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"O LIMITE FLUÍDO" estudo de AUGUSTO JOAQUIM

o Limite Do Fluido Augusto Joaquim

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Critica portuguesa: maria gabriela llansol

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"O LIMITE FLUÍDO" estudo

de AUGUSTO JOAQUIM

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l - Quando, há vinte e três anos, li pela primeira vez Os Pregos na Erva, soube, logo então, que lera textos de que parte substancial me ficara ocultada. Retive fragmentos. Houve mesmo frases inteiras que me insidiaram. Mas eu, e a cultura em que pen­sava, não estávamos preparados para estes textos. Não posso dizer que vivi todos estes anos fixado neste facto. Posso dizer, todavia, sobretudo desde que a restante obra da A.foi sendo publicada, que desocultar esse oculto foi um dos motores da minha curiosidade, e que se me enredei por muita outra literatura, a esses contos o devo, em parte, certamente.

2 - Este preâmbulo não explica nada; é um modo de dar conta. E dar conto do óbvio. Quando uma obra escapa à "com­preensão cultural" generalizada, é um desperdício de oportunidade - quase inevitável -, colocá-la na gaveta dos inclassificáveis. Nessa gaveta se guarda ainda, em grande parte, a obra de Maria Gabriela Llansol, deixando incólumes as classificações. O que é, no mínimo, um contrasenso. Contrasenso que vai perdurando, desde as primeiras recensões criticas justamente aos tex tos sobre os quais incide este ensaio. A titulo de elucidação, e justamente porque a "cultura" se elabora necessariamente nestes "mal-entendidos", resis­tências e outros bloqueios, poderá o leitor reler, em "Documentos" publicados logo a seguir a este posfácio, a recepção que, na altura, há vinte e cinco anos. foi feita a estes contos. Porque esta é uma obra que "obriga" a pensar e, por vezes, a mudar de pensamento. É este, pelo menos, o meu ponto de partida, para este ensaio sobre a obra da A., que neste posfácio se ocupará particularmente com "Os Pregos na Erva".

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3 - Espero contudo, não cair no vício oposto, passar da rela­tiva ocultação ao panegírico, porque, na realidade, não há excesso compensatório que se justifique.

É certo que a cultura é um repositório disponível de problemá­ticas. É certo também que esse repositório não é dormente, nem pacifico, contrariamente ao que a palavra repositório faria supor.

Porque todo o discurso que se enuncia sobre o ser, além de ser um discurso-desejo, e um discurso-evocação, é igualmente um discurso-invocação. E, portanto, libertação de forças potenciais que, com ou sem freio, se introduzem no viver social dos homens, para o transmutar em momentânea incógnita. Por isso os discursos são rapaces, combatem-se entre si, doem, apesar de sedativos pre­cauções, e a sua dor será sempre, e só, a dor dos homens.

4 - Um dos problemas "curiosos" que se colocam à crítica estética, é a definição do valor de cada obra, do seu "calibre", confrontadp como se encontra qualquer leitor ou analista à multi­plicidade das obras e a um número limitado de adjectivos ou "mar­cas". É um problema curioso, porque é real, nos termos da sua definição, mas que produz um efeito desastroso e pueril. E tanto mais, quanto a este esforço de calibragem, se acrescentam regras operatórias, como por ex.: "os ex-aequeo não são permitidos", "só se encaram as obras deste ano", "só são contempladas as obras do género x", etc.

Quando se desenha uma situação destas, é certo encontrarmo­-nos diante de um problema curioso mas, de certeza, mal posto. A multiplicidade das obras e dÓs sentimentos, gostos e apreciações que provocam, necessitam de um ordenamento, que ganha em ser topológico e não ordinal e que tome por critério o devir aleatório das problemáticas da cultura, de onde emergem as obras e os gostos.

5 - Por mim, distingo entre grande literatura (a que Nietz­sche chamava "grande estilo"), artesanato honesto e mediocridade promovida. Esta distinção topológica, e, pois, não hierárquica, toma por critérios de separação de campos, a tecné literária, o posicionamento da obra face às problemáticas de cultura (e por conseguinte a relação de uma dada obra às outras obras do mesmo quilate), e o contrato que liga o A. aos leitores.

Esta destrinça, forçosamente polémica, no momento de recep­ção das obras (mesmo se historicamente acabam por formar-se consensus em torno das que integram cada campo, ao ponto de ser um facto de que nenhuma obra-prima publicada permaneceu até

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hoje desconhecida), esta destrinça, pois, visa um objectivo de espe­cial importância: distinguir a criação, do "remake". Por outras palavras, definir os "nós essenciais", sobre os quais se apoia a conti­nuidade de uma cultura que aceite o devir e a mutação. Estabelecer as linhas de tradição é, ipso facto, determinar se uma dada cultura privilegia a conservação ou o crescimento.

Arredar eventualmente dessas linhas de tradição obras da grande literatura (trata-se de uma hipótese historicamente não veri­ficada até hoje) é privilegiar o "remake" ou a repetição sobre a criação, privilegiar o tratamento formal das problemáticas sobre a aventura da sua evolução; seria, sobretudo, correr o risco grave de anular os únicos lugares da linguagem (na sua relação ao Belo) onde se processa a passagem de estar ao devir.

Sem esta passagem, qualquer leitor é órfão, porque ignorante de uma tradição; volúvel, porque lhe está vedada a trama dos tra­tamentos sucessivos, contraditórios e incompletos que f armam o existir das problemáticas; e manipuláveil, como consequência.

6 - Quando Nietzsche se opôs a Wagner, já tinha começado a esboçar a diferença, ou distância, entre a arte musical Wagneriana e um "ideal de arte" que fosse, por si, a matriz da transmutação dos valores, a matriz fundadora de nome novo de homem, em cuja força não houvesse resquício de niquilismo. Essa estética, em que o conceito de "grande estilo" desempenha um lugar estratégico, elaborou-a Nietzsche a partir da arte grega, da arte da grande época clássica, e do romantismo. Elaborou-a a partir de, ou seja, para além de.

"O grande estilo é o supremo sentimento de pujança. E só há pujança onde reina a simplicidade da serenidade, na qual o contra­ditório se mantém na unidade de um jugo, de uma lei, tenso como o arco que o transfigura".

Porque "só é verdadeiramente grande a força que não só domine a seus pés o seu contrário e o reprima, mas para além disso o transforme em si própria, de tal modo que o contrário não é absorvido, mas atinge a sua própria realização.

Por isso, o grande estilo só emerge quando a profusão de forças se cinge à simplicidade".

Tal não aconteceu, por exemplo, com o romantismo. "A arte romântica, filha do mal-estar e da privação, é um querer-ir-longe­de-si. Ora querer, segundo a sua própria essência, é querer-se a si próprio; não é um longe-de-si, mas um além-de-si-próprio, de tal modo que a vontade, neste ir-mais-além. rapta o querente, leva-o com ela e transf arma-o nela própria. O querer-ir-longe-de-si é. no

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fundo, um não-querer. Pelo contrário sempre que a profusão e a plenitude, ou seja, a revelação alegre, aberta e diversa da essência, se submete à lei da simplicidade, sempre que tal acontece, o querer quere-se a si próprio na sua essência ou, por outras palavras, o querer é a vontade". O tornar-se é reabsorvido no estar. "Assim, o grande estilo: uma vontade activa de ser de uma qualidade tal que reabsorve em si o tornar-se".

Estas reflexões. que são de Heidegger e de que açuifaço sim­ples montagem, adquirem ainda maior alcance se nos lembrarmos de que a Arte é a determinante fundamental da "Vontade de Pujança" e que este é o nome próprio do que, existindo, aspira ao ser.

7 - A obra de Maria Gabriela Llansol, de que os Pregos na Erva são os primór1ios, é um exemplo de grande estilo.

Tome-se esta afirmação como um .. tese, a ser demonstrada na ordem do pensamento, e não como um artigo de uma qualquer doxa

Adianto, contudo, os pontos fundamentais sobre os quais essa prova deve recair: obra estética que mantém assegurados, em novos limites, o equilíbrio instável entre o fulgurante efémero, mas vibrante, e o culturalmente durabilizado e, pois, já finito. Obra que, por conseguinte. ilumina, porque desoculta, algumas modalidades possíveis no devir para o ser, modalidades essas que são a resultante de a obra desta A . prolongar o fio de problemáticas anteriores, não só portuguesas mas também do Centro Europeu. Prolongamento que é uma oferta de mais novo, embora parcial, por transmutação do antigo. Obra, finalmente, que eleva quem a lê e recebe, porque dâ a sentir uma nova forma de soberania, um outro estar com o mundo. já que nela o impulso crescente sustenta uma trama que se expande, de livro para livro, de tal modo que os seus tex tos p os­suem uma "coerência corporal" rara.

II

1 - Duas convicções sustentam. em meu entender, a obra da A.:

A grande arte é introduzir à verdade-possível. Os homens alimentam-se sobretudo de vibração (de que a

"mania divina" grega é um bom exemplo), e só determinados reais produzem vibração. Ou seja, só nesses reais o homem não morrerá à míngua de ser e de ser-mais.

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2 - Porquê convicção?

Porque lzá o que se vê, o que "se sabe", e escolheu-se não demonstrar. Ninguém pode partir, mesmo à deriva, sem perspecti­var. Simplesmente, há duas qualidades de ir. Vai-se lá por dedução, ou vai-se lá corporeamente. O que se éhama estética, é este ir lá, pela vertente corpórea do Belo.

As convicções são, destarte, o perspectivar do Belo que "se sabe", e que materialmente se mostra, e se não demonstra;

A falar com propriedade, a A . não tem convicções. E urr:a maneira de falar transpondo. Transpõem-se axiomas, por convic­ção. Mas perspectivar é mais justo, se nele formos capazes de "sen­tir", não o cálculo frio de um trajecto, mas a pujança inabalável de um catninho. A resultante do perspectivar desta qualidade é o conhecimento.

Acontece, contudo, que este conhecimento é mostrado, acon­tece que a vontade de mostrar existe mesmo antes de se conh~cer, acontece que o elo que liga a vontade de mostrar ao conhecer e um modo, uma maneira de. No caso da literatura, esta vontade manifesta-se em texto, de que a linguagem é o instrumento figural.

Por isso, o conhecimento-em-Belo é matéria e figura. E propo­sitadamente que não escrevi "conhecimento-do-belo". Quem parte corporeamente, não sabe se chega. E mesmo se lá chega, não sabe. O que transmite é o trajecto. E o trajecto é o Belo captando quem­-vai-com-a-vontade. Desde o início, quem assim vai está no Belo, só lhe faltando o instrumento que, na realidade, é o corpo aberto ("o corp'a escrever"), ou de outro modo dizendo, a pujança que se experimenta.

