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616 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA DAS MINORIAS * EL PAPEL DEL MINISTERIO PÚBLICO EN LA PROTECCIÓN DE LAS MINORÍAS Jamile Coelho Moreno RESUMO Sob qualquer aspecto, ao analisarmos o processo de formação da sociedade brasileira (e dos demais países do novo mundo), visualizamos, como indispensável menção, o relevante papel dos grupos minoritários em relação ao restante da Sociedade. Não nos parece viável abordar o papel do Ministério Público sem antes, estudarmos mais acerca das chamadas minorias, da discriminação que esses grupos sofrem e, ato contínuo, dos instrumentos internacionais e as normas constitucionais que tutelam tais indivíduos. A legislação brasileira referente às minorias como um todo é, de certo modo, muito escassa. Com exceção das referentes aos índios, negros, e estrangeiros, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, leis específicas sobre os demais grupos minoritários, alvo de perseguições por parte de uma maioria. O Ministério Público tem se feito presente na construção de uma postura reivindicatória e participativa da sociedade. É necessário perseguir um modelo de defesa, segurança e assistência, que protege a todos, principalmente os mais necessitados de justiça. Todavia, a falta de especificação do mesmo no ordenamento jurídico pátrio leva, muitas vezes, à impunidade e à omissão do Estado, sendo certo que é justamente nessa esteira que se faz necessário um trabalho de educação e respeito de toda a sociedade, que também tem o dever de resguardar os direitos do próximo. PALAVRAS-CHAVES: PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MINORIAS. DISCRIMINAÇÃO. RESUMEN En todo sentido, para examinar el proceso de formación de la sociedad brasileña (y de otros países en el nuevo mundo), considerado como esencial el importante papel de los grupos minoritarios en relación con el resto de la sociedad. No parece viable en el tratamiento de la función de Ministerio Público sin previa estudiar más acerca de las llamadas minorías, de los cuales estos grupos son objeto de discriminación, y acto continuo, los instrumentos internacionales y constitucionales para proteger a esas personas. La legislación brasileña relativa a las minorías es muy escasa. Con la excepción de referirse a los indios, los negros, y los extranjeros, no hay en Brasil leyes específicas sobre los otros grupos minoritarios objeto de persecución por la mayoría. El Ministerio Público lo ha hecho en la construcción de una reivindicatória actitud participativa de la sociedad. Es necesario llevar a cabo un tipo de defensa, seguridad y * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA DAS … · discriminação, com todas as aberrações decorrentes. (IDEM) A despeito da evolução das ciências, as pessoas quedaram-se

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O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA DAS MINORIAS*

EL PAPEL DEL MINISTERIO PÚBLICO EN LA PROTECCIÓN DE LAS MINORÍAS

Jamile Coelho Moreno

RESUMO

Sob qualquer aspecto, ao analisarmos o processo de formação da sociedade brasileira (e dos demais países do novo mundo), visualizamos, como indispensável menção, o relevante papel dos grupos minoritários em relação ao restante da Sociedade. Não nos parece viável abordar o papel do Ministério Público sem antes, estudarmos mais acerca das chamadas minorias, da discriminação que esses grupos sofrem e, ato contínuo, dos instrumentos internacionais e as normas constitucionais que tutelam tais indivíduos. A legislação brasileira referente às minorias como um todo é, de certo modo, muito escassa. Com exceção das referentes aos índios, negros, e estrangeiros, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, leis específicas sobre os demais grupos minoritários, alvo de perseguições por parte de uma maioria. O Ministério Público tem se feito presente na construção de uma postura reivindicatória e participativa da sociedade. É necessário perseguir um modelo de defesa, segurança e assistência, que protege a todos, principalmente os mais necessitados de justiça. Todavia, a falta de especificação do mesmo no ordenamento jurídico pátrio leva, muitas vezes, à impunidade e à omissão do Estado, sendo certo que é justamente nessa esteira que se faz necessário um trabalho de educação e respeito de toda a sociedade, que também tem o dever de resguardar os direitos do próximo.

PALAVRAS-CHAVES: PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MINORIAS. DISCRIMINAÇÃO.

RESUMEN

En todo sentido, para examinar el proceso de formación de la sociedad brasileña (y de otros países en el nuevo mundo), considerado como esencial el importante papel de los grupos minoritarios en relación con el resto de la sociedad. No parece viable en el tratamiento de la función de Ministerio Público sin previa estudiar más acerca de las llamadas minorías, de los cuales estos grupos son objeto de discriminación, y acto continuo, los instrumentos internacionales y constitucionales para proteger a esas personas. La legislación brasileña relativa a las minorías es muy escasa. Con la excepción de referirse a los indios, los negros, y los extranjeros, no hay en Brasil leyes específicas sobre los otros grupos minoritarios objeto de persecución por la mayoría. El Ministerio Público lo ha hecho en la construcción de una reivindicatória actitud participativa de la sociedad. Es necesario llevar a cabo un tipo de defensa, seguridad y

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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asistencia, que protege a todos, especialmente los más necesitados de la justicia. Sin embargo, la falta de especificación en la legislación nacional conduce a la impunidad y el fracaso del Estado, dado que es precisamente esta línea que es necesario trabajar sobre la educación y el respeto de toda la sociedad, que también tiene el deber de proteger los derechos de los proximos.

PALAVRAS-CLAVE: EL PAPEL DEL MINISTERIO PÚBLICO. MINORÍAS. DISCRIMINACIÓN

1 Introdução

Não nos parece viável abordar o papel do Ministério Público sem antes, estudarmos mais acerca das chamadas minorias. Cabe a nós, enquanto estudantes e praticantes do Direito, promover a defesa de tais grupos não apenas no que tange aos direitos individuais e coletivos, mas também em face e em defesa dos interesses de todo o restante da população.

Por isso, fundamental analisarmos alguns aspectos básicos deste tema prévio.

Historicamente, sempre se fez presente uma cultura importada, baseada em valores estrangeiros, herdada dos colonizadores europeus, que aqui pouco queriam investir, mas somente queriam extrair riquezas, fazendo de nosso País um simples produtor de matérias-primas e produtos agrários. (NASCIMENTO, 2005, p. 120).

