdemos informao sobre seu estado de movimento. E vice-versa.

    Essa observao provoca outra pergunta. O que faz o objeto entre uma e outra fotoinstantnea? (Esta situao semelhante questo de eltrons dando saltos qunticos entreas rbitas de Bohr: para onde vai o eltron entre os saltos?) No podemos atribuir umatrajetria a um eltron. Para fazer isso, teramos que conhecer tanto a posio do eltronquanto sua velocidade em algum momento inicial, e isto violaria o princpio da incerteza.Podemos atribuir ao eltron qualquer realidade manifesta no espao e tempo, entre

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    observaes? De acordo com a interpretao de Copenhague da mecnica quntica, aresposta no.

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTEEntre observaes, o eltron espalha-se de acordo com a equao de Schrdinger, mas

    probabilisticamente, &mpotentia, disse Heisenberg, que adotou a palavra/)o/(OT/&z usadapor Aristteles.^" Onde que existe esspotentiaUma vez que a onda de eltron entraimediatamente em colapso quando a observamos, potentia no poderia existir no domniomaterial do espao-tempo. Nessa dimenso, todos os objetos tm que obedecer ao limite develocidade einsteiniano, lembram-se.? Em vista disso, o domnio zpotentia deve situar-sefora do espao-tempo. Kpotmtia existe em um domnio transcendente da realidade. Entreobservaes, o eltron existe como uma forma de possibilidade, tal como um arqutipoplatnico, no domnio transcendente dipotentia. ("Eu existo na Possibilidade", escreveu a poetisa Emily Dickinson. Se o eltron pudesse falar, seria assim que provavelmente

    descreveria a si mesmo.)Eltrons so remotos demais da realidade pessoal comum. Suponhamos que

    perguntamos: a Lua est l em cima quando no a olhamos.-* Na medida em que ela , emltima anlise, um objeto quntico (sendo composta inteiramente de objetos qunticos),temos que responder que no ou assim diz o fsico David Mermin.^' Entre observaes,a Lua existe tambm como uma forma de possibilidade empotentia transcendente.

    Talvez a mais importante, e mais insidiosa, suposio que absorvemos na infncia queo mundo material de objetos existe l foraindependente dos sujeitos, que so seusobservadores. H prova circunstancial em favor dessa suposio. Em todas as ocasies emque olhamos para a Lua, por exemplo, ns a encontramos onde esperamos que esteja, aolongo de sua trajetria classicamente calculada. Naturalmente, projetamos que ela est

    sempre l no espao-tempo, mesmo quando no a estamos olhando. A fsica quntica dizque no. Quando no estamos olhando, a onda de possibilidade da Lua espalha-se, aindaque em um volume minsculo. Quando olhamos, a onda entra em colapso imediato. Ela, portanto, no poderia estar no espao-tempo. Faz mais sentido adaptar uma suposiometafsica idealista: no h objeto no espao-tempo sem um sujeito consciente observando-o.

    As ondas qunticas, portanto, so semelhantes a arqutipos platnicos no domniotranscendente da conscincia, e as partculas que se manifestam quando as observamos soas sombras imanentes na parede da caverna. A conscincia o meio que produz o colapsoda onda de um objeto quntico, que existe empotentia, tornando-a uma partcula

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    A Integrao entre Cincia e Esptrttuahdadeimanente no mundo da manifestao. Esta a metafsica idealista bsica, que usaremos notocante a objetos qunticos neste livro. Sob a iluminao dessa idia simples, veremos quetodos os paradoxos famosos da fsica quntica desaparecero como o nevoeiro da manh.

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    Advertncia: se "espao externo" leva-o a pensar em outra "caixa" fora da "caixa"espacial em que nos encontramos, esquea isso. Por definio, a outra caixa pode ser umaparte to legtima do universo do espao como a nossa. Com a conexo no-local somosforados a conceituar um domnio de realidade fora do espao-tempo porque uma conexolocal no pode nele acontecer.

