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O TRABALHO ENQUANTO CONSTRUÇÃO SOCIO HISTÓRICA:
CONSIDERAÇÕES A CERCA DO CONTEXTO ATUAL
Fabiane Márcia Drews1
Andréa Fão Carloto
RESUMO: Este estudo visa tecer reflexões sobre o trabalho a partir das expressões da questão social
identificadas na contemporaneidade. Articulando elementos teóricos a cerca do conceito de trabalho,
construído histórica e socialmente e articulado às expressões da denominada “questão social” como
resultado do processo de exploração da força de trabalho. Articulando a experiência vivenciada
cotidianamente no Serviço de Perícia Oficial em Saúde da Universidade Federal de Santa Maria, tendo
como público alvo os servidores atendidos nesse espaço socioinstitucional. Metodologicamente,
objetivando a singularidade na caracterização da realidade observada, este trabalho propõe-se a
dissertar sobre um estudo de caso com abordagem qualitativa. O estudo evidencia as diversas
transformações, da categoria trabalho ao longo da história, o que não resulta na perda da centralidade
desta categoria na vida dos sujeitos. O adoecimento é trabalhado aqui como expressão da “questão
social”, não podendo ser entendido com consequência do trabalho em si, mas sim do processo de
trabalho inserido socialmente no modo de produção capitalista.
PALAVRAS-CHAVE: Saúde; Servidores Públicos Federais; Trabalho.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda o Eixo temático intitulado “Trabalho e “questão social” no
capitalismo contemporâneo”. Tendo como intuito abordar o mundo do trabalho bem como as
expressões da questão social que podem ser evidenciadas no cotidiano dos servidores públicos
federais a partir de intervenção do Serviço Social, enquanto equipe de apoio à Perícia Oficial
em Saúde da Universidade Federal de Santa Maria.
Para isso, o estudo apresenta uma breve reflexão teórica sobre o trabalho.
Conceituando-o inicialmente, a luz da teoria marxista. Abordando na sequência um sucinto
histórico sobre os significados do trabalho ao longo dos tempos, culminando com as suas
implicações na contemporaneidade.
Levando em consideração o trabalho inscrito nas relações de produção do sistema
capitalista, discorrer-se-á sobre a questão social como resultado do processo de exploração da
1 Universidade Federal de Santa Maria. [email protected]
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força de trabalho e apropriação de seu produto. Ressaltando os diversos entendimentos e
formas para seu enfrentamento, de acordo com cada tempo histórico.
Baseado nesses elementos teóricos busca-se articular a experiência vivenciada
cotidianamente no Serviço de Perícia Oficial em Saúde da Universidade Federal de Santa
Maria. Assim, com este estudo não se pretende ampliar conceitos sobre uma análise global do
processo de saúde e adoecimento dos trabalhadores, mas a partir dele impulsionam-se novos
olhares e posicionamentos referentes ao assunto, vindo a integralizar o processo de trabalho
como parte inerente a todo ser humano, sendo este manifestado em várias expressões
socialmente construídas e estabelecidas, formando a identidade de todos os sujeitos
envolvidos através do valor social a ele atribuído.
OBJETIVO
Tecer reflexões sobre o trabalho a partir das expressões da questão social identificadas
na contemporaneidade.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este estudo visa desenvolver um de Estudo de Caso, objetivando a singularidade das
intervenções realizadas, caracterizando-se através da descrição da realidade observada em
todo contexto envolvido. A realidade aqui é apresentada a partir da intervenção profissional
do Serviço Social na Perícia Oficial em Saúde/UFSM. Tendo por base este espaço de trabalho
apresentam-se reflexões a cerca das situações de adoecimento no trabalho evidenciadas
diretamente no cotidiano profissional.
O presente estudo referencia-se no método do materialismo histórico e dialético, que
orienta e/ou embasa hegemonicamente a intervenção dos profissionais de Serviço Social no
Brasil, a partir das discussões realizadas pela categoria profissional durante as décadas de
1960 e 1970, que culminaram no Movimento de Reconceituação da profissão.
