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O PROTAGONISMO DA BURGUESIA E DO ESTADO NA ECONOMIA MARANHENSE Ilnar Fernandes Feitoza 1 Resumo O objetivo desse artigo é analisar as formulações de Florestan Fernandes (1976) na economia maranhense, ao se observar os interesses da classe dominante e a atuação do Estado. Constata-se que a economia maranhense voltou-se para atender as demandas do mercado externo, e que em 2016, contabilizou-se a entrada de mais de 2 bilhões de dólares oriundos de produtos exportados, proveniente da venda de mais de 7 bilhões de kilogramas de minérios, soja e celulose. Diversos incentivos foram concedidos pelos governos estadual e federal para atrair o capital nacional e internacional a fim de alavancar a produção para exportação. Palavras chaves: Burguesia, incentivos econômicos, produção e exportação. Abstract The objective of this article is to analyze the formulations of Florestan Fernandes (1976) in the economy of Maranhão, when observing the interests of the ruling class and the State's performance. It can be seen that the economy of Maranhão turned to meet the demands of the foreign market, and that in 2016, the entry of more than 2 billion dollars from exported products, coming from the sale of more than 7 billion kilograms Of minerals, soy and cellulose. Several incentives were granted by the state and federal governments to attract domestic and international capital in order to leverage production for export. Keywords: bourgeoisie, economic incentives, production, export and Maranhão. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico na Universidade Federal do Maranhão UFMA. E-mail: [email protected]

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O PROTAGONISMO DA BURGUESIA E DO ESTADO NA ECONOMIA MARANHENSE

Ilnar Fernandes Feitoza1

Resumo O objetivo desse artigo é analisar as formulações de Florestan Fernandes (1976) na economia maranhense, ao se observar os interesses da classe dominante e a atuação do Estado. Constata-se que a economia maranhense voltou-se para atender as demandas do mercado externo, e que em 2016, contabilizou-se a entrada de mais de 2 bilhões de dólares oriundos de produtos exportados, proveniente da venda de mais de 7 bilhões de kilogramas de minérios, soja e celulose. Diversos incentivos foram concedidos pelos governos estadual e federal para atrair o capital nacional e internacional a fim de alavancar a produção para exportação. Palavras chaves: Burguesia, incentivos econômicos, produção e exportação.

Abstract The objective of this article is to analyze the formulations of Florestan Fernandes (1976) in the economy of Maranhão, when observing the interests of the ruling class and the State's performance. It can be seen that the economy of Maranhão turned to meet the demands of the foreign market, and that in 2016, the entry of more than 2 billion dollars from exported products, coming from the sale of more than 7 billion kilograms Of minerals, soy and cellulose. Several incentives were granted by the state and federal governments to attract domestic and international capital in order to leverage production for export. Keywords: bourgeoisie, economic incentives, production, export and Maranhão.

1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico na Universidade

Federal do Maranhão – UFMA. E-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

A Revolução Burguesa é compreendida como uma nova ordem social que

acabou com os privilégios da nobreza e do clero e destituiu o rei o poder na Europa, assim,

pôs fim ao feudalismo. O capitalismo desponta como resultado dessa Revolução.

A Revolução Francesa de 1789 é um exemplo claro de Revolução Burguesa, na

qual se defendia os valores fundantes da ideologia capitalista: igualdade e liberdade, nas

esferas política e econômica. Essa Revolução alicerçou a construção de uma nova forma de

viver e produzir, transformando o servo feudal em proletário, ofertante de mão de obra e

consumidor de mercadorias.

O presente artigo partiu das formulações de Florestan Fernandes a respeito da

Revolução Burguesa no Brasil. Recorreu-se também a alguns autores como Gramsci, uma

vez que este teorizou a respeito do papel do Estado e suas instituições como fundamentais

para o avanço do capitalismo em áreas ainda pouco exploradas; e na mesma linha: Farias

(2015), Foladori, Malazzi e Kilpp (2016), Santos (2011), Becker (2001) e Machado (1991).

