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O PAPEL DO ESTADO NA SOCIEDADE: breves considerações e perspectivas acerca da intervenção estatal
Rosiany de Sousa Luz1
Leila Leal Leite2 Fabiana Rodrigues de Almeida Castro3
Resumo Este artigo tem o propósito de discutir o papel do Estado na sociedade, e como o mesmo atua, ora intervindo na vida econômica e social, ora se mantendo afastado e desempenhando poucas funções. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, trazendo para discussão autores como Albuquerque, Medeiros e Silva (2008), Arvate e Biderman (2006), Oliveira (2009), dentre outros. Constatou-se que o Estado não possui um modelo acabado e único; ele se adequa às necessidades da sociedade e ao momento vivenciado pelo capitalismo.
Palavras-chave: Estado; Intervenção estatal; Estado brasileiro.
Abstract This article aims to discuss the role of the state in society, and how it acts, sometimes intervening in economic and social life, sometimes staying away and performing few functions. The methodology used was the bibliographical research, bringing to the discussion authors such as Albuquerque, Medeiros e Silva (2008), Arvate and Biderman (2006), Oliveira (2009), among others. It was found that the State does not have a finished and unique model; It fits the needs of society and the moment experienced by capitalism.
Keywords: State; State intervention; Brazilian state.
1 Graduada em Administração e Ciências Contábeis. Mestranda em Gestão Pública. Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: [email protected] 2 Graduada em Enfermagem e Administração Pública. Mestranda em Gestão Pública. Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: [email protected] 3 Graduada em Administração. Doutora em Políticas Públicas. Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: [email protected]
1 INTRODUÇÃO
Em muitos países do mundo questiona-se o papel e o tamanho do Estado
quando os mesmos atravessam momentos de crise econômica, social ou política. A forma
do Estado como conhecemos hoje não é mais a mesma de tempos atrás, porque em cada
período da história ele se reconfigura para atender às necessidades vigentes. Também, os
modelos adotados se diferenciam entre as nações, de acordo com o seu contexto histórico
peculiar.
Hodiernamente, parece ser consensual a necessidade de existência do Estado.
A grande discussão, que já atravessa séculos, é de como ele deve atuar e em que áreas
deve intervir, e esta questão ainda permanece sem uma resposta até os dias atuais.
De um lado, aqueles que defendem a intervenção do Estado como provedor do
crescimento econômico e do bem-estar social. De outro, aqueles que sustentam que o
Estado atrapalha o funcionamento do mercado, devendo sua atuação ser reduzida.
Este artigo tem o propósito de discutir o papel do Estado na sociedade, ora
intervindo na vida econômica e social, ora se mantendo afastado e desempenhando poucas
funções. Assim, está estruturado em cinco partes: na primeira, tem-se a introdução; na
segunda, são abordados os motivos da intervenção estatal, apontando suas vantagens e
desvantagens, mostrando as falhas de mercado e as de governo; na terceira, é retratado o
papel do Estado de acordo com as fases do sistema capitalista, inclusive mostrando a
situação no Brasil; na quarta, apresentam-se alguns instrumentos utilizados pelo Estado
para intervir na economia; e, por fim, são expostas as conclusões.
2 INTERVENÇÃO ESTATAL: vantagens e desvantagens, falhas de governo e de
mercado
De acordo com Albuquerque, Medeiros e Silva (2008), a teoria das finanças
públicas aponta as razões para o Estado intervir na economia à medida que apresenta seus
fundamentos e as funções do governo, devendo esse tentar corrigir as imperfeições do
mercado, de forma a melhorar o bem-estar da sociedade.
Os referidos autores (idem) citam como imperfeições do mercado a necessidade
de existência de bens públicos, as falhas de competição, a existência de externalidades e a
insuficiência de renda, desabastecimento, desemprego e desigualdade, as quais serão
comentadas a seguir.
A necessidade de existência de bens públicos é um dos principais argumentos
apontados na literatura para defender a existência do governo. Os bens públicos se
caracterizam como não excludentes, já que é dispendioso ou não é possível impedir os
indivíduos de consumi-los, e não rivais, pois quando um indivíduo a mais o consome não
eleva o custo da sua produção. Assim, por exemplo, o serviço de iluminação pública é de
difícil exclusão. O mesmo existindo, é inviável excluir a pessoa que não contribui com
recursos para que ele seja mantido (ARVATE E BIDERMAN, 2006; ALBUQUERQUE,
MEDEIROS E SILVA, 2008).
