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O ensino de história entre o cais e o morro –
Memórias do porto e a afro descendência no entorno da Providencia na Pequena África
do Rio de Janeiro
José Roberto da Silva Rodrigues (I)
Célia Regina Cristo de Oliveira (II)
“Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro [marinheiro]
A quem a história não esqueceu (...)
Salve o navegante [almirante] negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais”
“Mestre Sala dos Mares” (1975)
Álbum Caça à Raposa de Aldir Blanc e João Bosco
Há mais de cem anos acontecia o movimento dos marinheiros lembrado na canção “Mestre
sala dos mares” de Aldir Blanc e João Bosco. Há época, vinte e dois anos após a abolição da
escravatura no Brasil marujos negros ainda lutavam contra os maus tratos e os castigos
corporais na Marinha. Hoje, cento e vinte sete anos depois da libertação e após conquistas
mais recentes na luta contra as desigualdades raciais no Brasil ainda são grandes os desafios
em especial para com o trato das memórias da Pequena África situada na Região Portuária do
centro do Rio de Janeiro.
A Revolta da Vacina figura entre um dos mais importantes acontecimentos desta região e
entre outros acontecimentos ilustrou no mar uma tensão evidente, sobretudo nas relações em
terra. Tensão esta complexificada pelo estabelecimento das populações pobres, negras e
migrantes ao entorno do centro antigo do Rio e na ocupação dos morros movimento
consecutivo dos processos de higienização da virada dos séculos XIX/XX. Neste recorrente
processo de reinvenção da cidade à luta pelo espaço e pela liberdade se confundem e desde
antes do estabelecimento do Império a Pequena África que se quer tratar aqui foi e ainda é
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palco desta história e nos cabe, como nos versos da canção contribuir para que não a
esqueçamos.
Quantos de nós historiadores, professores, estudantes e visitantes já não nos dedicamos, pelo
menos pontualmente, à observação de algum aspecto histórico urbano do centro da cidade do
Rio de Janeiro? à Praça Quinze, o Paço Imperial ou às Ordens Religiosas, por exemplo. Como
em outros grandes centros urbanos país a fora as histórias das ruas do centro do Rio de seus
largos e inúmeras adjacências planas e elevadas povoam parte de nossa literatura mais cara e
também a nossa memória acadêmica, em função disto boa parte de nossa prática
docente/discente se apoiam na visitação de tais logradouros, monumentos e museus. Por outro
lado, muitas destas e outras histórias ocuparam espaços menos privilegiados do ponto de vista
urbano e geopolítico da cidade e por consequência acabaram também menos exploradas pela
memória social de maneira geral.
Este artigo tem por objetivo sugerir alguns novos pontos de observação para o trato da região
denominada Pequena África, exclusivamente aquela localizada na região portuária desde a
encosta do antigo Morro da Favela [Providência], passando pela região do cemitério dos
pretos novos, o Cais do Valongo e o Morro da Conceição indo até a encosta do antigo
trapiche da pedra do sal [Largo João da Baiana] ao lado da antiga prainha [Largo da Prainha]
na Praça Mauá.
A atividade portuária do centro Rio, apesar de diluída entre vários entrepostos de menor porte,
se concentrou histórica e inicialmente na região da atual Praça Quinze e posteriormente na
Praça Mauá, contudo paulatinamente desde o século XVIII, inúmeras atividades de carga
marítima foram transferidas para entrepostos menores na região da Gamboa e do Santo Cristo,
região imediatamente posteriores à Praça Mauá na direção do interior da Baía.
Mais do que cargas e embarques de passageiros a região passou a concentrar também grandes
contingentes populacionais, ora em função atividades ligadas ao porto ora em função da
dinâmica de ocupação da cidade como um todo. Esta cidade referida aqui é que denominamos
Pequena África da Região Portuária do Rio de Janeiro se encontrava e se encontra até hoje
situada por de traz de um ‘pequeno’ conjunto de maciços dispostos em formação de
cordilheira e composto pelos Morros do Pinto, da Providencia, do Santo Cristo e da
Conceição.