Com efeito, tivemos desde a formação de nosso país uma cultura escravagista, iniciada com a mão-de-obra indígena, depois pela negra e, porque não, já no começo do século XX, pela imigrante.

Ao longo dos tempos, é certo que muito desta cultura se esvaiu, mas não o suficiente para que determinadas práticas discriminatórias não se façam presentes.

Sabe-se que o Legislador Constituinte Originário cuidou de vedar quaisquer tipos de preconceito ou discriminação, explicitamente.

Todavia, na prática, tais vedações não se apresentam completamente eficazes, nem se resumem à previsão constitucional.

Após os dramáticos acontecimentos na Ex-União Soviética e na Ex-Iugoslávia, ou seja, após o colapso dos regimes comunistas, o tema minorias voltou a se destacar na agenda internacional, situação que não ocorria desde o período entreguerras (quando o debate se deu no âmbito da Liga das Nações).

Os condenáveis acontecimentos da Segunda Guerra Mundial ocasionaram o reconhecimento do vínculo existente entre o respeito à dignidade do ser humano e à paz. Da mesma forma, houve o reconhecimento de que as ordens jurídicas nacionais, sujeitas a alterações de acordo com o regime político atuante, não eram suficientemente eficazes

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para tutela dos direitos dos indivíduos. Nesse esteio, a Carta das Nações Unidas estampa tais considerações e pode ser considerada como vetor para o ulterior processo de universalização dos direitos humanos.

Em prosseguimento, no ano de 1947, a Comissão de Direitos Humanos criou uma subcomissão com a finalidade de prevenção da discriminação e de proteção das minorias. Ao ver rejeitadas todas as propostas de definição do termo minoria, esta subcomissão decidiu, em meados da década de cinquenta, condensar suas atividades na prevenção da discriminação, restringindo-se a recomendar a inclusão de uma provisão referente à proteção de minorias nos instrumentos internacionais de direitos humanos a serem elaborados dali em diante.

Então, a visão preoponderante era a que os direitos das minorias estariam suficientemente protegidos pelo enfoque individual e universal que os direitos humanos assumiram no período pós-guerra. Esta visão, ao seu turno, fez com que, em meados da década de 50, o tópico minorias passasse a ser excluído da agenda internacional (WUCHER, 2000, p. 4).

De todo o contexto histórico de descolonização, que consagrou o princípio da não-discriminação, foi somente a partir da inclusão do artigo 27, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, que novamente abordou-se acerca do tema minorias.

Em 18 de dezembro de 1992, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração sobre os Direitos de Pessoas que pertencem a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas.

Apesar de seu caráter jurídico e não-vinculativo, esta Declaração é considerada o instrumento de abrangência global mais generoso em termos de “discriminação positiva”, vale dizer, a que mais confere direitos especiais às minorias. (PIRES, apud GABI WUCHER, 2000, p. 03).

A sobredita Declaração proíbe a discriminação com base na raça, no sexo, na língua e na religião. Porém, é omissa em relação à efetiva proteção das minorias. Assim, após o fim da estrutura bipolar do mundo, no âmbito da ONU, a Declaração de 1992 pode e deve ser considerada o marco inicial dos novos debates sobre as minorias.

2 Conceito de Discriminação

Discriminação é a prática de ato de distinção contra pessoa do qual resulta desigualdade ou injustiça, sendo essa distinção baseada no fato de a pessoa pertencer, de fato ou de modo presumido, a determinado grupo.

Nessa linha, importante colacionarmos as palavras de Elida Séguin:

Inicialmente, deve-se procurar o sentido das palavras discriminação, preconceito e intolerância. Discriminar é diferençar, distinguir, discernir, separar, especificar (Aurélio Buarque de Holanda). Sérgio Abreu afirma que a palavra discriminação surgiu no fim do século XIX, na França e na Alemanha, “utilizada na Psicologia, sem a idéia de

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tratamento desigual”, somente no século XX passou a ser ligada, “em matéria econômica e sobretudo no direito e na política, para as minorias e todas as formas de tratamento desigual”.

No entender de Norberto Bobbio, por discriminação se entende uma diferenciação injusta ou ilegítima, porque vai contra o princípio fundamental de justiça, segundo o qual devem ser tratados de modo igual aqueles que são iguais. (2002, p. 108-109).

Nesse sentido, explica que

Num primeiro momento, a discriminação se funda num mero juízo de fato, isto é, na constatação da diversidade entre homem e homem, entre grupo e grupo. Num juízo de fato deste gênero, não há nada resprovável: os homens são de fato diferentes entre si. Da constatação de que os homens são desiguais, ainda não decorre um juízo discriminante.

O juízo discriminante necessita de um juízo ulterior, desta vez não mais de fato, mas de valor: ou seja, necessita que, dos dois grupos diversos, um seja considerado bom e o outro mau, ou que um seja considerado civilizado e o outro bárbaro, um superior (em dotes intelectuais, em virtudes morais etc.) e o outro inferior...Um juízo deste tipo introduz um critério de distinção não mais factual, mas valorativo. (IDEM)

Em prosseguimento, Bobbio concluiu que

A relação da diversidade, e mesmo a de superioridade, não implica as consequências da discriminação racial...Da relação superior-inferior podem derivar tanto a concepção de que o superior tem o dever de ajudar o inferior a alcançar um nível mais alto de bem-estar e civilização, quanto a concepção de que o superior tem o direito de suprimir o inferior. Somente quando a diversidade leva a este segundo modo de conceber a relação entre superior e inferior é que se pode falar corretamente de uma verdadeira discriminação, com todas as aberrações decorrentes. (IDEM)

A despeito da evolução das ciências, as pessoas quedaram-se silentes aos novos tempos, bem como à necessidade de aceitar seguimentos especiais ou diferenciados da sociedade, surgindo assim, o preconceito.

