Upload
dasbrandao13
View
220
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
1/12
REVIST DE DIREITO
ourRIN
instituto da daco em pagamento como
modalidade extintiva do credit tributirio
Alberto Escher de Britto Guimardes
I Ordem juridica e principios. II - Regime de Direito Pit-
blico. III - Legalidade. IV - Principio da igualdade. V - Exigen-
cia de licitacc7o. VI - Moralidade e seguranca do Direito. VIl -
Exame critico da dacilo em pagamento na doutrina. VIII - OW -
mas consideracOes. IX - ConclusOes.
0 objetivo deste trabalho tecer algumas consideracOes a respeito da corn-
patibilidade do instituto da dacdo em pagamento corn o regime de Direito
mais especificame nte, da possibilidade de se extinguirem debitos de na tureza tri-
butaria por meio de dacdo de bens.
Ordem juridica e principios
0 Direito nao consiste em um emaranhado de normas flutuando isoladas
no espaco. Consiste, antes, em urn conjunto ordenado e hierarquizado, onde as
normas constitucionais ocupam urn lugar de absoluta predominancia, eis que cons-
tituem o fundam ento de validade de todas as norm as infraconstitucionais.
Assim, para perquirirmos sobre a aplicabilidade do instituto da dacdo em
pagamento no Direito T ributario nao podemos limitar-nos a pescar regras esparsas
que tratam do tema, sendo imprescindivel realizar uma pesquisa mais profunda,
que leve em conta a ordem juridica como um todo. Isso porque, insistimos, o
ordenamento nao constituido de normas isoladas, mas tern pretensOes de ser urn
sistema coerente e harmOnico.
Para o de slinde da questa, entendem os ser necessario partir dos principios
constitucionais. Apenas assim poderemo s chegar a alguma conclusao juridicamente
valida e coerente.
' Advogado, Procurador do Estado
CEJUR
59
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
2/12
DOUTRINA
REVISTA DE DIREITO
Os principios sao as balizas do ordenamento juridic. Sao eles que confe-
rem coern cia ao sistema norm ativo, iluminando o sentido em que as norm as de-
vem ser interpretadas. CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO cid a di-
mensao de sua importancia: Principio ( ) , por definicao, mandamento nuclear
de urn sistema, verdadeiro alicerce dele, disposicao fundamental que se irradia
sobre diferentes normas com pondo-lhes o espirito e servindo de criterio para sua
exata com preensao e inteligncia, exatamente po r definir a lOg ica e a racionalidade
do sistema normativo, no que the confere a tOnica e the (Id sentido harmO nico. E o
conhecimento d os principios que preside a inteleccao das diferentes partes corn-
ponentes do todo unitario que ha por nome sistema juridico positivo. '
Para, entao, concluir: Violar urn principio muito mais grave que transgre-
dir uma norm a qualquer. A desatencao ao principio implica ofensa nao a penas a
urn especifico mandamento obrigatOrio, mas a todo sistema de comandos. E a
mais grave form a de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conform e o escalao do
principio atingido, porque representa insurgencia contra todo o sistema, subversao
de seus valores fundamentais, contumelia irremissivel a seu arcabouco lOgico e
corrosao de sua estrutura mestra. 2
Busquem os, portanto, nos principios, a solucao do problema.
Regime de Direito Ptiblico
0 COdigo Civil estabelece: Art. 995. 0 credor pode consentir em receber
coisa que nao seja dinheiro em substituicao da prestacao que the era devida. E
ainda: Art. 996. Determ inado o preco da coisa dada em pagamento, as relacOes
entre as partes regular-se-ao pelas normas do contrato de compra e venda.
Tais dispositivos nao podem ser simplesmente transplantados para o am bito
do Direito Tributario. E que o Estado esta submetido a urn regime juridic pr6prio,
o regime de Direito PUblico, onde nao prevalece a autonomia da vontade, regra
nas relacOes e ntre os particulares.