As categorias expressas no método – a totalidade, a contradição e a mediação –
mostram-se como essenciais para este estudo e expressam que a natureza humana não está
isolada e sim “[...] só existe na história, num processo global de transformação, que abarca
todos os seus aspectos” (KONDER, 1997, p. 53). Entretanto, a contradição é uma categoria
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essencial para a transformação do que está posto num determinado momento, possibilitando a
construção de novas sínteses. Outra categoria, a totalidade, mostra-se dinâmica, tendo em
vista que a realidade está sempre em constante movimento.
[...] seu movimento resulta do caráter contraditório de todas as totalidades que compõe a
totalidade inclusiva e macroscópica. Sem as contradições, as totalidades seriam totalidades
inerentes, mortas – e o que a analise registra é precisamente a sua continua transformação
(NETTO, 2011, p. 57).
Explicadas as categorias do método que baliza a leitura de realidade social, evidencia-
se que o estudo é baseado na abordagem qualitativa, que “[...] trabalha com o universo dos
significados, dos motivos, das adaptações, das crenças, dos valores e das atitudes”
(MINAYO, SOUZA, 2011, p.21). O que proporciona ressaltar a singularidade através da
descrição da realidade observada em todo contexto envolvido.
Salienta-se ainda, que são utilizadas algumas técnicas, como, estudo de bibliografias e
documentos relacionados à temática, além da observação cotidiana nesse espaço
socioocupacional.
O TRABALHO E A PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DA VIDA EM SOCIEDADE
Marx, a partir de meados de 1840, “[...] empreendeu a análise da sociedade burguesa,
como o objetivo de descobrir a sua estrutura e a sua dinâmica” (NETTO,
2011, p.18). Essas ideias, mais tarde, serviram de suporte para muitos estudos. Ainda
hoje, considera-se atual a análise e o método desenvolvido por ele para compreender as
contradições inerentes à sociedade capitalista.
Assim, o trabalho, na perspectiva Marxista, é entendido como elemento constitutivo da
natureza humana e exerce uma centralidade para a humanidade, tendo em vista que apresenta-
se como categoria fundante do ser social, proporcionando o desenvolvimento das forças
produtivas, das relações sociais. Pois, nessa percepção, é
[...] Por meio do trabalho os homens não apenas constroem materialmente a sociedade,
como também lançam as bases para que se construam como indivíduos. A partir do
trabalho, o ser humano se faz diferente da natureza, se faz um autêntico ser social, com leis
de desenvolvimento histórico completamente distintas das leis que regem os processos
naturais (LESSA; TONET, 2011, p.17).
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Porém o trabalho pode ser entendido de diversas formas, ou seja, ter diferentes e
inclusive divergentes significações para os sujeitos e sociedades, o que pode ser observado ao
longo da história. Para melhor exemplificar isso discorrer-se-á sobre o significado do trabalho
nos diferentes modos de produção: “O modo antigo de produção baseia-se no trabalho
escravo; o feudal, no trabalho dos servos e da gleba; o capitalista, no trabalho do empregado
assalariado” (WOLECK, p. 6).
Na Antiguidade o trabalho era sinônimo de perda de liberdade, não sendo
desvinculado de escravatura. No entendimento da tradição judaico-cristã o trabalho apresenta-
se como sofrimento, punição, maldição, representando não somente o cansaço físico, mas
também uma condição social. No período da Antiguidade o trabalho não era pensado como
fonte de riqueza, o que de fato importava era o valor de uso não o de troca.
O trabalho, na Antiguidade, não se desvincula do entendimento da escravatura, que foi um
recurso usado para excluí-lo da condição de vida do homem. Essa exclusão só podia ser
viabilizada pela institucionalização da escravatura, dadas a capacidade de produção e a
concepção de vida e de sociedade vivenciadas no período (WOLECK, p. 4).
A Reforma Protestante apontou o trabalho como um instrumento de salvação. O que
possibilitou que na Idade Média o trabalho passasse a ter outro sentido, acompanhando as
mudanças estruturais da sociedade, que serviram como sustentação para a Era Moderna, como
a revolução agrícola, o surgimento das cidades e a sociedade patriarcal. Assim, nesse período
“Deu-se valorização positiva ao trabalho, considerando, então, como um espaço de aplicação
das capacidades humanas. Acompanhava-o a noção de empenho, que é o esforço para atingir
determinado objetivo” (WOLECK, p. 4). Nesse período o Calvinismo implanta a ideia de
trabalho como “[...] instrumento para a aquisição de riquezas, meio de sucesso no mundo
terreno [...]” (WOLECK, p. 4).
