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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC CENTRO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS – CFH DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS - GCN Eric Araújo Dias Coimbra O Socialismo do Século XXI na América Latina e a Superação do Capitalismo Orientador: Marco Antônio Franciotti Co-orientador: Nildo Domingos Ouriques Dissertação apresentada à banca como requisito para a obtenção do título de mestre em geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Área de Concentração: Desenvolvimento Regional e Urbano Florianópolis/SC, março de 2009.

O Socialismo do Século XXI na América Latina e a Superação ...livros01.livrosgratis.com.br/cp098668.pdf · A História é um carro alegre Cheio de um povo contente Que atropela

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA UFSC

    CENTRO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS CFH

    DEPARTAMENTO DE GEOCINCIAS - GCN

    Eric Arajo Dias Coimbra

    O Socialismo do Sculo XXI na Amrica Latina e a Superao do

    Capitalismo

    Orientador: Marco Antnio Franciotti

    Co-orientador: Nildo Domingos Ouriques

    Dissertao apresentada banca como requisito para a obteno do ttulo de mestre em geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC

    rea de Concentrao: Desenvolvimento Regional e Urbano

    Florianpolis/SC, maro de 2009.

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    RESUMO

    Esta dissertao refere-se ao projeto scio-poltico-econmico

    denominado socialismo do sculo XXI. Esta concepo de sociedade tem por

    base a construo da democracia participativa e direta em substituio

    democracia formal-plutocrtica. O objetivo geral desta pesquisa consistiu em

    estudar as condies para a implementao do socialismo do sculo XXI na

    Amrica Latina, visando a necessidade de superao do modelo capitalista

    global. Os objetivos especficos foram: 1) analisar as contradies do modelo

    capitalista global e a viabilidade histrica para a implementao do Socialismo

    do Sculo XXI; 2) estudar o conceito de democracia e suas aplicaes,

    diferenciando a democracia formal (plutocracia) da democracia participativa; 3)

    analisar as principais transformaes geopolticas que esto ocorrendo na

    Amrica Latina neste incio de sculo XXI e a possibilidade de integrao e

    libertao dos povos latino-americanos. Para uma melhor sistematizao, o

    trabalho est dividido em cinco captulos que compreendem os seguintes

    assuntos: 1) a democracia formal; 2) a democracia participativa; 3) a transio

    para o socialismo do sculo XXI; 4) a Amrica Latina e o socialismo do sculo

    XXI; 5) as experincias institucionais na Venezuela, Bolvia e Equador. Neste

    ltimo, so analisadas as experincias polticas concretas dos governos de Hugo

    Chvez (Revoluo Bolivariana), Evo Morales (Revoluo Democrtica e

    Cultural) e Rafael Correa (Revoluo Cidad). Estes trs governos se

    comprometeram em construir a democracia participativa e realizar profundas

    reformas de cunho nacionalista, antineoliberal e antiimperialista.

    Palavras Chave: socialismo do sculo XXI, democracia participativa, Revoluo

    Bolivariana, Revoluo Democrtica e Cultural, Revoluo Cidad.

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    RESUMEN

    Este dissertao menciona el proyecto socio-poltico-econmico a l

    sabido por el socialismo del siglo XXI. Este nuevo concepto de la sociedad tiene

    como base la construccin de la democracia participativa y directa en la

    substitucin el hecho de la democracia representativa-plutocrtica. El objetivo

    general de esta investigacin consisti en el estudiar de las condiciones para la

    puesta en prctica del socialismo del siglo XXI en Amrica Latina debido a la

    necesidad de la superacin global del capitalismo. Los objetivos especficos han

    sido: 1) para analizar las contradicciones del modelo capitalista y la viabilidad

    histrica para la puesta en prctica del socialismo del siglo XXI; 2) para estudiar

    el concepto de la democracia y de sus usos, siendo distinguido la democracia

    formal (plutucracy) de la democracia participativa; 3) para analizar las

    transformaciones geopolticas principales que estn ocurriendo en Amrica latina

    en este principio del siglo XXI y la posibilidad de integracin y liberacion de la

    gente latinoamericana. Para una sistematizacin mejor, el trabajo se divide en

    cinco captulos com los temas siguientes: 1) la democracia formal; 2) la

    democracia participativa; 3) el transistion para el socialismo del siglo XXI; 4) la

    Amrica latina y el socialismo del siglo XXI; 5) las experiencias del institucional

    en Venezuela, Bolivia y Ecuador. En ste pasado, analizaba las experincias

    polticas de los gobiernos de Hugo Chavez en Venezuela (revolucin

    Bolivariana), Evo Morales en Bolivia (Revolucin Democrtica y Cultural) y

    Rafael Correa en el Ecuador (Revolucin Ciudadana). Estos tres gobiernos

    estan construyendo la democracia participativa y haciendo reformas profundas

    de la matriz nacionalista, antineoliberal y contra-imperialista.

    Llave de las palabras: socialismo del siglo XXI, democracia participativa,

    Revolucin Bolivariana, Revolucin Democrtica y Cultural, Revolucin

    Ciudadana.

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    AGRADECIMENTOS E DEDICATRIAS

    Dedico esta monografia a minha companheira Melissa Gabriela Lopes

    Barcellos Coimbra, que sempre esteve comigo no dia-a-dia e nas lutas, ao meu

    pai, Mrio Lcio Coimbra, minha me, Elizabeth Adorno Araujo Coimbra, meus

    irmos, Arthur Araujo Dias Coimbra, Paula Araujo Dias Coimbra e Joo Paulo

    Coimbra, que sempre incentivaram e estiveram ao meu lado nos principais

    momentos da minha vida e em tudo o que eu precisei. Agradeo a toda a

    minha famlia e amigos; ao professor Jos Messias Bastos, por ter me auxiliado

    desde o incio, aos professores que me orientaram Marco Antnio Franciotti e

    Nildo Domingos Ouriques; e aos demais professores membros da banca,

    Waldir Jos Rampinelli e Clcio Azevedo da Silva.

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    Cancion por la unidad de Latino Amrica (Pablo Milanes e Chico Buarque de Hollanda)

    El nascimiento de un mundo Se aplaz por un momento

    Fue un breve lapso del tiempo Del universo un segundo

    Sin embargo parecia

    Que todo se iba a cabar Con la distncia mortal

    Que separ nuestras vidas

    Realizavan la labor De desunir nossas mos

    E fazer com que os irmos Se mirassem con temor

    Cuando passaron los aos Se acumularam rancores Se olvidaram os amores

    Pareciamos extraos

    Que distncia to sofrida Que mundo to separado

    Jams se hubiera encontrado Sin aportar nuevas vidas

    E quem garante que a Histria

    carroa abandonada Numa beira de estrada

    Ou numa estao inglria

    A Histria um carro alegre Cheio de um povo contente

    Que atropela indiferente Todo aquele que a negue

    um trem riscando trilhos

    Abrindo novos espaos Acenando muitos braos Balanando nossos filhos

    Lo que brilla con luz propia

    Nadie lo puede apagar Su brillo puede alcanzar

    La oscuridad de otras costas

    Quem vai impedir que a chama Saia iluminando o cenrio

    Saia incendiando o plenrio Saia inventando outra trama

    Quem vai evitar que os ventos

    Batam portas mal fechadas Revirem terras mal socadas

    E espalhem nossos lamentos

    E enfim que paga o pesar Do tempo que se gastou De las vidas que cost

    De las que puede costar

    J foi lanada uma estrela Pra quem souber enxergar Pra quem quiser alcanar

    E andar abraado nela

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    SUMRIO INTRODUO.......................................................................................... 12 1. A DEMOCRACIA FORMAL.................................................................. 16

    1.1 A Democracia na Antiguidade e na Modernidade......................... 17 1.2 A Caracterizao da Democracia Formal..................................... 20 1.3 A Democracia Formal e o Sistema Global ................................... 24 1.4 A Democracia Formal e a Ditadura............................................... 27

    2. A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA...................................................... 35 2.1 A Caracterizao da Democracia Participativa............................. 36 2.2 A Economia de Mercado.............................................................. 40 2.3 A Economia de Equivalncias....................................................... 46 2.4 Cincia e Socialismo..................................................................... 57

    3. A TRANSIO PARA O SOCIALISMO DO SCULO XXI................... 63 3.1 A Necessidade de Superao do Capitalismo Global.................. 64

    3.2 Reforma e Revoluo.................................................................... 73 3.3 A Inverso da Estrutura de Poder................................................. 79 3.4 Concepes Tericas para a Transio ao Socialismo do Sculo XXI...........................................................................................

    89

    4. A AMRICA LATINA E O SOCIALISMO DO SCULO XXI................. 108 4.1 Aspectos Histricos e Polticos da Amrica Latina....................... 109 4.2 Movimentos Sociais na Amrica Latina........................................ 118 4.3 O Nacionalismo e a Integrao Latino-Americana........................ 126

    5. EXPERINCIAS INSTITUCIONAIS NA VENEZUELA, BOLVIA E EQUADOR................................................................................................

    135

    5.1 A Venezuela e o Socialismo do Sculo XXI.................................. 140 5.2 A Bolvia e o Socialismo do Sculo XXI........................................ 220 5.3 O Equador e o Socialismo do Sculo XXI..................................... 269

    CONSIDERAES FINAIS...................................................................... 294 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS......................................................... 304 ANEXO 1 Constituio da Repblica Bolivariana da Venezuela........... 312 ANEXO 2 Projeto de Reforma Constitucional do Governo Venezuelano 2007.................................................................................