Desta forma, preconceito pode ser conceituado como

Conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos, idéia preconcebida; julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que os conteste; prejuízo. (ABREU, apud SÉGUIN, 2002, p. 55)

O preconceito, por sua vez, está associado não só aos que são diferentes, mas também naqueles cuja ação do tempo os modifica. Nessa esteira, importante colacionarmos as palavras de Elida Séguin ao abordar sobre o mesmo tema:

[...] Para dar uma pálida idéia, o preconceito contra o idoso chegou a tal ponto que foi cunhada a expressão etarismo. Interessante observar que a questão está sendo revertida pelo mercado consumista: descobre-se que os menos jovens constituem uma possibilidade de consumo que deve ser explorada.

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Não se pode deixar de consignar que o próprio grupo social aceita e cria uma estigmatização positiva a determinados comportamentos, como os delitos de trânsito, típicos da classe média. O motorista amador que provoca acidentes, muitas vezes evitáveis, é visto como uma vítima da fatalidade. São cidadãos respeitáveis que involuntariamente causaram danos, tão vítimas quanto suas vítimas, deconhecendo o grupo social que o comportamento gerador foi leviano, imprudente e inconsequente. É o grupo se auto-defendendo. A postura dos Tribunais vem sendo alterada para enxergar nos delitos de circulação um dolo eventual. (2002, p. 57)

Sobre esse aspecto, historicamente, desde o Código de Hammurabi, havia a previsão de castigos proporcionais ao mal causado, assim como fazia distinções nas penas de acordo com a classe social da vítima. Ou seja, ferir ou matar um escravo era menos grave do que alguém do clero.

Com o advento do Código de Manu, já não se levava em conta a classe da vítima, mas apenas a proteção dos valores dos brâmanes, cujo poder se encontrava no ápice dos demais poderes da sociedade Hindu.

A Lei das XII Tábuas, diferentemente dos demais, estebeleceu, ainda que provisioriamente, uma igualdade social inédita, excluindo do direito penal toda e qualquer distinção de classes sociais.

Importante distinguir o preconceito e a discriminação da intolerância.

A intolerância deve ser compreendida de uma melhor forma através do estudo de seu antônimo, ou seja, do conceito de tolerância:

Condescendência ou indulgência para com aquilo que não se quer ou não se pode impedir; Boa disposição dos que ouvem com paciência opiniões opostas às suas; Med. Faculdade ou aptidão que o organismo dos doentes apresenta para suportar certos medicamentos.[1]

Nesse sentido, a Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino, adotou Princípios de Tolerância, conceituando-a como

Tolerância é respeito, aceitação e apreciação da rica diversidade de nossas culturas mundiais, nossas formas de expressão e formas de ser humano. Isto é reforçado através do conhecimento, da abertura, da comunicação e da liberdade de pensamento, consciência e crença. Tolerância é harmonia na diferença. Não é apenas um dever moral, é também um requisito político e legal.

A nossa legislação, principalmente a Lei Maior, veda diversas práticas discriminatórias, baseadas em diferentes critérios. Ao final, a questão principal das vedações previstas tanto em normas constitucionais como infraconstitucionais é a garantia do princípio da igualdade, previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal.

Todavia, não é suficiente a criação de novos tipos penais ou majoração das penas já existentes. A sociedade deve atacar a discriminação e a intolerância no âmago da questão: através da educação, verdadeiro agente de modificação social. (SÉGUIN, 2002, p. 59)

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3 Conceito de Minorias

No plano internacional, a falta de consenso em torno dos elementos centrais do conceito minoria impede êxito na elaboração de uma definição universalmente aceita.

A questão mais relevante a ser considerada no momento de conceituarmos minoria é saber identificar quais os indivíduos pertencem a determinada minoria.

Referindo-se aos direitos atinentes à minorias, O´Donnel constata que:

Sin embargo, su aplicación también se dificulta por la falta de una definición clara y universalmente aceptada del término minoría (apud WUCHER, 2000, p. 43)

Ou seja, os problemas de definição devem ser analisados na grande e considerável diversidade de minorias, bem como seus respectivos contextos em todo o mundo.

A fim de buscar um significado para minoria, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define como

Inferioridade numérica; parte menos numerosa duma corporação deliberativa, e que sustenta idéias contrárias às do maior número. (1994, p. 11)

Ou, ainda, podemos encontrar o significado de minoria como inferioridade em número; a parte menos numerosa de um corpo deliberativo[2].

De fato, nem mesmo a Organização das Nações Unidas conseguiu chegar a um conceito universalmente aceito, já que sempre houve muita hesitação sobre o assunto: a Declaração Universal não tratou particularmente dos Direitos das Minorias, ficando esta tarefa ao encargo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, primeiro instrumento normativo internacional da ONU a tratar sobre o tema mas que, ainda assim, não forneceu uma definição segura de minoria, pregando de modo genérico o respeito aos direitos dos grupos minoritários, como evidenciado em seu artigo 27, in verbis:

Artigo 27 – “Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua.”

Nessa esteira, José Augusto Lindgren Alves salienta que as argumentações para tamanha hesitação têm origem na dificuldade de conciliação das posições assimilacionistas dos Estados do Novo Mundo (formados por populações imigrantes) e as dos Estados do Velho Mundo, com grande gama de grupos distintos em seus territórios nacionais. E, ainda, o mesmo autor adverte que as razões mais profundas para as hesitações nessa área se acham expostas no Prefácio de Francesco Capotorti em seu estudo sobre minorias datado de 1977 (para a regulamentação do artigo 27 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos), a saber: desconfianças dos Estados em relação aos instrumentos internacionais de proteção dos direitos das minorias, vistos como pretextos

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para interferência em assuntos internos; ceticismo quanto ao fato de se abordar, em escala mundial, as situações distintas das diversas minorias; a crença na ameaça à unidade e à estabilidade interna dos Estados pela preservação da identidade das minorias em seu território e, finalmente, a idéia de que a proteção a grupos minoritários constituiria uma forma de discriminação.