Esse regime todo plasmado na Constituicao Federal, que estabelece os
principios norteadores da atividade estatal. Diz o artigo 37 da Lei M aior: A adm i-
nistracao pirblica direta e indireta de qualquer dos P oderes da U niao, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municipios obedecera aos principios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiencia (...).
A a cao do E stado deve, em sum a, seguir duas diretrizes basicas, decorren-
6
CEJUR
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
3/12
REVIST DE DIREITO
OUTRIN
cia daqueles principios. Deve haver um a com pleta supremacia do interesse pah-
a) sobre o particular e esse interesse publico deve ser absolutam ente indisponivel
pela A dministracdo.
0 artigo 1 da C onstituicdo, em seu paragrafo imico, diz que Todo o poder
emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituicao. Entdo, interesse publico ndo e algo revelado por
inspiracdo divina ou coisa que o valha, ma s aquilo que e estabe lecido em lei, pelos
representantes democraticamente eleitos. 0 administrador so estard atendendo o
interesse pUblico enquanto p autar sua atuacdo pelo que dispO e a lei, principalmente
a Con stituicdo da Republica.
Prova evidente da impossibilidade de aplicacdo, pura e simples, das normas
do C Odigo C ivil nas relacCies entre Estado e contribuinte encontra-se na disposicao
do artigo 996, supracitado. Isso porque os creditos da Fazenda PU blica gozam de
uma serie de garantias e privilegios na sua execucao, no se admitindo que essas
normas sejam afastadas, para que as relacOes entre as partes regulem-se pelas
normas do contrato de compra e venda.
Legalidade
0 Estado Democratic de Direito caracteriza-se pela inteira submisso de
todos, inclusive do p rOprio E stado, a lei. A legalidade, entretanto, tem um significa-
do diferente para a A dministraco PU blica e para os particulares. Enquanto a estes
dado fazer tudo aquilo que a lei nao proiba, a Administraco so pode fazer aquilo
que a lei antecipadamente autorize.
E o publicista CARLOS ARI SUNDFELD quem esclarece: A atividade
administrativa deve ser desenvo lvida nos termos da lei.
A A dm inistraceio sO pode
fazer o que a lei autoriza:
todo ato seu ha de ter base em lei, sob pena de
invalidade. R esulta dai uma c lara hierarquia entre a lei e o ato da A dministracdo
PU blica: este se encontra em relacdo de subordinacd o necessaria aquela. Inexiste
poder para a A dministracdo PU blica que ndo seja concedido pela lei: o que a lei nao
lhe concede expressam ente, nega-lhe implicitamente. Todo poder e da lei; apenas
em nome da lei se pode impor obedincia. Por isso, os agentes administrativos ndo
dispOem de liberdade - existente some nte para os individuos considerados como
tais - mas de com petencias, hauridas e limitadas na lei. 3
Pois bem, estamos tratando aqui de credit tributario e de formas de sua
extinco. A Co nstituicao Federal, agora no capitulo do Sistema Tributdrio N acio-
JUR
6
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
4/12
DOUTRINA
EVISTA DE DIREITO
nal, estabelece: Art. 146. C abe a lei complemen tar: (...) III - estabelecer normas
gerais em materia de legislaco tributaria, especialmente sobre: (...) b) obrigacao,
lancamento, credit, prescricAo e decadencia tributdrios; ( ).
A Lei n 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Codigo Tributario Nacional), faz,
entre nos, o papel dessa lei complementar, tendo sido recepcionada pela atual
C onstituicAo corn tal status
por nao existir, a epoca em que foi editada, aquela
figura legislativa. Tratando do credit tributdrio, estabelece que: Art. 156. Extin-
guem o credit tributario: I - o pagamento; ( ); III - a transacdo; (...). Estas as
modalidades que nos interessam mais de perto.
Qu anto ao pagamento, teceremos consideracOes m ais adiante, limitando-nos,
por ora, a fixar que, conforme o CTN, o pagamento feito em moeda corrente,
cheque ou vale postal, e, nos casos previstos em lei, em estam pilha, papel selado,
ou por processo mecanico (art. 162, I e II). Ndo ha previsAo de pagamento em
mercadorias.
