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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Escola de Música
Licenciatura em Música
João Gomes da Rocha
O ensino de violão para pessoas com deficiência visual:
dedilhando a musicografia Braille
Natal/RN
Novembro/2015
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Escola de Música
Licenciatura em Música
João Gomes da Rocha
O ensino de violão para pessoas com deficiência visual:
dedilhando a musicografia Braille
Trabalho de Monografia apresentado ao Curso de
Licenciatura em Música da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – UFRN – como requisito para
obtenção do título de graduado em Música.
Orientador: Profª. Ms. Catarina Shin Lima de Sousa
Natal/RN
Novembro/2015
3
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Escola de Música
Licenciatura em Música
O ensino de violão para pessoas com deficiência visual:
dedilhando a musicografia Braille
Trabalho de Monografia apresentado ao Curso de
Licenciatura em Música da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – UFRN – como requisito para
obtenção do título de graduado em Música.
Aprovada em: ___/___/____
Profª. Ms. Catarina Shin Lima de Sousa
UFRN
Orientadora
Profº. Edibergon Varela Bezerra
UFRN
Avaliador
Profº. Esp. Múcio Magno Albuquerque Rosendo Junior
Associação Cultural Talento Suzuki- Casa Talento
Avaliador
Natal/RN
Novembro/2015
3
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha Mãe que com muito esforço me criou e
me deu condições para que eu estivesse onde estou hoje, ao meu Pai
(in memoriam) que me deixou uma herança incalculável – a música. A
minha linda esposa que sempre esteve ao meu lado e que sempre com
muita alegria leu os meus rascunhos.
4
AGRADECIMENTOS
Ao senhor Deus, autor e consumador da nossa fé que me possibilitou concluir mais
uma jornada da minha vida. Toda honra e gloria a ELE.
Aos meus pais Neide e José Renato pela vida que me deram e irmãos pela alegria que
me proporcionam.
A minha lindíssima esposa Raphaela, que amo tanto, pela paciência e companheirismo.
Aos meus professores: mestre Wilson, Paulo Brunis, Arcésio Andrade e João Raone
que contribuíram para minha formação enquanto musico e professor.
Ao professor Eugênio Lima pela confiança em permitir que eu pudesse ser seu monitor
no projeto esperança viva, muitíssimo obrigado.
A professora Catarina Shin pelo exemplo de professora que é, por ter me influenciado
diretamente pela escolha do objeto de estudo e por ser minha orientadora neste trabalho, muito
obrigado.
A casa talento por ter me feito o musico que sou hoje.
Aos alunos Gesse, Juarez, Arnaldo e Francielda por terem prontamente aceitado
participar da pesquisa, muito obrigado.
Aos ex-alunos e hoje professores Ana Paula e Johnny Jonas que contribuíram muito
para conclusão deste trabalho.
Aos Brothers, Ranieres, Eduardo, Thiago, Paulo Sergio, Hudson, Jairton, Cleiton,
pelos momentos alegres.
A todos que contribuíram de alguma forma com a realização deste sonho, muitíssimo
obrigado!
5
EPÍGRAFE
Um raio de sol para uma criança que vive no escuro
Enquanto eu observava o menino que, durante toda a vida, teria de
encontrar o seu caminho sentindo com as mãos e tateando, meus olhos
lacrimejaram. Não pude concordar logo, pois tinha de estudar um
método para orientar uma criança inteiramente cega. [...] Na negra
escuridão, apalpei o violino, tirei o violino e o arco da caixa e comecei
a tocar. Para mim, realmente é a mesma coisa, se está escuro ou claro,
pois toco, muitas vezes, de olhos fechados. Conseguir imaginar
exatamente a ponta do arco, as cordas, o cavalete e as posições, podia
“ver” tudo. Muitas vezes, fecho os olhos enquanto toco, sem mesmo
tomar consciência disso. Agora começava a entender que, as vezes,
confiamo-nos em nosso olhos. Através de Kan, recebemos o poder da
sensibilidade para tocar. (SHINICHI SUZUKI, 2008, p.64-65).
6
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo relatar acerca das concepções do ensino de violão para
pessoas com deficiência visual em dois espaços educacionais na cidade do Natal-RN. A
necessidade de se estudar uma escrita especifica musical para alunos deficientes visuais tem
sido discutida nos últimos anos por alguns educadores musicais, entre eles destacam-se: Tomé
(2003a; 2003b), Bonilha (2006; 2007,2010), Bertevelli (2007; 2010). Sendo a Musicografia
Braille um assunto pouco explorado por professores e instituições de educação no Brasil,
ocasionando dessa forma uma escassez de trabalhos e métodos de ensino musical referentes a
este tema. Como metodologia foi utilizada a pesquisa-ação que segundo Tripp (2005) coloca a
pesquisa-ação como um dos tipos de investigação ação, ou seja, qualquer processo que siga um
ciclo que aprimora-se a prática pela sistematização mesmo que de forma oscilatória entre o agir
no campo da prática como no da investigação. Conclui-se que a Musicografia Braille ainda é
um campo pouco explorado nas escolas especializadas em ensino de música no Brasil, ficando
a cargo dos professores promoverem métodos e técnicas que os auxiliem em suas aulas.
Palavras-chave: Ensino de violão. Musicografia Braille. Professores de música.
7
ABSTRACT
This study aims to report about the ideas in guitar education for people with visual impairment
in two educational spaces in the city of Natal-RN. The need to study a specific written music
for visually impaired students has been discussed in recent years by some music educators,
among them are: Thomas (2003a; 2003b), Bonilha (2006, 2007.2010), Bertevelli (2007; 2010).
As the braille music a subject little explored by teachers and educational institutions in Brazil,
thus causing a shortage of jobs and methods of music education regarding this topic. The
methodology was used action research which according Tripp (2005) puts the action research
as one of the types of action research, ie any process that follows a cycle that enhances the
practice by systematization even oscillatory manner between acting on the practice field and in
research. We conclude that the braille music is still a relatively unexplored field in schools
specializing in music education in Brazil, leaving it to teachers promote methods and techniques
that help them in their classes.
Keywords: guitar teaching. Braille music. Music teachers.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Ciclo básico da investigação-ação .................................................................... 14
Figura 2 – Cela Braille ........................................................................................................ 21
Figura 3 – Notas musicais em colcheias .............................................................................. 22
Figura 4 – Cordas do violão.................................................................................................28
Figura 5 – Sinais de corda/sustenido ................................................................................... 29
Figura 6 – Mão direita/esquerda .......................................................................................... 30
Figura 7 – Simbologia da mão direita ................................................................................. 30
Figura 8 – Simbologia da mão esquerda ............................................................................. 30
Figura 9 – Exercício 1ª corda .............................................................................................. 31
Figura 10 – Trecho da música Gostava tanto de você ......................................................... 32
Figura 11 – Cifras.................................................................................................................33
Figura 12 – Casas do violão..................................................................................................33
Figura 13 –Sinal de trasto......................................................................................................34
Figura 14 – Diagrama de acordes..........................................................................................34
Figura 15 –Sinal de Em Acorde.............................................................................................35
9
LISTA DE SIGLAS
EMUFRN – Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
IERC – Instituto de Reabilitação de Cegos do Rio Grande do Norte.
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
PNEE – Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva.
CNE – Conselho Nacional de Educação.
PNE – Plano Nacional de Educação.
MEC – Ministério da Educação.
PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação.
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
ABEM – Associação Brasileira de Educação Musical.
ANNPOM – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música.
ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio.
10
SUMÁRIO
1 – Introdução ..................................................................................................................... 11
2 – Metodologia .................................................................................................................. 13
2.1 – A pesquisa-ação como metodologia .......................................................................... 13
2.2 – Campo de Estudo ....................................................................................................... 15
2.3 – Instrumentos de Pesquisa ........................................................................................... 16
3 – Deficiência visual e inclusão social ............................................................................... . 18
3.1 – Educação inclusiva ................................................................................................... 19
3.2 – A musicografia Braille neste contexto ...................................................................... 21
4 – O ensino de violão para alunos com deficiência visual ................................................ 24
4.1 – A formação do professor de violão ............................................................................ 24
4.2 – A escrita em Braille para violão ................................................................................. 28
4.3 – As aulas de violão ...................................................................................................... 36
4.4 – Entrevistas ................................................................................................................. 39
5 – Considerações Finais ..................................................................................................... 43
Referências .......................................................................................................................... 45
Anexos ................................................................................................................................. 49
Apêndices ............................................................................................................................ 61
11
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo relatar acerca das concepções do ensino de violão
para pessoas com deficiência visual em dois espaços educacionais na cidade do Natal/RN. O
primeiro espaço, trata-se de trabalho realizado na Casa Talento, escola especializada em ensino
musical, que desde 2009 atua com alunos com deficiência visual proporcionando-lhes acesso
ao aprendizado de instrumentos musicais por meio da musicografia Braille. E o segundo diz
respeito às aulas de violão ministradas no Projeto Esperança Viva, realizado na Escola de
Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN). Em ambos os trabalhos,
as atividades musicais ligadas ao ensino do violão tem como um dos objetivos dar condições
de igualdade no aprendizado do instrumento, tal como o ensino para pessoas videntes1.
O violão pode ser considerado como um aliado no processo de inclusão de alunos com
deficiência visual ao estudo da música, por ser esse, um dos instrumentos mais populares no
nosso país e de fácil acesso. Houve por parte dos alunos com deficiência visual da Casa Talento
o interesse em aprender a tocar violão. A partir da minha ideia equivocada de que esses alunos
aprenderiam somente de forma oral, aceitei o desafio. Embora já atuasse com o ensino do
instrumento há alguns anos, nunca havia me deparado com tal situação, os alunos por sua vez
esperavam que eu pudesse lhes proporcionar um aprendizado significativo, porém sem uma
qualificação especifica para lidar com esses alunos, as aulas não teriam grandes resultados.