Outra imperfeição do mercado citada por Albuquerque, Medeiros e Silva (2008)
são as falhas de competição, como a escala de produção de bens e a infraestrutura exigida
para a prestação de um serviço, que ocasionam a formação de monopólios naturais,
devendo o Estado ofertar os bens e serviços ou regulamentar a prestação dos mesmos.
A inexistência de competição equilibrada e perfeita é também uma falha de
mercado, e o governo intervém para defender a concorrência, ou regulando o mercado, por
meio do controle e inspeção da qualidade e preço dos produtos/serviços, ou fornecendo, ele
mesmo, o próprio o bem, através de uma empresa pública.
Outra falha de mercado é a inexistência de mercados complementares, quando
não há disposição e/ou capital suficiente na iniciativa privada para oferecer o
produto/serviço, o que também faz com que sejam criadas empresas estatais. Exemplo
brasileiro é o setor financeiro, onde os principais financiadores de empreendimentos são o
BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, os quais contam com a participação
de recursos públicos (ARVATE E BIDERMAN, 2006).
Já a existência de externalidades refere-se às implicações decorrentes de
transações sobre as quais os agentes do sistema econômico não possuem domínio. A
intervenção do Estado se justifica também por conta das externalidades positivas, quando a
sociedade deseja o aumento da produção de um bem, ou negativas, quando ela deseja a
redução da produção do bem. O Estado deve intervir através de multas e tributos, ou
concedendo subsídios para desestimular as externalidades negativas, ou através da
regulação do setor ou incentivando externalidades positivas que reduzam a ocorrência das
negativas (ARVATE E BIDERMAN, 2006; ALBUQUERQUE, MEDEIROS E SILVA, 2008).
A educação, por exemplo, gera externalidades positivas, uma vez que o acesso
a uma educação de qualidade pode melhorar o nível socioeconômico do indivíduo e
aumentar a sua qualidade de vida (e seu poder de compra, repercutindo na economia). Por
outro lado, serviços de saúde preventiva, se não oferecidos aos cidadãos, podem gerar
externalidades negativas, pois se os mesmos adoecerem, os custos para tratamento são
ainda maiores, além do risco de contágio para outras pessoas, gerando epidemias.
Para Albuquerque, Medeiros e Silva (2008), o livre mercado não é capaz de
solucionar problemas como altos níveis de desemprego, desigualdade exponente,
desabastecimento (quando as condições de mercado e a baixa renda não atraem o setor
privado para ofertar um produto/serviço) e renda insuficiente. É necessário a intervenção do
Estado na economia, reduzindo os fatores que dificultam os investimentos, gerando
incentivos para o aumento da atividade econômica, e atenuando situações que aumentam a
desigualdade social.
Em resumo, nas palavras de Omar (2001, p. 211), “[...] a intervenção do governo
na economia é efeito de uma causa”, sendo decorrente da incapacidade do mercado em
alocar os recursos de forma eficiente e distribuir a renda igualitariamente, o que prejudica o
desempenho do sistema capitalista.
Contudo, a intervenção do Estado na economia, de acordo com Albuquerque,
Medeiros e Silva (2008), também ocasiona fatores indesejáveis, como o crescimento do
gasto público, provocando o endividamento do Estado quando faz empréstimos no mercado
financeiro interno ou externo; inflação, quando o aumento das despesas é custeado através
da expansão da base monetária, com a emissão de papel moeda, que sem ser
acompanhado pela maior oferta de produtos e serviços faz aumentar os seus preços; e a
elevação da carga tributária, quer seja através da criação de novos tributos ou do aumento
das alíquotas e bases de incidência dos já existentes.
Ocorre também a apropriação do Estado por grupos com maior poder, utilizando
a máquina para garantia dos direitos e benefícios vantajosos para si, aumentando a
desigualdade social. Outro efeito prejudicial é a ineficiência e baixo dinamismo, tendo em
vista a postura conservadora do Estado que dificulta a sua adequação a novas situações e
demandas (ALBUQUERQUE, MEDEIROS E SILVA, 2008).