3 - Escrever, neste lugar, será "arrebatar o inerte", extasiá­-lo. O inerte é aqui, simultaneamente, a linguagem, c~m, o~ seus tufos semânticos, e o leitor que ainda-não-sab~. Inerte nao e am~a ~ palavra justa, porque dir-se-ia amorfo. Or:1 o m_erte que se extasia ~ um inerte palpitante, aquele que tambem nao deduz, mas esta esperando. , .

Se se quiser, por ex., utilizar a metáfora do corpo e do .espmto, poder-se-á dizer que, na ordem do espírito, todos os axiomas se equivalem, enquanto verdade. Tudo é pensável, na~a é certo, co!'? a qualidade da certeza. E contrariamente ao que se 1u_lg~, o espmto não pode decidir. Só o corpo - um_a qual!dade propria d~ corpo, que adiante especificarei - pode diferencwr, ~o_m a qualidade de certeza, 0 axioma a partir do qual o espmto pode pensar-verdadeiro.

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Insisto que se trata de uma metáfora que, todavia, creio elucidativa.

Esse inerte palpitante é um espírito aberto, mas falho de corpo: perspectiva, sem meios de experimentar. Ler, para esse inerte palpi­tante, é en-corpar o trajecto que o texto lhe está mostrando, sob a forma de convite ao ex-stase, os passos-a-dar, o "onde pôr o pé", para se manter-em-Belo. Ler é exactarnente adaptar urna postura, que é aquela que o A., primeiro, experimentou e consolidou, até a tornar um ponto de vista.

Por isso, é vital compreender, depois de ler. Porque o A. serve­-se de meios - que são seu experimentar - que moldam o ler do leitor, e neste caso, ler - enquanto lê - é o seu corpo.

4 - O conjunto destes meios constitui o contrato que o A. mantém com o leitor. A este contrato chama-se estilo do A .. que é, na realidade, o lugar onde o A. vê o leitor, o lugar onde o coloca e onde este, por disposição, aceita ser colocado. Ninguém é obrigado a aceitar esse lugar, mas se o leitor não o ocupar, não vê. E se persistir em ler-fora-do-lugar, procederá a uma leitura irritada, por­que está procedendo a uma distorsão do "corpo".

Há dois grandes estilos tipos de lugares, dos quais todos os outros, a meu ver, derivam. O primeiro é a verosimilhança, que consiste em aceder ao conhecimento pela ficção, pela matáfora do como-se. Neste contrato, se esgota quase inteiramente o romance, e o esgota, porque o leitor experiente já se encontra na posse de variada panóplia de o captar, e em vez de se deixar distrair, para poder ser "en-levado", está captando a técnica dos meios empregues para o captar. Leitor e autor esgotam-se no contar histórias e a grande literatura degenera em artesanato honesto. O corpo torna-se um corpo de divertimento.

O segundo tipo de lugar, coextensivo do primeiro, m"s muito mais raro, consiste em provocar no leitor um desejo de mais-real. Consiste em mostrar fulgurâncias-de-Belo tais que o leitor é levado a com-partilhar o real que se desvenda no texto, mas sem intriga, sem apoio de identificação, sem ficção, mas em figuras . Tal como faz a grande poesia.

5 - O contrato que Maria Gabriela Llansol mantém, nos seus livros, com o leitor, é deste segundo tipo. Acontece, contudo, que dificilmente se poderá chamar poético, em sentido técnico, ao seu texto.

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6 - A arte indica, com rigor, corno os humanos acedem ao conhecimento e, cof'1o, comparativamente, as teorias do conheci­mento falham o seu objectivo. Porque conhecer não é pensar, nem demonstrar. Conhecer é da ordem do corpo que experimenta.

Indiquei, neste sentido, as duas convicções da A. Deixo a segunda para a parte final deste posfácio; mas uma

maior elucidação da primeira, desde já, será proveitosa para a sequência do ensnio.

Na realidade, o que estou escrevendo e o leitor agora lê, não é da ordem do conhecimento mas da ordem do pensamento. E se este ensaio é, pois, forçosamente, a definição do pensamento que "há" no conhecimento, tal como as obras da A. o mostram, que signifi­cado tem este "há"? Se este "há" existe, de que operação se trata? Que interesse há em "o" explorar?

7 - Afirmei, como convicção da A., que a grande arte con­siste em introduzir à "verdade possível". Não se trata de uma con­vicção exclusiva da A., pois se trata da própria definição de grande arte. Com duas diferenças, contudo. Habitualmente, ou seja, na metafísica ocidentnl, que parece terminar-se em Nietzsche, diz-se que a "grande arte é a verdade".

Mas, ao ler a obra da A., creio que a sua convicção é simulta­neamente uma restrição (fala-se em "verdade possível") e um princí­pio de distanciamento (fala-se em "a grande arte consiste em introduzir ... ")

8 - Se eu fui suficientemente claro, atrás, no ponto 2, o leitor compreenderá que o conhecimento não tem objecto, apesar de, em português, se tratar de um transitivo. Diz-se que quem conhece conhece alguém, ou alguma coisa. Mas trata-se de uma modulação abstracta do conhecer. Conhecer - no caso vertente - não é tam­bém conhecer-se dado que, para a A., este se não corresponde, de modo algum, ou então muito lateralmente, ao corpo que escreve. Conhecer é, aqui, um acto de mostrar-exposto. O conhecimento é a materialidade textual (o livro) que se dispositivo, que se oferece disposto-a-ser-olhado. a ser 1•isto-em-helo. Conhecer é. assim. sinónimo de "o modo como", o conhecimento é o estilo. Se se quiser, o modo como o fundo se forma. Ou, de outro modo ainda, os níveis pré-operatórios do texto. Na realidade, do ponto de vista de quem lê (que é um en-corporar ), o conhecimento é sugerido, pela repetição, pela frequência, pela dispersão dos diversos moau's em que o texto se dá a ver. Modos esses que consistem em sugerir que houve contacto com o ser (um ex-stase) mas um contacto de tal

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qualidade que o leitor, ao aceitar o contrato de leitura, o pode experimentar também. Como apontei, é um processo de experiência-por-experiência, ponto de vista por ponto de vista.

O que permite que este processo se sustente é o facto de as regularidades textuais constituirem topos "possuidores" de estabili­dade estrutural. Destarte, pensar este conhecimento é definir esses topos, essas regularidades materiais e figurais, de tal modo que o topos é tipo, postura corporal experimentada.

Dizer-se, pois, que há pensamento no conhecimento, é uma afirmação correcta e forte, se entendida desde modo: no conheci­mento há forma, pensá-la é formalizá-la. Pensar o conhecimento é, assim, pensar um resto, porque o conhecimento é devir, e o pensa­mento só formaliza os nós de estabilidade, onde esse devir imagina­riamente se apoia. No fluir do conhecimento, marca a forma, suspende o fluido, escapa-lhe o trajecto (que pode ser conhecido pelo corpo de quem escreve e de quem lê), mas que permanecerá irremediavelmente impensável.

Se assim é, para quê pensar?

9 - Volto, pois, à convicção da A. É óbvio, para quem me está acompanhando, que essa convic­

ção nunca é expressa e, mesmo se o for, pois que a A. não está excluída da actividade pensante, essa convicção será, de esse modo, mera opinião. Ora não é disso que se trata, mas do modo como a obra se perspectiva. E essa perspectiva-se em Rapsódia e em Diário. E é só isso que aqui nos pode interessar, ao ponto de eu poder dizer que à afirmação clássica de que "a grande arte é a verdade" a A. apôs dois correctivos de extrema importância, como indiquei no ponto 7.

O primeiro é o princípio do distanciamento pelo qual a A . rompe com o essencial da grande obra clássica, a saber, a globali­dade e a perspectiva de unidade. A autora só escreve/ mostra frag­mentos e desconhece-se na sua obra a tensão do uno, entendido em tempos, lugares e personagens, diferenciados e articuláveis. Para a A . não há caos, nem cosmos que se veja. E, no entanto, o "seu" mundo sustenta-se. Dizendo de outro modo, a A. pega o Uno e o Belo, lá onde a metafísica ocidental os deixou no impasse, em Nietzsche e Holderlin, recusa-se a desenrolá-los sob fo rma heróica, e dá-lhes um outro tratamento - o tratamento rapsódico. Dois autores, que eu sabia, o tentarem esteticamente, mas cujo labor redundou em filosofia aforística: Hamann e Kierkgaard, já que Nietzsche, na sua obra estética, procurou o épico e aceitou a tensão do uno.

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Na nossa época, em que se perdeu a inocência inicial do mundo (pelo menos para o leitor clássico que imaginava a Grécia), a lou­cura é o preço a pagar para quem quiser abordar o Ser, p or essa vertente. E o escritor louco deixou de nos poder falar, está todo ele nas garras do ser.

Muito simplesmente, a A. retoma o mesmo intento, persiste em abordar o Ser, sem adaptar a vertente do Aspecto, f ragmentando o Uno, dispersando-o numa obra una e remodelando o que nós hoje sobre o Ser podemos pensar. O pensamento do Tudo e do Nada está-nos definitivamente vedado, mas o Ser não nos está todavia proibido. Por isso, a grande obra não é a verdade, transmuta-se em "modo de introdução a".

Ninguém mais, no pensamento ocidental, conseguirá tornar-se Ser; o nosso crescimento com ele, sem abdicar da nossa conserva­ção nele, será só o trajecto da nossa introdução-ao-pé-dele. À sua beira.

Daí, a segunda ressalva fundamental. Este estar-à-beira trans­muta a verdade, no esplendor soberano do Belo, num possível. O dizer-se que " Deus está morto" quer justamente dizer que o Belo não será mais dado ao homem na sua idade infans, mas que o homem terá de aprender por si a viver-em-belo. A ser outro, ex­perimentando o caminho. A vida do homem torna-se diarística, transmutando-se o Diário. Também este não será mais a anotação das dobras psicológicas do personagem-homem-no-meio-dos-ho­mens, mas o testemunho de um se cuja existência se desconhecia.

O modus operandi da A . é mostrar, mas também a ela lhe escapa, o modus operandi do caminho. ignora os termos da traves­sia. Por isso, entre aqui e Aqui, o artista é ele próprio, não sabendo contudo o que este "ele próprio" queira dizer, a que figura faz referência, excepto que ele vai experimentando estar no lugar de ponte, de aproximação possível, do mais arriscado sem arriscar o espírito e a existência do corpo. Este mostrar-se a si próprio arris­cando o ele-próprio. que a si próprio se desconhece, é o trajecto diarístico da criação do mundo possível. A tecné volta a ter toda a importância que lhe foi anteriormente negada. É bem forte o que a A. diz: "Estou a meio caminho entre o interior e o exterior, e o que devo contar, para ser compreensível, é com o se torna e.fectiva uma das hipó teses de passagem". ( 1)

10 - Isto que estou pensando resp onde à pergunta do porquê pensar os restos desta travessia.

