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O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUITETÔNICO DE LIMEIRA – SP: UM
ESTUDO DE PERCEPÇÃO AMBIENTAL
Marcela Maria Patriarca MINEO1, Geografia - Unesp Rio Claro/SP, [email protected]
RESUMO
A presença de edifícios históricos nos centros urbanos, quando aliados a um plano de
conservação pelos órgãos competentes e à conscientização da população local, contribui para
a geração de divisas através do turismo. Esses edifícios revalorizados passam a ter um novo
significado dentro do espaço urbano, tornando-se referência nos novos trajetos que são
incorporados ao cotidiano da população local e dos turistas. A conservação dos monumentos
na área urbana deve-se atrelar a um planejamento que considere a percepção da população
local sobre os significados e sentimentos que projetam nesses espaços, cumprindo o objetivo
de manter a identidade e memória do povo que freqüenta e utiliza esses espaços. Na área
central de Limeira-SP há alguns edifícios de relevada importância histórico-cultural que
foram utilizados nessa pesquisa para demonstrar como estes são percebidos pela população
local.
Palavras-chave: espaço urbano, patrimônio arquitetônico, percepção ambiental.
ABSTRACT
The presence of historic buildings in the urban centers, when allied to a conservation plan by
the competent organs and the awareness of the local population, contributes to the generation
of funds through tourism. These revalued buildings begin to have a new meaning in the urban
space, becoming a reference in the new paths that are incorporated in the daily live of the
local people and the tourists. The conservation of monuments in the urban area has to be
leashed to a plan that considers the perception of the local people on the meanings and
feelings that they project on these spaces, maintaining the identity and memory of the people
that utilizes these spaces. In the central area of Limeira – SP there are some buildings of
relative historic and cultural significance that were used in this research to demonstrate how
the locals conceive them.
Key words: urban space, architectural patrimony, environmental perception.
1 Mestranda orientada pela Profa. Dra. Bernadete Aparecida Caprioglio de Castro Oliveira e membro do Grupo de Pesquisa “Patrimônio Cultural e Território”.
Introdução
A conservação de edifícios antigos está inserida numa política nacional recente de
preservação do patrimônio histórico-cultural, contribuindo para a expressão de nossa
identidade e tradição. No entanto, essa prática de preservação do passado, materializado no
território, acaba se adequando às leis de mercado do mundo capitalista global que se apropria
das formas e dos objetos como mercadorias para o consumo.
O espaço urbano, em suas múltiplas formas e fluxos, acaba por retratar e intensificar a
segregação e diferenciação sociocultural. Deste modo, os critérios de escolha dos edifícios e
monumentos a serem preservados quase sempre são feitos pela elite local que enxerga uma
oportunidade de manter e reafirmar seu status.
O edifício, nesta perspectiva, passa a ser uma mercadoria de consumo onde as relações e
vivências são superficiais e sem laços de afetividade e memória, já o monumento é uma
categoria do espaço que compartilha com a população local vínculos de percepção e
concepção do passado e do cotidiano.
A modernidade modificou a relação antiga entre produção e consumo na medida em que a
produção, enquanto resultado do trabalho, passou a ceder cada vez mais espaço para a criação
de novas necessidades baseadas na técnica e na ciência, aumentando o consumo. Assim, a
mercadoria passa a ter um tempo útil de vida curto, pois o que importa é seu desgaste, sua
destruição que promoverá a rápida substituição por novas invenções (BAUDRILLARD,
1995).
Para Lefébvre (1991), a obsolência da mercadoria torna necessária uma manipulação contínua
dos desejos por meio da publicidade, conseqüentemente o sistema produtivo não cria somente
objetos, mas estilos de vida, ideologias. O cotidiano, sem representar uma ruptura das relações
do poder, passa a ser regido pelo efêmero, pela mutação dos lugares e objetos enquanto
estratégia de lucro. Eis o grande paradoxo: nossa sociedade se vê dinâmica, flexível, mas ao
mesmo tempo mantém a estabilidade, a tradição.