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Sem dúvida a mais importante das atividades portuárias desta região foi o tráfico/comércio de
escravos oficialmente transferido para o cais e região do Valongo em 1811. Desde meados do
século XVIII até o fim do trafico em 1831 quando encerrou oficialmente as suas atividades
entraram por ele e demais entrepostos menos expressivos da cidade mais de um milhão de
homens e mulheres apartados de suas nações em África durante a Diáspora Negra.
(FLORENTINO: 2014); (Emory University).
Não obstante esta região se caracterizaria ao longo de sua história, não apenas pela presença
maciça de populações de origem africanas, mas também de imigrantes estrangeiros e
migrantes de outras regiões do Brasil como do interior de Minas e Bahia. Recentemente
estudos têm retomado as ligações entre os antigos moradores do Morro da Favela e suas
origens nordestinas, por exemplo. (HORA: 2015).
Relativamente distante dos olhos do restante da cidade construída ao entorno do Morro do
Castelo esta parte da cidade abrigou já no início do século XIX as vésperas da independência
do Brasil também o Cemitério dos Ingleses, encravado na encosta do morro da Providencia
voltada para baia o cemitério protestante, motivo de uma demanda Britânica à época. Já
nefasto e bem menos cuidado cemitério dos pretos novos fora despojado na região de
alagadiço no caminho raso até o Cais do Valongo. Enfim, ambos não eram visíveis pela
cidade antes imperial e posteriormente republicana e higienista.
Neste meio caminho entre a vida e morte de dos sujeitos históricos à margem das elites
portuguesa e carioca do centro antigo do Rio é que começamos a nossa abordagem. Caminhar
a partir da velha estação ferroviária D. Pedro I [Central do Brasil] ao sopé da Providencia é
que propomos iniciar esta observação.
Morro da Providência (Mauricio Hora)
Uma cidade na contramão?
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As atividades de trabalho de campo também denominadas expedições ou passeios sempre
figuraram entre as mais poderosas ferramentas do ensino de história para o trato das memórias
locais, mais acertadamente dos lugares de memória, entretanto por sua vez todo e qualquer
lugar é marcado por uma memória que remete a sua própria história e de seus habitantes, este
sentido fundamental da ideia de uma memória inerente a todos os lugares em função de suas
vivências históricas justifica por si só um olhar mais cuidadoso a outros lugares, em especial a
aqueles cuja memória a história oficial “esqueceu”.
O trabalho de campo proposto para esta região se justifica pela observação de dois eixos
geográficos que contribuem, a nosso ver, para a compreensão da historia da cidade, das
relações de poder nela estabelecida ao longo da historia e por fim para a construção das
perspectivas de leitura da própria disposição geográfica e histórica da cidade. O primeiro dele
se origina a partir da própria Praça Quinze, centro representante do poder desde a colonização
e que por sua vez se espraiou como também se fez do alto dos morros mais antigos, na direção
mais periférica da cidade chamadas de zona sul e zona norte.
Este eixo não apenas fundador da cidade também se caracterizou por se tornar ao longo do
século XX também a principal perspectiva de orientação para a leitura da cidade, não apensa
do ponto de vista turismo, mas inclusive do ponto de vista pedagógico e escolar. Isto não
apenas em função da concentração de monumentos e museus concentrados nesta parte da
cidade e dedicados a guarda desta historia, mas, sobretudo originalmente em função da
consciência histórica de nação formalizada no século XIX e que viu na ocupação portuguesa o
bastião fundamental desta nossa civilização instaurada nos trópicos.
A partir desta perspectiva, priorizada desde há muito tempo entre nos historiadores e
professores de história, a história da Pequena África surge como um capítulo da história desta
cidade e mais especificamente ligada ao tráfico de escravos em primeiro lugar e depois
associada à vida de vadios, artistas, negros libertos, migrantes e comerciantes. Desta vista
histórica toda a região da Pequena África, desde a que abordamos aqui, mas também aquela
conhecida ao entorno da antiga e extinta Praça Onze no limite da atual Avenida Presidente
Vargas inaugurada em 1944 se tornam apenas uma pobre curiosa periferia da originária
cidade colonial, imperial e por fim republicana.
