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Rev. Brasileira de Estudos Pedagógicos. Vol 89. N. 223, p. 411-424, set.-dez. 2008 O DECLÍNIO DO SENTIDO PÚBLICO DA EDUCAÇÃO José Sérgio F. de Carvalho FE USP APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA  A partir do final da década de 1970, a Europa foi palco de um intenso esforço político que visava renovar procedimentos pedagógicos e objetivos educacionais de seus sistemas de ensino. Num texto de 1979, Claude Lefort procurou analisar o sentido político dessa reforma "modernizante" e, em tom cético, nos alertava para um aparente paradoxo, ao afirmar que o que há de notável num tempo como o nosso, em que nunca antes se falou tanto de necessidades sociais da educação, em que nunca antes se deu tanta importância ao fenômeno da educação, em que os poderes públicos nunca antes com ela se preocuparam tanto, é que a idéia ético-política de educação se esvaiu (1999, p. 219 – grifos nossos). Trinta anos depois, a "modernização pedagógica" então anunciada parece dominar os discursos educacionais em escala global. O Brasil, a exemplo de dezenas de países, incorporou seu jargão nos documentos normativos, notadamente nas Diretrizes e nos Parâmetros Curriculares Nacionais, e seus procedimentos e conceitos nas políticas de avaliação do rendimento escolar. A retórica sobre as supostas necessidades econômicas de um sistema educacional de "qualidade" se consolidou e tornou-se tema recorrente na mídia, nas campanhas eleitorais, nos discursos de governantes. Simultaneamente, o discurso republicano clássico, caracterizado pelo ideal de uma formação escolar voltada ao cultivo de princípios éticos ligados às virtudes  públicas, passou a soar como algo cada vez mais distante ou anacrônico.  A busca pela compreensão das determinações históricas e sociais dessa transformação costuma apontar fatores internos ao campo educacional, como as deficiências na formação de professores e o caráter tecnicista do currículo e das políticas públicas contemporâneas. Aspectos como esses podem, de fato, ter grande impacto no modo como atribuímos sentido às práticas e aos ideais educativos, mas não dão conta da complexidade do fenômeno de que

o Declínio Do Sentido Público Da Educação

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FONSECA, José Sérgio da. O Declínio Do Sentido Público Da Educação

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  • Rev. Brasileira de Estudos Pedaggicos. Vol 89. N. 223, p. 411-424, set.-dez. 2008

    O DECLNIO DO SENTIDO PBLICO DA EDUCAO

    Jos Srgio F. de Carvalho

    FE USP

    APRESENTAO DO PROBLEMA

    A partir do final da dcada de 1970, a Europa foi palco de um intenso

    esforo poltico que visava renovar procedimentos pedaggicos e objetivos

    educacionais de seus sistemas de ensino. Num texto de 1979, Claude Lefort

    procurou analisar o sentido poltico dessa reforma "modernizante" e, em tom

    ctico, nos alertava para um aparente paradoxo, ao afirmar que

    o que h de notvel num tempo como o nosso, em que nunca antes se falou tanto de necessidades sociais da educao, em que nunca antes se deu tanta importncia ao fenmeno da educao, em que os poderes pblicos nunca antes com ela se preocuparam tanto, que a idia tico-poltica de educao se esvaiu (1999, p. 219 grifos nossos).

    Trinta anos depois, a "modernizao pedaggica" ento anunciada parece

    dominar os discursos educacionais em escala global. O Brasil, a exemplo de

    dezenas de pases, incorporou seu jargo nos documentos normativos,

    notadamente nas Diretrizes e nos Parmetros Curriculares Nacionais, e seus

    procedimentos e conceitos nas polticas de avaliao do rendimento escolar. A

    retrica sobre as supostas necessidades econmicas de um sistema

    educacional de "qualidade" se consolidou e tornou-se tema recorrente na

    mdia, nas campanhas eleitorais, nos discursos de governantes.

    Simultaneamente, o discurso republicano clssico, caracterizado pelo ideal de

    uma formao escolar voltada ao cultivo de princpios ticos ligados s virtudes

    pblicas, passou a soar como algo cada vez mais distante ou anacrnico.

    A busca pela compreenso das determinaes histricas e sociais dessa

    transformao costuma apontar fatores internos ao campo educacional, como

    as deficincias na formao de professores e o carter tecnicista do currculo e

    das polticas pblicas contemporneas. Aspectos como esses podem, de fato,

    ter grande impacto no modo como atribumos sentido s prticas e aos ideais

    educativos, mas no do conta da complexidade do fenmeno de que

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    tratamos. Por isso, convm no nutrir a expectativa ingnua de que o

    esvanecimento do sentido tico-poltico da educao poderia ser detido por

    simples reformulaes nas diretrizes para formao de professores ou por

    polticas de reinsero e valorizao das "humanidades" no currculo escolar.