    349

    ANEXO 3 Imagens da Revoluo Bolivariana....................................... 364 ANEXO 4 Constituio da Repblica da Bolvia.................................... 370 ANEXO 5 Imagens da Revoluo Democrtica e Cultural.................... 414 ANEXO 6 Constituio da Repblica do Equador................................. 419 ANEXO 7 Imagens da Revoluo Cidad............................................. 453

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    LISTA DE SIGLAS

    ABI - Agncia Boliviana de Informaes AD - Ao Democrtica VEN. AEAA - Associao dos Estudantes de Economia, Auditoria e Administrao FEUC - Federao dos Estudantes da Universidade Catlica ALBA - rea Bolivariana para Nossa Amrica ALCA - rea de Livre Comrcio das Amricas Alianza PAIS - Ptria Ativa e Soberana EQU. AN - Asamblea Nacional VEN. APPO - Assemblia popular dos Povos de Oaxaca ASP - Assemblea por La Soberana de los Pueblos BIB Banco Interamericano de desenvolvimento BM Banco Mundial CALIFE - Compaia Annima Luz y Fuerza Elctrica de Puerto Caballo CANTV - Compaia Annima Nacional de Telfonos de Venezuela CARICOM - Comunidade do Caribe CEIREPS - Conta de Reativao Produtiva e Social CEPAL - Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe CIA - Central Intelligence Agency CIO - Comit por uma Internacional Operria CNE - Conselho Nacional Eleitoral VEN. CNN - Cable News Network CONAIE - Confederao de Nacionalidades Indgenas Copei - Partido Social-Cristo Ven. CTV - Confederacin de Trabajadores de Venezuela DP - Partido Democracia Popular EQU EDC - Electricidad de Caracas ELEVAL - Electricidad de Valencia Embraer Empresa Brasileira de Aeronutica S.A. EZLN - Exrcito Zapatista de Libertao Nacional FARC-EP - Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia Exrcito do Povo FEIREP - Fundo de Estabilizao dos Recursos Petroleiros FMI - Fundo Monetrio Internacional Frente Farabundo Marti de Libertao Nacional, Frente Patritica Manoel Rodrigues FSM Frum Social Mundial G-15 - Grupo dos Quinze G8 Grupo dos sete pases mais ricos do mundo e a Rssia. IDH ndice de Desenvolvimento Humano INEC - Instituto Nacional de Estatsticas e Censos IPSP - Instrumento Poltico por La Soberana de los Pueblos IVAD - Instituto Venezuelano de Anlises de Dados IU - Izquierda Unida BOL. LER-QI - Liga Estratgica Revolucionria Quarta Internacional LIT-QI - Liga Internacional dos Trabalhadores Quarta Internacional MAS - Movimento ao socialismo BOL.

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    MAS - Movimento ao socialismo VEN. MBL - Movimiento Bolivia Libre BOL. MBR200 - Movimento Bolivariano Revolucionrio 200 VEN. MCCA (Mercado Comum Centro Americano) MERCOSUL - Mercado Comum do Sul MNR - Movimento Nacionalista Revolucionrio BOL. MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem Teto MVR - Movimento V Repblica VEN. NAFTA Associao do Tratado Atlntico Norte NFR Nueva Fora Republicana BOL. OCDE - Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico OEA - Organizao dos Estados Americanos OIT - Organizao Internacional do Trabalho OMC - Organizao Mundial do Comrcio ONG Organizao no Governamental ONU - Organizao das Naes Unidas OPEP - Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo OTAN Organizao do Tratado do Atlntico Norte PCB - Partido Comunista de Bolvia PCV - Partido Comunista da Venezuela PDVSA Petrleo da Venezuela S.A. Petrobrs Petrleo Brasileiro S.A. PFP - Polcia Federal Preventiva PIB Produto Interno Bruto PIEDRA - Partido Independiente Democrtico de Respuesta Avanzada PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUMA - Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente PODEMOS - Poder Democrtico e Social BOL PPT - Partido Ptria de Todos Ven. PRD - Partido da Revoluo Democrtica PSUV - Partido Socialista Unido da Venezuela PT - Partido dos Trabalhadores RCTV - Radio Caracas Televisin SENECA - Sistema Elctrico do Estado Nueva Esparta C. A. TCP - Tratado de Comercio entre los Pueblos TLC - Tratado de Livre Comrcio UCS Unin Cvica Solidaridad BOL. UDN - Unio Democrtica Ruralista Unasul - Unio das Naes Sul-Americanas UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas USAID - Agncia Estadunidense de Apoio ao Desenvolvimento YPFB - Yacimientos Petrolferos Fiscales Bolivianos

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Crescimento Anual do PIB Venezuelano (milhes de US$)........ 161 Grfico 2 Variao Anual do PIB Venezuelano (%).................................... 161 Grfico 3 Taxa de Crescimento do PIB por Perodos Presidenciais........... 162 Grfico 4 Maiores PIBs da Amrica Latina 2007..................................... Grfico 5 Total da Dvida Pblica em Relao ao PIB (%)......................... Grfico 6 Total da Dvida Externa em Relao ao PIB (%)......................... Grfico 7 Taxa de Inflao Mdia por Perodos Presidenciais................... Grfico 8 Aumento do Preo do Barril de Petrleo 1998-2007................... Grfico 9 Aumento da Renda Petroleira 1995-2007................................... Grfico 10 Produo Agrcola 2001-2007................................................ Grfico 11 Financiamento Pblico Agrcola 2001-2007........................... Grfico 12 Total de Terras Recuperadas (ha) 2001-2006.......................... Grfico 13 Taxa de Desemprego jan. 1999 nov. 2007............................. Grfico 14 Taxa de Ocupao por Setores 1 sem. 1999 1 sem. 2007. Grfico 15 Salrio Mnimo Real 1997-2007................................................ Grfico 16 Salrio Mnimo em Bolvares e em Dlares 1997-2007............ Grfico 17 Taxa de Mortalidade Infantil (por mil nascidos vivos)................ Grfico 18 Taxa Bruta de Escolaridade Educao Pr-Escolar............... Grfico 19 Taxa Bruta de Escolaridade Educao Bsica....................... Grfico 20 Taxa Bruta de Escolaridade Educao Profissional............... Grfico 21 Taxa Bruta de Escolaridade Educao Superior.................... Grfico 22 Matrcula Escolar e Nmero de Escolas Bolivarianas............... Grfico 23 Crianas Atendidas pelo Programa de Alimentao Escolar.... Grfico 24 Matrculas nas Escolas Tcnicas Robinsonianas...................... Grfico 25 Matrculas na Educao Superior.............................................. Grfico 26 Consultas Realizadas pela Misione Barrio Adentro I................. Grfico 27 Pessoas Capacitadas para o Mercado de Trabalho pela Misin Vuelvan Caras.................................................................................... Grfico 28 Intervenes realizadas pela Misin Milagro............................. Grfico 29 Total de Pensionados e Pensionadas....................................... Grfico 30 ndice de Pobreza Extrema....................................................... Grfico 31 Lares em Situao de Pobreza Extrema................................... Grfico 32 Taxa de Desemprego Semestral e Percentagem da Populao em Situao de Pobreza.............................................................. Grfico 33 ndice de Desenvolvimento Humano......................................... Grfico 34 Coeficiente de Gini.................................................................... Grfico 35 Gasto Social em relao ao Gasto Total................................... Grfico 36 Populao com Acesso gua Potvel.................................... Grfico 37 Crescimento do PIB por Perodos Presidenciais....................... Grfico 38 Resultados Anuais da Balana Comercial................................. Grfico 39 Exportaes e Importaes (Milhes US$)............................... Grfico 40 Controle da YPFB nos Setores de Produo, Transporte e Comercializao dos Hidrocarbonetos........................................................... Grfico 41 Hidrocarbonetos: arrecadao total em milhes de US$..........

    164 165 165 166 168 168 169 170 171 172 173 175 175 176 177 178 178 179 179 180 181 181 183 183 184 184 186 186 187 188 188 189 190 228 229 230 231 231

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    Grfico 42 Impostos Arrecadados do Setor de Hidrocarbonetos Distribudos s Prefeituras, Municpios e Universidades............................... Grfico 43 Reservas Internacionais (milhes de US$)............................... Grfico 44 Arrecadaes Tributrias 2000-2008........................................ Grfico 45 Nmero de Contribuintes por Departamento............................. Grfico 46 Arrecadao Total de Tributos Aduaneiros por Perodo Presidencial.................................................................................................... Grfico 47 Arrecadao Pblica (Milhes US$).......................................... Grfico 48 Arrecadao das Empresas Huamuni e Vinto, antes e aps a Nacionalizao (milhes de dlares)............................................................. Grfico 49 Produo Mineral (milhes de US$).......................................... Grfico 50 Exportaes da Indstria Manufatureira (milhes de US$)....... Grfico 51 Crescimento do PIB Industrial (%)............................................. Grfico 52 Distribuio de Tratores a Nvel Nacional................................. Grfico 53 Municpios Livres do Analfabetismo.......................................... Grfico 54 Nmero de Analfabetos............................................................. Grfico 55 Bono Juacinto Pinto................................................................... Grfico 56 Escolas Construdas.................................................................. Grfico 57 Municpios com Telecentros Comunitrios................................ Grfico 58 Pessoas que Receberam Atendimento Mdico (em milhes)... Grfico 59 Total de Ambulncias................................................................ Grfico 60 Superfcie Titulada e Saneada (milhes de hectares)............... Grfico 61 Quantidade de Conflitos Sociais................................................ Grfico 62 Posio da Bolvia no Ranking Internacional de Corrupo...... Grfico 63 Construo de Estradas e Rodovias......................................... Grfico 64 PIB Total (milhes de dlares).................................................. Grfico 65 Investimentos Pblicos em Sade por Gesto Presidencial..... Grfico 66 Investimentos Pblicos no Programa de Alimentao Escolar. Grfico 67 Investimentos Pblicos na Construo de Casas Populares.... Grfico 68 Taxa de Ocupao Plena Anual................................................ Grfico 69 Taxa Bruta de Subemprego Anual............................................ Grfico 70 Salrio Real (US$)..................................................................... Grfico 71 Taxa de Pobreza (%)................................................................. Grfico 72 Coeficiente de Gini de Renda Nacional.....................................

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Intervencionismo Estadunidense na Amrica Latina nos ltimos 100 anos......................................................................................................... Tabela 2 - Redemocratizao em alguns pases latino-americanos durante a dcada de 1980............................................................................. Tabela 3 - Trs obstculos estruturais da sociedade democrtica mundial........................................................................................................... Tabela 4 - Institucionalidade Burguesa Versus Institucionalidade Participativa....................................................................................................

    232 333 234 234 235 235 236 237 238 238 240 241 242 242 243 243 245 245 246 247 248 248 276 278 278 279 280 280 281 282 282 29 32 38 40

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Ilustrao 1 - Os motores da Revoluo Bolivariana..................................... 364 Ilustrao 2 - Avenida tomada por manifestantes favorveis Hugo Chvez...........................................................................................................

    365

    Ilustrao 3 - Manifestao contra a revogao do mandato de Hugo Chvez...........................................................................................................

    366

    Ilustrao 4 - Manifestantes ocupam o centro de Caracas............................ 367 Ilustrao 5 - Chvez discursa para uma multido na capital venezuelana.. 367 Ilustrao 6 - Principais ruas e avenidas tomadas por manifestantes pr governo em Caracas......................................................................................

    368

    Ilustrao 7 - Manifestante critica o presidente estadunidense George W. Bush...............................................................................................................