Em 2011 tive a oportunidade de participar do curso de introdução a musicografia
Braille ministrada pela professora Dolores Tomé. A partir daí iniciei uma procura por materiais
específicos de música dentro da escrita em Braille e pude constatar uma escassez desses
materiais principalmente no que diz respeito ao ensino do violão. Ao cursar disciplinas no curso
de graduação tais como Música e Educação Especial e Didática Musical surgiu de minha parte
um interesse pelo tema da inclusão de alunos com deficiência visual a um ensino musical de
qualidade, não diferente do ensino a alunos videntes, porém com adaptações. A musicografia
Braille seria um dos caminhos para essa inclusão, pois possibilita aos alunos um acesso
significativo a partituras e métodos de música, bem como auxiliaria professores no ensino da
música a alunos com essa deficiência.
____________________________________ ¹ Entende-se por alunos videntes os estudantes que enxergam.
12
Como metodologia foi utilizado a pesquisa-ação mediante as aulas coletivas com
alunos com baixa visão e cegueira total. Por meio das aulas de violão os alunos puderam ter um
contato inicial com a prática instrumental, entretanto, as dificuldades acerca das representações
gráficas da escrita especifica do violão foram barreiras que precisariam serem vencidas por
todos, professores e alunos. Para isso foi preciso desenvolver uma metodologia que não se
distanciasse dos métodos comumente utilizados para o ensino de violão no Brasil. A proposta
era proporcionar o ensino do violão através da leitura de partituras do método iniciação ao
violão de Henrique Pinto (1978), como também leitura de cifras de músicas populares.
Os primeiras desafios ficaram marcados pela dificuldade dos alunos com a própria
escrita em Braille, uma vez que muitos ainda não tinham conhecimento profundo. Foi preciso
intensificar as aulas de musicografia Braille que acabou se caracterizando como aula de teoria
musical e nas aulas práticas procurava-se estimular a leitura tanto de textos para as músicas
cifradas, como as próprias partituras. Assim como acontece com as aulas direcionadas à pessoas
com visão, foi notório que no processo de aprendizagem dos alunos deficientes visuais, as
dificuldades acerca deste processo não se diferem de alunos videntes, principalmente no que se
refere a ler uma partitura musical ou mesmo tocar uma música com cifras.
A musicografia Braille ainda é um assunto desconhecido por muitos professores de
música e de acordo com Bonilha e Carrasco (2007, p. 5) “faz-se necessário o envolvimento da
comunidade cientifica, no sentido de que a musicografia Braille seja difundida em escola de
música, tanto em instituições de nível básico como de nível superior”. Dentro dessa perspectiva
inclusiva vê-se a musicografia Braille como um dos meios para a inclusão de alunos deficientes
visuais ao ensino sistemático da música, porém, nota-se pouco interesse por parte das
instituições de ensino.
13
2. METODOLOGIA
2.1 A pesquisa-ação como metodologia
A pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa-ação em que envolve a ação tanto dos
pesquisadores junto ao objeto de estudo como também a participação dos pesquisados durante
as etapas da pesquisa, sendo frequentemente utilizada junto a grupos sociais (Gil, 2008). A
pesquisa-ação visa interferir em uma realidade social com vistas a melhora-la, e é nessa
perspectiva que Miranda e Resende (2006) colocam a pesquisa-ação como uma intervenção
social bem próxima a experimental ou até a resolução de problemas de cunho coletivo como
projetos de ação social.
Oliveira (2012, p. 74) coloca que,
[...] a pesquisa-ação requer compromisso do pesquisador com a população
pesquisada a fim de buscar coletivamente alternativas para resolução dos
problemas que afligem essas pessoas ou, mais precisamente, com a
comunidade pesquisada.
Para defini-la Tripp (2005, p. 447) traz uma definição mais estrita do que seria
pesquisa-ação colocando-a como “[...] uma forma de investigação-ação que utiliza técnicas
consagradas para informar a ação que se decide tomar para melhorar a prática”. O autor coloca
a pesquisa-ação como deliberativa, porque para ele quando se intervém na prática está se
aventurando no desconhecido. O autor não dissocia a teoria da prática, muito embora a teoria
tradicional não seja prioridade, ela é importante para compreender as situações, planejar
melhoras e explicar resultados. Outro fator significativo que o autor coloca é a reflexão como
essencial na pesquisa-ação devendo está ocorre durante todo ciclo.
Tripp (2005) coloca a pesquisa-ação como um dos tipos de investigação-ação, ou seja,
qualquer processo que siga um ciclo que aprimora-se a prática pela sistematização mesmo que
de forma oscilatória entre o agir no campo da prática como no da investigação. O autor coloca
que a maioria das atividades de melhora segue o mesmo ciclo, sendo eles: a identificação de
problemas; planejamento de uma solução; a implementação da solução; monitoramento e a
avaliação. Entretanto, desenvolvimentos diferentes do ciclo básico requer ações diferenciadas
em cada fase, não sendo necessário seguir a ordem do ciclo. Conforme figura abaixo:
Figura 1: Ciclo básico da investigação-ação.
14
Fonte: Tripp (2005, p. 446).
Tripp (2005) vê fator participativo da pesquisa-ação como algo a contribuir para os
efeitos da prática sendo necessário a participação não só na etapa inicial, mas durante toda a
pesquisa. Por fim entende-se a pesquisa-ação como uma estratégia para desenvolvimento dos
professores para que eles possam utilizar seus trabalhos para melhorar sua prática docente.
Miranda e Resende (2006) também discutem a pesquisa-ação trazendo a relação entre
teoria e prática como um dos fatores mais discutidos entre os educadores. É nessa perspectiva
que segundo as autoras a pesquisa-ação pretender articular. As autoras trazem a concepção da
razão com base nas relações entre sujeito e objeto de estudo, razão essa que “revelava-se
substância e possibilidade da subjetividade de todos os homens[...]” (2006, p. 512). As autoras
também chamam a atenção para um não praticismo, colocando que devemos estar atentos para
a transformação da realidade social sem perdermos a apreensão teórica dessa realidade,
devendo insistir em estratégias de políticas públicas com a finalidade de promover reformas no
campo da retórica e da ação do professor.
A pesquisa-ação no campo da educação da atualidade traz para o pesquisador uma
“visão sistêmica aberta”, sem fechar-se numa visão teórica. Tendo como teoria educativa
informar e guiar as práticas dos educadores. É neste sentido que o presente estudo busca
desenvolve uma pesquisa-ação junto a alunos de violão com deficiência visual em dois espaços
educacionais na cidade do Natal-RN, de forma a contribuir para inclusão social e possibilitar o
acesso ao ensino sistemático da música. Para isso utilizou-se do estudo da musicografia Braille
como elemento que auxiliariam os alunos no processo de ensino-aprendizagem.
15
2.2 Campo de Estudo
O primeiro espaço trata-se da Casa Talento que oferece ensino musical há 15 anos na
cidade do Natal/RN e que, desde 2009, atua com alunos com deficiência visual proporcionando-
lhes acesso ao ensino de instrumentos musicais por meio da musicografia Braille. A Casa
Talento é uma escola que visa se tornar um centro cultural, comprometido com a sociedade,
tendo como foco o ensino, a sociabilização e a extensão. Procurou nos últimos seis anos
implementar o ensino de música para pessoas com deficiência visual de forma a fornecer um
ensino musical de qualidade e sem discriminações, possibilitando-os adquirir meios e recursos
que os favorecessem no seu processo de aprendizagem. Outro fator que também contribuiu para
o interesse dos alunos com deficiência visual buscarem o ensino da música na Casa Talento,
pode se justificar pela proximidade entre o Instituto de Educação e Reabilitação de cegos do
Rio Grande do Norte (IERC), ambiente frequentado por eles, e a Casa Talento, ambos situados
no bairro do Alecrim.
Buscando atender a alunos com deficiência visual que procuravam a Casa Talento para
terem aulas de música, a instituição passou a oferecer o curso de Musicografia Braille
promovendo o acesso desses alunos a educação musical. Contudo, os desafios foram grandes,
principalmente no que diz respeito a profissionais qualificados para atender aos alunos. A escola
contava com apenas um professor que ministrava as aulas de musicografia, aliada ao teclado e
a flauta doce, alunos que por sua vez quisessem aprender outros instrumentos ficavam
impossibilitados. Alguns aspectos são apontados como obstáculos por autores como Bonilha
(2006; 2007) e Bertevelli (2010) como barreiras a serem vencidas.
Faz se necessária uma sistematização no conhecimento nesta área, a fim de
que se instaurem propostas e debates no que se refere à educação musical
inclusiva, de modo a serem consolidadas práticas que sejam fundamentadas
em um referencial teórico claro e consistente. (BONILHA, 2006, p.13).
Bertevelli diz que,
Existem poucas instituições de deficientes visuais que se dedicam
oficialmente ao ensino da notação musical em braille, à produção de material
específico e à formação do educador que desenvolverá um trabalho nessa área
ou que poderá receber esse aluno nas escolas regulares ou em cursos de
música. (BERTEVELLI, 2010, p. 2).
A partir de 2012, a Casa Talento passou a oferecer curso de violão para alunos com
deficiência visual, iniciando assim, a sistematização da oferta de vagas para o processo de
inclusão desses alunos, através das aquisições de regletes e uma máquina Perkins, todas por
meio de doações, bem como transformações arquitetônicas para facilitar a locomoção e
16
identificação em Braille de todas as salas. Algumas das grandes conquistas da instituição foi a
realização do “I curso de capacitação em Educação Inclusiva para professores da Casa Talento”
em 2014 e a abertura de turmas especificas de Musicografia Braille em 2015 como aulas de
teoria musical. Pode-se perceber que o desenvolvimento do processo de inclusão através da
musicografia dentro da instituição dependia em sua maior parte, dos educadores e o seu
compromisso para aprender uma nova forma de transcrever a música que os possibilitasse
utiliza-la em sala de aula.