3 O PAPEL DO ESTADO E O DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA CAPITALISTA
O papel do Estado numa sociedade pode ser reduzido ou expandido, de acordo
com a fase do capitalismo em que se faz a análise. Historicamente, no Brasil e no mundo,
houve uma alternância entre períodos de grande intervenção estatal e períodos onde o
Estado limitava a sua atuação. Oliveira (2009) divide a história da sociedade capitalista em
quatro fases ou períodos: o mercantilismo, o capitalismo concorrencial, o capitalismo
monopolista e o capitalismo globalizado. Tais fases serão pormenorizadas nesta seção,
apresentando-se as principais características de cada uma e suas implicações no papel do
Estado e no grau de intervenção deste na sociedade.
O período mercantilista apresentou traços dos modos de produção feudal e
capitalista. Para superar as práticas e pensamentos feudais o Estado foi solicitado a
desempenhar muitas tarefas, dentre elas a formação de exércitos para conquistas de
colônias, o desenvolvimento de atividades exportadoras, a integração do mercado nacional,
a adoção de políticas para o desenvolvimento do comércio e de manufatura, a delimitação
de fronteiras nacionais, a formação de mercado de trabalho, o controle de salários e a
criação de leis acerca do desemprego. Era um papel gigantesco, que no âmbito interno
estava acima de classes específicas, e no âmbito externo buscava mais poder e forças para
confrontar com outras nações, através da expansão marítima comercial. Nesta fase do
capitalismo, o Estado foi o instrumento utilizado pela burguesia, através do seu poderio
militar, fiscal e jurisdicional, para superar a sociedade feudal e consolidar a ideologia do
capital (OLIVEIRA, 2009).
No entanto, esse poder absoluto encontrou oposição em alguns países,
culminando em revoluções, com a inglesa (1648 e 1688) e a francesa (1789). Nesse
sentido, o capitalismo não dependia do Estado para operar, estava consolidado, buscando
liberdade para se expandir.
Iniciou-se, então, então a segunda fase: o capitalismo concorrencial. Houve uma
separação entre as esferas pública e privada, passando, a partir daí, o Estado e o
governante, a representarem duas pessoas distintas, sendo que este último não era mais
considerado o que recebia o direito divino do poder. Também ocorreu a distribuição das
funções entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, fruto das ideias de Montesquieu
(OLIVEIRA, 2009).
O sistema capitalista funcionava de forma eficiente, sem a interferência de forças
externas, através da livre concorrência e o Estado era considerado força externa, pois não
surgiu concomitantemente com a sociedade, seu aparecimento é posterior ao nascimento
desta (idem).
De acordo com as ideias de Smith, economista clássico, existiria uma “mão
invisível” que equilibraria o mercado, desde que houvesse liberdade e o Estado não
interferisse nas suas atividades, devendo apenas garantir a defesa e a segurança do país.
Houve predominância nesta corrente do ideário liberal, à exceção da produção de bens e
serviços nos quais não era possível calcular os custos da sua produção nem determinar
preços (por seu consumo ser indivisível), impedindo assim o estabelecimento da taxa de
lucro, que guiava o sistema capitalista (OLIVEIRA, 2009). Conforme explanado
anteriormente neste trabalho, esses bens, denominados nos dias atuais de bens públicos,
eram e ainda hoje são necessários.
Assim, ao Estado foi repassada a responsabilidade de produzi-los e ofertá-los,
sendo para tal cobrados impostos gerais, para arcar com os custos da sua produção, de
forma que o Estado deveria garantir o equilíbrio das contas, não recaindo em déficit
orçamentário. Dessa maneira surgiu a função alocativa do Estado, diante da incapacidade
do mercado privado de disponibilizar bens de uso coletivo e não sendo possível determinar
com precisão a quantidade que cada indivíduo receberia de benefícios com o uso do bem,
isso impossibilitava a cobrança de um valor individual.
Entretanto, no desenvolvimento desse sistema capitalista concorrencial, livre de
interferência, o capital e a riqueza ficaram cada vez mais concentrados nas mãos de poucos
grupos aumentando os níveis de pobreza da grande massa.
O capitalismo concorrencial perdeu seu espaço para o capitalismo monopolista,
dominado por grandes oligopólios. A partir da crise de 1929, que teve como implicações os
altos índices de desemprego, o Estado é chamado para voltar à cena, desta vez com outras
funções, além da alocativa. Baseado em Keynes, surgiu um Estado com maior número de
tarefas, o Estado do bem-estar social (welfare state), importante para contornar as
flutuações cíclicas do capitalismo e reduzir as tensões sociais. Além da função alocativa,
teria agora outras funções: estabilizadora, devendo manter a estabilidade econômica, e
distributiva, pois se o nível de pobreza se tornasse intolerável para a grande massa,
arriscaria inclusive a sobrevivência do sistema capitalista.