Percebe-se que a intenção da produção, em escala global, não é a transformação da sociedade,
mas a manutenção das estruturas vigentes através da obsessão pelo consumo, gerando uma
falsa idéia de universalidade. A ilusão de universalidade entre classes sociais transforma as
contradições existentes em meras diferenciações, estancando possíveis revoluções efetivas
(BAUDRILLARD, 1995).
Assim, o consumo é direcionado para as diferentes classes sociais, de acordo com suas
necessidades específicas, sem colocá-las em choque, e fomentando um sentimento de
pertencimento.
A cultura torna-se um discurso de direita que reforça a desigualdade social no cotidiano
através da qualificação de objetos e lugares enquanto eruditos, de qualidade, que possui
herança e tradição, contribuindo para a manutenção de sua dominação (LEFEBVRE, 1991).
Dentro desta mesma ótica, Baudrillard (1995, p. 59) defende que:
“No fundo de todas as aspirações, subjaz o refinado ideal de um estatuto de nascimento, de graça e excelência, assediando igualmente o mundo envolvente de objetos... Daí o prestígio muito particular do objeto antigo, sinal de hereditariedade, de valor infuso e de graça irreversível. É a lógica de classe que impõe a salvação por meio dos objetos, que é uma salvação pela graça avantaja-se sempre em valor à salvação pelas obras. É em parte ao que assistimos nas classes inferiores e médias, onde a “prova pelo objeto”, a salvação pelo consumo, se esfalta por atingir um estatuto de graça pessoal, de dom e predestinação. Mas este, seja como for, continua a ser privilégio das classes superiores que, por outro lado, comprovam a sua excelência no exercício da cultura e do poder”.
A presença do passado na área urbana é pontual, pois o que se observa nas cidades modernas
em suas múltiplas funções (trabalho, lazer, natureza, cultura), é uma massificação das formas
e ambientes que contribui para a alienação do espaço pelo sistema produtivo vigente
(BAUDRILLARD, 1995).
O patrimônio histórico-arquitetônico no espaço urbano
Segundo Carlos (1996), o espaço expõe suas particularidades quando deixa de ser assimilado
com o espaço mental e passa a ser identificado com o espaço físico, adquirindo a dimensão de
produto social, uma vez que possui relações sociais de produção. A produção do espaço
dentro do contexto global ganha sentido, uma vez que o mesmo é encarado enquanto produto
político, permitindo o controle das relações de dominação e a aplicação de estratégias
definidas na esfera do Estado. No entanto, o espaço não é somente palco da reprodução, mas
também da contrariedade uma vez que é a expressão do desejo, lugar de embate entre o poder
e oposição materializada nas ruas, prédios e fachadas (VIEIRA, S. G., 2002).
Para Oseki (1996) o produto-espaço não é algo em si, mas uma teia de relações se opondo às
outras mercadorias que tem na troca e consumos seus únicos fins e sentidos. A história do
espaço se dá na medida em que o mesmo é efeito, causa e razão dos modos de produção que,
por sua vez, produzem relações sociais, espaço e tempo como: espaço analógico
(comunidades tribais), cosmológico (asiático), simbólico (medieval), perspectivo
(renascentista) e capitalista (dissociação entre forma e conteúdo).
O sistema capitalista tende a se apropriar do espaço existente e criar seu próprio “através e
pela urbanização, sob a pressão do mercado mundial. Sob a lei do reprodutível e do repetitivo,
anulando as diferenças no espaço e no tempo, destruindo a natureza e os tempos naturais”
(OSEKI, 1996 p. 114). Segundo o mesmo autor, o espaço do sistema capitalista-estatista tem
como características ser: homogêneo, quebrado e hierarquizado.
O edifício para Oseki (1996) é o símbolo do consumo e da hierarquia sócioeconômica na
medida em que é criado para ser visto e não vivido, possuindo estrutura, forma e função
próprias e assim, segregando os elementos da prática social e os unindo através da violência.
Já no monumento há o encontro entre a espacialidade, o percebido, o concebido e o vivido,
fazendo-se necessário em caso de opressão e repressão urbanísticas explícitas.