E o segundo espaço investigado foi a Escola de Música da UFRN nas aulas de violão
ocorridas no Projeto Esperança Viva, realizado pela Escola de Música da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (EMUFRN).O Projeto Esperança Viva vem se consolidando não só
como um projeto de educação musical para pessoas com deficiência visual, mas como um
espaço de atuação para os licenciandos em música que poderão atuar como monitores e
estagiários do projeto, proporcionando-lhes uma experiência prática de ensino de música para
pessoas com necessidades educacionais especiais. Dessa forma, tem se tornado um importante
campo para o desenvolvimento da educação musical especial de forma sistemática.
Em 2011 foi criado o projeto de extensão na EMUFRN com o curso de flauta doce
para pessoas com deficiência visual e um dos seus objetivos é: criar um espaço de estudo,
reflexão e discussão no campo da música e educação especial inclusiva, música e deficiência,
e música e inclusão social. Dessa forma abrindo novas perspectivas na área da educação
especial e proporcionando o acesso de alunos deficientes visuais ao ensino da música em sua
totalidade. É importante ressaltar a criação de disciplinas específicas no curso de graduação da
EMUFRN com o objetivo de munir o futuro educador musical de ferramentas necessárias para
lidar com alunos com deficiência visual, já que por lei a única disciplina obrigatória para todos
os cursos de licenciatura na área da educação especial é a de Libras. Ao oferecer a disciplina
Musicografia Braille I e II, o Curso de Licenciatura em Música da UFRN torna-se o primeiro
curso de música no país a oferecer essa disciplina. Percebe-se a importância do projeto de
educação musical dos cegos diante dos desdobramentos ocorridos a partir do mesmo que foi
cada vez mais sendo ampliado com aulas de Musicografia Braile e outros instrumentos, como
também o envolvimento crescente de outros professores da Escola.
2.3 Instrumentos de pesquisa
Quanto à escolha dos instrumentos de pesquisa optou-se por utilizar entrevistas
semiestruturadas com 4 alunos, sendo 2 da Casa Talento e 2 do Projeto Esperança Viva (ambos
alunos de violão) e com dois professores que atuavam com alunos com deficiência visual.
17
Minayo (2004) considera a entrevista semiestruturada um instrumento que possibilita a coleta
de informações objetivas e, mais do que isso, permite captar a subjetividade embutida em
valores, atitudes e opiniões dos entrevistados. Também podendo ser entendida como a técnica
que envolve duas pessoas em situação face a face possibilitando a obtenção dos dados sobre o
ponto de vista dos pesquisados acerca do que a pessoa "sabe, crê ou espera, sente ou deseja,
pretende fazer, faz ou fez, bem como a respeito de suas explicações ou razões para quaisquer
das coisas precedentes" (Selltiz,1967, apud Gil 2002).
Em relação à pesquisa bibliográfica foi dada atenção: a dissertações, teses, periódicos
e livros, tanto no âmbito da musicografia Braille como da educação musical especial e inclusiva.
Segundo Gil (2008) a pesquisa bibliográfica “utiliza material já publicado, constituído
basicamente de livros, artigos de periódicos” e, atualmente, de informações disponibilizadas na
internet.
A análise e interpretação dos dados será feita de forma descritiva. Através de discurso
subjetivo por meio de análises dos conteúdos dos textos e depoimentos coletados nas
entrevistas. Quanto à apresentação dos dados, Neves e Domingues dizem que:
A apresentação dos dados deverá ser um resumo das falas e observações
obtidas dos pesquisados após serem submetidas à análise acurada do
pesquisador [...] isto é, o pesquisador analisa os dados e, naturalmente,
identifica categorias nas falas dos sujeitos do estudo[...] (NEVES;
DOMINGUES, 2007, p.96).
O pesquisador optará por uma observação participante em que ele atuará como um dos
professores das aulas de música com intuito de obter dados em relação ao processo de ensino-
aprendizagem. Chizzotti (2001) diz que “A observação participante ocorre por meio do contato
direto do investigador com o fenômeno observado, para detectar as ações dos atores em seu
contexto natural, considerando sua perspectiva e seus pontos de vista”. Gil (2008, p. 103)
também lembra que “O observador assume o papel de membro do grupo”, dessa forma atuando
junto aos membros do grupo durante todo o processo de aprendizagem.
18
3. DEFICIÊNCIA VISUAL E INCLUSÃO SOCIAL
A temática da inclusão social tem sido amplamente discutida nos últimos anos em
diversos contextos e nos mais variados espaços educacionais, embora sendo esta inclusão
direcionada na maioria das vezes as pessoas com necessidades especiais, ver-se a inclusão
educacional de forma mais abrangente, corroborando com a definição de (BONILHA;
CARRASCO, 2007, p.2) “definindo-a como o processo pelo qual todo e qualquer aluno esteja
inserido ao sistema escolar, independentemente de sua condição física, intelectual, social ou
cultural”. Muito embora, ainda estejamos longe de ter uma sociedade atenta a pessoas com
necessidades especiais. Mesmo sendo referenciados em documentos oficiais como: Declaração
Mundial de Educação para Todos de Jomtien (TAILANDIA, 1990), Declaração de Salamanca
1994, Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96
(LDB) e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (PNEE). O que
vemos são práticas pouco efetivas que buscam promover o aceso das pessoas com deficiência
a condições de igualdade social, sendo marcadas por ações isoladas do meio educacional. Ações
essas, que têm promovido a inserção de pessoas com necessidades especiais à educação e, em
especial, ao conhecimento das Artes e, mais especificamente, ao ensino musical.
Alunos com deficiência visual têm buscado na música um meio de estarem inseridos
no convívio social, familiar e até mesmo como opção profissional, não sendo raro ver pessoas
com essa deficiência usando a música como elemento transformador. Louro (2012, p. 247)
coloca a deficiência visual como “o termo para definir indivíduos que apresentem desde a
ausência total da visão até a perda da percepção luminosa” considerando ainda o indivíduo
como cego aqueles que precisam de “aprendizado em Braille, ou de impressos ampliados ou
ainda do auxílio de potentes recursos óticos (p.248). Podendo a deficiência visual ser congênitas
ou adquiridas como coloca Bezerra (2012, p. 19):
A cegueira congênita se refere quando o indivíduo perde a visão no nascimento
ou até aos dois anos de idade, por doenças como catarata, miopia, hipermetropia e
a falta de exames preventivos;
A cegueira adquirida é quando o indivíduo perde a visão depois dos dois anos;
um dos grandes problemas é que mais de 50% das crianças só descobrem a doença
quando já perderam a visão.
Louro (2012, p.256) coloca como sendo de suma importância a observação por parte
dos professores aos sintomas apresentadas pelas crianças quanto a deficiência visual elencando
algumas características:
19
Desvio de um dos olhos;
Não-seguimento visual dos objetos;
Não reconhecimento dos familiares, professores e colegas de classe;
Baixo aproveitamento escolar/atraso no desenvolvimento.
É imprescindível que o professor que vai trabalhar com alunos com deficiência visual
esteja ciente dessas características, assim como manter diálogo permanente com os pais dos
alunos. Nas pessoas com a deficiência adquirida principalmente em adultos requer dos
professores não somente preparo pedagógico, mas também psicológico para que possam
contribuir no processo de reabilitação.
Dificuldades de locomoção dos deficientes visuais devido as ruas e calçadas não
apropriadas, assim como transportes sem sinalização sonora e principalmente pessoas
despreparadas para lidar com o deficiente, proporcionando dificuldades no convívio social.
Outro fator que colabora para exclusão é a falta de emprego para esses indivíduos, como
também a escassez de escolas preparadas para lidar com essa diversidade, impossibilitando-os
de uma educação igualitária e de qualidade.
3.1 Educação Inclusiva
Para discutimos sobre Educação Inclusiva é preciso conceitua-la: trata-se de uma
reestruturação da cultura, da prática e das políticas vivenciadas nas escolas de modo que estas
respondam à diversidade do alunos. É uma abordagem humanística, democrática, que percebe
o sujeito e suas singularidades, tendo como objetivos o crescimento, a satisfação pessoal e a
inserção social de todos. Refere-se ainda segundo Sassaki (1997, apud SOUZA 2010, p. 28) “a
uma mudança de mentalidade não só no que diz respeito a questões conceituais, mas também a
transformações nos ambientes físicos, nos equipamentos, aparelhos, meio de transportes dentre
outros”. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentada na concepção
dos direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis. Sendo
assim a própria LDB,
[...] no inciso I do artigo 59 assegura aos alunos com necessidades especiais
currículos, métodos, técnicas e recursos educativos e organizações específicas
para atender as suas necessidades. Entende-se com isso que é dever da
instituição de ensino em todos os níveis de escolarização desenvolver
procedimentos para inclusão de alunos com necessidades especiais. (ROCHA;
QUEIROZ, 2014, p.2).
20
Como também a própria Constituição Federal de 1988 no artigo 208 já garante
atendimento especializado a portadores2 de deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) orientam que os conteúdos devam sofrer
adaptações para que os alunos com deficiência possam se desenvolver dentro de sua capacidade
intelectual (cf LOURO, 2012).
As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução do
Conselho Nacional de Educação (CNE) nº 2/2001, no artigo 2º, determinam que:
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas
organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades
educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma
educação de qualidade para todos. (MEC/SEESP,2001).
O Plano Nacional de Educação (PNE) Lei nº 10.172/2001, destaca que “o grande
avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva
que garanta o atendimento à diversidade humana”. A Portaria nº 2.678/02 do Ministério da
Educação (MEC) aprova as diretrizes e normas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do
sistema Braille em todas as modalidades de ensino, compreendendo o projeto da Grafia Braille
para a Língua Portuguesa e a recomendação para o seu uso em todo o território nacional. Vale
salientar que somente estas medidas não garantem a inserção de pessoas com deficiência ao
ensino regular, pois corroboro com Souza (2010, p. 45) quando diz que “É a escola que tem que
adaptar-se e organiza-se para oferecer uma educação de qualidade a todos os alunos e
corresponder às necessidades especificas de cada um deles”. Ainda de acordo com autora, as
escolas inclusivas devem seguir alguns princípios:
O respeito as diferenças e igualdades de direitos;
A participação social e integração efetiva de todos;
A inclusão em oposição à exclusão no contexto escolar;
O exercício da cooperação, tolerância e solidariedade;
A promoção da inclusão social pela via da escola.