O segundo eixo que nos interessa aqui e orienta a nossa abordagem pretende subverter a
histórica construção da cidade, por consequência refletir também acerca da perspectiva criada
sobre ela recolocando assim o valor histórico da Pequena África da Região Portuária. Neste
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sentido a proposição do trabalho de campo nesta região procurou subverter também a ordem
cronológica da ocupação territorial e ao invés de começarmos pela região originária da
ocupação portuguesa, sugerimos iniciar pela região originária da ocupação negra.
Não se trata apenas de uma inversão histórica, a abordagem da história local da cidade nesta
perspectiva tem sido crucial para a revisão de importantes aspectos históricos acerca dos afro
descendentes e outros presentes nas historia dos morros da região e na historia dos portuários,
por exemplo.
Além disso, este eixo tem favorecido a construção de novas abordagens no campo da pesquisa
e do ensino de história, fundamentais para a compreensão do desenvolvimento histórico e
material das populações que viveram e morreram naquela região, mas que, sobretudo,
sofreram em um desastroso e incansável apagamento de sua história.
O roteiro proposto aqui tem sido feito como aporte de investigação histórica e imagética junto
à área em questão, mas também objetivos pedagógicos de formação com alunos da Educação
Básica, da Graduação e da Pós graduação entre outros: Partida na Central do Brasil (Estação
D. Pedro I); Túnel João Ricardo (túnel velho) e Sopé do Morro da Providência; Cemitério dos
Ingleses e Cidade do Samba; Centro Cultural José Bonifácio; ‘Cemitério’ dos Pretos Novos
[inserir nota explicando a natureza do cemitério dos pretos novos]; Praça da Harmonia; Igreja
Nossa Senhora da Saúde; Moinho Fluminense S/A; Cais do Valongo (Cais da Imperatriz) e
Museu da Obra da Prefeitura do RJ; Jardim Suspenso do Valongo (Morro da Conceição) e
Chegada na Pedra do Sal e Largo da Prainha.
A partir da noção de espaços educativos em CHAGAS (2008) O mergulho nas atividades de
campo e de uma pesquisa na contramão da história, traçado pelas ruas do centro do Rio de
Janeiro nos remeteu a novos espaços/tempos negligenciados ao longo da história. Ouvir
relatos de moradores do Morro da Providência sobre como suas vidas foram construídas com
as memórias deixadas nestes locais nos possibilitou a pensar estas memórias e seus espaços
como oportunidades subjetivas e objetivas de formação. (GALSTE; KILLEN: 1995)
Redimensionando a região a partir das memórias dos sujeitos
O trabalho de visita e pesquisa sobre a região previu também a execução de entrevistas com
os moradores afrodescendentes e filhos dos primeiros portuários moradores da Providencia,
contudo, ao encaminhar da pesquisa observou-se outro importante veio comunitário ancorado
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por através do movimento comunitário presente na região e que nos permitiu a princípio
redirecionar as entrevistas num primeiro momento aos lideres comunitários, mais
precisamente três, este artigo é construído faz uso das informações obtidas a partir da primeira
liderança já entrevistada.(1)
Com os preparativos para as olimpíadas de 2016 a região do porto passou a sofrer inúmeras
intervenções urbanas, tais obras de infraestrutura contribuíram para ser trazer literalmente à
tona vestígios da historia de ocupação anterior e do cotidiano das populações que viveram ou
passaram pela região entre o século XIX e o XX.
Nosso primeiro entrevistado que é nascido na região se tornou professor de história e diretor
de uma das escolas publicas da região que acabou desativada em função das obras de
“revitalização do porto”. Alem o Professor, como o trataremos aqui se tornou também um dos
ativistas do movimento Quilombo da Pedra do Sal que desde os anos 1990 passou a exigir o
reconhecimento do território quilombola da Pedra do Sal. (MATTOS e ABREU: 2012]
Filho de baianos migrantes por parte de mãe e de pai portuário, a historia do Professor se
reflete a de muitos moradores do morro da Providencia, onde ele também nasceu. Hoje
morador no Morro do Pinto, também foi morador no Morro da Conceição e relata em seu
depoimento que “a historia do porto e dos portuários é a historia da população negra na
Pequena África”.