Segundo S. G. Vieira (2002) as relações capitalistas de produção não desaparecem, mas se
transformam e reaparecem em outras formas através de novos usos, valores e relações
construídas a partir da imagem e semelhança das primeiras. A revalorização de espaços
antigos tem o significado da reprodução, pois é ao mesmo tempo a utilização do passado e do
presente a partir de um uso diferente do que sustentou sua construção mantendo a essência do
lugar através de elementos de representação do Poder ou sua contestação.
O mesmo autor acredita que a globalização tem direcionado a sociedade para uma tendência à
homogeneização, no entanto, esse fato induz os lugares a reforçarem suas particularidades a
fim de sobreviverem. Desta forma, fica estabelecido o paradoxo da abolição do lugar e a
reafirmação dos lugares, trazendo à tona a revitalização do passado como alternativa para a
manutenção das singularidades dos lugares.
A tentativa de se preservar prédios e documentos históricos torna-se uma saída importante na
criação da identidade dos lugares num mundo que se torna cada vez mais global e
homogêneo. Esses espaços revitalizados se tornam mercadorias novas para o consumo,
adequados às relações de produção reproduzidas. O que se busca atualmente é a diferenciação
dos lugares através da conservação e preservação de seu patrimônio histórico-cultural,
valorizando assim o passado local, ou seja, as características que tornam o lugar singular e
contribuindo para a sua sobrevivência (VIEIRA, S. G., 2002).
A preservação do patrimônio histórico-cultural foi normalizada pela Assembléia do Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna de 1933 na Carta de Atenas, que propunha a
conservação de edificações significativas em detrimento dos centros históricos ou quarteirões
e edificações diferentes dos objetivados que deveriam ser devastados e suas áreas seriam
transformadas em campos verdes (COSTA, 2005).
A discussão sobre monumentos históricos ganha força em Veneza durante o II Congresso
Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos em 1964 originando a
Carta de Veneza. Em seu primeiro artigo fica definido monumento como sendo a criação
arquitetônica isolada, bem como, o sítio rural ou urbano que testemunham uma civilização
típica ou um acontecimento histórico de dimensões temporal e espacial, uma vez que, o
mesmo é inseparável da história e do meio em que se situa (GUTIERREZ; TELLES, 2000
apud CARLOS, 2005).
A preocupação com a preservação dos bens culturais surgiu no Brasil a partir de 1964, tendo o
patrimônio uma relação com o desenvolvimento do turismo. Surge assim a EMBRATUR
(Empresa Brasileira de Turismo) e o Conselho Nacional de Turismo para articular as
atividades ligadas ao turismo com o desenvolvimento econômico e cultural.
A definição de patrimônio histórico e artístico nacional consta nos Decretos-Leis nº 25/1937 e
149/1969 pela legislação federal e estadual, respectivamente, como sendo o “conjunto de bens
móveis e imóveis existentes no país, cuja conservação seja de interesse público, quer por sua
vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (VIEIRA, S. G., 2002. p. 188).
Os imóveis protegidos pelo Poder Público são de uma variedade muito grande como:
“... edificações singelas e monumentais, vilas de habitação popular, residências palacianas de refinada execução, logradouros e viadutos, capelas humildes e templos imponentes, marcos identificadores da intervenção humana na ocupação, estruturação e ordenação do espaço metropolitano” (S. G., VIEIRA, 2002. p. 188).
Segundo S. G. Vieira (2002) o tombamento corresponde à ação jurídica empenhada na
preservação do patrimônio, representando a supremacia do interesse público sobre o privado,
uma vez que o proprietário de um bem tombado deve mantê-lo em bom estado de
conservação. Um bem tombado é oficialmente reconhecido por sua representação cultural,
afetiva ou constitui-se em referências urbanas, ambientais e de memória, uma vez que passa a
integrar o patrimônio cultural.