Face à necessidade de uma definição de minoria, a Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias, criada pela ONU, encomendou ao perito italiano Francesco Capotorti (anteriormente citado) um estudo que resultou na seguinte definição de minoria que, por sua vez, será a definição adotada no presente trabalho:

Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em posição não-dominante, cujos membros - sendo nacionais desse Estado - possuem características étnicas, religiosas ou linguísticas diferentes das do resto da população e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um sentido de solidariedade, dirigido à preservação de sua cultura, de suas tradições, religião ou língua. (Francesco Carpotorti, apud Gabi Wucher, 2000, p. 78)

Infere-se dessa definição que o autor elencou o elemento numérico, o da não-dominância, da nacionalidade e da solidariedade entre os membros da minoria como constitutivo de uma minoria.

Não há, todavia, consenso no que diz respeito ao elemento numérico, qual seja, o tamanho de uma minoria. De um lado, tem-se que as medidas especiais em benefício de uma minoria muito pequena seriam inversamente proporcionais à capacidade financeira do Estado. Por outro lado, tem-se que a titularidade ou o exercício propriamente dito de direito indivídual não poderia depender do tamanho do grupo ao qual o indivíduo pertence.

Inegavelmente, o elemento numérico, por si só, não é suficiente para caracterizar uma minoria que necessite de proteção especial do Estado.

Já o elemento nacionalidade, por sua vez, levanta outras controvérsias, na medida em que é questionável se, para reivindicar direitos, as pessoas pertencentes às minorias devem ser cidadãos do Estado em que de fato, vivem. Nesse sentido, a Subcomissão, em primeira sessão, afirmou que pessoas que pertencem às minorias precisam ser nacionais do Estado em que vivem. (WUCHER, 2000, p. 47)

Em prosseguimento, o elemento da solidariedade entre os membros da minoria, visando à preservação de sua cultura, tradições, religião ou idioma, tem grande importância, eis que implica em critério subjetivo, vale dizer, na manifestação de vontade implícita ou explícita de preservação das próprias características.

Necessário salientar que há duas definições com que caracterizar minorias, envolvendo as concepções sociológica e antropológica.

Na sociologia, o termo minoria normalmente é um conceito puramente quantitativo, referindo-se ao subgrupo de pessoas que ocupa menos da metade da população total, sendo certo que dentro da sociedade ocupa uma posição privilegiada, neutra ou marginal.

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Todavia, no aspecto antropológico, a ênfase é dada ao conteúdo qualitativo, referindo-se aos subgrupos marginalizados, ou seja, minimizados socialmente no contexto nacional, podendo, inclusive, ser uma maioria em termos quantitativos.

Dessa forma, para ser objeto de tutela internacional, a minoria deve, necessariamente, ser caracterizada por uma posição de não-dominância que ocupa no âmbito do Estado em que vive.

O elemento de não-dominância, por si só, é o que caracteriza os chamados grupos vulneráveis. A despeito da confusão entre os conceitos de minorias e grupos vulneráveis (as primeiras caracterizadas por ocupar uma posição de minoria no país onde vivem, no sentido literal da palavra, enquanto os segundos podem se constituir de grande contingente numérico destituído de poder, mas que guarda certa cidadania e os demais elementos que poderiam transformá-los em minorias, como as mulheres, crianças e idosos) deixaremos aqui de nos ater à diferença existente, posto que, na prática, ambos sofrem sobremaneira de discriminação e intolerância por parte da sociedade.

Via de regra, quando falamos em minorias e grupos vulneráveis, logo pensamos: criança, mulher, idoso, aidéticos, homossexuais, pessoas com deficiência. Todavia, a cada dia surgem novos grupos ou, ainda, reconhece-se tratamento diferente – mas discriminatório – recebido por determinadas pessoas que apresentam alguma característica peculiar, como a população carcerária ou os egressos do sistema penitenciário.

4 Direito das Minorias

Primeiramente, para que seja possível abordarmos o tema em apreço, cabe analisarmos se os mesmos se tratam de direitos individuais ou coletivos.

O Pacto dos Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 27 já transcrito, enfatiza os direitos dos indivíduos que pertencem aos grupos minoritários, a despeito de poderem gozar em comunhão com os demais integrantes do grupo, o que pode então obstar a utilização de remédios processuais de defesa coletiva desses direitos, quando se invoca a violação destes.

No entanto, o Comitê de Direitos Humanos determinou que essa é uma questão que deve ser considerada individualmente, devendo haver defesa dos direitos das minorias enquanto direitos coletivos.

Dessa forma, nos casos de respeito à língua, etnia ou religião de uma determinada pessoa pertencente a uma minoria, trataremos de direitos individuais. Já no que diz respeito ao reconhecimento dos direitos à existência e identidade de um grupo minoritário enquanto tal, falaremos de direitos coletivos.

Não há, por seu turno, um conjunto de direitos aos quais os grupos minoritários estejam mais fortemente vinculados. Entretanto, pacífico o entendimento de que os direitos das minorias são regidos pelo princípio da igualdade e não-discriminação, inexistindo

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delimitação de um conjunto mínimo de direitos. Nota-se, nesse esteio, que além dos direitos comuns a todas as pessoas (como direito à vida, liberdade de expressão, direito de não ser submetido à tortura, entre outros) as minorias têm também certos direitos comumente conhecidos, dito básicos - direito à existência, à identidade e direito às medidas positivas - enquanto coletividade.

5 Instrumentos Internacionais

Não existe um rol exaustivo de Convenções Internacionais voltadas para a proteção dos Direitos Humanos. Pode-se afirmar que, talvez, não fosse necessária a existência de inúmeras Convenções. Todavia, poucas, mas igualmente rigorosas e obedecidas já seriam suficientes. Abaixo, destacamos aquelas consideradas mais importantes, que dentro do conteúdo de seus textos tratam dos direitos das Minorias, ou os incluem ao tratar dos Direitos Humanos em geral.

5.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos

Consiste em uma declaração de princípios básicos de direitos humanos e liberdades, em que estão elencados direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, divididos em 30 artigos.