    Mas h outra maneira paradoxal de pensar na realidade no-local como estar em todaparte e em parte alguma, em toda e nenhuma ocasio. Essa idia ainda paradoxal, mastambm sugestiva, no.? No consigo resistir tentao de fazer um trocadilho com aexpresso "em parte alguma" {nowhere), que, no tempo de criana, li (a primeira vez emque a encontrei) como "agora/aqui" {now here). A no-localidade (e a transcendncia)esto em parte alguma e agora/aqui.

    Demcrito, h cerca de dois mil e quinhentos anos, props a filosofia do materialismo,mas, logo depois, Plato nos deu uma das primeiras descries claras da filosofia doidealismo monista. Conforme notou Werner Heisenberg, a mecnica quntica indica queentre as duas mentes, de Plato e Demcrito, que mais influenciaram a civilizaoocidental, a do primeiro pode acabar por ser a vencedora final.^'* O sucesso

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    A Integrao entre Cincia e Espiritualidadedesfrutado pelo materialismo de Demcrito na cincia nos ltimos 300 anos talvez sejaapenas uma aberrao. A teoria quntica, interpretada de acordo com uma metafsicaidealista, est pavimentando a estrada para uma cincia idealista, na qual a conscincia vemem primeiro lugar e a matria desce para uma apagada importncia secundria.

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    PARTE 2

    O IDEALISMO EASOLUO DOS

    PARADOXOS QUNTICOS

    Hbitos de pensamento morrem lutando. Embora a mecnica quntica tenha substitudo amecnica clssica como teoria fundamental da fsica, muitos de seus estudiosos, condicionadospela antiga viso do mundo, ainda acham difcil de engolir as implicaes idealistas da primeira.Eles no querem fazer as embaraosas per-ffintas metafsicas provocadas pela primara. Alimentama esperana de que, se forem iffiorados, esses problemas desaparecero. Certa vez, no ino deuma discusso dos paradoxos da mecnica quntica, o laureado Nobel Richard Feynman fez uma

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    caricatura dessa atitude, em seu inimitvel ar de ironia: "Psiu,psiu", ele disse. "Fechem as portas."

    Nos cinco captulos seguintes vamos abri-las e expor os paradoxos da fsica quntica. Nossoobjetivo ser demonstrar que, quando analisados luz do idealismo monista, descobrimos que os paradoxos no so to chocantes e contraditrios assim. A observncia rigorosa de umametafsica idealista, baseada em uma conscincia transcendente, unitiva, que gera o colapso da

    onda quntica, resolve, de forma no arbitrria, todos os paradoxos em questo. Descobriremosque inteiramente possvel fazer cincia dentro do marco do idealismo monista. O resultado umacincia idealista que integra esprito e matria.

    A idia de que a conscincia provoca o colapso da onda quntica foi oriffnaria-

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTEmente proposta pelo matemtico John von Neumann, na dcada de 1930. Por que demoramostanto para estudar seriamente essa idia? Talvez ajude uma curta discusso de como surgiu meuprprio esclarecimento nesse assunto.

    Em 1983, fui convidado a participar de um seminrio de 10 semanas de durao sobreconscincia, no Departamento de Psicloga da Universidade de Oregon. Fiqu muito lisonjeadoquando esses psiclogos eruditos escutaram, sem arredar p, seis horas inteiras de palestra que fizsobre idias qunticas. A grande recompensa, no entanto, ocorreu quando um dos estudantes degraduao, do grupo do psiclogo Michael Posner, mencionou alguns dados cognitivos reunidospor um estudioso chamado Tony Marcel Alguns dos dados diziam respeito a "ver sem consnadever'': exatamente o que eu estava procurando.

