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O modelo malthusiano para tempo contínuo: uma
introdução não rigorosa ao cálculo
A dinâmica de populações também pode ser modelada
usando-se tempo contínuo, o que é mais realista para
populações que se reproduzem continuamente ao invés de
sazonalmente. Como modelos de tempo contínuo usam o
cálculo, vamos aproveitar para introduzir, de forma não
muito rigorosa, alguns conceitos do cálculo diferencial e
integral que serão úteis para o resto do curso.
Vamos considerar a seguinte questão: como um modelo
deve ser alterado quando se muda a quantidade de tempo
representada por um incremento unitário, ∆t = 1, na sua
variável de tempo (por exemplo, de 1 hora para 1
minuto)?
Antes de mais nada, é importante notar que isso nem
sempre faz sentido do ponto de vista biológico.
Para alguns organismos que se reproduzem sazonalmente,
como certos insetos, por exemplo, as gerações não se
sobrepõem e os tempos das reproduções são igualmente
espaçados. Em tais casos, usar um intervalo de tempo
unitário que seja menor do que o intervalo entre gerações
consecutivas não faz sentido.
No entanto, para organismos que se reproduzem
continuamente, como os seres humanos, por exemplo, não
existe uma escolha natural para a unidade de tempo.
Sendo assim, pode-se, em princípio, escolher uma unidade
de tempo que seja infinitamente pequena, o que permite
que se trate a variável tempo como variando
continuamente ao invés de discretamente, como veremos
adiante.
O que vamos tentar aqui é mostrar para vocês a conexão
entre modelos de “tempo discreto”, como os que temos
visto, e modelos de “tempo contínuo”, como os
considerados segundo as ferramentas do Cálculo.
Suponhamos que uma população seja modelada pelas
equações,
, ,2 01 ANNN tt ==+
onde cada incremento de tempo ∆t = 1 representa a
passagem de 1 ano.
Suponhamos que queremos fazer um novo modelo
malthusiano para essa população, só que agora cada
incremento unitário de tempo ∆t = 1 representa meio (0,5)
ano. Para não confundir com o primeiro modelo, vamos
denotar o tamanho da população neste caso de Pt.
Queremos que o segundo modelo seja compatível com o
primeiro. Portanto, ao final de 1 ano os valores dos
tamanhos das populações segundo os dois modelos têm
que ser iguais,
tt NP =2 .
Para determinar como Pt+1 deve crescer em função de Pt
para que essa condição seja satisfeita, podemos considerar
uma tabela como a mostrada abaixo.
t 0 1 2 3
Nt A 2A 4A 8A
t 0 1 2 3 4 5 6
Pt A 2A 4A 8A
A tabela mostra os valores de Nt segundo a equação Nt+1 =
2Nt para t = 0, 1 ano, 2 anos e 3 anos. Ela mostra também
os valores de Pt para os instantes t = 0, 2.(0,5 ano), 4.(0,5
ano) e 6.(0,5 ano), que são os instantes para o segundo
modelo em que os valores de Pt devem concordar com os
valores de Nt.
Como podemos fazer para preencher os espaços vazios na
tabela, isto é, determinar os valores de Pt para t = 1, 3 e 5?
Vamos chamar o valor de Pt em t = 1 de A’. Então, como
o modelo para Pt deve ser malthusiano (geométrico), a
razão entre o valor de P1 e o de P0 tem que ser a mesma
entre o valor de P2 e o de P1. Logo:
,2AA
AA
′=
′
o que implica que,
( ) .22 22 AAAA =′⇒=′
Como A’ = P1 e A = P0, temos então que o modelo
malthusiano para Pt deve ser,
.21 tt PP =+
Com esse modelo, podemos agora preencher os espaços
vazios na tabela:
t 0 1 2 3
Nt A 2A 4A 8A
t 0 1 2 3 4 5 6
Pt A A2 2A A22 4A A24 8A
Suponhamos agora que queremos construir um outro
modelo malthusiano para o mesmo problema, só que com
a unidade de tempo ∆t = 1 representando 0,1 ano. Vamos
usar o símbolo Qt para indicar o tamanho da população
neste caso.