De toda sorte, o que mais nos interessa a respeito das Minorias é o artigo 2º, que assim dispõe:

Artigo 2º - 1. “Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.

No preâmbulo da Declaração, consta o compromisso dos Estados-membros, em conjunto com a O.N.U, de respeitar e observar os direitos e liberdades especificados na Resolução. Mas, até o momento, não houve criação de nenhum órgão responsável pelo monitoramento destas ações.

5.2 Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio

Deveras, o que influenciou a ONU na criação dessa Convenção foi o terrível contexto histórico observado principalmente durante a 2ª Guerra Mundial, quando houve o extermínio em massa de membros de minorias – cerca de 6 milhões de judeus, 600 mil ciganos e também um grande número de homossexuais – justificado pelos chamados “regimes totalitários”.

Preocupadas com a provável propagação dessas idéias, que bem disseminadas poderiam levar até a total extinção dessas minorias, as Nações Unidas aprovaram em 11 de Dezembro de 1948, através da Resolução 96, a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Esta, composta por dezenove artigos, em seu artigo 1º, declara ser o genocídio crime contra o Direito Internacional. No artigo 2º, fica estabelecido o que se entende por genocídio:

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Artigo 2º - “Na presente Convenção, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:

a) matar membros do grupo;

b) causar lesão grave à integridade física ou mental dos membros do grupo;

c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;

d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;

e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”.

As obrigações dos Estados assinantes estão estabelecidas no artigo 5º:

(...)

Artigo 5º - “As Partes Contratantes assumem o compromisso de tomar, de acordo com suas respectivas constituições, as medidas legislativas necessárias a assegurar a aplicação das disposições da presente Convenção e, sobretudo, a estabelecer sanções penais eficazes aplicáveis às pessoas culpadas de genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados no artigo 3º”.

Frise-se, por sua vez, que esses “outros atos” enumerados no artigo 3º são, além do genocídio em si, a associação de pessoas para tal fim, a incitação direta e pública a cometê-lo, a tentativa e a co-autoria do crime.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi apontado o artigo 2º como referente às minorias, na medida em que é pregada a igualdade das pessoas, independentemente de sua raça.

Já na Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, não se encontra artigo que trate especificamente desse assunto. Qual seria, dessa forma, a relação dessa Convenção com os direitos das minorias?

A resposta não é tão difícil: de todos os genocídios já registrados no mundo, a grande maioria foi cometida contra representantes das minorias raciais, étnicas e religiosas (ex vi o genocídio de judeus e ciganos durante a 2ª Guerra Mundial). Com efeito, ao condenar “a submissão intencional de um grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial” (artigo 2º, alínea “c”), por exemplo, a Convenção está protegendo o direito que as minorias possuem de sobreviver mantendo tanto sua cultura, como suas tradições.

A Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio foi ratificada pelo Brasil em 04 de Setembro de 1951, e promulgada pelo Decreto n.º 30.822 de 06 de Maio de 1952.

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5.3 Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial

O ingresso de dezessete novos países africanos na ONU, o ressurgimento de atividades nazifacistas na Europa e a consequente preocupação ocidental com o antissemitismo influenciaram as Nações Unidas na criação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Resolução 2.106-A (XX) em 21 de Dezembro de 1965, onde está definido o conceito de discriminação racial:

Artigo 1º - “Para os fins da presente Convenção, a expressão ‘discriminação racial’ significará qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em iguais condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública. ”

A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial foi ratificada pelo Brasil em 27 de Março de 1968.

5.4. Convenção da UNESCO para Eliminação da Discriminação na Educação

Aprovada em 14 de Dezembro de 1960 através da UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização de Cultura, Ciência e Educação das Nações unidas). Ao firmarem a Convenção para Eliminação da Discriminação na Educação, os Estados-partes concordam que :

“Deve ser reconhecido aos membros das minorias nacionais o direito de exercer atividades educativas que lhe sejam próprias, inclusive a direção das escolas e o uso ou ensino de sua própria língua, desde que, entretanto:

I ) Esse direito não seja exercido de uma maneira que impeça aos membros das minorias de compreender a cultura e a língua da coletividade e de tomar parte em suas atividades ou que comprometa a soberania nacional;

II ) O nível de ensino nessas escolas não seja inferior ao nível geral prescrito ou aprovado pelas autoridades competentes;

III )A freqüência nessas escolas seja facultativa”.

5.5 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

Adotado pela Resolução 2.200 – A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de Dezembro de 1966, entrando em vigor apenas dez anos depois, devido ao alcance do número mínimo de ratificações para tanto, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos consiste em um Tratado Internacional cujo objetivo foi, junto com o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, tornar

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juridicamente obrigatório e vinculante tudo aquilo estabelecido anteriormente na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Mas estes dois tratados não se restringiram ao âmbito da Declaração; o Pacto dos Direitos Civis e Políticos impôs novos direitos e garantias outrora não previstas, como o direito à autodeterminação, a proibição da propaganda de guerra ou de incitamento à intolerância étnica ou racial e, figurando como o mais importante, o artigo 27, que trata da proteção dos direitos de minorias à identidade cultural, religiosa e linguística.

Artigo 1º - 1. “Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural”.

(...)

Artigo 20 – 1. “Será proibida por lei qualquer propaganda em favor da guerra.”

2. “Será proibida por lei qualquer apologia ao ódio nacional, racial ou religioso, que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência.”

(...)

Artigo 27 – “Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua”.

Ressalte-se que, após inúmeras discussões, concluiu-se que a autodeterminação citada no 1º artigo é referente a todos os povos, sejam eles minoritários ou não. Já os direitos citados no artigo 27, pertencem aos legítimos representantes de minorias.

Esse Pacto também confirma em seu artigo 26 o ideal de igualdade já previsto na Declaração Universal:

Artigo 26 - "Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação".