______________________
2 Quanto a essa terminologia “portador” Louro (2012) diz que esse termo deixou de ser utilizado em 1994 passando
a ser utilizado pessoa com deficiência, “afinal de contas a deficiência não é um item opcional” (p. 30).
21
Em 2007, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, os Ministérios da Educação e
Justiça, juntamente com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura – UNESCO, lançam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que objetiva,
dentre as suas ações, contemplar, no currículo da educação básica, temáticas relativas às pessoas
com deficiência e desenvolver ações afirmativas que possibilitem acesso e permanência na
educação superior. No mesmo ano é lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),
tendo como ponto principal a formação de professores para a educação especial, a implantação
de salas de recursos multifuncionais, a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares,
acesso e a permanência das pessoas com deficiência na educação superior.
Nessa perspectiva incluem-se os dois ambientes educacionais escolhidos para a
pesquisa, pois tanto a EMUFRN quanto a Casa Talento procuram atender aos documentos
legais. Muito embora a Casa Talento caracterize-se como uma instituição de ensino não-formal,
ou seja, aquela educação que acontece fora da educação básica e que está livre das exigências
da LDB, tendo como lema “música e educação para o futuro” não visando somente ter uma
função assistencialista, mas formadora de indivíduos cientes do seu lugar na sociedade, de seus
deveres e de seus direitos. A EMUFRN por sua vez tem se preocupado com essa temática há
alguns anos com o número crescente de trabalhos produzidos acerca das aulas de música com
os alunos deficientes visuais, bem como relatos de experiência dos licenciados e descrição deste
processo de educação inclusiva na universidade (cf OLIVEIRA, 2008; ROSENDO JR, 2010;
BEZERRA, 2012; VARELA, 2013; FERREIRA, 2013; ROCHA; QUEIROZ, 2014).
3.2 A Musicografia Braille neste contexto
A notação musical em Braille é um sistema de leitura e escrita criado por Louis Braille
em (1825) que permite a pessoas com deficiência visual acesso à partituras musicais,
proporcionando-lhes autonomia e independência. É constituído por 64 celas, incluído a cela
vazia, onde escreve-se verticalmente em duas colunas de três pontos em alto relevo. Conforme
(FIGURA 2):
Figura 2 – Cela Braille
Fonte: BERTEVELLI, 2010.
Esse sistema de notação permite representar as notas musicais através das
combinações dos seis pontos. Ver (FIGURA 3):
22
Figura 3 – Notas musicais em colcheias
Fonte: Próprio Autor
De acordo com Bertevelli (2010, p. 6) “As notas musicais são representadas por
caracteres constituídos pela parte superior da cela Braille”, pelas combinações dos pontos (1,
2, 4 e 5). Vale salientar que as combinações dos pontos (1-2-4-5) representam as notas musicais
em colcheias e são respectivamente as letras: d, e, f, g, h, i, j do alfabeto Braille. Dessa maneira,
a nota Dó colcheia é formada pelos pontos 1, 4 e 5, Ré colcheia pelos pontos (1-5), Mi pelos
pontos (1-2-4) Fá pelos pontos (1-2-4-5), Sol pelos pontos (1-2-5), Lá pelos pontos (2-4) e Si
pelos pontos (2-4-5).
Acrescidas a essas mesmas combinações da figura 3 na parte inferior da cela (o ponto
3) passam a representar mínimas e fusas, (do ponto 6) semínimas e semifusas e por fim, dos
(pontos 3 e 6) as semibreves e semicolcheias. Dessa forma sendo representadas através das
demais combinações e sinais específicos em Braille todos os símbolos musicais de uma
partitura convencional.
De acordo com Bonilha e Carrasco (2007, p. 5) “A alfabetização musical permite aos
cegos que venham atuar como profissionais capacitados, podendo exercer atividades
pedagógicas e trabalhar como instrumentistas”. Para possibilitar a inclusão de deficientes
visuais ao ensino sistemático da música é imprescindível que cada professor conheça as
especificidades da musicografia Braille. Como coloca Melo:
Pensar o ensino da música para cegos implica reconhecer as formas de
aquisição desse conhecimento e suas especificidades necessárias. Assim,
destaca-se como elemento principal a notação especifica para esse ensino: A
Musicografia Braille (MELO, 2011, p.40).
Uma vez que é um assunto pouco explorado por professores e instituições de educação
no Brasil, ocasionando dessa forma uma escassez de trabalhos e métodos de ensino musical
referentes a este tema. Vê-se a musicografia Braille como um dos meios para a inclusão de
alunos deficientes visuais ao ensino sistemático da música, porém, nota-se pouco interesse por
parte das instituições de ensino. Contribuir para a divulgação dessa escrita é de suma
importância para educação de maneira geral e especificamente a musicografia que pouco tem
sido abordada nos âmbitos educacionais.
23
O uso da musicografia por parte dos alunos com deficiência visual possibilita
autonomia nos estudos musicais sem depender do auxílio de terceiros, independência na leitura
de partituras e cifras, assim como possibilidade de atuarem como músicos profissionais e
participarem de processos seletivos dos cursos de música sendo uma crescente a procura por
aulas de música por pessoas com essa deficiência. Quanto a isso Bertevelli (2010) argumenta
que,
Atualmente no Brasil, há uma crescente procura dos deficientes visuais pelos
cursos de música e nos deparamos com três problemáticas básicas: a falta de
formação de educadores para atender essa clientela, seja em escolas de música
ou em escolas regulares, a falta de cursos específicos de Musicografia Braille,
tanto para deficientes visuais quanto para educadores, e a escassez de material
musical em braille ou o difícil acesso a ele, o que compreende partituras, livros
de música e softwares específicos para transcrição musical. (BERTEVELLI,
2010, p. 1).
Poucos são os cursos superiores que tem procurado trabalhar com a educação especial
em âmbito nacional, isso fica ainda mais claro com a pesquisa realizada por Varela (2013) que
o mesmo após fazer um levantamento dos componentes curriculares das Universidades Federais
das capitais brasileiras constatou que apenas três cursos (14,28%) possuem 3 ou mais
componentes; sete cursos (33,33%) possuem apenas 2 componentes; nove cursos (42,85%)
possuem apenas 1 componente e há dois cursos (9,52%) que não possuem componente
curricular algum que inclua conhecimentos relativos a educação especial, tendo como
componente predominante o estudo de Libras nas demais universidades. Colocando apenas a
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como instituição que oferece como
disciplinas optativas a Musicografia Braille I e II (cf VARELA, 2013).
Se os cursos superiores responsáveis pela formação dos futuros professores ainda
olham para a temática da educação especial de forma a desconsiderar as discursões que vem
ocorrendo há mais de duas décadas de forma incisiva nos âmbitos sociais, como poderá o
professor se sentir preparado para lidar com alunos que apresentem tais necessidades?
É preciso repensar sobre o processo de inclusão de pessoas com deficiência em todos
os níveis de escolarização. Para tanto, se faz necessária uma preparação adequada de
professores e produção de material de ensino musical que abordem a temática da musicografia
Braille para que, de fato, proporcionemos uma educação verdadeiramente inclusiva.
24
4. O ENSINO DE VIOLÃO PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
O violão é comumente utilizado como instrumento de musicalização,
acompanhamento e de notoriedade popular quando se quer iniciar na música. Tanto no Projeto
Esperança Viva quanto na Casa Talento as atividades musicais ligadas ao ensino do violão têm
por objetivo dar condições de igualdade a um conhecimento instrumental, tal como o ensino
para pessoas videntes. No entanto, são necessárias adaptações quanto à escrita na linguagem
específica do violão.
4.1 A formação do Professor de violão
Ser professor não constitui uma tarefa fácil e acabada, é um processo contínuo. Cada
aluno requer do professor novas abordagens didáticas, de revisão de sua prática docente, de
construção e reconstrução de sua identidade profissional. É no ato de ensinar que teoria e prática
se unem, se reinventam e tomam novos significados. Para discorrer sobre esse tópico partimos
do seguinte questionamento: como alguém se constitui professor? E em especial professor de
violão.
Sabemos que a aprendizagem acontece nos mais variados espaços, não
necessariamente em ambientes educacionais, mas também em casa, na rua, no convívio social
nos ambientes ditos informais como abordam (QUEIROZ, 2004; DEL BEN, 2003; ARROYO,
2002; PENNA, 2012). E tratam da educação musical na atualidade e os múltiplos contextos em
que esse aprendizado acontece. Discutem sobre a temática do ensino e aprendizagem da música
e suas interações sociais em diferentes contextos. Essas experiências sem dúvida contribuem
significativamente para a formação da identidade de um professor.
No processo de formação e construção da identidade do sujeito aprendente,
colocar as ações em perspectivas temporais e espaciais se apresenta como um
momento expressivo no processo de autoformação, em que através da reflexão
acerca dos seus percursos o aprendente forma-se a si próprio. (BEZERRA,
2015, p. 17).
Sendo assim a formação da identidade é movida pela pluralidade de acontecimentos
que nos cercam, pelas experiências vividas ainda enquanto alunos com os primeiros
professores. Vieira (2009, p. 55) relata que “Os modos de ser e agir do professor de violão
podem ser compreendidos a partir do acesso às maneiras como cada professor inicia sua
formação” levando em conta todos os aspectos apontados anteriormente. Todavia para ser
professor, é necessário conhecimentos teóricos e pedagógicos que nos auxiliem em nossa
profissão. Shulman (1987, apud MOREIRA; MATEIRO, 2013) concerne as bases de
25
conhecimento para formação de professores, sendo elas: a formação no conteúdo das
disciplinas; os materiais e o ambiente do processo educacional institucionalizado; a literatura
acadêmica sobre os diversos aspectos concernentes à atividade docente; e a sabedoria da prática.