Com a evolução das forças produtivas e a ascensão da burguesia o trabalho e a
produtividade passaram a ser enaltecidos e ócio a ser condenado. Isso visando atender as
necessidades do novo modo de produção emergente, tendo em vista que agora a mão de obra
passa a ser livre.
Assim, na Idade Moderna “[...] passou-se a fazer diferenciação entre o trabalho
qualificado e o não qualificado, entre o produtivo e o não produtivo, aprofundando-se a
distinção entre trabalho manual e intelectual” (WOLECK, p. 5). Nesse período o trabalho
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abarca dois significados contraditórios, mas que se apresentam como indissociáveis, a
liberdade e a servidão, tendo em vista que o modo de produção capitalista utiliza a mão-de-
obra livre, na forma de trabalho assalariado. Nesse momento:
A lógica do trabalho perpassou a cultura, o esporte e, até mesmo, a intimidade. Todas as
atividades humanas passaram a ser foco de negócios ou tornaram-se oportunidades para
além de ganhar dinheiro, lógica que se apoderou de todas as esferas da vida e da existência
humana (WOLECK, p. 5).
Na ótica da sociedade moderna o trabalho é tido como sinônimo de emprego,
refletindo “[...] a relação entre o indivíduo e uma organização onde uma tarefa produtiva é
realizada, pela qual aquele recebe rendimentos, e cujos bens ou serviços são passíveis de
transações de mercado” (WOLECK, p. 8).
Essa ainda é a realidade que abarca em partes o mundo do trabalho na cena
contemporânea. Porém com a chegada do século XXI e o avanço da tecnologia, ocorreu uma
precarização ainda maior no mundo do trabalho, a substituição das relações formais de
emprego pela compre e venda informal de serviços, a contratação temporária sem vinculo
formal de trabalho.
A apropriação e exploração do trabalho, características próprias da sociedade
capitalista, acarretam no surgimento e manutenção da chamada Questão Social. Observa-se
que ao longo dos tempos o capitalismo vem se reinventando, possibilitando o surgimento de
novas expressões da Questão Social, bem como de novas formas de trabalha.
A denominada Questão social, fazendo uso da perspectiva marxista, pode ser
compreendida como: “[...] o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade
capitalista que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais social, enquanto a
apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”
(IAMAMOTO, 2004, p. 16).
Assim, neste estudo, compreende-se que a Questão Social é objeto de muitas
profissões, na cena contemporânea, claro que em cada uma delas de forma particular, como
podemos evidenciar no tópico anterior. Dessa forma, pode-se dizer que as expressões da
Questão Social são reconhecidas como objeto de intervenção do Serviço Social que “[...] por
meio da prestação de serviços sócio-assistenciais nas organizações públicas privadas,
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interferem nas relações sociais cotidianas no atendimento às mais variadas expressões da
“questão social”” (IAMAMOTO, 2004, p 16-17).
A sua gênese está imbricada ao modo de produção capitalista, pois é intrínseca a este.
Entende-se que a pobreza e outras diversas necessidades não eram atendidas antes do
desenvolvimento do capitalismo, em decorrência da escassez de produtos, oriunda do
insuficiente desenvolvimento das forças produtivas. Mas, no modo de produção capitalista,
isso cai por terra, já que essa passa a ser conhecida como a sociedade da abundância
(MONTAÑO, 2012). Assim, as demandas advindas das necessidades básicas inerentes à
sobrevivência humana explicam-se da seguinte forma: o desenvolvimento da produção
possibilita a maior acumulação do capital, e em decorrência disso, ocorre uma acentuada
desigualdade social.
Porém, a Questão Social não pode ser entendida de forma isolada, simplesmente pela
produção de desigualdade, pois também produz rebeldia e resistência2 nos sujeitos que a
vivenciam e a ela se opõem, manifestando-se em diversas expressões que se diferem de
acordo com o contexto histórico e social no qual estão localizadas, mas que tem sua
genealogia na relação estabelecida entre capital e trabalho (IAMAMOTO, 2008). Essas
expressões manifestam-se cotidianamente na vida dos sujeitos que “[...] as experimentam no
trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública etc.”