    Com o corao em disparada, escuta os dados e relaxa apenas quando compreendi que elesestavam em completo acordo com o fato de minha conscincia provocar o colapso do estadoquntico do crebro-mente quando vemos conscientemente (ver Captulo 7). Quando vemos semconscincia de que vemos, no ocorre colapso, e isso fazia realmente um bocado de diferena emexperimentos. Antes muito tempo, compreendi tambm como resolver o paradoxo menor criado

    pela distino entre percepo consente e inconsciente. O segredo consiste em distinguir entreconscincia epercepo.

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    Captulo 5

    OBJETOS SIMULTANEAMENTEEM DOIS LUGARES

    E EFEITOS QUEPRECEDEM SUAS CAUSAS

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    Os dogmas fundamentais do realismo materialista simplesmente no se sustentam. Emlugar de determinismo causal, localidade, objetividade forte e epifenomenalismo, amecnica quntica oferece probabilidade e incerteza, complementaridade onda-partcula,no-localida-de e entrelaamento de sujeitos e objetos.

    Comentando a interpretao da probabilidade da mecnica quntica, que gera incertezae complementaridade, Einstein costumava dizer que Deus no joga dados. Paracompreender o que ele tinha em mente com estas palavras, imagine que voc est fazendoum experimento com uma amostra radioativa que, claro, obedece s leis qunticas probabilsticas do decaimento (radioativo). Seu trabalho consiste em medir o temponecessrio para que ocorram 10 eventos radioativos 10 cliques em seu contador Geiger.Suponha ainda que necessrio, em mdia, meia hora para que ocorram os 10 casos dedecaimento. Por trs dessa mdia, esconde-se a probabilidade. Alguns experimentospoderiam levar 32 minutos; outros, 25, e assim por diante. Complicando as coisas, voc temque pegar um nibus para ir ao encontro da noiva, que odeia ficar espera. E sabe o que que acontece.'' O ltimo experimento demora 40 minutos porque um nico tomo,aleatoriamente, no inicia o proceso de decaimento, como ocorreu com os tomos co-

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTEmuns. Voc, portanto, perde o nibus, a noiva rompe com voc e sua vida arruinada.' Istopode ser um exemplo inventado meio tolo do que acontece em um mundo cujo Deus jogadados, mas no transmite o argumento. Podemos confiar em eventos probabilsticos apenasna mdia.

    A aieatoriedade dos eventos atmicos o jogo de dados do acaso, por assim dizer

    abominvel para o determinista. Ele pensa em probabilidade da maneira como nelapensamos na fsica clssica e na vida diria: uma caracterstica de grandes conjuntos deobjetos conjuntos to grandes e complicados que no podemos, como assunto prtico, prev-los, embora, em princpio, essa previso seja possvel. Para o determinista, a probabilidade simplesmente uma convenincia do pensamento. As leis fsicas queregulam os movimentos de objetos individuais so inteiramente determinadas e, portanto,inteiramente previsveis. Acreditava Einstein que o universo mecnico qunticocomportava-se tambm dessa maneira: havia variveis ocultas por trs das incertezasqunticas. As probabilidades da mecnica quntica eram simplesmente questes deconvenincia. Se tal fosse o caso, a mecnica quntica teria que ser uma teoria deconjuntos. Na verdade, se no aplicamos a descrio probabilstica de onda a um nico

    objeto quntico, tampouco deparamos com os paradoxos que nos intrigam acomplementaridade onda-partcula e a inseparabilidade do objeto quntico deconsideraes da maneira como observado.

    Infelizmente, as coisas no so to simples assim. O estudo de uns dois experimentosde mecnica quntica mostrar como difcil encontrar logicamente razes para eliminaros paradoxos da nova fsica.

    O EXPERIMENTO DA FENDA DUPLA' ; ;

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    Jamais podemos ver o aspecto de onda de uma ondcula nica. Em todas as ocasies emque olhamos, tudo o que vemos uma partcula localizada. Deveremos, por conseguinte,supor que a soluo metafsica transcendente.'' Ou deveremos esquecer a idia de que hum aspecto de onda em uma ondcula nica.'' Talvez as ondas que aparecem na fsicaquntica sejam apenas caractersticas de grupos ou conjuntos de objetos.