Do ponto de vista empírico, buscaram-se dados estatísticos no Ministério de Indústria,

Comercio Exterior e Serviço (MDIC), que evidenciam a expansão das exportações no

Estado, entre 2001 e 2016 e estudos já realizados sobre o tema: Madeira (2015) e Ribeiro

Junior (2014), que elucidaram alguns dos incentivos concedidos ao capital para crescimento

da economia maranhense, como na implantação do Projeto Grande Carajás e à indústria de

papel e celulose, mais especificamente ao grupo Suzano Papel e Celulose. E ainda,

consultou-se o Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Maranhão (2014),

para identificar pontos de interesses convergentes entre o Estado e o capital.

2. A REVOLUÇÃO BURGUESA NO BRASIL E O PAPEL DO ESTADO NO AVANÇO DO

CAPITALISMO.

Países europeus fizeram a revolução burguesa com o objetivo de construir uma

nova organização social e econômica, mudando, aproximadamente, treze séculos de

história (feudalismo que iniciara no século V e terminava no XVIII). Para Marx, as revoluções

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burguesas, ocorridas na Europa, apresentam interesses similares, independente da

localização ou distância temporária e geográfica:

As revoluções de 1648 e de 1789 de modo algum foram

revoluções inglesas ou francesas, foram revoluções de estilo

europeu. Não foram a vitória de uma classe determinada da

sociedade sobre a velha ordem política; foram a proclamação

da ordem política para a nova sociedade europeia. Nelas, a

burguesia venceu; mas a vitória da burguesia foi então a vitória

de uma nova ordem social, a vitória da propriedade burguesa

sobre a feudal, da nacionalidade sobre o provincianismo, da

concorrência sobre a corporação, da divisão [da propriedade]

sobre o morgadio, da dominação do proprietário da terra sobre

o domínio do proprietário pela terra, das luzes sobre a

superstição, da família sobre o nome de família, da indústria

sobre a preguiça heróica, do direito burguês sobre os

privilégios medievais. (MARX, 1982).

No Brasil, de acordo com a análise de Florestan Fernandes (1975), a Revolução

Burguesa, atingiu apenas as proporções necessárias para a manutenção das estruturas do

poder e dos ganhos econômicos das classes dominantes e, não houve participação popular.

O autor entende que a oligarquia defendeu com firmeza a preservação das estruturas de

poder, “para garantir o desenvolvimento capitalista interno e sua própria hegemonia

econômica, social e política” (FERNANDES, 1976, p. 210).

Para o autor no Brasil não existia “uma burguesia distinta e em conflito de vida e

morte com a aristocracia agrária” (FERNANDES, 1976, p. 210). Fernandes (1976) deduz

que a burguesia converteu-se em força social ultraconservadora, buscando as condições

mais vantajosas possíveis para estabelecer associação mais intensa com o capitalismo

financeiro internacional, reprimindo qualquer ameaça popular de subversão da ordem, com

violência ou intimidação. Segundo o autor, a Revolução Burguesa brasileira não ocorreu

como nos países europeus, mas em uma forma particular, devido ao estágio de

desenvolvimento capitalista, que impôs ao Brasil subordinação e dependência:

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[...] a redução do campo de atuação histórica da burguesia exprime

uma realidade específica, a partir da qual a dominação burguesa

aparece como conexão histórica não da 'revolução nacional e

democrática', mas do capitalismo dependente e do tipo de

transformação capitalista que ele supõe (FERNANDES, 1976 p. 214).

Para Fernandes (1976) a Revolução Burguesa denota um conjunto de

transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticas que só se

realizam quando o desenvolvimento capitalista atinge o cume de sua evolução industrial.

Entende que o Brasil, a partir dos fins do século XIX e começo do século XX, passou por

uma Revolução Burguesa extremamente excludente para a maioria das massas.

O autor destaca que depois dos anos de 1930, a burguesia brasileira deparou-se

com três fortes pressões: a primeira vinha de fora para dentro, nascida a partir da

monopolização do capitalismo mundial, que exigia condições de desenvolvimento com

segurança econômica, social e política para “o capital externo, suas empresas e seu

crescimento”. A segunda, vinha do “proletariado e das massas, que expunha a burguesia a

iminência de aceitar um novo pacto social”. E a terceira, surgia da possibilidade da

“intervenção direta do Estado na esfera” (FERNANDES, 1976. p. 216).