    Afinal, isso parece, antes, confirmar tal esvanecimento e no explica sua

    gnese nem aponta para seus condicionamentos histricos e sociais...

    Nestas reflexes, procuraremos compreender o declnio do significado

    poltico da formao escolar a partir de um fenmeno exterior ao campo

    pedaggico, mas cujas conseqncias nele se fazem sentir. Examinaremos o

    impacto, na educao, da crescente e contnua diluio das fronteiras entre as

    esferas pblica e privada na vida contempornea. O que se procurar

    demonstrar que, medida que se concebem o valor e a qualidade da

    educao com base em seu alegado impacto econmico na vida privada do

    indivduo, perde-se seu significado tico-poltico, ou seja, seu sentido pblico.

    Assim, objetivos educacionais identificados com a difuso e o cultivo de

    virtudes pblicas como a solidariedade, a igualdade, a tolerncia passam a

    ocupar um lugar secundrio em relao ao desenvolvimento de competncias

    e capacidades individuais ou quilo que, com preciso, se convencionou

    chamar de capital humano.

    A fim de apresentar uma anlise mais detida dessa tese, examinaremos a

    gnese histrico-conceitual das noes de "pblico" e "privado" para, a seguir,

    mostrar sua diluio na sociedade de consumo e avaliar seu impacto no campo

    da educao.

    O PBLICO, O PRIVADO E A SOCIEDADE DE CONSUMIDORES

    Tornou-se lugar-comum apontar a existncia do que parece ser uma

    crescente tenso entre os mbitos pblico e privado, suas fronteiras e

    caractersticas. H discursos que, em tom apreensivo, denunciam um declnio

    ou mesmo o eventual desaparecimento da esfera pblica como resultado do

    que seria uma crescente "privatizao" de todas as esferas da vida em nossa

    sociedade. Noutro vis ideolgico, alega-se uma incontornvel ineficincia do

    "setor pblico" quando comparado "agilidade da iniciativa privada". Esses

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    dois exemplos recorrentes j bastam para sugerir que a dicotomia "pblico" x

    "privado" h tempos no se resume a contendas acadmicas. Ao contrrio, ela

    parece habitar nosso universo discursivo cotidiano.

    provvel que nesse uso habitual nossas referncias sejam

    suficientemente claras para os propsitos mais imediatos da comunicao

    informar, persuadir ou emitir opinio. Contudo, no difcil dar-se conta de que

    os termos da dicotomia so polissmicos cada um deles isoladamente e em

    sua relao. Basta apresentarmos questes mais precisas para que a aparente

    clareza se desfaa. No raro, por exemplo, que o adjetivo pblico seja direta

    e exclusivamente identificado com o que institudo ou mantido pelo Estado,

    como uma "escola pblica", um "hospital pblico". Mas a criao e o

    financiamento estatal garantem o "carter pblico" de uma instituio? Um

    banco criado e mantido pelo Estado deve necessariamente ser considerado

    como uma "instituio pblica"? Ou seria simplesmente uma empresa ou

    organizao que funciona no padro daquilo que privado, ainda que a partir

    de recursos pblicos? Em caso afirmativo, poderia, ento, haver uma

    instituio que, do ponto de vista de sua propriedade, seria "patrimnio

    pblico", mas, da perspectiva de seu funcionamento, produto ou acesso, uma

    "organizao privada"? O "estatal" sempre equivale ao "pblico" ou, ao

    contrrio, o interesse do Estado pode entrar em conflito com o "interesse

    pblico"?

    Talvez a vinculao imediata entre "pblico" e propriedade estatal assim

    como entre "privado" e propriedade particular seja uma das formas mais

    corriqueiras de definir os termos da dicotomia. Mas bastante problemtica, j

    que h bens comuns que no so propriedade nem pblica nem privada

    mas so indiscutivelmente classificados como "bens pblicos", como o caso

    da lngua de uma nao. A lngua portuguesa como o tupi no uma

    propriedade, em sentido estrito, de ningum, embora seja um bem simblico

    comum e pblico. Essas observaes iniciais visam unicamente chamar a

    ateno para o fato de que o uso dos conceitos de "pblico" e "privado", ainda

    que relativamente corriqueiro, pode ensejar imprecises e ambigidades, dada

    a pluralidade de significaes que a eles costumamos atribuir.