    368

    Ilustrao 8 - Cartaz em homenagem ao libertador Simon Bolvar................ 369 Ilustrao 9 - Cartaz favorvel Revoluo Bolivariana................................ 369 Ilustrao 10 - Cartaz em apoio Revoluo Democrtica e Cultural na Bolvia.............................................................................................................

    414

    Ilustrao 11 - Manifestao popular na Bolvia............................................ 415 Ilustrao 12 - Encontro dos presidentes Hugo Chvez, Fidel Castro e Evo Morales...........................................................................................................

    415

    Ilustrao 13 - Marcha pela nacionalizao dos hidrocarbonetos................. 416 Ilustrao 14 - Marcha La Paz.................................................................... Ilustrao 15 - Aglomerao de manifestantes indgenas na Bolvia............. Ilustrao 16 - Manifestantes favorveis Morales tomam as ruas do centro de La Paz............................................................................................ Ilustrao 17 Bandeiras Quadriculadas Smbolo da luta indgena.......... Ilustrao 18 Proposta para a Nova Constituio Boliviana...................... Ilustrao 19 Campanha pela Revoluo Cidad.......................................

    416 417 417 418 418 453

    Ilustrao 20 - Rafael Correa desfila em carro aberto................................... 454 Ilustrao 21 - Ato pblico em apoio ao movimento Aliana Pais.................. 454 Ilustrao 22 - Correa faz pose para fotgrafos em comcio......................... 455 Ilustrao 23 Os presidentes Hugo Chvez, Rafael Correa e Evo Morales com trajes tpicos da cultura indgena.............................................. Ilustrao 24 Campanha pela aprovao da nova Constituio Equatoriana....................................................................................................

    455 456

    Ilustrao 25 - Cartaz difundindo a proposta de construo do Socialismo do Sculo XXI na Amrica Latina...................................................................

    456

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    INTRODUO

    O objetivo geral desta pesquisa consistiu em estudar as condies para a

    implementao do socialismo do sculo XXI na Amrica Latina, tendo em vista a

    necessidade de superao do modelo capitalista global.

    Os objetivos especficos foram: 1) analisar as contradies do modelo

    capitalista global e a viabilidade histrica para a implementao do socialismo do

    sculo XXI; 2) estudar o conceito de democracia e suas aplicaes,

    diferenciando a democracia formal (plutocracia) da democracia participativa; 3)

    analisar as principais transformaes geopolticas que esto ocorrendo na

    Amrica Latina neste incio de sculo XXI e a possibilidade de integrao e

    libertao dos povos latino-americanos.

    Em relao metodologia, a pesquisa foi especificamente terica, e

    contou com consultas bibliogrficas e fontes disponveis na Internet referentes

    Amrica Latina e aos governos do Equador, Bolvia e Venezuela. Tamb foram

    consultados jornais, revistas, boletins informativos, veculos de informao

    oficial, panfletos, vdeos, arquivos em udio extrados de palestras, conferncias,

    etc. Muitos dos textos encontrados e arquivos em udio e vdeo foram retirados

    de portais como www.rebelion.org e www.aporrea.org, que so espaos

    especializados em divulgar as notcias e informaes referentes ao Socialismo

    do Sculo XXI e as transformaes polticas na Amrica Latina em geral.

    Esta pesquisa se justifica por diversos aspectos: 1) a necessidade de

    construir um novo modelo de sociedade que possa superar o sistema capitalista

    global, ainda que estejamos muito longe de alcanar tal objetivo; 2) a

    necessidade de substituir a democracia formal pela democracia participativa; 3)

    a necessidade de estudar as mudanas geopolticas latino-americanas neste

    incio de sculo XXI, com base num referencial terico cientfico; 4) a

    necessidade de estudar as formas de integrao social, econmica, poltica e

    cultural dos povos latino-americanos.

    A ampliao dos problemas sociais (como a fome, a misria, a pobreza,

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    as epidemias) e ambientais (como a poluio, a degradao dos rios e mares, os

    desmatamentos, as extines de espcies animais e vegetais) resulta do atual

    modelo econmico e poltico global, caracterizado pela economia capitalista. Por

    isso, a construo de outro mundo torna-se, no somente necessria como

    urgente. Diante desta necessidade e urgncia, o Socialismo do Sculo XXI

    apresenta-se como alternativa, pois tem como fundamentos: a) a substituio da

    economia no equivalente (baseada nos preos de mercado) pela economia

    equivalente (baseada no valor real dos produtos e servios); b) a consolidao

    de um Estado a servio das maiorias; c) a substituio da democracia formal

    (plutocracia) pela democracia participativa.

    Para a compreenso terica do socialismo do sculo XXI preciso

    compreender o conceito de democracia participativa, fator que difere

    fundamentalmente este novo modelo, do socialismo do sculo XX. Os primeiros

    captulos desta dissertao so dedicados a compreeno do conceito de

    democracia, todavia podemos antecipar afirmando que a definio burguesa do

    termo no corresponde definio etimolgica, que vem do grego (democracia

    = demos e kratos) e significa governo de muitos ou governo do povo. Se a

    democracia burguesa representa a classe dominante que a burguesia (minoria

    da sociedade), logo, este modelo no democrtico1 e sim plutocrtico2, pois

    representa a classe que detm o poder econmico. Esta discusso nos remete a

    uma questo que abordaremos mais adiante: como construir um modelo de

    sociedade realmente democrtico?

    Atualmente, sob a gide da democracia burguesa, muitos setores da

    esquerda pensam que a transformao deste modelo de sociedade somente

    ser possvel atravs de uma revoluo (ou de revolues) sem quaisquer

    relaes com a institucionalidade, neste caso, a via poltico-eleitoral passa a ser

    completamente descartada da estratgia revolucionria. Porm, outros

    1 Democrtico no sentido de ser governo do povo, pelo povo e para o povo, ou seja, a democracia participativa. 2 Corresponde ao modelo poltico ou forma de governo que est a servio dos interesses da classe capitalista ou burguesa, em outras palavras, a plutocracia o modelo poltico de atrelado ao poder econmico.

  • 14

    acreditam na possibilidade de assumir o poder pela via institucional, e a partir

    da, transformar a sociedade (rumo ao socialismo) atravs de reformas

    populares e revolucionrias. Este assunto referente forma como a classe

    trabalhadora poder chegar ao poder (se ser atravs de reformas ou de

    revolues, na institucionalidade ou fora dela) e que tem sido amplamente

    debatido entre os movimentos de esquerda, tambm ser abordado no decorrer

    desta dissertao.

    Ao analisarmos as mudanas geopolticas na Amrica Latina,

    fundamental que tenhamos uma noo de como foi o desenvolvimento histrico

    desta poro continental, desde a vinda dos europeus at os dias de hoje. Para

    isso, essencial interpretar e compreender os fatos de forma cientfica e crtica,

    evitando a viso da grande mdia (comprometida com interesses burgueses3) e

    do censo comum, que muitas vezes preconceituosa, generalista e tendenciosa

    em suas concluses.

    Outro assunto que justifica a escolha deste tema a integrao latino-

    americana, um sonho antigo, idealizado por Simon Bolvar e defendido por

    importantes revolucionrios, como Che Guevara e Jos Mart. Existem muitas

    semelhanas histrico-culturais entre as naes que integram esta parte do

    continente, como a lngua (quase toda a populao fala o espanhol ou o

    portugus; idiomas distintos, ms de fcil entendimento), os aspectos culturais

    (musica, religiosidade, costumes), a forma de colonizao4, a contnua

    3 Os grandes meios de comunicao, por pertencerem s elites brasileiras, esto a servio da ideologia do sistema capitalista. Conforme o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), os objetivos da mdia burguesa so: (a) criminalizar as lutas sociais, buscando colocar a sociedade contra os movimentos e manifestaes populares; b) personalizar e individualizar a luta, mostrando histrias de pessoas que venceram por esforo prprio, pregando o individualismo; c) ditar padres e comportamentos de vida para que as pessoas se preocupem em buscar estar encaixadas nesta sociedade ditada pela mdia, ao invs de buscarem uma sociedade justa e livre. (Construindo o Caminho, vrios autores. 2001. p. 138) 4 Conforme muitos historiadores a Amrica Latina teria sido colnia de explorao, ao contrrio da Amrica Anglo-Saxnica que teria sido colnia de povoamento.

  • 15

    expropriao desta poro continental, mesmo aps o processo de

    independncia5.

    Para que esta integrao ocorra de fato, fundamental a construo de

    outra Amrica Latina. necessrio romper com as velhas estruturas de poder

    que h cerca de 500 anos tm impedido o ideal de integrao dos povos,

    arruinado a cultura indgena e dificultado as condies de existncia das

    inmeras etnias e culturas distintas. A unio latino-americana consiste num

    importante passo para se construir um novo modelo de sociedade, no qual a

    solidariedade e a coletividade se sobreponham ao egosmo e o individualismo,

    to comuns na sociedade global6.

    Para construir uma Amrica Latina unida (Ptria Grande), preciso em

    primeiro lugar, construir as lutas pela independncia de cada nao, atravs de

    revolues (ou reformas revolucionrias7) nacionais com ampla participao

    popular. A transformao scio-econmica e poltica de que necessita a

    populao pobre e excluda latino-americana, para poder viver numa sociedade

    justa e igualitria, se efetivar plenamente com o fim da lgica perversa da

    explorao do trabalho e da acumulao crescente de riquezas da sociedade

    capitalista.

    5 Ver Veias Abertas da Amrica Latina, de Eduardo Galeano, 30 Edio, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. 6 Milton Santos na obra Por uma outra Globalizao - Do pensamento nico conscincia universal apresenta trs definies: 1 globalizao como fbula: o mundo tal qual nos fazem crer. Os principais meios de informao aliados s instncias polticas e econmicas da ideologia hegemnica, distorcem o real sentido da globalizao, criando mitos, como o da aldeia global, encurtamento das distncias, morte dos Estados, etc. 2 globalizao como perversidade: o mundo como ele se apresenta. Globalizao como fbrica de perversidades: desemprego crescente, aumento da pobreza e da misria, diminuio dos salrios, fome, epidemias, educao com baixa qualidade e altos ndices de mortalidade infantil. A competitividade do mundo globalizado carrega consigo egosmos, cinismos, corrupo. 3 - uma outra globalizao: o mundo como pode ser. Para chegarmos a uma globalizao mais humana preciso que as bases tcnicas atuais, que servem ideologia dominante, do grande capital, possam servir a outros objetivos e estar a servio de outros fundamentos sociais e polticos. SANTOS, Milton. Por uma outra Globalizao - Do pensamento nico conscincia universal. Rio de janeiro. Ed. Record, 2000, p. 17-21. 7 Abordaremos este conceito no Captulo 3.