Por outro lado, o autor esclarece, que devido a tais pressões os setores das

altas classes uniram-se, estabeleceram associação mais forte com o capital externo,

reprimiu as ameaças populares e transformou o Estado “em instrumento exclusivo do poder

burguês, tanto no plano econômico quanto nos planos social e político” (FERNANDES,

1976. p. 217). Fernandes (1976) conclui:

Pela primeira vez na história do País, a dominação burguesa

mostrou-se como ela é, evidenciando as força sociais que a

compõem e como ela própria funciona; e pela

primeira vez também, ela se manifestou de modo coletivo (não

através de um setor hegemônico, de uma conglomeração passageira

ou de um grupo reinante), logrando como tal a transformação política

pela qual lutara desorientadamente desde a década de 20”. [...] a

dominação burguesa surge com uma composição de poder

heterogênea (com uma base nacional e outra internacional); e

enquanto a dominação senhorial não se defrontava com uma

pressão sistemática das massas populares, a dominação burguesa

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identificou esta pressão como o seu inimigo principal” (FERNANDES,

1976. p. 217).

Essa conclusão ratifica exatamente a tese de Marx e Engels, citada por Harvey

(2005), de que o Estado no capitalismo torna-se “a forma de organização que o burguês

necessariamente adota para propósitos internos e externos, para a garantia mútua das suas

propriedades e dos seus interesses” (HARVEY, 2005, p. 82).

Nesse sentido, Foladori, Melazzi e Kilpp (2016) destacam que vários

mecanismos políticos foram conjugados com o propósito de “acelerar as circunstâncias

histórico-econômicas favoráveis ao desenvolvimento do sistema capitalista, e dentre eles, o

Estado jogou o papel preponderante” (FOLADORI, MELAZZI E KILPP, 2016 p. 45). E, mais

adiante complementa:

A atuação do Estado depende do setor dominante na sociedade e

orienta-se em termos gerais a garantir o processo de acumulação ou

desenvolvimento econômico. O Estado estabelece as condições

econômicas e sociais desse processo e adota as medidas

necessárias para que não seja questionado; legitima e garante a

apropriação do excedente econômico por setores distintos dos que

os produzem; promove a política econômica de conjuntura; por fim,

estabelece toda uma série de complexas e variadas medidas no

sentido da lógica da acumulação. O processo histórico e as formas

em que este se desenvolve mostram claramente o caráter classista

de todas as suas ações (FOLADORI, MELAZZI E KILPP, 2016 p.

231).

Gramsci (2001) formulou que o Estado cria o alicerce necessário para sustentar

e revigorar o capitalismo. Já Santos (2011) contribui com a temática, quando enfatiza a

importância do papel desempenhado pelo planejamento para atender a expansão do

capitalismo. Assegura que é por meio do planejamento que ocorre a intervenção do Estado

e promoção dos investimentos privados nos diversos locais ainda não explorados (SANTOS,

2011, p.13).

Para Lefebvre (apud, Becker, 2001) após a construção do território, o Estado

passa a produzir um espaço político para exercer o controle social, por meio de normas, leis

e hierarquias. No Brasil pode-se dizer que isso foi implantado entre 1965-85, na Amazônia,

com o objetivo de completar a apropriação física e o controle do território. Nesse rumo o

governo federal passou a controlar a distribuição de terras, com grande poder de barganha.

Nesse contexto, Becker (2001) entende que somente entre 1966-85 a ocupação

da Amazônia tornou-se prioridade para o Estado, como forma de solucionar tensões sociais

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decorrentes da expulsão de pequenos produtores do Nordeste e do Sudeste pela

modernização da agricultura. Poderosas estratégias como a modernizaram de instituições

promoveram a ocupação da Amazônia. Em 1966, o Banco de crédito da Borracha fora

transformado em Banco da Amazônia (BASA) e SPVEA fora transformada na

Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e em de 1960, fora criada a

Zona Franca de Manaus.

