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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA
JONATH RODRIGUES IGNÁCIO
O MITO DO JUIZ IMPARCIAL NO PROCESSO PENAL
CURITIBA 2019
JONATH RODRIGUES IGNÁCIO
O MITO DO JUIZ IMPARCIAL NO PROCESSO PENAL
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba.
Orientador: Prof. Alexandre Knopfholz
CURITIBA 2019
JONATH RODRIGUES IGNÁCIO
O MITO DO JUIZ IMPARCIAL NO PROCESSO PENAL
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos
professores:
Orientador: Prof. Alexandre Knopfholz
_______________________________
Prof. Membro da Banca
Curitiba, _____ de_____________________de 2019
RESUMO
Nesta pesquisa pretendeu-se compreender, após análise acurada dos conceitos de mito, imparcialidade e juiz, por qual razão existe um mito no mundo jurídico de que os juízes no processo penal são imparciais. Partiu-se, aprioristicamente, da premissa de que tal afirmativa é verdadeira, fazendo-se um paralelo entre a criação e importâncias dos mitos propriamente ditos, para então correlacioná-los ao mundo jurídico, observando-lhes as causas e consequências e tangenciando estes conhecimentos à imparcialidade do julgador. Por intermédio de um recorte histórico, procurou-se buscar as origens deste importante princípio do Processo Penal. Também foi objetivo da pesquisa diferenciá-lo de outros eventuais valores ou adjetivos jurídicos. Através de estudo de outras áreas do conhecimento, buscou-se fundamentar cientificamente de que forma esta percepção empírica de que juízes são imparciais poderia ser perfectibilizada, haja vista que o processo decisório pode e deve ser avaliado por uma esfera além da deontológica jurídica. Também foram pesquisadas, nas construções teóricas que tratam de processos decisórios, jurídicas ou não, elementos que corroborassem e confirmassem a propositura do tema. Partindo-se das acepções e conceitos encontrados, e compreendidas as razões empíricas que concernem à crença da existência mítica do juiz imparcial, fez-se, então, um cotejo com dispositivos legais, sistemas processuais penais e fontes de imparcialidade, aliando-se à doutrinas atinentes ao tema e às decisões concretas, as quais permitiram comprovar, de forma direita e indireta, que o juiz imparcial é uma alegoria, um mito, e não uma realidade concreta, pois, como normas prescritivas, contrapõem-se à parcialidade, característica intrínseca do ser humano, e de causas multifatoriais, sendo que nem todas foram entendidas em sua completude.
Palavras-chave: Juiz imparcial. Decisão imparcial. Imparcialidade. Processo penal. Mito da imparcialidade.
ABSTRACT
In this research it was intended to understand, after accurate analysis of the myth´s concept, impartiality and judge, for which reason there is a myth in the legal world that judges in the criminal process are impartial. It was based a priori on the premise that afirmative is true, making a parallel between the creation and importance of the myths themselves, and then correlating them to the legal world, observing the causes and consequences, and delimiting this knowledge to impartiality of the judge. Through a historical reccord, sought to search the origins of this important principle of Criminal Procedure. It was also the purpose of the research to differentiate it from other possible values or legal adjectives. Through a study of other areas of knowledge it was sought to scientifically substantiate how this empirical perception that judges are impartial could be perfectibilized, since the decision process can and should be evaluated by a sphere beyond legal deontological. Also were researched in theoretical constructions dealing with decision-making processes, legal or not, elements that corroborated and confirmed the proposition of the theme. Starting from the accepted meanings and concepts, and understanding the empirical reasons concerning the belief of the mythical existence of the impartial judge, a comparison was made with legal provisions, penal procedural systems and sources of impartiality, allied to doctrines pertaining to the theme and concrete decisions, which have allowed to prove, in a right and indirect way, that the impartial judge is an allegory, a myth, and not a concrete reality, because, as prescriptive norms, they are opposed to the partiality, intrinsic characteristic of the human being, and of multifactorial causes, not all of which were understood in their completeness. Keywords: Impartial judge. Impartial decision. Impartiality. Criminal procedure. Myth of impartiality.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Sentença de Pronúncia e Sentença de Condenação ............................. 74
LISTA DE SIGLAS
ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
CCF – Comissão de Controle de Arquivos da Interpol
CF – Constituição Federal
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CPP – Código de Processo Penal
FGV – Fundação Getúlio Vargas
HC – Habeas Corpus
LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional
ONU – Organização das Nações Unidas
STF – Supremo Tribunal Federal
TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
TJPR – Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
TRF – Tribunal Regional Federal
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
2 O MITO, O JUIZ E A IMPARCIALIDADE ............................................................... 10
2.1 CONCEITOS E DEFINIÇÕES ............................................................................. 10
2.1.1 Mito .................................................................................................................. 10
2.1.2 O Juiz ............................................................................................................... 15
2.1.3 “Imparcialidade” – Conceitos e Acepções ......................................................... 18
2.1.4 Recorte Histórico da Imparcialidade ................................................................. 23
2.1.5 Imparcialidade Não se Confunde com Neutralidade ......................................... 30
2.2 TEORIAS E DEFINIÇÕES SOBRE A IMPARCIALIDADE ................................... 33
2.2.1 Imparcialidade Sob a Ótica Interdisciplinar ....................................................... 33
2.2.2 Teorias Correlatas à Imparcialidade ................................................................. 41
3 A IMPARCIALIDADE E O PROCESSO PENAL .................................................... 46
3.1 SISTEMAS PROCESSUAIS ............................................................................... 46
3.1.1 Sistema Acusatório ........................................................................................... 47
3.1.2 Sistema Inquisitório .......................................................................................... 49
3.1.3 Sistema Processual Misto ................................................................................ 51
3.2 FONTES DE IMPARCIALIDADE ......................................................................... 53
3.2.1 Princípios e Garantias ...................................................................................... 53
3.2.2 Fontes Legais e Supralegais ............................................................................ 56
3.2.3 Como a Imparcialidade no Âmbito Criminal Pode Ser Aferida? ....................... 59
4 O MITO DA IMPARCIALIDADE NO PROCESSO PENAL .................................... 64
4.1 MITO DO JUIZ IMPARCIAL – POR QUÊ? .......................................................... 64
4.2 EXPOSIÇÃO DE CASOS CONCRETOS ............................................................ 72
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 80
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 83
8
1 INTRODUÇÃO
Falar de imparcialidade do julgador é algo extremamente complexo, pois
quando se fala desta tarefa deste, adentra-se em uma seara que não se relaciona
somente com o processo penal, posto que afeta diversas áreas do mundo jurídico e
do mundo fático. O que está à mesa são valores caríssimos, tais como justiça,
liberdade, dignidade e afins, que em alguma medida podem ser rompidos caso o juiz
decida de maneira parcial.
Se por um lado há o desejo pela segurança jurídica, pelo julgamento justo e
democrático, consagrado em princípios Constitucionais, por outro, existe uma
percepção e até mesmo uma confusão quanto ao que significa o termo imparcial e a
implicação do juiz em sê-lo, gerando imprecisão e indagação se realmente é possível
ao juiz, que é um ser-no-mundo1, agir de forma a não favorecer ou prejudicar qualquer
uma das partes, ainda que de maneira não consciente, e ser afastado de forma
estrutural, definitivamente um terzieta2.
A Constituição Federal, que é plasmada de carga axiológica, não conceitua
imparcialidade, mas a recomenda, bem como diversos diplomas nacionais e
internacionais. No entanto, perpassados pelos conceitos teóricos e pelas teorias que
procuram explicar em alguma medida o processo de decisão, tem-se um embate do
“mundo do ser” com o “mundo do dever ser” e uma lacuna a ser explorada por teóricos
e pesquisadores, pois a imparcialidade, que é um princípio supremo desejável, uma
norma de prescrição – logo, artificial – “filha” da legalidade e da igualdade processual,
deve ser aplicado pelo juiz, que sempre decide de forma estimativa através de
valorações3, que são subjetivas, em um evidente conflito
Assim, na dicotomia do juiz não neutro, mas imparcial, e diante da constatação
de que havendo parcialidade não existe jurisdição efetiva4, importa compreender
1HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: Parte I. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback.12. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 114. 2LOPES JUNIOR, aury; ROSA, Alexandre Morais da. Você sabe o que é imparcialidade cognitiva no processo penal? Lex Magister [S.l.]. Disponível em: <http://lex.com.br/doutrina_27290728_VOCE_SABE_O_QUE_E_IMPARCIALIDADE_COGNITIVA_NO_PROCESSO_PENAL.aspx>. Acesso em 25 mar. 2019. 3AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000. p.17. 4MAYA, André Machado. Imparcialidade e processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 46.
10
2 O MITO, O JUIZ E A IMPARCIALIDADE
Em que pese a completude desta pesquisa se respalde na utilização do método
dedutivo cartesiano, partindo de proposições gerais para casos específicos, neste
tópico tal abordagem não se aplica.
Nesta etapa procura-se estabelecer as premissas maiores de conhecimento,
para tanto, há a necessidade da compreensão analítica de cada um dos conceitos
formadores de uma premissa, daí a necessidade de compreender os conceitos e
acepções de mito, juiz e imparcialidade, de maneira isolada, e posteriormente
conectá-los de forma a edificar o tema proposto.
2.1 CONCEITOS E DEFINIÇÕES
Para melhor compreensão da temática proposta, é mister uma secção de cada
um dos componentes que a formulam, para que, compreendidas as suas
singularidades, possa ser analisada a simbologia e o propósito desta composição.
2.1.1 Mito
Mito vem do latim mythos, que significa “parábola, história”5. São símbolos e
advém da necessidade humana de acreditar em produtos da imaginação, sem os
quais não se pode viver6. “É a psicologia de autoajuda original”7, harmonizando a vida
com a realidade8, pois não deixam de ser “pistas para as potencialidades espirituais
da vida humana” 9.
Por muitos séculos, serviram para explicar os mistérios da vida, tornando-os
suportáveis, variando entre fenômenos naturais, como as passagens das estações,
até o enigma da morte e complexas questões pessoais. Foram utilizados por Jesus e
Platão que transmitiam seus difíceis ensinamentos por parábolas e alegorias,
5MITO. In: DICIO – dicionário online de português. [S.l.: s.n.]. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/mito/>. Acesso: em 22 nov. 2018. 6LUCCHESE, Fernando. Mais fatos e mitos sobre a sua saúde. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 1. 7GREENE, Liz; SHARMAN-BURKE, Juliet. Uma viagem através dos mitos. [S.l.]: Zahar, 2001. Disponível em: <http://lelivros.love/book/baixar-livro-uma-viagem-atraves-dos-mitos-liz-greene-em-pdf-epub-e-mobi-ou-ler-online/>. Acesso em: 5 abr. 2019. 8CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. 27. ed. São Paulo: Palas Athena, 2009. p. 6. 9Id.
11
respectivamente, para ensinar de forma facilitada a religião e a filosofia10. Podem
servir, ainda, para “explicar” situações cotidianas e inusitadas, como a de que “bebida
gelada provoca dor de garganta”, “toda gordura é ruim”, e o “riso é contagioso”11.
Possuem a “misteriosa capacidade de conter e transmitir paradoxos,
permitindo-nos enxergar, em volta e acima do dilema, o verdadeiro cerne da
questão”12, além da função “curativa”, em mostrar que os temores, conflitos e
aspirações, são sentimentos em comum13 a um mesmo grupo de pessoas.
Para o poeta português Fernando Pessoa, “o mito é o nada que é tudo” 14 e,
segundo ensinamentos de Rubens Casara, “[...] ocupa o lugar da falta, da ausência
de uma explicação”15,conferindo sentido ao incompreensível. Também, refere-se o
mesmo conceito a “coisa ou pessoa que não existe, mas que se supõe real”16, tal qual
a figura jurídica central do tema deste trabalho, o juiz, tratado em tópico específico.
Ainda conforme Rubens Casara, trata-se de termo polissêmico, que abarca
muitos significados: produto da atividade intelectual, instrumento de controle social,
fábulas, histórias verdadeiras, ilusões ou tradições, em uma diversidade que se fez
presente desde a antiguidade, seja para necessidade de explicar a natureza ou como
projeção dos desejos inconscientes17.
Em obra que coliga mitologia ao próprio processo penal, o autor é taxativo: “O
mito representaria, portanto, a explicação para aquilo que não se consegue explicar,
no plano do que se entende por ‘razão”, pois ele surge da falta, daquilo que não é
explicável18, fazendo a ressalva quanto ao aspecto negativo do tema, de quando o
mito é associado à mentiras. Mircea Eliade complementa com temperança ao explicar
que “difícil encontrar uma definição do mito que fosse aceita por todos os eruditos e,
ao mesmo tempo, acessível aos não especialistas”19.
10GREENE, Liz; SHARMAN-BURKE, Juliet. Uma viagem através dos mitos. [S.l.]: Zahar, 2001. Disponível em: <http://lelivros.love/book/baixar-livro-uma-viagem-atraves-dos-mitos-liz-greene-em-pdf-epub-e-mobi-ou-ler-online/>. Acesso em: 5 abr. 2019. 11Id. 12Id. 13Id. 14PESSOA, Fernando. Mensagem.110. ed. Lisboa: Ática, 1972. p.19. 15CASARA, Rubens R. R. Mitologia processual penal. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 21. 16MITO. In: DICIONÁRIO do aurélio. [S.l.: s.n.], 2018. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/mito>. Acesso em: 18 ago 2018. 17CASARA, loc. cit. 18Id. 19ELIADE, Mircea. Mito e realidade. Tradução de Pola Civelli. São Paulo: Perspectiva, 1972. p. 11.
12
O mundo é dotado de exemplos míticos que vão de teorias de sua própria
criação, como o big bang, até a Grécia antiga, em Homero, onde mito significava “fala”
ou “discurso” e com Platão, onde mito representava a verdade ou intento de exposição
da verdade20. Citando Gérard Legrand Rubens Casara identifica que a origem do mito
também “foi relacionada algumas vezes com o desejo de explicações de fenômenos
naturais, outras com a projeção dos desejos subconscientes e inconscientes que se-
riam comuns a toda a humanidade”, bem como o surgimento da própria filosofia, que
surge da necessidade de superação dos mitos21.
Na esfera jurídica, existem construções que o próprio Rubens Casara considera
como mitos processuais penais, a exemplo de quando trata-se da verdade real, do
livre convencimento, e do uso do direito penal e do processo penal como instrumentos
da pacificação social, pois seriam práticas que não se sustentariam racionalmente,
uma vez que são conceitos dissociados de uma análise constitucional, “filtro” este que,
como asseverou Alexandre Knopfholz, garantiria segurança jurídica e formalidade
necessária a um Estado Democrático de Direito22.
Sob essa mesma premissa, e, por conseguinte sobre este mítico processo
penal disforme à Carta Magna, Lênio Streck dá o seu parecer quando correlaciona a
alienação dos operadores do direito à ausência de um Processo Penal Constitucional:
Envolvidos no interior do senso comum teórico, não se dão conta dos paradoxos, até porque, como um mito – que só o é para quem nele acredita – também o paradoxo só é paradoxal para quem tem consciência de sua existência.23
Pamplona Filho lança conceito que soma no estudo desta temática, pois
confere posição “mitológica” ao juiz, ao associar-lhe à Justiça:
Enquanto exercente de um papel social, o juiz atua numa relação de autoridade, e não de liderança, pelo que funciona como um mero símbolo para a sociedade, símbolo este que deve refletir os ideais de justiça, dentro da organização social.24
20CASARA, 2015. p. 27. 21Ibid., p. 29. 22KNOPFHOLZ, Alexandre. A denúncia genérica nos crimes econômicos. Porto Alegre: Núria Fabris, 2013. p 90. 23STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p 98. 24PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O mito da neutralidade do juiz como elemento de seu papel social. Jus Navigandi, out. 2001. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2052/o-mito-da-neutralidade-do-juiz-como-elemento-de-seu-papel-social>. Acesso em 20 fev. 2019.
13
Em que pese W. Smith citando Einstein afirme que ciência constitua “a exata
antítese de mito”25, há autores que afirmam, a contrario sensu, que não existe tal
distanciamento, como Feyrabend, que assevera que este elo é muito mais contunde
do que a filosofia científica admitiria, pois, segundo ele, o pensamento científico é só
mais uma das muitas formas – e não exatamente a melhor – de se pensar, e como já
está enraizado, naturalmente é considerado superior e completo por quem já aderiu a
esta forma estruturante, impedindo um pensamento crítico sobre o tema26.
Wolfgang Smith, em produção que correlaciona ciência e mito, valoriza essa
aproximação, pois para o autor, mesmo nas premissas científicas, no diferencial entre
“o que existe” e “no que se acredita”, há espaço para o mito, pois longe de tratar
somente do que “não existe”, ele “corporifica uma aproximação mais estreita à
verdade absoluta que se pode expressar com palavras”, parafraseando o filósofo
Ananda Kentish Coomaraswamy. Tais afirmações chamam atenção, pois pouco se
diferencia com grau de clareza a ciência do mito cientificista, sendo que o mito
autêntico abre portas e “quebra o feitiço dos mitos cientificistas” ao contrário de fechá-
las27, resguardando, portanto, toda uma importância ao mito.
Diante de tantas e diversificadas funções, pode-se coligir que, como afirma o
próprio Rubens Casara, o discurso jurídico pode valer-se da fala mítica, pois o mito
não tem contornos estritamente delineados e se prontifica a apresentar diferentes
realidades, contribuindo deveras para o velamento de conceitos, se reproduzidos sem
a adequada verificação, reforçando a relevância sobre o assunto:
[...] propõe-se verificar as possibilidades de desligamento do pensamento jurídico das tiranias do método, empenhando-se na localização dos mitos que se encontram subjacentes à chamada “racionalidade jurídica”. Isso porque identificar os mitos, desvelar os mitos autoritários e reconhecer as condições em que se dá o discurso mítico é procedimento necessário em um modelo de aplicação do direito comprometido com a democracia.28
25SMITH, Wolfgang. Ciência e Mito como uma resposta a o grande projeto de Stephen Hawking. [S.l.]: Vide Editorial. p. 12. Disponível em: <http://lelivros.love/book/baixar-livro-ciencia-e-mito-wolfgang-smith-em-pdf-epub-mobi-ou-ler-online/>. Acesso em: 5 mar. 2019. 26FEYRABEND, Paul. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. p. 447. 27SMITH, loc. cit. 28CASARA, 2015. p. 22.
14
Outra destacada observação do mesmo autor é a da função do discurso da
mítica-processual penal, a qual mereceu crítica, pois “os mitos processuais penais
foram construídos por e para uma sociedade acostumada com o autoritarismo”29.
Não se pode furtar ainda, em se tratando de mitos, de uma imagem iconográfica
da deusa com uma balança na mão, como símbolo da justiça e do direito, que remete
também ao significado simbólico conferido à imparcialidade. Há a versão grega, onde
Diké, em pé e de olhos abertos, segura em uma mão a espada, e na outra a balança
sem o fiel, simbolizando a justiça sempre que os pratos estiverem nivelados. Existe a
versão romana, da deusa Iustitia, com os olhos vendados, segurando a balança com
as duas mãos, e o fiel exatamente ao meio, associando o direito ao rectum do fiel30.
Tércio Sampaio Ferraz Jr. ensina que a venda obstando os sentidos simboliza
uma concepção mais prática do direito, enquanto Diké, privilegiando a visão, incitaria
a um julgamento mais reflexivo e racional31.
Foi exatamente a venda nos olhos de Iustitia que deu o ensejo mítico de que “a
justiça é cega”, interpretada como a desejável isonomia pugnada pelo direito,
tornando-se “o sinônimo pitorescamente representativo do tratamento isonômico às
partes, da imparcialidade”32, sendo que há muito tempo são conexos, Justiça e
imparcialidade, esta como requisito operacional daquela33.
Para que não restem dúvidas, Trujillo destaca que “a imparcialidade ocupa o
lugar da balança, não da espada”34, logo, a justiça é imparcial no aspecto visual, pois
não se deve “olhar a quem” bate à sua porta35.
É neste diapasão que a discussão central desta pesquisa se pauta: existe uma
mitologia, no âmbito judicial e no imaginário popular, que se relaciona a conceitos e
princípios jurídicos, exteriorizados na forma de mecanismos de absolutização e
naturalização, que menoscabam a real compreensão de tais institutos, haja vista que
“não há mito sem cultura”36, e, através dessas crenças, conhecimentos e supostas
29CASARA, 2015. p. 25. 30MAYA, 2011. 31FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 3. 32HAEBERLIN, Mártin Perius. O juiz e a outra história: uma abordagem do princípio da imparcialidade a partir dos problemas da subsunção. Revista da Ajuris, Porto Alegre, ano 33, n. 104, p. 172, dez. 2006. 33Id. 34TRUJILLO, Isabel. Imparcialidad. México: UNAM, 2007. p. 12-13. (Tradução nossa). 35MAYA, op. cit., p. 46. 36CASARA, op. cit., p. 39.
15
verdades jurídicas são distorcidos e naturalizados, na forma de um “agir etnográfico”37,
sob a égide da fé, e sem a devida reflexão, o que gera impacto no processo penal.
Uma dessas figuras alegóricas é o juiz imparcial.
2.1.2 O Juiz
No dicionário, juiz é aquele que pode ou sabe julgar e tem por função ministrar
a justiça38, fundante da relação processual penal39 da qual participa, formando o
triângulo, ao lado do autor e do réu. É a figura central do processo, que representa e
encarna o Estado – ou presenta-o40 – sendo órgão jurisdicional a quem é incumbido
aplicar os preceitos da ordem jurídica41. É encarregado da tarefa precípua e dinâmica
de “decisão imparcial de conflitos jurídicos concretos”42.
Categoricamente, Carnelutti assim descreve a figura do magistrado,
destacando a posição super partes43, trazida por José F. Marques:
No topo da escada está o juiz. [...] De fato os juristas dizem que o juiz é supraparte: por isso ele está no alto e o acusado embaixo, sob ele; um na jaula, o outro sobre a cátedra. Semelhantemente o defensor está embaixo, em cotejo com o juiz; ao invés, o ministério público, ele está ao lado.44
Figura emblemática e confiável45, o juiz togado por vezes é equiparado às
divindades, como fez François Ost46, que, citado por Lênio Streck, menciona o “Juiz
37CASARA, 2015. p. 39. 38JUIZ. In: DICIO – dicionário online de português. [S.l.: s.n.]. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/juiz/>. Acesso em: 5 mar. 2019. 39LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do processo penal. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 139. 40PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, p. 412. 41MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro-São Paulo: Forense, 1961. p. 395. 42TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 2, p. 367. 43MARQUES, op. cit., p. 211. 44CARNELUTTI, Francesco; MILLAN, Carlos Eduardo T. As misérias do processo penal. [S.l.]: Pillares, 1995. p. 15. 45ASSAD, Thathyana Weinfurter. Uma visão filosófica das relações de poder instituídas na arquitetura do tribunal do júri. 53 f. Monografia (Curso de Preparação à Magistratura) – Escola da Magistratura do Paraná, Núcleo de Curitiba, Curitiba, 2010. p. 43. 46OST, François. Júpiter, Hércules e Hermes: tres modelos de juez. Revista Doxa – Cuadernos de Filosofia del Derecho, Universidad de Alicante, n. 14, 1993. <Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/obra/jpiter-hrcules-y-hermes--tres-modelos-de-juez-0/>. Acesso em: 5 mar. 2019.