  • 16

    1. A DEMOCRACIA FORMAL

    Democracia conceito histrico. No por si um valor-fim, mas meio e instrumento de realizao de valores essenciais de convivncia humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem. Sob esse aspecto a democracia no um mero conceito poltico abstrato e esttico, mas um processo de afirmao do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da histria, variando de maneira considervel as posies doutrinrias acerca do que legitimamente se h de entender por democracia. 8

    A democracia formal (compreendida como democracia representativa)

    corresponde a uma forma de democracia incompleta que ainda tem muito a

    avanar e desenvolver. No modelo democrtico formal o povo no decide

    diretamente sobre as funes pblicas. Pelo contrrio, a participao popular

    geralmente se restringe forma indireta, atravs da delegao de poder,

    diferentemente da democracia participativa, onde o povo participa diretamente

    das decises, no apenas atravs da delegao de poder.

    A democracia formal tambm no pode ser concebida como um modelo

    social pronto, acabado, nem muito menos irreversvel, j que ela pode

    retroceder, adquirindo carter cada vez menos democrtico ou alterar

    bruscamente as regras de funcionamento da sociedade, transformando-se em

    ditadura, a exemplo dos golpes militares na Amrica Latina que ocorreram na

    segunda metade do sculo XX. Por outro lado, a democracia formal pode se

    converter numa estratgia oportuna para que as mesmas classes que estiveram

    no poder durante a ditadura, permaneam no poder em um novo perodo

    histrico, a exemplo do processo de redemocratizao que ocorreu no Brasil a

    partir dos anos 1980, intitulado de transio lenta, gradual e segura. Nesse

    sentido, a democracia formal ou burguesa pode tambm ser chamada de

    plutocracia, pois representa o poder econmico das elites dominantes.

    Antes de abordarmos diretamente a democracia formal, convm

    discorrermos sobre algumas das diferentes experincias democrticas (ou ditas

    8 PEDRA, Anderson SantAna. Na defesa de Uma Democracia Participativa. Setembro de 2002. Jus Navigandi. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3795, acesso em 10 de outubro de 2008.

  • 17

    democrticas) que ocorreram ao longo da histria. A seguir relacionaremos a

    democracia formal (burguesa) aos regimes ditatoriais que se instalaram na

    Amrica Latina, a partir da segunda metade do sculo XX, bem como, ao

    processo de redemocratizao a partir dos anos 1980.

    1.1 A DEMOCRACIA NA ANTIGUIDADE E NA MODERNIDADE

    A concepo de democracia atualmente distingue-se completamente da

    concepo que tem origem na Grcia antiga (sc. V a.C.), onde todos os que

    eram considerados cidados podiam participar diretamente do processo

    democrtico, discutindo e deliberando sobre as aes polticas, as

    responsabilidades dos governantes, as leis da polis e elegendo o Conselho dos

    dez Generais, que alm de comandantes do exrcito, eram os principais

    funcionrios legislativos e executivos do Estado. Embora aplicasse o princpio da

    representao de forma limitada, o Estado grego favorecia a participao ampla

    dos cidados homens nos assuntos pblicos.

    No comeo de cada ano uma lista de 6.000 cidados das vrias partes da regio era formada por sorteio, com base nesta lista, escolhiam-se os membros dos jris que serviriam nos processos privados, alcanando em seu conjunto 201 a 1001 cidados... (...) o prprio jri era o juiz e no havia apelo de sua deciso. 9

    Neste perodo a democracia era participativa e direta, porm restrita, pois,

    somente quem poderia participar eram os cidados homens. Os metecos

    (moradores estrangeiros, principalmente gregos no atenienses, fencios e

    judeus), escravos e mulheres no participavam. Esta forma de democracia

    direta, era restrita cerca de um quinto da populao (logo, no era nada

    democrtica no sentido amplo do termo), porque Atenas, embora tivesse cerca

    de 400.000 habitantes, o nmero dos que eram considerados cidados

    (homens) era de aproximadamente 80.000 pessoas. 10 As decises eram

    tomadas na gora (praa pblica) que era um lugar de encontro e reunio,

    9 BURNS, Edward Mcnall. Histria da Civilizao Ocidental O Drama da Raa Humana Do Homem das Cavernas at a Bomba Atmica. Editora Globo, Porto Alegre, RS. 2 Edio, 1990, p. 163 164. 10 Ibidem, p. 187.

  • 18

    onde eram discutidas as aes polticas e as deliberaes ocorriam atravs do

    voto por maioria simples.

    Cumpre-nos dizer que a forma de exerccio dessa democracia no pode ser mecanicistamente reproduzida, at porque, no se tratava, aquela experincia grega, de uma democracia universal, como deveria ser a democracia participativa que se julga ideal. Acresce-se ainda que as decises podiam ser tomadas na gora, porque os cidados eram poucos, e, em certo sentido, a democracia direta da polis compreendia uma forma de representao, pois essa minoria de "eleitos" (15) legislava, governava e decidia em nome de todos os habitantes, das mulheres, das crianas, dos imigrantes e dos escravos. 11

    A democracia ateniense bem diferente da democracia do Estado

    Moderno em vrios aspectos. Enquanto a primeira se refere apenas classe dos

    cidados homens, a segunda mais abrangente em termos formais, porm a

    participao direta das massas extremamente limitada. Mesmo com suas

    limitaes, a democracia ateniense proporcionava maior participao e poder de

    deciso dos cidados nos assuntos da polis. Todos os magistrados eram

    escolhidos por sorteio e em todos os casos era vlido o princpio da maioria,

    mesmo nos casos judiciais, como foi, por exemplo, o da condenao de

    Scrates12.

    Outro exemplo de democracia direta foi a Comuna de Paris, que durou

    apenas dois meses (entre 26 de maro e 28 de maio de 1871). Com a invaso

    alem durante a Guerra Franco-Prussiana (1870 a 1871) e a priso do

    imperador Francs Napoleo III, o Governo Provisrio de Defesa Nacional

    comandado por Louis Adolphe Thiers estabeleceu um acordo com a Alemanha,

    entregando a maior parte do exrcito permanente e das armas. A Guarda

    Nacional, que era formada principalmente por operrios, expulsou os

    parlamentares e assumiu o poder em Versalhes. Quando Thiers ordenou o

    11 PEDRA, Anderson SantAna. Na defesa de Uma Democracia Participativa. Setembro de 2002. Jus Navigandi. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3795, acesso em 10 de outubro de 2008. 12 Scrates foi acusado de corromper a juventude, com suas idias libertrias que feriam os costumes e a moral vigente, condenado, tomou cicuta. PLATO. Apologia de Scrates. Coleo Mestres Pensadores, Editora Escala, So Paulo SP, 2006.

  • 19

    desarmamento da Guarda Nacional, a populao parisiense se rebelou e

    assumiu o poder em 26 de maro fundando a Comuna de Paris. 13

    A Comuna de Paris, mesmo tendo existido por to pouco tempo, realizou

    reformas importantes, como a abolio do sistema da escravido do salrio14, a

    instituio da previdncia social, a abolio do trabalho noturno, a reduo da

    jornada de trabalho, a legalizao entre os sindicatos, a igualdade entre os

    sexos, a abolio da pena de morte, a autogesto das fbricas, a educao

    gratuita, a abolio do servio militar obrigatrio, dentre outras. O governo era

    composto por uma federao de representantes de bairro, formada por noventa

    integrantes, eleitos diretamente pelo povo.

    Com o aparecimento da sociedade de massas, na segunda metade do

    sculo XX, os cidados se distanciaram cada vez mais dos assuntos da polis. O

    poder poltico, o poder econmico e o poder dos meios de comunicao de

    massas tm contribudo para inibir a vontade autnoma do cidado. A

    democracia representativa passou a ser corrompida pelo poder das elites

    econmicas, adquirindo inmeros vcios e fraudes. O povo, quem deveria ser

    representado de fato, passa a ser ilusoriamente representado. A democracia

    representativa adquire caractersticas meramente formais, pois na realidade, os

    governantes tm governado no para o povo, mas para as elites econmicas.

    Diferentemente do modelo poltico da Comuna de Paris, a democracia

    moderna ou burguesa 15, mesmo incluindo formalmente a participao de toda a

    sociedade, no corresponde a uma democracia no sentido pleno, pois o poder

    13 BOTTOMORE, Tom. (editor). Dicionrio do Pensamento Marxista. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro RJ, 1988, p. 70 e 71. 14 A abolio do sistema da escravido do salrio significa o fim da explorao capitalista que somente ser possvel com o fim da relao social caracterizada pela extrao da mais-valia. Esta a principal meta daqueles que buscam a construo de um novo sistema scio-econmico, garantindo as mesmas condies de existncia (trabalho) e realizao (satisfao das necessidades) a todos os seres humanos. 15 Segundo Dcio Saes (1987, p. 87) a democracia burguesa assim definida: forma de Estado em que a classe social exploradora (capitalistas) logra por predominar invariavelmente no Parlamento, formalmente aberto a todas as classes sociais, repartir com a burocracia de Estado a capacidade de definir e implementar a poltica de Estado. Tambm , correlatamente, o regime poltico no qual a competio partidria, com vistas conquista do controle do Parlamento existe, mas dominada invariavelmente pelos partidos polticos objetivamente comprometidos com a conservao do capitalismo.

  • 20

    de participao da populao nos assuntos polticos restrito escolha de

    representantes que, na maioria dos casos, esto a servio das classes

    dominantes. Na realidade, este modelo de democracia indireta e representativa

    corresponde a uma democracia formal16, pois, ao invs de representar os

    anseios de toda a sociedade e garantir a participao ampla de todas as classes

    sociais, atende especialmente aos interesses das classes hegemnicas

    vinculadas ao grande capital. Por isso a democracia formal na realidade uma

    plutocracia.

    1.2 A CARACTERIZAO DA DEMOCRACIA FORMAL

    Segundo a Constituio Brasileira de 1988 (Art. 1 nico) Todo poder

    emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou

    diretamente, nos termos desta Constituio. Todavia, sabemos que na prtica,

    a realidade outra, j que as maiorias no podem exercer diretamente seu

    poder, seno por meio indireto, atravs da eleio de representantes nos rgos

    diretivos municipal, estadual e federal ou em casos excepcionais, como em

    plebiscitos e referendos oficiais17. No entanto, os representantes eleitos no

    representam aqueles que os elegeram, mas os substituem, representando de

    fato, as classes dominantes atreladas ao poder econmico do capital

    transnacional. O modelo de democracia formal (representativa) no corresponde

    vontade do povo (das maiorias), mas aos interesses particulares de grupos

    polticos atrelados ao poder econmico.