0 CT N regula o instituto da transacao nos seguintes termos: Art. 171. A lei
pode facultar, nas condicae s que estabelec a, aos sujeitos ativo e passivo da obriga-
cdo tributaria celebrar transacdo que, mediante concessOes mntuas importe em
terminac Ao de litigio e conseqiiente extincao do cred it tributario.
SACHA CALMON NAVARRO COELHO leciona a respeito do tema:
Em Direito Tributario, o sujeito ativo nao pode dispor do credit tributario, que
ico e indisponivel. Somente a lei pode dele dispor.
Transacionar nao pagar, operar para possibilitar o pagar. E m o d us
faciendi,
tern feitio processual, preparatOrio do pagamento. Por meio de uma tran-
sac5o, muita vez ocorre pagam ento em moeda consorciado a pagame nto por com-
pensac5o, a aplicacA o de remissOes e anistias, ou mesm o a dacAo em paga mento
de coisa diversa do dinhe iro.'
0 certo que a transacdo e xige concesseies reciprocas, como, v. g., renim-
cia a honorarios . Se apenas uma parte cede nao ha transacAo, seno que ato
unilateral capaz de comover ou demover a outra parte. ' A este tema voltaremos
mais adiante.
0 primeiro ponto que deve ficar bem assentado, pois, que sem lei nao ha
se falar em possibilidade de o E stado receber, em q uitacAo de se us creditos tribu-
tarios, coisa diversa de dinheiro. Nd o basta, porem , a existencia de lei e de qua l-
62
CEJUR
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
5/12
REV1STA DE DIREITO
OUTRINA
quer lei; outros principios devem ser observados.
Principio da igualdade
C umpre de stacar, primeiramente, que a lei, deve ser isonOm ica, isto , nao
pode estabelecer tratamentos diferenciados a pessoas que se encontrem em situ-
acdo semelhante. Por isso, necessario que a lei tenha carater geral e abstrato,
colhendo todos aqueles que se encontrem na situacdo hipoteticamente descrita.
Neste ponto preciso bastante cuidado. Ha a tendncia de se querer justi-
ficar o recurso a dac
do em pagam ento em raid() das dificuldades econOmicas das
empresas, o que faria corn que restasse apenas esta forma de quitarem seus debi-
tos. Estar-se-ia, ento, criando dois regimes juridicos, conforme a pessoa juridica
estivesse as voltas corn dificuldades financeiras ou, ao contrario, estivesse sanead a
e corn todas suas obrigacOes em dia.
Recorremos, neste ponto, mais uma vez, as valiosas licOes de CE LSO AN -
TONIO BANDEIRA DE MELLO: Deveras, a lei nao pode atribuir efeitos
valorativos, ou depreciativos, a criterio especificador, em desconformidade ou con-
tradicao corn os valores transfundidos no sistema constitucional ou nos padroes
etico-sociais acolhidos neste ordenamento. Neste sentido se ha de entender a
precitada lick, de Pimen ta Bueno seg undo a qual `qualquer especialidade ou prer-
rogativa que nao for fundada so e unicamente em uma raid() muito valiosa do bem
prIblico, sera uma injustica e podera ser um a tirania'. 6
E arrema ta o mestre, logo adiante: De logo, importa, consoante salientado,
que haja c orrelacdo lOgica entre o criterio desigualador e a desigualdade de trata-
mento. Contudo, ainda se requer mais, para lisura juridica das desequiparacties.
Sobre existir nexo lOgico, mister que este retrate concretamente urn be m - e nao
um d esvalor - absorvido no sistema norm ativo constitucional.'
Ora, qual seria o valor albergado na Constituicao que se estaria prestigiando
ao se perm itir que as em presas em dificuldade pudessem guitar suas dividas tribu-
tdrias com bens? Pelo contrario, estaria havend o uma a fronta a um dos principios
constitucionais da ordem econOm ica, a saber, a livre concorrncia (C F, art. 170,
IV). Nosso ordenamento constitucional albergou o sistema de livre iniciativa, onde
os agentes econOmicos atuam no m ercado, competindo para conquistar os consu-
midores, demonstrando eficincia, cabendo ao E stado apenas e tao some nte repri-
mir o abuso do poder econOrnico que vise a dom inacdo dos mercados, a eliminacdo
da concorrencia e ao aum ento arbitrario dos lucros (CF, art. 173, 4).