(IAMAMOTO, 2008, p. 28).
Pode-se dizer que a Questão Social nem sempre foi reconhecida da forma apresentada
acima, e ainda hoje não é assim compreendida pela imensa maioria da sociedade. A sua
interpretação varia de acordo com o momento histórico e social e também com a
intencionalidade do capital.
Hoje, é colocada em cena a existência de uma “nova questão social”, porém se a
olharmos a fundo, essa é somente uma tentativa de desvincular a desigualdade e as lutas
sociais de sua verdadeira origem.
2 Entende-se por rebeldia e resistência não somente movimentos e organizações sociais que buscam romper
com a ordem social estabelecida, o que se configura como resistência transformadora. Mas, também, formas
de reação que reproduzem a ordem social estabelecida, como as diversas formas de violência, drogadição,
abandono, negligência, etc
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As formas utilizadas para seu enfrentamento mostram-se como parte de um processo
contraditório “[...] entre a sua funcionalidade com a hegemonia e a acumulação capitalista
(produtivo-comercial), e a representação de conquistas e direitos dos trabalhadores e
cidadãos” (MONTAÑO, 2012, p. 280). Nesse sentido, pode-se dizer que:
[...] a evolução da questão social apresenta duas faces, indissociáveis: uma, configurada
pela situação objetiva da classe trabalhadora, dada historicamente, em face das mudanças
no modo de produzir e de apropriar o trabalho excedente, como frente à capacidade de
organização e de luta dos trabalhadores na defesa de seus interesses de classe e na procura
de satisfação de suas necessidades imediatas de sobrevivência; outra, expressa pelas
diversas frações dominantes, apoiadas no e pelo poder do Estado (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2011, p. 85).
Assim, evidencia-se que a sua erradicação não será possível através da mera
redistribuição parcial da riqueza, visto que, quanto maior a produção no capitalismo maior a
acumulação. Dessa forma, a superação da Questão Social está intrinsecamente ligada à
superação da divisão das classes sociais. Porém, compreende-se que essa superação só
ocorrerá através da organização e luta social, e também da correlação de forças necessárias
para que se ultrapasse esse modo de produção. O que passa pela luta pela ampliação e
conquista de direitos trabalhistas, políticos e sociais, pois eles também são necessários para a
sobrevivência da classe trabalhadora (MONTAÑO, 2012).
TRABALHO E ADOECIMENTO A PARTIR DA REALIDADE OBSERVADA
A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) é uma instituição que objetiva o
aprendizado de nível técnico e superior no âmbito do ensino, pesquisa e extensão. Em média
possui 29.652 alunos, sendo que em seu quadro funcional para que seja atendida esta
população, e para que sejam atingidos todos os seus objetivos institucionais, emprega em
média 4.686 servidores, entre docentes e técnicos administrativos (UFSM, 2014).
Estes servidores desenvolvem ao longo de sua vida funcional, a necessidade de por
vezes afastar-se do cotidiano laborativo em decorrência de necessidades individuais. Uma
destas necessidades é caracterizada pela Licença para Tratamento de Saúde, a qual todos os
trabalhadores Públicos Federais tem direito, tendo em vista que estão respaldados pela Lei
8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das
autarquias e das fundações públicas federais. De acordo com o Art. 2º dessa legislação: “Será
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concedida ao servidor licença para tratamento de saúde, a pedido ou de ofício, com base em
perícia médica, sem prejuízo da remuneração a que fizer jus.” (BRASIL, 1990).
Ressalta-se a importância de abordar pontos referentes ao tema proposto, pois assim
como em outras instituições, estes servidores apresentam em algum período de sua atividade
laboral, fragilidades em sua saúde, tanto física quanto psíquica, sendo que em muitos casos a
debilitação acarreta a necessidade de permanecerem afastados de seu ambiente de trabalho
para que possam restabelecer ou recuperar sua saúde, que por vezes, pode não acontecer de
forma plena, podendo ter reflexos em restrições físicas e também emocionais.