    (...) Con frecuencia, la representatividad de los gobiernos ni siquiera cubre el aspecto formal. El presidente estadounidense, George W. Bush, por ejemplo, fue elegido en el ao 2000 en elecciones fraudulentas, con la minora de los votos efectivos y representando apenas uma cuarta parte de la ciudadana electoral del pas. Y la representacin de mujeres, indgenas, desempleados, etctera, en los

    16 Tambm conhecida como democracia burguesa ou representativa. 17 O plebiscito se difere do referendo, pois o primeiro realizado antes da criao da norma (ato legislativo, administrativo), enquanto o segundo acontece aps a criao da norma, em que o povo ir decidir se mantm ou no. Em toda a histria do Brasil foram realizados somente dois plebiscitos oficiais, um em 1963, em que a populao escolheu o presidencialismo como forma de governo e outro em 1993, em que a populao decidiu pelo sistema republicano e presidencialista. O nico referendo da histria do Brasil aconteceu no ano de 2005 quando a populao votou contra a proibio da comercializao das armas de fogo e munies. SGARBI, Adrian. O Referendo, Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999.

  • 21

    parlamentos burgueses, est siempre muy por debajo de la proporcionalidad requerida. Una de las columnas de la democracia liberal radica en la nocin de que las leyes nacen de la lucha de opiniones y argumentos, no de intereses. Pero entre los partidos del parlamento moderno, el lugar del argumento ha sido usurpado por el fro clculo de intereses y oportunidades de poder, mientras que en el trato de las masas domina la manipulacin mediante la manufactura Del consenso. La casa del pueblo, el parlamento, no es el lugar de la verdad emergente, sino el mercado donde se negocia la reparticin del poder y de la riqueza social entre las fracciones de la elite.18

    No possvel que a populao participe realmente da democracia

    formal, seno na forma de eleitor que delega a outrem a funo de

    representao, e geralmente, quem foi eleito no representa a quem os elegeu,

    ou seja, a maioria da populao, mas a uma elite econmica. Por isso, podemos

    afirmar que no possvel a participao direta dos cidados dentro da

    democracia representativa, embora, evidentemente, seja importante que os

    verdadeiros representantes do povo sejam escolhidos mediante o processo

    eleitoral, pois eles podero se converter em importantes aliados dos projetos

    populares, desde que haja conscincia coletiva e presso da sociedade civil

    organizada. Portanto, a democracia formal deve ser aprofundada a ponto de se

    transformar em democracia participativa e a delegao de poder por meio de

    eleies, consiste numa importante ferramenta de transformao social, bem

    como de aprofundamento do modelo democrtico.

    "A soberania no pode ser representada, pela mesma razo que no pode ser alienada; ela consiste essencialmente na vontade geral, e a vontade de modo algum se representa; ou a mesma ou outra; no h nisso meio termo. Os deputados do povo no so, pois, nem podem ser seus representantes; so quando muito seus comissrios e nada podem concluir definitivamente. So nulas todas as leis que o povo no tenha ratificado; deixam de ser leis. O povo ingls pensa ser livre, mas est completamente iludido; apenas o durante a eleio dos membros do Parlamento; to logo estejam estes eleitos, de novo escravo, no nada. Pelo uso que faz da liberdade, nos curtos momentos em que lhe dado desfrut-la, bem merece perd-la. 19

    Pedra (2002), diferencia a democracia em trs tipos, como base na forma

    como o povo participa do poder: 1) Democracia direta, onde o povo participa do

    poder poltico por meio de assemblias (goras), cabendo a ele o papel de fazer

    as leis, aplic-las e julg-las. Para Pedra, esta forma impreticvel devido ao

    18 DIETERICH STEFFAN, Heinz. El Socialismo Del Siglo XXI. 2002, p. 22. 19 ROUSSEAU, J. J. O Contrato Social, Livro II, cap. XV, p. 114.

  • 22

    nmero de cidados que compe o Estado moderno e devido a impossibilidade

    material para a sua realizao. 2) Democracia indireta ou representativa, onde o

    povo delega a outrem, mediante eleies peridicas, a funo de represent-lo.

    3) Democracia semidireta ou participativa, onde existem mecanismos da

    democracia representativa e tambm da democracia direta, como referendos,

    consultas populares, plebiscitos, revogao de mandatos, etc. 20 No entanto, o

    desenvolvimento tecnolgico relacionado s reas de informtica e

    microeletrnica, tem possibilitado, cada vez mais, o acesso da populao aos

    meios digitais. Atualmente, a humanidade tem condies tecnolgicas para

    desenvolver um sistema de democracia direta por meio digital. Por isso, autores

    como Diterich Steffan e Peters no distinguem a democracia direta da

    representativa.

    De acordo com Dieterich Steffan (2002) a democracia formal apresenta as

    seguintes caractersticas: 1) a diviso dos trs poderes; 2) uma Constituio com

    uma definio formal dos trs poderes e dos direitos e obrigaes das entidades

    coletivas e individuais da nao; 3) o sistema formal de eleio dos

    representantes polticos; 4) o parlamento como representante do povo; 5) uma

    estrutura federativa do Estado; 6) a existncia de meios de comunicao no

    estatais; 7) a garantia e proteo da propriedade privada; 8) a garantia dos

    direitos sociais e trabalhistas; 9) as diferenas constitucionais entre a esfera

    pblica e a privada. 21

    Sabemos, todavia, que estes direitos constitucionais da democracia

    formal em grande parte no so cumpridos, j que o poder poltico e econmico,

    muitas vezes, se sobrepe s leis do Estado e aos interesses populares. Como

    o povo no dispe de mecanismos da democracia participativa para cobrar do

    Estado seus direitos e exigir o cumprimento das leis, os direitos formais acabam

    sofrendo uma involuo ou anulao por parte das elites dominantes. Alm da

    necessidade de fazer cumprir estes direitos, a democracia participativa dever

    20 PEDRA, Anderson SantAna. Na defesa de Uma Democracia Participativa. Setembro de 2002. Jus Navigandi. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3795, acesso em 10 de outubro de 2008. 21 Ibidem, p. 48.

  • 23

    ampli-los e aprofund-los, assegurando a ampla participao popular nas

    instncias decisrias da sociedade.

    Devido ao problema da dominao do Estado no foi possvel

    desenvolver a democracia participativa nos pases que passaram pela

    experincia do socialismo (realmente existente) e em alguns casos, como o dos

    pases que sofreram influncias do stalinismo, nem mesmo a democracia formal-

    representativa. Por isso, precisamos construir um modelo de sociedade que

    possa conciliar os ideais socialistas com os ideais da democracia participativa

    (ou direta), de modo a caracterizar uma terceira opo, que no seja nem a

    social-democracia ou keinesianismo (que no conseguiu acabar com as

    diferenas de classes na Europa Ocidental, embora as tenha amenizado, tendo

    em vista que as experincias social-democratas ocorreram num momento

    histrico cujo modelo capitalista global ainda no havia entrado em crise), nem o

    socialismo real, mediante a estatizao total dos meios de produo e absoluto

    poder do Estado sobre a sociedade civil.

    Embora a humanidade, ao longo do sculo XX, tenha experimentado dois

    modelos scio-econmicos distintos, o capitalismo e o socialismo real, nenhum

    deles conseguiu resolver plenamente os problemas das sociedades humanas,

    como a explorao, a opresso econmica, a falta de democracia participativa

    ou direta, os problemas ambientais, etc.

    Lo que caracteriza nuestra poca es, por lo tanto, el agotamiento de los proyectos sociales de la burguesia y del proletariado histrico, y la apertura de la sociedad global hacia uma nueva civilizacion: la democracia participativa. (...) Si el fantasma que recorria el mundo feudal del siglo XVIII era la democracia formal, el fantasma que recorre el mundo burgus del siglo XXI, es la democracia participativa. 22

    O socialismo do sculo XXI somente poder se concretizar, enquanto

    modelo substitutivo do capitalismo predatrio plutocrtico, atravs da unificao

    dos princpios democrticos e socialistas, tendo em vista que a democracia

    jamais existir plenamente sem o socialismo, da mesma forma que o socialismo

    jamais existir plenamente sem a democracia.

    22 DIETERICH STEFFAN, Heinz. El Socialismo Del Siglo XXI. 2002, p. 10 e 11.

  • 24

    O dever sagrado dos autnticos revolucionrios humanistas de hoje lutar por um regime mais justo do que os regimes socialistas e capitalistas existentes at agora. E esse regime s pode ser a democracia socialista. 23

    Segundo Dieterich Steffan (2002), as grandes mudanas na sociedade

    humana acontecem quando se esgota as viabilidades histricas de um sistema

    scio-econmico e poltico, como na transio do comunismo primitivo para o

    escravismo, deste para o feudalismo, deste para o capitalismo, e por ltimo, do

    capitalismo para o socialismo realmente existente. Para ele uma mudana

    qualitativa na sociedade pode acontecer pela via da imploso (como foi o

    socialismo do Leste Europeu), pela via da evoluo interna, ou pela destruio

    do sistema. Estamos prximos a uma nova transio histrica rumo ao

    socialismo do Sculo XXI, resta saber por qual via o novo socialismo ir triunfar.