    Assim, mesmo sem pretender uma significao essencial e a-histrica

    desses termos, sua adequada compreenso requer, a meu ver, uma referncia

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    ao sentido primeiro da experincia poltica que os criou. No porque a ela

    poderamos ou deveramos voltar, nem por culto nostalgia, mas pela

    convico de que certos conceitos trazem consigo a significao fundamental

    das experincias polticas que os geraram e, assim, seu desvelamento poder

    ensejar, na medida em que revelar as significaes de que so portadores,

    uma reflexo acerca do sentido de certos problemas contemporneos a eles

    concernentes.

    Iniciemos, pois, com uma breve explanao acerca da gnese da noo

    de esfera pblica, tal como ela se constitui pela primeira vez na Antiguidade

    clssica. Arendt destaca que a vida na plis denotava uma forma de

    organizao poltica muito especial e livremente escolhida, no podendo ser

    tomada como o simples prolongamento da vida familiar e privada ou como uma

    estratgia de sobrevivncia de um ser gregrio:

    A capacidade humana de organizao poltica no apenas difere, mas diretamente oposta a essa associao natural cujo centro constitudo pela casa e pela famlia. O surgimento da cidade-Estado significava que o homem recebera, alm de sua vida privada, uma espcie de segunda vida, o seu bios politiks. Agora cada cidado pertence a duas ordens de existncia; e h uma grande diferena em sua vida entre aquilo que lhe prprio (idion) e o que lhe comum (koinon) (1989, p. 33 grifos originais).

    Assim, a esfera privada, ligada casa e famlia, caracterizava-se por

    ser um plano da existncia no qual se buscava prioritariamente atender s

    necessidades da vida, garantir a sobrevivncia individual e prover a

    continuidade da espcie. Era, pois, a esfera da necessidade e do ocultamento;

    da proteo e manuteno da vida, da defesa dos interesses prprios (idion

    refere-se ao que prprio a um indivduo ou grupo particular, origem da

    palavra idioma e do termo idiots, que, para os gregos, refere aquele que s

    cuida de si ou do que exclusivamente seu). Por isso, no pensamento

    clssico, a existncia nesse plano no era verdadeiramente "humana", mas

    caracterizava-se por ser um esforo pela sobrevivncia de mais um exemplar

    da espcie. Anlogo, portanto, aos esforos das demais formas de vida animal.

    Esse plano da existncia o dos esforos pela manuteno da vida,

    caractersticos da esfera privada mantido pelo labor1, ou seja, pelo conjunto

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    de atividades cujo produto consumido no prprio ciclo vital. A atividade de

    cozinhar, por exemplo, caracterstica do labor, j que a finalidade de seu

    produto a refeio ser consumido no esforo de manuteno da vida,

    individual e da espcie.

    J a esfera pblica surge a partir da constituio de um mundo comum,

    no no sentido de um espao coletivo vital e natural, mas no de um artifcio

    propriamente humano, que nos rene na companhia dos outros homens e de

    suas obras. No se trata de simples esforo gregrio para prover formas de

    subsistncia coletiva (o que pode acontecer no mbito privado da famlia, por

    exemplo), mas da possibilidade de criao de um universo simblico e material

    comum e compartilhado. Por isso no mera continuidade ampliada da esfera

    privada. O bios politiks (o modo de vida da plis, da Cidade) uma nova

    esfera de existncia que congrega cidados livres em torno daquilo que lhes

    comum um espao pblico e cria uma realidade compartilhada (koinon, por

    oposio ao idion). Se a esfera da privatividade a do ocultamento, a dos

    mistrios da vida e do zelo na sua proteo, a esfera pblica esse mundo

    comum no qual todos podem ser vistos e ouvidos na sua singularidade

    existencial:

    O termo pblico significa o prprio mundo, na medida em que comum a todos ns. Este mundo, contudo, no idntico Terra ou Natureza como espao limitado para o movimento dos homens e a condio geral da vida orgnica. Antes, tem a ver com o artefato humano, com o produto das mos humanas, com os negcios realizados entre os que, juntos, habitam o mundo feito pelo homem. Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em comum (ARENDT, 1989, p. 63 grifos nossos).

    Assim, a esfera pblica constituda pelas obras da fabricao humana,

    pelo trabalho (poiesis)2. Ora, se o labor se caracteriza pela produo de bens

    que sero consumidos imediatamente no prprio ciclo da subsistncia, o

    trabalho visa produzir bens que permanecem para alm de seu uso imediato.