Segundo Machado (1991) houve uma soma de fatores que propiciaram o

nascimento de uma nova região sídero-metalúrgica na Amazônia Oriental, tais como: a

redivisão internacional do trabalho no setor siderúrgico, a ação determinada do Estado

brasileiro (incentivos fiscais e financeiros). E também, as externalidades: proximidade dos

mercados norte-americano e asiático em relação à tradicional zona produtora do Sudeste

criadas pelo Projeto Grande Carajás, que abrange parte dos Estados do Pará, Tocantins e

Maranhão, resultantes, do processo de internacionalização do capital produtivo e da própria

dinâmica de acumulação da economia brasileira: abundância de recursos energéticos,

disponibilidade de mão-de-obra barata e controle ambiental menos rígido.

Portanto, a partir das formulações de Fernandes (1976), constata-se que a

burguesia brasileira, na época das revoluções históricas que buscavam transformar o poder

político e econômico dos países europeus, não estava comprometida com mudanças

estruturais ou sociais nacionalmente. Mas sim, lutaram de forma conservadora e coercitiva

pela manutenção dessa estrutura, garantindo alianças com o capital externo e alcançando

ao mesmo tempo, o controle e a dominação do Estado.

Ratificam essa formulação: Gramsci (2001), Marx e Engels, apud Harvey (2005),

Foladori, Melazzi e Kilpp (2016), Santos (2011), Becker (2001) e Machado (1991) ao

evidenciarem que o capitalismo, representado pela burguesia, garante sua expansão

utilizando os aparatos estatais, mantendo e conservando o poder para si, já que o domina.

Em termos mais precisos, como esclarece Farias (2015), há uma “relação dialética”, entre o

Estado e o capital (burgueses), ou seja, apresentam no movimento contradições, conflitos,

mas também, harmonia, afinação, uma vez que o Estado retrata uma forma de existência e

de autonomia relativa, funcionando “tanto como premissa, quanto como mediação das

relações contraditórias de exploração, dominação e humilhação classistas” (FARIAS, 2015,

p. 50). A seguir procuramos evidenciar esse argumento.

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3. A ECONOMIA MARANHENSE: O ESTADO E A DOMINAÇÃO BURGUESA

No caso do Brasil, constata-se, que o Estado fornece o alicerce material e legal

para a instalação e expansão do capital interno ou externo por meio da concessão de

diversos incentivos fiscais, estruturais e financeiros, impregnando a nação com um discurso

de necessidade de desenvolvimento e crescimento econômico do país. Esses incentivos

são fortemente utilizados até hoje, iniciados com mais constância e consistência a partir dos

anos 1950, para algumas regiões, como é o caso da Amazônia, com o propósito de povoar,

fomentar a integração regional, mas incontestavelmente, alavancar setores econômicos

como a indústria e a pecuária.

O II Plano de Desenvolvimento do Maranhão (II PDM – 1975/78) previa um

modelo de desenvolvimento para o estado, baseado numa infraestrutura visando atender o

mercado externo:

[...] esse modelo, baseado no terminal exportador de minérios de

ferro, na construção de uma grande unidade siderúrgica, e nos seus

imensos efeitos germinadores (na indução ao aparecimento,

crescimento ou fortalecimento de indústrias que abastecerão esses

projetos; na promoção de outras grandes unidades fabris que

utilizarão os produtos siderúrgicos como seus insumos básicos; no

estímulo ao aparecimento ou crescimento de indústrias que se

beneficiarão dessas economias de aglomeração) irá marcar uma

nova fase na economia maranhense, com marcantes transformações

estruturais (MARANHÃO, 1975, p. 233).

Para atender os ditames desse II PDM, o Estado, nos anos 1980, implementa

ações previstas no Projeto Grande Carajás (PGC), instituído pelo Decreto-Lei 1.813, de

24/11/1980, que garantiu infraestrutura para novos investimentos e consequentemente a

expansão do capital. Este decreto instituiu: a criação da Ferrovia Serra de Carajás,

instalação ou ampliação do sistema portuário, visando à exportação da produção; hidrovias

e aproveitamento hidrelétrico; pesquisa, extração, beneficiamento, industrialização de

minérios; incentivos a agricultura, pecuária, pesca e agroindústria, além de florestamento e

reflorestamento para incentivar a indústria de madeira.