Para tal empreitada é preciso investir na formação de professores de violão que possam atuar
com toda essa diversidade.
Quando falamos em ensino de violão para pessoas com deficiência visual encontramos
dois trabalhos que abordam essa temática (GIESTEIRA, 2013; NOGUEIRA, 2014). O trabalho
de Giesteira (2013) trata da elaboração e avaliação de um material didático para ensino de violão
por meio da musicografia Braille enquanto que Nogueira (2014) traz alternativas para o ensino
de violão popular para deficientes visuais. Não pretende-se aqui comparar os dois trabalhos,
mas tão somente usá-los como referência para a pesquisa, tema deste estudo.
Como abordado anteriormente o violão é um instrumento bastante requisitado no
Brasil, sendo muitas vezes o primeiro instrumento musical de muito alunos.
O violão, por ser um instrumento de baixo custo, é passível de ser adotado
como opção de ensino instrumental na escola básica. Além do baixo custo,
pode ser transportado com facilidade, é fácil para aprender os primeiros
acordes, e o mais importante, muitas crianças e adolescentes gostariam de
tocar violão." (TOURINHO, 2008, p. 7).
As pessoas com deficiência visual também poderiam ser incluídas nesta categoria
já que muitos alunos tem procurado as aulas de música e o violão tem sido uma de suas opções.
Na Casa Talento as primeiras turmas foram abertas em 2012 com dois alunos, muito embora o
professor já tivesse um contato com a musicografia Braille no final de 2011 com o curso
“introdução a Musicografia Braille ministrada pela professora Dolores Tomé3”. As aulas não
obtiveram êxito, sendo o desconhecimento da linguagem em Braille por parte dos alunos e a
falta de materiais específicos de música principalmente no que diz respeito ao ensino do violão
como os principais fatores do insucesso. Dessa forma as aulas aconteceram durante todo o ano
de forma oral.
Segundo Penna,
O “violão de ouvido” é uma forma popular de aprendizagem prática da
música, caraterístico de pessoas que aprenderam por conta própria,
observando os outros tocarem: olho no braço do violão + ouvido em ação[...]
(PENNA, 2012, p.57, grifo nosso).
____________________
3 Dolores Tomé é uma das pioneiras no estudo da Musicografia Braille no país, ver
http://lattes.cnpq.br/8615230630634432
26
Certamente que o uso da visão por um aluno com deficiência visual fica
impossibilitado, no entanto de acordo com Penna (p.57) o recurso auditivo “pode ser
responsável pela formação de músicos com práticas verdadeiramente ricas” e nas aulas com
alunos com essa deficiência esse recurso é imprescindível.
Entretanto, colocar a musicografia Braille como desnecessária no ensino de violão
seja ele popular ou erudito é contrapor-se a escrita musical como um recurso valioso no
aprendizado de alunos com deficiência visual, é se eximir de sua responsabilidade enquanto
professor de proporcionar os meios e recursos para que os alunos com essa deficiência se
desenvolvam musicalmente da mesma maneira como qualquer outro aluno, é sem dúvida
usurpa-los dessa possibilidade.
Apesar da partitura por si só não ser música, e sim uma representação simbólica
(PENNA, 2012), a necessidade de se estudar uma escrita especifica musical para alunos
deficientes visuais tem sido discutida nos últimos anos por alguns educadores musicais entre
eles destacam-se: Tomé (2003a; 2003b), Bonilha (2006; 2007, 2010), Bertevelli (2007; 2010)
entre outros. Também tem sido tema de encontros de profissionais e estudantes de música, tais
como a Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM) e Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-graduação em Música (ANPPOM). Os trabalhos apresentados nesses encontros
trazem reflexões sobre o tema da educação musical especial, bem como deixa em evidência a
necessidade de um envolvimento maior dos professores, alunos e instituições de ensino da
Música no que se refere à inclusão das pessoas com Necessidades Educacionais Especiais.
A música sendo um fenômeno universal e de acordo com Tomé (2003b, p.86) também
é preciso que se tenha uma escrita universal “que permita um intercâmbio de partituras entre
todos os países”, concretizado com a elaboração do Novo manual de Musicografia Braille em
1996 em língua inglesa e traduzida para o português em 2004.
No seu livro “Introdução à Musicografia Braille” Tomé (2003a) discorre desde o
surgimento da escrita Braille até às características e diferenças entre a escrita em tinta e a escrita
musical em Braille. Um livro que auxilia professores e alunos, mesmo os inexperientes, no
âmbito da Musicografia.
A notação musical braille sempre esteve à margem do ensino musical, ou pela
falta de profissionais que dominam essa escrita para ensinar seus alunos ou
por acomodação do próprio deficiente, que muitas vezes prefere trabalhar
somente com o ‘ouvido’, não dando importância à representação gráfica dos
sons. (BERTEVELLI, 2007, p.163).
Entre outras coisas,
27
Educadores dispostos a desenvolver um trabalho junto a esses alunos devem
conhecer as peculiaridades da Musicografia Braille, assim como devem estar
aptos a proverem os recursos e o suporte de que tais estudantes necessitam
durante o aprendizado. (BONILHA,2006, p.32)
Bezerra (2012, p. 24) discute a importância do recurso auditivo para pessoas com
deficiência visual, principalmente quando desenvolvidos na infância “ocasionando uma vida
adulta mais independente; pois, quando criança os estímulos sonoros são responsáveis pela
melhoria da aprendizagem”. Para os adultos esse desenvolvimento sonoro pode melhorar ainda
com estímulos musicais. Vale salientar que os dizeres de que as pessoas com deficiência visual
tem um “super ouvido musical” não passa de “mito”, é bem verdade que eles desenvolvem mais
a percepção auditiva até porque usam mais este recurso, mas nas aulas propriamente ditas
percebeu-se que as dificuldades dos alunos com essa deficiência quanto o treinamento auditivo
é o mesmo de alunos videntes.
Giesteira (2013, p. 77) quando trata da audição diz que o desenvolvimento do aluno
para dominar a técnica do instrumento e a percepção auditiva simultaneamente pode representar
dificuldades na aprendizagem do instrumento. A percepção auditiva é fundamental na avaliação
da qualidade sonora produzida no instrumento, no entanto o seu desenvolvimento ocorre de
maneira gradual. Ainda de acordo com o autor alguns fatores colaboram para essa dificuldade:
a qualidade do instrumento, o posicionamento das mãos, a postura, o corte e ataque das unhas,
entre outros. Quando se trata do aluno com deficiência visual é importante promover desde o
início dos estudos musicais uma percepção e audição ativa (GIESTERA, 2013).
Em todo esse processo de adaptação tanto do professor quanto do aluno vê-se o
professor como um mediador que irá construir junto ao aluno os caminhos para uma
aprendizagem significativa para ambos. Moreira e Mateiro (2013, p. 102) dizem que:
A necessidade de se adaptar aos alunos talvez seja o motivo da importância
que o sujeito atribui à capacidade de entendê-los. Identificar características de
um aluno e associá-las a um perfil mais genérico, distinguir padrões de
comportamento em função da faixa etária, detectar quando os estudantes estão
passando por dificuldades no seu processo de aprendizagem são exemplos do
processo vivido pelo professor de aprofundar e tornar mais sofisticada a sua
compreensão dos alunos a partir da experiência proveniente do contato com
os mesmos.
Souza (2010, p. 55) ainda coloca que dentro do paradigma da inclusão educacional o
professor é uma das peças-chaves,
Muitas das responsabilidades de manutenção de um clima positivo no
ambiente da sala através da valorização das diferenças e diminuição das
atitudes preconceituosas ficarão a cargo dele. Esta responsabilidade que recai
28
sobre ele faz com que passe a refletir sobre suas reais capacidades, seu
processo de formação, sobre seus próprios preconceitos e seus saberes. Não
apenas do saber conhecer e fazer, mas também do saber ser, do que ele é como
pessoa.
No princípio as aulas se deram de forma oral, todavia os alunos não tinham autonomia
para estudar de forma independente, necessitando sempre do auxílio do professor. Após os
cursos de extensão da EMUFRN e contato com um professor da Casa Talento que já atuava em
suas aulas com a musicografia Braille, pude obter informações que me estimularam a pesquisar
sobre este assunto.
Para consulta da linguagem em Braille tive o auxílio do livro da Dolores Tomé
(Introdução à Musicografia Braille, 2003a) que por ter uma linguagem mais didática foi de
suma importância nas aulas de violão. Apesar de termos o manual internacional de musicografia
Braille, mas por sua linguagem difícil e sem ter uma linearidade dos assuntos, optei por
continuar a busca por materiais que abordassem o ensino de música através da musicografia
Braille. Alguns artigos de congressos de educação musical como ABEM e ANPPOM foram
sem dúvida importantes para desmistificar o assunto. No entanto as mesmas dificuldades por
mim encontradas como: falta de material pedagógico, foram também apontadas por outros
autores como o principal fator que impede as aulas de música para pessoas com deficiência
visual. Ficando a cargo do professor produzir o seu próprio material pedagógico.
4.2 A escrita em Braille para violão
A proposta deste tópico é apresentar os principais símbolos da escrita para violão
dentro da musicografia Braille com vistas a contribuir para o trabalho de outros professores
com esses alunos. Assim como a escrita em tinta, a notação em Braille pode representar todos
os símbolos dentro da linguagem idiomática do instrumento. Para uma melhor compreensão
optou-se inicialmente por demonstrar os sinais de cordas, nomenclatura das mãos, sinais de
casas (trates) e sinais de Em Acorde, conforme figuras baixo:
Figura 4 – Cordas do violão
29
Fonte: do Autor
Nota explicativa 1: Para indicação de corda é necessário usar a combinação dos
pontos (1-4-6), vale lembrar que esta mesma combinação serve para indicar o sinal de (# -
sustenido), no entanto o sinal de corda sempre virá acompanhado do número da corda conforme
exemplo abaixo.