    Se cozinhar pode ser um exemplo de labor, fabricar uma panela trabalho, j

    que seu produto uma obra que permanece no mundo e a este empresta

    durabilidade. Da por que o mundo comum

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    ...transcende a durao de nossa vida tanto no passado como no futuro: preexistia nossa chegada e sobreviver nossa breve permanncia. isto o que temos em comum no s com aqueles que vivem conosco, mas tambm com aqueles que aqui estiveram antes e viro depois de ns. Mas esse mundo comum s pode sobreviver ao advento e partida das geraes na medida em que tem uma presena pblica. o carter pblico da esfera pblica que capaz de absorver e dar brilho a tudo que os homens venham a preservar da runa natural do tempo (ARENDT, 1989, p. 65).

    Se o labor perpetua o ciclo da vida, atendendo a necessidades

    humanas; o trabalho busca a permanncia do mundo, revelando sua

    criatividade. Mas a durabilidade desse artifcio depende no s da existncia

    de obras, como do reconhecimento pblico de seu pertencimento a um mundo

    comum. Uma catedral, um monumento ou uma mesa s podem vir a existir

    porque a fabricao humana retira a pedra ou a madeira do ciclo da natureza

    que as gerou e as consumiria e lhes empresta um novo uso e um significado

    comum e compartilhado. Uma mesa e uma catedral, se no forem

    reconhecidas como obras desse mundo comum, voltam a ser madeira e pedra,

    reintegrando-se ao ciclo de consumo da natureza e da vida. Da por que serem

    as obras de arte, para Arendt, os mais mundanos dos objetos: almejam a

    transcendncia que s existir na medida em que forem publicamente

    reconhecidas como tal. E s o sero na medida em que no se confundirem

    com objetos do consumo ou de uso dirio.

    Mas o mundo pblico tambm onde os homens, liberados da

    necessidade da luta pela vida (labor), podem se encontrar para, juntos, criar e

    gerir, por seus atos e palavras, o bios politiks, ou seja, a dimenso pblica e

    poltica de sua existncia; a ao (prxis). Trata-se de uma terceira dimenso

    da existncia humana, voltada no para a manuteno da vida ou para a

    produo de objetos, mas para a constituio de uma teia de relaes

    humanas. Se o produto do labor algo a ser consumido na necessidade de

    manuteno da vida, o do trabalho uma obra pertencente ao mundo, e o fruto

    da ao a histria humana. Melhor seria dizer: as histrias dos atos e

    palavras por meio dos quais os homens, na singularidade de sua existncia,

    mostram quem so.

    A ao , pois, a dimenso na qual podemos experimentar a liberdade

    como fenmeno poltico, ou seja, vivenciar a capacidade histrica de romper

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    com os automatismos da reproduo social e criar o novo. Se o espao pblico

    fosse simplesmente uma associao ampliada do privado, permaneceramos

    no mbito da necessidade, sem a experincia de criar em conjunto um mundo

    comum a todos. Da por que, para Aristteles, o bem comum o ideal

    regulador da ao do Estado (da plis), segundo o qual se deve agir em busca

    do interesse comum.

    Como se v, a distino entre essas dimenses da existncia (a

    particular e privada e a comum e pblica; a de suprimento das necessidades e

    as da criao e livre gesto do mundo) no era fruto de um conceito terico,

    mas um reflexo da experincia da vida na plis, essa organizao peculiar da

    Antiguidade, que marca etimologicamente nosso conceito de poltica. Nela, por

    exemplo, ser escravo designava menos uma condio econmica do que um

    status poltico de privao. Ao escravo era interditada a participao na esfera

    pblica, logo, a possibilidade de, por seus atos e palavras, revelar quem ; de

    fundar e gerir, com outros cidados livres e iguais, corpos polticos autnomos;

    ser escravo era, portanto, estar privado da liberdade como experincia de ao

    poltica.

    Ora, essa experincia existencial de uma dicotomia que sustenta a

    necessidade de ambos os plos o privado e o pblico , assim como de sua

    separao em instncias diferentes e complementares, que parece

    gradativamente se obscurecer no mundo moderno3. Alguns aspectos dessa

    indistino nos so bem familiares e imediatamente identificveis. So cada

    vez mais expostos assuntos e experincias que tradicionalmente eram

    preservados no mbito privado como a dor, o amor e a morte, que, por

    encerrarem os mistrios da existncia, deveriam ser protegidos da luz pblica.

    Tem-se, ento, que, por um lado, a mdia eletrnica e a impressa fazem da

    vida privada de celebridades assunto comum e pblico; por outro, aquilo que

    deveria ser, a princpio, assunto comum e pblico como a poltica ou a arte

    passa progressivamente a ser tomado como uma opo individual, uma

    "questo de gosto; e gosto no se discute".