O adoecimento advindo do cotidiano laborativo não consiste em um achado dos
últimos tempos, porém ressalta-se que as patologias que tem afastado trabalhadores de seus
ambientes laborativos têm cada vez mais despertado a atenção de gestores do país inteiro,
tanto no setor público, quanto no setor privado. Esta preocupação é visualizada em estudos
referentes à Saúde do Trabalhador e Qualidade de Vida no Trabalho, evidenciam à
complexidade do trabalho e de suas relações.
Os servidores da instituição que por patologias clínicas e emocionais necessitarem
realizar tratamento médico para seu restabelecimento orgânico e mental, para obterem a
homologação de suas Licenças para Tratamento de Saúde, necessitaram obrigatoriamente
realizar procedimento pericial, que “[...] consiste em uma ação médica ou odontológica cujo
objetivo é avaliar o estado de saúde do servidor para o exercício de suas atividades laborais,
no âmbito da administração pública federal.” (SIASS/2010).
De acordo com o Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS), os
peritos podem ser tanto médicos quanto odontólogos, sendo que podem ser assessorados por
uma equipe multiprofissional, para que através de ações conjuntas, os peritos possam ter
subsidiadas suas decisões e encaminhamentos. Essa equipe pode ser composta por diversos
profissionais, como, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, enfermeiros, terapeutas
ocupacionais, dentre outros.
A Perícia Oficial em Saúde (PEOF) da UFSM é um órgão de assessoramento da Pró-
Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEP), que tem como função realizar avaliações e perícias em
servidores públicos federais da Universidade Federal de Santa Maria bem como de outros órgãos
federais, como o Instituto Federal Farroupilha, a Universidade Federal do Pampa, a Receita
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Federal e Polícia Federal, assim como atende a solicitação de outros órgãos federais sempre que
necessário. É formada por profissionais de Medicina (médicos peritos), Setor Administrativo
(administrador e assistentes em administração) e Serviço Social (assistentes sociais).
As atividades desenvolvidas pela PEOF concentram-se na concessão de licenças, para
própria saúde dos servidores, bem como, para licenças de servidores que necessitem cuidar de
seus familiares adoecidos. Dentre as atividades da PEOF ainda podem ser citadas: os exames
de ingresso no serviço público federal, verificando a aptidão ou inaptidão dos avaliados;
Ainda, a emissão pareceres médicos periciais em diversas situações, dentre elas, em processos
administrativos relativos à saúde de servidores e sua função e de pareceres de aposentadoria
por doenças previstas em Lei; em casos de doença física e/ou mental em processos de alunos
da Instituição; Além das atividades citadas a cima realiza ainda a solicitação de perícias
especializadas, sempre que necessário e encaminha servidores para tratamento especializado
sempre que necessário (SIASS, 2010).
Como este estudo propõe-se a abordar reflexões sobre o trabalho a partir das
expressões da questão social evidenciadas na intervenção do Serviço Social na PEOF/UFSM,
apresenta-se aqui um breve relato sobre suas atividades desenvolvidas nesse espaço
socioocupacional, pois é através deste acompanhamento social que podem ser observadas
inúmeras questões envolvidas no mundo do trabalho.
Assim o Serviço Social na PEOF tem como atribuições: emitir parecer social visando à
análise dos aspectos sociais que interfiram na situação de saúde do servidor e/ou de pessoa da
família, considerando a autonomia profissional na definição de instrumentos técnicos como visitas
e entrevistas; conhecer os indicadores socioprofissional, econômico e cultural, dentre outros, dos
servidores em tratamento de saúde, utilizando instrumentos técnicos como entrevistas, visitas e
pesquisas sociais; proceder à avaliação social para subsidiar o estudo do caso em análise; realizar
atendimento ao servidor e sua família, por meio de orientação social nas questões relacionadas à
saúde, visando à inserção dos mesmos em ações e programas desenvolvidos pela instituição assim
como encaminhamento aos recursos sociais disponíveis na comunidade; realizar orientação sobre
os direitos sociais do servidor; proceder à avaliação social para subsidiar a decisão pericial sobre a
presença indispensável do servidor em caso de licença para tratamento de pessoa da família;
outras que lhe forem delegadas, no seu âmbito de atuação (SIASS, 2010).