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    o Idealismo e a Soluo dos Paradoxos QunticosCom o objetivo de determinar se isso acontece, podemos analisar um experimento

    comumente usado para estudar fenmenos ondulatrios: o experimento da fenda dupla. Napreparao desse experimento, um feixe de eltrons passa atravs de uma tela que contmduas estreitas fendas (fig. 14). Uma vez que eltrons so ondas, o feixe fendido em doisconjuntos de ondas pela tela que contm as duas fendas. Essas ondas interferem em seguidaentre si, e o resultado da interferncia aparece em uma tela fluorescente.

    fonte do eltron

    I))))

    fluorescente

    Figura 14. O experimento de fenda dupla com eltrons.Simples, no? Mas passemos em revista o fenmeno de interferncia. Gomo

    demonstrao simples, se voc no conhece bem esse fenmeno, ponha-se em p em umabanheira cheia e crie dois conjuntos de ondas na gua, marchando ritmicamente, sem sairdo lugar. As ondas formaro um padro de interferncia (fg. 15a). Em algum ponto, elas se

    reforaro mutuamente (fg. 15b); em outros, elas causaro destruio mtua (fg. 15c). Dao padro.Analogamente, h locais na tela fluorescente em que as ondas de eltrons, procedentes

    das duas fendas, chegam em fase, isto , correspondem a seus passos na dana. Nesseslocais, suas amplitudes se somam e a onda total reforada. Entre esses pontos brilhantes,h locais onde as duas ondas chegam fora de fase e se cancelam mutuamente. O resultadodessa

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    (b)

    reforo construtivo de interferncia

    (c)

    cancelamentona interferncia

    destrutiva

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    Figura 15. (a) Quando ondas de gua interferem entre si, elas ocasionam um interessante padro dereforos e cancelamentos, (b) Quando as ondas chegam em fase, elas se reforam reciprocamente,(c) Ondas fora de fase. Resultado: cancelamento.

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    o Idealismo e a Soluo dos Paradoxos Qunticosinterferncia, construtiva e destrutiva, aparece em seguida na tela fluorescente como um padro defranjas brilhantes e escuras alternadas: um padro de interferncia (fg. 16). E importante notar queo espaamento das franjas permite-nos medir o comprimento das ondas.

    Fi^ra 16. O padro de interferncia de lampejos na tela. '.Lembrem-se, porm, que ondas de eltrons so ondas de probabilidade. Temos, portanto, que

    dizer que a probabilidade de um eltron chegar s reas claras que alta e que baixa aprobabilidade de que chegue s reas escuras. No devemos, porm, ficar entusiasmados demais econcluir do padro de interferncia que as ondas de eltrons so ondas clssicas, porque os eltronsde fato chegam tela fluorescente de forma muito parecida com a de partculas: um lampejo

    localizado por eltron. A totalidade dos pontos formados por um grande nmero de eltrons quese parece com um padro de interferncia de onda.Suponhamos que assumimos agora um risco intelectual e tornamos o feixe de eltrons muito

    fraco to fraco que, em qualquer dado momento, apenas um eltron chega s fendas. Obteremosainda um padro de interferncia.? A mecnica quntica diz inequivocamente que sim. Mas no sonecessrias duas ondas para que interfiram entre si.'' Pode um nico eltron fendido passar atravsde ambas as fendas e interferir consigo mesmo.'' Sim, pode. A mecnica quntica responde sim atodas estas perguntas. Ou, como explica Paul Dirac, um dos pioneiros da nova fsica: "Cada fton(neste caso, eltron) interfere apenas consigo mesmo." Aprova que a mecnica quntica oferecepara essa proposio absurda matemtica, mas esta nica proposio responsvel por toda amgica milagrosa de que so capazes os sistemas qunticos e que foi confirmada por milhares deexperimentos e tecnologias.