16
Júpiter”, definindo-o como “[...] sempre dito a partir do alto, de algum ‘Monte Sinai”47,
dando ênfase a toda pompa peculiar aos magistrados. Ainda, os próprios juízes ao
fazerem menção à sua classe denotam certa vaidade, conforme Bueno de Carvalho48,
ao afirmar que “[...] quando o julgador fala de si mesmo emerge discurso efetivamente
alienado, dando a si próprio ares de divindade”. O mesmo autor cita como exemplo a
“Prece de um Juiz”, de João Alfredo Medeiros Vieira, que tem como excertos as
seguintes locuções:
Senhor! Eu sou o único ser na Terra a quem Tu deste uma parcela de Tua onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes. Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz acorrem, à minha palavra obedecem, ao meu mandado se entregam... Ao meu aceno as portas das prisões se fecham. [...] E quando um dia, finalmente, eu sucumbir e já então como réu comparecer à Tua Augusta Presença para o último juízo, olha compassivo para mim. Dita, Senhor, a Tua sentença. Julga-me como um Deus. Eu julguei como homem.49
No processo penal, a figura do juiz funde-se no imaginário popular com o
próprio conceito de Justiça e autoridade50, contudo, adverte Eros Roberto Grau51 que,
o juiz, ao ingressar em uma Faculdade, aprende Direito enquanto “disciplina” e não
exatamente a fazer Justiça, o que no senso comum são entidades de difícil
dissociação. Para Chiovenda, o juiz é a coluna vertebral de uma relação processual52,
enfatizando este elemento ímpar para tal relação.
Para Aury Lopes Jr., o juiz é o garantidor de eficácia do sistema de garantias
constitucionais53 e, em que pese a posição de “superioridade” destacada, Jacinto
Miranda Coutinho alerta que o magistrado é subordinado aos cidadãos, sendo
inquestionável também a sua submissão à lei54 .
47STRECK, Lenio L.; TRINDADE, André K. Os Modelos de Juiz: Ensaios de Direito e Literatura. São Paulo: Atlas, 2015. p. 33. 48CARVALHO, Amilton Bueno de. O juiz e a jurisprudência – um desabafo crítico. Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 3, fev. 2015. 49VIEIRA, João Alfredo Medeiros. Prece de um juiz. [S.l.: S.n.]. Disponível em: <https://www.tjpr.jus.br/documents/18319/3611848/Documento1+Modo+de+Compatibilidade.pdf>. Acesso em: 10 set. 2018. 50STRECK; TRINDADE, op. cit., p 122. 51GRAU, Eros Roberto. Por Que Tenho Medo dos Juízes (a interpretação/aplicação dos direitos e os princípios). 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 20. 52CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969. 53LOPES JUNIOR, 2017. p. 139. 54COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Empório do Direito, abr. 2015. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/o-papel-do-novo-juiz-no-processo-penal>. Acesso em 16 fev. 2019
17
A imparcialidade do julgador é um pressuposto de validade do processo penal
no ordenamento pátrio, de tal forma que, se configurada a parcialidade, será nula a
decisão, nesta que é uma capacidade específica subjetiva55, o que se completa ao
ensinamento de Beccaria, que nos idos dos anos 1700, já demonstrava preocupação
com a figura do órgão julgador:
Ora, o magistrado, que também faz parte da sociedade, não pode com justiça infligir a outro membro dessa sociedade uma pena que não seja estatuída pela lei; e, do momento em que o juiz é mais severo do que a lei, ele é injusto, pois acrescenta um castigo novo ao que já está determinado. Segue-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão.56
Fazendo menção à obra de Shakespeare, “Medida por Medida”, que ironiza a
figura do personagem Lord Angelo, um juiz notadamente imparcial, Lopes e Riz tratam
de forma realista e objetiva a importância da decisão judicial penal, pois, em que pese
simbolizada por uma situação literária, não deve ser maculada de vícios:
É moral ao juiz ser imparcial. É direito que haja com tal prerrogativa. É passível de nulidade a parcialidade e, nos dias atuais, se houvesse um caso de parcialidade tamanha como a relatada na obra, seria o juiz julgado como criminoso. Portanto, é de grande cuidado respeitar a imparcialidade na decisão.57
No entanto, ainda que o juiz persiga literalmente um acusado58 ou deseje a
morte do advogado59, as partes são necessárias “[...] aos juízes para ajudá-los a
decidir de acordo com a justiça [...]”60, que por sua vez dependem da imparcialidade
do juiz no processo e no julgamento penal, já que tal princípio consagra “[...] a joia da
55BREDA, Antônio Acir. Efeitos da declaração de nulidade no processo penal. Revista do Ministério Público do Estado do Paraná, Curitiba, n. 9, p. 183, 1980. 56BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Nelson J. Garcia. [Sl.:S.n], 2002. p. 10. 57RIZ, Valquíria A.; LOPES, Aylene P. Parcialidade do juiz em "Medida por Medida". Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21, n. 4843, 4 out. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/52526>. Acesso em: 7 nov. 2018. 58MOREIRA, Fernando. Juiz tira toga e corre atrás de réus algemados que fugiram do tribunal. Extra, out. 2018. Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/page-not-found/juiz-tira-toga-corre-atras-de-reus-algemados-que-fugiam-de-tribunal-23183629.html>. Acesso em: 10 jan. 2018. 59EM AUDIÊNCIA juiz roga praga e afirma desejar que advogados morram de câncer. Conjur [S.l.], 2 nov. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-nov-02/juiz-audiencia-desejar-advogados-morram-cancer>. Acesso em 5 abr. 2019. 60CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 132.
18
coroa judiciária”61. Em última análise, ao magistrado cabe fornecer um decisium
adequado, porquanto a imparcialidade é consonante a diversos conceitos e doutrinas
aqui expostos, assim, inconcebível uma justiça parcial62.
2.1.3 “Imparcialidade” – Conceitos e Acepções
Segundo o Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa, o termo parcial vem do
latim partialis que, etimologicamente, quer dizer “parte” ou “porção”. Um dos seus
diversos significados seria: partidário, ou aquele que em um litígio é favorável a uma
das partes, “independentemente da verdade”63.
Imparcial, em sentido oposto, etimologicamente, seria in partial, ou, aquele que
não é parte, em especial naquilo que deva decidir64 ou ainda “isento”, que não toma
partido em uma situação65.
Imparcialidade caracteriza-se pelo desinteresse subjetivo do juiz diante do caso
posto a julgamento, ficando este impedido de servir aos interesses subjetivos de
alguma das partes processuais. Deve, por consequência, o juiz, para ser imparcial,
atuar como um observador desapaixonado, exercendo o poder jurisdicional com
isenção, impedindo que fatores alheios interfiram na condução da marcha processual
ou no conteúdo de sua decisão66.
O acesso à jurisdição é consagrado como garantia fundamental no art. 5º,
inciso XXXV, da Constituição Federal, não permitindo que qualquer lesão ou ameaça
deixem de ser apreciados pelo judiciário. Ocorre que o acesso ao judiciário de per si
não é suficiente, sendo necessário muito mais que a simples existência de um juiz
para que haja efetiva jurisdição67.
61MORO comete infração ao tirar férias para montar equipe do novo ministério. Conjur [S.l.], 5 nov. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-nov-05/opiniao-moro-comete-infracao-tirar-ferias-montar-equipe-ministerial>. Acesso em: 10 jan. 2018. 62NALINI, José Renato. Ética da magistratura: comentários ao código de ética da magistratura nacional – CNJ. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 86. 63PARCIAL. In: MICHAELIS – Dicionário brasileiro da língua portuguesa. [S.l.: s.n.]. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/parcial/>. Acesso em: 09 out. 2018. 64MAIER, Julio B. Derecho processual penal. 2. ed. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2002. p. 339. 65IMPARCIALIDADE. In: DICIO – dicionário online de português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/imparcialidade/>. Acesso em: 05 abr. 2019. 66ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do Juiz do Processo Penal. [S.l]: [S.n], 2003. p. 140. 67LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. P. 101.
19
Advém, do citado acesso à jurisdição, a jurisdicionalidade do magistrado, que,
de acordo com Aury Lopes, deve “orientar a inserção do juiz no marco institucional da
independência, pressuposto da imparcialidade, que deverá orientar sua relação com
as partes no processo”68, enfatizando entendimento no qual a imparcialidade deve
imperar no processo penal, sendo seria ilógico pensar em juiz parcial.
Logo, a imparcialidade é “imprescindível para o desenvolvimento do processo”,
e a obtenção de uma decisão justa Impõe ao julgador um “afastamento estrutural”69.
Percebe-se que há uma sinergia de conceitos e verbetes, haja vista, no dicionário
Aurélio, o conceito se refere a aquele “que não favorece um em detrimento de
terceiro”, ou o “que julga como deve julgar entre interesses que se opõem”70. Ocorre
que, entre tais conceitos de imparcialidade, justiça, função jurisdicional e isonomia,
constatam-se evidentes e necessárias correlações que se amoldam com perfeição à
busca de uma decisão justa. Justiça e felicidade andam juntas71, sendo a primeira
quem organiza a “ordem das relações humanas ou a conduta de quem se ajusta a
essa ordem”72, possibilitando então a segunda, porém, a justiça “[...] não é um dom
gratuito da natureza humana, ela precisa ser conquistada sempre porque ela é uma
eterna procura”73, donde conclui-se que a imparcialidade processual é uma forma de
se atingir também felicidade, em sentido amplo, buscada com a força da espada74, tal
qual na “luta pelo Direito” preconizada por Ihering.
O processo penal, à luz dessa temática, deve ser pensado como um meio, um
instrumento que assegura a justiça e a imparcialidade, e não um fim em si mesmo,
uma causa cuja consequência natural seja a condenação, mesmo porque “[...] não
raro que o processo criminal é mais danoso para o acusado que a própria
condenação”75, o que fere nuclearmente a dignidade do acusado, que deveria ser o
principal ator desta relação e “[...] o único valor da Civilização que deveria ser
68LOPES JUNIOR, 2013. p. 164-165. 69LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010. 70IMPARCIAL. In: DICIONÁRIO do aurélio. [S.l.: s.n.], 2018. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/imparcial>. Acesso em: 18 ago. 2018. 71MAGRO, Maíra; BASILE, Juliano. Direito à Felicidade. Os Constitucionalistas, [S.l.], mai. 2012. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/direito-a-felicidade>. Acesso em: 5 abr. 2019. 72ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 211. 73SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do Advogado. 5. ed. Rio de Janeito: Thex / Bib. Da Univ. Estácio de Sá, 1996. 74IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 27. 75GUIMARÃES, Cláudio A. G. Constituição, Ministério Público e direito penal: a defesa do estado democrático no âmbito punitivo. Rio de Janeiro: Revan, 2010. p. 235.
20
protegido”76. Um processo penal imparcial é uma garantia Constitucional, o que não
implica em impunidade, mas com vistas a que o “processo é o caminho legítimo para
a pena”, cuja legitimidade advém do seu seguimento estrito das regras processuais77.
A relação entre imparcialidade e justiça é estreita. Segundo o Dicionário de
Filosofia, ambos são conceitos mais perceptíveis por via indireta, a saber, mais fácil
compreender a imparcialidade na ausência desta – a parcialidade – assim como é
mais fácil entender a justiça na sua ausência78. Seja como signo principal ou como
status de paradigma, acertadamente a mesma obra define imparcial como “elemento
da estrutura do juízo” e não sem razão que a imparcialidade é dita conditio sine qua
non da própria justiça, haja vista ser impensável, de acordo com Paulo Barreto, um
resultado justo, se fosse parcial79.
Há de se destacar também a conexão entre imparcialidade e o princípio da
proporcionalidade, com fulcro na justiça distributiva aristotélica, pois se aquele que
julga realiza atividade baseada na cognição, a tomada de decisão, portanto “[...] só
pode ser considerada justa se imparcial”, entendimento este que tem amparo nas
palavras de Magalhães Filho, que citando o próprio Aristóteles, assevera ainda que o
equilíbrio é atingido entre os desiguais, através da equidade80, e neste viés, como
condição superiora à própria justiça, dada sua importância:
É que a equidade, mesmo sendo superior a um certo tipo de justiça, é, em si mesma, justa; quero dizer, que não é superior à justiça, no sentido de que ela representaria uma realidade diferente. Assim, justo e equitativo são uma só e mesma coisa, são ambos bons, ainda que o equitativo o seja de maneira superior.81
Entendida a relação processual penal como sendo aquela entre defesa,
acusação e juiz, e sendo estes dois últimos representantes diretos do Estado, tem-se
que a defesa é uma parte notoriamente mais frágil no embate da paridade de armas.
Esta premissa tem assento nos ensinamentos do professor Luiz Antônio Câmara, o
qual elucida que “não há outro momento em que o indivíduo esteja tão submetido ao
76CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. 2. ed. Campinas: Russel, 2009. p. 47. 77LOPES JUNIOR, 2012. p. 72. 78BARRETO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2006. p. 463. 79Ibid., p. 463. 80MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica Jurídica Clássica. 2. ed. Santos: Mandamentos, 2003. p. 85. 81MAGALHÃES FILHO, op. cit., p. 95.
21
Estado, quando réu em uma ação penal”82, o que revolve à equidade como meio de
se atingir a justiça, já que esta relação entre os atores se mostra díspar.
A imparcialidade reside exemplarmente no âmbito jurídico83 e na esfera da
Jurisdição, onde a vontade dos particulares, lembra-se, foi substituída pela
capacidade do Estado de resolução do conflito, que, por consequência do que foi
teorizado, deve ocorrer também de forma imparcial84.
Nesta seara, imparcialidade pode ser definida, além das acepções e conceitos
já exarados, como um princípio geral, que, conforme Miguel Reale, são enunciações
normativas de valor genérico, que condicionam e orientam o Ordenamento Jurídico85,
complementado pela definição de Robert Alexy, para o qual o princípio é uma norma
que permite a completude na aplicação, tanto jurídica quanto fática, já que são
mandados de otimização, inclusive para controlar a ação discricionária86. Os
princípios, e estritamente a imparcialidade, surgem também como como forma de
controle do poder de decidir, limitando a discricionariedade87, além de sua ligação
indissociável a diversos outros princípios.
Não há como desconectar, a exemplo, a imparcialidade da ideia de igualdade
processual, vide ensinamentos de Alexandre Knopfholz, citando Bonfim, “é a medula
do devido processo legal”88, bem como de outros princípios processuais penais como
da humanidade da pena, da legalidade, do juiz natural, do devido processo legal, da
publicidade, do contraditório, da ampla defesa, do duplo grau de jurisdição, da verdade
real, da iniciativa das partes89.
Tourinho Filho considera “excelente garantia para impedir julgamentos
parciais”90 ao mencionar o princípio do livre convencimento, pois, para ele, o “processo
é o mundo para o juiz” e nada além deste poderia “existir” para influenciar o juiz, o
82CAMARA, Luiz Antônio. Medidas Cautelares Pessoais: prisão e liberdade provisória. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 35. 83MAGALHÃES FILHO, 2003.p. 463. 84CINTRA, Antônio C. A.; GRINOVER, Ada P.; DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 147. 85REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p 304. 86ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 81. 87GRANDO, Artur Antônio. O princípio da imparcialidade como limite ao exercício do poder discricionário. Revista de Estudos Jurídico-Políticos, n. 18/21, 2012. Disponível em: <http://revistas.lis.ulusiada.pt/index.php/polis/article/view/98/93>. Acesso em: 29 nov. 2018. 88KNOPFHOLZ, 2013. p 160. 89ARAS, Vladimir. Princípios do Processo Penal. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2416>. Acesso em: 31 jan. 2019. 90TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 41.
22
que, novamente, culmina com as palavras de Cintra, Grinover e Dinamarco91, para os
quais a imparcialidade se reflete em garantia de justiça, provida pelo poder Estatal
através da figura do Juiz, representando um terceiro, para que isso se consubstancie.
Alexandre Knopfholz, citando Nery Junior, sustenta que o devido processo legal
seria uma espécie de preceito fundamental aos demais princípios e garantias
processuais de 1ª dimensão, um “gênero de todas as espécies”92 da qual fatalmente
seria derivada também a imparcialidade.
Mais pragmáticos, outros autores a exemplo de Aury Lopes Jr., cravam que a
imparcialidade é o “Princípio Supremo do Processo”93, parafraseando conceito
cunhado por Werner Goldschmidt, autor do qual emana a ideia de que, em que pese
coisas distintas, ser imparcial e ser parte, “quase nunca na vida e na ciência, se
confiará na imparcialidade de uma parte”94. Traz importante contribuição o estudo
desse autor, pois, para ele, a imparcialidade não pode ser tratada como mera
formalidade, e sim, com fulcro na análise material da relação entre o juiz e o ato
processual praticado, sempre orientado à verdade95.
O mesmo autor retrata imparcial como “não ser parte”, bem como “estar além
do interesse das partes”, de onde adviria a verdade, fruto da heterotutela estatal96.
Pierro Calamandrei afirma:
Imparcial deve ser o juiz, que está acima dos contendores; mas os advogados são feitos para serem parciais, não apenas porque a verdade é mais facilmente alcançada se escalada de dois lados, mas porque a parcialidade de um é o impulso que gera o contra-impulso do adversário, o estímulo que suscita a reação do contraditor e que, através de uma série de oscilações quase pendulares de um extremo a outro, permite ao juiz apreender, no ponto de equilíbrio, o justo.97
Imparcialidade também é defina em termos absentistas, como na descrição de
Trujillo, que assinala a ausência de paixão, sendo imparcial “o juízo realizado por uma
pessoa que se mostra objetiva, desapaixonada, que não favorece (por interesse ou
91CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2009. p. 54. 92KNOPFHOLZ, 2013. p. 112. 93LOPES JUNIOR, 2017. p. 156. 94MAYA,2011. p. 62. 95Ibid., p. 64. 96GOLDSCHMIDT, Wener. La imparcialidad como principio básico del processo. Conduta y norma. Buenos Aires: Valerio Abeledo, 1955. p. 133. 97CALAMANDREI, 2013. p. 129.
23
simpatia) a nenhuma das partes” (tradução nossa)98, maneira esta que se coaduna
com requisito desejável, descrito por Aury Lopes Jr. como “estado anímico do
julgador”99.
2.1.4 Recorte Histórico da Imparcialidade
Para melhor compreensão do contexto e do recorte o qual se analisa o Direito
e a imparcialidade nele inserida, nada mais compreensível do que olhar para trás:
estudar a história do Direito, e não a desprezá-la é deveras sensato, pois, nas palavras
de Ricardo Marcelo Fonseca, é a própria linha histórica o que delimita os contornos
do mundo e da ciência, e não as ciências que se fixam por si sós:
[...] ninguém melhor que o próprio historiador pode perceber como o privilégio que em determinada época se dá a uma dada abordagem ou a uma determinada “ciência” (ou a um ramo seu) é ligado a práticas, a lutas, a interesses, e, enfim a fatores eminentemente históricos (portanto mundanamente provisórios) que nada têm a ver com a imposição “em si” de alguma ideia intrinsecamente ligada à essência dessa “ciência”.100
Paolo Grossi, um expoente do Direito italiano, corrobora tal pensamento, pois
destaca já ter percebido que as certezas foram, ao longo de muitos anos,
sedimentadas no coração do jurista moderno, que as aceitou de forma submissa, pois
tais verdades foram fundadas em um belo projeto de mitificação, “de absolutização de
noções e princípios relativos e discutíveis”, que induz esse mesmo jurista a aceitar
como dogmas questões que deveriam ser discutíveis, mudando o prisma de “um
mecanismo de conhecimento a um mecanismo de crença”101.
Entender o contexto de surgimento dos conceitos reflete diretamente na
importância da aplicação contemporânea, para que haja uma avaliação se subsistem
as razões fundantes daquele conceito, já que a análise sem a devida historização
pode ser perniciosa, como explanou Paolo Grossi, e como complementa Alexandre
98"[...] el juicio realizado por una persona que se muestra objetiva, desapasionada, que no favorece (por interés o simpatía) a ninguna de las partes.” TRUJILLO, I. Imparcialidad. Cidade do México: UNAM, 2007. 99LOPES JUNIOR. A. Introdução Crítica ao Processo Penal – Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 100FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução Teórica à História do Direito. Curitiba: Juruá, 2012. p. 22. 101GROSSI, Paolo. Mitologias Jurídicas da Modernidade. Tradução de Arno Dal Ri Junior. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p. 73-74.
24
Knopfholz, mencionando a capacidade do ser humano em “hiper acreditar”, neste
caso, se referindo aos contornos do conhecimento científico102.
Uma grande mudança de paradigma, bem como um marco significativo sobre
a evolução do que hoje se entende como “processo” penal, ocorre, pragmaticamente
falando, quando é superado o modelo que foi o “grego arcaico”, cuja aferição de
verdade jurídica ocorria pelo embate entre dois guerreiros103, mas com uma verdade
já prévia e revelada pelos Oráculos, como no caso em que Tirésias sabia antes de
todos que fora Édipo quem matou Laio104, na obra trágico-grega de Sófocles, de
aproximadamente 400 a.c.
Passando à Idade Média, onde não havia ação pública, existe o acusador e o
acusado, que lutam de forma “ritualizada”, sendo o Direito “uma forma regulamentada
de se fazer a guerra entre os indivíduos e não, como se poderia supor hoje, o modo
de se alcançar justiça ou paz”105. Nesta dinâmica, existia a possibilidade de um
acordo, calcado na quantia financeira que emplacaria no resgate da paz. Não havia
juiz buscando a verdade e nem era esse o objetivo, pois como destaca Foucault: “uma
pesquisa da verdade nunca intervém em um sistema deste tipo”106.
Ainda, em meados do Século XII, segundo o mesmo autor, surge uma nova
forma de justiça e procedimento judiciários107, fundada na forma racional de busca da
verdade: o inquérito. Não que esse tenha sido resultado da racionalização dos
procedimentos judiciários ao longo do tempo, mas sim, foi o contexto de
transformação política que fez necessária esta nova abordagem108 já que ligada mais
às formas de poder, pois “não é o progresso da razão ou refinamento do
conhecimento” que dá conta da racionalidade do inquérito109. O Inquérito rearranjou
todas as práticas judiciárias, da época clássica à moderna da Idade Média.
Cabe destacar a força desse poder transformador, identificado por Foucault em
outra obra, já que há vínculo entre o saber com as relações de poder, sendo que a
primeira se coliga à segunda, já que tais relações, conforme explica Ricardo Fonseca,
102KNOPFHOLZ, 2013. p. 102. 103FONSECA, 2012. p. 125. 104FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 2005. p. 35. 105FONSECA, op. cit., p 126. 106FOUCAULT, op. cit., p. 58. 107FONSECA, op. cit., p. 126. 108FOUCAULT, op. cit., p. 72. 109FONSECA, op. cit. p. 126.
25
“se encarnam às Instituições para poderem veicular seus feitos”110. O autor francês foi
emblemático ao tratar da temática, pois conforme suas palavras: “[...] creio, é que a
verdade não existe fora do poder ou sem poder [...]. A verdade é deste mundo; ela é
produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de
poder”111.
Do inquérito surgem relevantes características112: indivíduos não mais
autorizados a resolverem seus conflitos, sendo submetidos a um poder exterior; surge
a noção de “infração” em lugar ao “dano”. A vítima agora é a lei e não o adversário;
surge o representante do poder lesado, o procurador, que agora “dubla” a vítima; por
fim, emerge o soberano, a figura pública que se apropria da jurisdição, mais tarde
constituído em Estado Moderno.
Cabe destacar que, conforme leciona Miguel Reale113, o momento que
antecedeu o surgimento do Inquérito, o período do Direito Medieval, durou quase um
milênio, com base em costumes e regionalismos, sendo que somente no século XI
retornou-se à tradição científica romana, através dos glosadores e seu “empirismo
analítico”.