    H, contudo, uma dimenso menos perceptvel dessa diluio de

    fronteiras, mas cujas conseqncias parecem ser ainda mais profundas. Trata-

    se do fato de que a atividade por excelncia ligada ao mbito do privado e da

    necessidade, o labor e o consumo que o caracteriza na luta pelo ciclo vital

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    ganha progressivamente espao e visibilidade no mundo pblico, engolfando

    as esferas do trabalho e da ao. Forma-se, assim, uma nova esfera, nem

    propriamente pblica nem privada. Trata-se do que Arendt denominou esfera

    social, caracterizada pela organizao pblica do prprio processo vital:

    a sociedade a forma na qual o fato da dependncia mtua em prol da subsistncia, e de nada mais, adquire importncia pblica, e na qual as atividades que dizem respeito mera sobrevivncia so admitidas em praa pblica (1989, p. 57 - grifos nossos).

    E assim, poderamos acrescentar, expulsam da esfera pblica aquilo

    que lhe era mais caracterstico: a ao poltica. Ela se torna, na melhor das

    hipteses, mera coadjuvante para o xito da vida privada.

    Desse modo, as atividades que dizem respeito ao labor cuja meta a

    busca pela sobrevivncia e o produto, algo a ser consumido nessa busca

    ganham importncia crescente no mundo moderno, transformando-o num

    espao das atividades de manuteno da vida e de consumo. A prpria

    expresso coloquial "ganhar a vida", ao ser usada como sinnimo de trabalhar,

    deixa patente que concebemos nossa atividade produtiva como um modo de

    perpetuar o ciclo da vida, uma luta pela sobrevivncia ou uma forma de gerar

    a opulncia do consumo e nada mais. No se trata, pois, de criar algo cuja

    permanncia o integrar e indiretamente nos integrar durabilidade do

    mundo comum. Trata-se, antes, de um modo de garantir a prpria vida e o

    bem-estar da famlia, bens supremos da ordem "social".

    Pense-se, ainda como exemplo, na estrutura espacial de nossas

    cidades. Cada vez menos so concebidas e utilizadas como um lugar comum,

    de reunio dos cidados, ou seja, como palco para a ao. Ao contrrio, suas

    vias so projetadas para a circulao de bens e mercadorias; para o

    deslocamento de um transeunte que vai da esfera ntima do lar esfera

    privada da produo ou da distribuio de mercadorias; freqentemente num

    veculo prprio. E o ponto de encontro no a praa pblica, mas o shopping

    center; moldado no para abrigar a igualdade dos cidados, mas a

    diferenciao dos consumidores.

    claro que numa organizao social dessa natureza uma sociedade

    de consumidores num mercado de obsolescncia a noo de um mundo

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    comum que transcende a existncia individual, tanto no passado como no

    futuro, se esvai. O mundo deixa de ser um artifcio comum a compartilhar entre

    geraes para, tambm ele, ser consumido no presente. No se trata, em sua

    verso contempornea, de uma negao do mundo em favor de uma busca de

    transcendncia espiritual, como o isolamento de um monge ou de um eremita:

    A absteno [...] das coisas terrenas no , de modo algum, a nica concluso a se tirar da convico de que o artifcio humano, produto de mos mortais, to mortal como seus artfices. Pelo contrrio, esse fato pode tambm intensificar o gozo e o consumo das coisas do mundo e de todas as formas de intercmbio nas quais o mundo no concebido como koinon, aquilo que comum a todos. A existncia de uma esfera pblica e a subseqente transformao do mundo em uma comunidade de coisas que rene os homens e estabelece uma relao entre eles depende inteiramente da permanncia. Se o mundo deve conter um espao pblico, no pode ser construdo apenas para uma gerao e planejado somente para os que esto vivos: deve transcender a durao da vida de homens mortais (ARENDT, 1989, p. 64).

    Desse modo, numa sociedade de consumo estruturada na

    obsolescncia de objetos, idias e relaes, o que homens tm em comum no

    um mundo de significaes, prticas e valores compartilhados, mas a

    fugacidade de seus interesses particulares. Da por que, nessa ordem, o ideal

    regulador do Estado no a noo de busca do bem comum, como em

    Aristteles, mas a administrao competente dos interesses particulares ou

    privados em conflito o que significa a submisso da ao poltica ao labor.

    Algumas das conseqncias polticas dessa transformao tm sido

    bastante exploradas e criticadas. O que nos interessa aqui apresentar so as

    profundas repercusses que esse modo de vida tem tido no que diz respeito s

    concepes dos sentidos poltico e social da formao educacional.