Em termos metafóricos é colocar-se. como geómetra. ao lado do explorador . .formalizando os seus "carnets de route" e arris-

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cando a sua própria travessia nos trilhos já ~arcados. É dizer, antes que se apague, "aqui passou alguém", "aqui houve um possível"; é como inventar, para uma semântica, a sintaxe que balbucia.

Pensar uma obra de grande arte é, assim, olhá-la do triplo ponto de vista: a tecné, o posicionamento da obra, o estilo ou contrato. E o valor deste gesto limita-se ao esperar do possível-do --conhecimento, até que se encontre a palavra justa que reduza ao mínimo o sentido que possa desperdiçar-se. Ninguém sabe o cami­nho, nem ninguém sabe se alguém se disporá a trajectar-se.

Se isso acontecer, se ninguém ousar, que restará de nós?

III

A estrutura dos Contos

1 - Como disse, a desocultação do pensamento que "há" no conhecimento ou na visão, quando se trata de textos estéticos, não se pode fazer directamente sobre as temáticas desenvolvidas, mas sobre os níveis pré-operatórios ('antes que signifique", "enquanto se dispositiva") do texto que são, na realidade, a sua estrutura. A sua postura face ao real, o seu ponto de vista sobre o visto.

2 - A análise parte da impressão que o texto deixa no leitor, porque as impressões são efeitos de uma estrutura. Por outras palavras, a análise procura reunir os dados da leitura, determinando-os segundo uma organização significante.

3 - Algumas impressões que os contos de Os Pregos na Erva podem deixar, como resíduos de leitura:

- a diversidade das situações humanas. - a trajectória precária dos personagens, e a sua aparente

desolação. - a definição destas trajectórias peregrinantes em termos

topológicos e não psicológicos. -a ausência aparente de um destino ou, pelo menos, de uma

finalidade procurada para o viver, excepto o próprio viver. - a quase ausência de relações familiares, de referências pro­

fissionais; do Estado, nos seus filamentos tradicionais: o político, o polícia, o patrão, o padre, o professor, a porteira, o mal-estar de maledicência.

Não há consciência de classe. é raro o sentimento hierárquico

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próprio a cada estatuto social. Em contrapartida, a má-consciência, e o ressentimento, também estão ausentes.

- a verbalização dos conflitos é rara. Contudo, estes produ­zem os seus resultados que são só quase constats de bifurcação, e, no entanto, há uma forte vis dramática cujo suporte não é, contudo, narrativo.

Podia ainda acrescentar impressões dispersas, mais ligadas à retórica do texto, como, por ex., os títulos dos contos discretamente emblemáticos, a utilização frequente de cinestesias e de sinestesias, o uso abundante de matáforas, a sincopadização dos diálogos.

Ou ainda outras, provenientes de elementos materiais nele abandonados, que aparentemente parecem nada quererem signifi­car: a morte, em 7 contos sobre 13; os vestidos despidos que continuam, todavia, a guardar os corpos; a dispersão tonal das cores, ou a sua total ausência; a presença asfixiante dos elementos climáticos; a continuação viva de árvores mortas em barracões e paredes; a música berrante e abstracta, etc.

4 - Já basta, por ora, de impressões, mas fica a pergunta: quem está sentido?

É um urbano pragmático e masculino, impregnado da superio­ridade da polis e das suas mutações, por efeitos de luta cívica, e que está deixando correr, ao sentir, o trabalho do negativo que detecta as diferenças entre a sua visão inerte - já adquirida - do mundo, e o mundo que estes contos mostram. O negativo detecta o déficit de identificação, a menos valia da emoção estética, ficando a baloiçar­-se entre a indiferença e o fascínio. É uma leitura, no tonus irritada, como se estes contos, se tivessem "feito um pouco mais de esforço'', pudessem vir a ser uma imagem do mundo conhecido - mas -escondido, um guião emoti\•o e implacável de documentários televisivos "ohiectivos".

O terrível nestes contos é que neles não há suspeita, nem denúncia.

5 - Retirei estas impressões, ou quase todas, das recensões críticas, há vinte e cinco anos publicadas. Há nelas tantos quase, uma tão grande vontade de pedir à A. que se aproxime, que o resultado fatal foi um enorme desperdício de sentido.

Contudo, este somatório impressivo, de natureza reactiva, efeito de uma estrutura real que são os contos, mas como se lidos invertidamente, pode ser transmutado em fio condutor positivo, activo, se se deixar organizar pela estrutura do texto. Não se pediria ao texto para operar uma mutação libidinal que lhe está material-

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mente vedada; antes pelo contrano, seria o leitor que aceitaria entrar no mundo que os contos mostram. não para com ela se identificar mas para ver quem seria, nesse mundo que não é assim.

Neste sentido, a primeira operação será quantificar, depois relacionar e, em seguida, topologizar para, enfim, fazer sobressair a cartografia das posturas libidinais.

6 - estabelecer a história do corpus ...

Segundo dados fornecidos pela Autora, os treze contos foram escritos durante um período de quatro anos, de 1956 a 1960, como se pode observar no quadro que se segue.

Algumas observações: A ordem de escrita não foi seguida na publicação. O leitor fará

facilmente o cotejo. Em 1958, a A . não escreveu nenhum conto. 11 sobre 13 contos foram escritos em 1959 e em 1960, o que revela nes­ses anos uma grande actividade.

A média, em dias. de elaboração de um conto é de 45, mas, como se pode observar, com uma enorme dispersão que vai de 2 a 117.

Quanto às épocas do ano: quatro foram escritos na Primavera, um no Verão, cinco no Outono, e três no Inverno. É curioso notar que a maior parte dos contos "se passa" no Verão, tendo a A. es­crito um só conto nessa estação.

7 - ... quantificar ...

. .. não para pedir significação, mas para medir amplitude e proporção. Pode observar-se nestes contos texturas diferentes. Há­-os em que os diálogos predominam, ou ganham relevo descrições do mundo não-humano, ou sobressaem descrições de estados afec­tivos ou mentais dos personagens. Partindo do princípio de que, como disse, a linguagem é um dispositivo figural, a quantificação destes e de outros parâmetros ou variáveis deve traduzir relações estatísticas de dependência rígida entre o modo como estão agenciados ou tecidos e a especificidade do real que nos oferecem. Como medida de quantificação, utilizei o número de linhas qu~ cada um dos parâmetros ocupa em cada conto, baseando-me na mancha tipográ­fica da sua primeira e única edição.

Pode observar-se, ao longo dos contos, uma progressiva subal­ternização do nível B, sinal de que as análises psicológicas vão desaparecendo enquanto o nível A vai num crescendo constante até ao conto "A Terra fora do Sítio" por permuta com o nível C. Os diálogos vão escasseando e a introdução ao mundo não-humano ocupa um espaço crescente.

190

Idade da Ano Autora

23 1956

24 1957

26 1959

27 1960

l. 0 QUADRO

Título Data N.0 de dias

Intróito 2 de Abril -

O Sal 6 de Maio -

A Pedra que não caiu 2 de Março -

A Casa às Avessas 16 de Maio

Maggie Only 13 de Junho 24

O Chão das Três Árvores 1 O de Setembro 87

A manhã morta 21 de Novembro 11 7

Os Corpos Cercados 31 de Dezembro 19

Os Pregos na Erva 25 de Março 51

Transitus 10 de Setembro -A Via de Pilatos 11 de OUlubro 26

A Terra fora do Sítio 18 de Novembro 2

A Co111unhão 30 de Dezembro 36

191

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2.0 QUADRO.

N.0 de Níveis e percentagens

Texto linhas A % B %

lnttõito 753 74 (9,82%) 511 (67,86%)

O Sal 313 38 (12,1%) 150 (48%)

A Pedra que não caiu 271 40 14,8%) 81 (29.9%)

A Casa às Avessas 154 41 (26,6%) 47 (30. l%)

Maggie Only 327 76 (23,2%) 133 (40,7%)

O Chão das Três Árvores 316 60 (19%) 1411 (47%)

A Manhã Morta 326 82 (2l,2%) 116 (35,5%)

Os Corpos Cercados 321 84 (26,2%) 183 (l7%)

Os Pregos na Erva 311 80 (25.7%) 178 (57.2%)

Transitus 603 207 (34.3%) 245 (40.6%)

A Via de Pilatos. 379 146 Clll,6%) 151 (39,8%)

A Terra fora do Sitio 307 133 (43.3%) 122 (39.7%)

A Comunhão 151 36 (23,84%) 86 (l~9S%)

1 Total 4532

Códi&05: Nível A ::: Descrição do mundo não-humano

192

Nlvel 8 = Descrição de estados aíectivos e mentais Nível C = Diálogo entre a)etsonagcns

C %

168 (22,32%)

125 (39,9%)

150 (55,3%)

66 (42.9%)

118 (36,1%)

107 (34%)

128 (39,3%)

54 (16.8%)

53 (17, 1%)

151 (25.1%)

82 (21,6%)

52 ( 17%)

29 ( 19,21%)

Assim, enquanto no "Introito", o sintágma-tipo de A é, por ex.: " O cão era muito novo. quase um cachorro, de modo que a sua amizade, macia e quente, ainda podia sentir-se nas patas (pág. 111) (2) já no conto "A Terra fora do Sítio" o sintagma-tipo de A é, por ex.: " O nevoeiro permanecia, agarrado ao céu e às águas móveis, a comunicar-lhes a sua álgida solidão". (pág. 163).

Seria apressado, e creio que errado, concluir-se que se dá uma antropomorfização dos elementos, a par de uma naturalização dos personagens. É, no entanto, importante constatar as progressivas inversões de tendências.

Todos estes movimentos estão transcritos no 3. 0 quadro.

8 - ... depois relacionar ...

Com base no gráfico do 3. 0 quadro, é-nos possível elaborar tipologias.

A minha tese, como afirmei, é a seguinte: cada tipologia, elabo­rada a partir dos níveis p ré-operatórios destes textos (e sem a menor incidência de temática própria a cada conto) deve definir reais dife­renciados e autónomos, mesmo se a essa verificação só vier a proceder globalmente, no ensaio a publicar sobre o segundo li­vro de contos, "O Estorvo".

Devido ao facto de que há textos em que os diversos níveis têm valores aproximados entre si e outros em que estes valores entre si muito divergem, cada tipologia pode, consequentemente, ser homo­génea ou ampla, respectivamente.

Esta tipologia dos níveis pré-operatórios encontra-se no 4. 0

quadro. Fi-la acompanhar de outras sistematizações de dados (tais

que elementos climáticos, morte de personagens, quantificação das relações de parentesco e das relações de vizinhança e/ ou de conti­guidade, marcadores topológicos e distribuição cromática) para facilitar a leitura de dependência ou independência das diversas variáveis entre si.