O tombamento pode ser feito pela União, através do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), pelo governo estadual, quando por intermédio do Conselho de
Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico (CONDEPHAAT), e
pelas administrações municipais quando utilizam legislação específica ou a legislação federal
em vigor (VIEIRA, S. G., 2002).
Para Holanda (1995 apud CARLOS 2005), a preservação do patrimônio histórico-cultural, no
Brasil, visa consolidar nossa imagem política e cultural a partir de bens tombados que sejam
eficientes em expressar a identidade e tradição local. O passado materializado no território
pode, ainda, ser estudado e contribuir para a verificação e legitimação das estruturas vigentes
do país.
A preservação e conservação do patrimônio histórico-cultural não são comuns no Brasil
segundo Abreu (1996 apud VIEIRA, S. G., 2002) devido a pouca idade de nossas cidades e à
incorporação recente desses valores e concepções na nossa cultura. No entanto, o ideal de
preservação está presente em cidades novas preocupadas em assegurar a sobrevivência de
seus elementos históricos ou movidas pelo interesse no lucro advindo do turismo.
A resignificação que o patrimônio histórico cria na população local e nos turistas gera
diferentes percursos, trajetórias e lugares de acordo com as diferentes perspectivas e
necessidades, culminando em uma subordinação dos trajetos aos pontos, estabelecida pelo
patrimônio (LEITE, s.n.t. apud CARLOS, 2005).
A “política de patrimônio” está embasada da busca da tradição e no estabelecimento da
identidade de um povo e seu principal objetivo é a preservação dos monumentos e sítios
históricos (LEITE, s.n.t. apud CARLOS, 2005). Nessa política, em que os lugares adquirem
novos significados, os atores sociais devem ser conscientizados. No entanto, observa-se em
algumas cidades a ausência de engajamento público e privado com relação à conservação do
mesmo (BALAZINA, 2005 apud CARLOS, 2005).
Os bens que compõem o patrimônio histórico participam da modernidade global uma vez que
assumem a dimensão mercadológica ao direcionar práticas que agregam valor aos bens
culturais, gerando divisas ao comércio e turismo local (GUTIERREZ; TELLES, 2000 apud
CARLOS, 2005). Dessa forma cria-se o paradoxo da preservação pela manutenção do valor
histórico do patrimônio e a lógica do mercado em busca do desenvolvimento socioeconômico
a partir da apropriação e consumo dos lugares (CARLOS, 2005).
A percepção ambiental
A paisagem, segundo Collot (1978 apud FERREIRA, 2001) se define como espaço percebido,
onde o sujeito não se limita a receber passivamente os dados sensoriais, mas se organiza para
lhe dar um sentido, portanto a paisagem é também construída e simbólica. Já Machado (1988)
afirma que é o homem que vivencia as paisagens, atribuindo a elas significados e valores e
todos esses aspectos estão ligados à percepção que o indivíduo tem do meio ambiente de
modo geral, e da paisagem de modo particular.
Para Machado (1988), cada pessoa vivencia, experencia e prefere paisagens com grande
heterogeneidade e o gosto pelas mesmas depende muito mais de nossas interações físicas para
com elas do que o consenso estético possa explicar. Para a mesma autora, a avaliação de uma
paisagem é afetada profundamente pela sociedade e pela cultura e ainda assim indivíduos com
culturas semelhantes e que falam a mesma língua percebem e experenciam diferentemente os
lugares e as paisagens.
A apreciação da paisagem é mais pessoal e duradoura quando está mesclada com lembranças
de fatos marcantes e perdura além do efêmero se combinam com o prazer estético e a
curiosidade científica (MACHADO, 1988).
Para Oliveira (1983, p. 1 apud MACHADO, 1994) “meio ambiente é tudo que rodeia o
homem, quer como indivíduo, quer como grupo, tanto o natural como o construído,
englobando o ecológico, o urbano, o rural, o social e mesmo o psicológico”. Assim, a
percepção do meio ambiente busca fornecer o conhecimento das percepções que diferentes
grupos de pessoas têm dos lugares e das paisagens que habitam e criam laços afetivos,
estando sempre aliada à atribuição de valores e tomada de decisões, seja analisada do ponto
de vista cognitivo ou afetivo (MACHADO, 1994).