Assim como feito acima, podemos montar uma tabela
como a abaixo, onde o valor de Q10t deve ser igual ao
valor de Nt e o valor de Q5t deve ser igual ao valor de Pt.
t 0 1
Nt A 2A
t 0 1 2
Pt A A2 2A
t 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Qt A A2 2A
Para encontrar os valores dos espaços vazios, basta
lembrar que, se o modelo malthusiano para Qt for
representado por Qt+1 = kQt, então,
.0 AkQkQ ttt ==
Logo,
,222 1015
12
155 =⎟
⎠⎞⎜
⎝⎛=⇒== kAAkQ
de maneira que,
.22 10101
1 QQQ tt ==+
Portanto, a tabela da variável Qt fica preenchida como,
t 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Qt A A10
1
2 A102
2 A103
2 A104
2 A2 A106
2 A107
2 A108
2 A109
22A
Vamos generalizar o que foi feito até agora e considerar
um modelo malthusiano para a população, denotado por
St, tal que uma unidade de tempo ∆t = 1 represente h anos.
Como o modelo tem que concordar com o modelo Nt
quando t (para Nt) for igual a 1, devemos ter:
.1 tth
NS =
Convença-se de que a fórmula acima está correta fazendo
h = 0,5 e h = 0,1 e vendo que ela concorda com os
resultados anteriores.
Note que, para o modelo geral, h pode ser, ou maior, ou
menor do que 1 ano. A fórmula vale para todas as
situações.
Como deve ser a expressão de St+1 em função de St para o
modelo geral?
Quando 21=h , vimos que .2 21
1 tt PP =+ Quando ,101=h ,
vimos que .2101
1 tt QQ =+ Logo, para um h genérico
devemos ter,
.21 th
t SS =+
Toda a discussão feita até este ponto considera que o
modelo para Nt é dado por,
.21 tt NN =+
Qual seria o nosso modelo genérico onde ∆t = 1
representa h anos para o caso geral em que o modelo para
Nt é do tipo,
?1 tt kNN =+
Se repetirmos todo o raciocínio feito até o momento,
obteremos o resultado:
.1 th
t SkS =+
Recapitulando o que foi feito até agora:
O modelo St+1 = khSt, onde a unidade de tempo representa
h anos, produz a mesma população após 1 ano que o
modelo Nt+1 = kNt, onde a unidade de tempo representa 1
ano.
Vamos agora utilizar nosso modelo genérico, St+1 = khSt,
para deduzir uma expressão genérica para a taxa de
variação do tamanho da população a cada unidade de
tempo ∆t. Lembrando da aula 2, essa taxa é representada
pelo símbolo .tS ∆∆
Da equação para o modelo genérico temos que,
( ) ,11 th
tth
tt SkSSkSSS −=−=−=∆ +
de maneira que,
.1t
h
St
ktS
∆−
=∆∆
Lembrando que a unidade de tempo ∆t corresponde a h
anos, podemos escrever,
.1t
h
Sh
ktS −
=∆∆
Como a unidade de tempo h do modelo genérico é
completamente arbitrária, podemos imaginar uma situação
em que ela vai ficando cada vez menor.
Por exemplo, se h = 1 ano, tS ∆∆ representará a taxa de
variação no tamanho da população a cada ano. Se h = 0,5
ano, tS ∆∆ representará a taxa de variação no tamanho da
população a cada meio ano. Se h = 0,1 ano, tS ∆∆
representará a taxa de variação no tamanho da população a
cada um décimo de ano.
Se h = 0,00000000317098 ano (que equivale a
aproximadamente 1 segundo1), tS ∆∆ representará a taxa
de variação no tamanho da população a cada
0,00000000317098 ano (ou segundo).
Esse processo pode ser levado adiante para valores de h
tão pequenos quanto se queira. Em particular, podemos
imaginar que h representa um intervalo de tempo
infinitesimalmente pequeno. Podemos representar esse
intervalo de tempo infinitesimalmente pequeno por dt
(para diferenciar de um intervalo finito, indicado por ∆t).
O que acontece com a taxa de variação no tamanho da
população tS ∆∆ quando h torna-se infinitesimalmente
pequeno, isto é, tende a zero?
Simbolicamente, denota-se o valor de uma razão tS ∆∆
no limite em que ∆t tende a zero por,
.lim0 t
SdtdS
t ∆∆
=→∆
1 Considerando que 1 ano = 365x24x60x60 segundos.
No nosso caso,
,1t
h
Sh
ktS −
=∆∆
de maneira que,
Sh
kdtdS h
h
1lim0
−=
→ .
Como essa equação foi deduzida para uma condição em
que h → 0, podemos considerar que ela é válida para uma
situação em que a variável tempo muda continuamente,
isto é, sem intervalos entre seus possíveis valores.
A equação acima é a equivalente, para tempo t contínuo, à
equação da aula 2,
,tt RNN =∆
válida para tempo discreto medido em intervalos iguais a
∆t. Nessa equação, ∆N é a taxa de variação no tamanho da
população a cada intervalo de tempo ∆t.