Pode assim verificar-se, por exemplo, que as relações de paren­tesco e/ ou vizinhança, são totalmente independentes dos marcado­res topológicos de base (fora / dentro). Acontece, todavia, como se pode ver no 5. 0 Quadro, que enquanto as relações de vizinhança ou de contiguidade aumentam, decrescem as relações ae parentesco. Ao contrário, a relação fora / dentro é uma autêntica variável flu­tuante. O mesmo pareceria poder dizer-se da morte, mas ver-se-á que esta variável é rigidamente dependente. Ou seja, só certos esta­dos de t ipologia a produzem. A distribuição cromática parece ser igualmente flutuante.

193

Page 10: o Limite Do Fluido Augusto Joaquim

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A Casa às Avessas

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O Chão das Três Árvores

A manhã morta

Os Corpos Cercados

Os Pregos na Erva

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A Via de Pilatos

A Terra fora do Sítio

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Page 11: o Limite Do Fluido Augusto Joaquim

É interessante verificar-se, também, que os anos 56, 57 e 60 são relativamente especializados em determinadas tipologias, enquanto o ano de 59 mostra bem menor especialização. 59 é um ano ponte.

9 - A insistência com que procuro quantificar os níveis pré­-operatórios do texto reside no facto de pensar que a significação que dele resulta, aí se elabora, aí nasce, aí é determinada. O efeito que recebemos, como leitura, não provém do ler, mas das propor­ções, que co-movem insidiosamente as emoções e despertam, por arte de desprevenção, a apetência do Belo, que é a finalidade de todo o texto literário, ainda antes de este ser concebido. De outro modo, não teria sentido falar em "coerência corporal do texto".

10 - ••. em seguida topologizar ...

... as relações humanas e os lugares. A distrihuição das relações humanas, transcre1•ia-a, em grá­

.ficu. no 5. 0 Quadro, segundo duas variáveis: as relaçties de paremesco (esposos. pais . .filhos) e as relaçiJes de 1•i::i11hança e/ ou de contiguidade (que vão dos amantes aos simples co-ocupantes efémeros de um dado espaço). A divisão entre as duas espécies de relações é de natureza institucional, cuja incidência se revelará nas posturas libidinais. Para quem conhece os contos ser-lhe-á fácil observar como, à medida que os lugares se distribuem pela periferia da polis, as relações de contiguidade aumentam, enquanto que as relações institucionais progressivamente se diluem. No mundo des­tes contos, estas duas variáveis são inversamente dependentes, com duas excepções: "A Pedra que não Caiu" e "A Terra fora do Sítio". Razão por que lhes daremos particular atenção. Parecem ser perife­rias do seu próprio centro.

No 6. 0 Quadro, quantifico os lugares. São 29 lugares, distribuídos pela cidade, pelo campo e pela

costa-praia, e classificados segundo quatro determinações: priva­dos, semi-privados, semi-públicos e públicos. Uma rápida leitura . permite perceber a classificação. A quantificação, propriamente dita, baseia-se no número de linhas do texto em que as acções nelas se descrevem.

Num total de 4532 linhas de texto, 2516 são lugares "campo'', 1396 lugares "cidade", e 620 lugares "costa-praia". Os lugares pri­vados, o "dentro", predominam, e nestes as "barracas" sobressaem fortemente. Aliás, a ordem de importância de cada lugar é apon­tada entre círculos. Os mais importantes, por ordem decrescente: barraca, taberna. quarto de periferia urbana, quarto no centro da aldeia. estrada, etc.

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5.0 QUADRO

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Page 12: o Limite Do Fluido Augusto Joaquim

6.0 Q UADRO - OS LUGARES

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periferia centro periferia residen-

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1396 25 16 620

198

694

974

198 2619

647

38

68

57

85 272

98

32

80

117 744

129

418

209

163

289 897

102

74

60

Saliento um cálculo que se revelará significativo: 73,5% dos lugares são lugares de passagem, e só 26,5% são lugares "estáveis".

11 - Um dos lugares p rincipais, na ordem do simbólico, é a morte.

A morte dos personagens, na grande literatura, nunca é aleatória.

Não o posso confirmar, como é óbvio, para todas as mortes que, nesse domínio estético, se verificam. Avanço. todavia, uma afirmação axiomática forte: é o texto que mata os personagens. M ais exactamente, um determinado dispositivo textual.

Em Os Pregos na Erva, as mortes quase não têm causa. Ou melhor, esses textos não parecem organizados para a provocar. Surgem como "mortes estúpidas". M as estão lá.

E eu afirmo que, na ordem da enunciação, não na ordem do enunciado, essas mortes não são acidentais.

Procurei, p or conseguinte, saber sob que conjunção, os perso­nagens morrem. Procurava-o, para obviar ao possível aleatório, latente nas tipologias do 4. 0 Quadro. Inicialmente julguei que havia uma relação forte entre a morte e as tipologias homogéneas. O que é quase evidente. Mas não suficiente. Observei em seguida que havia uma forte correlação entre morte e grau de fracciona­mento do texto (o fraccionamento diegético ), ou seja, o facto mate­rial de nele a acção se desenrolar num número considerável de lugares. Por ex., "A Casa às Avessas", onde para 154 linhas do texto há J 1 lugares, que na realidade são só 2, mas entre os quais a acção saltita, alternadamente, 11 vezes.

Esta relação já me pareceu mais sólida. Mas era uma quase coincidência; bastou observar os 9 lugares de "A Terra fora do Sítio" e os 7 de "A Comunhão". Havia, igualmente, sob este ponto de vista, a anomia que representava "Transitus", onde ninguém morre, mas onde não pára de morrer alguém na memória emotiva de Tiago. Eu não procurava, tal um detective, o vírus da infecção; procurava saber, nesta obra precisa, os textos mortais, e os que o não são, aqueles em que a vida vai, e aqueles onde a vida corre. Porque a vida não quer morrer, nem que para tanto tenha de parasitar o vivo. Foram estas reflexões que me orientaram para a distribuição cromática, que ora é harmónica, mas substantivada em tons desbotados (azulado, acinzentado, esverdeado, cor baça e fosca), ora é tonal, em tons berrantes e desarmónic~s .. Nu_~ c_as~. déficit de informação. Noutro, excesso. Em ambos, ms1gnif1canc1a da diferença. Surge então a necessidade de quantificar a mera distri-

buição cromática.

199

Page 13: o Limite Do Fluido Augusto Joaquim

7.0 QUADRO

22,8 44,71 4~.18 7,33 4e,7 18,58 2!5,07 24,89 44,42 50,2~ 21,05 2!1,58 11,81

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NL 153 313 27 1 154 327 316 326 321 3 11 603 379 307 151

DC 16 10 8 5 13

Códigos: GF :: Gra u de fraccionamcnto

N L : Número de linhas DC = Distribuição das cores

* = Morte

N L quanto mais pequeno

Gf•DC mais morte

200

E é assim que séries de dados, aparentemente independentes, (a saber, o número de linhas do conto, a distribuição cromática, e o grau de fraccionamento diegético) quando ordenados, numa forma simplicíssima, resultam num índice que não só define os textos onde há vida e vida em excesso, como os que dão a morte ou a prepa­ram.

Resultados que consigno no 7. 0 Quadro. Assim aparecem os contos opostos: "A Casa às A vessas" e

"Transitus". Quanto mais baixo for o índice, menor saída para a vida. O

único conto onde há um suicídio, é o conto de índice mais baixo, "A Casa às Avessas". Entre os índices "mortíferos", o mais alto é um assassinato. Porque há duas espécies de morte: a morte endógena, corpórea, e a morte coincidente, exógena.

O conto "A Comunhão", onde não há morte, e com índice "mortífero", todavia, é justamente aquele em que o personagem tem uma doença mortal e sabe que vai morrer. Ficamos também a saber que o bebé de Joana, no conto "Introito", não morreu, foi morto; morto pela culpa que sua mãe sentiu por tê-lo procriado fora do casamento, por tê-lo gerado em Queda.

Neste contexto, o conto "A Terra/ora do Sítio" ocupa forçosa­mente um lugar emblemático. Nele ninguém morre, Macário esteve quase a morrer afogado ("arriscou a morte"), e esse texto é ligeira­mente inferior ao índice de vida (29,84). É por ele que começaremos a nossa análise das "posturas libidinais", e nele se diz: "era úma viagem sem paisagem, através da ausência".

IV

1 - Assim a A. escreveu estes contos. Ora em tipologias amplas, ora em homogéneas; com e sem

dispersão cromática; num número considerável de lugares; com personagens, sobretudo, rurais e/ ou periféricos; de alguns se conhe­cendo a profissão, de outros, nem isso; o nome de família é quase sempre, salvo duas ou três excepções, desconhecido; em pequenos grupos, ou solitários; mais mulheres do que homens; sem ideologia aparente.

E escreveu-os com mão firme . A A. está escrevendo o que quer. A sua escrita é entre ela e o mundo que vê.

Tudo isto se pode observar mas - pergunto - para onde leva ela o seu leitor, que o mesmo é querer saber, de onde está ela a olhar?

201

Page 14: o Limite Do Fluido Augusto Joaquim

2 - Frases, por exemplo, como esta "Luzia começou a despir-se com o candeeiro apagado. Ouvia as vozes e vestia-se com elas, como se fossem fios de uma camisa de estamenha ( ... ). Em cima, deitada na cama, Luzia procurava a voz de Tiago para fazer uma camisa apenas com ela, mas não a distinguia" (pág. 147e148); ou como esta ainda: "Soou um riso estridu/o. O riso voou como um pássaro até à janela e caiu no chão, em face do obstáculo das vidraças" (pág. 83); ou ainda esta "Maggie Only colocou o copo com o narciso sobre o pavimento. O sol, insolitamente, ficou no chão. O chão era formado por tábuas paralelas, outrora partes integrantes de troncos por onde circulara o existir vegetal e, assim, em breve o :lOl se transformou na sua aparência, uma flor para uma árvore morta" (pág. 124)/rases como estas - dizia- podem ser ditas "poéticas" e, consequentemente, ser recebidas como um déficit ou como um excesso.