Ainda, com o fito de compreender o caminhar da transição dos costumes pelo
“primado da Lei” – ou pelo common law – cita-se a escola dos comentaristas, que
estruturaram uma compreensão racionalista do Direito, na época do Renascimento e
das grandes descobertas114.
Já, na época moderna, o homem é impulsionado pelas aventuras que fazia
pelos mares e pela fixação do domínio da natureza. A vida municipal já não bastava
e surgem as grandes Nações Modernas, como a espanhola e a francesa. Aqui, o
direito costumeiro já não bastava mais, e surge a necessidade pelos reis de coordenar
e ordenar leis dispersas, ainda que fossem desconexas e particularistas115, no que
ficaram conhecidas como Ordenações, que consolidavam leis e normas
consuetudinárias, como por exemplo as Afonsinas, de 1446, e Manuelinas, de 1512.
Este elemento fundamental da vida jurídica moderna – as ordenações –
surgidas no século XV, vigeram até o século XVIII, quando se pensou em “lançar a
110FONSECA, 2012. p 121. 111FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 8. Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986. p. 10. 112FONSECA, op cit. p. 128. 113REALE, 2002. p. 120. 114Ibid., p. 121. 115Ibid., p. 123.
26
base de uma ciência jurídica de caráter puramente racional”116, nos moldes
jusnaturalistas de direito “ideal”, apegada ao fatual. Nesta concepção de pensamento
surgem teorias como a de Rousseau, que visavam atingir o Direito de uma forma
abstrata, sendo o costume colocado em segundo plano e entende a lei como
“expressão racional de uma vontade coletiva”117.
Merece destaque o surgimento do Positivismo, cujas premissas
epistemológicas, advindas de Augusto Comte, tornar-se-iam os pilares da ciência
moderna, de forma que não pode ser furtado da análise da estruturação das diversas
áreas das ciências humanas118.
A análise do positivismo deve ser compreendida em um contexto de “ambiente
liberal” e “pós revolucionário”119, e conforme explica Miranda Afonso, a acepção
decorre do termo “positivo”, que nas ciências humanas “representa a tentativa de se
estender a elas o método experimental, em rejeição ao racionalismo e ao
naturalismo”120. Assevera Mata-Machado, que positivistas seriam todos aqueles que
se especializaram no estudo de normas limitadas no tempo e espaço, como Sócrates,
os epicuristas, os glosadores, Hobbes, Savigny e escola da Exegese121.
Antônio J. Severino destaca sua importância daquela escola à medida que o
movimento “adequou-se perfeitamente à apreensão e ao manejo do mundo físico,
tornando-se, assim, paradigmático para a constituição das ciências, inclusive
daquelas que pretendiam conhecer também o mundo humano”122.
O ambiente pós-revolucionário de que trata Ricardo Marcelo Fonseca é a
Revolução Francesa do século XVIII, que é pragmática e resumidamente bem
explicada por Miguel Reale como sendo um momento de onde se viu a necessidade
de um direito nacional e único, e não mais o direito de classes de outrora: um para a
plebe outro para a nobreza123. Tal realidade histórica representa o princípio da
igualdade perante a lei.
116REALE, 2002. p. 151. 117Ibid., p.152. 118FONSECA, 2012. p. 40. 119Id. 120MIRANDA AFONSO, Elza Maria. O positivismo na epistemologia jurídica de Hans Kelsen. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1984. p. 52. 121MATA-MACHADO, Edgar de Godoi. Elementos de teoria geral do direito. Belo Horizonte: Líder, 2005. p. 137. 122SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2007. p. 118. 123REALE, op. cit., p.152.
27
O positivismo de Comte pode ser interpretado como a forma positiva de estudar
o Direito, ou seja, juristas comentando a Lei não como um simples método, mas com
“a redução do direito à lei”124.
Augusto Comte e o positivismo filosófico se acoplam na corrente do Realismo,
na qual o sujeito não interfere na realidade (o objeto), que, aliás, existe de per si,
independentemente da observação e do sujeito. Essa corrente é contraposta pelo
Idealismo, que vê a existência do objeto condicionada pelo sujeito. Tal premissa
realista, a da distinção entre sujeito e objeto, é fundamental para que “a operação do
conhecimento possa se ater unicamente ao objeto”, sendo que este ocupa um lugar
central no processo de cognição, ao passo que o sujeito não deve interferir no objeto,
sob pena de não tornar objetiva a operação cognitiva 125, o que se coaduna com as
pretensões das ciências, e a do Direito estritamente.
Assentadas tais premissas, tem-se que o positivismo afirma que o
conhecimento é capaz de apresentar o objeto como ele é, e não “representá-lo”, o que
significa que o sujeito apenas deve seguir os passos, para que ao final exista um
resultado – otimista – e metodologicamente, refletido apenas no que é o objeto em
si126.
O positivismo, enquanto pressuposto e influenciador das Ciências Sociais,
acreditava em leis invariáveis de funcionamento da sociedade, tal qual a lei da
gravidade, o que torna possível a cientificidade das Ciências. Ora, descobrindo-se as
leis sociais, seu estudo tornar-se-á tão seguro quanto a física ou a química127 e se a
sociedade pode ser estudada tal qual uma ciência, analisar uma reação química ou
um comportamento humano, enquanto objeto, são possíveis. “As ciências humanas,
assim, nascem a partir do modelo epistemológico das ciências naturais”128.
Decorrente dessa construção e respeitando os pressupostos, é imperativo que
se possa ilimitadamente explorar sobre um conhecimento objetivo, livre de juízos de
valores e ideologia, o que se traduz num princípio da neutralidade axiológica das
ciências humanas129, possível graças a um procedimento metodológico e controlado:
124MIRANDA AFONSO, Elza Maria. O positivismo na epistemologia jurídica de Hans Kelsen. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1984. p. 53. 125FONSECA, 2012. p 45. 126Ibid., p. 46. 127Ibid., p. 49. 128Ibid., p. 49. 129Ibid., p. 50.
28
o positivismo. Não deixa de ser passível de crítica a dita neutralidade, uma vez que,
conforme anunciava Boaventura, esta jamais seria alcançável130.
Toda base positivista foi fundamental para que Kelsen consolidasse a própria
ciência do direito, já que em sua Teoria pura do Direito busca exatamente em bases
positivistas131 os contornos para a definição dos limites do objeto do conhecimento
jurídico. Se o conhecimento verdadeiro em Kelsen só pode ser alcançado pela
observação e inferência da realidade132 e esta fica reduzida ao campo da
comprovação, o conhecimento jurídico, para ser científico, torna-se uma descrição da
realidade jurídica, da qual decorre a negação do direito natural, a negação de critérios
objetivos de valores no direito e a negação de um critério objetivo de justiça133.
Kelsen, que com sua teoria “foi para os estudos jurídicos do século XX a
expressão máxima do pensamento moderno”134, foi influenciado pelo positivismo
lógico do Círculo de Viena, movimento que buscava o paradigma da “verdadeira
ciência”. O positivismo jurídico, aliás: “[...] supõe um intento de extrair consequências
filosóficas dos métodos próprios das ciências físico-matemáticas” (tradução nossa)135
ou nas palavras do próprio Kelsen:
A ciência jurídica procura apreender o seu objeto “juridicamente”, isto é, do ponto de vista do Direito. Apreender algo juridicamente não pode, porém, significar senão apreender algo como Direito, o que quer dizer: como norma jurídica ou conteúdo de uma norma jurídica, como determinado através de uma norma jurídica.136
Assim, o Direito atinge status de ciência jurídica, com a segurança almejada
pela modernidade e com base no paradigma de contrariedade aos costumes. Com
um direito avalorativo e hierarquizado, serão agora as codificações os instrumentos
que irão garantir o funcionamento desta ciência, pois são consequência direta da
racionalidade137, que embasa agora a ciência jurídica, cujo marco fundamental de
130SANTOS, Boaventura de Souza. Crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortêz, 2000. p. 45. 131MIRANDA AFONSO, 1984, p. 48. 132Ibid., p.181. 133Ibid., p.181. 134KNOPFHOLZ, 2013. p. 86. 135“[...] supone un intento de extraer consecuencias filosóficas de los métodos propios de las ciencias físico-matemáticas.” (MIRETE, José Juis. La utilización de la razón e el positivismo jurídico. Murica: Diego Marin, 2007. p. 126). 136KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 79. 137KNOPFHOLZ, op. cit., p. 87.
29
codificação foi o Código de Napoleão de 1804, em que pese a existência de outros no
século XVIII, como o prussiano138.
O código francês representou um “direito certo para todos e suscetível de
indagação lógica e segura” e foi assim que a Ciência do Direito encontrou seu objeto,
através de sistematização e lógica capazes de oferecer “interpretação, construção e
compreensão unitárias” de acordo com princípios de caráter geral139.
Para Trujillo, a imparcialidade é um princípio normativo indeterminado, um valor
central, uma regra de uma ética fundada sobre o respeito às pessoas em função da
sua igual dignidade140, de onde pode-se deduzir que, neste recorte histórico, a
imparcialidade é um dos princípios gerais anunciados por Reale, uma vez que ela
deriva da igualdade141, que é o princípio que legitima em alguma medida o poder
democrático142, ainda que deontologicamente, para não permitir tratamentos
discriminatórios, consagrando a dignidade apresentada por Trujillo.
O surgimento do poder jurisdicional como atualmente é concebido, se deu em
meados dos séculos XVII e XVIII, quando a evolução científica levou a passagem do
homem-fora-do-mundo para o homem-no-mundo143 e dali derivaram também, como
consequência, o surgimento de direitos individuais, cuja necessidade de proteção deu
ensejo à criação do que hoje se concebe por Poder Judiciário, na época um terceiro,
alheio à vontade das partes e cuja atribuição se restringia à aplicação literal da lei
positivada – juiz boca da lei144.
É como ensina Fabrício Pozzebon:
[...] a concepção do Judiciário como um poder neutro, utilizado como sinônimo de imparcial, determinou o modelo de atividade jurisdicional que, surgido no séc. XVIII, perpassou os séculos XIX e XX, e ainda se faz presente nos dias de hoje.145
138REALE, 2002. p. 152. 139Ibid., p. 153. 140TRUJILLO, 2007. 141TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 260. 142BARRETO, 2006. p. 456. 143DUMONT, L. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. 144POZZEBON, F. D. A. Reflexos da crise do conhecimento moderno na jurisdição: fundamentos da motivação compartilhada no processo penal. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. 145Ibid., p. 134.
30
O contexto precedente ao das ideias liberais era o do Estado Absolutista, com
ações arbitrárias que violavam o indivíduo, como por exemplo, em razão de sua classe
social - onde os súditos jamais eram considerados como os integrantes da corte – foi
o que culminou com o paradigma de que a desigualdade não se fazia mais possível
e, ao invés dos privilégios, o tratamento igualitário146.
Se o Estado é quem aplica a Lei, sendo um intermediário do Direito, sua
manifestação deve considerar o ideal de igualdade daquele período, por isso, todos
são iguais perante a lei147, de onde se deduz que devem ser tratados com
imparcialidade, para que tal preceito se perfectibilize.
É o que afirma Aury Lopes Jr, ao situar jurisdição penal, cuja função precípua
é de garantia, indo muito além do poder-dever do juris dictio, na qual caberá ao juiz,
imparcial, investido e competente, ser o guardião da eficácia deste sistema148.
2.1.5 Imparcialidade Não se Confunde com Neutralidade
Incorre em erro quem alega que o juiz é neutro149, pois é possuidor de toda
uma sua carga axiológica, ideológica, política, religiosa, entre outras.
Neutralidade, segundo dicionário, seria a qualidade da pessoa que julga com
neutralidade e justiça, ou ainda imparcialidade150, acepções que também não são as
mais representativas do seu real significado, pelo menos do ponto de vista jurídico.
Imparcial, como já demonstrado em outro tópico, é uma das formas de garantir o
exercício pleno do princípio do contraditório e, por conseguinte, do devido processo
legal, como indicam Cintra, Grinover e Dinamarco, uma vez que “O princípio do
contraditório também indica a atuação de uma garantia fundamental de justiça”, e
destacam ainda que:
O juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas equidistante delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra; somente assim se dará a ambas a possibilidade de expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir sobre o convencimento do juiz. Somente
146BARRETO, 2006. p. 457. 147Id. 148LOPES JUNIOR, 2017. p. 139. 149GIACOMOLLI, Nereu J.; DUARTE, Liza B. O mito da neutralidade na motivação das decisões judiciais: aspectos epistemológicos. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 33, n. 102, p. 290, jun. 2006. 150IMPARCIALIDADE. In: DICIO – dicionário online de português. [S.l.: s.n.]. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/imparcialidade/>. Acesso em: 5 abr. 2019.
31
pela soma da parcialidade das partes (uma representando a tese e a outra, a antítese), o juiz pode corporificar a síntese, em um processo dialético.151
Ainda, a imparcialidade, como amplamente destacado em tópico oportuno,
também possui um viés técnico de regramento com o fito de garantias processuais.
Sobre a neutralidade das decisões específicas dos juízes, Duarte e Giacomolli
destacam que ela se distancia, e muito, da imparcialidade, pois “[...] O sentido da
compreensão não acontece sem a sobreposição sobre o objeto a ser analisado, sem
a vivência do ser com seu entendimento singular, pousado sobre a realidade”152 de
onde se faz inferência que ninguém é isento de suas experiências pessoais,
influências culturais, sociais, políticas ou quaisquer outras.
Portanova153 diferencia ambas, atribuindo à imparcialidade uma dimensão
objetiva-processual, associada à condição de juiz-homem-indivíduo, enquanto a
neutralidade é questão subjetiva, relacionada à condição de juiz-cidadão-social.
Como destaca Aury Lopes Jr, neutralidade e imparcialidade não se confundem:
O juiz-no-mundo não é neutro, mas pode e deve ser imparcial, principalmente se compreendermos que a imparcialidade é uma construção técnica artificial do direito processual, para estabelecer a existência de um terceiro, com estranhamento e em posição de alheamento em relação ao caso penal (terzietà), que estruturalmente é afastado. É, acima de tudo, uma concepção objetiva de afastamento, estrutural do processo e estruturante da posição do juiz.154
Ensina o mesmo autor que a neutralidade, que seria mais um dos “mitos
modernos”, tem um quê de ficção, tal qual a imparcialidade, pois é de uma objetividade
impossível de ser alcançada na relação sujeito-objeto, sem contar a influência do
inconsciente. O juiz pode até ignorar os fatos, mas não é neutro155, em razão de todas
as esferas que permeiam a sua vida.
Eugênio Raul Zaffaroni, citado por Leite Sampaio, já ensinava que “[...] não
existe neutralidade ideológica - sociológica, epistemológica e psicológica - salvo na
151CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1993. p. 53. 152GIACOMOLLI; DUARTE, 2006. p 287. 153PORTANOVA, R. Princípios do Processo Civil. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. 154JUNIOR, Aury Lopes. Teoria da dissonância cognitiva ajuda a compreender imparcialidade do juiz. Conjur, [S.l.], jul. 2014. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-jul-11/limite-penal-dissonancia-cognitiva-imparcialidade-juiz>. Acesso em: 2 nov. 2018. 155GIACOMOLLI; DUARTE, op. cit., p. 290.
32
forma de apatia, irracionalismo ou decadência do pensamento, que não são virtudes
dignas de ninguém e menos ainda de um juiz”156.
A explicação para este fenômeno, segundo Nilo Barros de Brum, tem raízes
como um reflexo ao período absolutista que precedeu à Revolução Francesa, sendo
também uma consequência deste movimento:
Os juristas da revolução sabiam de que nada adiantariam as novas leis se aos juízes se permitisse reimplantar os valores da aristocracia através da interpretação judicial. O Código de Napoleão surge, pois, como um sistema jurídico completo, claro, preciso e fechado. Tal codificação, à semelhança da geometria euclidiana, não era para ser interpretada, mas aplicada mecanicamente. Para isto, a Escola Francesa da Exegese haveria de reafirmar o antigo mito de neutralidade judicial, pois, se os juízes possuíam de modo geral uma ideologia antagônica à da nova legislação, era necessário dobrá-los à vontade dos legisladores, era preciso anular sua liberdade de interpretação. Essa neutralidade foi buscada (e até certo ponto obtida) graças à concepção de que a sentença constitui um silogismo pelo qual o juiz aplica o direito (vontade do legislador) ao caso concreto. A lei como premissa maior, o fato como premissa menor e o juiz como elemento neutro, haveriam de constituir os ingredientes da conclusão desejada pelos legisladores.157
A neutralidade surgiu então, como grau máximo do formalismo praticado pela
escola da Exegese, que não deixava de ser também uma forma de eximir da
responsabilidade os juízes, já que, neutros, somente seguiam expressamente o que
designava o legislador158.
O objetivo do surgimento do conceito, pela diversidade de aspectos já
contrapostas, mostra-se de eficácia infrutífera e de certa forma mais um dos mitos
jurídicos, pois o juiz, para que efetivamente possa prover a justiça, deve estar inserido
na realidade do mundo, como destaca Francisco Bemfica, pois o fim a ser atingido
não é o da mera aplicação da lei em um processo, mas a atuação para o fim de uma
decisão justa159, donde se infere que, além de desnecessária é indesejada, tal qual a
parcialidade, a neutralidade é puramente teórica.
156ZAFFARONI, apud SAMPAIO, José Adércio Leite. Constituição e crise política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 456. 157BRUM, Nilo Barros de. Requisitos teóricos da sentença penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1980. p. 17. 158Id. 159BEMFICA, Francisco Vani. O Juiz. O promotor. O advogado. Seus poderes e deveres. Rio de Janeiro: Forense,1983. p. 28.
33
2.2 TEORIAS E DEFINIÇÕES SOBRE A IMPARCIALIDADE
Como o tema demanda análise complexa e possui correlação a outras áreas
do conhecimento, é necessária uma visão de perspectivas além das jurídicas, apesar
de correlacionadas ao mundo do Direito, para que se compreenda de forma mais
ampla a imparcialidade, ou não, dos julgadores.
2.2.1 Imparcialidade Sob a Ótica Interdisciplinar
No que se refere a aspectos interdisciplinares, como a filosofia, sociologia,
psicologia, psicanálise, dentre outras, a imparcialidade é estudada por diversos
autores, pois, como bem destacou Michele Taruffo, há uma imensidão de fatores
coligados à tarefa de decidir:
[...] Em grande parte o raciocínio do juiz não é regido por normas nem determinados por critérios ou fatores de caráter jurídico .[...] é fácil verificar que o juiz, ao formular o raciocínio que se conclui com a decisão, e mesmo quando justifica esta, emprega, como se costuma dizer, o material e as formas mais díspares e heterogêneas: linguagem técnica e linguagem comum, esquemas e modelos de argumentação, formas dedutivas, juízos de valor, instrumentos de persuasão retórica, conhecimentos de variada natureza, regras éticas e de comportamento, interpretações, escolhas de diversos gêneros etc.. Trata-se, pois, de um raciocínio estruturalmente complexo e heterogêneo, no qual se encontram e se baralham diversas dimensões lógicas, lingüísticas, cognoscitivas e de argumentação.160
De tal assertiva, se conclui válido e necessário o entendimento do processo de
tomada de decisão por vias que não sejam somente as da ciência jurídica, porém,
cabe, de início, apontamento de Ricardo Lorenzetti, que ressalta a argumentação no
processo científico da tomada de decisão, sendo imprescindíveis, segundo o autor, a
argumentação aliada à dedução:
O direito é uma ciência de problemas e não meramente especulativa; a tarefa do juiz é o exercício da prudência e não a especulação; a prudência é baseada no raciocínio argumentativo; argumentar é convencer um auditório imaginário, ou seja, a quem é destinada a decisão.161
160TARUFFO, Michele. Senso comum, experiência e ciência no raciocínio do juiz. Tradução de Cândido Rangel Dinamarco. Curitiba: Ed. IBEJ, 2001. p. 7. 161LORENZETTI, Ricardo Luís. Teoria da decisão judicial: fundamentos de Direito. 2 ed. Tradução de Bruno Miragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 178.
34
O autor se baseia na Teoria da Argumentação jurídica de Chain Perelman,
segundo o qual o juiz não deve ficar adstrito somente à letra fria da lei, já que “a
natureza das coisas obriga a conceder-lhe um poder criativo e normativo no domínio
do direito”162, mas, que no entanto, alerta que a despeito de tal poder criativo, há de
se cumprir os requisitos de uma sentença:
O juiz ao decidir em um processo utiliza no seu psicológico intuito de ordem moral, política e até simpatia que pode sentir por uma das partes, mas a motivação da sentença nunca poderá se limitar à explicitação dos intuitos, já que a sua função é tornar a decisão aceitável por juristas e pelas instâncias superiores. A decisão além de equitativa deve ser conforme o direito em vigor.163
Sendo a sentença a “expressão final” de um processo penal, cujo objetivo é a
busca da verdade real164, ela pode então ser sintetizada como um processo de
construção de conhecimento, o qual René Descartes, crente na metodologia
matemática, teceu bases a demonstrar que um método seria imprescindível para o
alcance desta verdade165, e tal dinâmica seria baseada em regras simples que,
quando observadas, não permitiriam falseamento, e assim, seria atingido o
conhecimento verdadeiro166.
A lógica cartesiana fundamentou uma ciência jurídica baseada em silogismos,
reduzindo a busca da verdade ao processo decisório, tornando a aplicação da lei uma
sistemática fechada e completa, ou como resume Alexandre Moraes da Rosa,
“pensado de forma platônica e metafísica, hierárquico, piramidal, verticalizante e
simplista, daí seu efeito cativante”167.
Ocorre que tal paradigma de verdade real já foi contestado há muito, a exemplo
de Kant, que citado por Lucien Jerphagnon, expressava que a verdade não era um
objeto, mas um sistema de relações existente enquanto fenômeno da criação humana,
e não existente em si mesma, pois sempre submetida ao conhecimento humano168.
162PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. Tradução de Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 203. 163Ibid., p. 223. 164RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 2ª Câmara Criminal. COR: 70057088304. Rel. Des. Lizete Andreis Sebb. 2013. 165JERPHAGNON, Lucien. História das grandes filosofias. Tradução de Luís Eduardo de Lima Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 139-142. 166DESCARTES, René. Regras Para a Direção do Espírito. Lisboa: Edições, [19--]. p. 8. 167ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: A bricolagem de Significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 171. 168KANT, apud JERPHAGNON, 1992, p. 181-182.
35
Os ensinamentos de Kant, de que o objeto está submetido ao sujeito, permite
cotejo às colaborações de Emile Durkheim, este ocupado em criar uma metodologia
que trata da complexa relação entre o sujeito, (um juiz), e o objeto (a verdade de um
processo), uma vez que as sentenças criminais podem ser consideradas como
“fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os
concebem”169, em uma dinâmica distinta da lógica cartesiana, entendimento este que
é corroborado por Jean-Paul Sartre, que, igualmente, admite existir interferência
subjetiva diante da busca e construção de conhecimento170.