Dentro da função distributiva, surge a noção dos bens semipúblicos ou
meritórios, que são excludentes e rivais, ou seja, possuem características similares aos
bens privados. No entanto, é importante o Estado oferecê-los à população que não tem
recursos para pagá-los, inclusive pelas externalidades que eles geram no sistema
econômico, como os serviços de saúde, educação, saneamento, etc.
As ideias keynesianas se dispersaram pelo mundo a partir da crise de 1929 e
ganharam mais força ainda com o final da Segunda Guerra Mundial, quando os países
estavam arrasados e havia receio das ideias socialistas serem aceitas e adotadas.
Albuquerque (2008) afirma que, neste contexto, o Estado entrou em ação para
auxiliar na reconstrução dos países devastados pela guerra. Ganhou fama a ideia de que o
Estado era eficiente na coordenação da atividade econômica, sendo o modelo adotado em
países diferentes economicamente.
As ideias de Keynes foram adotadas de acordo com as peculiaridades de cada
território. Na América Latina, por exemplo, o Estado ficou responsável por promover a
industrialização, já que a iniciativa privada não era capaz de alavancá-la sozinha, e ficou
conhecido como “Estado desenvolvimentista”. De acordo com Albuquerque (2008), o gasto
público foi visto como instrumento de promoção e direcionamento do crescimento
econômico, além de redistribuidor da renda, e não mais como um recurso necessário
somente para o atendimento de serviços públicos essenciais.
A crise econômica de 1970 e a crise fiscal que elevaram a inflação a elevados
índices e fizeram com que as ideias keynesianas fossem questionadas. A crise foi atribuída
não só aos déficits públicos, mas também ao tamanho do Estado, que tinha tomado enorme
dimensão, e à ineficiência dos órgãos governamentais (OLIVEIRA, 2009).
Isso fez com que ressurgisse o pensamento liberal, e com a globalização, foi
necessário abrir as fronteiras nacionais e desregulamentar os mercados financeiros e de
produtos. Inicia-se a fase do capitalismo globalizado, e mais uma vez, o Estado foi
convidado a sair de cena (OLIVEIRA, 2009).
Além de diminuir o tamanho do Estado, as instituições públicas deveriam ser
reorganizadas para aumentar sua eficiência e diminuir os custos. Essas ideias serviram de
fundamento ao Estado gerencial, considerado eficiente (OLIVEIRA, 2009).
Segundo Abrucio (1997), o mandamento do modelo gerencial implantado
inicialmente continha corte de gastos e aumento da eficiência, originou-se em governos de
cunho neoliberal (Thatcher – nos Estados Unidos e Reagan – na Grã-Bretanha).
Hodiernamente, entretanto, seu objetivo não é apenas diminuir o papel do Estado, tendo
outras finalidades, como a descentralização, a prestação de serviços públicos de qualidade,
os quais deviam ser avaliados pelos cidadãos.
Verifica-se assim que a atuação do Estado variou de acordo com o momento e
fase do sistema capitalista, das suas necessidades para reprodução e das suas crises.
Quando o mercado se mostrou inapto para se sustentar sozinho, buscou auxílio no Estado
para intervir na economia e regular os conflitos e a tensão entre as classes. A
responsabilidade do Estado de assumir um número vasto de tarefas, no entanto, ocasionou
o desperdício financeiro, que fez com que o mesmo fosse deixado de lado novamente.
Em suma, a discussão entre as correntes que defendem a maior intervenção
estatal e as que se opõem a ela ainda se mantém até hoje. Para os neoliberais, o Estado é
um sujeito passivo, que não tem vida própria, e assim acaba se voltando e satisfazendo
interesses pessoais, deixando de atender as necessidades coletivas. Já na percepção de
adeptos das ideias de Keynes, a atuação do Estado é indispensável para a reprodução do
sistema capitalista; tem vida própria e autonomia relativa para continuar atendendo os
interesses do capital (OLIVEIRA, 2009).