    EDUCAO: DO SENTIDO PBLICO AO VALOR DO CAPITAL HUMANO

    Iniciamos estas reflexes apresentando a hiptese de um declnio do

    sentido tico-poltico da educao. Voltemos, pois, nossas atenes s

    especificidades do impacto que essa crise, originariamente de natureza

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    poltica, tem tido no campo da educao escolar. Para isso, retomaremos

    algumas das questes subjacentes ao paradoxo j anunciado: o que seria esse

    sentido tico-poltico que marcou o ideal humanista de educao? Como se

    operou seu progressivo desaparecimento? Como pode coexistir com a

    profuso de discursos que exaltam o valor e a necessidade da educao?

    Num texto em que examina a repercusso da crise do mundo moderno

    na educao, Arendt apresenta uma perspectiva conceitual cujas razes

    remontam aos ideais humanistas de formao, forjados ao longo do

    Renascimento e incorporados por pensadores e educadores iluministas. Sua

    anlise parte da constatao de que o nascer de cada ser humano apresenta

    sempre uma dupla dimenso: o nascimento e a natalidade; pois a criana

    simultaneamente um novo ser na vida e um ser novo no mundo. O nascimento

    a maneira pela qual a vida (a dimenso biofsica da existncia) se renova e

    perpetua suas formas. J a natalidade indica que cada ser humano, alm de

    um novo ser na vida, um ser novo num mundo pr-existente, constitudo por

    um complexo conjunto de tradies histricas e realizaes materiais e

    simblicas s quais atribumos utilidade, valor e significado.

    Assim, o nascer de uma gata fmea, tal qual o da fmea humana, um

    fenmeno da vida, j que ambas passam a participar da luta pela sobrevivncia

    individual e pela continuidade cclica da espcie. Mas a fmea humana nasce

    simultaneamente para um mundo de artificialismos simblicos e materiais: ter

    um nome de mulher (escolhido dentre vrios das diversas tradies religiosas,

    tnicas ou estticas de uma comunidade lingstica), passar a ser vestida

    como uma mulher (de acordo com os smbolos de uma dada cultura: vus,

    vestidos, adornos femininos), aprender gestos e condutas que a fazem tornar-

    se uma mulher, o que significa compartilhar smbolos culturais de identidade

    feminina. Uma gata nasce gata, enquanto uma fmea humana ter de se

    constituir como mulher, por ser tanto um ser novo na vida como um novo ser no

    mundo.

    Assim, a educao o ato de acolher e iniciar os jovens no mundo,

    tornando-os aptos a dominar, apreciar e transformar as tradies culturais que

    formam a herana simblica comum e pblica. Se se tratasse de uma herana

    exclusivamente material, seus herdeiros se apossariam dela imediatamente,

    dados os trmites legais. Mas, por se tratar de uma herana cuja significao

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    social e o carter simblico so compartilhados, a nica forma de termos

    acesso a ela e dela nos apropriarmos a aprendizagem. Podemos herdar, de

    forma imediata, um quadro ou uma casa, mas no a compreenso do que

    representam ou os meios de constru-los, que precisam ser aprendidos. E

    procurar ensin-los a tarefa do educador.

    O acolhimento dos novos no mundo pressupe, ento, um duplo e

    paradoxal compromisso por parte do professor. Por um lado, cabe a ele zelar

    pela durabilidade desse mundo comum de heranas simblicas, no qual ele

    acolhe e inicia seus alunos. Por outro, cabe a ele cuidar para que os novos

    possam se inteirar dessa herana pblica, integr-la, fru-la e sobretudo

    renov-la, posto que ela lhes pertence por direito, mas cujo acesso s lhes

    possvel por meio da educao. Como to bem resume Arendt:

    A educao o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salv-lo da runa que seria inevitvel no fosse a renovao e a vinda dos novos e dos jovens. A educao tambm onde decidimos se amamos nossas crianas o bastante para no expuls-las de nosso mundo e abandon-las a seus prprios recursos, e tampouco arrancar de suas mos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para ns, preparando-as, em vez disso, com antecedncia para a tarefa de renovar um mundo comum (1978, p. 247).

    O amor ao mundo a que se refere Arendt no implica sua aceitao

    acrtica, mas, antes, a constituio de uma relao de pertencimento e

    identidade, capaz de emprestar futilidade e brevidade da existncia

    humana individual um lastro tanto em relao ao passado como ao futuro. Da

    por que o desaparecimento da esfera pblica e do mundo comum, com suas

    heranas e realizaes histricas, pode representar uma grave ameaa:

    estamos ameaados de esquecimento, e um tal olvido [...] significaria que, humanamente falando, nos teramos privado de uma dimenso, a dimenso da profundidade na existncia humana. Pois memria e profundidade so o mesmo ou, antes, a profundidade s pode ser alcanada pelo homem atravs da recordao (ARENDT, 1978, p. 131).