O principal órgão de monitoramento do Pacto é o Comitê de Direitos Humanos da ONU, ao qual os Estados-partes devem apresentar relatórios sobre as medidas legislativas, administrativas e judiciárias que adotaram para a maior proteção aos Direitos Humanos, consoante artigo 40, n.º1:

Artigo 40 – 1. “Os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a submeter relatórios sobre as medidas por eles adotadas para tornar efetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto e sobre o progresso alcançado no gozo desses direitos:

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dentro do prazo de um ano, a contar do início da vigência do presente Pacto nos Estados-partes interessados; a partir de então, sempre que o Comitê vier a solicitar.”

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi ratificado pelo Brasil em 24 de Janeiro de 1992.

5.6 Declaração dos Direitos das Pessoas pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas

Essa Declaração foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU, através da Resolução 47/135, de 18 de Dezembro de 1992. A preocupação com a situação atual e futura das minorias levou as Nações Unidas a criarem esse documento, composto de nove artigos, totalmente dedicado a explicitar os direitos estabelecidos no artigo 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, este já citado alhures.

Por não constituir tratado, a Declaração dos Direitos das Pessoas pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas não possui, por sua vez, caráter obrigatório nem força vinculante, bem como não estabelece um órgão de monitoramento para os Estados que desrespeitem seus artigos. Porém, isto não quer dizer que esta Declaração seja algo sem valor, uma vez que ela insiste em reforçar o respeito a direitos que já possuem certa força jurídica, por assim dizer, eis que se encontram presentes em tratados.

A análise do item 1º do artigo 2º revela a imensa semelhança entre o artigo 7 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos:

Artigo 2º - 1. “Pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas têm o direito de desfrutar de sua própria cultura, de professar e praticar sua própria religião, de fazer uso de seu idioma próprio, em ambientes privados ou públicos, livremente e sem interferência de nenhuma forma de discriminação”.

No item 1º do artigo 8º e no artigo 9º encontramos comentários a respeito do caráter não-obrigatório da Declaração, sem, contudo, suspender às Nações o dever de respeitá-la:

Artigo 8º - 1. “Nada nesta Declaração prevê o cumprimento de obrigações internacionais de Estados em relação a representantes de minorias. Em particular, os Estados devem cumprir de boa-fé as obrigações e compromissos assumidos, referentes a tratados e acordos internacionais dos quais participem”.

Artigo 9º - “As agências especializadas e outras organizações do sistema das Nações Unidas devem contribuir para a ampliação dos direitos e princípios estabelecidos nesta Declaração, dentro de seus respectivos campos de competência”.

5.7 Convenção Americana de Direitos Humanos

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Também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, essa Convenção tem caráter regional, uma vez que refere-se apenas aos países que fazem parte da OEA – Organização dos Estados Americanos. Possui 82 artigos, parte deles reconhecendo direitos já previstos no Pacto dos Direitos Civis e Políticos, como o direito à liberdade de expressão, pensamento, opinião e religião, à igualdade perante a lei, à proteção judicial, entre outros. A Convenção Americana não enumera expressamente nenhum direito social, econômico ou cultural, restringindo-se à determinação das obrigações dos Estados-membros, descritas no artigo 26:

Artigo 26 – “Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”.

Os demais deveres dos Estados membros se encontram nos dois primeiros artigos da Convenção.

A Convenção Americana de Direitos Humanos possui um eficiente órgão de monitoria, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sendo que à esta compete promover a observância e o respeito aos direitos humanos nos países participantes da Convenção, através de relatórios anuais, estudos e pesquisas realizadas junto aos governos dos Estados-membros.

A Convenção Americana de Direitos Humanos foi adotada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, realizada em São José da Costa Rica, em 22 de Novembro de 1969. O Brasil ratificou-a no dia 25 de Setembro de 1992.

5.8 A Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência

Em prosseguimento, após a exposição das Convenções logo acima, nota-se a inexistência de um tratamento legal internacional mais voltado para os direitos humanos das pessoas com deficiência.

Foi o que a Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência procurou fazer. Logo em seu artigo primeiro, a referida norma define que seu propósito é proteger e assegurar as condições de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência.

Art. 1º - O propósito da presente Convenção é o de promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por

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parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua inerente dignidade.

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.

Infere-se que o legislador internacional se preocupou mais com a garantia de que as pessoas com deficiência possam gozar dos direitos humanos e de sua liberdade fundamental, do que propriamente em instituir novos direitos.

Com efeito, adotou como parâmetro as condições de igualdade, reforçando a idéia de que barreiras sociais podem impedir a participação do seguimento em condições de igualdade. Dessa forma, a conduta adotada pelo legislador internacional, para que as pessoas com deficiência usufruam dos seus direitos e liberdades, é justamente a maior condição de igualdade.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência representa um importante instrumento legal que proíbe a discriminação contra as pessoas com deficiência/incapacidade em todas as áreas da vida, inclui provisões específicas relacionadas com a reabilitação e habilitação, educação, saúde, acesso à informação, serviços públicos entre outras, e vem preencher uma lacuna nas normas internacionais de direitos humanos existentes.

Ainda que este documento não obrigue aos países a adoção de medidas que não possam suportar financeiramente, exige, no entanto, que trabalhem com o objetivo de adotar progressivamente iniciativas que permitam às pessoas com deficiência alcançar uma maior autonomia pessoal e uma melhor qualidade de vida.

6. Análise da situação das Minorias no âmbito constitucional brasileiro

Importante frisar que o objetivo, nesse ponto do trabalho, não é traçar inúmeros comentários sobre o tema, mas somente evidenciar um panorama geral da situação das minorias ao longo das diversas constituições brasileiras que não fazem mais parte do ordenamento jurídico brasileiro, a fim de facilitar posterior análise das disposições constitucionais atuais no tocante à proteção das minorias, assim como os reflexos que a última Constituição recebeu dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos.

6.1 Constituição de 1824

A Constituição de 1824 foi reflexo da Independência do Brasil, encarada como obra da elite, é dizer, fora dos moldes do processo de independência da América Latina, normalmente por lutas populares. Partindo dessa observação é que é possível entender

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como uma Constituição garante liberdade e igualdade de todos perante à lei e continua admitindo a escravidão.