Estado e capital não podem ser vistos como dois extremos, em que um é
totalmente oposto ao outro. Se comparados apenas quanto ao critério da eficiência, o livre
mercado seria mais promissor e vantajoso. Porém, para que o capitalismo sobreviva e se
reproduza como modo de produção, esse critério – eficiência – deve ser relevado e
desconsiderado em algumas situações (idem).
3.1 O Estado brasileiro: especificidades e evolução histórica
No Brasil, as fases do capitalismo não aconteceram simultaneamente aos países
da Europa e nos Estados Unidos. De acordo com Oliveira (2009), enquanto as grandes
potências europeias viviam o mercantilismo e a expansão marítima e comercial, o Brasil
ainda era colônia de Portugal, dependente do Estado daquele país.
Para o referido autor (idem), só com a instalação da República (1889) criou-se o
Estado brasileiro, embora este de forma desestruturada, sem a característica de Estado
moderno, capitalista. Nesse período, o Estado tinha pouca participação nas atividades
produtivas, porém exercia grande poder regulatório, atuando com medidas que visavam
proteger o setor cafeeiro.
Somente com a Revolução de 1930, o Estado é constituído de poder
concentrado, o qual adquiriu melhor estrutura material e institucional, e, até o ano de 1964,
passou a desempenhar um grande papel nos âmbitos econômico e social, investindo em
setores indispensáveis para a industrialização, como energia e mineração, e direcionando
as políticas fiscal, cambial e monetária-creditícia para estimular o investimento da iniciativa
privada. O Brasil vivia o Estado desenvolvimentista. Neste período, sem realizar reformas
nos segmentos tributário, financeiro, previdenciário e administrativo, o Estado recorreu a
empréstimos externos para garantir os recursos necessários para os investimentos
(OLIVEIRA, 2009). O Estado desenvolvimentista permaneceu até meados do início da
década de 1980.
Uma crise fiscal iniciada nos anos 80 e a instabilidade financeira puseram em
xeque o Estado desenvolvimentista, fazendo com que as ideias neoliberais retornassem
com força total, principalmente a partir da década de 90, mantendo-se até os dias atuais
(ABRUCIO, 1997).
Com a crise econômica e a fiscal, foram propostas mudanças nas três
dimensões do Estado do bem-estar, quais sejam, a econômica, a social e a administrativa.
Para as dimensões econômica e social foram indicados a redefinição da atuação do Estado
na economia e o corte de gastos públicos na área social. A dimensão administrativa também
foi alterada, com a substituição do modelo burocrático pelo modelo gerencial de
administração. Pode-se afirmar que o Estado contemporâneo vinha reduzindo o seu
tamanho e poder. No contexto em que o Estado tinha menos poder e menos recursos se
implantou o modelo gerencial na administração pública (idem).
No que tange ao gerencialismo no Brasil, houve duas tentativas de reforma na
administração pública, segundo Bresser-Pereira (1996). A primeira ocorreu em 1967, porém,
sem alcançar êxito, e teve como marco o Decreto-Lei n. º 200/67, que promoveu a
transferência das atividades de produção de bens e serviços para a administração indireta.
No entanto, foi fracassada, pois conservou práticas patrimonialistas, como a contratação de
empregados sem concurso público.
A segunda reforma, proposta em 1995, teve como objetivo modernizar e tornar
eficiente a administração pública, voltando-a para o cidadão. Um dos principais pontos da
reforma foi a descentralização, com a implantação de agências autônomas e organizações
sociais. De acordo com a reforma, as atividades não exclusivas do Estado (embora de
interesse público e relevantes, como saúde e educação), seriam de propriedade pública
não-estatal, e as entidades conservariam seu caráter público e o seu financiamento pelo
Estado, mas seriam de direito privado, garantindo-lhes assim maior autonomia
administrativa e financeira. As atividades exclusivas do Estado (polícia, regulamentação,
seguridade social básica, dentre outras) e do seu Núcleo Estratégico (responsável pela
elaboração de leis e de políticas públicas) seriam de propriedade pública, e as atividades de
produção de bens e serviços para o mercado seriam de propriedade privada. A forma de
propriedade dominante deveria ser a pública não estatal (BRESSER-PEREIRA, 1996).
Verifica-se que a reforma gerencial reduziu o tamanho do Estado e buscava diminuir as
funções do Estado e os gastos públicos.