A fim de espancar qualquer dúvida acerca da superação do paradigma
simplista perpetrado por Rene Descartes, ressalta-se o ensinamento trazido por
Francis Bacon, que afirma que das vontades e dos sentimentos resultam
conhecimento humano não límpido171:
O intelecto humano não é luz pura, pois recebe influência da vontade e dos afetos, donde se poder gerar a ciência que se quer. Pois o homem se inclina a ter por verdade o que prefere. Em vista disso, rejeita as dificuldades, levado pela impaciência da investigação; a sobriedade, porque sofreia a esperança; os princípios supremos da natureza, em favor da superstição; a luz da experiência, em favor da arrogância e do orgulho, evitando parecer se ocupar de coisas vis e efêmeras; paradoxos, por respeito à opinião do vulgo. Enfim, inúmeras são as fórmulas pelas quais o sentimento, quase sempre imperceptivelmente, se insinua e afeta o intelecto.172
Thomas Khun constatou que sendo inidôneo o paradigma dominante, opera-se
uma crise que resulta em revolução científica, momento em que um paradigma novo
se sobrepõe ao antigo173, tal qual se observa na superação da lógica cartesiana, ideia
operada também por Eros Roberto Grau, que avulta que a interpretação do Direito
“[...] é algo – um “objeto” – que não pode ser conhecido independentemente de um
‘sujeito”174, delineando toda a pertinência do estudo em tela, haja vista desmistificar o
169DURKHEIM, Émile. A Regras do Métodos Sociológico. Tradução de Paulo Neves. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 28-29. 170SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo; A imaginação; Questão de método. Traduções de Rita Correia Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 154. 171BACON, Francis. Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. São Paulo: Nova Cultural, 1997. p. 17. 172Id. 173KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 125. 174GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 37.
36
juiz, humanizando-o175, dentro do que preconiza Hans-Georg Gadamer, ao ressalvar
que “o sujeito que compreende não parte do zero, mas, ao contrário, conta com toda
uma história que lhe caracteriza e o define como sujeito”176, citado por Alexandre
Morais da Rosa, deixando claro que na atividade jurisdicional existe de forma
inafastável o pré-conceito.
Merece destaque a observação trazida por autores que apontam falhas na
concepção do sistema processual atual, já que em tais procedimentos estaria sendo
negado “[...] ingenuamente o humano no juiz. Este agente político partícipe da vida
social sente (a própria sentença é um ato se sentir), age, pensa, e sofre todas as
influências provocadas pela sociedade pós-moderna”177, da mesma forma que narrou
José Saramago ao aclamar que “cada um de nós vê o mundo com os olhos que tem,
e os olhos vêem o que querem [...]”178.
A imparcialidade é aspecto primário de muitas pontuações filosóficas
suscitadas. De uma forma ou de outra, sempre que é feita alusão à atividade do
julgador, sendo dele esperado, senão exigido, que decida de forma a atender à lei e
às partes, sem olvidar-se de suas previas compreensões e conceitos.
Luigi Ferrajoli assevera que existe um campo de discricionariedade dos
julgadores, que pode ser convertida em arbitrariedade179, o que culmina em brechas
subjetivas, reconhecendo o quão específico é o objeto do estudo da busca da verdade
e aplicação do Direito, tornando, assim, impossível um sistema fechado por
completo180 no que tange à discricionariedade, mas somente mitigado em razão da
imparcialidade, que tem papel fundamental nesse contexto181.
Sem embargo de ser analisada sob o prisma das ciências sociais, cabe pontuar
algumas considerações sob aspectos das ciências biológicas, que complementam o
entendimento.
175LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 125-126. 176GADAMER, apud ROSA, 2006, p. 193. 177BIZZOTTO, Alexandre; JOBIM, Augusto; EBERHARDT, Marcos. Sistema Acusatório: (apenas) uma Necessidade do Processo Penal Constitucional. In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de (Org.); CARVALHO, Salo de (Org.). A Crise do Processo Penal e as Novas Reformas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006. p. 20. 178SARAMAGO, José. A jangada da pedra. Rio de Janeiro: Record-Altaya, 1980 apud ROSA, 2006. p. 27. 179FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 33. 180CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 69. 181BIZZOTTO; JOBIM; EBERHARDT. In: AZEVEDO; CARVALHO, op. cit., p. 24-25.
37
Marques Neto, citado por Alexandre Moraes da Rosa, trata de uma dimensão
do processo de tomada de decisão que é tão fundamental, ou mais, que a carga
valorativa ou as noções de pré-conceitos anteriormente delineadas:
Há essa dimensão que ultrapassa tudo aquilo que o sujeito pode pôr de intencionalidade no seu discurso. O inconsciente é uma referência a esse ultrapassamento, a isso que está para além do discurso. Toda a fala é acompanhada de um cortejo de silêncios, que tem uma enorme eloqüência. o que não se diz é frequentemente mais significativo do que o que se diz.182
Esse reconhecimento, de que aspectos inconscientes tem uma importância
ainda não mensurada a ponto de comprometer até mesmo a imparcialidade, é
atestado também por Rubens Casara quando exprime que “a importância da
psicanálise para desvelar os fenômenos jurídicos ainda não foi considerada com a
devida importância”183, o que é plausível e compatível com a opinião de Jürgen
Habermas, quando citou a colaboração de Freud, sobre o impacto de processos que
fazem com que o sujeito não tenha a devida noção de si mesmo, cunhando a
expressão ‘território estrangeiro interior’ significando ‘a exteriorização de algo que,
apesar disto, é parte constituinte do sujeito”184.
Restando clara a influência desse componente subjetivo, intrínseco a todos os
seres, inclusive o juiz criminal, tem-se que as decisões penais contrariam a
“epistemologia da Modernidade”, pois dotados de componentes não conscientes além
dos conscientes185, como o exemplo trazido pelo Realista Jerome Frank, de forma que
uma simples tosse ou um gesto de advogado ou testemunha podem alimentar os
vieses inconscientes, que estão constantemente funcionando e influenciando a
decisão do juiz186.
A título de exemplo, em pesquisa realizada durante praticamente 1 ano, foram
analisadas mais de 1000 decisões de pedidos de liberdade condicional (parole),
concedidas por 8 juízes israelenses. O que se percebeu foi que o percentual de
concessões de liberdade era de 65%, quando realizados imediatamente após as
182MARQUES NETO apud ROSA, 2006. p. 273. 183CASARA, Rubens R. R. Mitologia processual penal. São Paulo: Saraiva, 2015. p.11. 184HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e Interesse. Introdução e Tradução de José N. Heck. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 237. 185ROSA, 2006, p. 383. 186NOJIRI, Sergio. Decisão judicial. Enciclopédia jurídica da PUCSP, São Paulo, 1. ed., 2017. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/57/edicao-1/decisao-judicial>. Acesso em: 5 abr. 2019.
38
refeições, ao passo de praticamente 0%, em momento iminente ao das
alimentações187, demonstrando que fatores extralegais influenciam a tomada de
decisão.
A problemática sobre o quanto a contaminação psicológica pode afetar a mente
de quem julga pode ser entendida através da expressão “quadros mentais
paranoicos”, cunhada por Franco Cordero e que representa um padrão de
comportamento daquele juiz que atuava sem jamais ser contraditado. Agindo nessa
“solidão”, remetendo-se à atuação da Inquisição, os juízes criavam hipóteses mentais
sobre os fatos, que acabavam prevalecendo sobre os próprios fatos, conforme
exposição de Rodrigo. R. Chemim Guimarães188.
Esta análise tem relação direta com a interferência do juiz na atividade
probatória no processo penal moderno, ainda que distinta daquela situação relatada
por Franco Cordero, do juiz-inquisidor, onde não havia contraditório e ampla defesa,
mas que basta suficiente para que a doutrina atual decrete como parcial o juiz que vai
atuar no processo e buscar a prova, procurando dar prevalência às suas hipóteses189,
tomando como reais os quadros que havia então mentalizado, situação bem
demonstrada por Jacinto Coutinho, quando explica: “eis o quadro mental paranoico.
Decide-se antes (o que é normal, no humano, repita-se); e depois raciocina-se sobre
a prova para testar a escolha”190.
Luiz G. Marinoni e Sergio Cruz Arenhart fazem um contraponto quanto à
iniciativa probatória do juiz, que caberia ao processo penal, afirmando os autores que,
ainda que haja o risco de “contaminação”, isso é preferível a não haver soluções a
diversos casos, afinal de contas a “verdade é que não deve haver diferença, para o
juiz, entre querer que o processo conduza a resultado justo e querer que vença a parte
que tenha razão”191.
187DANZINGER, Shai; LEVAV, Jonathan; AVNAIM-PESSO, Liora. Extraneous factors in judicial decisions. PNAS, vol. 108, n. 17, 2011. Disponível em: <http://www.pnas.org/content/108/17/6889.full.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2019. 188GUIMARÃES. Rodrigo Régnier Chemim. Atividade comprobatória complementar como juiz como aplicação da efetividade do contraditório e da ampla defesa no novo processo penal brasileiro. 786 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015. p.473. 189Id. 190COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas a Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco Carnelutti, para os operadores do Direito. In: Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, Ano 4, n. 14, p. 86, 2004. 191MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p 60.
39
Atualmente, já se sabe que os seres humanos dependem de atalhos mentais
para tomar decisões complexas, chamados de “heurísticas”192, que podem levar a
erros de julgamento, pois tratam-se de atalhos cognitivos para encontrar respostas
adequadas, ainda que imperfeitas, para decisões difíceis, como as judiciais.
Os neurocientistas193, em apartada síntese, explicam a tomada de decisão
como sendo o resultado complexo do funcionamento de três áreas do cérebro: o
Córtex pré-frontal, ligado à razão, e que usa a lógica para comparar dados; a Amídala
e Ínsula, ligadas à emoções e respostas à estímulos e o Núcleo accumbens, ligado
ao centro de recompensas, necessidades biológicas e motivacionais.
A Neurociência agrega de maneira objetiva para a discussão no que emerge à
liberdade de escolha na tomada de decisão, enquanto “livre arbítrio”. Em experiência
conduzida pelo pesquisador Stefan Bode, foram realizadas ressonâncias magnéticas
em alguns voluntários para realizar uma dinâmica, inspirada em experimento anterior
de Benjamin Libet, que consistia simplesmente em apertar botões com ambas as
mãos para fazer escolhas. O resultado foi que os cientistas conseguiam prever qual
botão seria apertado, alguns segundos antes a ação fosse tomada194. Outro
experimento semelhante, realizado no centro Bernstein, em Berlim, simplista quanto
à tomada de decisão, demonstrou que para a escolha de letras aleatórias que
apareciam em uma tela de computador, as escolhas “inconscientes” podiam ser
antevistas 10 segundos antes da ação física de apertar o botão, ou seja, da escolha
consciente em si195.
O impacto da discussão acerca do livre arbítrio é pontuado por Jordi Nieva
Fenoll, que leciona que o juiz é afetado por fatores pré-condicionados, o que
descartaria a imparcialidade judicial. Assevera, ainda, que as vivencias do juiz
modificariam e integrariam seu cérebro, concluindo que “a imparcialidade não pode
existir cientificamente falando, e nem mesmo servir de guia da atuação judicial, já que
192KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 127. 193ESPEREDIÃO, A.V. et al. Neurobiologia das emoções. Revista de Psiquiatria Clínica USP, v. 3, n. 2, p. 55-65, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rpc/v35n2/a03v35n2>. Acesso em: 11 mar. 2019. 194YARAK, Aretha. O livre-arbítrio não existe, dizem neurocientistas. Revista Veja, [S.l.], fev. 2012. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/ciencia/o-livre-arbitrio-nao-existe-dizem-neurocientistas/>. Acesso em: 14 mar. 2019. 195NOGUEIRA, Salvador. A ciência comprova: você é escravo do seu cérebro – o livre-arbítrio não existe. Super Interessante [S.l.], ago. 2008. Disponível em: <https://super.abril.com.br/saude/o-livre-arbitrio-nao-existe/>. Acesso em: 22 mar. 2019.
40
não se pode ter como objetivo aquilo que não pode existir ontologicamente”, donde
conclui que “não deveriam existir juízes”196. O mesmo autor pontua que exames
neurológicos minuciosos deveriam ser parte dos critérios de seleção dos juízes.
Deste modo, também sob este aspecto neurológico, é evidente que o processo
de tomada de decisão, incluso nele o realizado pelo juiz criminal, sofre incomensurável
influência – da qual não se pretende verticalizar – até porque, como bem destaca
Rubens Casara “a importância da psicanálise para desvelar os fenômenos jurídicos
ainda não foi considerada com a devida importância”197, sendo merecedor, esse
aspecto por si só, de uma obra exclusiva. Cabe o excerto de Marques Neto:
Há essa dimensão que ultrapassa tudo aquilo que o sujeito pode pôr de intencionalidade no seu discurso. O inconsciente é uma referência a esse ultrapassamento, a isso que está para além do discurso. Toda a fala é acompanhada de um cortejo de silêncios, que tem uma enorme eloqüência. o que não se diz é frequentemente mais significativo do que o que se diz.198
Os ensinamentos desses importantes autores se convergem, demonstrando
que permanece incógnita a medida de influência da psiquê humana nos atos de
decisão, incluso nele a sentença criminal, em que pese, indiscutivelmente, para esses
autores, tal influência exista.
Fábio. A. Guaragni, em significativa colaboração sobre o tema, menciona as
inquietudes que podem assolar também os processos decisórios, quando da
conjugação dos mundos ontológicos e deontológicos, pois “a norma não pode
simplesmente arbitrar como tudo deve ser, incluindo-se aí a forma como o homem se
constitui, sem um mínimo lastro empírico, comportamental, proveniente da
realidade”199.
No entanto, adverte o mesmo autor, citando Romeo Casabona, que tais
descobertas científicas não se tratam de um mero determinismo, um exercício de não
liberdade, pois “nada possui um só fator causal”, e se forem consideradas todas as
influencias em uma certa tomada de decisão “a ominicompreensão de fatores obrigará
o agente a uma escolha”200, não sendo portanto absoluta, a influência deste ou de
outros fatores externos.
196BUSATO, Paulo César. Neurociência e Direito Penal. Atlas: Curitiba, 2014. p. 193. 197CASARA 2015. 198MARQUES NETO apud ROSA, 2006. p. 273. 199GUARAGNI, Fabio A. Questões atuais do sistema penal: Fundamento material da culpabilidade jurídico-penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 99. 200CASABONA, apud GUARAGNI, 2011. p. 101.
41
2.2.2 Teorias Correlatas à Imparcialidade
O estudo da temática proposta é expressivo, à medida que se volta diretamente
à compreensão daqueles momentos decisórios que têm máxima influência na
persecução penal, e segundo Caffé, há algumas teorias que embasam decisões
judiciais que são mais “expressivas e diferenciadas”201 do que outras.
Como bem destaca Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, não se trata de mera
avaliação da má intenção ou não do juiz, ou de suas convicções de certo e errado,
justo ou injusto. Os ensinamentos deste respeitado doutrinador resumem a
importância da construção teórica envolta sobre a parcialidade, ou a falta dela:
O enunciado da “bondade da escolha” provoca arrepios em qualquer operador do direito que freqüenta o foro e convive com as decisões. Afinal, com uma base de sustentação tão débil, é sintomático prevalecer a “bondade” do órgão julgador. O problema é saber, simplesmente, qual é o seu critério, ou seja, o que é a “bondade” para ele. Um nazista tinha por decisão boa ordenar a morte de inocentes; e neste diapasão os exemplos multiplicam-se. Em um lugar tão vago, por outro lado, aparecem facilmente os conhecidos “justiceiros”, sempre lotados de “bondade”, em geral querendo o “bem” dos condenados e, antes, o da sociedade. Em realidade, há aí puro narcisismo; gente lutando contra seus próprios fantasmas.202
Dentre algumas construções de base teórica, ab initio, pode-se discorrer sobre
o que traz a Teoria do Realismo Jurídico, de base anglo-saxã, criada a partir de
observações práticas de como os juízes decidiam os casos concretos, e segundo
Sérgio Nojiri, foi “durante o auge do formalismo jurídico, que advogados e juízes
consideravam o direito de forma autônoma, abrangente, logicamente ordenada e
determinada” e que visaria uma única resposta correta a cada caso, porém ainda nos
idos de 1920, esta premissa foi superada203.
O Realismo seria um método onde os juízes decidiriam de acordo com
preferências pessoais, buscando elementos jurídicos aptos a justificarem suas
decisões prévias, de forma que seguiriam as regras, mas não necessariamente as
regras legais, bem como em casos difíceis, em que o direito é indeterminado, no
201CAFFÉ, M. Psicanálise e Direito: a esuta analítica e a função normativa jurídica. São Paulo: Q.L. do Brasil, 2003. p. 103. 202MIRANDA COUTINHO, apud ROSA, 2006. p. 272. 203NOJIRI, Sergio. Decisão judicial. Enciclopédia jurídica da PUCSP, São Paulo, 1. ed., 2017. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/57/edicao-1/decisao-judicial>. Acesso em: 5 abr. 2019.
42
sentido de não haver respostas certas a todas as questões jurídicas204. O autor,
citando realistas como Karl Llewellyn e Jerome Frank, descreve que as motivações
dos juízes variam, indo de objetivos externos da política a fatores psicológicos e
pessoais, respectivamente, logo, os realistas reagem aos fatos, tomando a decisão
no que pensam ser o mais adequado conforme o fato e não conforme a lei, em um
paralelo diametralmente oposto ao formalismo jurídico205.
Essa teoria realista é um típico exemplo do qual Ronald Dworking se opunha
ferrenhamente, pois para ele, o direito, que é a lei, sempre teria a resposta correta
para todos os casos, em uma expressão coerente de justiça e equidade206.
Assim, o realismo seria uma forma de resolução na qual a decisão é tomada
antes, e depois é pinçada qual a regra ou princípio de resolução ao caso concreto,
assim os instintos e fatores extralegais tem função ímpar, o que explicaria, inclusive,
as diferentes decisões para casos similares207.
Das mais tradicionais, destacadas outrora por Caffé, há a Teoria Positivista,
sistematizada por Hans Kelsen, e destaca valor ao ato normativo, ligada ao princípio
da retribuição, pois de uma conduta prescrita advém uma consequência; também, a
Teoria Tridimensional, de Miguel Reale, cuja premissa é de que o direito é mais do
que norma jurídica, uma vez que importam o fato condicionante e o valor
determinante, todos interligados208.
As teorias tradicionais, de base racional e positivista, sofrem críticas, fundadas
em vértices psicanalistas, a exemplo do que expõe Alexandre Moraes da Rosa, em
sua obra que trata da decisão como Bricolagem de Significantes, na qual levanta a
tese de que sequer o juiz realmente decide:
[...] a teoria da decisão manejada pelo senso comum teórico é a maneira pela qual, “como se” um juiz decidiria – se porventura decidisse -, coisa que, todavia, não o faz. Enfim, tudo é organizado de forma lógico-dedutiva, como se o simples caminhar processual concedesse a “Verdade Real”, livrando os atores jurídicos de qualquer indagação sobre si próprios, sobre seu “ser-aí-no-mundo”, “como se” desprovidos de inconsciente, bem como sobre os próprios limites do processo. A leitura de Manuais expressa a sensação de
204NOJIRI, 2017. 205Id. 206DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de por Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 305-307. 207NOJIRI, op. cit. 208MATHIAS, Maria Cristina. Concepções psicanalistas sobre os processos de decisão: um estudo com magistrados. 142 f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 60. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-20082013-160310/publico/mathias_me.pdf>. Acesso em:5 abr. 2019.
43
que a “receita para uma decisão” está previamente dada e que se ocorrerem erros, estes são do operador que não soube misturar, conforme a receita, os ingredientes. Puro embuste.209
O pano de fundo da discussão cinge-se no aspecto de demonstrar que existe
uma infinidade de teorias aptas a explicarem, desde como a norma é construída e sob
qual fundamento, até quais fatores extralegais efetivamente influenciam na tomada de
decisão de um juiz quando está proferindo uma sentença criminal.
Do jurista alemão Bernd Schünemann, tem-se a Teoria da Dissonância
Cognitiva, que tem relação direta com a imparcialidade dos julgadores, em aspectos
pontuados e defendidos por Lênio Streck:
A teoria da “dissonância cognitiva” desenvolvida na psicologia social, analisa as formas de reação de um indivíduo frente a suas ideias, crenças ou opiniões antagônicas, incompatíveis, geradoras de uma situação desconfortável, bem como a forma de inserção de elementos de “consonância” (mudar uma das crenças ou as duas para torná-las compatíveis, desenvolver novas crenças ou pensamentos etc) que reduzam a dissonância e, por consequência, a ansiedade e o estresse gerado. Pode-se afirmar que o indivíduo busca – como mecanismo de defesa do ego – encontrar um equilíbrio em seu sistema cognitivo, reduzindo o nível de contradição entre o seu conhecimento e sua opinião. É um anseio por eliminação das contradições cognitivas.210
Trazido à seara penal, o juiz tem de lidar com opiniões antagônicas e
incompatíveis, aliadas à sua própria opinião. Supõe-se que o juiz irá se apegar ao que
foi construído no inquérito, tentando confirmar os fatos em audiência, logo,
“tendencialmente deverá superestimar as informações consoantes e menosprezar as
informações dissonantes”211. Então, como efeitos, haverá uma valorização maior das
informações que o juiz entendia como corretas e a busca por informações que
confirmem as suspeitas anteriores. Destarte, a tese da defesa gera uma relação
contraditória às hipóteses iniciais, como a narrativa da denúncia, conduzindo à
dissonância cognitiva212.
É como se o juiz, após receber a denúncia “e posteriormente instruir o feito,
passa a ocupar — de fato — a posição de parte contrária diante do acusado que nega
os fatos e, por isso, está impedido de realizar uma avaliação imparcial”, além de que,
209ROSA, Alexandre Moraes. Decisão no Processo Penal como bricolagem de significantes. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004. p 180-181. 210LOPES JUNIOR, Aury. Limite penal: Teoria da dissonância cognitiva ajuda a compreender imparcialidade do juiz. Conjur, [S.l.], jul. 2014. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-jul-11/limite-penal-dissonancia-cognitiva-imparcialidade-juiz>. Acesso em 11 fev. 2019. 211Id. 212Id.
44
como bem pontua Lênio Streck, existe ainda o efeito “aliança”, já que o juiz toma como
referência tudo aquilo que foi aprendido com a acusação, sendo o promotor a sua
referência, surgindo o efeito “atenção”, que ao mesmo tempo diminui drasticamente o
foco quando é a defesa quem passa a ter a palavra, a ponto de serem desprezadas
na sentença as respostas dadas ao advogado de defesa213.
É peculiar na Teoria da Dissonância a correlação, também captada por Asch214,
de que o referencial primeiro tornam “verdadeiros” os fatos, simplesmente por serem
os quais o juiz teve contato, e isso se atribui o termo “efeito halo”, um viés cognitivo
clássico da psicologia que explica o fato de uma valoração equivocada, embasada em
uma única característica, generalizando o julgamento a partir desta primeira215, dando
luzes ao brocardo “a primeiro impressão é a que fica”. O termo “efeito halo” foi
cunhado em 1920 pelo psicólogo Edward L. Thorndike, em pesquisas relacionadas ao
exército, quando percebeu que oficias superiores avaliavam de forma positiva outros
oficiais quando sabiam previamente coisas boas sobre eles, porém o contrário
também se aplicava, quando as informações eram ruins216.
Ricardo Lorenzeti apresenta explicação em sua obra Teoria da Decisão
Judicial, sobre a tomada de decisão enquanto criação de ato normativo, diante da
ausência de solução prescrita na Lei, momento em que o juiz, resolvendo o caso
concreto, cria norma jurídica individualizada, mas que deve ser consonante ao
processo legislativo, em uma fusão da situação em abstrato e concreto217.
Uma interessante abordagem sobre a imparcialidade foi apresentada em uma
tese de Doutorado, cuja proposta intersecciona o Direito, Economia e Psicologia, de
autoria de Eduardo José da Fonseca Costa, um trabalho de engenharia jurídica,
baseado na Behavioral Law & Economics, que visa desfazer ou eliminar os vieses
cognitivos, que são atalhos simplificadores previsíveis e evitáveis, que a mente utiliza
para tomar decisões218.