    1.3 A DEMOCRACIA FORMAL E O SISTEMA GLOBAL

    O Estado moderno baseia-se na doutrina de Montesquieu que concebe a

    separao e interdependncia entre os trs poderes (executivo, legislativo e

    judicirio). Estes poderes, porm, no podem garantir um Estado

    verdadeiramente democrtico estando a servio de uma parcela minoritria da

    sociedade. Na democracia formal, o sistema eleitoral funciona para legitimar os

    interesses das elites, inclusive propiciando a elas certa rotatividade24, porm,

    23 BAZARIAN, Jacob. Por Uma Democracia Socialista. Revista Democracia e Socialismo. N. 3. Jul.-Set. 1984, p. 37. 24 Ver RANGEL, Igncio. Histria da Dualidade Brasileira. Revista de Economia Poltica, Vol. 1, n 4. So Paulo SP. Outubro/dezembro de 1981. Nesta obra o autor demonstra como ocorreram as sucesses de poder entre os principais grupos econmicos no Brasil desde a vinda dos europeus para o continente. Segundo Rangel, cada dualidade envolve os seguintes aspectos: poltico (pacto pelo poder entre as classes dominantes) e econmico (cujo plo externo representa um modelo e o plo interno representa outro). O Brasil teria passado por trs dualidades, estando atualmente na quarta. A primeira teve como scio maior a classe dos bares-senhores de escravos (plo interno) e como scio menor a classe dos comerciantes ligados exportao-importao (plo externo); a segunda teve como scio maior os fazendeiros e latifundirios feudais (plo interno) e como scio menor a burguesia comerciante (plo externo); a terceira teve como scio maior os fazendeiros-comerciantes (plo interno) e como scio menor a burguesia industrial nascente (plo externo); por ltimo, a quarta e atual tem como scio maior a burguesia industrial nascente (plo externo) e como scio menor a nova burguesia rural (plo interno). Embora as classes dominantes tenham sucessivamente estado no poder, as classes trabalhadoras, em nenhum momento histrico, puderam estabelecer pactos pelo poder poltico, pois estas jamais tiveram o poder econmico. Portanto, sem a transformao radical deste modelo de sociedade que por mais de quinhentos anos tem representado as elites

  • 25

    quando, eventualmente, uma candidatura popular assume o poder, as foras

    conservadoras armam golpes, demonstrando que as regras do jogo podem

    mudar conforme os seus interesses. Um exemplo que demonstra claramente a

    fragilidade deste modelo o golpe de abril de 2002, patrocinado pelos EUA,

    contra o Governo Venezuelano.

    Se a democracia formal existente nos Estados nacionais extremamente

    frgil (sucessvel de golpes25) e no corresponde realidade (pois os

    representantes eleitos, quase sempre, no representam a quem os elegeu), em

    relao ao contexto poltico global, ela praticamente inexistente. A democracia

    no funciona nem nos principais organismos internacionais que integram o

    chamado governo mundial, como a OMC (Organizao Mundial do Comrcio)

    ou o FMI (Fundo Monetrio Internacional), pois seus representantes no so

    eleitos pelo povo, mas indicados pelas naes hegemnicas; nem em relao ao

    poder de deciso dos Estados, como o caso da ONU (Organizao das

    Naes Unidas), onde apenas cinco (Gr Bretanha, Frana, China, Rssia e

    Estados Unidos) dentre os mais de duzentos pases do mundo, possuem o

    poder de veto e so membros permanentes no Conselho de Segurana da

    ONU26.

    Muitos representantes do governo mundial, formado pelas principais

    organizaes internacionais (FMI, Banco Mundial, OMC, G8, OTAN, etc.),

    exercem poder poltico superior ao dos representantes eleitos de muitos Estados

    nacionais, ainda mais em se tratando de naes perifricas, como o caso das

    naes latino-americanas. Isso no significa, todavia, que os Estados tenham

    que se sujeitar ao poder das organizaes internacionais (como no caso

    econmicas nacionais e internacionais, a classe trabalhadora estar fadada a ser eternamente subalterna e explorada. 25 Ver Tabela 01 Intervenes Estadunidenses na Amrica Latina no Sculo XX. 26 O Conselho de Segurana da ONU o rgo que teoricamente visa manter a paz mundial, intermediando conflitos e crises polticas entre as naes, no entanto, na prtica, o Conselho tem servido para legitimar os interesses das cinco naes que possuem o poder de veto e em hiptese alguma so afetadas. O Conselho de Segurana constitudo de quinze membros, sendo que cinco so fixos com o poder de veto e os outros dez so rotativos e no possuem o poder de veto.

  • 26

    brasileiro27), pelo contrrio, essencial fazer com que as organizaes

    internacionais obedeam a uma nova lgica, cuja prioridade seja os valores

    sociais e humanos em detrimento dos interesses do capital. Embora as

    organizaes internacionais exeram forte influncia sobre os pases de todo o

    mundo, de acordo com Santos (2000), elas tem seu poder legitimado pelo

    Estado nacional, at porque so os Estados quem criam e se submetem as

    organizaes internacionais.

    (...) um equvoco pensar que a informao e a finana exeram sempre sua fora sem encontrar contrapartida interna. Esta depende de uma vontade poltica interior, capaz de evitar que a influncia dos ditos fatores seja absoluta. Ao contrrio do que se repete impunemente, o Estado continua forte e a prova disso que nem as empresas transnacionais, nem as instituies supranacionais dispem de fora normativa para impor, sozinhas, dentro de cada territrio, sua vontade poltica ou econmica. o Estado nacional que, afinal, regula o mundo financeiro e constri infra-estruturas, atribuindo, assim, a grandes empresas escolhidas a condio de sua viabilidade. O mesmo pode ser dito das instituies supranacionais... (...) cremos, todavia, que sempre tempo de corrigir os rumos equivocados e, mesmo num mundo globalizado, fazer triunfar os interesses da nao.28

    Ianni (2002) relaciona a democracia formal ideologia neoliberal,

    demonstrando que este modelo poltico formalmente democrtico serve para

    legitimar o neoliberalismo, criando a falsa noo de que o livre mercado se auto-

    regula naturalmente e que essa auto-regulao tende a beneficiar uma parcela

    cada vez maior da populao mundial - o que no passa de uma dupla falcia.

    Em primeiro lugar, porque o neoliberalismo no auto-regulado naturalmente, j

    que depende das polticas governamentais dos Estados nacionais no sentido de

    dar sustentao a deste modelo, inclusive, decidindo se aceitam ou no se

    27 O governo brasileiro h bastante tempo tem gasto uma grande parcela de seu oramento com os pagamentos das dividas e uma pequena parcela em setores essenciais para o desenvolvimento do pas, como educao, sade, habitao, transporte, etc. Somente em 2005, foram gastos R$ 139 bilhes para o pagamento das dvidas, bem mais que os R$ 99 bilhes gastos com a soma de todas estas reas sociais: Sade, Educao, Assistncia Social, Agricultura, Segurana Pblica, Cultura, etc. Com esses R$ 139 bilhes destinados ao servio da dvida pblica, o governo federal poderia ter assentado todas as quatro milhes de famlias de sem-terra do Brasil (ao custo de R$ 35 mil por famlia). Ou ento poderia construir sete milhes de casas populares (ao custo de R$ 20 mil cada). Outra alternativa para o uso destes recursos seria multiplicar por cinco os gastos com sade no ano passado. Fonte: Coordenao da Auditoria Cidad da Dvida. Consultado em www.jubileubrasil.org.br, visitado em 16 de maro de 2007. 28 SANTOS, Milton. Por uma outra Globalizao - Do pensamento nico conscincia universal. Rio de janeiro. Ed. Record, 2000, p. 77.

  • 27

    submeter aos ditames dos organismos internacionais, como o FMI, o Banco

    Mundial, a OMC, etc. Em segundo lugar, porque vrios estudos demonstram

    (como o relatrio das ONU referente pobreza e a misria) que aps a

    aplicao das polticas neoliberais, o nmero de vtimas do neoliberalismo

    ampliou-se e tende a ampliar cada vez mais, na medida em que o Estado se

    torna ausente de sua funo social.

    Seu lema principal est resumido na idia de que a liberdade econmica o fundamento da liberdade poltica. A democracia suposta pelo neoliberalismo , portanto, a que mantm a afirma as condies do livre jogo das foras do mercado, processo este que tenderia naturalmente a generalizar-se, beneficiando setores sociais cada vez mais amplos, como que organizados por uma espcie milagrosa e providencial mo invisvel. Implica a suposio de que a economia internacional, ou melhor, o capitalismo global, auto-regulvel, tende naturalmente a reequilibrar-se, vencer crises, distribuindo benefcios progressivamente a todos, em todos os cantos do mundo. 29

    O Estado nacional ao se transformar, transformar tambm a lgica das

    organizaes internacionais, do modelo neoliberal, do imperialismo praticado

    pelas naes hegemnicas e da globalizao, por isso, a atual ordem mundial

    no irreversvel, no h apenas um caminho e este no obrigatoriamente o

    da passividade. Por conseguinte, no verdade que a globalizao impea a

    constituio de um projeto nacional.30

    1.4 A DEMOCRACIA FORMAL E A DITADURA

    Atualmente, a maior parte das naes latino-americanas governada

    pelo modelo de democracia formal, porm, nem sempre esta forma de governo

    vigorou. O perodo conhecido como anos de chumbo entre as dcadas de 1960

    e 1990, afetou profundamente a vida poltica de diversas naes latino-

    americanas, como Brasil, Argentina, Chile, Panam, Nicargua, El Salvador, etc.

    Este perodo chegou ao fim, no atravs de revolues de carter popular que

    derrubaram as ditaduras militares, mas, segundo Fernandes (1986), pela

    interrupo das contra-revolues31. Houve um plano de redemocratizao (por

    29 Ibidem, p. 141. 30 Ibidem, p. 78. 31 Contra-revoluo ou golpe militar so os termos mais apropriados para se referir ao processo de tomada de poder pelos militares no Brasil. Muitos utilizam equivocadamente a expresso

  • 28

    volta dos anos 1980) concebido pelas elites dominantes das naes latino-

    americanas, por intermdio dos Estados Unidos, que serviu para a

    autopreservao das instituies ligadas ao poder. Com isso, o

    comprometimento ideolgico dos governos que sucederam aos regimes

    ditatoriais, continuou voltado para os interesses das classes dominantes,

    representadas pela burguesia financeira e industrial e pelas as velhas

    oligarquias rurais.

    Na Amrica Latina, no s as revolues so interrompidas. As contra-revolues tambm. As classes burguesas dominantes so impotentes para conduzir as revolues inerentes transformao capitalista. Ameaadas, ou supondo-se ameaadas, elas recorrem ao seu brao armado, implantam uma ditadura civil-militar e fazem a vitria pender para uma contra-revoluo. (...) Temerosas das conseqncias de do agravamento das tenses, que as dividem entre si e jogam as faces e estratos das classes possuidoras em campos opostos (pelo menos politicamente) , elas do marcha a r, recolhem os militares ao quartel e interrompem a contra-revoluo.32

    As mesmas oligarquias que representavam o poder durante as

    ditaduras militares permaneceram no poder no perodo ps-ditatorial. As

    ditaduras foram montadas para impedir que as revolues nacionais e

    democrticas viessem tona, interferindo negativamente no desenvolvimento do

    capitalismo monopolista. No foi por acaso que elas aconteceram em meio s

    grandes transformaes polticas, como foi o caso do Chile com Salvador

    Allende33, eleito pelo voto popular em 1973, e do Brasil, com Joo Goulart, que

    assumiu o poder em 1961 aps a renncia de Jnio Quadros e manteve por

    pouco tempo uma poltica externa independente e voltada para os interesses

    populares.

    revoluo para caracterizar este acontecimento, desconsiderando que o conceito de revoluo corresponde a uma transformao radical de uma estrutura poltica, econmica e social, o que no houve com a ditadura militar, que fez exatamente o contrrio ao afirmar a mesma estrutura ou modelo poltico que era e continuou sendo voltado para os interesses das classes dominantes nacionais e internacionais. 32 FERNANDES, Florestan. Nova Repblica? Coleo Brasil: Os Anos do Autoritarismo. Jorge Zahar Editor LTDA. Rio de Janeiro, RJ. 1986, p. 9. 33 Allende era apoiado pela Teologia da Libertao e foi o primeiro presidente socialista da Amrica Latina eleito pelo voto direto, porm, seu governo foi interrompido pelo golpe de Estado liderado por Augusto Pinochet, aps ter contrariado setores da elite chilena e pases imperialistas, especialmente os Estados Unidos, ao promover polticas voltadas para projetos sociais, estatizao (de vrios setores, como bancos e minas de cobre) e reforma agrria.