Nos governos de Collor (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),
grande número das empresas estatais criadas no Estado Desenvolvimentista foram
privatizadas, reduziram-se as políticas sociais e expandiram-se as de abertura comercial e
financeira, sendo as regras ditadas pelo mercado. Os maiores gastos governamentais foram
destinados para o pagamento da dívida pública (OLIVEIRA, 2009).
No governo de Luís Inácio Lula da Silva, iniciado em 2002, deu-se continuidade
à política de redução da intervenção do Estado na vida econômica e social, atendendo aos
interesses e exigências do capitalismo globalizado, com pequenas diferenças na
implementação de programas na área social, como o Bolsa-Família.
Na concepção de Morais e Saad-Filho (2011), no segundo governo Lula (2007-
2010) foi implementada uma política econômica de natureza híbrida, que incluía os objetivos
neoliberais e as propostas novo-desenvolvimentistas. Para os autores (idem), esta política
híbrida obteve um sucesso expressivo, no que se refere ao crescimento econômico e
também na melhoria da distribuição de renda e na redução dos níveis de pobreza,
comprovando que as políticas neoliberais e desenvolvimentistas não são incompatíveis.
4 INSTRUMENTOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA
Para intervir na vida econômica e social de uma nação, o Estado dispõe de uma
gama de ferramentas. Criação de empresas estatais, políticas públicas específicas para
determinadas áreas, reformas tributárias, financeiras e administrativas, etc. Esta seção
exporá dois instrumentos importantes utilizados pelo Estado para intervir na economia,
discutidos na obra de Albuquerque, Medeiros e Silva (2008), quais sejam: as políticas
monetária e fiscal. Além destas, serão comentadas novas formas de intervenção estatal.
A política monetária pode ser restritiva ou expansiva, de acordo com os objetivos
a que se destina. Se a intenção é desaquecer a economia e evitar a inflação, deve-se adotar
a política monetária restritiva, através do aumento do recolhimento compulsório dos bancos
comerciais ao Banco Central, da aplicação de altas taxas de juros e reduzidos prazos de
pagamento nos empréstimos do Banco Central aos bancos comerciais e da venda de títulos
públicos. Essas medidas diminuem a disponibilidade de recursos de liquidez imediata, o que
desestimula a economia.
Inversamente, quando o intuito é elevar a demanda por bens e serviços e
aquecer a economia, utiliza-se a política monetária expansiva, e as medidas são aplicadas
da forma contrária à política restritiva, ou seja, há a diminuição do recolhimento compulsório
dos bancos comerciais, elevação do prazo de pagamento e redução dos juros do Banco
Central aos bancos comerciais e a compra de títulos públicos.
Há de se atentar que a política restritiva aumenta a taxa de juros ao consumidor
final, pois analogamente à lei da oferta e da demanda, quanto menos dinheiro disponível,
maior seu preço, maior a taxa de juros.
Quanto à política expansiva, considera-se bastante arriscada, pois o crescimento
econômico esperado para lhe suceder pode não acontecer, já que ele é decorrente de
muitos aspectos econômicos além desse, e acabar provocando efeitos indesejáveis.
Outra forma de intervenção é a política fiscal, implementada através da
arrecadação de receitas e execução de despesas. Aumentando os gastos públicos,
reduzindo a carga tributária, incentivando a exportação, o consumo e os investimentos, o
governo amplia a produção e os níveis de emprego. Tais medidas fazem parte da política
fiscal expansiva.
Inversamente, em situações de esgotamento de estoque e aumento dos preços
dos produtos, em face da demanda ser maior que a produção, o governo pode adotar a
política fiscal restritiva, reduzindo os gastos públicos e aumentando a carga tributária, e
consequentemente diminuindo a produção e os níveis de emprego.
Recentemente, foram implantadas novas formas de intervenção do Estado na
economia, de forma indireta. Na tentativa de os bens e serviços essenciais serem
realizados, sem que para isso o dispêndio financeiro seja apenas do Estado, este passou a
atuar em conjunto com o setor privado. A Parceria Público-Privada – PPP é um exemplo
dessas novas formas de intervenção indireta.