CEJUR
6
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
6/12
DOUTRINA
EVISTA DE DIREITO
Exigencia de licitaco
Desdobramento do principio da igualdade, agora no ambito do relaciona-
mento da Adm inistracao Piiblica corn os particulares, encontramos o principio da
impessoalidade. Significa que a Administracao deve atuar sem favoritismos ou
perseguicties, sem levar em c onta preferncias politicas, ideolOgicas ou de qual-
quer outra especie. Todo administrado deve ser tratado de forma absolutamente
impessoal, garantindo-se-lhes as mesm as oportunidades.
Este principio, insculpido no
caput
do artigo 37 da C onstituicao, traduz-se,
entre outras coisas, na exigencia de licitacao para as con trataceies entre Estado e
particulares. R eza o mesm o artigo 37: XX I - ressalvados os casos especificados
na legislacao, as obras, servicos, compras e alienacOes sera() contratados median-
te processo de licitacao p6blica que assegure igualdade de condicOes a todos os
concorrentes, com clausulas que estabelecam obrigacO es de pagamento, mantidas
as condicties efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente perm itird as
exigencias de qualificacao teen ica e econOmica indispensaveis a garantia do
cumprimento das obrigacOes.
Permitam socorrer-nos ainda das licOes do Professor CELSO ANTONIO
BAN DE IRA D E M EL LO: AA dministracao direta ou indireta nao pode distribuir
como b enesses as vantagens econOmicas dos negOcios em que tenha de intervir
ou os cargos e empregos em seus varios Orgaos. Justamente porque nenhum des-
tes bens tern o cunho d e propriedade particular, utilizavel ao alvedrio do titular, a
Administracao, que gere neg6cios de terceiros, da coletividade, compelida a
dispensar tratamento com petitivo e eqiiitativo a todo administrado.'
A exigncia de licitacao para a realizacao de neg6cios com os particulares
nao traduz apenas o desejo estatal de obter o melhor produto ou servico corn
menores onu s. Implica, tambem , a obrigacao de oferecer aos particulares, que se
dispOem a fomecer o be m ou servico, a oportunidade de disputar em igualdade de
condiceies. Assim, o instituto da licitacao lido tern em m ira, apenas, os cOmodo s do
Estado, mas, tambem, encarece interesses dos particulares em face dele.'
Nao basta, portanto, que a Administracao possa demonstrar que realizou
operacao, em tese, vantajosa para o Estado. Importa que demonstre, ainda, ter
oferecido oportunidades iguais a todos os particulares. S6 assim se e videnciarao o
tratamento isonOmico a que fazem jus e a ausncia de favoritismo na utilizacao de
poderes ou na dispensa de beneficios dos quais a Administracao depositaria e
curadora, em no me de terce iro, por se tratar de interesses pirblicos. 8
64
CEJUR
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
7/12
REVIST DE DIREITO
OUTRIN
Portanto, para que a daco em pagamento nao se tome uma burla a exign-
cia de licitaco, deve restar comprovado, alem da necessidade do Estado em ad-
quirir o bem , a inexistencia de outros interessados em fomecer o mesm o bem .
M oralidade e seguranca do ireito
0 Estado deve tratar os administrados com lealdade, sendo inadmissivel a
mudanc a casuistica nas regras do jogo. Enfim, os empresarios planejam suas es-
trat6gias, conduzindo seus negOcios de forma a honrar as dividas com Estado e
fornecedores. Atenta contra a m oralidade, outro principio daA dministracdo
ca, que os emp resarios que vm se sacrificando em b usca de eficincia, de repen-
te vejam seus concorrentes serem contemplados com enorme beneficio,
permitindo-se que paguem suas dividas acumuladas com mercadorias.