213LOPES JUNIOR, 2014. 214ASCH, S. E. Forming impressions of personality. The Journal of Abnormal and Social Psychology, v. 41, p. 258-290, 1946. 215NISBETT, R., WILSON, T. The halo effect: Evidence for unconscious alteration of judgments. Journal of Personality and Social Psychology, v. 35, p. 250-256, 1977. 216CHERRY, Kendra. O que é efeito Halo na psicologia? Psicoativo, [S.l.]. Disponível em: <https://psicoativo.com/2015/11/o-que-e-efeito-halo-psicologia.html>. Acesso em 27 mar. 2018. 217LORENZETTI, 2010. p. 41. 218COSTA, Eduardo José da. Levando a imparcialidade a sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia. 187 f. Tese (Doutorado em Direito) – PUCSP, São Paulo, 2016.
45
Na tese, cujo título é Levando a Imparcialidade a Sério, é realizado um estudo
sobre as ilusões cognitivas que os julgadores cometem, bem como apresentadas
normas a fim de neutralizar tais ilusões. Dentre as práticas adotadas como forma de
resguardar a parcialidade, podem ser citadas as seguintes medidas: o juiz da
instrução não pode sentenciar; o juiz que teve contato com prova ilícita deve ser
impedido; os juízes que preferiram sentença embargada devem ser impedidos da
reanálise; a prova pericial como ultima ratio, e uma série de outras que, até mesmo,
necessitariam de alteração legislativa219. Tal estudo conclui que uma das maneiras de
garantir a imparcialidade é o máximo afastamento dos vieses, que em última análise,
são fatores externos ao processo, sendo uma reafirmação de que “a imparcialidade
não decorre de uma representação descritiva, mas prescritiva”220.
Por fim, importante colaboração traz o estudo de Antônio Sérgio Pitombo ao
concluir em sua obra “Imparcialidade da Jurisdição”, que os juízes “popstar” tendem a
serem parciais, exemplificando o ex-juiz da operação “Lava Jato”. Afirma o autor que
a parcialidade é consequência natural do grau de exposição na mídia das decisões
do juiz, que independente de sua vontade, torna-se parcial. Assevera que a exceção
de suspeição nada mais é que uma matéria de defesa, não implicando em ofensa e
desonestidade do juiz, e que as decisões veiculadas em redes socias, monitoradas
pela sociedade, quebram a imparcialidade, haja vista que existe essa percepção pelo
magistrado do sentimento social de um julgado221.
219COSTA, 2016. 220MEROI, Andrea A. La imparcialidad judicial. Assunção: La Ley, 2001. p. 12. 221CARVALHO, Mario Cesar. Juiz-estrela como foi Moro tende a ser parcial em seus julgamentos, diz advogado. Folha de São Paulo, São Paulo, dez. 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/12/juiz-estrela-como-foi-moro-tende-a-ser-parcial-em-seus-julgamentos-diz-advogado.shtml>. Acesso em 30 mar. 2019.
46
3 A IMPARCIALIDADE E O PROCESSO PENAL
Como diretamente relacionada aos sistemas processuais, imperiosa a análise
da parcialidade e como ela se conjuga dentro do contexto da Jurisdição penal:
Não sem razão, o primeiro princípio/garantia que estudamos no processo penal é exatamente a “garantia da jurisdicionalidade”, ou seja, de ser julgado por um juiz imparcial, devidamente investido, com competência previamente estabelecida por lei (juiz natural) que terá a missão de zelar pela máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição.222
Não foi à toa que Aury Lopes Jr. dedicou um capítulo todo de sua obra para
explorar, especificamente, a posição e gestão pelo juiz, eis que este é “fundante do
sistema processual”223.
3.1 SISTEMAS PROCESSUAIS
Levando em conta que o juiz não é substituto de nenhuma das partes, ele
apenas deve conduzir a ação penal pública, em uma jurisdição que substitui a
“vingança privada”, cujo caminhar é necessidade para se chegar a uma pena224.
Logo, sendo o processo penal um “sistema de reparto de justiça por um terceiro
imparcial” será exatamente a posição e atuação do juiz, na dialética processual, quem
vai assegurar o equilíbrio ou não da dinâmica de estruturação da justiça225.
Sistema processual, interessa destacar, conforme se relata dos tipos históricos,
são dois: o acusatório, regido pelo princípio dispositivo e o inquisitório regido pelo
princípio inquisitivo, mas, em geral, a discussão sobre o critério de cada um deles está
sobre as separações das ações de acusar e julgar226. Ainda ocorrem variações de
conceito, se consideradas a iniciativa da instauração do processo ou formas de
aquisição das provas, conforme destaca Silveira Filho, citando Cordero227.
Historicamente, houve alternância entre estes sistemas – que são sempre
respostas processuais à exigência do direito material de cada época228, como ensina
222LOPES JUNIOR, 2017. p 139. 223Id. 224Id. 225Ibid., p. 140. 226SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço. Introdução ao Direito Processual Penal. 2. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. p. 26. 227CORDERO, apud SILVEIRA FILHO, 2015. p. 27. 228LOPES JUNIOR, op. cit., p. 141.
47
Ferrajoli, que na Grécia e Roma antiga imperava o sistema acusatório229,
predominando até o Século XII, alternando gradualmente ao modelo Inquisitivo, que,
por sua vez, perdurou até o Século XVIII e XIX230, quando, pelo momento e em razão
da Revolução Francesa, volta à baila o sistema acusatório, mas assinalado num
processo misto, nos moldes do que se apura hoje, com fase inquisitorial, antecedente
à processual, e a etapa acusatória no processo em si231.
3.1.1 Sistema Acusatório
O sistema acusatório pode ser definido pragmaticamente como aquele regido
pelo sistema dispositivo, onde a gestão das provas está nas mãos das partes. Na sua
forma pura, constatam-se algumas características como a de que o juiz é árbitro; sem
iniciativa de investigar; juiz em posição de igualdade entre as partes; a ação é popular;
o processo é oral, público, contraditório; a valoração é livre das provas; a sentença faz
coisa julgada; a liberdade do acusado é regra 232.
Aury Lopes Jr. destaca outras características do sistema atualizado como a
clara distinção entre acusar e julgar; o juiz é um terceiro imparcial, alheio ao labor
investigativo e passivo na coleta das provas; o tratamento às partes é igualitário; há
possibilidade do duplo grau de jurisdição e impugnação das decisões233.
Jacinto Coutinho ainda destaca que este estilo processual, concebido e
consolidado no common law, criador de um genuíno processo de partes234, tinha os
seguintes aspectos:
[...] na essência o contraditório é pleno e o juiz estatal está em posição passiva, sempre longe da colheita da prova. O processo destarte, surge como disputa entre as partes que, em local público (inclusive praças) argumentavam perante um júri, o qual, enquanto sociedade, dizia a verdade vere dictum.235
229FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 521. 230LOPES JUNIOR, op. cit., p. 142. 231FERRAJOLI, op. cit., p. 522. 232SILVEIRA FILHO,2015. p. 38. 233LOPES JUNIOR, op. cit., p. 43. 234SILVEIRA FILHO, op. cit., p. 55. 235COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 36.
48
A problemática do tema proposto intersecciona com o estudo dos sistemas
processuais à medida que as lições de Sylvio Lourenço indicam que “o ponto crucial
do sistema acusatório está na posição passiva do julgador na posição da prova, o que
lhe assegura a necessária imparcialidade para o desenvolvimento do seu mister”236,
o que demonstra que tal sistemática não deixa de ser, em alguma medida, garantidora
da eficácia processual com incurso no não favorecimento de uma ou outra parte, ainda
porque, mantendo-se distante da investigação e das provas, preserva uma virgin mind
em relação ao caso e evita-se a formação de juízos pré-constituídos” 237.
Somada à imparcialidade citada por Sylvio Lourenço, destacam-se a ética
liberatória do processo penal, que consagra a dialética como forma de perfectibilizar
o sistema acusatório, aliada à separação de funções, pois “somente no processo
acusatório-democrático em que o juiz se mantém afastado da esfera de atividade das
partes, é que podemos ter a figura do juiz imparcial”238, tendo em vista que “é
decorrência lógica e inafastável, que a iniciativa probatória esteja (sempre) na mão
das partes”239.
Interessante que Aury Lopes Jr. destaca que não obstante a imparcialidade
seja o “princípio supremo do processo”240, existe uma crítica contundente de que, em
razão do dever de imparcialidade no modelo acusatório, torna-se o juiz inerte,
devendo muitas vezes decidir com base em um “material defeituoso que lhe foi
proporcionado”. Este seria o fundamento que conferiu historicamente poderes
instrutórios ao juiz241.
Em que pese as críticas, é este sistema que possibilita instrumentos
importantes como o garantismo e o processo democrático, sendo a opção do
legislador para a Constituição de 1988242. Alexandre Knopfholz, citando Alberto
Bovino, destaca243:
236SILVEIRA FILHO, 2015. p. 55. 237Ibid., p. 56. 238LOPES JUNIOR, 2017. p. 147. 239GOLDSCHIMIDT, James. Problemas jurídicos y políticos del processo penal. Barcelona: Bosch, 1935. p. 69. 240LOPES JUNIOR, op. cit., p. 156. 241Ibid., p. 146. 242MARQUES, José Frederico. O Processo Penal na Atualidade. Processo Penal e Constituição Federal. São Paulo: Acadêmica: 1993. p. 17-18. 243“[...] la única opción posible, si pretendemos estabelecer un procedimiento penal que no vulnere las exigencias minimas del Estado de derecho, consiste em la transformación de las prácticas de la justicia penal a traves de la realización de los principios sustenciales derivadas del sistema acusatorio” (BOVINO apud KNOPFHOLZ, 2013. p. 123).
49
[...] a única opção possível, se pretendemos estabelecer um processo penal que não vulnere as exigências mínimas do Estado de Direito, consiste na transformação das práticas da justiça penal através da realização dos princípios fundamentais derivados do sistema acusatório. (tradução nossa)
O sistema acusatório, em que pese presentes no atual CPP poderes
probatórios/persecutórios ao juiz 244, é um imperativo do moderno processo penal, que
assegura imparcialidade e tranquilidade ao juiz, tratando dignamente o acusado,
assumindo posição de parte, e não de objeto processual. Propicia ainda paz social,
pois impede – em tese – as inferências do “juiz apaixonado pelo resultado do seu labor
investigador”245.
Há de se destacar que a imparcialidade imposta, e a inércia como consequente,
exigem maior técnica do advogado e responsabilidade das partes na produção
probatória, o que coloca o Estado como provedor de tal tecnicidade aos
hipossuficientes, à guisa das Defensoria Públicas246.
O modelo acusatório é essencialmente democrático e o acusado, que é sujeito
e não objeto da persecução, não trilhará para uma natural e consequente condenação,
mas sendo-lhe garantido julgamento de forma independente, “imparcial, justa e com
obediência a todos os princípios processuais”247.
3.1.2 Sistema Inquisitório
Ab initio, no que tange à imparcialidade, Aury Lopes Jr. é taxativo: “impossível
imparcialidade em sistema inquisitório”248, diante de que se espera de um juiz afastado
da iniciativa probatória. Em linhas gerais, Ferrajoli diz se tratar disso: um sistema no
qual o juiz, atuando de ofício, busca a iniciativa probatória sem limites, por instrução
escrita e secreta, sem contraditório ou direito à defesa249.
Destaca-se que imperava até o século XII o sistema acusatório, presentes
sempre a figura do acusador autônomo e legitimo, até que no século XIII foi instituído
o Tribunal da Inquisição, entidade da Igreja Católica no combate às heresias,
244Artigos 156, 242, 311 e 388, todos do Código de Processo Penal (BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 5 abr. 2019). 245LOPES JUNIOR, 2017. p. 146. 246Ibid., p. 147. 247KNOPFHOLZ, 2013. p. 122. 248LOPES JUNIOR, op. cit., p. 140. 249FERRAJOLI, 2014. p. 522.
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movimento que Jacinto Coutinho destaca como “[...] do maior engenho jurídico que o
mundo conheceu [...] é diabólico na sua estrutura”250. Lopes Jr. destaca que tais
mudanças paradigmáticas se deram pela ineficiência das partes, pois a persecução
na mão de particulares não seria eficaz no combate à criminalidade, representado
pela possibilidade de processos de ofício para os casos de flagrantes e depois a todos
os demais processos251.
Não faltam críticas ao sistema inquisitivo em sua forma pura: do “desamor pelo
contraditório”252 em um sistema no qual o juiz detém a gestão das provas, além de
cumular as funções de julgar, investigar e acusar, toma posição de superioridade em
relação ao acusado; acusa-se ex officio, com denúncia secreta, sem contraditório,
onde a regra é a prisão processual253. Sylvio Lourenço, citando Cordero, indica que
era um sistema o qual o inocente corria mais riscos que criminosos calejados, em um
sistema que “devora os processos”254.
Carnelutti destaca que, originariamente, tal sistema representava a luta entre
juiz e o acusado, de forma que o magistrado agia sem limites, impelido à colheita de
provas, como se o acusado fosse um inimigo255.
Aury Lopes Jr. destaca que o insucesso de modelo inquisitivo se deu em
consonância com o Estado moderno, principalmente por “incidir em um erro
psicológico: crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas
como investigar, acusar, defender e julgar”256.
Em uma compreensão mais contextualizada, pode-se inferir que o modelo
inquisitivo tem guarida no Estado Absolutista, supressor de garantias individuais do
investigado/acusado, como se depreende dos ensinamentos de Geraldo Prado:
A maior parte da doutrina refere como características do Sistema Inquisitório a concentração das três funções do processo penal ― de acusar, de defender e julgar ― em um só sujeito, o que conduz, nas palavras de Alcala-Zamora e Levene, a um processo unilateral de um juiz com atividade multiforme [...]; procedimento extremamente secreto e destituído do contraditório, quase sempre marcado pela prisão provisória e disparidade de poderes entre juiz-acusador e acusado; forma escrita e exclusão de juízes populares, historicamente preocupado com o descobrimento da verdade real, via de
250COUTINHO, 2001. p. 18. 251LOPES JUNIOR, 2017. p. 149. 252Ibid., p. 20. 253SILVEIRA FILHO, 2015. p. 56. 254CORDERO, apud SILVEIRA FILHO, 2015. p. 57. 255CARNELUTTI, Francesco. Lições sobre o Processo Penal. Tradução de Francisco José Galvão Bruno. Campinas: Bookseller, 2004. p. 217. 256LOPES JUNIOR, 2016. p. 158.
51
regra a partir da confissão do imputado, muito embora tenha havido intensa liberdade de o juiz pesquisar e introduzir outros meios de prova. Não custa colocar em relevo a observação de Franco Cordero, sobre este período e acerca do emprego da tortura. Nota o jurista italiano que provido de instrumento virtualmente irresistíveis, o inquisidor tortura os pacientes como quer: dentro do seu marco pessimista o animal humano nasce culpado.257
O que se destaca neste método de dinâmica processual, é que “o protagonismo
do juiz permite a ele que execute sua tarefa da maneira como bem entender:
concebendo hipóteses, a estas hipóteses faz ‘cabalas indutivas”, é como se em um
jogo processual penal “o dono do tabuleiro dispõe as peças como melhor lhe convém”,
operando uma necessidade psíquica e operando efeitos repressivos altamente
rentáveis, cuja figura central, o Inquisidor, não se deve criticar, “pois não pode ouvir
nem entender a crítica258.
Aury Lopes Jr., ainda, se debruça sobre a matéria, elencando estas que seriam
as principais características do sistema Inquisitório: gestão/iniciativa probatória na
mão do juiz; cumulação de funções de acusar e julgar; violação do ne procedat iudex
ef officio; inexistência de pleno contraditório e de paridade de armas e, por fim, a figura
de um juiz parcial259.
A relevância do estudo de cada um dos sistemas se coaduna com a temática
desta pesquisa, conforme a definição conferida pelo mesmo autor, que define, por fim,
que neste sistema, onde cumulam-se funções e não existe estrutura dialética ou
contraditória, “não existe imparcialidade, pois a mesma pessoa (juiz-ator) busca a
prova (iniciativa e gestão) e decide a partir de uma prova que ela mesmo produziu”260.
3.1.3 Sistema Processual Misto
Com a Revolução Francesa, o sistema acusatório volta à carga, por conta da
ação popular, do júri, do contraditório, da publicidade e da livre convicção do juiz, com
uma fase posterior, de índole inquisitória, a assinalar para um “processo misto”, ou
seja, inquisitório na primeira fase e acusatório na segunda261.
Assevera Rogério L. Tucci:
257PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório. A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen, 2006. p. 87-88. 258SILVEIRA FILHO, 2015. p. 84. 259LOPES JUNIOR, 2018. p. 43. 260Ibid., p. 42. 261FERRAJOLI, 2014. p. 522.
52
O moderno processo penal delineia-se inquisitório, substancialmente, na sua essencialidade; e formalmente, no tocante ao procedimento desenrolado na segunda fase da persecução penal, acusatório.262
A designação tem origem com o Código Napoleônico, de 1808, e contempla a
divisão do processo em duas etapas, pré-processual e processual, inquisitória e
acusatória – daí porque é chamado de misto - respectivamente, e esta é a forma com
que se define a sistemática processual Brasileira, pois os sistemas anteriores seriam
“modelos históricos” sem correspondência contemporânea. Porém, não é a mera
separação de função de acusar e julgar que definiriam um sistema como acusatório,
nesta que seria uma visão “reducionista”, a qual a doutrina tece críticas pelas
seguintes razões: a) todos os sistemas hoje em dia são mistos, logo, b) deve-se
analisar o núcleo fundante para definir o predomínio estrutural; c) não resolve o
problema separar as funções iniciais, sendo permitido ao juiz produzir provas de ofício
ou coletar provas263; d) não se pode pensar o sistema processual de forma desconexa
da imparcialidade além de que, e) o ativismo judicial “quebra o imprescindível
contraditório, virando um decisionismo264.
Com fulcro em tais elementos que refutam um tipo “misto”, Jacinto Coutinho,
citado por Aury Lopes Jr., destaca que os princípios dispositivo ou inquisitivo são
coligados à gestão da prova e reconstrução de fato histórico e é taxativo ao explicar:
“não há – nem pode haver – um princípio misto, o que por evidente desconfigura o
disto sistema” pois significaria que “[...] os elementos (todos secundários), que de um
sistema são emprestados a outro”265, então, não basta simplesmente acusação estar
separada de quem julga para que haja um processo acusatório, e sim o ideal é que a
inciativa esteja sempre nas mãos das partes pois “somente isso permite a
imparcialidade do juiz” 266.
Comunga deste pensamento Mauro F. Andrade:
O fato de ser híbrido e marcadamente multiforme leva os seguidores dessa corrente a não apresentarem uma descrição concreta do sistema misto. Como justificativa, afirmam que essa característica conduziria a uma variação
262TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 44. 263Art. 156 do CPP. (BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 5 abr. 2019). 264LOPES JUNIOR, 2018. p. 46. 265Id. 266Ibid., p. 47.
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de seus elementos quase ao infinito, dificultando a possibilidade de se encontrarem dois sistemas idênticos ou uniformes. Como já disse Valiante, “non esiste una strutura mista única.267
Diante de tais premissas, entende o autor que o sistema brasileiro não é misto,
eis que todos o seriam, e no que tange ao “princípio informador”, até pelo que cita de
Binder, que “o acusatório formal é o novo nome do sistema inquisitivo que chega até
os nossos dias”, a concepção que se faz é a de que vige atualmente no Brasil um
sistema neoinquisitório268, eis que distinto daquele do modelo medieval. Assevera o
doutrinador que o processo brasileiro não é acusatório, pois a gestão das provas está
na mão do juiz, que no decorrer da ação penal pode ter um papel ativo na busca de
provas ou em atos de acusação, a exemplo do art. 156 do CPP.
Todas essas questões afrontam a parcialidade, logo, é latente o reducionismo
na consideração do sistema misto. Em que pese a Constituição de 1988 definir um
processo penal acusatório, resta demonstrado que há a necessidade desse mesmo
filtro constitucional diante de tantos traços inquisitórios no processo penal, cujo código
é de 1941269.
3.2 FONTES DE IMPARCIALIDADE
Este tópico visa demonstrar o quão vastas são as fontes positivadas em nosso
ordenamento jurídico e em fontes internacionais de Direito, para que o julgador não
aja de maneira imparcial, o que reforça o caráter prescritivo e não descritivo deste
princípio basilar para um julgamento efetivamente justo.
3.2.1 Princípios e Garantias
Diz o noticiário que a “imparcialidade do juiz é critério para medir a maturidade
democrática de uma sociedade”270, o que em alguma medida representa a harmonia
267ANDRADE, Mauro Fonseca. Sistemas processuais penais e seus princípios reitores. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2013. p. 422. 268LOPES JUNIOR, 2018. p. 47. 269Ibid., p. 49. 270PRADO, Geraldo. Imparcialidade do juiz é critério para medir maturidade democrática de uma sociedade. Justificando, [S.l.], fev. 2017. Disponível em: <http://www.justificando.com/2017/02/22/imparcialidade-do-juiz-e-criterio-para-medir-maturidade-democratica-de-uma-sociedade/>. Acesso em: 5 abr. 2019.
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do sistema, pois, sendo jutas as decisões, presumem-se imparciais, e
consequentemente mais passíveis de serem absorvidas, uma vez que advindas de
uma autoridade jurisdicional que provê justiça. A imparcialidade é tão seriamente
tratada que, segundo o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, não precisa que um
juiz seja imparcial, basta que haja desconfiança de que o seja, para então recusá-lo
em um julgado271.
Com vistas a essa importância, de nada basta exigir normativamente que o juiz
seja imparcial sem possibilitá-lo de sê-lo, logo, pontuam-se alguns aspectos que deem
suporte para que sejam mitigadas algumas influências que o juiz possa sofrer,
voltando o seu “fiel da balança” sempre para que não tome ou não seja parte em uma
ação penal.
Como se observou ao longo do trabalho, as influências são possíveis e a
tratativa aqui é aquela de, tal qual a própria imparcialidade, meramente apresentar,
seja pela Lei ou princípios, maneiras com as quais se combate ou se mitiga a
parcialidade, sem adentrar ao mérito quanto a efetividade desses mecanismos, mas
explanando acerca da sua previsibilidade.
Pode-se partir da premissa que o concurso público é uma garantia à sociedade
antes mesmo de o juiz atuar, pois trata-se de medida que garante a imparcialidade
através da isonomia, uma vez que visa fazer cumprir o princípio da impessoalidade,
de não favorecer ou perseguir alguém, a exemplo, evitando assim, o nepotismo.
Conforme o art. 37, II da CF, a investidura em cargo de juiz depende de aprovação
em uma disputa em um processo rígido que visa qualificar os mais preparados, ao
menos teoricamente, e tal domínio da lei seria a base para que os profissionais
agissem cumprindo-a e agindo conforme os princípios da administração.
Através do concurso, o juiz goza de algumas garantias, conforme o art. 95 da
CF, como a inamovibilidade, a irredutibilidade salarial e vitaliciedade, benefícios que
o permite não ser suscetível a pressões externas, sociais ou políticas, podendo agir
sempre conforme seu livre convencimento motivado. A vitaliciedade é disposta no art.
22 da Loman.
271ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. 3. reimpresión. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2006. p. 43; GARCÍA, Javier Hernández. El Tribunal Europeo de Derechos Humanos y el derecho a un proceso penal equitativo. In: Derecho Penal Europeo. Jurisprudencia del TEDH. Madrid: Consejo General del Poder Judicial, 2009. p. 328-329.