Madeira (2015), avalia que, devido ao II PDM, o estado concedeu apoio irrestrito

à Aluminium Company of América (Alcoa), para a montagem do Consórcio de Alumínio do

Maranhão (ALUMAR), e também a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), visando sua

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estruturação para a produção de minérios a serem exportados. Feitosa e Ribeiro, apud

Madeira (2015), destacam que a ALUMAR e a CVRD fizeram alianças políticas em pelo

menos quatro segmentos: o capital comercial e agroexportador local, o grande capital

nacional, representado principalmente por empresas de construção civil (Camargo Corrêa,

Andrade Gutierrez, entre outras), o capital estatal e o capital financeiro.

Além do PGC, o Maranhão atende aos interesses da classe dominante,

investindo recursos públicos em diversos outros projetos de infraestrutura: energia,

estradas, portos, etc., tais como: Construção do Terminal de Grãos do Maranhão;

Construção da Usina Termelétrica: Itaqui, Estreito, Gera Maranhão, Ampliação do Porto de

Ponta da Madeira, entre outros.

Assim, a economia maranhense, organizou-se para atender as demandas do

capitalismo, visando à produção ou extração de produtos primários para industrialização em

outros centros, nacional ou internacional. Nesse sentido, Botelho (2010) destaca que o

Maranhão:

[...] se encarregado de produzir os produtos primários e destiná-los

ou ao exterior ou ao mercado interno (nacional ou regional) e

comprá-los depois de industrializados. Foi assim com o algodão, com

o arroz, com o gado e está sendo com os minérios, com vários outros

produtos e especialmente com a soja. Nem os processos de

produção e nem as formas de exploração da agricultura são os

mesmos, mas obedecem à mesma lógica da acumulação e

reprodução (BOTELHO, 2010, p.30).

O Estado atraiu também a indústria de celulose para a região de Imperatriz, que

primordialmente, exige o cultivo em larga escala de eucalipto, por ser a matéria-prima base

da celulose. Ribeiro Junior (2014), avalia que, a razão da escolha do Maranhão pela Suzano

Papel e Celulose, foi o baixo preço para aquisição de terras, pois destaca que ao se

comparar o preço estimativo da terra entre Maranhão/Piauí e São Paulo “pode-se concluir

que nas duas primeiras unidades federativas o preço médio de terra chega a ser sete vezes

mais barato do que no Estado de São Paulo” (RIBEIRO JUNIOR, 2014 p. 150).

Constata-se que a economia maranhense voltou-se prioritariamente para

atender o mercado externo e, até 2016, estavam ativas 88 empresas exportadoras de

minérios, grãos e celulose. Desde 2001, a exportação desses produtos atinge mais de 90%

do total. Naquele ano, as exportações atingiam cerca de 544 milhões de dólares (valor FOB)

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e 2,3 bilhões em kilogramas, já em 2016, contabilizou-se mais de 2 bilhões e 7 bilhões

respectivamente. Em percentual, nessa sequência, tem-se 291% e 209% de acréscimos.

Reafirmando a pratica, em 2014, a Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária (EMBRAPA) entregou ao Governo do Estado, o Macrozoneamento Ecológico-

Econômico do Estado do Maranhão, e neste, caracteriza as áreas para onde avança o

agronegócio como “áreas com alto potencial social, dotadas de infraestrutura suficiente para

o desenvolvimento das atividades agrícolas, agropecuárias, florestais, industriais e minerais”

(EMBRAPA, 2014, p. 63). Além disso, destaca que no Maranhão apresentam-se dois

fenômenos que possibilitam a obtenção de um desenvolvimento efetivo e mais igualitário:

[...] a integração de mercados internacionais em relação aos quais o

Estado do Maranhão apresenta localização geográfica estratégica,

que resulta em custos de transporte marítimo e tempo de viagem

significativamente reduzidos em relação a outros portos brasileiros.