No primeiro caso, lê-se uma metáfora, que o próprio texto marginalmente permite: "como se fossem fios", "voou como um pássaro". O texto pode ser Belo, mas não se lerá o que ele mostra porque o que lá está é um mundo que só existe sob a forma de imagem. "O aparente", o "aspecto". Opera-se, deste modo, uma cisão no texto; entre o verosímil aceitável e a força de expressão, ou seja, a diferença ausente. O que este olhar não suporta é, por exem­plo, que o riso seja um vivo, em vez de se limitar a ser vivo. No lugar do substantivo que lá está, lerá o adjectivo que lá deveria estar, e cuja ausência instintivamente se explica. É esta, todavia, uma troca que o texto não permite. O riso não é emanação evanescente de um ser humano, mas entidade precária, com autonomia própria, no percurso da sua precariedade. Como para este olhar, esse estatuto do riso é inaceitável , ler é fazer o riso reentrar no corpo da prosti­tuta e, na ausência de indicação expressa do texto, imaginá-la na posse do seu riso. Esta a di/erença ausente, porque o texto diz: "Soou um riso". O texto não viu rir, o texto ouve, e só vê a trajectó­ria alada de um som a embater na vidraça, dita obstáculo, e cair no chão, onde se desva1.ece. Uma tal leitura desenvolver-se-ia fatalmente como processo de compensação pelo desvio hipo-realista a que foi submetido o olhar afectivo do leitor, por recusa de que os seus códigos próprios possam ser diferentemente conectados entre si. Verá o texto como uma figura, e dar-lhe-á o nome de sinestesia. E. desta forma, um interveniente não-humano é abolido da leitura. Restringe-se, destarte, o domínio do vivo.

A beleza do texto pode igualmente - é o outro caso - ser recebida como um excesso: Basta que ao ler a significação surja de tal modo densa, de um hiper-rea/ismo tão marcado, quase objectal,

202

mas tão distante da expressão trivial da experiência do corpo, que o olhar se sinta fascinado, e se quede hipnótico.

E. materialmente, qualquer dos textos citados está construido de modo a produzir parcialmente esse efeito. A começar pelas signi­ficações. A maneira, por ex., como o texto vê a escolha de Luzia: começa por vê-la no seu nome que luz, continua a ouvi-la despir-se às escuras, e como na obscuridade se veste com as vozes dos homens que antes, em torno da mesa iluminada, a desejaram (numa lufada breve, como as vozes, de desejo), para depois, já deitada, escolher sensualmente a única voz com que gostaria de se vestir, inconsutilmente, para a noite. A A. diz bem melhor e diz sobretudo mais breve, porque no texto mostra, sem mais, factos entrelaçados, enquanto eu descrevo significações, por via do contraste.

Diferente é o modo como o texto opera em Maggie Only. A significação resulta da união simultânea de sucessivas metamorfo­ses do sol.

Maggie Only, ao pôr o copo de narcisas sobre o chão, depois de ter tentado outras posições para a flor, provoca o encontro inesperado, insólito no modo, de uma árvore que, viva, se alimen­tara de clorofila, e agora, morta, ainda é sol, e com este se encontra exactamente como o narciso colhido, condenado a murchar.

As diferentes significações são resultantes factuais, e não direc­tamente filosóficas porque o texto se serve de operadores semânticos que, ao desviar a atenção do olhar, permitem que este passe de uma significação a outra, deslizando. O texto produz uma modificação de percepção, porque desenvolve contiguidades fonéticas e rítmicas quase imperceptiveis. No primeiro texto, a passagem dá-se de "despir-se" para "vestir-se". É a catástrofe: a "fronce", de Thon . No segundo texto, de "soou" para "voou". E. no último, o contraste entre "sol" e "insolitamente", com o apoio fonético no "o" aberto de copo e no "i" de narciso.

O olhar do leitor, assim captado, tenderá a entrar numa "rêve­rie", onde o exercício da inteligência será suspenso, de tal modo que, quando voltar a quedar-se em si, nada guardará na memória desse olhar. Viveu um excesso de que não saberá falar.

Mas nós podemos imaginar a sua trajectória. É óbvio que, neste caso, não é a verosimilhança que é questionada. O mecanismo que actua é o da universalização, que contraria a materialidade do texto. De uma experiência singular e local (aquele riso, naquele quarto; aquela Luzia que nessa noite desejou Tiago; uma Maggie Only que casualmente coloca o copo com a flor no chão) tal como o texto mostra, o olhar excessivo extrapolará para qualquer momento, qualquer lugar e toda a circunstância. O leitor, por preço de uma

203

Page 15: o Limite Do Fluido Augusto Joaquim

emoção estética, colocou um mundo no lugar de outro. O texto mostra uma realidade original e irredutível, é certo, mas uma reali­~ade que o ~· ~a simultaneidade de muitas outras. Ou seja, o texto e, sem_ veros1m1l e sem metáfora. E é sendo-o tal e qual, que 0 gosto do leitor pode desenvolver-se na escolha virtual.

3 - Em ambos os casos, quer por déficit, quer por excesso, o olhar leitor falhará o olhar autor, porque há naquele recusa em aceitar que este possa expressar exactamente um real tal qual 0 vê, e que esse ver seja coerente e local, enquanto princípio de realidade.

Nessa recusa, recusa-se a multiplicidade dos mundos ou a hipótese da sua virtual legitimidade, como se o mundo foss~ um e existiss~f_ora do "tal qual se vê", e como se este "se vê" não fosse já a premzcza do mundo a criar-se. Como se o vigia não transmu­tasse a paisagem.

4 - A desconstrução destes micro-olhares em meu entender /alhos, teve . o objectivo de abordar, pela críti:·a de exemplos, ~ postura de escrita da A., o seu posicionamento óptico ou optativo.

Antes, no entanto, de podermos proceder a essa definição, devemos des-construir posturas- contíguas, cuja força, há vinte e cinco anos, era muito forte, mesmo se de maneira desigual. De tal modo que o posicionamento da A., embora definível no texto dos contos, foi totalmente submerso. É óbvio que óptica e opção não são sinónimos, mas, entre eles, dá-se um constante deslizar semân­tico. Assim é que "ponto de vista" é a vertente biológica e geográ­fica da "visão do mundo", e esta é, por sua vez, a vertente ideológica da "vontade representativa" que "toma partido". É esta força opcio­nal que, a mais das vezes, avança escondida e, paradoxalmente, se manifesta ao crepúsculo, que inexoravelmente imperializa todos os pontos de vista afins ou contíguos.

5 - Como podem definir-se as personagens destes contos?

À distância, poderá parecer estranho, mas uma das respostas, ora explícita, ou ora implicitamente, foi a de que se tratava de ~ovo. Era a ~esposta neo.-realista que se aproximava do texto,fare-

1ando a quahdade do ob1ecto e determinando, em última instância, que ainda o não era, mas poderia vir a ser. "O não era" queria dizer neo-realista. Ou, por outras palavras, o texto no seu naturalismo realista (o texto é cru e põe, sobretudo, em acção "os pequenos"), no seu ruralismo (de facto, a maioria dos contos desenrola-se nos

campos e na periferia), na sua recusa do universo concentraci~nário

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e racista, poderia situar-se nas bermas desse movimento, e estar para ele como os socialismos utópicos estavam para o cientifico. E como esse olhar pontificava, não lhe era difícil definir a trajectória do texto e desviá-la teleologicamente, por inevitável censura, para o terreno sólido dos olhares constituídos, em teoria e em certeza.

É inútil polemicar à distância, mas é muito prático desconstruir as proximidades que se perpetuam.

O "Povo", para esse olhar, não é só, nem sobretudo, uma realidade sociológica que, aliás, uma certa sociologia deixou pe­nosamente de tentar definir, mas é, sobretudo, e quase exclusiva­mente, uma "realidade política". Enquanto tal, é sempre legítimo questionar a operacionalidade efectiva desse tipo de conceitos, medidos em resultados práticos obtidos pelo meio escolhido, a saber, a política. Mas, no caso vertente, é muito mais elucidativo trazer à luz os conceitos afins desse conceito, que não só o esclare­cem, mas igualmente o limitam, e o datam.

Não é, todavia, pacifico que "Povo" seja um conceito, mas é certo que seja integralmente uma metáfora. Ou seja, a realidade humana que, em política, intervém sob o nome de "Povo" pode ser, na sua constituição, historicamente definida, mas dessa definição não lhe advém nenhuma força, a que, por momentos, os agentes que com esse nome actuam, dão mostras de possuir. Não, essa força não reside no conceito, reside integralmente num campo semântico que nem sequer lhe é afim, a saber, a relação conflituosa entre a metáfora de "corpo" e a de "magma".

Historicamente, "Povo" é um resto, o resto rural e urbano, cuja intervenção no Estado é não-institucional, intermitente, e que ocupa o espectro semântico que vai da plebe à cidadania, passando pela turba e pelas "massas". É um resto, pois, multiforme.

Resto de que processo? Do processo em torno do qual se foram elaborando corpos constituídos, em face de e para o Estado. Os vectores deste processo foram sucessivamente a formação da Nação e a expansão do Capital, daí que os corpos constituintes se definam nessa dupla relação: no Estado, face à Nação; e a partir do lugar que ocupavam na produção da riqueza.

São sobejamente conhecidos os corpos políticos e profLSsionais que neste longo processo foram adquirindo autonomia e as comple­xas relações conflituais que resultaram do encontro das forças insti­tuídas com as forças neo-emergentes, até à imbricação entre o Estado e o Capital. O que no caso vertente nos importa _é notar que, se o povo é o resto, como disse, é um resto sui-generis. E um resto visto do ponto de vista dos corpos constituídos: o que existe humana e social­meme, mas não se constituiu em "corpo regulado" e que resta, pois,

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indiferenciado, móvel e sem voz própria. E esta é sempre a voz da trajectória dos interesses, dos gostos e dos ideais. Dito de outro modo, toda a força que não corporizou os seus impulsos em vontade, a vontade de sustentar a trama resultante da manifestação dos seus próprios impulsos.

É aqui que o Povo, sempre visto de fora, revela não ser um conceito, mas uma metáfora. Ou, se se preferir, uma força analisada em termos de metáfora. Com efeito, o Estado organizou-se e desenv~lve-se de um modo específico: enquanto lugar constante onde simultaneamente se exercem a eficácia das forças e de onde emana o modelo abstracto a que se deve moldar qualquer corpo que pretenda a autonomia da sua acção em termos de eficácia.

"Povo", não respondendo justamente a nenhum destes quesi­tos, por lhe faltar, não a continuidade histórica mas a durabilidade institucional, enquanto conceito político, de um sujeito interventor no Estado, no sentido lato de Poder, não tem a menor opera­cionalidade.

E é justamente por isso que - dir-se-ia paradoxalmente -continua a suscitar as tensões dos corpos constiluídos, que não P?dem deixar ~e se preocupar com (e de se ocupar de) essa força vmual. Força virtual que suscita fantasmáticas várias, que o Poder, na sua vertente detentora e na sua vertente contestadora, vai meta­foriza~ ~orno Corpo e como Magma A antiga metáfora do corpo é orgamc1sta e procura, analogicamente, estabelecer entre as partes (as nobres e as inomeadas) um funcionamento eficaz, justamente, do corpo social. O que é rigorosamente significativo é o lugar que no corpo a si atribuem os detentores do poder: a cabeça, a fala, o olhar .. A_o resto é. atribuído, nesta metáfora, um triplo lugar: no Estado t um classificado como inespecificado (na tipologia trifun­~ional ~ndo-europeia são os produtores e os fecundos)." na produção e o umverso dos executantes intermutáveis; no lugar da ordem _ ~o lugar d~ ~~ergia po1encial -. um excesso possível. ·com efeito, 0 corpo socwl pode sofrer desmantelamentos provisórios e fortes aba­

los, com as revoltas desse resto, que em motins e em jacqueries deixa t·aços da sua passagem efémera, mas não menos devastadora.