A quantidade dS/dt pode ser entendida como a taxa de
variação instantânea do tamanho da população no tempo.
A taxa instantânea é diferente da taxa de mudança da
população por um intervalo de tempo discreto.
Taxa de variação a cada ∆t (∆N): ; tRN
Taxa de variação instantânea ( dtdN
): Nh
k h
h
1lim0
−→
Vimos, na aula 2, que a constante R que aparece no caso
do tempo discreto é chamada de taxa de crescimento
geométrico. Comparando a equação para o tempo
contínuo com a equação para o tempo discreto, vemos que
a constante que faz o papel de R para o tempo contínuo é,
.1lim0 h
krh
h
−≡
→
Essa constante, denotada por r, é chamada de taxa de
crescimento exponencial, ou taxa intrínseca de
crescimento.
Os parâmetros r e R não são iguais, mas estão
relacionados como veremos adiante.
Antes de prosseguir, porém, vamos aproveitar para fazer
uma introdução não muito rigorosa do ponto de vista
matemático à noção de derivada de uma função.
Podemos entender melhor o significado da taxa de
variação instantânea dS/dt se pensarmos geometricamente.
A figura abaixo ilustra o significado de tS ∆∆ para um
intervalo ∆t finito. Se pegarmos dois pontos sobre a curva
St, (S1, t1) e (S2, t2), e unirmos esses pontos por uma linha
reta R, tS ∆∆ será a inclinação da reta R.
Se formos tomando, a partir de t1, intervalos de tempo ∆t
cada vez menores, como no desenho a seguir, e formos,
para cada caso, calculando tS ∆∆ , estaremos tendendo a
nos aproximar cada vez mais de dS/dt.
No limite em que ∆t → 0, dS/dt representará a tendência
instantânea de variação de S em função de t, no ponto t1.
Do desenho vemos que, à medida que ∆t → 0, a reta R
tende para a reta tangente à curva S(t) no ponto t1.
A inclinação da reta tangente à função S(t) no ponto t1 é
chamada de derivada de S em relação a t no ponto t1.
Temos então um método gráfico para o cálculo da
derivada de uma função S(t) em cada ponto t: Basta traçar
a tangente à curva no ponto t desejado e calcular a sua
inclinação. Essa inclinação é dada por tanθ, onde θ é o
ângulo feito pela reta tangente com a horizontal.
Por exemplo, o desenho a seguir dá a reta tangente para
vários pontos de duas curvas, S(t) e V(t). Para cada um dos
pontos indicados, a inclinação da reta tangente dá a
derivada da função correspondente no ponto.
Note que quanto mais “íngreme” for a curva, maior será a
inclinação da reta tangente, em módulo.
Uma vez que podemos, para cada ponto t, calcular a
derivada dS/dt no ponto, podemos construir uma tabela
dando os valores de dS/dt para cada valor de t. Como
dS/dt tem, então, um valor diferente para cada valor de t,
ela é, por sua vez, uma nova função de t.
Portanto, a derivada de uma função também é uma função.
O gráfico da função dS/dt versus t pode ser traçado a partir
da tabela descrita acima.
Em particular, suponhamos que a função S(t) seja a
seguinte função exponencial,
,100)( 2,00
tat eeStS ==
onde e é a base dos logaritmos naturais: e ≅ 2,71828.
Se você nunca ouviu falar da função exponencial ou de e,
ela será definida em outra aula do curso. No momento,
apenas aceite que existe uma função como a dada acima.
O gráfico de S(t) está mostrado abaixo:
0
400
800
1200
0 4 8
t
S
12
Pelo método gráfico, podemos calcular a derivada de S(t)
em cada ponto t. Você pode, como exercício, tentar fazer
isso em casa. Use o Excel para gerar o gráfico da função
exponencial; o comando para calcular a função eargumento é
“=EXP(argumento)”. Imprima o gráfico da função com
uma boa resolução e use uma régua para medir e calcular
as tangentes.
O resultado está mostrado abaixo, para t indo de 0 a 6 (os
valores foram arredondados para números inteiros):
t S dS/dt
0 100 20
1 122 24
2 149 30
3 182 36
4 223 45
5 272 54
6 332 66
O gráfico de dS/dt está dado abaixo:
0
40
80
120
160
200
240
0 4 8
t
dS/d
t
12
O gráfico da derivada da função exponencial se parece
muito com uma função exponencial. De fato, a derivada
de uma função exponencial também é uma função
exponencial!