Por outro lado, vem se consolidando uma conscientização crescente

das lideranças nacionais e internacionais acerca das questões

ambientais e sociais, não apenas visando satisfazer segmentos

engajados na defesa do meio ambiente e das populações menos

favorecidas, mas principalmente como única via de preservar a

sustentabilidade dos sistemas econômicos (EMBRAPA, 2014, p. 21).

Do outro lado, Ribeiro Júnior (2014), avalia que, o Maranhão está diante de um

projeto de desenvolvimento que mantém e realça a concentração fundiária, utiliza a terra

com atividade econômica que gera pouquíssimos empregos, mas conta com todo apoio

financeiro por parte do Estado.

Para Azar (2015), o Maranhão apresenta “em seus programas governamentais,

garantias para o avanço e efetivação dos empreendimentos econômicos empresariais”. Mas

para agricultura familiar e camponesa cria “programas fragmentados e inconsistentes” e por

isso não consegue atender as necessidades (AZAR, 2015, p. 8).

Na figura 1 abaixo, observa-se a participação percentual de minérios, ferro e soja

nas exportações do estado, nos anos 2001-2002 e 2004-2005 e no biênio 2015-2016, entra

também a pasta química de celulose. A soma percentual das exportações atingiu mais que

90%, em todos os períodos. Ou seja, a economia maranhense recebeu incentivos públicos,

para atender as demandas externas, por isso permanece essencialmente dependente, já

que não se industrializou. O Estado atende as exigências do capital interno e externo, cria

as condições para sua expansão, sem observar as reais necessidades produtivas do povo

maranhense.

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Fonte: MDIC, 2016.

No sítio da empresa Suzano consta informações que a companhia ao fim de

2015, obteve 41% de ganhos a mais, do que o ano de 2014, registrou receita líquida de R$

10.224,3, milhões, R$ 6.603,4 milhões obtidos no negócio de celulose e R$ 3.620,9 milhões

referentes ao segmento de papel. E que dispõe de uma base florestal que soma cerca de

1,2 milhão de hectares localizadas nos estados: São Paulo, Bahia, Espírito Santo, Minas

Gerais, Piauí, Tocantins, Pará e Maranhão (SUZANO, 2015, p. 6). Há destaque também

para alguns projetos de cunho social realizados para ajudar as comunidades locais, como o

de geração de renda. Dessa forma, a mesma diz o seguinte:

em relação aos projetos de geração de renda, um dos nossos

programas é o Agricultura Comunitária, no âmbito do qual, em 2012,

lançamos a etapa Agrosustentável, na região de Urbano Santos

(MA). A iniciativa visa contribuir para o desenvolvimento das

comunidades do Baixo Parnaíba Maranhense. Desde o início do

projeto, 350 famílias de pequenos agricultores foram atendidas, o

que soma cerca de 1.750 pessoas. Duas fases compõem o

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

2001 2002 2004 2005 2015 2016

ALUMINIO EM FORMA BRUTA 32,01 40,19 14,03 13,02 0 0

FERRO FUNDIDO BRUTO + MINÉRIO DE FERRO

24,47 23,7 45,67 50,26 9,23 8,52

OUTROS GRAOS DE SOJA (TRITURADOS)

13,76 13,09 15,36 14,78 22,68 16,07

LIGAS DE ALUMINIO EM FORMA BRUTA

16,12 9,82 14,43 9,43 0 0

ALUMINA CALCINADA 10,47 9,45 7,52 8,3 34,83 40,68

PASTA QUIM. MADEIRA 0 0 0 0 23,68 26,31

TOTAL % 96,83 96,25 97,01 95,79 90,42 91,58

Figura 1. Exportação do principais produtos do Maranhão, 2001/02; 2004/05; 2015/16 (Part. %)

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programa. Uma delas é a Campo Agrícola, que tem foco no manejo,

na organização comunitária, na melhoria da produção e no

mapeamento de canais de escoamento. Neste sentido, só em 2012

foram colhidas cerca de 26 toneladas de alimentos. A etapa seguinte

ocorre na entressafra e incentiva o plantio de hortaliças, árvores

frutíferas e a criação de animais de pequeno porte, utilizando

irrigação e aproveitamento de subprodutos. (SUZANO, 2015, p. 83).