Figura 5 – Sinais de corda/sustenido
Fonte: DAVIDSON; TAESCH, s.d, p. 10).
Nota explicativa 2: observe que as celas em destaque representam as indicações de
corda precedendo a nota ou a oitava em que a mesma está localizada. Já as duas setas indicam
os sinais de sustenido do trecho musical, sucedida pela nota que foi alterada (o Ré da 5ª oitava
e o Sol da 4ª) respectivamente o Ré 4 e o Sol 3 da escala geral.
30
As nomenclaturas das mãos são indicadas por números (mão esquerda) e letras do
alfabeto (mão direita).
Figura 6 – Mão direita/esquerda
Fonte: do Autor
Nota explicativa 3: Para a escrita de violão será necessária outra linha paralela, além
da já usada para escrever as notas musicais em Braille. Esta linha representará as indicações de
mão direita logo abaixo das respectivas notas conforme figura abaixo:
Figura 7 – Simbologia da mão direita
Fonte: GIESTEIRA (2013, p. 85).
Nota explicativa 4: A notação da mão esquerda vem na mesma linha das notas
musicais, sendo necessário indicar a digitação de mão esquerda que vem logo após a nota. Ver
figura abaixo:
Figura 8 – Simbologia mão esquerda
31
Fonte: do Autor
Nota explicativa 5: Vale lembrar que a indicação de corda solta é a mesma para 5ª
corda (ver figura 4), entretanto, os pontos (1-3) deverá vir precedido por sinal de corda (pontos
1-4-6). No caso da figura acima, está somente indicando corda solta.
Estes exemplos são apenas básicos para que o professor possa iniciar o aluno com
deficiência visual na leitura de partitura, segue abaixo um exercício na 1ª corda extraído do
livro Iniciação ao violão de Henrique Pinto (1978, p. 30)
Figura 9 – exercício 1ª corda
Fonte: do Autor No início das leituras, houve por parte dos alunos uma certa rejeição à leitura das
partituras em Braille. Procurei encarar da mesma forma que os alunos videntes rejeitam a leitura
32
da partitura em tinta, preferindo o ensino de forma oral e por meio de gravações. Outro aspecto
foi a preferência dos alunos pela música popular. Sabendo que os alunos se motivavam em
aprender algo que eles conhecesse, optei pela música “Gostava tanto de você – Tim Maia”.
Neste caso com o uso da música cifrada foi preciso que os alunos começassem a ler a cifra
escrita em Braille. Cada vez que eles reconheciam na cifra a música que ouviam em suas casas
passaram a se motivar em aprender a ler em Braille.
Figura 10 – Trecho da música “Gostava tanto de você” de Tim Maia.
Fonte: do autor/ Cifra Club
Sabe-se que os acordes de uma música cifrada em tinta vem logo acima da letra, na
cifra em Braille segundo o Novo Manual Internacional de Musicografia Braille “Em tinta, os
sinais de acordes aparecem alinhados por cima do texto; em braille, por baixo” (MEC/SEE,
2004, p.114). Nas aulas propriamente dita optou-se por transcrever as cifras em Braille
conforme em tinta, ou seja, colocando a cifragem acima da letra, não havendo por parte dos
alunos nenhuma dificuldade.
A minha preocupação era dar aos alunos autonomia nos estudos, para isso passei a
abordar tanto a música erudita como a popular nas aulas, da mesma forma que já trabalhava
com os alunos videntes. Todavia, sem abrir mão da Musicografia Braille. Mesmo que os alunos
quisessem trabalhar com acordes, estes teriam que ser escritos como forma de estimula-los a
leitura.
Para a representação dos acordes é preciso saber como representa-los em Braille.
Observe figura abaixo:
Figura 11 – Cifras.
33
Fonte: do Autor
Nota explicativa 6: As cifras devem ser escritas adicionando antes das letras o sinal
de maiúsculo (pontos 4-6), caso o acorde seja menor colocar o “m” (pontos 1-3-4) depois da
letra da cifra, para acordes com numeração deve-se colocar (sinal de maiúsculo, letra da cifra,
sinal de número – pontos 3-4-5-6 e o número em questão. Para os acordes com sinais de
alteração, seus pontos devem ser colocados após a cifra. Vale lembrar que para o acorde (maior
com sétima maior) o manual internacional sugere que se utilize a cifragem americana (maj7)
no entanto no Brasil os acordes deste tipo são representados por (7M) com sua respectiva cifra
conforme exemplo: (A7M).
Para representar as casas do violão é utilizado os sinais de trasto:
Figura 12 – Casas do violão.
Fonte: do Autor
34
Os sinais de trasto podem aparecer tanto na partitura em Braille como indicação de
posição ou na escrita dos diagramas de acordes, ver figuras abaixo:
Figura 13 – Sinal de trasto.
Fonte: do Autor/ DAVIDSON; TAESCH (s.d, p. 12).
Nota explicativa 7: A linha de continuidade que vem depois de um símbolo de posição
é expressa por dois pontos 3 ''. O símbolo que indica final desta linha,>', vem depois da
última nota[...] (MEC/SEE, 2004, p.180-181).
Para a representação dos acordes é necessário escreve-los em Braille como ocorre com
os diagramas na notação em tinta.
Figura 14 – Diagrama de acordes.
Fonte: do Autor
35
Nota explicativa 8: Cada conjunto de cela representa uma informação para o aluno de
como deve ser a posição da mão esquerda no braço do violão, vale salientar que quando
ensinamos para o aluno vidente todas essas informações acerca dos acordes são dadas através
do diagrama e de forma oral, no caso do aluno deficiente visual segue-se da mesma maneira,
diferenciando-se apenas pela representação gráfica dos diagramas. Este por sua vez será
representada por uma linha Braille com todas as informações acerca da posição do acorde.
Outra informação importante para escrever partituras de violão em Braille é saber
utilizar o sinal de “Em acorde”. Segundo Tomé (2003a, p. 83) “Quando, em um compasso,
duas ou mais partes tiverem valores diferentes a serem executados simultaneamente, em
musicografia braille essas partes são identificadas pelo sinal Em Acorde”.
Figura 15 – Sinal de Em Acorde.
Fonte: do Autor
Nota explicativa 9: Nas partituras para violão é recorrente o uso de duas ou mais vozes
simultâneas, para isso utiliza-se o sinal de “Em Acorde” para especificar que estas vozes serão
escritas de forma sucessiva unidas pelo sinal de duas celas: . De acordo com o Manual
Internacional “Nas vozes e instrumentos nos quais a leitura de intervalos for descendente,
começa-se a escrever pela voz mais aguda; quando a leitura de intervalos é ascendente, começa-
se pela voz mais grave (p.41). No entanto, optou-se por transcrever três peças do método de
Henrique Pinto: Andantino e Andante Religioso de (Matteo Carcassi) e Preludio (H. Pinto)
partindo sempre das notas mais agudas por alguns motivos: facilidade de compreensão dos
alunos tendo em vista que os exercícios propostos do método de Iniciação ao violão (PINTO,
36
1978) partem sempre das cordas primas; as primeiras melodias aprendidas; a ordem das cordas,
sem falar na complexidade desta regra para o aluno que está iniciando no estudo do instrumento.
Essas primeiras experiências me fizeram perceber que muitos das dificuldades dos
alunos com deficiência visual eram as mesmas de alunos videntes, se diferenciando apenas por
conta da notação musical (cf, BERTEVELLI, 2007;2010).
4.3 As Aulas de Violão
No ano de 2013 foi realizado o I encontro sobre ensino de música para pessoas com
deficiência visual na EMUFRN sob a coordenação da Profª. Ms. Catarina Shin Lima de Souza4
onde foi realizado palestras, oficinas, e apresentações artísticas com alunos do projeto. Nomes
importantes do cenário nacional que trabalham com alunos com deficiência visual marcaram
presença no evento: Dolores Tomé, Antônio Borges5, Vilson Zattera6 entre outros. Dentre eles
o professor Vilson Zattera atua com metodologia do ensino de violão para pessoas com
deficiência visual e ministrou a oficina “Musicografia Braille numa perspectiva
multissensorial” em que buscou trazer as principais concepções acerca de aulas para pessoas
com essa deficiência. Sendo o professor Vilson também cego e formado em violão pudemos ter
um contato inicial com as suas experiências enquanto aluno, como foi sua trajetória
principalmente no contato com as partituras e as suas principais dificuldades. Tudo isso pode
trazer algumas considerações importantes para que pudéssemos planejar o desenvolvimento das
aulas de violão para o ano de 2014, além de ser uma grande motivação para continuar
pesquisando acerca do assunto tendo em vista o déficit de materiais referentes ao ensino de
violão para pessoas com deficiência visual.
Em 2014 sob orientação do professor Eugenio Lima7 foram iniciadas as aulas de violão
no projeto esperança viva, onde pude atuar como seu monitor. Inicialmente as aulas ocorriam
nas segundas no período da tarde, e nas quartas - feiras como uma aula de reforço. As turmas
eram compostas por alunos deficientes visuais e alguns familiares que os acompanhavam que
acabaram se interessando em aprender também o violão.
No entanto quando se tratava das representações gráficas dos símbolos do violão havia
uma certa dificuldade tanto por parte dos alunos, quanto do professor/monitor que teria que
abordar as duas formas (escrita em tinta e a Braille) na mesma aula.
__________________________________
4 Catarina Shin Lima de Souza é Professora titular da EMUFRN e coordenadora do projeto esperança viva -
http://lattes.cnpq.br/1742178466489564. 5 Antônio Borges é Professor do Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 6 Vilson Zattera é professor da Universidade Estadual de Campinas-SP (UNICAMP) -
http://lattes.cnpq.br/1802622576199048. 7 Eugênio Lima é professor de violão na EMUFRN - http://lattes.cnpq.br/3158421701448651.