Não deixa de ser curiosa esta pertença "forçada" ao Es1ado à produção e à ordem que é, no ocidente, um lugar filosófico vaz;·0 _.

toda a hierarquia social nunca tendo tido carácter de uma evidência durável, manteve-se a sociedade aberta, mas vulnerável, já que a ordem entre os humanos nunca foi tida como imanente.

Daí que a ordem que a metáfora do corpo, aliás, como a do magma instituem, seja uma pura imagem que, no limite. nem esse nome merce, pois se trata do reflexo de um real inex istente.

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A metáfora do magma "pega" no povo, onde a matáfora do corpo a deixa: na sua capacidade de revolta, nos seus ciclos de repouso e de efervescência.

Aparentemente, esta metáfora nunca existiu como ponto de vista sistemático. Os corpos constituídos que assim "sentem" expressam-se diferentemente. Enunciam leis dialécticas para a his­tória, organizam-se para o poder, chegam a teorizar uma relativa diferenciação interna do Povo (proletários, camponeses, grandes e pequenos, artesãos, etc.) mas, sobretudo, esperam o levantamento que preparam em escala micro. O Povo, que também indubitavel­mente, olham de fora e que, inexoravelmente, será integrado, a seu tempo, no Estado, na produção e na ordem, é, para esses corpos constituídos, uma massa inerte, imagem em repouso que se pode vulcanizar, e cujos excessos podem ser aproveitados para novas reformulações do Estado. É um sentir, mais do que um pensar, mas um sentir, de parte em parte energético e ressentido, que introduz movimento no pensar. É a mola. Mola que vai aplicar-se num ponto preciso do resto: na sua consciência. Basta - imaginem -que essas forças indiferenciadas tenham consciência da sua dife­rença; consciência do triplo lugar que lhe é atribuído; consciência de que esse é, irremediavelmente, um lugar mau e injusto; consciên­cia de outro lugar a que podem pretender, se reorientarem a von­tade no sentido do durável. Estabelecem, assim, entre as forças indiferenciadas graus de consciência que é uma hierarquia do res­sentimento; hierarquia que é. em si. a resultante de um imenso desprezo, porque a imagem a vulcanizar será também um corpo. Mas esta imagem é mais feroz do que isso: nela. a própria consciên­cia desse resto é transmutada. No lugar da consciência de si pró­prios é-lhes sugerida uma forma abstracta de consciência adversa e, pois, infeliz.

Podemos, pois, perguntar. se os personagens de "Os Pregos na Erva" são Povo.

Já afirmei que os próprios contos, em aspectos que referi, se oferecem a essa leitura. Mas afirmo também agora, que esses aspec­tos são semelhanças inessenciais do texto. Porque, se o excurso sobre as metáforas, nas quais o Povo é assumido, foi claro. observar-se-á no texto variadas ausências: o texto nunca os vê de fora , não vê neles uma relação sua ao Poder, não descortina formas ·de consciência de si, que sejam consciência de classe; não detecta, nem sente ressentimento; não define, neles, falhas de ser por onde poderia infiltrar-se a reivindicação de mais ser, contra sendo. Os personagens têm voz própria e trajectória definida: guardar a cons­ciência de si próprios, no seio do mistério do mundo.

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O texto, nos seus personagens. não vê Povo, outra é a sua trajectória.

Vê, então, humildes, do ponto de vista do "nouveau roman"? Também não.

Faço a pergunta, porque houve quem dissesse que sim, e por­que a obra posterior da A. voltou a insistir nós "pobres", "campo­neses", "perseguidos", etc., oferecendo azo a novas ambiguidades, por via das continuidades semânticas. Simplesmente, vinte e cinco anos depois, já não se fala em "nouveau roman", mas em "realismo fantástico" e em outros corpos estranhos do mesmo quilate.

E. no entanto, o texto, de "Introito" a "A Comunhão", toma um caminho que parte da cidade e, nesta, de burgueses liberais, e se termina numa taberna aldeã, algures, onde um homem. desejoso de mulher, suspeita que a sua morte se aproxima.

Aqui, a contiguidade entre o olhar da A. e um certo evange­lismo é muito forte e, em certos momentos, sobretudo no "lmroito", é mesmo coincidente.

Para o Evangelismo (que, na altura, cobria um espectro que ia de Afonso Lopes Vieira a Guedes de Amorim passando pelo cha­mado "romance católico" e que, sob formas pietistas, tem tradições fundadas na literatura portuguesa), alguns personagens de Os Pre­gos na Erva são autênticas figuras de pobres (até na fronteira do indigente), de oprimidos e de escorraçados, cujo lugar subalterno na hierarquia dos poderes terrenos é sinal do lugar cimeiro que ocuparão por mérito na santidade. E exactamente, como aconteceu com o trajecto de "Os Pregos na Erva", esse evangelismo à procura do homem simples e essencial, desloca-se também da polis civili­zada para a ruralidade natural. Partem em- demanda da criatura que, dir-se-ia, vive preferentemente nos lugares periféricos e fraca­mente civilizados (sempre atrasados de uma ou mais modernizações). seguindo as leis da natureza onde intuem directamente a lição divina. Ou seja, vive a criatura em sistema de auto-subsistência económica (ou menos ainda),na precariedade do contacto com os elementos inconstantes da natureza. A criatura é boa e sábia, um pouco boçal porque rústica, mas o seu saber é forte e essencial. E porque se lhe atribui um saber, a criatura é, a mais das vezes, um mestre sem doutrina, e sem discurso, cuja prática não se enreda nas ilusões e escapatórias do mundo. A criatura tem o faro do ser e do além. Por isso, é simples.

A criatura é igualmente "um vencido". E um vencido, na boca dos seus próprios panegiristas. Quem procura a criatura, vem do mundo. Olha-a, com o olhar do mundo e com os olhos do além. O que nela o atrai são os meios de alcançar a outra vida, já que, do

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to de vista dos que vivem do mundo, não há neste nem salva-pon . , ·d - nem ser O mundo falha a essência. A cnatura e um venci o,

çao, · ' ·d t d 1 porque procurada por vencidos. E e um venci o o o aque e que, algum dia. procura este mundo. . _ . . .

O que é curioso, no caso de Cnsto. se e.Ha nota.me e permtllda, é que desde sempre não procurou o mun_do, nu':'ª. epoca altamente política, como tantas outras, mas s~b~a ex!mmir-se, segundo as Escrituras que eram um extraordinano veiculo de poder. Como pôde ele ;xprimir-se nelas, sem ser por. elas imp~egn~do de ~ma violentíssima vontade de poder? As cnaturas na~ sao A o <:r~sto, porque falhas de Escritura. O seu saber .é feito de 1gn_oranc1~ irre­flexo, que não sabe que ignora, e se cllam as. Escntu_:as, e pura coincidência entre estas e provérbios, cuja origem nao e talvez poder. Pelo menos, ignora-se. _ _ .

Os personagens de Os Pregos na Erva.Ana~ s.ªº cnaturas. Podem ser simples, ter de si uma consciencza mexpressa, mas

esta é radical, inalienável, e, contrariamente às escrituras, a terem um reino 0 delas é deste mundo. Será talvez um outro mundo, estranho

1

ao Poder, mas é o deles em vida. . Não procuram outro mundo, não tentam c:;nq1:'1star este'.· nem

crentes, nem ateus; vivem a convicção de que s?o vivos cc:msc1entes da vida; sem culpa, apesar da morte; fluem, ate.se ap:ox_1mare':' de Simão, cujo destino é figural. "Ouviram novo tlro. Szmao sent~u-se penetrado na testa por um aguilhão de som e de chum~o. C:atu de costas. Abatera-se sobre ele o verde acuminado dos pmhe1~os. O resineiro deu um berro que se confundiu com um estampido.

- O que foi? - perguntou a mulher".

6 - Interrogo-me como foi possível, na época em que for.am escritos e editados estes contos, no meio. dos .~mbate~ ~;ztre Regzm~ e Oposição e, no seio desta, os c~nf11to; culturms entre Neo realismo e Existencialismo, como f 01 posszvel - pergunt.ava - que estes contos, reveladores de uma tão grande so?erama, te~ham simplesmente existido, frutos do punho de uma 1ovem de vmte e quatro, vinte e cinco anos. . .

Quando olhados em si, livres das conttguidades que os cegam, não se vê onde tomem raízes na cultura portuguesa: Soava'!: ~ desesperança e a desolação, a mundo fechado e sem horizonte, .1ª.º .ª revelia do epistema reinante e, no entanto, foram para a A. o 1mc10 do seu confronto com o Ser. abordado pela vertente ,do Bel? .e do Uno. Fragmentados. Confronto assim de que não ha memoria n~ literatura portuguesa, e fora dela, contam-se pelos dedos os escn-

. · · vindo a ombrear com um tores que 1dent1camente o assumtram,

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S. João da Cruz, um Holderlin, um Nietzsche, um Rilke, e poucos mais. Levando a nossa língua a espaços ignotos do conhecer pouco acessíveis - pensava-se - a uma língua fadada para o lirismo.

E não deixa de ser curioso que, neste século, outras tentativas de igual intento, mas p or outras vertentes, tenham sido ensaiadas com diferentes destinos, e de porte desigual. Refiro-me a Pessoa, pela vertente do Disperso, do Aspecto e da Máscara. E a Vergílio Ferreira, pela vertente do Sujeito, e das Condições da sua Emergência.

Em meu entender, é em torno destas três obras que se verifica­rão inexoravalmente em português as mais fecundas reformulações da nossa problemática cultural e é desse confronto que irá saindo e está saindo a intervenção activa da nossa cultura à problemática fundamental da Europa, a saber, como após revolução, insucessos e custos humanos incalculáveis se poderá reformular o socius em termos que salvaguardem o estar, sem perca do ser. Ou como voltar a ser, e sermos diferentes, sem nos destruirmos, poque a aventura do ser, começada na Grécia, e ainda, em termos de grande escala, nos seus primórdios, tem-se revelado a maior devoradora do melhor e do mais raro das energias humanas.

7 - Este pequeno desenvolvimento, contrariamente às apa­rências, não foi um parêntesis na resposta que procuramos à per­gunta que fizemos: de onde olha a A . os seus personagens; o que está vendo, para os ver assim, tal como o texto, desembaraçado de contiguidades indesejadas, no-los mostra.