Entretanto, Oliveira (2016) contrapõe o êxito dessa experiência ao discorrer sobre

uma proposta de colaboração entre a Suzano e a comunidade do povoado de Santana, no

município de Urbano Santos. Nesse caso, foi proposta a melhoria da produtividade das

culturas de arroz e feijão, com a implementação de novas técnicas numa área de oito

hectares, objetivando garantir a segurança alimentar das famílias. Mas o resultado não

atendeu as expectativas iniciais, pois:

[...] a insuficiência do plantio coletivizado e da divisão desigual do

produto do trabalho colaborou, assim, para o agravamento crítico da

limitação de acesso ao alimento já introduzido naquele povoado pela

Suzano por meio das suas ações antecedentes à coletivização da

agricultura local. Usando outras palavras, a Suzano criou condições

para que fosse introduzida, a nível social, a insegurança alimentar

em Santana e com o projeto que aparentemente havia sido criado

para combatê-la, tornou-a, pelo contrário, mais intensa (OLIVEIRA,

2016, p. 94).

Assim, a partir dos estudos de Botelho (2010), Madeira (2015), Ribeiro Junior (2014),

Azar (2015) e Oliveira (2016), depreende-se que o estado do Maranhão oferece os alicerces

para garantir os interesses econômicos da classe dominante. E realiza uma conciliação

entre burguesia e latifundiários, voltada para o atendimento das demandas do mercado

externo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do presente estudo, ficou evidente que o estado e a classe detentora de

poder econômico no Maranhão, mantêm uma relação orgânica, para manutenção das

estruturas de poder, comprovando as formulações de Florestan Fernandes (1976), tecidas

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em A Revolução Burguesa no Brasil. Essa teoria vai ao encontro das afirmações Gramsci

(2001), Marx e Engels, apud Harvey (2005), Foladori, Melazzi e Kilpp (2016), Santos (2011),

Becker (2001) e Machado (1991) quanto à dominação do Estado pela classe dominante

para garantir seus amplos interesses econômicos. Farias (2015) confirma essa teoria ao

afirmar que certos marxistas, sejam estruturalistas ou gramscianos deduziram que “o Estado

tem vínculos orgânicos com o capital em geral e com os capitais numerosos” (FARIAS,

2015, p. 89).

Essa relação orgânica no estado é constatada por vários incentivos estruturais,

logísticos e financeiros concedidos aos empresários e latifundiários dados pelos governos

federal e estadual para atrair empreendimentos. Desde os anos de 1980, ocorreram

maciços investimentos iniciados com a criação do Projeto Grande Carajás que visavam o

efetivo desenvolvimento do Estado. Com isso, as atividades do agronegócio são

estimuladas e as exportações alavancadas e, desde então, vem crescendo

sistematicamente, especialmente o soja, minérios e celulose. Entretanto, conforme apontam

as pesquisas de Madeira (2015), Ribeiro Junior (2014) e Oliveira (2016), aos donos dos

meios produtivos foram concedidos inúmeros privilégios econômicos, mas o que o estado se

conseguiu foi um desenvolvimento aparente. Pois, conserva e reforça as antigas estruturas

de poder politico e econômico, fortalece o elo da relação existente entre o Estado e o capital

e a grande, por outro lado, a grande massa dos trabalhadores permanece à margem desse

desenvolvimento.

Além disso, observa-se efetivo crescimento econômico da produção e exportação de

produtos primários como soja, minérios e eucalipto, pois entre 2001 e 2016 a entrada de

divisas cresceu, cerca de 291%, já que apesenta variações, para mais ou para menos no

período. Entretanto, apesar de extraordinários resultados nesses termos, materializa as

várias contradições inerentes ao capitalismo. Contudo, respalda-se a tese de Fernandes

(1976) de que existe: “uma forte associação racional entre desenvolvimento capitalista e

autocracia” (FERNANDES, 1976, p. 292).

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