37
Para que pudéssemos realizar um trabalho consistente no que se refere ao ensino de
violão dentro da musicografia Braille foi preciso fazer a separação das turmas. Isso não
demonstra a impossibilidade de termos aulas coletivas: alunos com deficiência visual e alunos
videntes na mesma turma, mas para este primeiro momento foi importante fazer esta separação
por se tratar de uma experiência nova em que o professor/monitor não tinham o total domínio
das aulas para alunos com deficiência visual.
Os primeiros exercícios foram transcritos do livro de Henrique Pinto (1978) iniciação
ao violão (ver anexos) e buscavam trazer todo o universo do ensino de violão erudito no Brasil
para alunos diferenciando-se somente pela representação gráfica. Ao longo das aulas de reforço
foi se percebendo o anseio dos alunos por aprender também os acordes e a tocar músicas do
repertório popular já que muitos optaram pelo instrumento por ser essa a referência musical que
eles tinham. Sendo assim, passamos a utilizar músicas populares nas aulas juntamente com o
ensino da partitura, através das cifras. Essa prática fez com que os alunos se aproximassem
ainda mais da escrita em Braille já que as cifras teriam que ser lidas também em Braille.
Outro elemento que auxiliou nas aulas foram as gravações em áudio que
possibilitavam que os alunos em casa pudessem relembrar as orientações dadas em sala.
A gravação em áudio é um recurso de grande utilidade para o deficiente visual.
Pode ser utilizada para gravar aulas, recados, lembretes, anotar telefones, entre
quaisquer outros registros que normalmente poderiam ser feitos de forma
escrita. É bem comum que o deficiente visual tenha seu gravador portátil, seja
em forma de dispositivo específico para gravação, ou em smartphone, tablet
ou outro dispositivo. (NOGUEIRA, 2014, p. 26).
A gravação é um recurso valioso nas aulas de música para alunos com deficiência
visual, mas nossa experiência mostrou que muitos alunos acabam por ficar dependentes da
audição dos áudios e passam a rejeitar a leitura das partituras em Braille e até mesmo as cifras.
É necessário deixar claro para os alunos o benefício e a independência que a leitura da partitura
pode proporcioná-los. Ficando claro na fala de um dos alunos do projeto:
“A gente que tem à deficiência visual... muitos têm a capacidade de pegar a
música de ouvido, mas do modo grosseiro. A partitura em si tanto cifrada,
melódica ou harmônica, a gente têm como pegar a música como inteiro, os
detalhes... Então ela é só para beneficiar uma pessoa com deficiência visual”
(ALUNO A).
Um dos recursos para o aluno com deficiência visual é uso da sua capacidade de
memorização. Segundo Barbacci (1965, apud GIESTERA, 2014, p. 80),
As memórias muscular e tátil estão agrupadas em um mesmo processo físico.
38
A memória tátil exerce um controle final dos dedos, controlando a pressão
exercida nas cordas e nas técnicas que necessitam da utilização dos
movimentos suaves e precisos. A memória muscular se encarrega dos demais
músculos envolvidos na execução musical. (TRADUÇÃO NOSSA).
Assim como o aluno vidente, a pessoa com deficiência visual deve ter uma boa
capacidade de memorização. Após decifrar os códigos da escrita musical é importante que os
alunos passem a tocar sem depender da partitura, até mesmo para que o professor possa
trabalhar outros elementos da execução – a interpretação e a técnica por exemplo.
Paralelamente a este trabalho realizado na EMUFRN, atuava também com alunos da
Casa Talento, sendo dois de violão e um de guitarra. As dificuldades apresentadas eram as
mesmas dos alunos do Projeto Esperança Viva, diferenciando-se apenas pelo ambiente e
objetivos dos aluno com as aulas de música. O ambiente é colocado aqui como um diferencial
porque os alunos da projeto se desenvolveram de maneira considerável, inclusive participando
do recital dos alunos ao final do primeiro semestre de 2014 com duas músicas arranjadas
especialmente para eles: Asa Branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira) e Conversa mole
(Eugênio Lima). Outro fator que colaborou no desenvolvimento dos alunos do projeto foram as
aulas de musicografia Braille separadas das aulas práticas caracterizando como aulas de teoria
musical, sem falar que os alunos já apresentavam-se em diversos locais da cidade através da
flauta doce. Toda essa vivência musical intensa sem dúvida colaborou no desenvolvimento dos
alunos do projeto comparando-se aos alunos da Casa Talento que por não terem as mesmas
vivências musicais dos alunos do projeto esperança viva, os desafios da aprendizagem da
musicografia Braille foram maiores.
Quanto aos objetivos dos alunos, é colocado aqui, como os pontos que os motivavam
a irem para as aulas de música, ficando muito mais claros e definidos os objetivos dos alunos
do Projeto Esperança Viva, que passavam a almejar aprofundarem-se nos estudos musicais
através dos cursos técnicos e superiores em música da EMUFRN (cf ROCHA e QUEIROZ,
2014) enquanto que os alunos da Casa Talento demonstravam pouco interesse em seguir nos
estudos. Mesmo assim, para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2015 um dos
alunos da Casa Talento foi aprovado na prova de aptidão musical não conseguindo apenas
atingir os pontos necessários para a licenciatura em música nas provas do ENEM.
Ao final de 2014 com o II encontro sobre o ensino de música para pessoas com
deficiência visual da EMUFRN os alunos do projeto tiveram mais uma vez a oportunidade de
se apresentarem no evento. Para os alunos de violão optamos por mostrar um pouco do trabalho
realizado com as músicas populares, criando uma banda (BANDA BRAILLE8) com alunos de
outros instrumentos do projeto (aluno de acordeon e baixo elétrico). Essa experiência de se
39
apresentarem em grupo foi de suma importância para manter a motivação dos alunos para as
aulas do ano seguinte. Vale lembrar que a Casa Talento enviou todos os seus professores para
participarem do evento.
Para o ano de 2015 as aulas foram pensadas em dar mais autonomia para os alunos na
leitura das partituras nos dois ambientes educacionais. Com isso iniciou-se um trabalho com
dois professores de violão da Casa Talento para que pudessem trabalhar o ensino de violão para
deficientes visuais. Os professores até então nunca haviam tido contato com alunos com
deficiência em suas aulas. Sob orientações e baseado na experiência obtida a proposta era
ensiná-los da mesma forma como para alunos videntes, sendo necessário apenas os
conhecimentos dentro da musicografia Braille para que pudessem trabalhar a leitura das
partituras e para realizar as adaptações necessárias. É importante salientar que a Casa Talento
no primeiro semestre de 2015 passou a oferecer para todos os alunos deficientes visuais da
escola aulas especificas de musicografia Braille com intuito de ajudá-los nas aulas práticas
como teoria musical, semelhantemente como a que ocorre na EMUFRN.
4.4 Entrevistas
Para descrever as aulas de violão e as impressões dos professores e alunos quanto a
proposta feita optou-se por utiliza entrevistas semiestruturadas para relatar as primeiras
concepções das aulas. Para isso foram feitas duas questões para cada grupo. Procurando manter
a identidade dos alunos e professores, usaremos os pseudônimos (Aluno A, B do projeto
esperança viva), (Aluno C, D da casa talento) e os professores (A e B) ambos da Casa Talento.
Professores:
Inicialmente procuramos entender qual a concepção dos professores a respeito das
aulas para alunos com deficiência visual e para isso questionamos: como é para você dar aulas
para alunos com deficiência?
A princípio quando eu comecei a ensinar...é...eu fiquei um pouco apreensivo,
ainda por eu não ter pegado alunos... você fica numa expectativa... em cima
de níveis de alunos diferentes e aprendizagens diferentes (O PROFESSOR
A).
Pra mim é uma coisa nova porque eu nunca imaginei em dar aulas pra
deficiente visual, eu não sabia nem como fazer isso (O PROFESSOR B).
__________________ 8 Banda Braille é uma espécie de brincadeira com as Bandas Bailes muito comum em festas de formatura e
casamento.
40
Muito embora os professores tivessem no mesmo ambiente educacional suas
concepções acerca das aulas para os alunos com deficientes visuais se divergiam nas
perspectivas futuras. Enquanto que o professor A demonstrava perspectivas de crescimento
profissional, mesmo tendo dificuldades iniciais, ficando claro na sua fala:
Houve essa apreensão no começo, no decorrer do processo... eu tô falando
por mim... eu vi... como... é...conhecimento adquirido...experiência nova,
diferenciada (PROFESSOR A).
O professor B por sua vez, fazendo uma comparação com as aulas para os alunos
videntes relata que:
Eu tento tratar da mesma forma... só que... como o jeito de ensinar é
diferente... o Braille é diferente da outra forma (PROFESSOR B).
O ensino de música para alunos com essa deficiência requer professores destemidos e
dispostos a enfrentar os desafios que irão surgir, mesmo porque o professor que se habilita a
trabalhar com a musicografia Braille terá que desenvolver uma capacidade de superação tal,
conforme os alunos para aprender a tocar o violão.
A segunda pergunta diz respeito a metodologia usada em sala: dentro dessa
experiência do ensino de música para deficientes visuais, você acredita que é possível
ensina-los da mesma forma que para videntes? porque?
Eu acredito que sim, porque... eles tem a capacidade de tocar ao mesmo passo
das pessoas que são videntes... que tocam... o que diferencia dos dois é a
experiência do professor né... a experiência do professor que ensina pra
videntes é uma... e pra... pessoas que tem deficiência é outra (PROFESSOR-
A).
Ele continua,
Com o passar do tempo... a metodologia aplicada pela pessoa... com
certeza... a tendência é você melhorar... pra que o aprendizado pra
alunos que tem deficiência tenha o mesmo efeito positivo que tem pra
os alunos videntes.
O professor B relata que:
Alguns assuntos são iguais, outros vamos abordar de outra forma... a
diferença é mais o Braille... do conteúdo vai ser praticamente o mesmo.