    Tente imaginar que 50 por cento de um eltron passa por uma fenda e 50 por cento pela outra. Efcil ficar exasperado e recusar a acreditar nesta estranha conseqncia da matemtica quntica. Oeltron passa realmente por ambas as fendas, na mesma ocasio.'^ Por que deveramos

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTEaceitar isso como certo? Podemos descobrir, observando. Podemos dirigii o feixe de uma lanterna(metaforicamente falando) para uma fenda, com o objetivo de ver atravs de que buraco o eltronest realmente passando. Acendemos a lanterna, e enquanto vemos um eltron passando atravs deuma dada fenda, olhamos tambm para ver onde o lampejo aparece na tela fluorescente (fg. 17). O

    que descobrimos que em toda ocasio que um eltron passa pela fenda seu lampejo apareceexatamente atrs da fenda pela qual passa. O padro de interferncia desapareceu.

    lanterna

    fontedos

    eltrons

    fendas

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    Figura 11. Quando tentamos identificar a fenda pela qual passa o eltron, , j focalizandouma lanterna sobre as fendas, o eltron exibe sua natureza de partcula - exatamente o queesperaramos se os eltrons fossem bolas de beisebol em miniatura.

    O que acontece nesse experimento pode ser compreendido, em primeiro lugar, comoum caso do princpio de incerteza. Logo que localizamos o eltron e determinamos a fendaatravs da qual ele passa, perdemos a informao sobre seu momentum. Eltrons so coisasmuito delicadas. A coliso com o fton que estamos usando para observ-lo afeta-o, demodo que SQumomentum muda em um volume imprevisvel. O momentum e ocomprimento de onda do eltron tm relao entre si: e esta foi a grande descoberta de DeBroglie, que a matemtica quntica incorporou. Perder informao sobre omomentum doeltron, portanto, o mesmo que perder informao sobre seu comprimento de onda. Sehouvesse franjas de interferncia, poderamos medir o comprimento de

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    o Idealismo e a Soluo dos Paradoxos Qunticosonda pelo espaamento entre elas. O princpio da incerteza diz que logo que determinamos a fendapela qual est passando o eltron, o processo de olhar destri o padro de interferncia.

    Temos que compreender que as medies de posio ^momentum do eltron so realmenteprocessos complementares, mutuamente exclusivos. Podemos concentrar-nos nomomentum e mediro comprimento de onda e, portanto, o momentum do eltron vista do padro deinterferncia, mas, neste caso, no podemos saber atravs de qual fenda ele passa. Ou podemosconcentrar-nos na posio e perder o padro de interferncia, ou seja, a informao sobre ocomprimento de onda e o momentum.

    H uma segunda maneira, ainda mais sutil, de compreender e reconciliar tudo isso a via doprincpio da complementaridade. Dependendo da aparelhagem que escolhermos, vemos o aspectode partcula (por exemplo, usando uma lanterna) ou o aspecto de onda (sem lanterna).

    Entender o princpio da complementaridade como dizendo que os objetos qunticos sosimultaneamente onda e partcula, mas que s podemos ver um dos atributos com um arranjoexperimental particular, certamente correto, mas a experincia nos ensina tambm algumassutilezas. Temos tambm que dizer, por exemplo, que o eltron no onda (porque o aspecto deonda nunca se manifesta no caso de um eltron nico) nem partcula (porque ele aparece na tela emlocais proibidos s partculas). Em seguida, se formos cautelosos em nossa lgica, teremos tambmque dizer que o fton no no-onda nem no-partcula, para que no haja mal-entendido sobre amaneira como usamos as palavras onda ^partcula. Esta lgica parece-se muito com a deNagarjuna, o filsofo idealista do sculo I d.C, o lgico mais hbil da tradio budista Mahayana}Os filsofos orientais transmitem a maneira como compreendem a realidade ltima dizendo^Aneti(isso no, aquilo no). Nagarjuna formulou esse ensinamento em quatro negaes:

    Ela no existe.