  • 29

    O movimento operrio nos pases latino-americanos passou a se

    organizar com maior intensidade, em resposta aos governos entreguistas e suas

    polticas de desnacionalizao crescente das indstrias. Influenciados por

    organizaes marxistas, como os partidos comunistas, e afetados por crises

    econmicas e desemprego em massa, os operrios, juntamente com setores da

    pequena burguesia, intensificaram as lutas contra o poder vigente. As classes

    dominantes, buscando abafar todas as formas de organizao popular,

    impuseram ditaduras militares em todo o continente. Os pases do Cone Sul

    foram afetados pela onda de violncia contra-revolucionria (Brasil, 1964; Chile

    e Uruguai, 1973; e Argentina, 1976). (O quadro abaixo mostra algumas das

    principais intervenes do imperialismo estadunidense na Amrica Latina nos

    ltimos cem anos). 34

    Tabela 1 - Intervencionismo Estadunidense na Amrica Latina nos ltimos 100 anos

    Ano Interveno e pas afetado

    1898 Anexao de Porto Rico 1901 Imposio de protetorado sobre Cuba 1903 Apoio separao do Panam da Colmbia

    Tratado que d aos EUA o domnio do Canal do panam 1906/1909 Interveno em Cuba 1909/1912 Ocupao na Nicargua 1914 Ocupao no Haiti

    Inaugurao do Canal do Panam 1916 Ocupao da Repblica Dominicana

    Compra das Ilhas Virgens da Dinamarca Acordo para a construo de um canal na Nicargua

    1927/1933 Ocupao da Nicargua 1947 Os EUA foram o rompimento diplomtico entre os pases latino-

    americanos e a URSS Criao do Tratado Interamericano de Ajuda Recproca TIAR

    1948 Fundao da Organizao dos estados Americanos OEA 1954 Apoio derrubada do governo da Guatemala 1955 Apoio derrubada do Governo de Pern na Argentina 1961 Tentativa de invaso de Cuba por exilados e mercenrios financiados

    pela CIA 1962 Presses diplomticas para expulsar Cuba da OEA 1964 Apoio ao golpe militar no Brasil 1966 Apoio ao golpe militar na Argentina 1971 Apoio ao Golpe Militar na Bolvia 1973 Apoio aos golpes militares no Uruguai e no Chile

    34 OLIC, Nelson Bacic. Geopoltica da Amrica Latina. 12 Edio. Coleo Polmica. Editora Moderna, So Paulo SP, 1995.

  • 30

    1976 Apoio ao golpe militar na Argentina 1981/1988 Apoio aos contra na Nicargua 1982 Apoio aos britnicos na Guerra das Malvinas 1983 Invaso de Granada 1985 Apoio derrubada da ditadura no Haiti 1989 Invaso do Panam Fonte: OLIC, Nelson Bacic. Geopoltica da Amrica Latina. 12 Edio. Coleo Polmica. Editora Moderna, So Paulo SP, 1995.

    O objetivo das elites era defender as naes da ameaa comunista,

    dos ideais antielitistas, antiimperialistas e anticapitalistas, atravs de governos

    ditatoriais sob comando direto dos Estados Unidos (atravs da Central

    Intelligence Agency - CIA) e de acordos multilaterais entre as naes, como a

    Operao Condor, criada para reprimir os movimentos de resistncia aos

    regimes ditatoriais no Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolvia. As

    classes burguesas montaram regimes militares em diversos pases da Amrica

    Latina que reprimiram o povo violentamente, impediram a organizao sindical,

    destruram os movimentos sociais no campo e na cidade, estabeleceram

    rigorosos regimes de censura contra msicos, escritores, atores, jornalistas e

    todos aqueles que contestassem a ditadura militar e o poder desptico e

    protofacista que se instaurara.

    Quando o governo democrtico, burgus (...) no consegue conter as situaes de efervescncia que se instalam periodicamente nas naes sulamericanas, as foras armadas, por ser o nico setor ideologicamente homogneo e coeso da sociedade, intervm, amide com auxlio tcnico e financeiro dos Estados Unidos, seu exrcito e suas corporaes industriais e financeiras, e implantam regimes repressores, antinacionalistas e pr-imperialistas ao extremo, assumindo o papel de um verdadeiro exrcito invasor no prprio pas: pilham, roubam, saqueiam, matam, mentem. A cada mais consciente mobilizao revolucionria das classes exploradas corresponde uma mais ferrenha ditadura militar... (...) os militares recorrem sempre a mtodos criminosos, diretamente aprendidos dos servios secretos norte-americanos: tortura, assassinato, perseguio, mutilao, chantagem, desterro. Ao estabilizarem a situao ou ao perderem controle da parafernlia burocrtica, corrupta que eles mesmos criaram, devolvem o poder s classes que tradicionalmente o tm controlado: a burguesia industrial e financeira e a oligarquia latifundiria.35

    Enquanto as pessoas que contestavam o regime eram presas, exiladas,

    torturadas e mortas, outra parte, manipulada pelos veculos de comunicao

    35 CASANOVA, Pablo, Gonzalez (org.). Amrica Latina: Histria de Meio Sculo. Editora UNB. Braslia DF, 1988. P. 12.

  • 31

    comprometidos com interesses burgueses, permanecia aptica diante da

    situao: acreditavam que a ditadura fosse melhorar as condies de vida da

    maioria, a partir do desenvolvimento econmico e dos emprstimos bilionrios

    feitos aos bancos internacionais. Porm, em vrios pases latino-americanos

    (inclusive no Brasil, especialmente na poca do milagre econmico), as

    polticas desenvolvimentistas que atendiam aos objetivos das elites

    econmicas, resultaram em gigantescos endividamentos externos, na

    intensificao do xodo rural, no aumento do desemprego no campo e na

    reduo do poder aquisitivo da maior parte da classe trabalhadora.

    Disse Clemenceau que, em matria de desonestidade, a diferena entre o regime democrtico e a ditadura a mesma que separa a chaga que corri as carnes, por fora, e o invisvel tumor que devasta os rgos por dentro. As chagas democrticas curam-se ao sol da publicidade, com o cautrio da opinio livre; ao passo que os cnceres profundos da ditadura apodrecem internamente o corpo social e so por isto mesmo muito mais graves. 36

    O governo ditatorial no Brasil, durante 21 anos (1964 a 1985), foi

    conduzido de cima para baixo pelas elites, para o que se chamou de "transio

    lenta, gradual e segura". Era necessrio fazer uma transio, amenizando aos

    poucos o carter violento e repressivo dos governos militares, de modo a

    construir um governo supostamente democrtico.

    (...) a ditadura no seria desmantelada e ela serviria de guia a uma democracia sui generes, que sairia das entranhas do regime, como sangue do seu sangue. No era uma vitria da democracia, era uma nova derrota do republicanismo e um conchavo descarado.37 A Nova Repblica "(...) no rompeu com o passado, remoto ou recente. No combateu de frente a ditadura. Contornou-a e prolongou-a.38

    As foras conservadoras prepararam a transio, pois sabiam que a

    populao estava cada vez mais insatisfeita. O movimento das "Diretas J" de

    1984, embora tenha contribudo para que a ditadura militar chegasse ao fim, no

    conduziu a um novo modelo poltico, econmico e social, nem, tampouco, a um

    36 FRANCO, Afonso Arinos de Melo, Maturidade, Jornal do Brasil, 01.11.1964, citado por, PEDRA, Anderson SantAna. Na defesa de Uma Democracia Participativa. Setembro de 2002. Jus Navigandi. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3795, acesso em 10 de outubro de 2008. 37 FERNANDES, Florestan. Nova Repblica? Coleo Brasil: Os Anos do Autoritarismo. Jorge Zahar Editor LTDA. Rio de Janeiro, RJ. 1986, p. 19-20. 38 Ibidem.

  • 32

    modelo de sociedade realmente democrtico. A transio foi organizada de cima

    para baixo, de modo que, as classes dominantes puderam criar um regime

    presidencialista com carter ditatorial, na medida em que a democracia para as

    elites significava a ditadura para a classe trabalhadora. Os governos latino-

    americanos ditos democrticos da atualidade, mesmo que tenham

    caractersticas "democratizantes", como liberdades de organizao partidria e

    sindical, continuam necessitando de atitudes ditatoriais, principalmente para lidar

    com a classe trabalhadora organizada, nos sindicatos, movimentos sociais,

    organizaes representativas, etc. "No lugar de uma ditadura unificada pelo fuzil

    contra-revolucionrio, temos uma mirade de pequenas ditaduras, zelosas pela

    consolidao de absolutismos nanicos desarticulados entre si.39 (O quadro

    abaixo mostra os principais eventos que marcaram o fim das ditaduras militares

    na Amrica Latina durante a dcada de 1980).

    Tabela 2 Redemocratizao em alguns pases latino-americanos durante a dcada de 1980.

    Ano Evento Poltico 1980 Eleies diretas para presidente no Peru, aps 12 anos de ditadura. 1981 Eleies diretas para presidente em Honduras, aps 18 anos de ditadura. 1983 O presidente da Bolvia Siles Suazo eleito pelo congresso. 1984 Eleies diretas para presidente em El Salvador, na Argentina e no Uruguai

    (aps 11 anos de ditadura).

    1985 O presidente do Brasil Tancredo Neves eleito pelo colgio eleitoral, aps 21 anos de ditadura.

    1986 Eleies diretas para presidente na Guatemala, aps 31 anos de ditadura 1988 Novas eleies diretas em El Salvador 1989 Eleies diretas para presidente no Paraguai, Honduras, Peru, Argentina, Chile

    (aps 16 anos de ditadura) e Brasil (no ocorriam eleies diretas desde 1961) Fonte: OLIC, Nelson Bacic. Geopoltica da Amrica Latina. 12 Edio. Coleo Polmica. Editora Moderna, So Paulo SP, 1995.