Vejamos, a propOsito, este trecho da lavra de GER AL DO AT AL IBA : Para
que a liberdade d e iniciativa (principio da livre emp resa) e o direito de trabalhar,
produzir, empreender e atuar num a econom ia de mercado nao sejam meras figu-
ras de retOrica, sem nenhuma ressonancia pratica, e preciso que haja clima de
seguranca e previsibilidade acerca da s decisOes do govem o; o empresario precisa
fazer planos, estimar - com razoavel ma rgem de p robabilidade de acerto - os des-
dobramentos prO ximos da conjuntura que vai cercar seu empreendimento. Precisa
avaliar antecipadamente seus custos, bem como estimar os obstaculos e as dificul-
dades. Ja conta com os imponderdveis do mercado. N ao pode sustentar um gover-
no que agrave - com suas surpresas e improvisacOes - as incertezas, normais
preocupaceies e onus da atividade empresarial. Isso e inconciliavel com as institui-
cOes republicanas. 9
No afd de se querer ajudar empresas que estejam em dificuldade e que,
sem diwida, geram empregos e desenvolvimento, e imprescindivel, antes, avaliar-se
o quanto isso ndo implica prejuizo para ou tras tantas empresas que conseguiram
maior eficiencia e que geram um outro tanto de empregos e desenvolvimento. 0
Estado, na sua funcdo de promover o bem comum, v-se, constantemente, as
voltas com questOes kicas e de justica. Sdo necessarias bastante prudncia e
ponderaco nesses momentos.
RICARDO LOBO TORRES, um dos autores que, entre nOs, mais tem se
ocupado do tema do relacionamento entre Etica e Direito, escreve: Os privilegios
fiscais legitimos (isencOes, remissOes, reducOes de base de calculo, etc.), subordi-
nados a ideia de justica, distinguem-se dos odiosos porque estes ultimos desaten-
dem ao principio da razoabilidade para a sua concesso, ofendendo a liberdade. Se
CEJUR
65
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
8/12
DourRIN
o privilegio contrastar corn o ideal da justica, se se afastar do fundam ento etico, se
discriminar entre pessoas iguais ou se igualar pessoas desiguais, se for excessivo,
se desrespeitar os principios constitucionais da tributacdo sera considerado odioso,
passando a ferir direitos fundamentais. A po nderacdo entre os diversos principios
vinculados a justica e a liberdade pod e eliminar as contradicOes. '
Exame critico da dacio
em pagamento na doutrina
Adacdo em pagamento ndo urn instituto usual em D ireito Tributario, razdo
pela qual poucos so os autores que a consideram c orn alguma detenca. Vejamo s.
PAU LO DE BAR RO S CAR VALH O, comentando o artigo 162 do CTN (for-
mas de pagamento), diz laconicamente que 0 sistema ndo admite a prestacao
in
natura
contraditando aquilo que faz supor o art. 3 do C edigo Tributario N acional,
quando enuncia que pode ser em moeda ou cujo
valor nela se possa exprimir
Discordamos do professor paulista, pois entendemos que a determinaco
contida no artigo 162 do CTN, de o pagamento ser feito em moeda corrente,
cheque ou vale postal, confirma o artigo 3, que define tributo como toda presta-
cdo pecuniaria compulsO ria, em moe da ou cujo valor nela se possa ex primir (...).
E exatamente isso: o cheque, o vale postal, assim como a estampilha, o selo ou
papel selado tem seu valor expresso em moeda. Ja as mercadorias e servicos
atribui-se-lhes um valor, de acordo corn o jogo de oferta e procura prOprio do
mercado e a margem de lucro desejado pelo comerciante. Entender de outra for-
ma seria considerar que o C TN admite qualquer forma de prestacdo, ja que, num
regime de m ercado, a tudo pode ser atribuido um valor em m oeda, tudo tern seu
prep.
RU Y BA RB OSA N OGU EIR A tece consideraceies bastante interessantes ,
distinguindo entre tributo e
minus pfiblico.