A relação entre a Igreja e o Estado era dirigida pelo regime de padroado, colocando os ministros da Igreja sob o controle político do Estado. A religião oficial era a Católica Apostólica Romana, não existindo, dessa forma, liberdade religiosa, já que os cultos particulares a outras religiões eram permitidos, todavia, os públicos eram completamente vedados (artigo 5º).

O voto era censitário, e, mesmo para os eleitores, havia restrições. Não podiam ser nomeados deputados (artigo 95) os libertos, os estrangeiros naturalizados e os que não professassem a religião do Estado.

6.2 Constituição de 1891

A Lei Maior de 1891 refletiu o espírito de “libertação” iniciado com o término da escravatura em 1888 e da Proclamação da República, em 1889, coroando esse período de mudanças com o estabelecimento da liberdade religiosa (mantida nas Constituições seguintes) e a proibição de qualquer diferença em razão de credo.

6.3 Constituição de 1934

É a Constituição do pós-Revolução de 1930, que dá início ao Governo Constitucional de Getúlio Vargas.

Em seu artigo 121, parágrafo 4º, determinava a preferência do trabalhador nacional na colonização e aproveitamento das terras públicas, preferência também referida na Constituição de 1946.

No mesmo artigo, parágrafo 6º, tratava da entrada de imigrantes no território nacional, mas com limitações, ou seja, a corrente imigratória de cada país não poderia exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinqüenta anos, limite esse mantido na Constituição de 1937. Pelo parágrafo 7º, ficava vedada a concentração de imigrantes no território nacional, quanto à localização e assimilação do estrangeiro.

O artigo 129 determinou, ainda, o respeito à posse dos silvícolas.

O artigo 150 tratou do ensino primário gratuito e obrigatório, em idioma pátrio, salvo ensino de língua estrangeira.

6.4 Constituição de 1937

Foi a Constituição imposta por Getúlio Vargas para regular a fase ditatorial de seu governo (1937- 1945), dando início ao Estado Novo.

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O artigo 122 garantia liberdade religiosa de crença e culto, mas quanto à liberdade de expressão e de imprensa, havia várias restrições. Os estrangeiros não podiam ser diretores, proprietários ou acionistas de jornais, proibição que é, parcialmente, mantida nas Constituições de 1946 e 1967.

O artigo 133 tratou do ensino religioso não obrigatório, mantido nas Constituições seguintes.

Pelo artigo 150, os estrangeiros naturalizados só podiam exercer profissões liberais se tivessem prestado serviço militar ao Brasil.

6.5 Constituição de 1946

É a Constituição da Redemocratização, depois do Estado Novo.

Não só manteve a liberdade religiosa e o ensino religioso facultativo, como trouxe certas restrições. Em relação ao voto, por exemplo, os analfabetos e os que não soubessem se exprimir na língua nacional não podiam se alistar como eleitores (artigo 132).

O artigo 166 determinou que a educação era um direito de todos, mas o artigo 168 traz que o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional. Vê-se, aqui, patente exclusão das minorias linguísticas do direito ao ensino primário gratuito.

6.6 Constituição de 1967

A Constituição do período militar não trouxe nenhuma inovação em relação às minorias. Apenas manteve determinações já estabelecidas em Constituições anteriores, a saber: liberdade religiosa de crença e culto, ensino primário obrigatório e na língua nacional, restrições aos eleitores, entre outras.

Dessa forma, da análise das Constituições brasileiras de 1824 até 1967, infere-se uma grande lacuna em relação à proteção dos grupos minoritários, haja vista que nenhuma das Constituições trouxe avanços realmente significativos na regulamentação dos direitos das minorias no aspecto objetivo, muito menos referência à proteção das minorias em si, à promoção de sua expressão cultural como grupo presente e atuante na sociedade.

Em relação às pessoas com deficiência, a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, trouxe a primeira notícia de proteção específica à pessoa portadora de deficiência, direitos posteriormente apliados pela Emenda nº 12, de 1978.

Localizadas em apenas uma Emenda, na Constituição de 1969, as normas de proteção estavam diluídas no texto final, cuidando de barreiras arquitetônicas, acesso aos edifícios públicos, dentre outros.

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6.7 Constituição de 1988

A Constituição Federal de 1988 resgatou a democracia no Estado Brasileiro. No entender de Luiz Alberto David Araujo e José Luiz Ragazzi

Estávamos mergulhados numa situação que trazia forte restrição ao exercício das liberdades democráticas, com um Poder Judiciário que exercia a jurisdição de forma limitada, deixando de atuar de forma independente. Os direitos constitucionais eram interpretados de maneira restritiva, o que impedia o livre exercício da fruição das liberdades asseguradas.

Em seu preâmbulo firmou-se claramente a necessidade da instituição de “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos“, disposição essa confirmada no artigo 1º, inciso III, que ressalta como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana; bem como no artigo 3º, inciso IV, que assinala como objetivo fundamental a promoção do bem de todos, “sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Com efeito, o Constituinte de 1988, não se preocupou tão somente com a inserção de princípios inclusivos, mas sim, em cuidar das minorias, dos excluídos, evitando assim que tais grupos ficassem à margem de todo o processo social.

Para tanto, a igualdade veio anunciada e reafirmada inúmeras vezes (consoante regra geral do artigo 5º, inciso I; artigo 7º, 150, dentre outros).

A despeito do princípio da igualdade ter sido especificado no Título I (Dos Princípios Fundamentais), essa repetição tem um caráter didático, como se assim fosse necessário para seu efetivo cumprimento.

O rol de direitos tem previsão minuciosa na Lei Maior, na medida em que ninguém pode entender que o texto não contempla determinados direitos. Além do mais, a cláusula pétrea constante do §4º do artigo 60 garantiu, ainda, a permanência dos direitos e garantias individuais.