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    A educao , nessa perspectiva, um elo entre o mundo comum e

    pblico e os novos que a ele chegam pela natalidade. Nesse sentido, o ensino

    e o aprendizado se justificam no preponderantemente pelo seu carter

    funcional ou pela sua aplicao imediata, mas pela sua capacidade formativa.

    Ora, justamente essa sorte de compromisso pblico com o mundo e com os

    novos que tende diluio na "modernizao pedaggica" dos discursos

    contemporneos. Neles, a educao tende a ser concebida como um

    investimento privado, o que explica, por exemplo, a vinculao que fazemos da

    qualidade da educao com o acesso s escolas superiores de elite e com o

    xito econmico do indivduo ou da nao. Vejamos, a ttulo de ilustrao, um

    exemplo influente desse iderio pedaggico que, ao mesmo tempo em que

    exalta a necessidade de educao, nela obscurece o significado poltico e

    pblico.

    No final da dcada de 1990, o economista francs J. Delors, relator da

    Comisso Internacional sobre Educao para o Sculo XXI da UNESCO,

    publica a obra Educao: um tesouro a descobrir. Traduzida para diversas

    lnguas, suas pretenses so audaciosas: veicular "a concepo de uma nova

    escola para o prximo milnio" (grifo nosso) e fornecer "pistas e

    recomendaes importantes para o delineamento de uma nova concepo

    pedaggica para o sculo XXI" (Cf. DELORS, 2001). muito pouco provvel

    que qualquer outra obra recente no campo educacional tenha tido uma

    repercusso comparvel4. Sua difuso ampla e influncia marcante em

    polticas pblicas no decorrem, porm, da originalidade de suas teses ou da

    profundidade de sua perspectiva.

    Ao contrrio, seu contedo, bastante trivial, marcado por expresses

    vagas que mais se assemelham a slogans nos quais a fora persuasiva da

    frmula retrica parece substituir qualquer esforo reflexivo. Tomem-se como

    exemplo os famosos "quatro pilares da educao do sculo XXI": aprender a

    conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser. No obstante a

    anemia semntica dessas expresses, elas so apresentadas como diretrizes

    educacionais consensuais numa infinidade de documentos de dezenas de

    pases, inclusive no Brasil. Assim, sua fora parece derivar da capacidade que

    tm em sintetizar uma perspectiva crescentemente adotada quanto ao que

    deve ser concebido como o valor da educao em nossa sociedade. E nesse

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    sentido que a obra nos interessa, como a marca de um programa que procura

    imprimir uma perspectiva econmico-utilitarista educao.

    Nela se afirma, por exemplo, que as comparaes internacionais

    realam a importncia do capital humano e, portanto, do investimento

    educativo para a produtividade (DELORS, 2001, p. 71 grifos nossos). Assim,

    o ideal maior a ser almejado pela educao no o da participao e da

    renovao de um mundo comum e pblico, mas o da obteno de

    competncias e habilidades para a produo numa sociedade de consumo.

    Claro que no se pretende que um sistema educacional se desvincule

    das necessidades da vida. O aspecto preocupante do consenso em torno

    dessa concepo de educao que, nela, um dos mbitos da atividade

    humana o labor e seus produtos, cujo destino o consumo no ciclo vital

    acaba por dominar as esferas do trabalho e da ao. Assim, a produo para o

    consumo engolfa os mbitos da criao de obras, cujos frutos emprestam

    durabilidade ao mundo, e da ao como exerccio de liberdade poltica.

    Note-se que essa supremacia do labor, da produtividade e do consumo

    nas metas educacionais no implica o abandono imediato da retrica acerca da

    formao do "cidado". Tampouco resulta necessariamente no

    desaparecimento de disciplinas e saberes tidos como integrantes de uma

    concepo humanista de formao, como a literatura, as artes ou a filosofia.

    Significa, antes, que mesmo esses ideais e saberes passam a ter outro papel,

    o de coadjuvantes na supremacia do labor, do mercado e do consumo.