Sdo suas palavras: Tendo o art. 3
conceituado como tributo `toda prestacdo pecuniaria compulsOria, em moeda ou
cujo valor nela se possa exprimir'.... o CTN afastou da natureza juridico-formal
tributdria a prestacdo em especie, a que o vocabulario juridic deu o
nom en juris
de munus.
As prestaceies em especie eram nos primO rdios e ainda sdo hoje, entre
os silvicolas, tributos
in natura
e tributos in labore. 12
E prossegue dizendo: Se verdade que criada a moeda como medida de
valor das trocas, o tributo passou a ser recebido em pecfinia e por isso o art. 3 do
CT N estatui que o `tributo toda prestacao pecuni6ria compulsOria, em m oeda ou
REVISTA DE DIREITO
CEJUR
6
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
9/12
REVIST DE DIREITO
OUTRIN
cujo valor nela se possa exprimir'; em harmonia corn o art. 3, o art. 162 dispoe
que o pag amento do credit() tributdrio efetuado:
I - em m oeda corrente, cheque ou vale postal;
II - nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel selado, ou por
processo mecanicof
Portanto, estd claro que o credit() tributario so em m oeda e que o D ireito
Tributario formalm ente n disc iplina as prestacOes em especie, a nao ser as cha-
madas obrigacOes acessOrias. 13
SACH A C ALM ON N AVAR RO C OELH O lembra que, na teoria das obri-
gacOes, a palavrapagamento tern o sentido amplo de adimplemento de todo tipo
de obrigacdo, e o sentido restrito de adimplemento das obrigacOes pecuniarias,
asseverando ser a obrigacdo tributaria estritamente pecuniaria. Professa o mestre
mineiro: 0 CTN, j anotamos, usa o vocabulo em
sentido estrito,
ate porque o
pagame nto do tributo so pode ser mesmo em moeda ou em valor que nela se possa
exprimir (papel selado, selo, estam pilha, vale postal, cheque).'
A daco em pagame nto de coisa distinta de dinheiro prerrogativa do cre-
dor, a teor do COdigo Civil, em raid de
transaccio
judicial ou administrativa. 0
devedor nao tern escolha: seu ato, por isso que necessitado, consiste em dar di-
nheiro, ou valor que nele se possa exprimir, a titulo de pagamento da obrigacdo
tributaria, a qual, por definicao e
pecuniciria.
No Direito Tributario, o Estado so
pode receber, em dacdo em pagamento, coisa diversa do dinheiro se autorizado
por lei. 0 credit tributario indisponivel pela Ad ministracdo. 14
Por sua vez, RICARDO LOBO TORRES escreve: 0 C'TN nao contem-
plou entre as formas de pagamento as prestaceies
in natura.'
Mas nada obsta a que, em situacOes excepcionais, por lei da entidade
tributante, venha a ser autorizada a
dna
em pagamento mediante a entrega de
bens. E e ncontradica na legislacdo federal a perm issao transitOria para a dacdo de
bens imOveis. 0 Estado do Rio de Janeiro ja teve leis especificas autorizando a
entrega de ma terial cithrgico, med icamentos e ma terial escolar para o pagame nto
dos impostos estaduais, quando constatou a existncia de seria crise econOmica
naqueles setores.'
A daco em pagamento precedida da avaliaco dos bens entregues
CEJUR
67
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
10/12
DOUTRIN
Fazenda e se consubstancia, quando houver processo judicial, pelo instrumento da
transacdo (art. 171 do CTN ). 15
Estes dois ultimos autores, portanto, tendem a a dmitir a dna em pagam en-
to, desde que haja previsdo legal, reconhe cendo porem , o ultimo autor, a absoluta
excepcionalidade da medida. Entendem que a lei pode permiti-la no Ambito da
transacdo. Esta, como foi visto, pressupOe concessO es m iltuas para pO r fim a liti-
gio. Ndo se esclarece , no entanto, que tipo de concessdo poderia o deved or fazer,
a fim de gozar tamanho beneficio. Como visto, transacdo implica que ambas as
partes facam concessOes, abram mdo de algum ou alguns de seus direitos. para
que se ponha fim a um litigio. Neg6cio em que apenas uma parte cede constitui
nao transacao, m as liberalidade.