Outro aspecto apontado pelos professores é que os alunos demoram mais para
aprenderem, sendo mencionados: a dificuldade de memorização dos alunos e a adaptação por
41
parte dos professores ao ensino da musicografia como fatores que contribuem para essa
problemática.
Os professores são unânimes em afirmar que a musicografia Braille contribui para o
desenvolvimento dos alunos com deficiência visual que pretendem estudar música. Apesar de
aparentemente os professores terem demonstrado insegurança no contato inicial com os alunos,
ficou claro nas suas falas que as principais dificuldades estão ligadas a falta de matérias
pedagógicos-musicais que os ajudassem nas aulas e o despreparo dos mesmos em lidar com
alunos com deficiência.
Alunos:
Buscando compreender como os alunos se relacionavam com as aulas de música nas
duas instituições educacionais foram escolhidos 4 alunos (sendo 2 da casa talento e 2 do projeto
esperança viva). A primeira pergunta dizia respeito a motivação dos alunos pela música e pelo
violão: o que motivou você a estudar música? e porque o violão?
Eu era tímido, muito fechado... aí... a música me deixou muito mais à vontade,
até para se comunicar, se situar no ambiente e hoje me sinto mais à vontade
[...] Na família pessoas tocavam... tinha vizinho que tocava violão e eu
admirava muito[...] o que me encantou mais foi o solo do violão (ALUNO A)
O meu contato com a música iniciou-se com o projeto da professora
Catarina... esperança viva, de flauta doce para deficientes visuais e...
a partir daí... a gente foi se envolvendo com a música e tal... como eu
tinha...é.... um conhecimento de nada de música fui me encantando...
com o projeto... e... vendo que era possível [...] o violão é um
instrumento que tem todo um... charme... vamos dizer assim...e...
quando você consegue tirar aquelas notas bem certinho... é muito
bonito... eu pessoalmente fico fascinado ( ALUNO B).
O que me levou a buscar a música... foi o meu problema de vista... eu não
sabia que tinha música pra pessoas com problema de vista [...] ela serve pra
mim como...tipo... uma terapia (ALUNO C).
Eu tive que mostrar que com a deficiência... eu podia ser útil...tocar o
violão... aprender o Braille... a cantar (ALUNO D).
Percebe-se que a música tem lugar de destaque na vida dos alunos, que sempre esteve
presente de alguma forma no seu convívio familiar e que aprender música foi como uma luz
para que eles pudessem sentir-se capazes e mais felizes. O violão tem contribuído nesse
processo de inclusão como um grande aliado, tendo em vista que é um instrumento que
representa a música brasileira, mais procurado entre os instrumentos quando se quer aprender
música, ficando evidente nas falas dos alunos o desejo de aprende-lo.
A segunda pergunta diz respeito ao aprendizado da musicografia Braille: A
42
musicografia Braille tem contribuído no processo de aprendizado do violão? E quais
foram as suas maiores dificuldades?
O aluno A não declarou ter alguma dificuldade quanto o aprendizado da musicografia:
A música é ouvida, mas ela tem que ser lida...então... a musicografia Braille
é essencial pra pessoa com deficiência visual.
Já o aluno B afirma que,
O tanto que eu gosto de violão... é proporcional a dificuldade...também
porque eu não tinha contato com o instrumento...a dificuldade maior é porque
eu ainda não domino o Braille.
Muito embora ele também afirme que a musicografia pode ajudá-lo:
Porque é a forma de você ler...executar a música que você não conhece...e...
a musicografia é que lhe traz esse recurso.
Ela tem me ajudado...assim... no começo achei um pouco difícil porque eu
nunca tinha estudado. (ALUNO C).
Contrapondo-se as falas anteriores o aluno D coloca que:
De alguma forma ela ajuda...mas de outra forma ela atrapalha...devido que
o Braille são muitos pontos...e as notas... acidentes musicais... e as notas do
violão... porque não tem como memorizar tudo.
Exceto o aluno A todos os demais alunos apontaram dificuldades no aprendizado da
musicografia Braille, o que já era esperado, tendo em vista que é algo novo para eles e que
requer acima de tudo paciência e perseverança no processo de aprendizagem. Todavia a fala do
aluno B nos deixa cientes da importância do trabalho desenvolvido.
Na hora você se sente capaz... quando você ver alguém tocando... você acha
difícil e quando você vai conseguindo adquirir o aprendizado... você fica...
sua autoestima sobe... você fica se achando capaz.
As aulas de violão ministradas a esses alunos me fizeram refletir na importância da
formação de professores com conhecimentos ligados a musicografia Braillle já que muitas
pessoas com deficiência visual acabam vendo na música um meio de desenvolvimento social,
cultural e profissional, mas acabam esbarrando na falta de professores sem formação na área.
43
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino de violão para alunos com deficiência visual no que se refere a metodologia
se difere apenas dos alunos videntes quando se trata da representação gráfica das notas
musicais. Para isso é preciso que os professores que se dispõe a trabalhar com esses alunos
conheçam a musicografia Braille para que possam oferecer aos alunos matérias pedagógicos
adaptados e partituras em Braille. A pesquisa nos trouxe a concepção que o sucesso ou
insucesso das aulas de violão para alunos com deficiência visual está diretamente ligada a
postura e a atitude do professor frente a essa situação. Cabe educador criar os meios que
interliguem a sua forma de ensinar ao aprender do aluno, onde em todas as situações o professor
terá que se despir da figura do professor detentor de todo saber e assumir uma postura de
professor-aprendiz, tendo em vista que os conhecimentos dentro da linguagem Braille serão
adquiridas durante todo o processo de ensino-aprendizagem.
Cada professor precisa compreender que qualquer aluno, seja com deficiência ou não,
tem as suas limitações e dificuldades e, o mais importante, todos têm muita vontade de aprender.
Muitos alunos com deficiência visual tem sido privados de aprender música por não
encontrarem professores que possam e queiram ensiná-los. Os professores por sua vez tem
esperado alunos ideais, prontos e dentro do modelo utópico do aluno perfeito. Muitas são as
dificuldades que o professor enfrentará na sua jornada pedagógica, muitos são os alunos com
“necessidades especiais” que apareceram no caminho. Todavia, cabe ao professor construir as
pontes que interligarão o aluno a uma aprendizagem significativa. Não existe uma receita pronta
de como dar aulas, ou do modelo perfeito de professor, mas sobretudo, existe o continuo
processo de aprendizado da profissão docente que levará esse professor a construir os meios
para essa aprendizagem. Uma aprendizagem coletiva para ambos envolvidos no processo –
professores e alunos.
Conclui-se que esse processo de musicalização de alunos com deficiência visual ao
ensino sistemático da música depende em grande parte da disponibilidade de cada professor,
bem como o interesse das instituições de ensino musical em trabalhar com esses alunos. As
instituições discutidas ao longo deste relato buscam fazer a diferença dentro de suas
possibilidades - o mais importante é que o primeiro passo foi dado. Para tanto é preciso que a
musicografia Braille seja mais difundida entre as escolas especializadas em música, como entre
os professores. Dessa forma criando possibilidades inclusivas de educação para todos, como
bem coloca Souza (2010, p. 49) “A educação só será inclusiva de fato se prestar um atendimento
de qualidade que comtemple a todos os alunos, sejam eles com ou sem deficiência”
44
É preciso que nós, enquanto educadores musicais possamos nos empenhar em
desenvolver técnicas e estudos na área da musicografia Braille para que esse cenário de
desigualdade e exclusão possa ser diminuído. Esclarecer essa questão é de suma importância
para promovermos uma educação musical inclusiva, pois possibilitará um avanço na área
musical quebrando com qualquer tipo de preconceito por parte de professores e estudantes de
música a ministrarem aulas para alunos com deficiência visual.
45
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2009.
49
ANEXOS
50
ANEXO A: exercício nas três primeiras cordas
Fonte: Projeto Esperança Viva/ PINTO (1978, p. 17).
51
ANEXO B: exercício na 2ª corda
Fonte: PINTO (1978, p. 30).
52
ANEXO C: exercício na 3ª, 2ª e 1ª corda/ pausas
Fonte: PINTO (1978, p. 31).
53
ANEXO D: exercício na 4ª corda
Fonte: PINTO (1978, p. 27).
54
ANEXO E: exercício na 5ª corda
Fonte: PINTO (1978, p. 26).
55
ANEXO F: exercício na 6ª corda
Fonte: PINTO (1978, p. 26).
56
ANEXO G
Fonte: PINTO (1978, p. 36).
57
ANEXO H
Fonte: PINTO (1978, p. 39).
58
ANEXO I
Fotografia 1: alunas lendo a partitura em Braille
FONTE: Casa Talento (2014)
ANEXO J
Fotografia 2: aula de violão na EMUFRN
FONTE: Projeto Esperança Viva (2014)
59
ANEXO L
Fotografia 3: Alunos da turma 2015
FONTE: do Autor (2015)
ANEXO M
Fotografia 4: Projeto Esperança Viva
FONTE: do Autor (2015)
60
ANEXO N
Fotografia 5: Projeto Esperança Viva
FONTE: do Autor (2015)
ANEXO O Fotografia 6: Turma de Musicografia Braille 2015
FONTE: do Casa Talento (2015)
61
APÊNDICES
62
APÊNDICE A: ANDANTINO
MATTEO CARCASSI
TRANSCRICÃO JOÃO GOMES
63
APÊNDICE B: PRELÚDIO
HENRIQUE PINTO
TRANSCRICÃO JOÃO GOMES
64
APÊNDICE C: CIFRA DA MÚSICA
GOSTAVA TANTO DE VOCÊ – TIM MAIA
TRANSCRICÃO JOÃO GOMES
65
Esta versão foi revisada e aprovada pelo(a) orientador(a), sendo aceite, pela
Coordenação de Graduação em Música, como versão final válida para depósito
no Repositório de Monografias da UFRN.
Valéria Lazaro de Carvalho
Coordenadora dos Cursos de Graduação