55
Os princípios do Contraditório, art. 5º, LV e da motivação da sentença judicial,
art. 93, IX, ambos da CF, são garantias de que haverá fundamentação e clara
exposição das razões de decidir, bem como o juiz decidirá ouvindo acusação e defesa
para poder chegar a uma decisão adequada. Ambas as previsões são destaques
atinentes à imparcialidade, como expõe José Roberto dos Santos Bedaque:
Sem dúvida alguma, a melhor maneira de se preservar a imparcialidade do magistrado é submeter sua atividade ao princípio do contraditório e impor-lhe o dever de motivar suas decisões. Pode ele manter-se absolutamente imparcial, ainda que participe ativamente da instrução. Basta que suas decisões sejam fundamentadas e proferidas após efetivo contraditório entre os litigantes.272
O duplo grau de jurisdição é outra garantia contra a parcialidade, pois, caso
ocorra abusos por favorecimento de alguma das partes, a segunda instância de
julgamento pode reparar o objeto da ação, que tem previsão implícita no art. 5°, XXXV,
LIV e LV da CF.
A separação de poderes, previsto no art. 2º da CF, permite mútua fiscalização
dos poderes, sendo todos independentes, e permite que outra esfera além do
judiciário possa impedir ou verificar casos de imparcialidade, ao menos em tese, bem
como é garantido ao Poder Judiciário, tal qual aos demais, a autonomia administrativa
e financeira, conferindo-lhe uma não submissão política.
O princípio do Juiz natural é uma garantia constitucional, conforme o artigo 5º,
XXXVII e LIII, já que traz regras prévias de competência jurisdicional, não se
permitindo que seja escolhido nem excluído um magistrado em determinada
demanda.
O sistema processual misto, vigente, que separa a figura do julgador daquele
que investiga, ao menos em comparação ao modelo inquisitório, pode ser
considerada uma forma de impedir contaminações e consequente parcialidade do juiz,
sendo certo que isso não basta pois “deve-se descarregar o juiz de atividades
inerentes às partes, para assegurar sua imparcialidade”273, o que vale para outros
aspectos que dependam de iniciativa do juiz.
O juiz de garantias, que atua precipuamente na primeira etapa da persecução
penal, conforme proposta legislativa para o novo codex processual, pode ser
272BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 71. 273LOPES JUNIOR, 2017. p. 164
56
considerado uma forma de garantir a imparcialidade, haja vista o que foi teorizado no
tópico 2.2.2, “sobre os quadros mentais paranoicos”. Em tempo, quando se institui o
juiz de garantias, o que se pretende é exatamente que o juiz que atue no inquérito ou
em medidas cautelares não o faça de forma contaminada na instrução. Anote-se que
há um embate na proposta, pois o Senado prevê a criação de nova figura, ao passo
que a classe dos advogados entende que basta que o juiz que emita decisões no
curso do processo não possa decidir o mérito da causa274.
Esse é um exemplo de possível mudança legislativa para o qual se idealiza que
o juiz criminal deve conhecer do caso penal originariamente e somente no processo,
não na fase investigativa, da qual por vezes participa.
Deve formar sua convicção pela prova colhida originariamente no contraditório
judicial, sem pré-juízos e pré-cognições acerca do objeto do processo, do contrário,
na prática atual, o processo acaba sendo um mero golpe de cena, com um juiz que já
formou sua imagem mental sobre o caso e que adentra na instrução criminal apenas
para confirmar as hipóteses previamente estabelecidas pela acusação e tomadas por
verdadeiras por ele, juiz, o mesmo que já decretou a busca e apreensão, a
interceptação telefônica, a prisão preventiva, etc. e ainda recebeu a denúncia275.
3.2.2 Fontes Legais e Supralegais
O Direito Processual Penal deve ser alicerçado em direitos e garantias
constitucionais, pois será isto que irá equilibrar a relação entre acusado e Estado,
mesmo com personagens tão desiguais. De um lado o Estado, detentor de todo o
aparato persecutório, que investiga, julga, condena e executa a pena, e de outro o
réu, o “Davi” bíblico, tenta se defender das investidas de um gigante.
É a constituição que tornará essa luta justa, e, junto de outros diplomas,
positivam “imposições” de imparcialidade ao juiz, o ator que tem o poder decisório, de
274CÂMARA DOS DEPUTADOS. Câmara analisa projetos divergentes de reforma do código de processo penal, [S.l.], fev. 2011. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/193775-CAMARA-ANALISA-PROJETOS-DIVERGENTES-DE-REFORMA-DO-CODIGO-DE-PROCESSO-PENAL.html>. Acesso em: 5 abr. 2019. 275JUNIOR, Aury Lopes; ROSA, Alexandre Morais da. Você sabe o que é imparcialidade cognitiva no processo penal? Empório do Direito, [S.l.], dez. 2016. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/voce-sabe-o-que-e-imparcialidade-cognitiva-no-processo-penal>. Acesso em 11 fev. 2019.
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dizer o “certo e o errado”, e a “verdade” do processo. Não bastasse tudo que o Estado
tem ao seu dispor, dele também é o juiz, que, se não for contido, pode se exceder,
incorrendo em injustiças no julgamento. Aury Lopes Jr captou de maneira ímpar esse
raciocínio:
Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente constituir (logo, consciência de que ela constitui a ação), é que se pode compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá por meio da sua instrumentalidade constitucional. Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição.276
Luiz A. Câmara é categórico quando diz que não há outro momento em que o
indivíduo esteja tão submetido ao Estado quando réu em uma ação penal277, daí a
importância da valorização dos princípios, garantias e limites trazidos pela Carta
Magna; soma-se a isso teorias como a do garantismo que, segundo Alexandre apud
Bueno de Carvalho, “É a consagração da legalidade e última ratio. É a garantia das
partes e ao justo processo278.
A Constituição da República traz algumas vedações, as quais não se pretende
transcrição ipsis litteris, cabendo somente citar aquelas relacionadas aos limites dos
juízes, cujos fins são a manutenção de uma figura não parcial e não influenciável. No
art. 95 da CF, constam algumas vedações ao juiz: exercer outra função, salvo a de
magistério; receber custas ou participações; vincular-se a partidos políticos; receber
auxílios de terceiros279.
O impedimento é positivado no art. 252 do Código de Processo Penal, tem
caráter objetivo e presunção absoluta, e, junto da suspeição, trazida no artigo 254, de
caráter subjetivo e presunção relativa. Talvez sejam as normativas mais óbvias e
visíveis de hipótese de quebra de imparcialidade.
É impedido o juiz que tiver parente atuado com parte (até 3º grau); onde serviu
como testemunha; atuou como juiz de outra instância; for parte interessada ele mesmo
ou parente (até 3º grau). É suspeito o juiz quando for amigo ou inimigo das partes;
276LOPES JUNIOR, 2015. p. 30. 277CAMARA, Luiz Antonio. Medidas Cautelares Pessoais: prisão e liberdade provisória. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 35. 278KNOPFHOLZ, 2013. p. 120. 279BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lex: legislação federal e marginalia, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 5 abr. 2019.
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tiver aconselhado alguma das partes; atuando em caso análogo aos de seus
familiares; se for credor, devedor, tutor ou curador das partes; se tiver relação
empresária com as partes interessadas.
Quanto ao termo “imparcialidade”, este não aparece na Constituição da
República, somente no CPP, quando em referência ao Conselho de Sentença do Júri,
nos artigos 427 e 472, mas jamais aos juízes togados. Tem redação expressa no art.
10º da Declaração dos Direitos Humanos: “[...] de um tribunal independente e
imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres [...]” 280; no art. 8.1 da Convenção
Americana sobre os Direitos Humanos: “[...] por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial [...]”281; no art. XXVI na Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito de ser ouvida
em uma forma imparcial e pública [...]”282.
O Código de Ética da Magistratura parece ser o único diploma legal nacional
que conceitua a imparcialidade, em seu art. 8º, quando apresenta:
O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.283
Por fim, no que enseja ao direito de ação, a ação de revisão criminal pode ser
considerada uma possibilidade de atuação quando se comprova ulteriormente, por
exemplo, que um juiz atuou de forma imparcial, pois é previsto no art. 621 do CPP que
tal ação será admitida em hipóteses de sentença condenatória contrária à lei ou às
provas, donde se extrai que é uma hipótese onde poderia haver interferência direta
do juiz do caso originário.
280ONU. United Nations Human Rights Office of the High Commissioner. Disponível em: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por>.Acesso em: 6 abr. 2019. 281COMISSÃO Interamericana de Direitos Humanos. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm >. Acesso em: 18 ago. 2018. 282CÂMARA DOS DEPUTADOS. Declaração dos Direitos e Deveres do Homem. [S.l.]. Disponível em:<http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/DecAmeDirDevHom.html>. Acesso em: 18 de ago. 2018. 283CNJ. Código de Ética da Magistratura, [S.l.], 18 set. 2008. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/publicacoes/codigo-de-etica-da-magistratura>. Acesso em: 24 mar. 2019.
59
3.2.3 Como a Imparcialidade no Âmbito Criminal Pode Ser Aferida?
A dificuldade em se tratar da temática se dá exatamente pelo aspecto de que
nem sempre a imparcialidade será aquela manifestada às claras, como nas hipóteses
de suspeição ou impedimento. A “exteriorização”, portanto, é a forma como pode ser
observado um ato imparcial, mas não necessariamente suscitada em uma ação penal,
até porque, sem embargos, precisaria ser comprovada, e nem todas as omni decisões
imparciais – pois algumas são inconscientes – podem ser provadas. Interessante que
alguns dispositivos trazidos pela doutrina são legais, mas nem por isso deixam de
sofrer críticas quanto a esta temática. Ademais, está se falando de um elemento
subjetivo, quando não objetivo, extremamente complexo e quase invisível, que pode
contaminar desde uma simples decisão, que indefere uma prova ou testemunha, até
uma sentença penal que pode condenar alguém a décadas, desde que devidamente
fundamentada, sendo a discricionariedade vinculada uma “guarda-chuvas” jurídico.
Se existem as garantias e formas de se vincular a parcialidade pela lei, quando
estas são rompidas tem-se exemplos clássico de imparcialidade. Se uma
Desembargadora manda soltar seu filho, preso por tráfico de drogas, ela foi
imparcial284, mas se um juiz condenar um adversário político de determinado partido
político “X”, e depois, exonerado, assume um cargo político na pasta do executivo
daquele partido “X”, como Ministro da Justiça, não se pode afirmar com objetividade
que tenha agido de forma imparcial no julgamento285. Essa é a dificuldade prática em
lidar com este tema arraigado de elementos que não se podem explicitar usualmente.
Não é objetivo aprofundar e exaurir os exemplos, até porque impraticável, mas
exemplificar algumas situações, não exatamente intra ação penal, de como e quando
um juiz age de forma imparcial, dando uma roupagem prática a toda teoria que foi
despendida nos capítulos anteriores.
Auri Lopes Jr. traz uma abordagem interessante relacionada à gestão das
provas, sendo esta, alias “a função crucial na distinção dos sistemas”286, pois de
284DESEMBARGADORA que pessoalmente tirou filho traficante da cadeia, deverá ser punida pelo CNJ. Jusbrasil, [S.l.]. Disponível em: <https://examedaoab.jusbrasil.com.br/noticias/483453382/desembargadora-que-pessoalmente-tirou-filho-traficante-da-cadeia-devera-ser-punida-pelo-cnj>. Acesso em: 20 mar. 2019. 285POMPEU, Ana. Juiz da “Lava-Jato”: Decisão de Moro de aceitar cargo de ministro reforça críticas de parcialidade. Conjur, [S.l.]. nov. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-nov-01/decisao-moro-aceitar-ministro-reforca-criticas-parcialidade>. Acesso em 23 fev. 2019. 286LOPES JUNIOR, 2017. p. 161.
60
acordo com o autor, a separação de acusar (Ministério Público) e julgar (juiz), de nada
basta se no curso do processo é permitido ao juiz realizar “atos tipicamente da parte
acusadora”. Elenca os atos do código de processo, enfatizando que o problema é a
possibilidade de agir de ofício, e não o juiz realizá-los por si só: art. 310 - converter
prisão flagrante em preventiva; art. 242 - determinar busca e apreensão; art. 127 -
realizar sequestro; art. 209 - ouvir testemunhas não indicadas pelas partes; art. 196 -
novo interrogatório do réu a qualquer tempo; art. 156, I e II - diligências no processo
ou inquérito; art. 385 - condenar mesmo que a acusação peça absolvição e reconhecer
agravantes mesmo que não alegada pela acusação; art. 383 - alterar classificação
jurídica do fato287. Sendo ações típicas de acusação, é natural compreender que o
preceito básico de se manter distante das partes é rompido.
Adicione-se ainda a possibilidade de concessão de habeas corpus de ofício,
conforme art. 64, § 2º do CPP, que para o bem ou para o mal, pode o juiz,
independente dos pedidos, sempre que constatar ilegalidade.
Quando o juiz expressa sua opinião, pode-se extrair que em alguma medida
ele está proferindo um juízo de valor, tanto é que o CNJ proibiu os magistrados de
proferirem opiniões a respeito de candidatos políticos no ano de 2018288. O problema
parece ser maior quando tal opinião é emitida quando um agente político já está preso
em com julgamento de ações penais ainda em curso, e publicamente juízes proferem
um ato de “boa noite” de modo a caçoá-lo289. O CNJ já se manifestou no sentido de
considerar que esse ato é incompatível com a magistratura, pois seria exagero
imaginar que o juiz que julga as ações pendentes, sofreria alguma influência sabendo
qual o posicionamento de parte da sua classe quanto àquele cidadão preso?
A questão é que a ideologia pessoal dos magistrados tem um peso extremo,
chegando ao ponto de ser preponderante sobre a lei ou a jurisprudência. Um estudo
realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná, demonstrou que os
juízes do Estado do Paraná julgam muito mais baseados em critérios pessoais do que
287LOPES JUNIOR, 2017. p. 162. 288CURY, Teo. CNJ proíbe juízes e desembargadores de usar redes sociais para apoiar ou criticar políticos. Estadão, São Paulo, jun. 2018. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,cnj-proibe-juizes-e-desembargadores-de-usar-redes-sociais-para-apoiar-ou-criticar-politicos,70002351040>. Acesso em: 5 abr. 2019. 289CORREGEDORIA investiga juízes por “boa noite, presidente Lula”. Istoé, [S.l.], mar. 2019. Disponível em: <https://istoe.com.br/corregedoria-investiga-juizes-por-boa-noite-presidente-lula/>. Acesso em: 25 mar. 2019.
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em teorias dogmáticas290, o que em tese vai contra a estrutura do ordenamento, cujas
decisões deveriam ser baseadas na Lei e na jurisprudência, evitando excessos, e indo
contra o que dizia Dworkin, de que não importa o que o juiz pensa, suas decisões
devem obedecer a integridade e coerência do direito291.
Usando da palavra, juízes são livres como qualquer cidadão, mas questionável
a forma conduzem o processo, em sentido lato, como quando da fala do
Desembargador Paulo Espírito Santo, do TRF 2ª região, ao dar seu perdão ao
advogado que patrocina a causa: “Eu perdoo o advogado que vem aqui defender
clientes. Essa é a função do advogado e a gente tem que perdoar”292, mesmo sendo
o advogado um prestador de munus público e indispensável à administração da
justiça293. Causa reflexão a eficácia da jurisdição de um importante Tribunal Federal
quando seus membros exteriorizam essa opinião.
Ora, não se espera, como de forma exaustiva foi tratada neste estudo, que o
juiz seja neutro, em uma ideia desde muito tempo superada. É incontroverso que
existe uma subjetividade e que a imparcialidade é uma construção jurídica, que limita
a atuação, objetiva ou subjetiva do julgador, “forçando-o” a apreciar as teses de ambas
as partes, mas mantendo-se alheio, proporcionando tratamento isonômico, em um
aspecto de pressuposto de validade. Diferente disso é aceitar como normal opiniões
e expressões que ferem este pressuposto, pois vê-se que o tratamento jamais será
isonômico a um réu cujo advogado é “pecador”.
Um famoso juiz brasileiro, que veio a se tornar Ministro da Justiça no ano de
2019, disse em um programa de TV, quando ainda era jurisdicionado, que um réu, de
um processo do qual ele era o juiz, era “apenas um mentiroso”294. Bastou para que a
Comissão de Controle de Arquivos da Interpol (CCF) suspendesse um alerta
290CRITÉRIOS subjetivos: ideologia pessoal define decisões de juízes, diz estudo. Conjur, [S.l.], jul. 2012. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-jul-06/ideologia-pessoal-define-decisoes-juizes-estudo-ufpr>. Acesso em: 25 mar. 2019. 291DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 46. 292VASCONCELLOS, Marcos. Contra a corrupção: “Perdoo advogado que vem aqui defender clientes”, discursa desembargador, em voto. Conjur, [S.l.], jul. 2016. Disponível em: <www.conjur.com.br/2016-jul-31/perdoo-advogado-vem-aqui-defender-clientes-desembargador>. Acesso em 25 mar. 2019. 293“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lex: legislação federal e marginalia, Brasília, 5 out. 1988). 294 COMO foi a entrevista de Sergio Moro ao “Roda Viva”. Veja, [S.l.], mar. 2018. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/ao-vivo-juiz-sergio-moro-concede-entrevista-ao-roda-viva/>. Acesso em: 5 abr. 2019.
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internacional da lista de procurados daquele investigado, pois, simplificando, a Interpol
entendeu que o juiz foi parcial295.
São muitos os exemplos de magistrados que vocalizam e mostram-se em
alguma medida parciais e revelam suas inclinações, chegando até à Corte máxima do
País, a exemplo do Ministro Luiz Fux, do STF, que ao tomar conhecimento de
gravações vazadas de investigados em uma grande operação, não economizou ao
afirmar que a “primeira providência que deveria ser tomada era prender eles”,
enquanto outro Ministro, Alexandre de Moraes, ao comentar as relações do Comitê
de Direitos Humanos da ONU de “subcomitê do comitê”296, e o que se percebe são
membros do poder judiciário expressando opinião política, ferindo inclusive diversos
diplomas legais297.
Mas sempre pode ser pior. Não obstante a opinião pessoal “extra autos”, alguns
juízes não se contêm, possivelmente imbuídos do que o professor Conrado Hubner
Mendes chama de “populisprudência”298, algo como versão judicial do populismo, e
acabam fundamentando suas sentenças de maneira pouco ortodoxas, como quando
uma juíza de São Paulo, ao condenar um homem de 30 anos por latrocínio, assim o
fez de forma “lombrosiana”: “[...] Réu não possui estereótipo padrão de bandido,
possui pele, olhos e cabelos claros”299.
A sutileza da imparcialidade reside, basicamente, onde o juiz decide, e pode
acabar tomando parte, tornando-se então parcial, e mesmo que não esteja atuando,
sua opinião pode acabar influenciando outros membros. Pode ser refletida também
295INTERPOL. Assunto: pedido referente ao Sr. Rodrigo Tacla Duran. Comissão de Controle dos Arquivos da Interpol, [S.l.], jul. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/moro-violou-regras-internacionais.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2019. 296MENDES, Conrado Hübner. A fumaça do bom juiz: não é mera bobagem. Sergio Moro despreza rituais elementares da imparcialidade. Época, [S.l.], jun. 2018. Disponível em: <https://epoca.globo.com/politica/Conrado-Hubner/noticia/2018/06/fumaca-do-bom-juiz.html>. Acesso em 25 mar. 2019. 297 CNJ. Provimento n. 71, de 13 de junho de 2018. Dispõe sobre o uso de e-mail institucional pelos membros e servidores do Poder Judiciário e sobre a manifestação nas redes sociais. Corregedoria Nacional de Justiça. [S.l.]. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/provimento/provimento_71_13062018_14062018140648.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2019. 298MENDES, Conrado Hübner. Polisprudência: assim como a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude, a aparência jurídica é o tributo que a polisprudência paga à jurisprudência. Época, [S.l.], abr. 2018. Disponível em: <https://epoca.globo.com/politica/Conrado-Hubner/noticia/2018/04/populisprudencia.html>. Acesso em: 5 abr. 2019. 299SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Execução e Pena nº 0012633-36.2016.8.26.0502. Juiz Hélio Benedin Ravagnani. 2017. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=DY0000G4S0000&processo.foro=496&uuidCaptcha=sajcaptcha_b779f83fe0ce4748a633c179fd538b7f>. Acesso em 25 mar. 2019.
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na instauração de um Inquérito de ofício, a exemplo de recentíssimo caso do STF,
cujo objeto é a apuração de fake news, que atinge a honra dos membros daquela
Corte. A Procuradora Geral foi emblemática:
A atuação do Poder Judiciário, consistente em instaurar inquérito de ofício e proceder à investigação, tem potencial de afetar sua necessária imparcialidade para decidir sobre a materialidade e a autoria das infrações que investigou, comprometendo requisitos básico do Estado Democrático de Direito.300
O CNJ tem atuado bastante, ao perceber que há necessidade de limitar a
atuação dos juízes em diversos órgãos da sociedade, como a ocorrida no ano de
2019, quando vetou a participação dos togados em conselhos estranhos aos do Poder
Judiciário, reforçando uma já existente previsão Constitucional, de que a única
“segunda função” possível é a do magistério. A nota se deu nos termos de, após
tentativa do Governador do Rio de Janeiro de incorporar membros do Ministério
Público e do Judiciário em um Conselho de Segurança Pública, mas que, conforme o
CNJ: “a imparcialidade pressupõem o total desprendimento dos magistrados, de fato
e na aparência, de embaraços políticos e a abstenção do envolvimento em conflitos
de forças políticas”301.
300POMPEU, Ana. Dignidade à justiça: PGR pede esclarecimentos sobre inquérito anunciado por Toffoli. Conjur, [S.l.], mar. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-mar-15/pgr-esclarecimentos-inquerito-anunciado-toffoli>. Acesso em: 06 abr. 2019. 301CNJ. Recomendação nº 35, de 7 de janeiro de 2019. Corregedoria Nacional de Justiça, [S.l.], 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/cnj-proibe-atuacao-juizes-conselhos.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2019.
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4 O MITO DA IMPARCIALIDADE NO PROCESSO PENAL
Antes de mais nada, é destacável que o título do trabalho se trata de uma
afirmação, uma premissa estabelecida e não de um questionamento. Essa decisão
veio da conclusão lógica de que o juiz imparcial é um mito, uma lenda, algo que pode
ou não ser comprovado, pode ou não ter comprovação empírica, mas que
notadamente paira no imaginário das pessoas, existindo um senso comum sobre isso,
mas sem a devida comprovação da veracidade sobre o fato. É como a dinâmica
apresentada na aclamada série de TV americana do canal Discovery Chanel, “Myth
Busters”, ou, Caçadores de Mito: eles se valem de métodos científicos para testar a
validade de rumores, lendas e mitos, mas assumindo que os mitos existem, aliás, esse
é um pressuposto para o teste no programa, não se testa um mito que não existe.
Assim, tal qual você assume que existe um mito de que “manga com leite” faz
mal e pode causar desconforto digestivo ou, “um raio não cai duas vezes no mesmo
lugar”, assume-se que existe um mito de que o juiz plenamente imparcial é um mito,
e põe-se a testá-lo, com as teorias, dogmáticas e o que mais prouver a ciência jurídica
a fim de desmistificá-lo, ou não.
4.1 MITO DO JUIZ IMPARCIAL – POR QUÊ?
Levantada a premissa inicial de que o juiz imparcial é um mito, cabe avaliar e
tentar compreender, a fim de contextualizar e tratar essa afirmação como uma
hipótese válida, a ser “testada”, por que razão existe esse mito, essa “desconfiança”
por assim dizer de que os juízes são imparciais.