E
de se questionar, tambem , se a transaco prevista no CTN admite tama-
nha amplitude, ja que e o pr6prio CTN que preve taxativamente as formas de
pagamento. Seth que o dispositivo da uma especie de carta branca ao legislador
ordinario, para permitir a transaco em quaisquer termos? Vale a pena transcre-
ver, a esse respeito, opinido de PAULO DE BARROS CARVALHO: As con-
cess6es que a lei pode perm itir a autoridade adm inistrativa seriam m uito restritas,
dizendo respeito a providencias ancilares que facilitassem a soluco de im passes
que estivessem impedindo a regular extincdo do vinculo. N posso conce ber que
se inclua entre as concessOes o abrir mdo do valor do tributo, pois configuraria
hipOtese de remisso ou perddo da divida, bem co mo a faculdade de c ompensar
creditos, modalidades extintivas que ho de ser diferentes da transacdo. Do mes-
mo modo, a dispensa de quantias relativas a sancOes, punitivas ou moratOrias,
cairiam deba ixo da anistia, que e instituto igualmen te diverso. Sobrariam as inicia-
tivas superadoras de divergencias sobre aspectos acessOrios do implemento da
divida, tendentes a propiciar a criacdo de clima favoravel entre os sujeitos da
relaco, tudo para estimular o c ontribuinte a liquida-la pelo pagamento. E , sendo
assim, ve-se que nao teria forca para fulminar o liame obrigacional, circunscreven-
do seu papel a simplesmente preparar as condicO es da extincdo, que, efetivamen -
te, dar-se-ia pelo pagamento. 16
Dizer, alem do mais, que lei do prOprio ente tributante pode permiti-la
solucdo que nos parece inconstitucional, por contrariar o artigo 146, III, b , da
C onstituicao. Tal dispositivo exige que lei complementar disponha sobre norm as
gerais em m ateria de legislacdo tributdria, especialmente sobre cre dit tributario.
O legislador do CTN , reconhecendo talvez a dificuldade do uso da dacdo em paga-
mento, ndo a previu entre as modalidades extintivas do credit() tributario.
REVIST DE DIREITO
CEJUR
68
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
11/12
REVISTA DE DIREITO
OUTRINA
Sustentamos, inclusive, que as esparsas e eventuais leis que admitem a dna
em pag amen to no ambito tributario, tais como a Lei 7.497 do Estado de G oias, de
26.4.72'
7
, n foram recepcionadas pe la nova ordem constitucional, vigente a par-
tir de 1988, seja pela ofensa a exigncia de licitacao para as aquisicOes de bens
pelo Poder PU blico, pelo desrespeito aos principios da ordem econeom ica ou pela
nao observancia de lei complementar estabelecedora de normas gerais em mate-
ria de legislacao tributaria.
Ultimas consideraciies
Alguns pontos, finalmente, merecem ser levantados, quando tratamos da
utilizacao da dna. em pagamento como forma extintiva do credit tributario. 0
primeiro que a clack) de me rcadorias em pagam ento importa saida, o que provo-
ca, inexoravelmente, incidncia de ICMS. Portanto, o fato de se pagar o credit()
tributario com mercadorias acarreta o surgimento de novo credit em favor do
Estado.
Outro aspecto a ser levado em conta o risco de comprometimento
an-ecadatO rio do Estado. 0 Estado tern uma serie de comprom issos, seja em des-
pesas pU blicas, investimentos, pagamen to de fornecedores, folha de salarios, etc.,
tudo isso implicando saida de dinheiro. Ou seja, para realizar esses gastos, o E sta-
do necessita de dinheiro em caixa, dinheiro que se obtem, principalmente, por meio
da cobranca de impostos. E muito complicado estar abrindo mao de receber os
tributos em pecimia, para receb-los em bens.