O que está vendo, pois? Para o entender, vai ser necessário partir de algo longe.

8 - Imagine o leitor que toda a matéria é energia, informa­ção e ruído.

Que tudo está em movimento. Que tudo corre e borboloteia. Que é força disponível. Que tudo

é força à disposição de força. Potencial. A energia quando, no momento da sua aleatória compulsão, se

encontra em estado de poder transformar a matéria em informação. de extrair do ruído sinais, de transformar estes em ape1eci1·el e em mais fo rça, chama-se líbido ou energia psíquica.

A líbido, relativamente ao domínio energético universal entró­pico, é neguentrópica. É a energia a produzir, através de configura­ções mentais e sociais, formas de organização da sua própria desordem e degenerescência, o Poder de as suspender ou de as acentuar ou de as transmitir.

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Porque só estas, as configurações mentais e sociais, que_br~m a aparente unilinearidade inértica da. ene;gia e a sua total ausencza :;Je teleologia. Dir-se-ia que o seu destlno. e p~r,a ~~nça de co~surnaçao.

Dito de outro modo, urna energza so e bb1do, se estiver conec­tada com o corpo. com o real-conjunto dos corpos. se se obstaculizar. se integrar estratégias de poupança. de conservação, de emprego "alegre" da força.

Os corpos são o feed-back da energia, o_único lugar da. líbido. Os corpos são e desconhecemos o porque do seu aparecimento.

Por isso imaginamos. O que é um corpo? Um ''.fazedor de real". o real é uma espécie raríssima de força . A que/a em que o

motor é obstáculo. . Que só surge nos corpos-em-conjunto: o intento de fazer com-

cidir usos e finalidades, a que se chama Vontade. O que, noutro registo, é sinónimo de negu_entroP,ia. ..

A fórmula: "o motor e obstaculo . . Esse corpo, que se está imaginando a nascer, f unc1?n~ na

medida em que (e para que) no movimento (o seu.m~do propno de captar 0 tempo. ou seja, durar) :eg~ladamente coincidem o .s~u uso (regime e serventia) e a sua fmahdade (que se pode definir_ p~r programa), num ritmo tendencialmente uniforme que, na ausencw de comparação, daria a ilusão de um repouso absolut~. . _ .

o motor é o filamento de força que procura a co111c1dencw

entre uso e finalidade. . . . o obstáculo (que não é simples negatlVldade) .1mf!e:'e 9ue o movimento seja uniforme, que seja const.ante a co1nc1dencza. .

• São duas faces de um mesmo acontec,1mento: o q~efazfu"!cw­nar (motor) é 0 mesmo que impede (obstaculo) qu~ so se funcw~e.

o real não é produto de um m ovimento un!forme, n:z~s e a resultante de um funcionamento imprevisível. E imprev1s1~el_ o regime da relação entre motor e obstáculo, entre pulsao e reszsten-

cia, entre impulso e trama. . . . o corpo é isso que não pode correr mdefmzdamente na mesma

direcção. Pode ainda dizer-se, por outro lado:

a força é o impulso de uma trajectória, ~eu fl_lamento r~gu~ador. A obstaculização da força é motor. Basta 1magmar a contmuzda~e ~e um movimento sofrendo uma mudança interna no seu propno regime de velocidade: a força que se reflecte e, nessa mutação, funda a distância entre si e si mesma.

Nos corpos, este se funda o social.

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Este rejlectir não é pensar, nem querer, mas uma vitalidade experiente.

É um impulso que se dobra, e integra, no movimento, o obstá-culo que o faz desviar da trajectória.

Por isso, "não" é o grito inicial da linguagem. "Tanto" é o principio da lógica. E "se" a distinção espacial entre si e si mesmo, ou seja, o

primórdio do social, ou o seu ponto de aplicação. É do "se" que brota a libido. Ai se inscrevem as contiguidades entre libido, infor­mação e ruído.

Neste imaginar, olho as frases de Os Pregos na Erva que ante­riormente utilizei.

O riso é um vivo, mas não é um corpo, porque não integra o obstáculo da vidraça; a sua 'falta" não reside no cair, mas no esvair-se. Mas será um sinal, uma informação que voava na proxi­midade da libido. Logo a seguir há corpos que dele falam. O narciso colocado no chão por Maggie Only é um corpo, cujo motor (a infinita série de metamorfoses) é potentíssimo, à altura do seu obs­táculo (a morte, o murchar, o secar da árvore). O existir vegetal suspende-se, e desvia-se em uma outra forma. O deitar-se sensual de Luzia é também um corpo cujo motor é o procurar das vozes com que se veste, e cujo obstáculo é a impossibilidade de se conectar com a voz de Tiago que, de entre as vozes, se não distingue. O prazer não vindo, muda-se a sensualidade em repouso.

Ao jogo dos corpos entre si - origem constante do real -chamemos-lhe "massas de inicio"; esta, a primeira postura libidinal que, nem por acaso, excepto no "par amoroso perverso" (porque continuamente se obstaculiza}, está quase sempre ausente na litera­tura, mas de que se encontram inúmeros exemplos, sob outras formas, na obra da A.

As "massas de início" foram e são os primeiros núcleos acumu­ladores de forças, em que os corpos não se sentem despojados dos seus poderes, e recusam liminarmente tal eventualidade. como perca de si próprios. Não concebem perder o uso dos suas finalida­des, porque isso significa morte, sem metamorfose previsível.

E por aí, entramos, pois, nas tipologias que definimos no 3. 0

Quadro.

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V

I - Referi-me, logo no início deste ensaio, à convicção da A. de que os homens se alimentam de vibração: e de que só determina­dos reais produzem vibração. Só nesses rems os homens encontram o acesso ao ser, e ser-mais.

Posteriormente, radiquei esta convicção num facto estrutural, a saber, os diferentes tipos de contos, definindo cada tipo um real específico.

2 - É impossívei, no âmbito deste ensaio, e das limitações materiais que lhe estão inerentes, na sua qualidade de posfácio, é impossível - dizia - desenvolver esta articulação, de modo a tornar claro para o leitor a sua pertinência e a sua amplitude. Esta articulação é tanto mais importante quanto é cert~ . que a obr~ posterior da A . pode ser vista como a demanda estetica dos r~ats vibrantes para o homem-sequioso-de-mais-ser. Do ponto de vista topológico, e "histórico". . .

Acontece igualmente que esta convicção da A. ex1ge uma eluci­dação atenta e minuciosa do próprio estatuto do ser. Elucidação que guardarei para quando se efectuar a ree~içã:! dos º.utros contos que a A. escreveu logo a seguir aos que Jw;e sao reedlta~o~, sob .º título genérico de "O Estorvo" e cuja estrutura obedece a tipologia que defini no 3. 0 Quadro.

3 - Limitar-me-ei, por agora a deixar o caminho aberto, com dois apontamentos

a árvore das tipologias (ver 8. 0 quadro). - observação sobre algumas posturas libidinais.

4 - As tipologias formam entre si um percurso-em-árvore, que sendo o percurso do "conhecer" da A .... marc~ a .. distâ?,cia q~'! separa "a situação de impotência" (casos de Introito e de , ~.~al ') das "condições de pujança" (casos de "A Terra fora do S1ti~ e de "Maggie Only"). Condições de pujança que, nos c?ntos citad_os, ainda são só um primórdio e que encontrarão nos lzvros das tnlo­gias posteriores ("Geografia de Rebeldes" e "O Litoral do ~undo"J a sua mais ampla explicitação. De u_m modo g~r~l, crew poder dizer-se que este percurso é a apren_d1zagerY? ~o v1ver-com-o-ser­-sem-a-morte", do viver fluido e nao precarw.

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Verão

Verão

Outono

Inverno

Inverno Primavera

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CBA homogéneo a des-corporação

8. 0 QUADRO

BAC homogéneo o nómada

CBA amplo

""º\ BAC amplo

a dor

ABC amplo

BCA amplo a asfixia

1 BCA homogéneo

o isolamento

a aprendizagem do fluxo duradouro

A árvore das tipologias

Códigos: A = Descrição do mundo não-humano B = Descrição de estados afectivos e mentais C = Dialogo entre personagens

Verão

Verão

5 - O percurso-em-árvore acompanha o ciclo das estações, como está indicado nas margens do 8. 0 Quadro.

No texto dos contos, a bem dizer não há estações, ou a estas raramente se.fazem referência tão formais; como acontece no conto "A Terra fora do Sítio" onde Macário e Elisa constatam que o In verno foi duro e passou, e que se encontram na Primavera. O texto geralmente mostra que faz frio, que chove, que está calor, que está um calor abrasador, que sopra uma brisa, etc. Os comas geral­mente permanecem locais.

Simplesmente acontece que neles se verifica uma evolução. Essas situações, de exteriores aos personagens, passam a ser pro­gressivamente identificadas como "eleméntos" vivos, contemporâ­neos, no seu existir, do evoluir dos personagens. Envolvem-nos, são vivos e actuantes; e coexistir com eles exige uma aprendizagem, como se, de incómodos, inertes e estúpidos, passassem a ser forças, com o duplo carácter de constituírem um perigo e de serem sinto­mas de ciclos. Essas forças, que na sua regularidade recebem o nome de estação, começam por ser interventores, despossuídos de intenção e de direcção. O seu co-existir com os corpos não confere a essas forças nem direcção, nem intenção, mas estes os nomes de aprendizagem dos corpos, na vizinhança dessas forças. Esta a dife­rença entre um vivo e um corpo. Aprender é definir regularidades e sequências, e ver, nestas, para sempre, um perigo e uma oportuni­dade. Um acaso e uma ocasião. Essas forças a que chamaremos, pois, in-intencionais e multi-direccionais, não em si próprias, mas nas suas rotas coextensivas do trajecto humano, e em relação a este, são também uma postura libidinal. Por isso, sob a forma genérica de "estação" as coloquei nas margens do trajecto-em-árvore e, na definição das tipologias, aparecem, sobretudo, nos sintagmas mar­cados por A.

São da mais variada espécie. E o texto dá-as a ver. São os elementos, são as cores, são as roupas que guardam os corpos, é a bala que mata Simão, é a beleza da paisagem, é a doença; e são também os ideais, os sonhos e aspirações, que são já forças multi­-direccionais "integradas" nos corpos e cuja sede, na concepção clás­sica, se encontra na imaginação, e que a psicanálise situa no inconsciente, lugar privilegiado, no homem, dos acasos e das oca­siões. O exemplo mais universal são "os filhos", como se vê no conto "O Sal". Compreende-se destarte como educar, cultivar e governar, é transmwar os vivos em corpos. Acontece, todavia, que há várias espécies de corpo.

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6 - As "massas de início" têm uma relação especifica com estas forças, porque é. no seu âmbito, que se define a fronteira fluida entre os corpos e o vivo.