    Ela no no existe.Ela no existe e no no existe simultaneamente.Nem ela no existe nem no no existe.

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    o UNIVERSO AUTOCONSCIENTE

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    Para compreender com mais clareza a complementaridade, suponhamos que voltamosao experimento anterior, desta vez usando baterias fracas, para tornar um pouco mais tnuea luz da lanterna que projetamos sobre os eltrons. Quando repetimos o experimento dafigura 17 com feixes de luz cada vez mais fracos, descobrimos que alguns dos padres deinterferncia comeam a reaparecer, ficando mais visveis medida que tornamos cada vez

    mais fraca a luz da lanterna (fig. 18). Quando a lanterna inteiramente desligada, volta opadro completo de interferncia.

    ji-^- .^^.'MIAUXMJVJ:xv.--j-/ 'sr- Figura 18. Com uma. '& ---^ rjPwKwKBKlt

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    U UMIVEKSU AUIUUCJNSUIENTE

    transformada na dana criativa de uma ondcula transcendente. Quando localizamos oeltron, ao descobrir atravs de qual fenda ele passou, reve-lamos-lhe o aspecto departcula. Nos casos em que no o localizamos, ignorando a fenda pela qual ele passou,

    revelamos-lhe o aspecto de onda. Neste ltimo caso, o eltron passa por ambas as fendas.

    O EXPERIMENTO DE OPO RETARDADAVamos esclarecer bem a caracterstica excepcional seguinte do princpio dacomplementaridade: o atributo que a ondcula quntica revela depende da maneira comoresolvemos observ-la. Em nenhum caso a importncia da escolha consciente namodelao da realidade manifesta mais bem demonstrada do que no experimento daopo retardada, sugerido pelo fsico John Wheeler.

    A figura 20 mostra uma montagem na qual um feixe de luz dividido em dois, ambosde intensidade igualum refletido e o outro transmitido , utilizando um espelho Af,semiprateado. Esses dois feixes so em seguida refletidos por dois espelhos comuns^ e B

    para um ponto de encontro/' direita.A fim de detectar o aspecto ondulatrio da ondcula, aproveitamos o fenmeno dainterferncia de onda e colocamos um segundo espelho semiprateado, J/2 QTCXP(fig. 20,canto esquerdo). As duas ondas criadas pelo feixe que se divide emi/j so, nesse momento,foradas poxM^a interferir construtivamente em um dos lados deP (onde, se colocarmosum contador de ftons, o contador produz uma srie de cliques) e, destrutivamente, nooutro lado (onde o contador nenhum clique produz) . Note que quando estamos detectandoo modo de onda dos ftons, temos que concordar que cada fton se divide emA/^ e viajapelas rotasAeB.No fosse assim, de que maneira poderia haver interferncia.''

    Dessa maneira, quando o espelho Af, divide o feixe, cada fton est potencialmentepronto para viajar por ambas as rotas. Se nesse momento resolvemos detectar o modo de

    partcula das ondculas de fton, retiramos o espelhoAf^' Q^^ ^^^^ emP (para impedirrecombinao e interferncia), e colocamos os contadores do outro lado do ponto decruzamento/*, conforme mostrado no canto inferior direito da figura 20. Um ou outrocontador emitir uma srie de cliques, definindo o rumo localizado de uma ondcula, orumo refletido^ ou o rumo transmitidoB,para mostrar seu aspecto de partcula.