Ora, os magistrados são submetidos a concursos públicos dos mais
concorridos, chegando ao ponto de ocorrerem reprovações maciças, faltando
candidatos para vaga, a ponto de comprometer a própria celeridade do Judiciário302.
São presumidamente exímios conhecedores da lei, esta mesma lei que os impede de
serem parciais, como poderiam, então, tomarem parte, de alguma forma?
302PACHECO, Lorena. Alto grau de complexidade provoca reprovação em massa nos concursos par juiz. Correio Web, [S.l.], set. 2014. Disponível em: <http://concursos.correioweb.com.br/app/noticias/2014/09/16/noticiasinterna,33553/alto-grau-de-complexidade-provoca-reprovacao-em-massa-nos-concursos-pa.shtml#.XJo7RihKiM8>. Acesso em: 26 mar. 2019.
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Parte da resposta já se demonstrou “cientificamente”, através de diversas
teorias, que denotam que o processo de tomada de decisão não pode ser reducionista
tal qual a aplicação da lei, como silogismos, de premissas maior e menor. Outra parte
da resposta pode ser dada pelas influências inconscientes, tal qual demonstrado por
aspectos práticos e teóricos. Por fim, não se pode olvidar que a imparcialidade é uma
norma prescritiva, portanto deontológica, impondo um “dever ser” ao magistrado.
Então, uma avaliação a ser feita é a de que esta alegoria, do juiz ser imparcial,
existe exatamente porque as ciências diversas assim a refutam, pois, pelo contexto,
é compreensível que o juiz não o seja.
Espraiando da área científica para o senso comum, esse mito pode existir pois
há um entendimento que para os juízes não há muitas sanções, sendo praticamente
impuníveis, pois só perdem o cargo após sentença criminal transitada em julgado e
poucos sofrem punições. Dados do CNJ demonstram que entre 2008 e 2018 foram
87 (oitenta e sete) punições, sendo que a maioria das “penas” foi a de aposentadoria
compulsória, em 55 (cinquenta e cindo) casos, sendo esta a pena mais “grave”, para
aqueles que estão há mais de dois anos na magistratura. Foram somente 5 (cinco)
demissões no período apurado303.
Em julgamento realizado pelo CNJ a um Juiz do Tribunal de Justiça do Estado
do Ceará, por ter sido comprovadamente parcial em uma ação cujo objeto era a
religação da energia da sua própria residência, a pena aplicada foi a de censura304.
Segundo levantamento do projeto “Supremo em Pauta”, da FGV, em mais de 90 casos
em que foi suscitada a suspeição ou impedimento dos Ministros do Supremo, sequer
a Presidência da casa colocou a votação no Plenário305, dando ares de que na mais
alta Corte parece ser impossível que exista parcialidade em qualquer medida.
Há ainda casos de corrupção extrema, que vilipendiam a imagem da classe,
citando-se o exemplo do juiz condenado a ressarcir a União em 1 Bilhão, em face de
303CNJ. Em 11 anos, CNJ aplica 87 punições a magistrados e servidores. Notícias CNJ, [S.l.], jun. 2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87087-em-11-anos-cnj-aplica-87-punicoes-a-magistrados-e-servidores>. Acesso em 26 mar. 2019. 304CNJ. Juiz do TJCE acusado de parcialidade recebe pena de censura do CNJ. Notícias CNJ, [S.l.], set. 2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83544-juiz-do-tjce-acusado-de-imparcialidade-recebe-pena-de-censura-do-cnj>. Acesso em 25 mar. 2019. 305FGV. Supremo em pauta. Disponível em: <https://direitosp.fgv.br/supremoempauta>. Acesso em: 30 mar. 2019.
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suas decisões que geravam prejuízos aos cofres públicos306, ou do juiz que ficou
famoso por dirigir um veículo custodiado do empresário Eike Batista, condenado a
mais de 50 anos de prisão por crimes de peculato e falsidade ideológica307.
O ser humano possui uma inclinação a valorar mais aspectos negativos –
inclusive por uma tendência biológica308 – conforme explica Pamplona Filho, citando
Charles Barbosa, que ensina que tal propensão constitui “elemento atávico ao ser
humano” e dessa característica não se poderia fugir309, então se é natural que o ser
humano tenha essa propensão a pensar que os juízes não ajam “corretamente”,
reforça-se o mito. Em especial no Brasil, que é o 105º em percepção de corrupção
(IPC), índice que indica como o poder público é visto pelas classes empresárias,
acadêmicos e por outros segmentos sociais, tal dado pode fomentar uma visão
alargada, que poderia atingir também aos magistrados310.
Notícias outras que emanam da mídia, como as de que juízes cometeram
crimes ou de que são efetivamente parciais para julgar alguns casos penais
igualmente reforçam a construção deste mito, mesmo que estes motivos não sejam
exatamente as causas de imparcialidade.
A demora que existe para ser julgada uma ação judicial no Brasil, que em média
leva 4 anos e 4 meses para a sentença em 1º grau (justiça estadual), mas podendo
chegar a 7 anos em alguns estados, pode corroborar, no senso comum, o sentimento
de que os juízes não cumprem bem o seu papel, por mais que isso não seja verdade,
haja vista casos onde um único juiz já esteve responsável por mais de 450 mil
306CELERIDADE seletiva: juiz é condenado a ressarcir União em R$ 1 bilhão por causa de decisões. Conjur, [S.l.], nov. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-nov-30/juiz-condenado-ressarcir-uniao-bilhao-decisoes>. Acesso em: 5 abr. 2019. 307CAVALCANTI, Glauce. Ex-juiz do caso Eike é condenado a 52 anos de prisão: magistrado responde pelos crimes de peculato, falsidade ideológica e destruição de documentos. O Globo, [S.l.], fev. 2018. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/economia/ex-juiz-do-caso-eike-condenado-52-anos-de-prisao-22416483>. Acesso em: 30 mar. 2019. 308SMITH, Kerri. Genes influence emotional memory. Nature International Weekly Journal of Science [S.l.], jul. 2007. Disponível em: <https://www.nature.com/news/2007/070730/full/news070730-1.html>. Acesso em: 5 abr. 2019. 309PAMPLONA FILHO, Rodolfo; BARBOSA, Chales. Reflexões filosóficas sobre a neutralidade e mparcialidae no ato de julgar e o projeto do novo código de processo civil. Lex Magister, [S.l.]. Disponível em: <http://www.editoramagister.com/doutrina_23128291_REFLEXOES_FILOSOFICAS_SOBRE_A_NEUTRALIDADE_E_IMPARCIALIDADE_NO_ATO_DE_JULGAR_E_O_PROJETO_DO_NOVO_CODIGO_DE_PROCESSO_CIVIL.aspx>. Acesso em: 05 nov. 2018. 310LUIZ, Gabriel. Brasil piora em ranking de percepção de corrupção em 2018. G1: Mundo, jan. 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/01/29/brasil-fica-cai-para-105o-lugar-em-ranking-de-2018-dos-paises-menos-corruptos.ghtml>. Acesso em 26 mar. 2019.
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processos311. Ademais, o judiciário, para boa parte da população, é lento, caro e difícil
de utilizar312.
Essas informações e dados concretos podem ser o fundamento para que
somente 29% da população confia no Poder Judiciário313, de onde pode-se inferir que
a parcialidade é uma das causas, haja vista que 70% da população, conforme
pesquisa de 2017, avaliam que o judiciário é nada/pouco competente e
independente314.
Aury Lopes Jr. auxilia na compreensão da arqué deste mito, que em alguma
medida é relacionado à postura dos juízes fora dos autos:
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos há muito tempo, e em diversas oportunidades, tem apontado a violação da garantia do juiz imparcial, destacando, ainda, uma especial preocupação com aparência de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos a Administração da Justiça, pois, ainda que não se produza o pré-juízo, é difícil evitar a impressão de que o juiz (instrutor) não julga com pleno alheamento. Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos jurisdicionados, especialmente na esfera penal.315
Os ensinamentos do autor, que retrata a posição desse importante Tribunal
Internacional, se coadunam com as já apresentadas proposições do CNJ, de que o
juiz deve não só ser imparcial, mas mostrar-se imparcial, tal qual o provérbio que se
refere a Pompéia, segunda esposa de Júlio César, de que “a mulher de César não
basta ser honesta, deve parecer honesta”316, estando acima de qualquer suspeita,
chegando o CNJ a ponto de orientar os magistrados quanto ao uso das redes sociais,
através do provimento nº 71, de 2018, que, por exemplo, determina que os juízes
evitem “[...] nos perfis pessoais nas redes sociais, pronunciamentos oficiais sobre
casos em que atuou” ou que a postura do juiz deve ser tal que “[...] não deve
311BRETAS, Valéria. Quanto tempo a justiça do Brasil leva para julgar um processo? Exame, [S.l.], nov. 2016. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/quanto-tempo-a-justica-do-brasil-leva-para-julgar-um-processo/>. Acesso em: 5 abr. 2019. 312FGV. Relatório ICJ Brasil: 1º semestre 2017. p. 18. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/19034/Relatorio-ICJBrasil_1_sem_2017.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 26 mar. 2019. 313FGV. Índice de confiança no judiciário aponta que apenas 29% da população confia na justiça. Portal FGV, [S.l.], nov. 2016. Disponível em: <https://portal.fgv.br/noticias/indice-confianca-judiciario-aponta-apenas-29-populacao-confia-justica>. Acesso em: 27 mar. 2019. 314FGV, op. cit., p. 18. 315 LOPES JUNIOR, 2010. p. 158; 162. 316BRITO, Carla. À mulher de César não basta ser honesta , tem que parecer honesta. Estórias da História, [S.l.], jan. 2016. Disponível em: <http://estoriasdahistoria12.blogspot.com/2016/01/a-mulher-de-cesar-nao-basta-ser-honesta.html>. Acesso em 26 mar. 2019.
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comprometer a imagem do Poder Judiciário”317. Ainda sobre o tema, o julgado
esclarecedor:
7 - No caso concreto, os excipientes alegam que o excepto deve ser afastado da condução da ação penal de nº 0000796-92.2016.4.03.6116, porque não tem condições de conduzi-la com imparcialidade, já que lhes imputou a prática dos crimes de ameaça e coação no curso do processo. 8 - Não se critica a conduta do magistrado em noticiar os fatos ocorridos ou solicitar investigações, mas a partir do momento em que a ocorrência deixa de ser um simples fato noticiado, passando o julgador a se comportar como verdadeira vítima de conduta atentatória contra sua própria vida praticada pelo jurisdicionado a receber sua sentença, parece óbvio que, assim como para qualquer pessoa, a possibilidade de que se profira uma decisão partidária é real e até compreensível. 9 - Embora não se vislumbre, absolutamente, condutas parciais por parte do magistrado na condução da ação principal, tal situação sequer necessitaria restar configurada. Basta a possibilidade concreta de ofensa à imparcialidade do julgador, para que se recomende o seu afastamento da condução do feito, isto é, não basta ser imparcial, mas também demonstrar imparcialidade.318
Mais um elemento a que se pode atribuir à construção do mito em análise é a
de que há grandes julgamentos históricos marcados exatamente pela injustiça e
parcialidade dos seus procedimentos, mas que não necessariamente dos seus
julgadores. Cita-se, somente a título ilustrativo, os julgamentos de Sócrates, Jesus
Cristo, Joana d’Arc, Jean Calas, Sacco e Vanzetti, Martinho Lutero e Galileu319, entre
outros, que marcam o consciente e inconsciente das pessoas, que crescerem ouvindo
sobre tais casos famosos e históricos, de personagens simbólicos.
Notícias e casos diversos de que pessoas passam anos presas ou condenadas
à morte (nos países onde a prática é legalizada) de maneira injusta são muito comuns
e quase banais, têm grande apelo midiático, a ponto de serem motivo para estatísticas
e constante críticas dos sistemas judiciários. A “National Registry of Exonerations”,
organização da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan, divulga
317CNJ. Provimento Nº 71 de 14/06/2018. Dispõe sobre o uso do e-mail institucional pelos membros e servidores do Poder Judiciário e sobre a manifestação nas redes sociais. Conselho Nacional de Justiça, [S.l.], jun. 2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3489>. Acesso em: 26 mar. 2019. 318SÃO PAULO. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Exceção de suspeição criminal nº 0000931-07.2016.4.03.6116. Rel. Des. Cecília, Mello, 2016. Disponível em: <http://web.trf3.jus.br/base-textual/Home/ListaColecao/9?np=1>. Acesso em: 6 abr. 2019. 319CHIARADIA, Janaina. Independência entre a lei e a justiça, e os grandes julgamentos, é tema de discussão entre juristas. Paraná Portal, [S.l.], 2018. Disponível em: <https://paranaportal.uol.com.br/opiniao/in-loco-novas-tendencias-do-direito/juristas-comentam-sobre-grandes-julgamentos-e-os-reflexos-sociais-independencia-entre-a-lei-e-a-justica/>. Acesso em: 26 mar. 2019.
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anualmente a relação de presos inocentados nos Estados Unidos, sendo que desde
1989 foram mais de 2400 pessoas inocentadas, 38 delas só em 2019320.
Isso não significa dizer que os juízes erraram naqueles casos ou foram parciais,
a propósito, boa parte das razões para as condenações injustas têm relações com as
provas ou má conduta dos policiais321, mas a realidade é que notícias como essas, de
pessoas condenadas injustamente, estão no dia a dia dos noticiários, corroborando
indiretamente para a descrença na justiça e no juiz.
As grandes operações policiais e ações penais que ficaram famosas no Brasil,
desde o ano de 2013, muitas vezes são cunhadas de operações ideológicas ou de
fins políticos, cujos réus são figuras desde há muito enraizadas na esfera política, com
condenações que chegam a dezenas de anos, por diversos processos. Já alertava
Salah Khaled Jr., que a lei submetida ao uso político incrementa a sorte da
arbitrariedade judicial e faz do juiz um ator político cujos abusos são “imunizados”322,
entendimento este endossado por mais de 200 professores de processo penal de
várias instituições brasileiras, que em 2016 se manifestaram contrários ao uso político
do processo criminal323.
O problema aumenta quando advogados publicamente, em especial os
defensores dos grandes políticos, se posicionam, compreensivelmente, criticando
instituições e operações para justificar grandes condenações sofridas, principalmente
quando os acusados representam ideologicamente uma grande parcela da população,
a exemplo do ex-presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, cujo advogado
declarou abertamente que o juiz do caso se tornou “acusador, o que é incompatível
com a função do juiz”324, portanto, parcial, tecnicamente. O reflexo disso são pessoas
320THE National Registry of Exonerations. University Of California Irvine Newkirk Center For Science & Society, University Of Michigan Law School & Michigan State University College Of Law. Disponível em: <http://www.law.umich.edu/special/exoneration/Pages/Exonerations-in-the-United-States-Map.aspx>. Acesso em: 26 mar. 2019. 321MELO, João Ozorio de. ERROS JUDICIAIS: Estudo Mostra Porque Inocentes São Condenados À Prisão. Conjur., [S.l.], fev. 2014. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-fev-16/estudo-mostra-porque-tantos-inocentes-sao-condenados-prisao-eua>. Acesso em: 5 abr. 2019. 322KHALED JR. Salah. A condução coercitiva de Lula e a economia moral de ilegalidades. Justificando, mar. 2016. Disponível em: http://justificando.com/2016/03/07/a-conducao-coercitiva-de-lula-e-a-economia-moral-de-ilegalidades/>. Acesso em: 27 mar. 2016. 323PROFESSORES de Processo Penal se manifestam contra o uso político do sistema de justiça criminal. Jusbrasil, [S.l.]. Disponível em: <https://portal-justificando.jusbrasil.com.br/noticias/314931724/professores-de-processo-penal-se-manifestam-contra-o-uso-politico-do-sistema-de-justica-criminal>. Acesso em 27 mar. 16. 324OPERAÇÃO Lava Jato: Advogado de Lula diz que Moro perdeu imparcialidade para julgar Lula. Jornal do Comércio. Disponível em:
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que, ligadas ideologicamente às causas, acabam por desacreditarem no juiz e na ação
penal, enfraquecendo a instituição de jurisdição. Independentemente se este ou
aquele juiz tenha sido parcial, a mácula se estende por toda a classe, reforçando o
mito dos juízes serem imparciais, pois não retratam a realidade fática. Obviamente
que quando existem tais juízes, soma-se para que genuinamente o mito se confirme.
A prática do lawfare, o “agir estratégico” ou uso indevido do Direito pelos juízes
vem sendo repreendido pelo Supremo Tribunal Federal, o que demonstra que os
juízes parecem querem fazer a “coisa certa”, porém, “da forma” errada, o que os
coloca em posição proativa, ou seja ,da acusação, e os tornam parciais.
Um exemplos prático de lawfare seria aquele que, vide ADPF 444, aduz que a
condução coercitiva só poderia ser utilizada quando notificado o indiciado, e este se
recusasse a comparecer à autoridade policial, o que foi desvirtuado quando da prisão
do ex-governador do Estado do Paraná, já que foi preso em 2018 por supostos fatos
delituosos de 2010, logo, não contemporâneos e injustificáveis como fundamento para
prender. Outro exemplo foi quando o Ministro Dias Toffoli “reprochou” um famoso ex-
juiz Federal por tentar burlar o próprio entendimento do STF:
Pois bem, à luz do entendimento fixado na ação paradigma, entendo, neste juízo de cognição sumária, que a decisão do Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba tentou burlar o entendimento fixado no acórdão invocado como paradigma, ao receber a denúncia do Ministério Público Federal, acolhendo, sob a roupagem de corrupção passiva, os mesmos fatos que o Supremo Tribunal Federal entendeu - a partir dos termos de colaboração contidos na PET 6.986 - que poderiam constituir crime eleitoral de falsidade ideológica (artigo 350 da Lei 4.735/65), por se tratar de doações eleitorais por meio de caixa dois.325
Por fim, não para taxar o rol, mas para ampliar os motivos pelos quais forma-
se o mito de que há imparcialidade no julgador da seara penal, destaca-se a ausência
de uniformização das decisões, que não é uma exclusividade da esfera criminal.
Contudo, casos criminais paradigmáticos como o do ex-ministro José Dirceu,
condenado em primeira e segunda instância a mais de 30 anos de prisão, e que
conseguiu, através de uma medida cautelar, suspender o cumprimento da pena,
cumprindo-a provisoriamente em liberdade, causam furor.
<https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2016/09/politica/522058-advogado-de-lula-diz-que-moro-perdeu-imparcialidade-para-julgar-lula.html>. Acesso em: 27 mar. 2019. 325STF. Supremo Tribunal Federal. MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO nº 31.590. Rel. Min. Dias Toffoli, 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/toffoli-moro-tentou-burlar-stf-suspende.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2019
71
Chamou a atenção que o argumento despendido pela 2ª Turma do STF foi o
da “plausibilidade jurídica na argumentação”326 na aplicação da pena, o que vai contra
a remansosa e recorrente fundamentação de que, quando preso é condenado no
primeiro grau, é incomum o juiz soltar o condenado para recorrer em liberdade, quem
dirá fazê-lo após confirmação da sentença pelo Tribunal. Outro exemplo de falta de
coerência nas decisões do ordenamento pode ser extraído da etapa de execução da
pena, onde, após o STJ e o STF decidirem que os delitos de tráfico privilegiado (art.
33, § 4º) e a associação para o tráfico (art. 35), ambos da Lei 11.343/206, são comuns
e não comparados a hediondo327, portando suscetíveis de indulto presidencial, é muito
comum que os juízes de execução não concedam tais indultos, havendo necessidade
de recursos para que seja alcançado o direito subjetivo.
Muitos outros aspectos poderiam ser lançados à mesa para compreender o
mito, mas à guisa de como foram elencados, compreendem-se satisfatórios os
exemplos, pois além de práticos e pragmáticos, são representativos do que traz a
melhor doutrina e literatura jurídica. Repisa-se, a imparcialidade:
Não sacrifica a verdade e a justiça à própria conveniência ou à conveniência de outros, para tirar proveito pessoal, nem faz pesar no julgamento fatos anteriores ou informações que possam prejudicá-lo ou favorecê-lo individualmente. A imparcialidade não permite favoritismo, mas deve levar em conta o grau de responsabilidade individual quando se trata de punições.328
Se a imparcialidade é coligada à definição supra, os exemplos aqui trazidos
remetem exatamente ao contrário, explicando a razão pela qual se forma o senso
comum coletivo de que há um mito na esfera jurídica, dentre outros, de que o juiz
criminal é imparcial, conquanto se observe, que, em realidade, isso não se comprove.
326STF. Suspensa execução das penas de José Dirceu e João Cláudio Genu. Notícias STF, 2018. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=382521>. Acesso em: 27 mar. 2019. 327STF. Crime de tráfico privilegiado de entorpecentes não tem natureza hedionda, decide STF. Notícias STF, 2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=319638>. Acesso em: 5 abr. 2019. 328IMPARCIALIDADE. In: Dicionário de Filosofia. [S.l.: s.n.]. Disponível em: <https://sites.google.com/view/sbgdicionariodefilosofia/imparcialidade>. Acesso em: 27 mar. 2019.
72
4.2 EXPOSIÇÃO DE CASOS CONCRETOS
Notadamente, existe uma dificuldade objetiva em se analisar e apontar
peremptoriamente que um conteúdo criminal foi imparcial. Ainda assim, é possível por
vias indiretas, perceber situações que, conjugadas com os conceitos explanados de
imparcialidade, podem exprimir a própria parcialidade.
A análise dos casos concretos permite, por vezes, proporcionar melhor
visualização da aplicação, ou não, do princípio, superando assim elucubrações
teóricas, dogmáticas e abstratas. Não somente no substrato do processo penal, na
“sentença”, em sentido lato, é que pode ser feita uma aferição da justiça aplicada, seja
do juiz com relação às provas, ou do juiz e seu animus em não se tornar parte,
mantendo isonômica a relação entre os atores processuais, detectável em micro
decisões, por vezes incapazes de serem impugnadas.
Inicia-se a análise através dos clássicos, de 1982, Piersack vs. Belgium e de
1984, De Cubber vs. Belgium329, julgados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos,
que materializam a parcialidade, já que o juiz do primeiro caso, antes de sentenciar a
causa, atuou como órgão do Ministério Público que conduziu aquela investigação. Já
o segundo caso teve foco na discussão de um juiz-investigador poder participar
posteriormente do julgamento do feito, sendo que em ambos os casos o TEDH
reconheceu ser impossível tais julgamentos por magistrados que atuaram na fase de
investigação330, o que se coaduna com as pretensões ainda não materializada do “juiz
de garantias” do Projeto de Lei do Senado nº 156/2009.
A orientação do TEDH, que permitiu a análise da imparcialidade de forma
subjetiva – aquela da convicção íntima – e objetiva – relacionada à postura – sendo
certo que de ambas erradia “a desconfiança e a incerteza na comunidade e nas suas
instituições”331.
A revista de Doutrina da Magistratura da 4ª Região faz um contraponto aos
aspectos de imparcialidade, tecendo críticas aos entendimentos dos casos
329TRF-4. Revista de Doutrina da 4ª Região. Disponível em: <http://revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao040/Mauro_andrade.html#07>. Acesso em: 27 mar. 2018. 330LOPES JUNIOR., Aury. A opacidade da discussão em torno do Promotor Investigador (Mudem os inquisidores, mas a fogueira continuará acesa). Boletim IBCCrim, Rio de Janeiro, a. 12, n. 142, set. 2004, p. 11. 331LOPES JUNIOR, 2016. p. 65.