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Existe neste contexto de atribuições uma série de instrumentais teórico- metodológicos
que subsidiam a intervenção direta do Assistente Social no contexto pericial, ressalta-se a
partir das atividades desenvolvidas e instrumentais utilizados no âmbito da PEOF, tem-se
como estabelecer evidências a cerca das transformações relacionadas ao mundo do trabalho,
que nesse espaço se manifestam através das expressões da questão social deste grupo de
trabalhadores – servidores públicos federais – principalmente nas oscilações constantes entre
o prazer e o sofrimento que o fazer laborativo estipula.
Isso ocorre, pois o trabalho exerce sob os seus executores influências baseadas em
características tanto históricas, quanto culturais, seus fundamentos perpassam por constantes
transmutações, pois no universo entendido com “trabalho”, identificam-se ações de
movimentação constante que o reconstituem, o remodelam invariavelmente, como podemos
observar no na primeira parte deste estudo.
Portanto, percebe-se o trabalho como elemento central na formação, e
desenvolvimento da identidade dos seres humanos, manifestando-se como parte essencial das
tomadas de decisão, inclusive sobre demandas essencialmente pessoais, pois os reflexos de
todo o processo de identificação com o trabalho, com o oficio profissional incidem
diretamente no complexo emaranhado do ser social.
O trabalho está carregado de sentidos. Em nossa cultura ele é também um organizador
social e investe os atores sociais de identidade, pois, por meio dele, o sujeito se reconhece e
é reconhecido na sua atividade profissional. Essa importância torna o trabalho um espaço
privilegiado para compreender os processos de construção da subjetividade do indivíduo e
da sociedade, e suscita um olhar para ir além do que está aparente, buscando a construção
singular e coletiva nos postos de trabalho, nas interações, no dito e no não dito, no próprio
trabalho e na falta dele (Marques, 2011, p.670).
Podemos citar que no universo subjetivo do trabalho há uma grande relação do
adoecimento dos servidores em virtude do ambiente e dos relacionamentos interpessoais
estabelecidos diretamente no contexto social/laboral em que o trabalhador esta inserido.
Podendo interferir tanto no fazer profissional, quanto na vida pessoal/social dos servidores,
dada a centralidade do trabalho na vida dos sujeitos.
Em muitos casos de adoecimento podem ser percebidos fatores de tensão extrema,
stress ou pressão psicológica, relacionados a fatos de interligação pessoal dos servidores
como: adoecimento de familiares, perda de pessoas próximas, dificuldades econômicas entre
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outras, mas também pode estar atrelada a ambientes laborativos (adoecedores – reprodutores
de “injustiças” e inseguranças) em que esta população encontra-se inserida.
Evidencia-se que o adoecimento dos servidores tem sua origem na maioria das vezes, em
meio a problemáticas vivenciadas no percurso funcional, através de problemas de relacionamentos –
entre colegas e superiores, ou até mesmo em relação a regras pré-estabelecidas, às vezes rígidas e
fora do contexto suportável ou legal; de restrições físicas e emocionais que limitam o desempenho
funcional dos servidores, vindo a manifestar-se em um sentimento de impotência e incapacidade
que são vistos como invalidez frente ao grupo de trabalho, ou até mesmo pelo próprio trabalhador
atingido; limitações de conhecimento, quando dos avanços tecnológicos sem que ocorram as
devidas capacitações e orientações necessárias para o seu desenvolvimento laboral; subordinação,
manifestada por um jogo de poder e apropriação insustentável entre as relações formais do trabalho.
Pontos como estes são de fato geradores do adoecimento dos trabalhadores, vindo a serem
entendidos neste estudo como expressões da questão social, evidenciadas no mundo do trabalho.
Além disso, o processo de adoecimento no trabalho pode ser potencializado quando o
trabalhador não percebe as implicações da sua atuação no conexo geral das instituições, e
ainda, “[...] não consegue construir estratégias de enfrentamento, podendo favorecer o
processo de adoecimento, sofrimento e distanciamento” (MARQUES, 2011, p. 673).