    100

    o Idealismo e a Soluo dos Paradoxos Qunticos

    N P ^escolha '' retardada: dentro ou fora

    ^"2 "x

    qual rota? /\ /^\ /\/

    / p \

    Figura 20. O experimento de escolha retardada. CANTO INFERIOR ESQUERDO: o arranjo paraver a natureza de onda do eltron. Um dos detectores jamais detecta quaisquer ftons, significando

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    isto cancelamento devido interferncia de onda. O fton deve ser dividido e viajado por ambas asrotas na mesma ocasio. CANTO INFERIOR DIREITO: arranjo para ver a natureza de partcula dofton. Ambos os detectores clicam - embora apenas um de cada vez- indicando qual a rota tomadapelo fton.

    101

    KJUlMVJlKW AU H^l-iWiNaumiNlti

    o aspecto mais sutil do experimento o seguinte: no experimento da opo retardada, oexperimentador resolve no ltimo momento possvel, no ltimo (10"'^) pico segundopossvel (isto foi feito em laboratrio)^, se colocar ou no o espelho semiprateado emP, sevai ou no medir o aspecto de onda. Na verdade isso significa que os ftons j viajarampara alm do ponto de diviso (se voc pensa neles como objetos clssicos). Ainda assim,colocar o espelho emPsempre mostra o aspecto de onda, ao passo que omitindo esse passosurge o aspecto de partcula. Estava cada fton movendo-se em um ou em doisrumos.''Aparentemente, os ftons respondem instantnea e retroativamente at a nossa

    opo retardada. O fton viaja por um ou ambos os rumos, exatamente de acordo comnossa opo. Como que ele sabe.'' O efeito de nossa opo estar lhe precedendo a causano tempo.'' Diz Wheeler: "A natureza no nvel quntico no uma mquina que segue,inexorvel, seu caminho. Em vez disso, a resposta que obtemos depende da pergunta quefazemos, do experimento que montamos, do instrumento de registro que escolhemos.Estamos inescapavelmente envolvidos em fazer com que acontea aquilo que parece estaracontecendo.'"*

    Nenhum fton se manifesta at que o vemos e, portanto, a maneira como o vemos lhedetermina os atributos. Antes de nossa observao, o fton divide-se em dois pacotes deondas (um pacote para cada rumo), mas que so apenas pacotes de possibilidades para ofton: no h realidade no espao-tempo, nenhuma tomada de deciso emi/,. O efeito

    preceder sua causa e violar o princpio da causalidade.'' Certamente que sim sepensarmos no fton como uma partcula clssica sempre manifesta no espao-tempo. Ofton, contudo, no uma partcula clssica.

    Do ponto de vista da fsica quntica, se colocamos um segundo espelho em^em nossoexperimento de opo retardada, os dois pacotes divididos Qmpotentia combinam-se einterferem entre si. No h problema. Se houvesse um espelho em P e o tirssemos noltimo pico segundo possvel, detectando o fton no rumo J, digamos, pareceria que eleest respondendo retroativamente nossa opo retardada ao viajar apenas por um rumo.Neste caso, por conseguinte, o efeito parece estar precedendo a causa. Este resultado noviola o princpio da causalidade. Como assim?

    Temos que compreender uma maneira mais sutil de observar o segundo experimento de

    deteco do aspecto de partcula, conforme elucidado por Heisenberg: "Se, neste momento,um experimento produz o resultado de que o fton est, digamos, na parte refletida do pa-

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    o Idealismo e a Soluo dos Paradoxos Qunticos

  • 8/3/2019 o Universo Autoconsciente -Livro Amit Goswami

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    cote de ondas (rumo^4), ento a probabilidade de encontr-lo na outra parte do pacotetorna-se imediatamente zero. O experimento na posio do pacote refletido exerce emseguida uma espcie de ao... no ponto distante ocupado pelo pacote transmitido, e vemosque esta ao se propaga com uma velocidade maior do que a da luz. No obstante, tambm bvio que este tipo de ao jamais poder ser utilizado para transmitir um sinal, de

    modo que ele no... entra em choque com os postulados da teoria da relatividade."^Esta ao distncia um aspecto importante do colapso do pacote de ondas. O termotcnico que usamos para e