73
paradigmas do TEDH, entendendo desnecessário, por exemplo, o juiz de garantias,
haja vista que “os instrumentos, hoje presentes no direito brasileiro, são mais que
suficientes para preservar a imparcialidade do seu juiz”332:
Em síntese, ao contrário do que sustenta essa linha doutrinária, absolutamente nada tem o Brasil a aprender com as apontadas decisões proferidas pelo TEDH. [...] facilmente afastariam a invocação do Caso Piersack vs. Bélgica e do Caso De Cubber vs. Bélgica, e se dariam conta de que um juiz não perde sua imparcialidade pelo simples fato de haver atuado na fase de apuração.
Na jurisdição nacional há exemplos de imparcialidade, desde os mais
esdrúxulos, como o do juiz do Pará, punido pelo CNJ por ter recebido mais de 70 mil
reais para soltar um suspeito de homicídio333, aos questionáveis ideologicamente,
como o do caso do Desembargador Federal que fora filiado por 20 anos ao partido
político do ex-presidente Lula, “oportunamente”, quando de plantão, determinou a
soltura daquele, concedendo-lhe Habeas Corpus334, bem como do Ministro do STF
Dias Toffoli que, sendo assessor jurídico do mesmo partido em anos anteriores, não
se viu suspeito ao julgar (propor a liberdade) de José Dirceu, que era chefe da Casa
Civil do governo em período concomitante à assessoria do agora Ministro335, e dada
a relativização da suspeição, vide artigos 251 a 256 do CPP, objetivamente não havia
hipótese de incidência. A propósito, sobre as hipóteses de não isenção do juiz, importa
o julgado do HC 146.796, de São Paulo:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. ALEGAÇÃO DE PARCIALIDADE DE MAGISTRADO FEDERAL. HIPÓTESES DO ART. 254 DO CPP. NÃO TAXATIVIDADE. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA POR AUSÊNCIA DA FASE DE INSTRUÇÃO. NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO. IMPARCIALIDADE DO JULGADOR. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA. 1. Se é certo que o impedimento diz da relação entre o julgador e o objeto da lide (causa objetiva), não menos correto é
332ANDRADE, Mauro Fonseca. O Juiz das Garantias na interpretação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 40, fev. 2011. 333LELLIS, Leonardo. Punições do CNJ atingem de “juiz barraqueiro” a “vingativo”. Veja, [S.l.], jul. 2018. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/punicoes-do-cnj-atingem-de-juiz-barraqueiro-a-vingativo/>. Acesso em: 28 mar. 2018. 334PIERRY, Flavia. Desembargador que mandou soltar Lula foi filiado ao PT por quase 20 anos. Gazeta do Povo, [S.l.], jul. 2018. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/desembargador-que-mandou-soltar-lula-foi-filiado-ao-pt-por-quase-20-anos-8vdbr9hkjleylctjr6rf4gtxa/>. Acesso em: 25 mar. 2019. 335LANDIM, Raquel. Os motivos pelos quais Toffoli deveria ter se declarado impedido no caso Dirceu. Folha de São Paulo, São Paulo, jun. 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/raquellandim/2018/06/os-motivos-pelos-quais-toffoli-deveria-ter-se-declarado-impedido-no-caso-dirceu.shtml>. Acesso em: 30 mar. 2019.
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afirmar que a suspeição o vincula a uma das partes (causa subjetiva). 2. Tanto o impedimento quanto a suspeição buscam garantir a imparcialidade do Magistrado, condição sine qua non do devido processo legal, porém, diferentemente do primeiro, cujas hipóteses podem ser facilmente pré-definidas, seria difícil, quiçá impossível, ao legislador ordinário prever todas as possibilidades de vínculos subjetivos (juiz e partes) susceptíveis de comprometer a sua imparcialidade. 3. Para atender ao real objetivo do instituto da suspeição, o rol de hipóteses do art. 254 do CPP não deve, absolutamente, ser havido como exaustivo. É necessária certa e razoável mitigação, passível de aplicação, também e em princípio, da cláusula aberta de suspeição inscrita no art. 135, V, do CPC c/c 3º do CPP.336
Ainda, há casos nos quais não se pode afirmar objetivamente a imparcialidade,
porém, dada a discrepância de entendimentos entre um juiz de primeiro grau que
condena e o Tribunal que reforma a sentença, infere-se pela sua existência. Trata-se
do caso do julgamento de executivos de uma construtora com denúncia por esquema
de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a Petrobrás, em 2018.
Em primeiro grau, respondendo presos ao processo, os acusados foram
condenados a 11 (onze) anos de prisão, com o fundamento de que havia “[...] robusta
prova de corroboração que preexistia, no mais das vezes, à própria contribuição dos
colaboradores.”337. Em sede de apelação, após 05 (cinco) meses, ainda no ano de
2018, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou integralmente a sentença,
por falta de provas338, em um entendimento diametralmente oposto, conquanto um
juiz federal de primeiro grau vê “robusta prova”, o Tribunal simplesmente não as
percebe. Não é de se imaginar que o juiz estivesse contaminado em sua opinião, seja
pela mídia, pelo contexto político que o país vivia, pelas pressões sociais, ou pela
própria situação de outros corréus nos mesmos autos, colocando todos em um mesmo
patamar de “culpabilidade”, talvez pelo contexto profissional, possivelmente em um
“quadro mental paranoico”, alicerçando a condenação em elementos que só o próprio
juiz encontrou.
Quiçá, por se tratar de graus de jurisdição distintos, seria possível imaginar que
o juiz, próximo aos fatos e provas, tem uma visão distinta do Tribunal, que os observa
336SÃO PAULO. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. HC nº 146796/SP. Re. Min. Arnaldo Esteves Lima, 2010. Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19155899/habeas-corpus-hc-146796-sp-2009-0175180-7/inteiro-teor-19155900?ref=juris-tabs>. Acesso em: 6 abr. 2019. 337CURITIBA. Justiça Federal - Seção Judiciaria do Paraná, 13ª Vara Federal de Curitiba. AÇÃO PENAL Nº 508337605.2014.4.04.7000/PR. Eletronicamente assinado por Sérgio Fernando Moro. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/dl/sentenca-oas-lava-jato.pdf>. Acesso em 30 mar. 2019. 338RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação criminal nº 5083376-05.2014.4.04.7000/PR. Rel. Des. João Pedro Gebran Neto, 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/acordao-oas-trf-regiao.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2019.
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de maneira mais longínqua. Quem sabe se o conteúdo probatório de primeiro grau
pudesse ser avaliado por dois juízes distintos – algo improvável – não houvesse
nenhuma inflexão, haja vista a proximidade de ambos dos fatos e das provas, correto?
Surpreendentemente não. Trata-se de uma ação penal339 de crime, em tese, de
latrocínio, em um exemplo talvez menos técnico, mas pragmático, portanto, de fácil
compreensão e “convencimento”, de que houve certa parcialidade de algum dos
juízes. Explica-se.
Após realizada toda a instrução probatória, a juíza do caso, por compreender
que não restou provado um dos elementos subjetivos do latrocínio, no caso o animus
furandi (dolo de roubar), decidiu pela desclassificação do delito para homicídio e
remessa dos autos à Júri. Por uma tecnicidade processual do art. 384 do CPP, tal
decisão foi impugnada pela acusação e reformada pelo Tribunal de Justiça do Paraná.
O Ministério Público quedou-se inerte quando da intimação para o aditamento da
denúncia e nova definição jurídica do fato, discordado da juíza, que irresignada,
submeteu a negativa do promotor de justiça ao Procurador Geral (vide art. 28 do CPP),
que ratificou o entendimento do promotor, mantendo-se a denúncia inicial.
Passado um ano, novo juiz assume a Vara e, sobre as mesmas provas e fatos,
o acusado foi sentenciado a uma pena de 24 anos de reclusão, pois, de acordo com
a fundamentação restou inequívoca a autoria do delito.
Estarrece a falta de coerência. Como seria possível que dois juízes experientes,
investidos de jurisdição, tivessem tamanha discordância sobre o mesmo evento,
sendo que um “absolveu” daquele crime, desclassificando, por não haver prova, e
outro cabalmente condena, por serem vastas as provas? Comparados os
fundamentos de ambas340 as sentenças, estas não parecem tratar dos mesmos fatos:
339PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Ação Penal nº 0003467-48.2015.8.16.0031. Consulta pública ao processo. Disponível em: < https://projudi.tjpr.jus.br/projudi_consulta/:>. Acesso em: 6 abr. 2019. 340Id.
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Quadro 1 – Sentença de Pronúncia e Sentença de Condenação:
Sentença de Pronúncia Sentença de Condenação
"[...] não se é possível, a não ser por ilações, presunções ou suposições, afirmar que os acusados [...] tenham praticado a conduta a eles imputada na denúncia, em relação a este fato delituoso, imbuídos do dolo específico [...] de subtrair o aparelho de telefone."
"Assim, diante de todas as provas, não há dúvidas de que os réus ANTONINHO e GEOVANO foram os autores do delito de latrocínio praticado."
"O acervo probatório arrecadado aos autos não permite concluir, indene de dúvidas, que os acusados teriam, em tese, ceifado a vida da vítima, Antônio Makuch, com o objetivo de garantir a subtração do aparelho de telefone celular desta."
"os acusados comentaram que não tinham dinheiro para beber porque aquela não tinha quitado o débito, razão pela qual subtraíram o aparelho de aparelho celular de Antônio, oportunidade em que ceifaram a sua vida."
"A testemunha Joanez Gaspar Pinto Junior, ouvida em Juízo, [...], afirmou: “acho que a vítima tinha dado um celular pra eles e, daí, no final das contas, acabaram desacertando nessa negociação, mas parece que já tinham pego esse celular antes”."
"Restou comprovado que a vítima, no dia dos fatos, já estava na posse da bicicleta, bem como que não houve a troca da bicicleta pelo aparelho de telefone celular da vítima."
"Como se vê, há dúvidas razoáveis acerca do fato de ter a vítima entregado ou não o aparelho de telefone celular dela aos acusados, seja em data anterior aos fatos ou no dia dos fatos, em virtude da negociação envolvendo a bicicleta"
"Repise-se que os réus estavam cobrando valores da vítima no local de trabalho e a pessoa de Andreia que, segundo eles, teria visto a entrega do celular na negociação, negou tal fato, o que demonstra que o celular foi subtraído por ocasião da morte de Antônio."
"Além disso, não é possível de se afirmar, com a segurança e a certeza necessárias, exigidas em matéria penal, que os denunciados tivessem a intenção específica de subtrair o aparelho de telefone celular da vítima."
"O evento morte está devidamente comprovado nos autos, assim como a subtração, conforme acima analisado, ficando comprovado que a vítima estava na posse do seu aparelho celular por ocasião dos fatos"
"Feitas estas considerações sobre as provas que foram reunidas e produzidas durante a fase investigatória e em Juízo, tenho que, s.m.j., não se pode impor um decreto condenatório assentado nas incertezas existentes nas mesmas"
"o acusado GEOVANO permaneceu no local por tempo bastante exíguo, isto é, dez minutos, antes de também se deslocar até a casa da vítima, circunstância que revela que participou de toda a empreitada criminosa."
"O conteúdo das provas não é suficiente para autorizar a condenação dos acusados como infratores do crime previsto no tipo penal do artigo 157, 3º, parte final, do Código Penal, uma vez que não restou comprovada nos autos a existência do animus furandi."
"restou inequívoco que os réus [...] praticaram o delito de latrocínio consumado, subtraindo o aparelho de telefone celular da vítima Antônio Makuch, mediante violência que lhe resultou a morte"
(Elaboração própria)
77
É um caso emblemático, em que pese hodierno, e faz parecer que o segundo
juiz, sabendo ter existido um crime, mas não o do latrocínio, condena enquanto
deveria absolver, em uma espécie de “critério de justiça”, pois, se inexistem provas de
um fato delituoso, a absolvição é a medida que deveria se impor (art. 386, II do CPP).
Não obstante o impasse em sede de juízo a quo, o Tribunal, em recurso de
apelação do réu, manteve a decisão do juiz incólume, mas, por maioria. Um
desembargador discordou frontalmente do voto vencedor, referendando a
fundamentação anulada em primeiro grau, quando a “primeira” juíza do caso decidiu
pela desclassificação. Transitado em julgado a pena de 24 anos por esse delito, o
caso ensejou revisão criminal, ainda em curso341.
Para rebater a parcialidade dos julgados, põe-se à mesma a discricionariedade
vinculada dos magistrados, levando em conta que “o estabelecimento da sanção
penal é uma operação lógica pautada pelo princípio da individualização da pena e do
dever de motivação das decisões judiciais”342, que a valoração de provas é livre, e o
juiz pode aplicar a pena, vide 58 do CP, “conforme seja necessário e suficiente”, em
interstícios estabelecidos pelo legislador. Em suma, fundamentando e respeitando o
art. 93, IX da CF, o juiz pode aplicar o que entender correto, pois como bem destaca
Ricardo Lorenzetti:
A busca da fundamentação pode não ter fim: um jurista pode sustentar sua interpretação na lei, outro na constituição, outro no direito natural, um seguinte nos princípios morais e, por fim, algum outro em suas concepções políticas.343
Mas não há que se conformar com tamanho disparate de entendimentos
diametralmente opostos, sem imaginar que exista algo além de mera interpretação e
discricionariedade vinculada à Lei, até porque destaca o mesmo autor que “Se não há
um limite e um critério de validade para determinar os argumentos admissíveis, pode-
se estabelecer-se qualquer tipo de cadeia de fundamentação”344.
341PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Revisão criminal nº 0006086-05.2019.8.16.0000. Consulta pública ao processo. Disponível em: <https://projudi.tjpr.jus.br/projudi_consulta/:>. Acesso em: 6 abr. 2019. 342STJ. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. HC nº 73470/AL. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 2009. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6064174/habeas-corpus-hc-73470-ms-2006-0283548-7-stj/relatorio-e-voto-12202745?ref=juris-tabs>. Acesso em: 6 abr. 2019. 343LORENZETTI, 2010. p. 27. 344Ibid., p. 72.
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Mais um exemplo ligado ao deferimento de uma prova e o impacto disso no
processo, em que pese se trate de um caso do sistema common law, é válido para
fins ilustrativos e de percepção do conceito de imparcialidade. Trata-se do Stair Case
(Caso da escada), famoso caso de Durham, Carolina do Norte, EUA, no qual Michael
Peterson foi acusado de ter matado a esposa, quando ele mesmo ligou para a polícia
informado que ela havia caído de uma escada345. A intensa publicidade do caso
rendeu algumas minisséries, poadcasts, e muita comoção no pacato local dos fatos.
Enquanto era julgada a fase de “admissibilidade” das provas, o juiz permitiu que
outro processo, ocorrido 20 anos antes, na Alemanha, onde a então esposa do réu
morreu, fosse utilizado como prova nesta acusação. Culminou que, após anos de
julgamentos e uma condenação à prisão perpétua em 2003, após a comprovação de
que uma das testemunhas da promotoria havia mentido e fraudado provas, em 2011,
Michael foi libertado, tendo direito a novo julgamento, o que ocorreu em 2017, quando
tornou-se oficialmente livre após uma negociação pelo recurso da Alfor plea. Naquela
ocasião pretérita, permitiu também que indícios de homossexualidade do acusado
fossem aceitos como provas. Para a imparcialidade, o que importa neste caso foi a
entrevista concedida pelo juiz da causa à Netflix346:
Embora ele tenha passado oito anos na prisão, talvez um tempo que não deveria ter passado, certamente, a condenação foi revertida. Isso é um indício muito forte que o sistema judiciário criminal funciona. Acho que o Júri julgou o caso com justiça. Isso quer dizer que receberam as provas que ambas as partes quiseram fornecer. Mas ao longo dos anos dá para ver como, com mais tempo e análise, das provas que surgiram, que talvez não tenha sido sem preconceito. Então, se houvesse a chance de fazer de novo eu certamente aceitaria essa chance, há coisas que eu teria mudado. Sabe, acho que com o tempo, a apresentação da morte na Alemanha foi bem prejudicial para o réu. Achei que todos os indícios homossexuais, seja lá como tenham sido usados foram indevidamente prejudiciais a defesa e talvez não devessem ter ficado em evidência. Acho que, por fim, um jurado justo e razoável poderia ter uma decisão diferente da tomada pelo primeiro júri. Acho que eu poderia ter tido uma dúvida razoável.
Certamente não foi o juiz togado quem condenou Michael, sendo ele somente
o responsável pela condução do caso, porém, o mesmo assume, ainda que de forma
lacônica e evasiva, que se pudesse ter feito algo diferente, não teria admitido tais
345BUTLER, Bethonie. In: The Washington Post. “The Staircase”: o longo e surpreendente julgamento por trás da nova série da Netflix. O Globo, [S.l.], jun. 2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/the-staircase-longo-surpreendente-julgamento-por-tras-da-nova-serie-da-netflix-22770404>. Acesso em 25 mar. 2019. 346THE staircase. Direção: Jean-Xavier de Lestrade. [S.l.]: Netflix, 2018. Temp. 1. Ep. 13: Quando a justiça falha. 38’20”.
79
provas, bem como ele próprio, neste novo cenário, teria dúvidas razoáveis acerca da
culpabilidade do acusado, deixando claro que houve parcialidade por sua cota.
Resta evidente que na ocasião, no calor do processo, o juiz cedeu à pressão
da mídia e ao clamor social que foi gerado, agindo de forma que prejudicou o réu, pois
bastou admitir provas para mudar o curso da ação penal. Essa demonstração de
humildade não é comum, e talvez essa presunção mítica, de que juízes são imparciais,
e não erra, só corroborem para que muitos processos sejam julgados injustamente,
pois como afirmou o advogado daquele emblemático caso, mas que representa muitos
outros, menos pomposos “[...] o Estado gastou milhões de dólares em recursos para
condenar um inocente. E acontece com mais frequência do que as pessoas querem
admitir”347.
Este caso é paradigmático e representativo. O saldo, em última análise, de um
processo em que um juiz age de forma parcial, independentemente por qual
motivação o levou a agir assim, é de pessoas que acabam sendo condenadas de
maneira injusta.
347 THE staircase. Direção: Jean-Xavier de Lestrade. [S.l.]: Netflix, 2018. Temp. 1. Ep. 13: Quando a justiça falha. 37’52’’.
80
5 CONCLUSÃO
Como se verificou, a imparcialidade pode ser definida processualmente como
o desinteresse amplo do magistrado em conduzir e julgar o processo penal. Inconteste
que somente assim pode-se alcançar uma concepção de imparcialidade, mantendo-
se estruturalmente distante das partes.
Também se conclui, conforme embasamento teórico retro, que imparcialidade
e neutralidade não se confundem, mas a comparação é um ponto de partida válido
para fins de definição de premissas básicas.
Igualmente, imaginar um processo justo, se o juiz não for imparcial, é utopia,
pois ele é a peça nuclear do processo, e ao contrário disso será um “vale tudo”, fora
da lógica do processo constitucionalizado.
É verdadeira a afirmação de que o juiz imparcial é um mito. A propósito, existem
outros mitos no mundo jurídico e considerando-se que mitos dão sentido ao
incompreensível, explicam algo que não existe, mas que se acredita real, entender a
figura do juiz imparcial como um mito é uma definição escorreita e precisa.
A imparcialidade é a joia da coroa do judiciário, o princípio supremo do
processo, um limitador de decisões arbitrárias, quase um sinônimo de justiça, filha da
igualdade, da necessidade de julgamento justo entre a plebe e nobreza, dos idos do
século XVIII, e necessária a um direito aplicado à Democracia. Porém, é uma
construção artificial, deontológica e frágil do ponto de vista normativo-coercitivo.
Não obstante, presente expressamente nos diplomas legais e tratados
internacionais, imparcialidade é uma mera diretriz, um “dever ser”, e este estudo
demonstra que o óbice para que ela se consubstancie é um fator simples: o juiz é um
ser humano e suscetível às influências inerentes aos seres humanos. É falho.
Conclui-se, igualmente, que a norma prescritiva não é capaz de irromper com
as problematizações trazidas no momento onde a imparcialidade pode ser aferida,
que é na existência de ato de carga decisória, uma vez que o procedimento do
decisium é complexo, formado de componentes derivados, estudados e explicado por
disciplinas de outras áreas do conhecimento, como a filosofia, psicologia, psicanálise,
neurologia, biologia sociologia, dentre outras.
Alguns estudos e teorias que se prestam a compreender o ato de tomada de
decisão no processo penal, como a Teoria da Dissonância Cognitiva, o Efeito Halo, a
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Teoria da Decisão Judicial e os Vieses Cognitivos, são uníssonos em demonstrar que
o juiz sofre influências e tem sua imparcialidade afetada de maneira inequívoca.
O processo de tomada de decisão indubitavelmente é influenciado por
elementos do inconsciente, cuja amplitude e impacto estão longe de ser exauridos e
entendidos, a exemplo das valorações positivas que o juiz faz dos primeiros
referenciais a que tem contato (provas, investigações), formando uma cognição inicial
e buscando posteriormente informações que só confirmem o entendimento prévio,
dando azo ao surgimento de vieses cognitivos e quadro mentais paranoicos,
justificando, a exemplo, o “juiz de garantias”, previsto no natimorto projeto de lei do
novo CPP.
Há uma diversidade de autores que lecionam sobre o conceito de
imparcialidade e de como há infindáveis elementos convergindo para que o juiz seja
parcial, e, parafraseando Aury Lopes Jr. , é notório que o juiz age, pensa, e sofre todas
as influências sociais, e as considera no que acha justo e correto, havendo uma
intersecção invisível do homem e do juiz, sendo um ato de ingenuidade negar essas
influências, mais uma das possíveis conclusões.
O réu, pela paridade de armas, sempre será o maior prejudicado pela
parcialidade do juiz, seja qual for o elemento que a ensejou.
Existem diversas percepções “no mundo” que corroboram a tese de que o juiz
imparcial é um mito, uma vez que se trata de fatos, retratos da mais pura realidade, e
elidem quaisquer dúvidas sobre a afetação do importante princípio em análise. São
exemplos de exteriorização de opiniões prévias ou concomitantes a julgamentos,
assunção de posição política, exemplos suspeitos de gestão de provas no processo,
atuações em clara posição de suspeição ou impedimento, manifestações públicas
dignas de reproche, pesquisas contundentes, repreensões por parte do CNJ, entre
outros, todos elementos consonantes com a conclusão de que o juiz imparcial é uma
alegoria, pois, em verdade, ele é, por vezes e de diversas formas, parcial.
O conceito de imparcialidade é uma forma importante de orientação ao juiz para
evitar a arbitrariedade e efetivar a justiça, mas não é suficiente, pois apesar de sua
difícil constatação e comprovação, os institutos de suspeição e impedimento não
bastam para que o juiz seja imparcial.
Ser juiz parcial não implica ser desonesto necessariamente, e, como bem
destacou Antônio Sérgio Pitombo, não se trata de valoração moral, mas, havendo
parcialidade, como nos casos dos juízes “popstars”, estará contaminada a busca da
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“verdade” e menoscabada a igualdade entre as partes, em razão de influências
externas.
Conclui-se, em concordância com os preceitos supra elencados, assentes na
análise das acepções de mito, juiz e imparcialidade; na análise histórica da
imparcialidade; nos sistemas processuais penais; nas diversas disciplinas que têm por
objeto o estudo da tomada de decisão; nas teorias que se prontificam a estudar o
processo de tomada de decisão; nas fontes positivadas; nos exemplos de aferições
de imparcialidade judicial; na análise dos casos concretos apresentados, que existe
efetivamente um mito de que o juiz é imparcial. Ao mito se contrapõe a realidade: o
juiz é parcial, em linhas gerais e abstratas, pelas razões e nas circunstâncias
delimitadas pelo estudo.
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