O texto dos contos mostra, inúmeras vezes, situações de fronteira.

Por exemplo. no conto "A Terra fora do Sítio", Macário e Elisa avançam ao longo da praia e o texto diz: "Os vestígios dos seus pés marcavam uma fronteira ao mar, mas as águas não a respeitavam. As pegadas alagavam-se, cobertas de seixos e de limas" (pág. 165). São humanos que ali marcham, na fronteira: "Pelo feitio das pegadas na areia, os homens eram todos iguais" (pág. 162). Cada vez que um homem se coloca na fronteira entre o corpo e o vivo, assume automaticamente uma postura de "massa de início", porque é a conservação da distinção entre o vivo ("carne líquida das ondas") e si próprio ("agudamente servo de si próprio") que o humano volta a pôr em jogo.

E tentar alargar esta fronteira (o que é uma constante da expansão dos corpos) é entrar-em-perigo. Perigo de sobrevivência, como no caso de Macário, enfrentando o mar-onde-naufraga "Macário contraiu-se, de medo e de frio, e pensou: "Por agora estou salvo". Opôs o corpo ao mar e, sobretudo, à escuridão. Bracejou, à procura da carne líquida das ondas, e do sentido da ilha. no seu ondear oculto. Começou a viagem dolorosa (. .. ) Macário apavorava-se nela, agudamente servo de si próprio" (pág. 164). E perigo de imagem: "(. .. ) Helena e Fernanda esperavam com os braços estendidos sobre a mesa, as cabeças em cima do polimento (. . .). O polimento via Fernanda e Helena com os olhos de Fernanda e de Helena (a solidão completa)" (pág. 87, no conto "A Manhã Morta"). Nesta situação, a mesa em que Fernanda e Helena se apoiam é um inerte, mas o seu polimento é um vivo. E "para além do polimento", para além dessa fronteira, a imagem perde-se. Como ainda se pode ler em "Inês imaginou-se em face do espelho, com a concavidade de uma das mãos sobre o cabelo que ia ser visto e que assim se libertava da qualidade de inerte, pela admiração criadora de outros olhos. Depois pensou(. .. ) que era o nada da sua casa vazia" (pág. 53, no conto "A Pedra que não Caiu"). O perigo da imagem existe porque no corpo também há o vivo. Nesle último texto, o inerte são os cabelos de Inês, mas o olhar do homem imagi­nado na fronteira do espelho é um vivo, que o corpo, com o nome me/anímico de Inês. procura captar, correndo o risco de se perder. E perder-se é o acontecer - nada. Há igualmente inúmeras situações em que a fronteira entre o corpo e o vivo "passa" pelos próprios personagens. e em que atravessar esse perigo é o corpo arriscando a

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conservação de si próprio, pelo impulso de crescer: " De vez em quando, (Macário) parava e olhava para trás, a estimular os passos mais vagarosos de Elisa. Derramava em si próprio a silhueta (de Elisa) traçada com firmeza em tecido negro, porque não trazia xaile" (pág. 165, no conto "A Terra fora do Sítio"). A silhueta é um vivo, en-corpá-la é tornar fluida a fronteira entre dois corpos. Por isso, se diz: possuir, ou seja, captar o vivo flutuante e apetecível do outro corpo. Trocar.

Daí que, a mais das vezes na sociedade humana, mas quase nunca nestes contos, o sexo do corpo feminino seja um vivo que o corpo masculino intenta captar, ao procurar expandir as suas fron­teiras, intentando que o corpo feminimo fique separado do "seu" sexo. Este "seu" é propriamente um exagero de expressão, porque o vivo por natureza não pertence a nenhum corpo, mas.flui na proxi­midade dos corpos. Será "seu", da mulher, se o corpo feminino o captar para si e fizer desse vivo vagueante o seu-próprio-sexo. C ar­rendo, então, o risco de transmutar a sua própria imagem e de provocar uma vasta reorganização da líbido dos corpos, isto é, das suas configurações mentais e sociais.

Aliás, a expressão já aqui várias vezes utilizada "correr o risco", é, despida da sua acepção corrente, o significante exacto para o processo que o texto mostra. "Risco" indica a fronteira, a linha.flutuante da demarcação. "Correr" é.fluir, acompanhar a.flui­dez da fronteira entre os corpos e o vivo. Esta a postura fundamen­tal dos corpos, enquanto massas de início.

Os corpos adaptam-na, no uso da sua finalidade especifica: olhar o fluido, adaptar-se à linha sinuosa das forças-sem-intenção­-nem-direcção, ler os sinais. A menor variação das marcas dessas forças ou de outros corpos é um sinal, sinal de acidente ou de oportunidade.

Os contos "nómadas" estão construídos exclusivamente sobre este processo, mas há também, noutros contos, momentos em que este "modo" adquire uma extraordinária visibilidade.

Por exemplo, no diário de Pedro. no conto "A Manhã Morta"; no trajecto de Tiago, no conto "Transitus"; na ocupação do espaço por Maggie Only, no conto com esse nome, etc.

Cada um destes contos mostra um método diferente de "olhar os sinais".

Pedro organiza-os em fio. Os sinais indicam-lhe um real, pelo simples facto da sua justaposição sequencial. Cada um nada diz, diz - nada. Justapostos, na vizinhança uns dos outros, extraem-se do inerte, e palpitam. Aliás, esta expressão é, em português, pre­ciosa. Palpitar é. enquanto fazer, a medida de urna oportunidade,

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Page 22: o Limite Do Fluido Augusto Joaquim

o perspectivar de um ocaswo, mas, enquanto ser, é o indício de uma vibração. O que Pedro desconhecia era que o fio dos sinais. enq~~nt? justapostos, indiciavam a vibração expectante que o con­duzma a morte; palpite que lhe estava escondido.

Já Tiago, em "Transitus", os organiza muito diferentemente. ~erve-se da morte da sua própria mãe, cuja /embranç.a, ou vivo, lhe e mostrada pelos sinais que vê, para os organizar em linha crescente de intensidade. No final do conto, a sua própria mãe se torna viva, no acto de reconstituição de uma natividade. É aliás o conto, como in~iquei na altura, que tem o maior índice de pujança. Não admira, pois, que fosse com a sua voz que Luzia desejasse dormir.

.Ta'!1bém muito outro é o processo de Maggie On~v. Organiza os smms para preparar o caminho da espera duradoira. Ocupa 0 espaço. O Texto mostra-nos Maggie, em 184 linhas de texto, sobre 327, realizando 41 actos sucessivos. E o nome do homem que espe~a~ o-seu-amigo, aparece pela primeira vez no meio desse agir, na v1zmhqnça de títulos de jornais que publicitam viagens. O seu nome é Angelo, recorde-se, mensageiro e guia.

7 - Massas de início são um nome genérico de variadas pos­turas li?id!nais que se Fadem olhar nos textos: há as massas ríf{ida~, e as m~ve1s; as sedentarias e as nómadas; as massas man!festantes, e as de a1un_tamento. Obedecendo ao mesmo 1ipo genérico, compreen­de"! os diversos modos, ou estilos, de "ler os sinais", e de resolver, pois, o pr~blema d~ durabilidade do fluir, da aventura dos corpos à caça do diverso. Sao diferentes modos de sustentar a neguentropia, pela vertente do contacto-conhecer. Por isso, não especulam, falam P?uco, ~u nada, trocam actos que são arriscadas incorporações do v1v~. Nao sa~em. T~~o, mesmo em micro-organizado, guarda 0 seu ~aract~r de 1mprevlSlvel. Não atribuindo intenção ao que é in­m~enc1?nal, nem uma direcção ao que lhes aparece como multi­-d1recc10n_al. desconhecem, sem _angústia, nem ressentimento, 0 que o amanha ou o m_omen_:o seguinte, lhes está reservando. De qual­quer mo:j-o, contmuarao as metamorfoses da vida, porque essas forças nao reservam-nada-para-ninguém.

Ser-próprio, na metamorfose, é quanto basta. Por isso, 0 texto os mostra sentindo que são corpos-alimentando-se-do-vivo. como tudo o que é, e vivo seja.

8 - Há, nos textos, outras posturas libidinais muito diferen­tes destas. Não podendo. por limitação de espaço. indicar. 1~esmo abreviadamente, a sua natureza, não se justifica que sejam nomea­das, apesar de serem mui/o importantes para a compreensão dos textos.

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Não só porque integram muilos outros "comportamentos" humanos que são, hoje, os mais frequentes, como são essenciais para dar a mos1rar a pertinência das convicções da A.

9 - No percurso-em-árvore das tipologias, e como subtítulo de cada uma delas, indiquei, por ex. "a des-corporação", "o isola­mento", etc .. ou seja, a respectiva "situação sinalética".

Por 1al, entendo que cada tipo, representando um real especí­.fico, ou seja, a resultante da articulação das diferentes posturas entre si, cada tipo - dizia - é uma organização específica de sinais. Porque, mesmo quando os humanos se afastam dafronteira entre os corpos e o vivo, nunca se afastam. Mas ficam, todavia, marcados por este afastamento impossível. Assim, as posturas que mais intentam afastar-se do risco e do diverso, encontram-se sobretudo nas tipologias que ocupam o topo do "percurso-em­-árvore ''.

O leitor poderá, por ora vagamente, compreender como a con­vicção da A. se moslra, com mais evidência, nos textos integrados nas tipologias que, no mesmo percurso, aparecem na base do ''percurso-em-árvore".

"Base", que é, aqui, pura transcrição gráfica, dado que a "árvore-da-vida" que o percurso pode sugerir, não se funda, para a A., em nenhuma organização cósmica anti-caótica, mas numa posi­ção ou postura específica face ao ser que, em ensaios posteriores, procurarei elucidar.

Na realidade - e digo-o com o nota final-, o problema que a A. coloca, no seu percurso-em-árvore, é na ordem do pensamento (quase) insustentável: se o Tudo e o Nada. são experimentalmente inacessíveis, e propriamente inimagináveis, como pensar a nossa existência aqui (e só Aqui há). sem "deierminações", "atributos" e "aspectos". Se não "há" o Todo. nem o Perfeito, o existente não pode ser pensado como parcial, nem experienciado como Incom­ple10. E. no entanto, o percurso da impotência à pujança é, nos seus textos. o percurso do "Fragmento" a não poder ser entendido como Parte. Que nome se esconde na paisagem que o vigia ainda não conseguiu, só pelo seu olhar. transmutar? Que quererá dizer: "Nin­guém sabe o que é um homem.? (-1).

5 de Março de 1987

( 'l .. Um Fa lcão no Punho ... Fd . Ro li rn. Lisboa. 1985.

( ') () número das rú!!Ílla ' 1·.:fert:-St: à i.;1 t'd iç;io.

( ') O Livro das Comunidades. r . 9 1.ishoa. Ed . Afrontamento. 1977.

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