As PPP’s são firmadas através da formalização de contratos administrativos
entre o poder público e o setor privado, sendo transferido desse para este a realização de
investimentos, sejam obras ou a prestação de determinados serviços de interesse público. A
remuneração ao setor privado é feita pelos usuários, com o pagamento de tarifas ou por
contraprestação pública, ou ainda por ambos, como no caso dos contratos de concessão,
em que o parceiro é remunerado parcialmente pelos usuários com a complementação pelo
Poder Público. A PPP é feita, na maioria dos casos, devido à restrição econômico-financeira
dos governos.
Outro modelo de intervenção surgido no final do século XX foi a intervenção
regulatória, que de acordo com Albuquerque (2008), é aquela em que o Estado regula e
fiscaliza as atividades prestadas pelo setor privado, através de leis, regulamentos e
contratos de concessão de serviços públicos e avanços democráticos, proporcionando
transparência e participação da sociedade nas suas políticas.
5 CONCLUSÃO
O papel do Estado na sociedade alterou-se no decorrer dos tempos. Entre
períodos de maior intervenção estatal e períodos de redução da sua atuação, e entre
teóricos e correntes em defesa de cada uma dessas vertentes, verifica-se que nenhuma
delas conseguiu ser efetiva na realização do bem comum.
Entregando a economia às forças livres de mercado, perceberam-se alarmantes
desigualdades sociais, onde o poder e a renda se concentraram nas mãos de poucos
privilegiados. Por outro lado, o Estado do bem-estar social não atingiu a sua plenitude, e
está longe de chegar às camadas mais desassistidas da sociedade.
O Estado liberal ocasionou não apenas desigualdades entre cidadãos de uma
mesma nação, mas também uma fragmentação entre os países, onde os desenvolvidos se
tornaram ainda maiores potências e aos países pobres restavam desempenhar a economia
de exportação.
Internamente, no Brasil, a atuação do Estado reforçou as discrepâncias entre as
regiões e estados. O Estado desenvolvimentista, no caso brasileiro, conseguiu proporcionar
o crescimento econômico. Entretanto aliado ao crescimento, não ocorreu também o efetivo
desenvolvimento, conceito superior àquele, que abrange outros aspectos, além dos
econômicos, como os ambientais, sociais e democráticos. A intervenção do Estado na
economia brasileira acontece não apenas para satisfazer as demandas da população, mas,
sobretudo, para manter o sistema capitalista e preservar a sua ideologia econômica, prevista
na nossa Constituição Federal.
No lastro dessas reflexões, conclui-se que nos últimos anos, embora o papel do
Estado venha se reduzido e com uma atuação diferenciada em cada nação, os instrumentos
de intervenção construídos por esse mostram que, de alguma forma, o Estado ainda
continua a demonstrar a sua hegemonia e o seu poder sobre a sociedade, intervindo e
retirando-se de cena sempre que necessário. Seu modelo inacabado e diferenciado se
adequa às necessidades da sociedade e ao momento vivenciado pelo capitalismo.
REFERÊNCIAS
ABRUCIO, Fernando Luiz. O impacto do modelo gerencial na administração pública. Brasília: ENAP, 1997. ALBUQUERQUE, Claudiano Manoel de; MEDEIROS, Márcio Bastos; SILVA, Paulo Henrique Feijó da. Gestão de finanças públicas. Brasília: Editora Gestão Pública, 2009. ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Vantagens e desvantagens da intervenção do governo na economia. In: MENDES, Marcos (org.). Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. São Paulo: Instituto Fernand Braudel/Topbooks, 2006. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática à gerencial. In: Revista do Serviço Público. Ano 47, v. 120, n. 1, jan-abri, 1996. Disponível em: < http://seer.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/702> Acesso em: 30 dez. 2016. MARTINS, José Celso; SILVA, Roberto Crespo e. Da intervenção do Estado na economia. In: Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 8, n. 8, 2011. Disponível em: < https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/RFD/article/view/2590/2535> Acesso em: 06 jan. 2017. MORAIS, Lecio; SAAD-FILHO, Alfredo. Da economia política à política econômica: o novo-desenvolvimentismo e o governo Lula. In: Revista de Economia Política, v. 31, nº 4 (124), pp. 507-527, outubro-dezembro/2011. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rep/v31n4/01.pdf> Acesso em: 10 jan. 2017. OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Economia e política das finanças públicas no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2009. OMAR, Jabr. O papel do governo na economia. Revista Indicadores Econômicos FEE, v. 29, n. 1, 2001. Disponível em:< http://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/viewFile/1295/1663.> Acesso em: 10 jan. 2017.