Esta é uma propriedade das funções exponenciais, que
pode ser provada rigorosamente com as ferramentas do
cálculo. Isso não será feito aqui, mas iremos enunciar a
propriedade básica da derivada de uma função
exponencial:
Dada uma função exponencial do tipo,
,)( btAetN =
a derivada de N em relação a t é dada por,
).(tbNbAedtdN bt ==
Ou seja, dN/dt é igual à própria função N multiplicada
pela constante b.
Para o nosso caso, em que temos que, ,100)( 2,0 tetS =
).(.2,0100.2,0 2,0 tSedtdS t ==
Você pode ter dificuldade em aceitar a fórmula acima
(afinal de contas, você não viu a demonstração!).
Mas você pode se convencer de que ela é verdadeira
tomando a razão ( ) .S
dtdS
Se a expressão para a derivada da função exponencial
estiver correta, essa razão terá que ser sempre constante e
igual a 0,2. Use a tabela dos valores de S e dS/dt versus t
para calcular ( )S
dtdS para cada t e ver que, de fato, ela vale
sempre 0,2.
Vamos voltar agora ao modelo para crescimento
populacional para tempo contínuo desenvolvido no início
da aula. Vimos que a equação que descreve a dinâmica do
modelo é,
.1lim0
rSSh
kdtdS h
h=
−=
→
Dividindo os dois lados dessa expressão por S, temos,
( ).r
Sdt
dS=
Comparando essa expressão com a razão ( )S
dtdS que
acabamos de ver para a equação exponencial, vemos que
elas são idênticas (a constante b vale r neste caso).
Portanto, podemos concluir que a solução da equação para
a variação no tamanho da população S no tempo contínuo
é a função exponencial,
.)( 0rteStS =
Este é um dos principais resultados desta aula:
• O modelo malthusiano para tempo discreto resulta em
um crescimento (ou decrescimento) geométrico para o
tamanho da população.
• Já o modelo malthusiano para tempo contínuo resulta
em um crescimento (ou decrescimento) exponencial
para o tamanho da população.
As taxas de crescimento geométrico R e de crescimento
intrínseco r estão relacionadas.
Para obter a relação entre elas, vamos voltar às
considerações do início da aula e supor que uma
população começa com um número de indivíduos igual a
N0.
O crescimento da população pode ser modelado por uma
equação de tempo discreto e por uma equação de tempo
contínuo. Ao final de um certo tempo t (por exemplo, 1
ano), os valores do tamanho da população calculados pelo
modelo de tempo discreto e pelo modelo de tempo
contínuo têm que ser iguais.
Representando o tamanho da população modelado com
tempo discreto do lado esquerdo e o tamanho da
população modelado com tempo contínuo do lado direito,
podemos então escrever:
)(tNNt = .
Explicitamente (usando as equações), temos: rtt eNN 00 =λ ,
ou, rtt e=λ .
Elevando os dois lados a 1/t:
( ) ( )trttt e11
=λ ,
o que implica que,
.re=λ
A fórmula acima permite que passemos da modelagem de
tempo discreto, caracterizada pela taxa finita de
crescimento λ (ou, lembrando que λ = 1 + R, pela taxa de
crescimento geométrico R) para a modelagem de tempo
contínuo, caracterizada pela taxa intrínseca de crescimento
r e vice-versa.
Para ver como os modelos de tempo contínuo e de tempo
discreto se comparam, podemos usar o Excel para fazer
um gráfico do crescimento de uma população modelado
das duas maneiras.
Um gráfico de uma população modelada com tempo
discreto,
∆N = RN,
que resulta no crescimento geométrico,
Nt = (1+R)tN0,
você já sabe fazer.
Para fazer um gráfico de uma população modelada com
tempo contínuo,
,rNdtdN =
cujo crescimento é do tipo exponencial,
N(t) = N0 ert,
basta usar a função exponencial do Excel apresentada
anteriormente, denotada por EXP().
O gráfico abaixo mostra os dois tipos de crescimento,
exponencial e geométrico, para modelos com taxas de
crescimento numericamente iguais: R = r = 0,2.
Modelos Exponencial e Geométrico
0
10
20
30
40
50
60
0 5 10 15 20
t
Tam
anho
da
popu
laçã
o
N exponencialN geométrico
Observe que o crescimento exponencial é um pouco mais
rápido que o crescimento geométrico.
De qualquer maneira, tanto para um modelo como para o
outro, o crescimento da população ocorre de maneira
vertiginosa e sem limites.