Dessa forma, tratou o Constituinte de tutelar o direito à inclusão quando dispôs acerca dos seguintes direitos: Art. 37, inciso VIII, ao dispor acerca da reserva de percentual dos cargos e empregos públicos; Art. 7º, inciso XXXI, ao dispor acerca da impossibilidade de qualquer discriminação no tocante ao salário e critérios de admissão; Art. 205 c/c 208, que dispõe acerca do direito à educação; Art. 1º, inciso IV, que garante os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; Art. 227, §2º c/c art. 244 c/c 227, §2ª, que dispõem acerca do direito ao transporte e à acessibilidade; Art. 203, inciso V, ao assegurar benefício mensal à pessoa portadora de deficiência.

Em prosseguimento, os demais artigos que tratam de minorias em seu aspecto geral são fundamentalmente os de número 215 e 216, localizados no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo III (Da Educação, da Cultura e do Desporto), Seção II (Da Cultura).

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Vale lembrar aqui que a cultura nacional, à qual o artigo 215 se refere, não corresponde apenas à cultura do grupo majoritário.

Antes disso, é constituída pela contribuição de todos os grupos, inclusive os minoritários, no processo de formação da sociedade brasileira. A Constituição rechaça, então, qualquer tentativa de hierarquia de culturas, ao prever como dever do Estado a proteção à manifestação das diferentes culturas.

Por manifestações culturais entendem-se os bens materiais e imateriais referidos no artigo 216 e colocados como patrimônio cultural brasileiro, quais sejam, as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas..

A Constituição também procura garantir a proteção da identidade do grupo em seu artigo 216, incluindo-se aí a promoção da ação e memória do grupo. O processo de formação da identidade deve ser encarado como um fenômeno dinâmico, sujeitando-se à ação política do grupo, através de suas decisões e de sua interação com o restante da sociedade, exigindo o cumprimento de seus direitos, sendo certo que, nesse aspecto, ressalta-se a necessidade de proteção à memória do grupo, como fator preponderante da identidade cultural e garantia na ação política dos grupos minoritários.

Assim, em um momento de reflexão, podemos visualizar quão alentadoras são as conquistas do direito internacional em favor da proteção do ser humano, na medida em que estas se projetam no direito constitucional, enriquecendo-o, bem como demonstrando que a busca de proteção cada vez mais eficaz da pessoa humana encontra amparo nas raízes dos pensamentos internacionalista e constitucionalista.

7. O papel do Ministério Público na tutela das minorias

A legislação brasileira referente às minorias como um todo é, de certo modo, muito escassa. Com exceção das referentes aos índios, negros, e estrangeiros, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, leis específicas sobre os demais grupos minoritários, alvo de perseguições por parte de uma maioria. A falta de tratamento objetivo na legislação brasileira de uma gama maior de grupos, tidos como minorias, tanto no aspecto aspecto sociológico (quantitativo) quanto no antropológico (qualitativo), vem a prejudicar a defesa dos interesses dos mesmos como grupos minoritários.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 232, atribui ao Ministério Público Federal a defesa dos direitos e interesses indígenas, não se referindo, porém, à proteção do Ministério Público Federal em relação aos demais grupos minoritários.

Foi somente com a Lei Complementar 75, de 20.05.1993, que as minorias étnicas, como as comunidades negras isoladas (antigos quilombos) e ciganos, por exemplo, foram inclusas sob a tutela do Ministério Público Federal.

A Constituição Federal, em seu artigo 215, inciso I, também afirma que: “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório brasileiro”.

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Em relação às pessoas com deficiência, a Carta Magna, em seus artigos 128 e 129, cuidou de entregar a defesa dos direitos indisponíveis ao Ministério Público.

Todavia, o reconhecimento dessa tutela veio somente com a Lei Ordinária nº. 7.853/89 que, de fato, assegurou a representação dos interesses do sobredito grupo de pessoas ao Parquet, iniciando-se tal assistência somente em 1989, seja combatendo o preconceito, seja atacando a discriminação ou, ainda, exigindo o cumprimento das regras do edital no que diz respeito à reserva de vagas.

O Ministério Público do Trabalho vem cumprindo seu papel ao se preocupar em combater e eliminar a discriminação na contratação, com o cumprimento de vagas reservadas na contratação de empresas privadas, por força de lei ordinária que, por sua vez, encontra fundamento na Constituição Federal.

O Ministério Público tem se feito presente na construção de uma postura reivindicatória e participativa da sociedade. É necessário perseguir um modelo de defesa, segurança e assistência, que protege a todos, principalmente os mais necessitados de justiça.

Não existe mais espaço para um Ministério Público que não seja social e democrático. Aquela instituição voltada para busca da justiça social, empenhada em transformar a realidade social do Brasil a qual, como é de consenso comum, é absolutamente injusta. Este órgão, por sua vez, está se despindo da pecha de burocrata processual, de parecerista, para interagir com essa sociedade, com os fatores sociais e definir as prioridades em sua atuação.

8 Conclusão

O conceito antropológico, que envolve o aspecto qualitativo e não quantitativo, parece-nos mais adequado à situação do tema, tendo em vista que considera o real quadro de submissão dos grupos minoritários aos majoritários. No Brasil, onde o preconceito é um elemento constante nas atitudes da sociedade, não se pode de forma alguma deixar de lado as comparações entre aqueles grupos conflitantes, visto que são necessárias à conscientização dos membros da própria minoria de que seus direitos estão sendo violados.

Não obstante as citações da legislação internacional sobre o tema, a falta de especificação do mesmo no ordenamento jurídico pátrio leva, muitas vezes, à impunidade e à omissão do Estado, sendo certo que é justamente nessa esteira que se faz necessário um trabalho de educação e respeito de toda a sociedade, que também tem o dever de resguardar os direitos do próximo.

Dessa forma, mesmo considerando todas as dificuldades enfrentadas pelas minorias, bem como e as barreiras impostas à modificação dessa situação, percebe-se a intensa luta desses grupos pela sua sobrevivência e pela manutenção dos seus costumes. Para ajudá-los na manutenção de sua identidade, é preciso que a própria sociedade, munida do poder de participação que possui, realize mudanças sociais que venham a preservar a cultura, os direitos desse grupo, contribuindo para efetiva integração social de todos.

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