Para Dasereau (1999), a percepção, no primeiro nível, consiste na apreensão sensorial, que
resulta na identificação de objetos naturais individualmente percebidos e na etapa seguinte,
ocorre a utilização seletiva dos recursos naturais.
Segundo Tuan (1980 apud MACHADO, 1988), a percepção é uma resposta dos sentidos aos
estímulos externos e uma atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente
registrados e outros são bloqueados, tendo valor para a sobrevivência biológica e para
propiciar algumas satisfações que estão enraizadas na cultura. Tuan (1980 apud FERREIRA,
2001) elaborou diversos conceitos que auxiliam na compreensão das relações do homem e o
meio que o circunda, como:
- Topofilia. Consiste nos sentimentos topofílicos por um determinado lugar, na medida em que
se valorizam determinados elementos deste meio, quer pelo nível de satisfação fornecido,
quer pela importância em seu cotidiano;
- Topofobia. É a noção de “medo da paisagem”, ou seja, na rejeição que nutrimos por
determinados lugares.
- Topocídio. Seria a eliminação deliberada de um determinado lugar.
- Topo-reabilitação. Visa a reabilitação dos lugares, paisagens e conjuntos ambientais para
que o homem tenha uma melhor qualidade de vida, podendo introduzir e/ou preservar
novamente o valor de sua identidade cultural.
Segundo a teoria de Piaget, a percepção é o conhecimento que adquirimos através do contato
atual, direto e imediato com os objetos e com os movimentos, dentro do campo sensorial
sendo, portanto, individual, incomunicável e irreversível (OLIVEIRA; MACHADO, 2004).
Piaget define percepto como aquilo que percebemos, através de uma seleção segundo o
significado do objeto, a fim de atender as nossas necessidades e interesses. Já o concepto é o
que concebemos, é o produto do filtro da inteligência, segundo a lógica, para atender a
necessidade e o interesse. Assim, o percepto depende da contribuição do percebedor e o
concepto varia segundo idade, cultura e herança genética (OLIVEIRA; MACHADO, 2004).
Os sistemas sensoriais propriamente ditos são: auditivo, visual, gustativo, olfativo e tátil-
cinestésico, sendo que os órgãos e aparelhos que dispomos só podem reter apenas uma parte
da informação recebida. Já os sistemas sensoriais não-sensoriais são: memória, imagem
mental, cultura, personalidade, experiência, transmissão da informação, orientação geográfica
e leitura (OLIVEIRA; MACHADO, 2004).
Para Gibson (1974 apud MACHADO, 1988), em se tratando de percepção ambiental, o
sistema sensorial mais utilizado é a visão, sendo, então, necessárias as condições de luz e
olhos abertos, pois o objeto observado será projetado, formando a imagem retiniana em duas
dimensões e através do córtex cerebral, se dará a imagem mental recuperando a terceira
dimensão. A imagem formada é correlata (projeção complexa), ou seja, o objeto tem na
imagem um correlato e não uma cópia, assim a percepção é uma interpretação com o fim de
nos restituir a realidade objetiva através da atribuição de significado aos objetos percebidos.
Na teoria psicofísica da percepção de Gibson (1974 apud OLIVEIRA, MACHADO, 2004) há
uma distinção entre campo visual e mundo visual, sendo que, para a percepção ambiental o
mundo visual é o mais importante. O mundo visual é trabalhado mais com a percepção, sendo
contínuo, sem limites, fazendo com que o objeto seja percebido e conhecido sem esforço, a
cena vista é euclidiana, um objeto atrás do outro, não deformando com a locomoção.
Quanto aos critérios perceptivos, Bailly (1974 apud MACHADO, 1988), salienta que se deve
considerar a escala, os esquemas lógicos e as referências. Na escala, o homem é serve de
medida (mantendo-se a posição ereta, o movimento e a perspectiva) permitindo a ordenação e
estruturação da paisagem. Os esquemas lógicos são resultantes da cultura, educação e idade e
o funcionamento dos mesmos são de adaptação/aceitação e/ou inadaptação/rechaço. No
entanto, são as referências que permitem ao sujeito situar-se e orientar-se na paisagem.