Em sua entrevista o Professor relatou a importância deste grupo profissional na ocupação das
áreas de favela na região e que a ocupação nas atividades do porto também podia ser
percebida por através de uma hierarquização entre os trabalhadores do porto. O mundo do
trabalho seria dimensão fundamental na constituição da pequena África: De um lado os
Portuários trabalhadores do porto ocupantes dos melhores cargos e funções e de maioria
branca de outro os trabalhadores de tropa responsáveis pelo transporte das mercadorias dos
navios a terra ou vice versa, na maioria negros e integrados ao sindicado denominado a
Resistência e fundado em 1905.
Segundo o entrevistado as conquistas deste grupo de trabalhadores, a exemplo do movimento
dos marinheiros de mesma época foi crucial para o estabelecimento da classe e incorporação
de todos ao estatuto de estivadores e de estiva, mais comuns nos dias de hoje. (CRUZ: 2005-
2006)
A ocupação original da região foi basicamente constituída destes trabalhadores e suas famílias
em especial do Morro do Pinto de onde, segundo ele era possível observar o fluxo dos navios
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na entrada da Baía da Guanabara e controlar monitorar assim as ofertas/demanda de trabalhos
possíveis.
A entrevista apontou também um segundo aspecto importante das reminiscências afro
descendentes da região, esta outra dimensão reforçou a nossa percepção de uma Pequena
África fora uma região de relativa marginalidade não apenas para os negros, mas também para
outros menos aceitos pelos códigos de conduta católico cristão das elites ocupantes da cidade
situada no primeiro eixo, a saber, aquele estabelecido a partir da Praça Quinze.
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A Pequena África abrigou inúmeros casas de santo e de casarios de zungu, destinadas a
abrigar negros ex-escravos e afro descendentes. Contudo para além destes a região também
foi marcada segundo o próprio entrevistado citando sua vizinhança no Morro da Providência
por forte presença protestante, principalmente a partir do início do século XIX e que ao
contrário da presença das casas religiosas de matriz africana ainda presentes em grande
numero, sobretudo após a recente renovação pentecostal, o que segundo ele não se verificou
para as casas de santo ao longo do mesmo período. Hoje, segundo ele a exceção do Bloco
Filhos de Gandhi, a prática do candomblé e da umbanda praticamente inexistente na região
como um todo.
Festividade afro religiosa no Cais do Valongo (Mauricio Hora)
No contexto atual a Pequena África encontra-se no centro de uma importante disputa
territorial, que envolvem muitos atores. As obras públicas encaminhadas pelo projeto “Porto
Maravilha” determinaram inúmeras desapropriações, algumas questionadas na justiça e que
reavivaram o debate acadêmico acerca das remoções populacionais para áreas mais distantes
do centro da cidade muitas das vezes sem a adequada infraestrutura. Com o avanço da
discussão sobre o reconhecimento do Quilombo da Pedra do Sal outras áreas e prédios
viraram alvo de disputa entre a liderança do movimento negro e os representantes dos
interesses imobiliários locais, dentre eles ordens religiosas e mesmo o próprio governo federal
por intermédio da Marinha do Brasil. (DINIZ: 2014)
Dentre os argumentos favoráveis a estas remoções e ao não reconhecimento desta
comunidade quilombola estaria o velho imperativo da modernidade e no caso do Quilombo da
Pedra do Sal mais especificamente a inviabilidade da proposta pelo fato de seus
remanescentes não constituírem, originalmente uma população minimamente organizada nos
termos da legislação destinada a este tipo de assentamento, inclusive porque é se trataria de
uma região de natureza urbana sem a evidência do isolamento geográfico que caracteriza
outras comunidades quilombolas pelo país.
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Para além do necessário debate político sobre a região, o ensino de história a través da
aproximação destas memórias e suas significações tem um importante papel na reconstrução
das relações sociais e culturais destes espaços de disputas, por assim dizer educativos.