    Aps as ditaduras militares na Amrica Latina, a populao pobre do

    campo e as massas urbanas puderam se organizar em sindicatos, partidos

    operrios, movimentos sociais, que antes eram proibidos. Por outro lado, a

    instaurao das "novas repblicas" serviu para atender aos interesses de

    perpetuao no poder das velhas oligarquias atreladas ao grande capital,

    conservando resqucios da ditadura, como a represso violenta aos movimentos

    39 Ibidem, p. 29.

  • 33

    sociais no campo e nas cidades e o crescente endividamento externo da maior

    parte das naes latino-americanas.

    Nesse sentido, o atual governo no o oposto da ditadura, mas a sua reproduo fragmentada e compartimentada. (...) Ele no conduz uma cruzada contra a herana da ditadura, nem se movimenta contra a herana cultural centrada na democracia dos poderosos e dos mais iguais. Faz um jogo de pacincia e de desarticulao das classes trabalhadoras e dos setores rebeldes da sociedade. 40

    Diante destas consideraes, no parece haver alternativa classe

    trabalhadora seno a luta pela transformao substancial da sociedade. Ao

    contrrio do contra-reformismo burgus, que visa conservar as mesmas

    estruturas de poder, alterando superficialmente e paliativamente a sociedade

    (mudancismo) e se fazendo representar atravs de uma plutocracia, a classe

    trabalhadora organizada, deve criar as condies necessrias para a

    transformao substancial deste modelo de sociedade, rumo construo de

    outro mundo possvel, visando, no manuteno do status quo, mas o fim de

    todas as classes sociais. Por isso, a participao democrtica de todos os

    setores da sociedade nas instancias polticas fundamental.

    S h um meio de sair desse imobilismo, o qual consiste em aprender a conviver com a democratizao da sociedade civil, do Estado e das demais instituies-chaves. Deixar correr a revoluo democrtica e a revoluo nacional, at que surja uma repblica capaz de conter os contrrios e de compor as contradies inerentes ao antagonismo entre capital e trabalho.41

    Para que a sociedade possa se transformar substancialmente preciso

    que seja construdo um verdadeiro Estado democrtico, mas isso jamais ser

    possvel atravs do conciliacionismo, caracterstico dos governos contra-

    reformistas, que tende a resguardar os interesses das classes dominantes,

    proporcionando meios para a sua perpetuao no poder. O capitalismo

    demonstrou ao longo da histria sua face camalenica (mudando de cor quando

    lhe convinha) atravs das contra-reformas e contra-revolues. Somente a luta

    dos excludos e marginalizados organizados em movimentos sociais e partidos

    de esquerda, pode mudar o rumo da sociedade em direo a uma revoluo (ou

    40 Ibidem, p. 29. 41 Ibidem, p. 21.

  • 34

    em direo a reformas que conduzam a uma revoluo)42, rompendo com as

    antigas estruturas de poder pela verdadeira construo do Estado

    democrtico43.

    Embora com todas as contradies especificadas acima, importante

    que seja mantida e ampliada a democracia formal-plutocrtica, para alcanar a

    democracia em seu sentido pleno. At porque, muito mais difcil transformar a

    sociedade rumo democracia participativa em um regime ditatorial44 e

    repressivo, do que em um regime com liberdade, embora restrita e limitada, mas

    que garanta os direitos formais, como o direito ao voto universal e direto, o

    direito liberdade de imprensa, o direito liberdade de organizao sindical e

    popular, os direitos trabalhistas, etc.

    (...) la negacin de la democracia formal slo puede beneficiar al Estado y a las elites en el poder, no al ciudadano. Por lo tanto, la conclusin es lgica: los derechos democrtico-formales son una condicin imprescindible y necesaria, pero no suficiente, para la sociedad democrtica del futuro; no deben sustituirse, sino ampliarse hacia los derechos sociales participativos. De la misma manera como el absolutismo poltico-econmico feudal sufri su democratizacin a travs de los derechos democrticos formales, as ha de sufrir su democratizacin el absolutismo econmico-poltico del gran capital mediante la extensin de las decisiones mayoritarias hacia todas las esferas sociales. (...) La democracia real es el fin de la civilizacin Del capital.45

    42 Carlos Nelson Coutinho (1992) parte de uma concepo processual de revoluo, em que as reformas de base e estruturais so fundamentais para que ocorra uma mudana poltica radical (reformismo revolucionrio). COUTINHO, Carlos Nelson. Democracia e Socialismo. Questes de Princpio e Contexto Brasileiro. Polmicas do Nosso Tempo, vol. 51, Cortez Editora. So Paulo SP, 1992. 43 (...) a luta pelo socialismo e a luta pela democracia so duas faces solidrias da mesma moeda COUTINHO, Carlos Nelson. Democracia e Socialismo: Questes de Princpio & Contexto Brasileiro. Coleo Polmicas do Nosso Tempo, n 51. Cortez Editora. So Paulo SP, 1992, p. 55 56. 44 So cruzes, sem nomes, sem corpos, sem datas, memrias de um tempo onde lutar por seu direito um defeito que mata. Gonzaguinha msica Legio dos Esquecidos do LP De Volta ao Comeo de 1980. 45 DIETERICH STEFFAN, Heinz. El Socialismo Del Siglo XXI. 2002, p. 23.

  • 35

    2. A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

    Em sua estrutura filosfica ntima, a democracia a marcha do mundo para a liberdade e a tolerncia. A democracia no uma classe, nem uma faco, nem um privilgio; a nao proprietria do governo, o direito de escolha dos representantes populares, o poder organizado da opinio pblica. (...) A democracia no apenas uma forma de governo, uma modalidade de Estado, um regime poltico, uma forma de vida. um direito da Humanidade (dos povos e dos cidados). Democracia e participao se exigem, democracia participativa constitui uma tautologia virtuosa. No h democracia sem participao, sem povo. O regime ser tanto mais democrtico quanto tenha desobstrudo canais, obstculos, bices, livre e direta manifestao da vontade do cidado. 46

    O filsofo alemo Heinz Dieterich Steffan atribui em sua obra intitulada El

    Socialismo Del Siglo XXI (2002), duas outras expresses como sinnimas do

    novo socialismo, so elas: Novo Projeto Histrico das Maiorias47 e Democracia

    Participativa. De acordo com Steffan, os trs flagelos da humanidade, que so a

    misria, as guerras e a dominao, no so casuais, mas resultados inevitveis

    da institucionalidade que d sustentao sociedade do capital. Esta

    institucionalidade que sustentada pela economia nacional de mercado, pelo

    Estado classista e por uma democracia plutocrtica formal, no permite que o

    ser humano atue de forma tica, crtica e esttica, e sim de forma egosta,

    gananciosa, autoritria, e, portanto, antitica. A sociedade burguesa, por ser

    antitica e no satisfazer s necessidades gerais da maioria da populao

    dever ser substituda pelo socialismo do sculo XXI, que carrega consigo uma

    nova institucionalidade, cujas caractersticas so: a democracia participativa, a

    economia democraticamente planificada de equivalncias e o Estado no-

    classista, consequentemente, o cidado racional-tico-esttico.48 O historiador

    46 PEDRA, Anderson SantAna. Na defesa de Uma Democracia Participativa. Setembro de 2002. Jus Navigandi. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3795, acesso em 10 de outubro de 2008. 47 O conceito de Projeto Histrico utilizado por Dieterich Steffan, Arno Peters, dentre outros, para descrever o modelo de explorao, dominao, e alienao que caracteriza as sociedades humanas ao longo da histria. Este modelo envolve quatro aspectos: o econmico, o poltico, o cultural e o militar, englobando os seguintes elementos: 1) o programa de transformao; 2) os atores de transformao; 3) os tempos de transformao; 4) os mtodos de luta. Alm destes quatro, tem tambm um elemento transversal aos anteriores que consiste na dimenso geogrfica (regional, nacional e global). DIETERICH STEFFAN, Heinz. El Socialismo Del Siglo XXI. Prlogo a la Edicin Mexicana, 2002, p. 32. 48 DIETERICH STEFFAN, Heinz. El Socialismo Del Siglo XXI. Prlogo a la Edicin Mexicana, 2002, p. 3.

  • 36

    Arno Peters (2002) contribui para o alicerce terico do Socialismo do Sculo XXI

    com a teoria de substituio do preos pelo valor real dos produtos e servios.

    Esta mudana aplicada base econmica da sociedade levar substituio da

    economia nacional de mercado para a economia global de equivalncias. A

    democracia participativa (ou direta), que consiste no modelo substitutivo e

    estgio mais avanado da democracia formal, condio fundamental para a

    construo do socialismo do sculo XXI. Diante disso, faremos uma discusso

    sobre as estratgias terico-metodolgicas para a ampliao da democracia.

    2.1 A CARACTERIZAO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

    Para Dieterich Steffan (2002), a democracia participativa corresponde

    capacidade real da maioria dos cidados de decidir sobre os principais assuntos

    polticos da nao. Ela constitui-se num modelo de sociedade qualitativamente

    superior ao da democracia formal, em que as decises populares no mais

    estaro limitadas aos perodos de sufrgio eleitoral, mas garantidas por todas as

    instncias da sociedade, desde as fbricas e escolas, at os meios de

    comunicao e setores de planejamento do Estado. A democracia participativa

    garantir a participao igualitria de todos os setores da sociedade nas

    instncias poltico-administrativas do Estado, independentemente do poder

    econmico dos grupos sociais em disputa, diferentemente do que ocorre na

    democracia formal onde o poder econmico e os interesses das elites

    minoritrias falam mais alto. Da mesma forma, os meios de comunicao, ao

    invs de estarem submetidos aos monoplios da comunicao (televiso, radio,

    jornais, etc.), devero ser geridos pelos conselhos populares formados pelos

    diferentes setores da sociedade (sindicatos, movimentos sociais urbanos e

    rurais, associaes de bairro, etc.).

    A construo de uma nova alternativa ao modelo poltico-econmico

    vigente passa pela consolidao da democracia participativa, que tem avanado

    em inmeros movimentos sociais organizados, como o MST e a Consulta

    Popular no Brasil, o Exrcito Zapatista de Libertao Nacional (EZLN) e a

    Comuna de Oaxaca no Mxico, a Confederao de Nacionalidades Indgenas

  • 37

    (CONAIE) no Equador,