Para a Psicologia, a percepção é o ato no quais nossas sensações se organizam e reconhece um
objeto exterior, já a cognição é o conjunto de processos mentais no pensamento, na percepção
e no reconhecimento, estando voltado para a procura da razão das coisas. A cognição envolve
alguns estágios como: percepção, mapeamento, avaliação, conduta e ação, constituindo-se
num processo amplo, dinâmico e interativo onde cada estágio influi no seguinte (OLIVEIRA;
MACHADO, 2004).
Em se tratando de percepção e cognição, devem ser apontados três princípios norteadores das
pesquisas com o meio ambiente: estrutura; função considerando a biodiversidade, os fluxos
das espécies e da energia, a redistribuição e etc.; e transformação, levando em conta a
estabilidade e a dinâmica (OLIVEIRA; MACHADO, 2004).
Nossa maneira de viver, para Lowenthal (1982 apud MACHADO, 1988), determina nossa
percepção ambiental e por isso, há necessidade de pesquisar como as pessoas pensam e
sentem a respeito de seu meio ambiente, como percebem as paisagens, quais são os valores
que afetam suas atitudes e como isso influencia as instituições.
Segundo Machado (1988), as investigações sobre as necessidades e interesses dos usuários
sobre os lugares e as paisagens vivenciados vêm sendo valorizadas e os resultados devem ser
levados até os detentores de poder e autoridades para que possam introduzir modificações
neles. Para a mesma autora, essa atividade preenche a lacuna científica existente entre os
usuários e os planejadores, administradores, pesquisadores, técnicos e legisladores que
decidem, modificam e regulamentam sobre o uso dos lugares e das paisagens.
A percepção dos edifícios históricos em Limeira - SP
O município de Limeira está localizado na Região Administrativa de Campinas, estando a 154
km de distância da cidade de São Paulo, capital paulista. Segundo dados do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2006, o município de Limeira possui uma área total
de 581 km² contendo 279.554 habitantes.
A cidade de Limeira teve sua origem em 1826, devido à construção de uma estrada que ligaria
o Morro Azul à Campinas a fim de facilitar o escoamento da produção de açúcar dos
engenhos. Assim, iniciou-se a formação do Povoado de Nossa Senhora das Dores de Tatuiby
nas terras doadas do Capitão Luiz Manoel da Cunha Bastos ao Senador Vergueiro, fundando a
Fazenda Ibicaba. Esta fazenda foi pioneira no Estado de São Paulo e no Brasil pela utilização
da mão-de-obra imigrante européia em detrimento do trabalho escravo africano em meados do
século XIX, durante o ciclo do café, fazendo com que Limeira ficasse conhecida como “Berço
da imigração européia de cunho particular” (SECRETARIA MUNICIPAL DA CULTURA,
2005).
Com a crise econômica mundial de 1929 a cafeicultura foi sendo substituída pela citricultura
fazendo com que a cidade ficasse conhecida como a “Capital da Laranja” durante a década de
1960. Atualmente, as principais atividades econômicas do município são a cana-de-açúcar e o
setor de jóias folheadas a ouro, sendo que este é responsável por quase metade da produção do
setor no Brasil (REDONDANO; et all, 2000).
O município de Limeira conservou alguns monumentos em sua área central que representam o
poder e a opulência da elite local durante os diferentes ciclos econômicos. A fim de subsidiar
um efetivo plano de conservação dos monumentos históricos de Limeira, essa pesquisa
realizou entrevistas de percepção com 150 pessoas que freqüentam o centro da cidade durante
os meses de Dezembro de 2006 a Março de 2007.