Neste sentido discutir as das memórias impressas e apagadas neste pequeno espaço urbano é
crucial para a compreensão dos limites e desafios impostos ao longo da história às populações
moradoras da Pequena África da região portuária e sua relação com o espaço, equipamento e
serviços urbanos com os quais tem de conviver desde as escolas mais ou menos acessíveis aos
jovens pobres moradores das favelas, passando pelo teleférico da providencia recém
construindo indo até a presença da ostensiva da policia por intermédio da Unidade de Policia
Pacificadora (UPP)
Redimensionando a região a partir dos Espaços Educativos
Dentre os vários pontos de observação propostos pelo roteiro do trabalho de campo
apresentado acima três estariam diretamente ligados então a dimensões fundamentais da
constituição da Pequena África da Região Portuária. São eles O ‘cemitério’ dos Pretos Novos,
o Cais do Valongo e o Largo João da Baiana, a Pedra do Sal.
Pedra do Sal (Mauricio Hora)
A partir das próprias visitas efetuadas através dos trabalhos de campo e no discurso observado
nas entrevistas é possível perceber que estes três espaços são também representantes de três
importantes dimensões memoriais da Pequena África como um todo.
Os trabalhos de campo efetuados na região portuária do Rio permitiram uma melhor
compreensão da grandeza das reminiscências históricas ali encontradas e depositadas ao longo
da História. Caminhar pelo lateral ou pelo interior do Cemitério dos Ingleses e depois seguir
para o “Cemitério’ dos Pretos Novos causa geralmente uma enorme comoção no grupo de
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estudo envolvido, especialmente pelo fato de que este cemitério destinado aos africanos que
não resistiam aos maus tratos da diáspora simplesmente não é mais visível ou mesmo apesar
de ter existido não resistiu à especulação imobiliária que se seguir as décadas posteriores ao
fim da escravidão até os dias de Hoje.
Muito para além do pequeno e singelo prédio do Instituto Pretos Novos (IPN) fundado
praticamente por acaso e por opção dos proprietários do imóvel visitar este espaço educativo
tão importante para a memória da afro-descendência no Rio de Janeiro, nos dias de hoje é
mais basicamente caminhar pelas ruas entre o antigo e abandonado prédio que abrigou o
Centro Cultural José Bonifácio até a Praça da Harmonia na zona baixa do bairro da Saúde.
Armazém do Valongo- Cais da Imperatriz (Mauricio Hora)
No Cais do Valongo e o Cais da Imperatriz recentemente redescobertos fica outra dimensão
importante desta história que disposto ao lado do antigo armazém também construído pelo
engenheiro negro André Rebouças e onde aportavam as levas de escravos que seriam
depositadas nos chamados casarios de engorda para posteriormente serem vendidos no Jardim
suspenso do Valongo no Morro da Conceição ou na Rua Camerindo.
Armazém do Valongo- Cais da Imperatriz (Mauricio Hora)
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Por fim, o ultimo espaço que se torna especial é o da própria Pedra do Sal inicialmente
entreposto um pouco menor no circuito da região portuária, mas que alçou notoriedade por
intermédio da efervescente produção cultural que deu origem ao próprio Samba.
O trabalho de campo na região portuária associado à observação mais atenciosa das memórias
dos atores sociais permite a identificação de três dimensões históricas diretamente ligadas a
cada um destes espaços educativos que quando revisitados discutidos favorecem, no sentido
do eixo de uma cidade e história na contramão do restante da cidade, uma importante
ressignificação histórica.
Neste sentido assentado na área que compõe o cemitério dos pretos novos a representação da
Morte, do flagelo que atingiu a enorme massa de africanos durante a Diáspora negro-africana
durante o período colonial. Em segundo lugar o próprio Cais do Valongo representante da
própria Diáspora em si e por fim a Pedra do Sal que de espaço original de trabalho escravo se
tornou por força da cultura e da resistência o espaço da Celebração da cultura negra na
região.