N ao podemos esquecer-nos, tambem, que uma parcela do produto da arre-
cadaca o dos impostos estaduais pertence aos Municipios. C inqiienta por cento do
IPVA e vinte e cinco por cento do IC MS pertencem aos Municipios, por forca do
disposto no artigo 158, III e IV , da Constituicao Fed eral, e o repasse deve ser feito,
obviamente, em dinheiro. Enfim, nao parece ser conveniente que o Estado receba
bens para, entao, transforms-los em dinheiro e cumprir seus com promissos.
Conclusties
Os dispositivos do CO digo Civil que tratam da dacao em pagamento nao podem
ser simplesmente transplantados para o ambito do Direito Tributario, por in-
compatibilidade das norm as que regem as relacOes entre os particulares corn o
regime de Direito PUblico a que esta submetida a Adm inistracao.
Nao ha possibilidade de pagamento de dividas tributarias corn bens, sem que
haja especifica previsao legal. No caso, a previsao deve ser estatuida em lei
CEJUR
69
7/23/2019 O Instituto Da Dao Em Pagamento
12/12
DOUTRINA
EVISTA DE DIREITO
complem entar a Constituicao, votada pelo Congresso N acional, em respeito ao
disposto no artigo 146, 111, b , da C onstituicao Federal.
As aquisiceies da Adm inistracao Publics devem respeitar a exigncia de licita-
cao estatuida no artigo 37, XX1, da C onstituicao, de modo a asseg urar compe-
ticao em igualdade de condicties entre os interessados no fornecimento do bem .
De modo que a dacao em pagamento de debitos tributarios so seria, em tese,
possivel naqueles ca sos de inexigibilidade de licitacao.
A figura da transacao, prevista no C 6digo Tributdrio N acional como m odalida-
de extintiva do credit() tributario, nao pode ter a a mplitude de perm itir a dacao
em paga mento, pois contraria a regra do pr6prio CT N , segundo a qual o paga-
mento feito em moeda corrente ou em cujo valor nela se possa exprimir
(cheque, vale postal, selo, estampilha).
Goiania, 26 de dezembro de 1999.
' Curso de Direito Administrativo, 90ed., Malheiros, 1997, pg. 573-4.
2
Idem. pg. 574.
Fundamentos de Direito Publico, 2' ed., Malheiros, 1993, pg. 152.
A rigor, o CTN foi recepcionado pela nova ordem constitucional como lei ordinAria; por versar,
porem, materia reservada a lei complementar; so pode ser modificado por meio deste instrumento
legislativo.
Curso de Direito Tributirio Brasileiro, l a
ed., Forense, 1999, pg. 716-7.
6
Contetido Juridico do Principio da Igualdade, 3
a ed., Malheiros, 1997, pg. 42.
Idem, ibidem.
Curso..., ob. cit., pg. 43.
9 RepUblica e Constituicao, 2' ed., Malheiros, 1998, pg. 178.
' In
Justica TributAria, Max Limonad, 1998, pg. 701.
Curso de Direito Tributrio, 10' ed., Saraiva, 1998, pg. 306.
2
Curso de Direito Tributario, 10' ed., Saraiva, 1990, pg. 316.
Idem, pg. 317.
Ob. cit., pg. 692.
5
Comentrios ao COdigo Tributdrio Nacional, vol. 2, Ives Gandra da Silva Martins (coordenador),
Saraiva, 1998, pgs. 353-4.
6
Direito TributArio Fundamentos Juridicos da Incidncia, P ed., Saraiva, 1998, pgs. 188-9.
7 0 artigo 1 desta lei estA assim redigido: Art. 1. Os creditos tributkios do Estado, inclusive os
provenientes de alcance, poderao ser pagos mediante a entrega de bens imOveis, observado o dispos-
to nesta Lei.
Pardgrafo Onico. Compete ao Governador do Estado autorizar a dna. em pagamento prevista neste
artigo, ouvidas a Secretaria da Fazenda e a Procuradoria Geral do Estado.
70
EJUR