A entrevista consistiu em três partes: na primeira foi feito um cadastro do entrevistado onde
foram levantadas variáveis de escolaridade, profissão, bairro onde mora e etc; na segunda
parte, perguntamos o que o entrevistado entendia por conservação do patrimônio
arquitetônico; e na terceira parte foram apresentadas algumas fotos de monumentos históricos
no centro de Limeira - Igreja Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção (foto 1), a Estação
Ferroviária da Companhia Paulista (foto 2), o Palacete Levy – Casa da Cultura (foto 3), o
Centro Cultural (foto 4), a Gruta da Praça Toledo de Barros (foto 5) e o Edifício Prada (foto
6), o Teatro Vitória, a agência do Banco Nossa Caixa, e a Escola Estadual Brasil - onde o
entrevistado deveria escolher um prédio para ser conservado, justificando sua resposta.
Dentre os 150 entrevistados, 27% escolheram a Estação Ferroviária da Companhia Paulista
como sendo o monumento que mais precisa ser conservado, justificando essa escolha pelo
descuido em que o prédio se encontra, sua antiga função de transporte de passageiros e seu
valor histórico para o município.
Dos entrevistados que escolheram a Estação Ferroviária, 64% eram do sexo feminino; 55%
tinham entre 31 a 50 anos de idade; 44% eram assalariados; 45% tinham ensino superior
completo; 95% moravam em Limeira, sendo que destes: 42% moram a mais de 30 anos na
cidade e 69% moram na periferia; 71% utilizam o centro como passagem; 41% acham a
conservação de prédios históricos importante, mas não soube explicar o motivo; e 69%
disseram que nunca freqüentaram o prédio escolhido.
Considerações finais
Concluímos que os questionários de percepção fornecem subsídios para um planejamento
urbano mais democrático, possibilitando a reestruturação de políticas públicas parciais.
Assim, torna-se viável a elaboração de um projeto de revitalização da Estação Ferroviária,
pois a mesma está deteriorada e seu espaço interno serve de abrigo para a criminalidade e o
vandalismo.
O espaço urbano reflete a organização socioeconômica desigual do modo de produção
capitalista, se fragmentando em setores que reproduzem a desapropriação da classe
trabalhadora e a dominação burguesa. Na cidade de Limeira, os edifícios históricos que se
encontram conservados são aqueles construídos pela e para a elite local que reafirma seu
status restaurando as fachadas dos prédios mesmo quando os mesmos adquirem novas
funções.
A atual pesquisa demonstrou que o prédio da Estação Ferroviária foi o favorito pelos usuários
do centro, pois o mesmo representa a classe trabalhadora que utilizava esse meio de transporte
num período histórico de grande desenvolvimento econômico e cultural na região e o cuidado
com esse espaço significa a manutenção de vínculos afetivos e da identidade da maioria da
população.
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Paulista – Unesp, Campus Rio Claro, 2002.
Anexos – Fotos de alguns dos monumentos do centro de Limeira – SP utilizados no
questionário.
Foto 1 - Igreja Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, construída em 1867 pela elite local que
queria se diferenciar do público que freqüentava a antiga Igreja Matriz (MINEO, 2006).
Foto 2 - Estação Ferroviária da Companhia Paulista, construída em 1876 para facilitar o
escoamento da produção cafeeira e o transporte de passageiros, sendo que hoje o prédio está
abandonado (MINEO, 2006).
Foto 3 - Palacete Levy, construído pelo barão do café Capitão Sebastião em 1881, virou firma João
Levy e Irmão no início do século XX e atualmente é a sede da Secretaria Municipal da Cultura
(MINEO, 2006).
Foto 4 – Centro Cultural, construído em 1906 para abrigar a primeira escola pública de Limeira, o
Grupo Escolar Coronel Flamínio Ferreira (MINEO, 2006).
Foto 5 - Gruta da Praça Toledo de Barros, construída em 1920 para servir de coreto e botequim é
atualmente apenas um local curioso para os transeuntes (MINEO, 2006).
Foto 6 - Edifício Prada, construído em 1932 para abrigar a fábrica de chapéus é atualmente sede da
Prefeitura Municipal de Limeira (MINEO, 2006).