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O Lado Cômico da Minha Vida

O lado cômico da minha vida

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Riacho de Inhambú. Sob o seu céu azul tão lindo, vivenciei com Antonio, locutor do alto falante “A Boca do Povo”, com vovó e Tia Dulce, quando tia Dulce chegou da Capital usando calça comprida e vovó passou mal, com Maria Pretinha, com Juca Beição, com Zeca Zarolho e Zé Palhaço. Viver na casa de vovó Rolinha, para mim, era um sonho.

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São Paulo 2011

O Lado cômico da Minha Vida

Tereza Neumann

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Copyright © 2011 by Editora Baraúna SE Ltda

CapaAline Benirez

Fotos de capaTereza Neumann

Projeto GráficoTatyana Araujo

Revisão Rita Rocha

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

_______________________________________________________________N411l Neumann, Tereza O lado cômico da minha vida / Tereza Neumann. - São Paulo : Baraúna, 2011. ISBN 978-85-7923-316-6 1. Neumann, Tereza. 2. Mulheres - Brasil - Biografia. I. Título.

11-1131. CDD: 920.72 CDU: 929-055.2

28.02.11 01.03.11 024810 _______________________________________________________________

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua Januário Miraglia, 88CEP 04547-020 Vila Nova Conceição São Paulo SP

Tel.: 11 3167.4261

www.editorabarauna.com.brwww.livrariabarauna.com.br

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Sumário

I - Baubearia Sepre Belu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

II - Etelvina, o pai e Vovó Rolinha . . . . . . . . . . . . . . . 9

III - Pensão Vovó Rolinha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

IV - Água do poço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

V - A Boca do Povo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

VI - A calça comprida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

VII - O locutor maluco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

VIII - O apelido de Rolinha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

IX - Bonecas de pano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

X - Maria Pretinha e o espelho . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

XI - Encantos perdidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

XII - Juca Beição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

XIII - Zeca Zarolho e o piadista sem graça . . . . . . . . 35

XIV - Aqui Gerarda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

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XV - Música ao longe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

XVI - A volta de Tio Vevé e Tio Ramiro . . . . . . . . . . 41

XVII - Dia de Boi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

XVIII - Histórias de tio Ramiro . . . . . . . . . . . . . . . . 45

XIX - Tio Pepê e o doce de água . . . . . . . . . . . . . . . . 47

XX - A padaria de Joquinha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

XXI - O pau de bosta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

XXII - A calçola perdida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

XXIII - As freiras argentinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

XXIV - O hóspede golpista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

XXV - De Banda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

XXVI - Papai Noel de brinquedos plásticos . . . . . . . 61

XXVII - Banho indiscreto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

XXVIII - Evolução em Riacho e seu Zé Mole . . . . . . 67

XXIX - O hóspede cego e o candeeiro . . . . . . . . . . . 69

XXX - Nalva, a empregada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

XXXI - Aventuras de mamãe em Boquim . . . . . . . . . 73

XXXII - Mamãe, Mara e dona Sara . . . . . . . . . . . . . 77

XXXIII - Mamãe vai para o convento . . . . . . . . . . . . 79

XXXIV - Agripina, a mulher mais alta do Brasil . . . . 81

XXXV - Mamãe vira noviça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

XXXVI - Pedidos sem permissão . . . . . . . . . . . . . . . 87

XXXVII - E o convento ficou para trás . . . . . . . . . . . 89

XXXVIII - Mamãe e papai trocam alianças . . . . . . . . 91

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I

Baubearia Sepre Belu1

Seu Macário era dono da barbearia de Riacho. Praticamente analfabeto, falava e escrevia

errado. Certa feita, ao terminar de cortar o cabelo de um cliente, perguntou:

— Qué arco, tarco, peufume ou qué que mói?2

O cliente franziu a fronte e olhou para ele, espantado. Em outra ocasião, numa tarde sossegada, daquelas em que até o sol parece ter preguiça de se pôr, seu Olegário, o cliente, passando pela porta da barbearia, parou para um dedo de prosa. E foi sincero:

— Compadre Macário, você fala muito errado, rapaz! Pago dez cruzeiros agora se conseguir dizer uma frase inteira sem errar.

1 Barbearia Sempre Belo

2 Quer álcool, talco, perfume ou quer que molhe?

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Macário retrucou:— Cuma?3

— Pronto, já perdeu! Nem precisou de uma frase. Falou errado — comentou o velho Olegário.

— Adonde?4

3 Como?

4 Onde?

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II

Etelvina, o pai e Vovó Rolinha

Meu nome é Quitéria, em homenagem à heroína brasileira Maria Quitéria. Descendo

das três raças que colonizaram o país: portuguesa, africana e indígena. Por parte de mãe, minha avó era filha de índios e meu avô de portugueses. Por parte de pai, meu avô descendia de africanos e minha avó de portugueses. Por uma questão de proximidade, escolhi contar aqui a história de minha avó materna e seus descendentes.

Dona Rolinha — como carinhosamente a chama-vam — era uma mulher de atitude. Nunca deixava para amanhã o que podia fazer hoje. Seu verdadeiro nome era Jaci, que, na língua Tupi, significa “Lua”. Todas as ma-nhãs, começava o dia acendendo o fogo à lenha. Ia até o quintal para ver se tinha lenha cortada e, caso não tivesse,

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armava-se de um machado e começava a torar a madeira com toda a disposição. Em uma dessas pacíficas manhãs e, enquanto dava conta de providenciar a lenha no quin-tal, ouviu uma algazarra. O ruído vinha da rua.