Com este pensamento entende-se que o trabalho tanto quanto a permanência saudável
nele envolve um processo constante de construção/desgaste, tendo em vista que, o trabalho
apresenta-se como um campo repleto de transformações, no qual está imbricado
paralelamente a saúde e o adoecimento. A partir disso, demonstra-se a necessidade do
trabalhador ter domínio sobre a totalidade que inerente ao trabalho que realiza.
Potencializando a tomada de decisões que possam contribuir para o enfrentamento e/ou
prevenção do processo de adoecimento mental, psicossomático e físico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho apresenta-se como um constante processo de produção e reprodução de
aspectos pertencentes à vida em sociedade, ele manifesta-se em um conjunto de características
expressas pela totalidade do sujeito, indo muito além do simples suprimento dos bens
materiais e a sobrevivência dos seres humanos.
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O trabalho transformou-se ao longo da história acompanhando o constante movimento
da sociedade. Evidencia-se, a partir deste estudo, que o trabalho, apesar de todas essas
transformações, não perdeu a centralidade na vida dos sujeitos. O adoecimento, aqui
trabalhado, não pode ser entendido com consequência do trabalho em si, mas sim do processo
de trabalho inserido socialmente no modo de produção capitalista.
A partir da instituição foco deste estudo podem-se citar pelo menos três contradições
no mundo do trabalho, geradoras do adoecimento dos sujeitos.
A primeira evidenciada demonstra que, não é o ato em si de trabalhar que ocasiona o
adoecimento dos sujeitos, mas sim as condições de trabalho que estes dispõem para
desenvolver suas atividades – principalmente no que diz respeito às condições materiais. O
que é contraditório, pois mesmo com todas as alternativas advindas dos avanços tecnológicos,
ainda encontra-se precarização das condições materiais de trabalho. Isso pode ser explicado,
neste espaço em particular, pelo sucateamento das instituições e políticas públicas, que
atendem demandas sociais como a educação, o que se explica pela herança do ápice neoliberal
no Brasil.
O segundo ponto a ser ressaltado é a complexidade das relações sociais, tendo em
vista que o ser humano é eminentemente um ser social, e que o trabalho lhe possibilita essa
inserção e construção. Ressalta-se que também é em decorrência das relações sociais de
trabalho – com colegas e chefias – por vezes conflituosas, que é ocasionado o adoecimento.
Além destes dois fatores, cita-se ainda um terceiro que se refere à atividade
desenvolvida. Visto que, muitas vezes dada a fragmentação do trabalho, a atividade acaba
tornando-se massivamente cansativa, caracterizada essencialmente pela repetição.
Em contraponto, a insatisfação com a atividade desenvolvida apresenta-se a
necessidade constante de inserir-se em um posto de trabalho reconhecido socialmente, como é
o caso, hoje, do serviço público. Observa-se que, o que por vezes não garante a satisfação
profissional, garante o suprimento das necessidades básicas do ser humano – hoje compradas
com a aquisição do salário – garantindo ainda certo status social.
Atualmente pode-se dizer que o trabalho vai muito além dos vértices tradicionais
socialmente estipuladas, o ser humano não só se diferencia dos demais seres vivos pela sua
capacidade de transformar a natureza e se transformar enquanto ser social, mas também, é
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através do trabalho que ele mantém a sua identidade enquanto sujeito e ainda estabelece e
determina inúmeros sentidos no seu cotidiano de trabalhador. Ele implica em tomadas de
decisões, definições e direções de todo o processo humano, no âmbito cultural, psicológico,
político, etiológico, podendo decidir o tipo de vida que será seguido por seus executores.
A partir da prática profissional do Serviço Social, neste espaço, evidenciam-se as
observações e reflexões a cerca do mundo do trabalho atreladas à saúde e confrontadas às
práticas institucionais atualmente utilizadas. A partir disso, compreende-se que o adoecimento
do trabalhador não se manifesta isoladamente, mas sim, de algum modo atrelado ao chamado
processo de trabalho, da forma como apresenta-se atualmente.
Conclui-se que o trabalho pode ser visualizado como formador de identidade, de status
social e de valorização humana, ao passo que, este mesmo trabalho pode mostrar- se como um
intensificador de sofrimento e impulsionador de adoecimento gerando entraves na vida dos
servidores.
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