    No caso da concepo humanista at h pouco a matriz e o princpio

    dos ideais republicanos de educao , disciplinas e saberes escolares no se

    isolavam da formao do Sujeito, e esta, como destaca Lefort, era concebida a

    partir de uma nascente perspectiva histrica de atuao poltica. Os homens do

    Renascimento olhavam para si como herdeiros da Antiguidade e, nessa

    dimenso histrica, buscavam seu alimento espiritual e poltico:

    A cultura se d assim na forma de um dilogo. Um dilogo com os mortos, porm com os mortos que, desde o momento em que so levados a falar, esto mais vivos do que os seres prximos [...] so imortais e comunicam sua imortalidade

    queles que se voltam para eles aqui e agora (1999, p. 212).

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    Por isso, o conhecimento dos feitos e palavras dos homens da

    Antiguidade era o alimento para a ao poltica "aqui e agora". Da a noo de

    que o conhecimento continha, em si, a dimenso tica, a poltica e a esttica, e

    sua busca no se justificaria como um meio para algo que lhe fosse extrnseco.

    Ora, se hoje falamos de uma sociedade do conhecimento, foroso

    reconhecer que se trata de outra perspectiva, mesmo que por vezes

    recorramos aos mesmos termos. Os contedos passaram a ser concebidos

    como meios para a constituio de competncias e valores e no como

    objetivos do ensino em si mesmo (conforme o que se l nos Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCN): ensino mdio, 2002, p. 87). No se trata de banir

    certos contedos, mas de vincular seu sentido ao desenvolvimento de certas

    caractersticas psicolgicas e habilidades cognitivas tidas como necessrias

    pelos reclamos de uma sociedade de consumo:

    o que os pensadores e gestores daquele modelo de ensino desconheciam a necessidade hoje tornada explcita a partir do prprio sistema produtivo que as sociedades tecnolgicas tm de que o indivduo adquira uma educao geral, inclusive em sua dimenso literria e humanista (...) (PCN: ensino mdio, 2002, p. 327 grifos nossos).

    Opera-se, assim, a substituio do sentido pblico e poltico da formao

    por seu valor de mercado. O que seria a iniciao numa herana cultural

    pblica como a filosofia ou a poesia passa a ser concebido como a

    transmisso de um capital cultural privado, cujo valor pode ser aferido a partir

    de seu impacto noutras dimenses da existncia, em geral ligadas produo

    ou ao consumo de novas mercadorias.

    Sucede, ento, com a atual experincia escolar, aquilo que Arendt

    afirmava ser caracterstico da relao da sociedade moderna com os objetos

    culturais, mais especificamente com as obras de arte: elas deixam de ser

    objetos de culto, dotados de um sentido pblico, para serem concebidos como

    objetos portadores de um valor de distino. E, assim, transformam-se num

    meio circulante mediante o qual se compra uma posio mais elevada na

    sociedade ou se adquire uma "auto-estima" mais elevada. Nesse processo, os

    valores culturais passam a ser tratados como outros valores quaisquer, a ser

    aquilo que os valores sempre foram, valores de troca, e, ao passar de mo

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    em mo, se desgastam como moedas velhas (cf. ARENDT, 1978). Ou seja, eles

    perdem a faculdade que originariamente lhes era peculiar: formar Sujeitos.

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    contemporneo. In: ACCYOLI; MARRACH (Orgs.). Maurcio Tratemberg:

    uma vida para as cincias humanas. So Paulo: UNESP, 2001.

    1 O labor a atividade que corresponde ao processo biolgico do corpo humano, cujo crescimento espontneo, metabolismo e eventual declnio tm a ver com as necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida (ARENDT, 1989, p. 15). 2 Vrios autores, dentre eles Andr Duarte, comentam, com razo, a fragilidade da escolha dos

    termos labor e trabalho para traduzir labor e work, sugerindo, respectivamente trabalho e fabricao. Preferimos manter a traduo que consta nas edies brasileiras do livro A Condio Humana simplesmente para facilitar a leitura. O importante ressaltar que Arendt usa o termo work como equivalente do grego poiesis, que indica a ao de fabricar, a confeco de um objeto artesanal, de natureza material ou intelectual, como a poesia. Da mesma forma, ao (action) visa traduzir o termo grego prxis agir, cumprir, realizar at um fim , usada nos campos tico e poltico. Assim, enquanto na poiesis o objeto criado e seu artfice so distintos e separveis, na prxis no, pois a ao revela quem o agente .

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    3 A expresso mundo moderno aqui utilizada na acepo estrita que lhe d Arendt, referindo-

    se ao modo de vida que marca a experincia ocidental no sculo XX, j que a "era moderna", relativa aos sculos XVII e XVIII tambm marcada pela tentativa de restabelecimento de uma distino entre as esferas pblica e privada. 4 Segundo dados do buscador Google Acadmico, ela citada em quase 20.000 artigos!