Muito do que se tem ainda por fazer em termos de recuperação histórica e valorização da
cultura afro descendente na Pequena África da Região Portuária está pra além de obras de
melhorias urbana e demarcação/exploração imobiliária de novos/velho pontos turísticos e
comerciais como se tem observado. (XAVIER: 2012)
Conclusão: Redimensionando abordagens
Para quem observa a Pequena África da Região Portuária por estas lentes não há dúvidas que
o trabalho de recuperação histórica é muito maior do que se pode imaginar, mais do que isso
os ganhos em termos de recuperação e valorização da prática da cultura seriam
incomensuráveis. Entretanto, os trabalhos de campo assim como as primeiras incursões desta
pesquisa têm apontado para outro grande desafio de caráter menos prático.
E, ao que parece, o desafio reside muito mais na capacidade que gestores, atores do
movimento social e nós mesmos enquanto educadores temos de avançar para além dos
procedimentos mais clássicos de abordagem histórica destas memórias. Em que pese o fato de
todo o esforço empreendido para se revitalizar tais espaços educativos, e consideramos este
esforço ainda muito pouco significativo frente à magnitude das histórias e memórias da
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região, é preciso deliberadamente reconhecer que a necessidade política de assumi o
compromisso político de fomentar tais heranças culturais por muitos já perdidas.
O conceito de quilombo pode conter várias significações, mas talvez a que menos nos
interesse aqui seja as que se baseiam em sua formulação histórica mais original que é justo o
caráter de isolamento e de negação de um determinado sistema opressor. (MARQUES: 2009)
A partir desta expressão passa a fazer todo o sentido acreditar que a manutenção e o zelo por
nossas memórias afro descendentes passaria apenas e exclusivamente pelas ações de guarda
daquilo que resistiu ao tempo e à violência.
Contudo, o que fazer quando a pratica social ligada as atividades das casas de santo e a
própria valorização da auto estima das populações afro descendentes e migrantes por
intermédio das memórias oriundas das histórias de luta advindas do mundo do trabalho, por
exemplo, já se encontra perdida quase por completo?
Destes três espaços educativos, o que mais recebeu melhoramentos urbanos para a sua
remodelação e reavivamento foi o Cais do Valongo (Cais da Imperatriz), justo aquele que
mais representa o poder instituído, o mais representativo início da saga triste de muitos
africanos em solo americano.
Talvez nos caiba fazer mais do que reunir artefatos fragmentados destas memórias e continuar
a receber as pedras do cais como nossos mais dignos monumentos desta história. Talvez não
seja mais possível reconstruir em meio à tamanha e histórica especulação imobiliária um novo
cemitério e dar definitivo descanso a tantos ossos, mas talvez devamos assumir o
compromisso de continuar a aqueologizar estas memórias e práticas sociais por intermédio do
movimento comunitário, da pesquisa acadêmica e do ensino de historia através do tratamento
destes espaços educativos, suas historias e praticas e assim, talvez inspirar políticas públicas e
de investimento que efetivamente se destinem a reavivar e valorizar o que na pratica já se
perdeu no esquecimento e não apenas a ‘salvar’ o que sobrou e a Historia não quis esquecer.
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NOTAS:
(I) Professor Adjunto de História e pesquisador do PPGEB/CAp-UER e Pesquisador
Associado do GECEC/PUC-RIO. Professor da SME/RJ.
(II) Mestranda do PPGEB/CAp-UERJ e Professora da SME/Duque de Caxias
(1) Os primeiros trabalhos de campo com e esta perspectivas tiveram início em 2005
juntamente com outras experiências correlatas em outras áreas da cidade do Rio de
Janeiro. A pesquisa propriamente dita teve inicio em 2014 e teve impulso inicialmente
durante o meu doutoramento na PUC-RIO quando a região constituiu uma das duas
áreas estudadas.
REFERÊNCIAS:
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2009.
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n. 68, 188-209 dezembro/fevereiro 2005-2016.
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MARQUES, C. E. – Quilombos à quilombolas: notas sobre um processo histórico-
etnográfico. In Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2009, v. 52, n.1.
MATTOS, H. ou CASTRO, H. M. M. ; ABREU, M. Relatório Histórico-Antropológico sobre
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