— Dona Rolinha, por favor, me acuda! Socorro dona Rolinha!

Era uma voz de mulher e não parava de gritar:— Ai, meu Deus! Meu pai quer me matar! Pai e filha foram parar no quintal de minha avó,

interrompendo seu rotineiro trabalho:— O que é isso? O mundo tá se acabando? — inter-

veio com firmeza dona Rolinha.— É o meu pai, dona Rolinha! Ele quer me bater... —

queixava-se Etelvina, filha de seu Cisco, açougueiro da cidade.— Etel, se sua mãe ainda fosse viva, estaria morren-

do de vergonha agora!Dona Rolinha se meteu.— O que foi, seu Cisco? O que a menina fez para o

senhor espancá-la? — olhou com ares de reprovação para o cinto de couro nas mãos de seu Cisco — Me dê isso aqui!

E tomou-lhe o cinto.— Ela acabou com a honra da nossa família! Vai

envergonhar a todos!— Mas por que, homem de Deus?— Tá prenhe, dona Rolinha! Prenhe! — disparou o

homem, cheio de raiva. — Deixe disso, criatura! Tome tento! Apoie sua

filha. Se o senhor não apoiá-la, quem é que vai fazer? Prometa-me que vai cuidar de sua filha e dessa criança que vai chegar! Se o senhor não fizer isso, eu mesma faço!

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— Por favor, me deixe morar aqui, dona Rolinha... — pedia Etelvina.

— Vá com seu pai, minha filha.— Eu ajudo a senhora! — retrucou Etel, em desespero.— Seu pai precisa de você. Ele vai aceitar a situação. — Agora, vá. Vá com ele!A agitação passou e seu Cisco, embora contrariado,

prometeu cuidar da filha. Os dois tomaram o caminho de casa e dona Rolinha continuou seus afazeres.

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III

Pensão Vovó Rolinha

Cortou as lenhas e carregou o feixe para a cozi-nha. Colocou-as no fogão de tijolo, jogou que-

rosene e acendeu. Pôs-se a abanar para o fogo pegar. A casa era enorme, com seis quartos na parte principal e três nos fundos, inclusive o dela. Era uma pousada. Quando vovô Alvo, que era comerciante, morreu, deixou-lhe uma modesta pensão. Para complementar a renda, ela resolveu alugar os quartos da casa, que passou a se chamar “Pensão Vovó Rolinha”. Teve doze filhos, dos quais morreram dois e ficaram dez — quatro homens e seis mulheres.

Nesse dia, minha mãe, filha mais velha de dona Rolinha, já havia se levantado para ajudá-la a arrumar as mesas do café. Os hóspedes não tardariam a aparecer. Morávamos todos com minha avó, já que meu pai não

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podia pagar aluguel. Ela nos doou dois quartos na casa. No maior, dormiam meu pai, minha mãe, meu irmão ca-çula, de três aninhos, minha irmã Joana Angélica (outra com nome de heroína) e eu. No quarto menor, dormia meu outro irmão.

Eu gostava de morar ali. A casa ficava na Praça da Matriz, bem ao lado da igreja Nossa Senhora da Concei-ção, padroeira da cidade. Todo dia 8 de dezembro — dia da padroeira —, tinha festa grande na cidade.

Riacho do Inhambú. Esse era o nome da cidade em que nasci e tive minha infância. Terra que nunca esque-cerei. Tinha água boa. Tão boa que, quem dela bebeu, jamais esqueceu.

Nessa ocasião, minha avó abrigava seis hóspedes. Dentre eles, havia os que praticamente moravam na pen-são: um casal e o filho pequeno, já que o chefe da família, seu Alencar, trabalhava numa empresa local que exporta-va fumo; e seu Ricardo, o coletor, cujo ofício era fazer co-branças de multas e de impostos a serviço do Estado. Os dois outros hóspedes estavam apenas de passagem pela cidade, não moravam ali.

Naquela manhã, todos tomaram seu café e deram iní-cio à sua rotina. Os que iam viajar fecharam a conta na pensão e tomaram o rumo da rodoviária, e os que ficaram, à exceção da Srª. Alencar e do filho, seguiram para o traba-lho. Lembro que, nesse dia, ao contrário de meus irmãos, eu não fui à escola. Sentia o corpo quente e mole, possi-velmente uma febre. Voltei para o quarto e fiquei deitada, quietinha, repousando os meus oito anos de idade.

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IV

Água do poço

No quintal de minha avó, havia uma cisterna. Como não existia água encanada no local,

era ela que abastecia a casa. Lembro-me de minha mãe retirando regularmente baldes e baldes de água do poço para encher o túnel do banheiro. O banho era assim, improvisado. Duas madeiras paralelas serviam de supor-te para o túnel d’água que passava sobre nossas cabeças. Havia uma torneira que funcionava como uma espécie de chuveiro, na parte inferior do “túnel de banho”, que logo esvaziava e pedia novo abastecimento.

A água salobre não prestava para beber, era salgada. Para resolver isso, entravam em cena os aguadeiros, que traziam água fresquinha diretamente do rio e entrega-vam-na pela vizinhança em troca de dinheiro. Chega-